A PERCEPÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR NA ÓPTICA DOS DOCENTES E DISCENTES. “REICHERT”, Cleuza Maria - UTCD [email protected] SILVA, Claudia Gracieli da - UTCD [email protected] Área Temática: Violência Escolar Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo O presente trabalho aborda questões voltadas à problemática da violência escolar. Este estudo, apresenta como problema da pesquisa a dificuldade de identificar como a questão “violência” está sendo percebida, entendida e mediada por professores e alunos. Objetiva entender a visão dos docentes e discentes sobre a temática, verificar quais os motivos mais freqüentes que levam o indivíduo a agir de forma violenta; verificar qual a percepção dos atores institucionais, bem como suas tomadas de decisões mediante os conflitos gerados no cotidiano. Para isso, apresenta fundamentação teórica em vários pensadores de renome como Adorno, Carvalho, Brandão, Codo, Delors, Esteve, entre outros, com o objetivo de tornar o estudo conciso e coerente. A metodologia abordada foi o estudo bibliográfico e de caso, em caráter qualitativo, através de entrevista semi-estruturada, buscando evidenciar a concepção e o sentimento dos envolvidos. Foram abordados fatores como a gênese, causas e conseqüências, além de verificar qual a percepção dos docentes, discentes, equipe pedagógica e auxiliares externos, e quando existente, a maneira utilizada para mediar às situações conflituosas no cotidiano destes. Entendendo que a violência escolar não tem fronteiras e está presente em todos os âmbitos sociais, é preciso primeiramente conhecer sua gênese para, posteriormente, ter condições adequadas e coerentes de propor trabalhos e possíveis soluções. Assim, este estudo torna-se relevante, visto nos oferecer os subsídios e fundamentação teórica necessária para articulação de um trabalho conjunto entre família, escola e comunidade. Os resultados demonstram que a amenização da problemática só é possível quando se encontra apoio nas tomadas de decisão no coletivo das instituições sociais. Palavras-chave: “Violência”; “Escola”; “Família”; “Sociedade”. 10375 Introdução O fenômeno da violência é uma das problemáticas sociais mais discutidas no mundo atual, uma vez que atravessa os limites de classe, raça e cultura, resultando em sentimentos generalizados de medo e impotência. Considerando que o problema social violência escolar está presente no cotidiano de muitas instituições escolares brasileiras, torna-se relevante a realização de uma pesquisa que possa evidenciar as concepções da temática em questão, sob a ótica dos diversos atores envolvidos. Ao observar os relacionamentos, professor/aluno, aluno/professor, aluno/aluno e sociedade em geral, percebe-se alterações significativas nas quais existem muitos conflitos e contradições que podem estar sendo influenciados pela problemática acima citada. Assim, entender o fenômeno, sua gênese, as causas e consequências, torna-se fundamental para a compreensão e futura mediação desta. Frente a esta situação, tem-se como problema da pesquisa, a dificuldade de identificar como a questão “violência” está sendo percebida, entendida e mediada por professores e alunos. Para melhor compreender o fenômeno, suas características, influências e agravantes, busca-se apoio teórico com base numa fundamentação lógica e coerente, assim, têm-se mais conhecimentos e/ou trabalhos capazes de amenizar e/ou até eliminar conflitos gerados no âmbito escolar, e com isso oportunizar ao indivíduo a participação ativa em sociedade transformando-se em um sujeito idôneo, um cidadão responsável pela construção de sua própria história. Assim, definiu-se como objetivo geral deste estudo, uma investigação sobre a violência escolar, entendendo a visão dos docentes e discentes e como podemos, enquanto cidadãos e educadores, intervir e auxiliar no enfrentamento da questão. Este objetivo geral desdobra-se em objetivos específicos através dos quais se pretende verificar quais os motivos mais frequentes que levam o indivíduo a agir de forma violenta; entender que perspectivas tem de futuro; verificar qual a percepção dos atores institucionais sobre o tema, bem como suas tomadas de decisões mediante os conflitos gerados no cotidiano; enumerar ações mediadoras destes conflitos; oportunizar aos indivíduos um aprendizado coerente e auxiliar na formação de sua própria personalidade. 