O Percurso Gerativo da Construção Discursiva Utilizada nos Vídeos da
Propaganda Eleitoral do Candidato a Deputado Federal Tiririca1
SILVA, Amanda Rosieli Fiuza e2
SANTOS, Giandra Carla dos3
PETERMANN, Juliana4
BARATTO, Mariângela Barichello5
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS
Resumo
O objetivo deste estudo é analisar, a partir da semiótica, o percurso gerativo nos vídeos
da propaganda eleitoral do candidato a Deputado Federal Tiririca nas eleições 2010,
identificando o modo de construção da figura do político-palhaço através dos textos que
constituem o discurso do enunciador, sejam textos visuais e verbais (com ênfase neste
último), reconhecendo os argumentos propostos pelo candidato para obter aceitação do
público eleitoral e, assim, passar do status de palhaço/candidato para político/eleito.
Palavras-chave
Semiótica; Níveis do Discurso; Propaganda Eleitoral; Tiririca
Corpo do trabalho
Nas Eleições de outubro de 2010, foram escolhidos candidatos para os cargos de
Presidente, Governadores, Câmara dos Deputados, Deputados Federais e Estaduais. As
eleições desse ano foram marcadas pela presença de candidatos reconhecidos na mídia,
que não possuíam uma trajetória política; Candidatos que causaram polêmica acerca de
1
Artigo desenvolvido na Disciplina de Semiótica da Comunicação, ministrada pela Profª Juliana Petermann, no
Curso de Comunicação Social – Habilitação Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Santa Maria.
2
Acadêmica do 3º semestre do Curso de Comunicação Social – Habilitação Publicidade e Propaganda da
Universidade Federal de Santa Maria: [email protected]
3
Acadêmica do 3º semestre do Curso de Comunicação Social – Habilitação Publicidade e Propaganda da
Universidade Federal de Santa Maria: [email protected]
4
Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Comunicação Social da UFSM: [email protected]
5
Acadêmica do 3º semestre do Curso de Comunicação Social – Habilitação Publicidade e Propaganda da
Universidade Federal de Santa Maria: [email protected]
1
suas campanhas eleitorais e chamaram a atenção do público eleitor pelas peculiaridades
dos discursos apresentados.
O estudo em questão analisa um material audiovisual específico: trata-se da propaganda
eleitoral do candidato a Deputado Federal pelo estado de São Paulo, o palhaço Tiririca.
Para analisar esse objeto é interessante ter claros alguns conceitos, a fim de facilitar o
processo de estudo do discurso e a construção da linha de raciocínio para tal estudo.
Levando em consideração o universo do objeto estudado (Eleições), procurou-se
conceituar as três características que norteiam o contexto do objeto. Entende-se por
Propaganda Eleitoral a ação
“que visa a captação de votos, facultada aos partidos, coligações e
candidatos. Busca, através dos meios publicitários permitidos na Lei
Eleitoral, influir no processo decisório do eleitorado, divulgando-se o
curriculum dos candidatos, suas propostas e mensagens, no período
denominado de „campanha eleitoral” (SOBREIRO NETO, 2002, p.164)
O discurso analisado foi veiculado durante a campanha eleitoral, em que o palhaço
Tiririca foi candidato a Deputado Federal. Quem assume esse cargo é entendido como
sendo
“(...) o representante do povo e a sua representação tem o caráter de
representação nacional embora estejam presos à sua base de sustentação
política. Não há, no direito eleitoral brasileiro, a representação distrital,
todavia, à exceção de poucos deputados federais que recebem votos em
toda a circunscrição do Estado ou do Distrito Federal, a maioria vive em
função de seu colégio eleitoral, atendendo à sua clientela política a par
das suas obrigações de parlamentar afeito ao interesse nacional.”
(GODOY, Mayr. “Eleições 1998”6)
Quem pretende assumir esse cargo é Francisco Everardo de Oliveira Silva, 45 anos,
mais conhecido como Tiririca, o humorista, cantor e também compositor. Natural do
Ceará, Tiririca começou sua carreira fazendo apresentações em circos, vindo a ser
reconhecido nacionalmente a partir do sucesso das suas canções, de melodias fáceis e
com letras engraçadas e memorizáveis. Logo começou a participar de programas de
televisão e conquistou o público. Depois de um período oculto na mídia, em 2010,
6
Disponível no site: http://www.guiadoeleitor.com.br/cargos/defe.htm
2
Tiririca lançou sua candidatura para Deputado Federal, representando o estado de São
Paulo por meio do Partido da República (PR).