10376 Para melhor direcionar este estudo, partiu-se das seguintes hipóteses: a questão social violência escolar está banalizada, muitos atores institucionais até gostariam de ajudar, mas não sabem por onde começar, pois se sentem incapacitados, outros não estão integralmente comprometidos com a educação, por medo ou descaso. Numa população de cinquenta (50) indivíduos, onde o índice de violência é bastante alto utilizou-se de uma amostragem de vinte e cinco (25) pessoas, divididos entre atores institucionais como: educadores, educandos, equipe pedagógica e auxiliares externos do Colégio Estadual Eron Domingues, de Marechal Candido Rondon, que trazem consigo experiências á priori e histórias construídas e em construção. O tipo de pesquisa adotado é de caráter qualitativo, pois se buscou maior compreensão da problemática, e entende-se que é a partir da experiência do indivíduo que se conhece a realidade. Utilizou-se como método específico o estudo bibliográfico e de caso, que segundo Ludke,(1986) constrói uma unidade de sistema mais amplo voltado para o que existe de único e particular sobre o assunto a ser estudado. Esse método possibilita atingir os objetivos da pesquisa, pois retrata a realidade e revela a multiplicidade de aspectos globais presentes nesta situação. Para a coleta de dados utilizou-se a técnica da entrevista semi-estruturada, que proporciona maior liberdade ao entrevistado fazer suas colocações, usando um roteiro através do qual foram norteadas as entrevistas conforme com o que pretende-se abordar. Este estudo torna-se relevante visto que muitos pensadores já o discutiram, contudo, a aplicabilidade das alternativas de soluções propostas, quando citada, encontra-se muito distante da nossa realidade. Definição e história da violência na sociedade Para entender a violência escolar, faz-se mister definir e entender a história da violência em nossa sociedade. No “[...] mundo ancestral em que imperava a lei do “o mais forte sobrevive”, era importante [...] ser um machão briguento com nervos a flor da pele prestes a explodir em cima dos competidores pela comida ou fêmeas. Voar pra cima dos oponentes mostrando os caninos era a única forma de garantir sua sobrevivência, e a perpetuação da espécie.” (CINCO COMPORTAMENTOS...2009). 10377 Estudos revelam que na antiguidade o homem das cavernas já se utilizava de atos violentos para garantir a procriação e a sobrevivência. Confirma-se então a idéia de que o homem exerce e é alvo de muitas manifestações de violência. Na Bíblia, encontram-se descrições de diversos atos violentos, como: enforcamentos em praça pública; homens que lutavam até à morte nos Coliseus, garantindo o pão e circo que os reis romanos davam à população; mais tarde, através da Santa Inquisição onde se vitimaram muitas pessoas, como Joana D’Arc, queimada em praça pública. Posteriormente, durante o nazismo e as guerras santas que ocorrem até hoje mundo afora, observa-se pessoas lutando em nome de um “DEUS”, histórias reais que muitas vezes não são percebidas como violência, pois resultam de atos tidos como necessários para garantir as normas que regem as sociedades. Para entender melhor o que realmente é violência, é preciso defini-la e abordá-la de maneira coerente não permitindo que a banalização tão pertinente a este tema interfira nesta compreensão. No Dicionário do Pensamento Social Século XX, de Anthony Asblaster, citado por ALMEIDA,(2009) “Não existe uma definição consensual ou incontroversa de violência. O termo é potente demais para que isso seja possível”. Entende-se genericamente por violência: “[...] a qualidade do que é violento [...] ação ou efeito de violentar, de empregar força física ou intimidação moral contra alguém; ato violento, crueldade, força [...] cerceamento da justiça e do direito; coação; opressão; tirania” (HOUAISS, 2001, p. 2866). Etimologicamente a palavra: “Violência. Do latim, violentia = violência, força, severidade, impetuosidade. O termo vem do verbo latino, violare = tratar com força, de qualquer espécie. Por isso se fala em violência: física, moral, psicológica, econômica [...]o termo contém em si a raiz da palavra latina vis = força. Ing. Violence. Esp. Violência[...]”(BEZERRA,2009) Assim, o termo passou a significar qualquer ruptura da ordem ou qualquer emprego de meios para impor uma ordem. Percebe-se uma ambiguidade que permeia o emprego de palavras como “poder” e “dominação”, o que faz a diferença é a maneira de como ela é aplicada e aceita. A violência, assim, significa o emprego da força ou da dominação sem legitimidade, isto é, na impossibilidade do conflito e da resistência. 10378 A violência pode ser entendida e sentida de diversas formas. Assim, o pensador Yves Michaud a define: Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em grau variável, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. (MICHAUD, 1989, p.10-11) Sabe-se então, que o fenômeno não parte de um único, mas de múltiplos sujeitos. Muitos pensadores tem buscado as causas deste fenômeno. Mas, estudando Freud e comparando com a realidade da história, nota-se que o Homem tem uma predisposição inata para a violência. Nasce, cresce e se desenvolve passando por diversos atos violentos. Freud, atribui o fato ao”[...] equilíbrio interno ser perturbado, da personalidade, do meio onde se inserem.” (FREUD, Anna,1987,p.162). A violência muito facilmente se banaliza. Atos violentos são internalizados como algo normal quando ocorrem com muita frequência. Sem saber exatamente sua gênese e sua solução, aplicam-se medidas provisórias tentando amenizar a problemática. Esta tomada de decisão quando mal administrada, pode causar um problema ainda maior, ou seja, trabalhos propostos e realizados de maneira equivocada, prejudicarão trabalhos futuros, uma vez que perde-se a credibilidade sobre o tema. Chauí (1985), afirma que a violência é a ação de “coisificar” o sujeito, isto é, uma violência que se caracteriza pela passividade, muitas vezes anulando o outro. Adorno (1988), em seu texto Violência e Educação, também se referem à “coisificação”. Ele diz que a violência é uma forma de relação social. A violência é expressa através de comportamentos na sociedade. Essa violência vivida entre diversas categorias profissionais resulta na transformação do sujeito em objeto, negando alguns valores universais, tornando-se numa ameaça à vida, reduzindo, alienando e anulando a manifestação dos direitos dos indivíduos. Segundo o Relatório Mundial sobre a Violência - Organização Mundial de Saúde – OMS, existem três tipos de atos considerados violentos: “violência auto-infligida, [...] comportamento suicida, auto-abuso [...]; violência interpessoal [...] infligida por uma pessoa ou por um pequeno grupo de pessoas [...]; e violência coletiva [...] infligida por grupos maiores como Estados, grupos políticos organizados, grupos de milícia e organizações terroristas [...]”. 10379 (RELATÓRIO MUNDIAL, 2002, p.5) Entendendo que a violência é multicausal, algumas podem ser percebidas enquanto outras possuem raízes profundas na história cultural humana. É preciso considerar que existem alguns fatores biológicos e outros externos que explicam algumas predisposições para a agressão, fatores estes que interagem com o contexto, como os familiares, comunitários, sociais e históricos. Desta forma, a interação sujeito-contexto não permite a simplificação de apontar causas para a violência no sujeito ou no contexto. A violência escolar, incluída na violência urbana, é compreendida não apenas por crimes, mas todo o efeito que provoca sobre as pessoas e as regras de convívio na sociedade. A violência urbana interfere na vida social, prejudica a qualidade das relações, interferindo na qualidade de vida. Como pode ser observado em: gangues, pixações, depredação do espaço público, agressões verbais e físicas que compõem o quadro da perda desta qualidade de vida. Violência: a gênese da problemática O crescimento da violência vem afetando todos os segmentos da sociedade, principalmente no âmbito escolar. Este crescimento abre a discussão de que o mundo estaria passando por uma nova “epidemia social” e por um dos mais graves fenômenos que a saúde pública possa estar enfrentando. (SILVA, SOARES, SILVA, 2009) Nos