METODOLOGIA
O estudo do discurso do candidato foi feito a partir da análise de vídeos da campanha
eleitoral do mesmo, com base no conceito de Percurso Gerativo de Sentido apresentado
principalmente por FIORIN (2005), que leva em consideração os Níveis do Discurso. O
Percurso considera o processo de interpretação de sentido numa sucessão de etapas de
análise, do mais simples ao mais complexo. O processo é formado por dois
componentes, um sintáxico e outro semântico. “A sintaxe dos diferentes níveis do
percurso gerativo é de ordem relacional, ou seja, é um conjunto de regras que rege o
encadeamento das formas de conteúdo na sucessão do discurso.” (FIORIN, 2005, p.21)
Isto significa que a sintaxe considera o encadeamento do conteúdo nas formas de
sucessão do discurso. Enquanto a semântica, estuda a estrutura do discurso, revelando
os sentidos, examinando a construção das relações entre os vocábulos. Porém,
“a distinção entre a sintaxe e a semântica não decorre do fato de que uma
seja significativa e a outra não, mas de que a sintaxe é mais autônoma
que a semântica, na medida em que uma mesma relação sintática pode
receber uma variedade imensa de investimentos semânticos.” (FIORIN,
2005, p.21)
Para o estudo, deve-se considerar discurso como sendo algo formado por textos.
Entendendo-se por texto toda e qualquer forma de expressão, sendo ela não somente
verbal, mas também todo suporte de manifestação de um discurso. Tendo em vista as
referências utilizadas, optou-se pela ênfase ao estudo do discurso verbal apresentado
pelo objeto em questão, sem deixar de considerar os elementos visuais, mas analisando
estes como auxiliadores de sentido para a formação do discurso verbal.
Objeto de Estudo
Foram analisados três vídeos que fizeram parte da campanha eleitoral do candidato a
Deputado Federal, Tiririca, veiculados na mídia televisão, no horário reservado para a
propaganda eleitoral gratuita no estado de São Paulo. Porém, no caso estudado, os
materiais divulgados na campanha ultrapassaram o suporte original, alcançando um
3
grande espaço também na internet. Os discursos audiovisuais utilizados para análise
foram retirados da ferramenta de compartilhamento online de vídeos, o Youtube, visto
que o estudo foi realizado em um período posterior ao da campanha eleitoral.
Transcrição1. Vídeo de Propaganda Eleitoral – Candidato Tiririca (26”)
“[música] 2222 Deputado Federal / 2222 Tiririca é Federal [/música]. Oi gente, estou
aqui para pedir seu voto puis que eu quero ser Deputado Federal, para ajudar os mais
necessitado, inclusive a minha família. Portanto, meu número é 2222. Se vocês não
votarem, eu vo morre.”
Transcrição2. Vídeo de Propaganda Eleitoral – Candidato Tiririca (23”)
“Eu sou o tiririca da televisão. Sou candidato a Deputado Federal. O que é que faz um
Deputado Federal? Na realidade eu não sei. Mas vote em mim, que eu te conto. Vote no
Tiririca, pior do que tá não fica. Vote 2222 para Deputado Federal. Valeu?”
Transcrição3. Vídeo de Propaganda Eleitoral – Candidato Tiririca (25”)
“Eu sou o Tiririca, Deputado Federal. Meu número é 2222. Quando vocês apertar na
urna lá, vai aparecer esse cara aqui ó [foto dele sem as fantasias] e esse cara aqui so eu.
Ó candidato lindu!”
Figura1. Trecho do vídeo de Campanha Eleitoral do candidato Tiririca. Na
imagem, momento da coreografia da música de introdução de seu discurso.
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Figura2.
Trecho do vídeo de Campanha Eleitoral do candidato Tiririca.
Momento em que o candidato profere seu slogan.
Figura3. Trecho do vídeo de Campanha Eleitoral do candidato Tiririca. Momento em
que o candidato, em seu ethos palhaço, aponta para seu ethos político (Tiririca como
Francisco Everardo, sem a fantasia do palhaço).
O discurso do objeto de estudo em questão é um discurso incompleto, pois não
apresenta todas as fases da sequência canônica (Manipulação, Competência,
Performance, Sanção), apenas oferece argumentos, na expectativa de respostas. Estas
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não são apresentadas no discurso, por isso a narrativa completa-se apenas na fase da
Manipulação. Trata-se então, de uma proposição, na qual o enunciador pretende passar
de um estado A para um estado B, e busca essa transformação por meio da aceitação de
seu discurso por parte do receptor.