últimos anos, as mais variadas manifestações de violência afloraram e são apontadas com grande intensidade, como principal problema nas grandes cidades, gerando diversas interpretações, sendo sistematicamente explicadas de forma reducionista e automática. Estudos apontam que as crianças e os adolescentes são as verdadeiras vítimas da violência e não seus autores, este perfil é traçado através da compreensão de todo o conjunto de fatores sociais envolvidos na questão. Muitas vezes verificamos que as condições de vida destes adolescentes são tão precárias que não permitem que a família, enquanto instância de medição entre a sociedade e os indivíduos, consiga atingir um desenvolvimento integral e consequentemente atingir uma mudança social. Os problemas que a crise traz, influenciam tanto na vida das famílias, que estas não conseguem proteger aspectos importantes da interação familiar que tem como finalidade o desenvolvimento das potencialidades de seus integrantes. 10380 Torna-se necessário, entre uma lacuna e outra, a luta pela recuperação da consciência crítica, pela criação de alternativas e pela reflexão sobre as ações dos membros que compõem a família. As relações humanas estão envolvidas em todos os setores da sociedade e muitas vezes não são reais, algumas reações que se tem podem ser decorrentes do comportamento aprendido durante o processo de formação da personalidade do indivíduo. Assim, pode-se inferir que as relações, o convívio familiar e social influenciam em todas as situações sociais existentes no cotidiano. A personalidade depende da formação que o sujeito tem na primeira instituição na qual o indivíduo está inserido, ou seja, a família. A personalidade pode ser modelada, pois inclui todos os sentimentos como o amor e o ódio de uma pessoa, suas aptidões e no que ela se interessa desde a sua forma de agir como também de pensar. Ela representa tudo o que uma pessoa foi, é, e provavelmente será. Em outras palavras, de acordo com o que o indivíduo vai vivenciando, vai formando e modelando sua personalidade. O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, afirma que "[...] a família constitui o primeiro lugar de toda e qualquer educação e assegura, por isso, a ligação entre o afetivo e o cognitivo, assim como a transmissão dos valores e normas” (1996: p.95). Contudo, com todas as transformações sociais e a necessidade de trabalho mais acirrado, os pais chegam em casa cansados e muitas mulheres ainda tem sua jornada duplicada, uma vez que é responsável também pelos afazeres domésticos. A criança e/ou o adolescente ocupa-se assistindo televisão, brincando sozinha, jogando no computador, usando a internet, o orkut, entre outras atividades individualizadas, sem receber a atenção devida de um adulto. Sabe-se que a criança e o adolescente precisam de apoio familiar e social, pois é vital reconhecer que a verdadeira independência não se constrói em um dia, visto que os valores serão apenas internalizados após um longo processo pelo qual o indivíduo passa, por isso a adolescência é reconhecida como a fase mais conflitante da vida. Quando o assunto conflitos na adolescência é abordado, nota-se que a maioria das pessoas apenas culpa o sistema capitalista pela atual anarquia familiar, argumentando que os pais andam muito ocupados para perceber as mudanças que ocorrem na vida de seus filhos, 10381 mas o que realmente acontece é que não existe uma compreensão destes fenômenos. Assim, não sendo compreendidos não podem ser aceitos. E mais grave ainda, não podem ser orientados. Desta forma surgem os conflitos, pois a enorme barreira de incompreensões dificulta ou até impossibilita um entendimento mutuo. Os problemas apresentados pelas crianças e adolescentes não podem ser entendidos como mais uma fase da vida que passa sem deixar sequelas. Eles merecem uma atenção redobrada, porque o que talvez pareça algo simples, pode, na realidade ser muito grave, culminando com problemas como a violência escolar. Isto se verifica quando se aborda a questão do “bullying”, que a princípio parece ser apenas brincadeira de crianças e que na sua essência possui resultados catastróficos quando não mediados. Atribuir à problemática apenas na questão familiar, educacional, econômica não é fator explicativo do fenômeno, mesmo porque existe uma problemática cultural que vai da forma da organização da economia aos modos individuais de sobrevivência. Precisa-se concordar com Velho(1996) que, “[...] a pobreza isoladamente não explica a perda de referenciais éticos que sustentem as interações entre grupos e indivíduos”. Esse parâmetro de pensamento colocado por Velho(1996), é significativo para pensar a violência na sociedade brasileira. Segundo sua proposta, “[...] as variáveis fundamentais para compreender a crescente violência da sociedade brasileira [...] é o fato dela ser acompanhada por um esvaziamento de conteúdos culturais, particularmente os éticos, no sistema de relações sociais.” O que agrava ainda mais a problemática é a grande dificuldade que os pais muitas vezes possuem em orientar seus filhos, visto que já perderam a autoridade, a confiança e credibilidade através de seus exemplos negativos. A gênese da problemática neste caso não está no cerne da educação. Pode estar em problemas que deveriam ser direcionados para a saúde mental, para a proteção social ou até mesmo judicial. O que ocorre inúmeras vezes é que a escola e a família estão despreparadas para enfrentar problemas relacionados à saúde, a questões sociais, psicológicas e judiciais. Não existe dentro das escolas uma equipe pedagógica completa preparada para direcionar problemas de conduta grave. Há a falta de profissionais relacionados às situações sociais mais sensíveis, como um assistente social ou um psicólogo, capazes de diagnosticar mais facilmente o cerne dos problemas. 10382 Segundo Santos, O pressuposto de que a violência é o discurso da recusa e que nasce da palavra e do gesto emparedados, que a violência é uma recusa da palavra, a negação do outro como ato social, exige que se tente entender as mensagens implícitas nos atos de violência. Fica claro, portanto, a necessidade de "desnaturalizarmos" a violência, sob pena de, em não o fazendo, acabarmos por banalizá-la a tal ponto que nada mais tocará nossa sensibilidade, tornando-nos cada vez mais duros com o outro, menos solidários e fraternos. (SANTOS, 2005,) De acordo com docentes e discentes, o clima de insegurança e medo, em função da violência, acaba interferindo no cotidiano escolar, estabelecendo uma “lei do silêncio”, provocando a impotência. Num ambiente como esse, a “lei do silêncio” e a lei do mais forte imperam. As testemunhas e vítimas não comentam o visto, o sabido por temor da represália ou de ser estigmatizado, o que fortalece a cultura do medo. Revela-se, ainda, a vulnerabilidade dos mais fracos, decorrente da intimidação física verbal, banalizando a violência e fazendo com que os diferentes atores se sintam desprotegidos. Isso implica, por sua vez, a sensação de falta de segurança, de desordem e de impunidade, o que gera a desorganização do espaço público. (ABROMOVAY; AVANCINI, 2005) Se os educadores sentem com esse medo, deixam de ter segurança própria para organizar o pensamento, e mais, dessa forma fica difícil perceber se o aluno está ou não aprendendo. A insegurança dos professores e o medo afetam o processo pedagógico: o indivíduo não pensa, não aprende e não ensina com medo. Enfrentar a violência por meio de regras e códigos de conduta rígidos parece não ser a solução adequada. Ela precisa ser encontrada no cotidiano considerando cada grupo como único, por todos os atores institucionais, em todos os âmbitos escolares, contribuindo para o desenvolvimento de uma ética grupal. Faz-se necessário uma organização e planejamento coletivo, em busca de uma nova escola capaz de atender a demanda e suas necessidades. “A interação em qualquer ambiente nasce da aceitação do outro onde o respeito e o acolhimento facilita a convivência entre os seres humanos. Na escola, o ambiente das relações inter-pessoais deve estar focalizando a constituição do eu, a compreensão do indivíduo com suas diferenças e qualidades, para ter condições de vida nos grupos”. (BEZERRA; BATISTA. 