Para análise mais profunda, os Níveis de Sentido foram estudados separadamente. Cada
um descrito em sua semântica e sintaxe próprias. Assim, um esquema pode ser
montado, contendo os níveis e subníveis identificados como existentes no discurso do
candidato:
Sintaxe
Nível
afirmação e negação de a (Aceitação) afirmação e negação
Fundamental
de b (Negação)
Nível Narrativo
Semântica
Valores de oposição
Aceitação (eufórica) x
Negação (disfórica)
Enunciados de estado (disjunção e conjunção e liquidação
Objeto modal e Objeto de
da privação)
valor
Classe argumentativa
Operadores argumentativos
Nível
Discursivo
Marcadores de pressuposição
Tematização
Gênero do discurso
Figurativização
Deixis
Ethos
Nível da
Plano da Expressão e Plano do Conteúdo
Manifestação
Recursos fônicos, rítmicos, sintáticos, figuras de construção
O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
“O percurso gerativo é um modelo que simula a produção e a interpretação do
significado, do conteúdo.” (FIORIN, 2005, p.44) Esse modelo considera o fato de que o
discurso não produz sentido somente através dos vocábulos, das palavras e da
construção do enunciado, mas também dos elementos que formam o discurso, tanto
sintática quanto semanticamente. O discurso define-se como o nível do percurso
gerativo que permite a transformação de formas narrativas abstratas em elementos
concretos. Na análise do texto de Tiririca, percebe-se isso claramente, já que o sentido
do discurso se dá não apenas pelos pronunciamentos, mas também pela entonação e pela
maneira de se expressar através das vestimentas e manifestações psicológicas.
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Nível Fundamental
No Nível Fundamental, a semântica e a sintaxe, “(...) representam a instância inicial do
percurso gerativo e procuram explicar os níveis mais abstratos da produção, do
funcionamento e da interpretação do discurso” (FIORIN, 2005, p.24). No texto em
questão, Tiririca se apresenta ao enunciatário e expõe argumentos para convencê-lo a
aceitar seu discurso. Por outro lado, o receptor é livre para negar esse discurso. Dessa
forma, percebe-se de maneira clara a presença da semântica do Nível Fundamental por
meio dos valores de oposição: Aceitação versus Negação.
A aceitação pertence à categoria eufórica, sendo positiva para o candidato, pois significa
que os receptores aceitaram os argumentos apresentados na forma de discurso e votarão
nele. Já a negação pertence à categoria disfórica, sendo desvantajosa para o enunciador,
caso o público não aceite os argumentos do discurso, significando que ele não receberá
votos e não será eleito.
Visto que no caso estudado o objetivo principal da construção do texto é passar de um
estado A (palhaço/candidato) e alcançar um estado B (político/eleito), o enunciador
inicia seu discurso apresentando-se ao público. Sendo que os valores de oposição (a e b,
Aceitação e Negação, respectivamente) identificados na semântica do Nível
Fundamental agora se relacionam com base no esquema apresentado por FIORIN
(2005, p.23)
a) Afirmação de a, negação de a, afirmação de b;
b) Afirmação de b, negação de b, afirmação de a.
o enunciador constrói sua fala inicial considerando-se já aceito pelo público. Ao
pronunciar “Eu sou o Tiririca, Deputado Federal”, ele descarta a possibilidade de seu
discurso ser negado pelo público (negação de b). O discurso segue e ao falar “Quando
vocês apertar na urna lá vai aparecer esse cara aqui ó, e esse cara aqui sou eu” ele
considera que seu discurso já foi aceito (afirmação de a). O discurso assim se encerra e
ele pronuncia “Se vocês não votarem em mim, eu vo morre”. Neste caso, ele afirma a
negação, mas por outro lado, aplica uma chantagem a fim de comover o enunciatário e
assim convencê-lo a aceitar o discurso.
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Nível Narrativo
Refere-se à narratividade, algo existente em todos os tipos de texto. É uma construção
de discurso com base em uma narrativa mínima: a passagem de um estado inicial para
um final por meio de uma transformação. Essa transformação não pode ser afirmada no
discurso analisado, porém pode ser pressuposta: o enunciador busca passar de um
estado A (o seu estado atual de palhaço/candidato) para um estado B (futuro pretendido
de político/eleito). Nesse caso, a transformação chegaria à sanção somente por meio do
voto, que representa a Aceitação do discurso por parte do público.