2005) 10383 Entende-se que a organização escolar feita por todos oferece maiores chances de sucesso. Esforços conjuntos através de idéias inovadoras proporcionam novas formas de pensar e agir, possibilitando a completa formação do aluno. Segundo o pedagogo J.M. Esteves, em seu livro “O mal estar docente” publicado em 1987, explica como os professores, enquanto “grupo profissional”, tem reagido aos desajustes que as mudanças sociais provocam em seu trabalho. Este resume um estado de decepção e uma permanente atitude de lamento diante de processos sobre os quais os professores não tem mais, se é que tiveram algum dia, poder de interferência. Percebe-se na fala dos professores uma nostalgia da educação. Faz-se constantes comparativos e constatações negativas: o ensino já não é o que era; os alunos já não são o que foram; no meu tempo não era assim[...] O mal estar do educador é decorrente de fatores associados como ações do professor em sala de aula, relacionados ao estado psicológico deste. Estas ações afetam diretamente seu trabalho, sua implicação e seu esforço. Atualmente verifica-se que o educador faz muito mais que seu papel, que é o ensinar. Com a ausência de participação dos pais na vida de seus filhos, a educação passa a fazer parte da tarefa do professor, sobrecarregando-o no papel de pai, psicólogo e educador infalível, intelectualmente bem preparado. A sobrecarga de tarefas faz com que o professor se desinteresse pelo próprio trabalho, pelo trabalho dos alunos e pelo trabalho dos colegas, sem se importar com mais nada, deixa de realizar a sua função com primazia. Observa-se em Codo, que nos mostra o quanto alguns professores estão desanimados: “[...] tratando alunos como se estivessem lidando com uma linha de montagem de salsichas, [...] o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho” (Wanderley Codo, 1999, p.238). Seria como se estivesse desistindo de ser educador, o que poderia refletir uma falência na educação. A postura política/social dos docentes é fundamental frente à nova demanda para o enfrentamento adequado do problema violência escolar. Esta postura precisa ser constantemente repensada, favorecendo meios para o enfrentamento do problema em questão. Apresentação da Pesquisa 10384 Percebe-se que não há uma unanimidade entre os professores quanto a percepção da violência escolar. Alguns a entendem como qualquer forma de agressão: verbal, física ou psicológica, enquanto outros, a percebem somente relacionada ao crime e a mera transgressão de normas. São diversos os fatores geradores da violência apontados pelos docentes, como a desestruturação familiar e fatores a elas relacionados; a mídia; o descaso de órgãos competentes; a apatia da sociedade e a desigualdade social. Na pesquisa constatou-se que os pais e/ou responsáveis não têm um acompanhamento presente na vida de seus filhos. Eles entendem a escola como única responsável pela educação e não percebem que a sua participação no processo de aprendizagem é fundamental para a construção da história dos sujeitos, para consolidar uma conquista de cidadania. A falta de participação dos pais, responsáveis e/ou da comunidade no cotidiano da instituição leva a outro fator determinante, gerador de violência, o individualismo e a competitividade - consequências do sistema de produção capitalista – geram dificuldades de estabelecer normas e regras disciplinares compartilhadas por todos. Parece que os discentes não têm valores sociais assimilados pela educação familiar, assim muitos não percebem que suas atitudes são de violência, visto que em suas brincadeiras, muitas vezes inconvenientes, acabam por agredir colegas e professores. Por outro lado, alguns vivem a violência diariamente em suas casas e acabam externando seus sentimentos com atitudes violentas, no ambiente escolar. Nestas situações, verifica-se que os professores estão preocupados, porém não conseguem encontrar uma estratégia eficaz, uma vez que não realizam um trabalho coletivo, ou seja, em nenhum momento das entrevistas o Serviço Social, a coordenação e a direção são citados como mediadores de tal problemática. Contudo, grande número de professores afirmam, categoricamente, que encaminhar problemas deste nível para alguns destes setores não traz resultados, e isto evidencia mais uma vez que o trabalho não é realizado de forma coletiva. Verifica-se também que muitos professores estão descomprometidos com a educação. Em suas falas deixam transparecer que muitas vezes “fazem de conta” que situações conflituosas não estão ocorrendo, pois acreditam estar facilitando o trabalho e sua vida profissional. 10385 Além de todos estes fatores apontados existe ainda outro agravante. Percebe-se que os professores não compreendem a Lei de Proteção à Criança, - o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) citam este como “proteção demasiada”. Subentende-se que este é percebido como dificultador da mediação das problemáticas, por ser entendido como instrumento que confere apenas direitos e não deveres à estas crianças e adolescentes, uma visão claramente equivocada. Constatou-se a interferência dessa problemática no processo pedagógico. Os alunos deixam de ir às aulas, os professores abandonam a escola. No discurso dos professores, há uma queixa sobre a qualidade das aulas, o baixo rendimento é associado à indisciplina e ausências, e quase metade deles se diz sem estímulo para trabalhar. A violência tem repercussões na qualidade do ensino e não resta dúvida que elas são graves. Toda essa situação que aqui tenta-se esboçar a partir do contato com docentes e discentes, revelou um mal-estar generalizado, como verifica-se em Esteve, 1999. Considerações Finais Considerando que violência escolar não tem fronteiras de classe, raça ou cultura, esta deve ser abordada com extrema cautela visto que várias são suas definições e principalmente porque ela não é percebida por todos como tal. Ao observar os relacionamentos sociais, percebe-se nitidamente as mudanças drásticas que estamos sofrendo, mudanças estas repletas de conflitos e contradições que influenciam diretamente todos os setores. Compreender melhor o fenômeno da violência, suas características, influências e agravantes é primordial para amenização, mediação ou eliminação de tal problemática, favorecer condições de convivência, oportunizar à todos uma qualidade de vida significativa. Estudos apontam que a violência escolar já está internalizada pela maioria dos atores no processo ensino-aprendizagem. Percebe-se que problemas graves são vistos como meras transgressões, enfatizando que muitas vezes os profissionais envolvidos não estão corretamente capacitados para tal. Eles, com as melhores intenções procuram mediar as situações geradas, não se dando conta que estão apenas protelando ou até agravando o problema. Por outro lado, muitos são também os momentos nos quais se percebe que os 10386 profissionais “fazem de conta” que nada aconteceu, acreditando que ignorar as situações conflituosas é o melhor meio para manter-se afastado de problemas posteriores. Esta falsa concepção de proteção pode em pouco tempo se transformar em um problema maior. A banalização da violência escolar, tanto na mídia como no nosso cotidiano, deve ser motivo de preocupação não apenas do corpo docente, mas de todos os atores institucionais, bem como, da comunidade, pois entende-se que ela transpassa os muros escolares afetando diretamente a sociedade como um todo. Faz-se mister considerar que a violência é consequência de diversas causas, que nem sempre são oriundas do momento vivido, mas, podem estar ligadas a fatores históricos, culturais e sociais. Estas relações interagem no contexto no qual o indivíduo se encontra, ou seja, é desencadeada na interação sujeito-contexto. Ressalta-se que esta problemática não é de fácil solução, contudo, com muita perseverança, trabalho em equipe, comprometimento e profissionalismo pode-se chegar a um resultado positivo. Consequentemente pode-se ter melhores condições de trabalho oportunizar o aprendizado concreto, auxiliar na formação dos sujeitos enquanto construtores de suas próprias histórias. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002. ADORNO, Sérgio. Violência e educação. São Paulo. Tempo Social,1988 ALMEIDA, Sandra. Sintomas do mal-estar na educação: subjetividade e laço social. In: Anais do II Colóquio do Lugar de Vida / LEPSI, Usp. São Paulo: 2000. ALMEIDA, Sheila Menezes de,; et al. O que é violência. Disponível em: <http://www.religare.com.br/mural.php?materia=157> Acesso em 11 abr. 2009 AQUINO. Julio Groppa. 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