A frase que garante a mudança de estado do enunciador é a seguinte: “Eu sou o Tiririca,
Deputado Federal”, nela, o enunciador pressupõe que seu discurso já tenha sido aceito.
Essa Aceitação representa, na sintaxe do Nível Narrativo, uma conjunção, um estado
positivo para o enunciador. Já a disjunção está presente no discurso quando o candidato
considera a possibilidade de seu discurso ser negado (representada pelo trecho “Se
vocês não votarem [...]”), esse é um estado negativo para o candidato, pois significa que
ele permanecerá no estado inicial e não alcançará a transformação pretendida.
O enunciado de estado possui duas espécies de narrativas mínimas: a de privação e a de
liquidação de privação, porém no discurso analisado foi identificada apenas uma dessas
espécies, a segunda, que é a passagem de um estado inicial disjunto para um final
conjunto, o que indica uma ascensão de cargos: o palhaço/candidato alcança o status de
político/eleito.
A sequência canônica do discurso analisado apresenta apenas uma das quatro fases, a da
Manipulação. Isso se explica pelo fato do discurso utilizado nas propagandas eleitorais
ser uma forma de persuadir o receptor com o intuito de alcançar um objetivo, o voto. No
caso do discurso analisado, o candidato utiliza argumentos para convencer os receptores
e conseguir a aceitação, pretendendo juntar votos para sua eleição.
A semântica do Nível Narrativo ocupa-se dos valores inscritos nos objetos da narrativa.
Podem ser de dois tipos: objetos modais ou objetos de valor. Sendo o objeto modal
aquele necessário para obter outro objeto (FIORIN, 2005). Percebe-se que no discurso
do candidato Tiririca o objeto modal é a Aceitação dos argumentos. Ela é necessária
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para que o enunciador seja eleito. Nessas condições, é possível identificar também o
objeto de valor, o voto, cuja obtenção é o fim último do sujeito enunciatário.
Nível Discursivo
Como é comum em discursos construídos para propagandas eleitorais, o enunciado de
Tiririca apresenta um conjunto de argumentos que servem de base para a classe
argumentativa, que tem como critério principal o merecimento. Os argumentos
identificados na classe argumentativa da sintaxe do nível discursivo pode ser
representada da seguinte maneira:
Razões pelas quais o candidato merece ser eleito Deputado Federal (merecimento):
Ajudará os mais necessitados;
Irá aprender qual a função de um Deputado Federal e divulgá-la a todos;
Após alcançar a ascensão pretendida, passará o conhecimento para a população.
Mas como o discurso não informa as prioridades e o nível de importância de cada
argumento, não é possível delimitar uma escala argumentativa para tais.
Algumas palavras podem ser empregadas num discurso de acordo com as intenções
pretendidas. No discurso analisado as intenções identificadas foram as de enfatizar,
salientar, justificar, comparar, explicar.
Se tomarmos como exemplo a frase “(...) eu quero ser Deputado Federal, para ajudar os
mais necessitado, inclusive a minha família” nota-se que o termo “inclusive”, além de
destacar o argumento (ajudar os mais necessitados), ironiza-o, transformando uma
promessa básica comum em discursos políticos, numa peça de humor e, assim,
diferencia o discurso apresentado dos demais.
No discurso, há três expressões que podem ser consideradas operadores argumentativos.
A primeira estabelece uma relação de comparação entre o cenário atual da Câmara dos
Deputados (sem a eleição do candidato) e uma possível mudança de estado (a eleição do
candidato). Nesse trecho, o candidato tenta convencer o receptor a votar nele levando
em consideração o fato de que a situação em que a Câmara dos Deputados se encontra
não pode piorar com a sua eleição. Para isso, vale-se da expressão “pior do que tá não
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fica”. O outro operador argumentativo é a palavra “mas”, que é empregado com a
função de resolver o problema a respeito da falta de conhecimento acerca da função
desempenhada por um deputado federal. O trecho em que ela é utilizada é o seguinte:
“O que é que faz um Deputado Federal? Na realidade eu não sei. Mas vote em mim, que
eu te conto.”.
A fim de justificar o seu contato com o receptor, o candidato expõe a razão para a
construção de seu discurso. Para tanto, utiliza o operador argumentativo “pois” no
trecho “estou aqui para pedir seu voto puis que eu quero ser Deputado Federal” 7.
No discurso analisado podem ser encontradas marcas de operadores que indicam
pressuposições de estados, ou seja, deixam implícitas circunstâncias anteriores ou
futuras. É o caso de “estou aqui para pedir seu voto”. Nesta frase, percebe-se que
Tiririca encontra-se fora do seu cenário natural. O trecho “eu quero ser Deputado
Federal” também indica marcas de operadores, nesse caso, está implícito o fato de
Tiririca não ser um Deputado Federal, nunca ter sido, mas desejar tornar-se um.
Há ainda outros marcadores que estão presentes de forma mais indireta no discurso
construído. São aqueles que utilizam o verbo “ser” para apontar estados. Analisando o
trecho “Eu sou o Tiririca da televisão. Sou candidato a deputado federal”, percebe-se
que na primeira vez em que foi empregado, o verbo “ser” sugere um estado de
permanência: o palhaço, já conhecido pelos receptores, continuará assumindo esse
cargo. No segundo emprego do verbo, a intenção foi a de mostrar que além de ser
palhaço, o enunciador assume um cargo adicional: ser candidato a Deputado Federal,
algo que permite a ele continuar ativo em sua primeira função.
Analisando os Gêneros do Discurso apresentados por MAINGUENAU (1998),
percebeu-se no discurso a existência de um gênero comunicacional audiovisual,
elaborado especialmente para o discurso político. O enunciador assume o estatuário de
candidato político, mas divide a narrativa entre um padrão comum ao meio e um caráter
de entretenimento representado pelo palhaço através de falas coloquiais e vestimentas
coloridas. O enunciador explora sua personalidade de palhaço a fim de que o receptor
perceba nele a existência de características comuns entre ele e o povo. Dessa forma,
7
Notou-se o erro de pronúncia, por meio da transcrição do texto proferido, porém, esse emprego da grafia coloquial
não impediu a classificação desta palavra como operador argumentativo.
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desconstroem-se barreiras hierárquicas entre o candidato (enunciador) e os eleitores
(enunciatário), aproximando posições sociais diferentes. A mistura de gêneros no
discurso em questão tem a intenção de ironizar as falas clichês e promessas comuns que
há muito tempo fazem parte do cenário político eleitoral brasileiro.
A Dêixis e O Ethos
No discurso, verbal e visual, analisado, pode-se perceber a existência de termos que
podem ser usados para designar “quem fala”, em que lugar e tempo. São três os termos
utilizados para isso: Cenografia, Dêixis e Ethos e estão diretamente relacionados. Os
dois últimos aparecem de forma mais clara no objeto de estudo analisado e referem-se à
“personificação” do enunciador.
No discurso utilizado na campanha Eleitoral do candidato Tiririca, estão presentes dois
personagens: o palhaço e o político e assim, o discurso possui também essas duas
formas de “personificação”. Considerando a Dêixis, aquela que trata da linguagem
verbal utilizada no discurso, pode-se classificá-la de duas formas: Dêixis Discursiva e
Dêixis Fundadora, sabendo que “A dêixis discursiva consiste apenas em um primeiro
acesso à cenografia de uma formação discursiva (...)” (MAINGUENEAU, 1989, p. 42).
Nota-se que, no discurso em questão, a dêixis está representada pelas falas do palhaço
Tiririca. Porém, esse discurso não é o único utilizado, visto que se trata de uma
campanha Eleitoral, o político Tiririca também se manifesta, nesse caso por meio da
Dêixis Fundadora, o palavreado utilizado em discursos políticos, já que essa é a
“linguagem-base” utilizada para a construção do discurso.
Percebeu-se uma peculiaridade no discurso do Tiririca que se dá pelo modo de falar, no
caso, a fala coloquial. Isso pode ser definido como Ethos, ou seja, a maneira de dizer; o
que pode ser revelado pelo modo de se expressar. O Ethos expõe, não apenas as
performances impostas pela formação discursiva, mas também as impostas pelo sujeito
e sua imagem. O que é dito e o tom com que é dito. Gestos e entonação. É a voz e a
presença do sujeito.
Na propaganda eleitoral, Tiririca apresenta seus dois Ethos: o ethos palhaço e o ethos
político. O Ethos político manifesta-se de uma forma mais séria, tentando utilizar
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palavras adequadas e pensadas especialmente para essa situação de discurso,
apresentando suas promessas de candidatura. Por outro lado, o Ethos palhaço de Tiririca
se manifesta por meio das ironias, chantagens, emprego inadequado de palavras e
frases, além da maneira de se expressar e se vestir.
Os elementos não observáveis no mundo natural estão dentro da semântica do Nível
Discursivo. Esta leva em consideração os contextos e o campo da determinação
ideológica de quem profere o discurso.
A semântica é manifestada de duas maneiras, que são claramente percebidas no texto de
Tiririca. A primeira, tematização, é representada pelo cenário político, por meio das
promessas básicas dos discursos e de frases construídas com palavras consideradas
adequadas às normas cultas da língua portuguesa. A segunda, figurativização, especifica
e particulariza o discurso (FIORIN, 2005). No caso, é a linguagem do palhaço, que
segue a linha humorística, por meio da ironia e do emprego inadequado de palavras e
expressões. Em seu discurso, Tiririca apropriou-se de um modelo político e
particularizou-o com aspectos humorísticos.
Nível da Manifestação
Para que esse nível possa existir, é preciso unir um plano da expressão com um plano de
conteúdo. Estes dois diferenciam-se na questão metodológica, já que um mesmo
conteúdo pode ser manifestado por diferentes níveis de expressão. Quando um conteúdo
é manifestado por um plano de expressão, forma-se um texto.
No caso da construção do discurso candidato Tiririca, a narração formada manifestou a
transformação completa dos estados do nível narrativo, pois o candidato menciona que
precisa da aceitação do seu discurso pelo público para que possa conseguir o cargo e
passar de palhaço a político. Percebe-se isso no discurso por meio trechos transcritos
abaixo:
“eu quero ser Deputado Federal” / “Vote em mim”
Ainda que o pronunciamento seja feito por um indivíduo que se encontra no estado de
candidato, existem elementos que demonstram o desejo de ser eleito e as condições,
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argumentos, ameaças e promessas que o candidato em estado eleitoral faz considerando
o estado futuro de eleito.
Para manifestar um estilo do povo e de proximidade com a realidade dos eleitores, o
palhaço Tiririca se vale de discursos coloquiais, utilizando gírias, omitindo plurais,
deixando de conjugar verbos em algumas frases, alterando a ordem da estrutura frasal,
etc. Observa-se que essas manifestações coloquiais são identificadas em alguns
momentos do discurso, apenas, como se o palhaço Tiririca estivesse discursando num
cenário humorístico. Em outros momentos, as frases saem corretas e as palavras sem
alterações coloquiais, insinuando que o discurso está sendo pronunciado pelo candidato
político e não mais pelo palhaço. Mas independente do personagem que o enunciador
assume para pronunciar o seu discurso, há sempre a busca pela aceitação do discurso,
característica marcante em anúncios políticos.
CONCLUSÃO
A análise do Percurso Gerativo de Sentido transcende ao olhar superficial e a
construção deste artigo, tendo como base a análise do discurso da Propaganda Eleitoral
do candidato a Deputado Federal Tiririca, permite a percepção da existência de dois
tipos de discursos que se completam, o político e o palhaço. A partir disto, é possível
constatar a utilização e a apropriação de diferentes discursos para finalidades distintas.
Além disso, percebe-se o que vai além do Plano da Expressão, o que ultrapassa as
palavras pronunciadas ou a construção gramatical do texto, e também, os vários níveis
de discurso que podem ser utilizados para que o sentido de um texto seja o mais
completo possível, esperando-se que ele seja compreendido.
O texto construído é um encadeamento de elementos significativos que produzem
sentido para quem recebe. A semântica e a sintaxe combinadas em níveis auxiliam na
compreensão dos recursos utilizados na construção do discurso, mas sabe-se que, na
maioria das vezes, o texto é construído com essas intenções subjetivamente alocadas.
Nem sempre o que é produzido é pensado em etapas, como na análise, mas é certo que
sempre há uma intenção, um objetivo, que pretende ser alcançado com a comunicação
estabelecida.
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Referências bibliográficas
FIORIN, José. Elementos de Análise do Discurso, 2005.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em análise do discurso. Campinas:
Pontes/EDUSC, 1989.
SOBREIRO NETO, Armando Antonio. Direito Eleitoral - Teoria e Prática - 2ª Ed.
2002
Site Guia do Leitor. Seção “Cargos Eletivos”: Deputado
<http://www.guiadoeleitor.com.br/cargos/defe.htm> Acessado em ?
Federal.
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O Percurso Gerativo da Construção Discursiva Utilizada nos