Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Bioquímica Médica Biologia Estrutural de Flavivírus: Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas e Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica Ygara da Silva Mendes *2009* Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. Biologia Estrutural de Flavivírus: Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas e Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica Ygara da Silva Mendes Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Química Biológica, Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Química Biológica. Orientação: Andréa Cheble de Oliveira Co-Orientação: Jerson Lima da Silva Rio de Janeiro *Março/2009* ii Biologia Estrutural de Flavivírus: Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas e Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica Ygara da Silva Mendes Orientação: Andréa Cheble de Oliveira Co-Orientação: Jerson Lima da Silva Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Química Biológica, Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Química Biológica. Banca Examinadora: ...................................................................................... Dra. Andrea Thompson Da Poian Profa. Adjunto do Instituto de Bioquímica Médica – UFRJ (Presidente da banca) ...................................................................................... Dra. Ana Paula Canedo Valente Profa. Adjunto do Instituto de Bioquímica Médica – UFRJ (Revisora e Suplente interno) ...................................................................................... Dr. José Daniel Figueroa Villar Prof. Associado do Instituto Militar de Engenharia ...................................................................................... Dr. Fábio Ceneviva Lacerda Almeida Prof. Adjunto do Instituto de Bioquímica Médica – UFRJ ...................................................................................... Dra. Izabel Chistina Nunes de Palmer Paixão Profa. Associada do Departamento de Biologia Celular e Molecular - UFF ...................................................................................... Dr. Davis Fernandes Ferreira Prof. Adjunto do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes/CCS/UFRJ (Suplente externo) ...................................................................................... Dra. Andréa Cheble de Oliveira Profa. Adjunto do Instituto de Bioquímica Médica – UFRJ (Orientadora) ...................................................................................... Dr. Jerson Lima da Silva Prof. Titular do Instituto de Bioquímica Médica – UFRJ (Co-orientador) Rio de Janeiro *Março/2009* iii Ficha Catalográfica Mendes, Ygara da Silva Biologia Estrutural de Flavivírus: Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas e Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica/ Ygara da Silva Mendes – Rio de Janeiro: UFRJ/IBqM, 2009 Xxv, 201 f., il., 31 cm Orientador: Andréa Cheble de Oliveira Co-Orientador: Jerson Lima Silva Tese (Doutorado) – UFRJ / Instituto de Bioquímica Médica/ Programa de Pós-Graduação em Química Biológica, 2009. Referências Bibliográficas: f. 177-202 1. Flavivírus; 2. Vacina Inativada; 3. Peptídeo de Fusão; 4. Espectroscopia; 5. Alta Pressão Hidrostática; 6. Dinâmica Molecular; 7. Calorimetria. I. Oliveira, Andréa Cheble de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Bioquímica Médica, Programa de Pós-Graduação em Química Biológica. III. Título. iv Esta tese foi desenvolvida no Laboratório de Termodinâmica de Proteínas e Estruturas Virais Gregorio Weber, Programa de Biologia Estrutural, Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação da Professora Andréa Cheble de Oliveira e co-orientação do Professor Jerson Lima da Silva, sob a vigência dos auxílios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Programa Nacional de Excelência (PRONEX), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), Instituto Milênio de Biologia Estrutural em Biomedicina e Biotecnologia (IMBEBB), e Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB). v A maior recompensa do nosso trabalho não é o que nos pagam por ele, mas aquilo em que ele nos transforma. (John Ruskin) vi Dedico esta tese... Ao meu amado filho Pedro, que me faz viver intensamente e muito mais feliz. Você fez mais sentido à minha vida. Longe de você o tempo passa tão devagar... No trabalho, rezo para que chegue logo a hora de te reencontrar. Nos fins de semana, para que o tempo demore mais a passar... Te amo incondicionalmente! Ao meu querido maridinho Ivan, por toda dedicação e preocupação. Confesso que muitas vezes racional além da conta, mas esta é a base do equilíbrio da nossa união, o balanço entre o racional e o irracional, a paciência e a inpaciência, o sonho e a realidade. Você é meu apoio, meu incentivo, meu consolo, meu alicerce, meu guia... Minhas vitórias eu dedico essencialmente a você. Te Amo Muito! E por isso serei eternamente sua... À minha mãezinha Vanda, por todo carinho, apoio e disponibilidade nos momentos mais corridos da minha vida. A quem sempre recorro e que sempre está disposta a me ajudar. Obrigada pelo seu amor e pela sua dedicação por todos esses anos. Ao meu querido pai Jamil, por todo incentivo e preocupação quanto à minha educação, que trilhou meu caminho até aqui. Este presente eu carregarei comigo para sempre. Muito obrigada por tudo! À minha irmã Yramaia, que mesmo de longe está sempre torcendo pelas minhas conquistas. Sinto muita saudade e gostaria muito de poder estar mais ao seu lado... vii Agradecimentos A Deus, por toda força e conquista, pela felicidade da minha família, pela saúde do meu filho, pelo amor do meu marido e pelo carinho de grandes amigos que já conquistei até o momento. Sem todos vocês, nada faz sentido... E tudo isso eu devo ao Senhor. À minha querida orientadora Andréa, que por tantas vezes foi meu apoio emocional e psicológico para um simples desabafo, familiar ou profissional. Encantadora, sublime... Sua Ternura me encanta. Tem sempre ótimas palavras para confortar seu coração. Seus conselhos são sempre muito bem vindos e foram eles que me fizeram crescer a cada momento, de alegria ou de tristeza, de vitórias ou de derrotas. Forte ou frágil? Ainda não sei. Mas talvez sua fortaleza esteja na simplicidade de seus sentimentos, de odiar ou de amar, de chorar ou de sorrir, de se irritar ou de se emocionar. Espero poder viver sempre ao seu lado. É impossível contar minha história de vida sem falar de você. Linda. Linda por suas vitórias, linda por sua garra, linda por ser exatamente como você é: Verdadeiramente Encantadora! Obrigada pela sua amizade, pela sua dedicação e por amar o Pedro. Mas se você está precisando de férias de mim, tudo bem. Seu pedido é uma ordem. Só volto mês que vem... À minha querida (ex) aluna Nathalia, uma menina doce e que por incontáveis vezes foi meu braço direito e meu braço esquerdo juntos. Obrigada por cobrir toda minha ausência no momento mais importante e recompensador da minha vida. Obrigada por tudo! Esta tese também é sua! viii Ao grande amigo Théo. Difícil imaginar sua vida sem enter, shift e control, mas sei que você é brasileiro e não desiste nunca! Mineirinho, chegou de mansinho, e conquistou o coração de muitos (as). Nem sei como agradecer tudo o que você fez por mim. É inacreditável sua generosidade e sua disponibilidade. Era capaz de largar o que tivesse fazendo para atender a um pedido meu. Por quantas vezes fez overnight pra mim... Você foi meu último suspiro neste trabalho. Suas explicações muitas vezes faziam minha cabeça dar um ‘tilct’. Você é demais! Muito obrigada do fundo do meu coração... Ao querido compadre Andre, por todas as oportunidades de ouvir suas brilhantes explicações. Suas críticas e muitas vezes ‘broncas’ de verdade fazem desse laboratório mais cauteloso e organizado. Homem de personalidzade forte, mas que me encanta por sua integridade moral. Muito obrigada por agora fazer parte da minha família. Você é sensacional! Ao Jerson, pela grande oportunidade de me permitir chegar até aqui. Apesar de longe nestes últimos anos, sempre busca estar presente e ciente dos pequenos grandes problemas do laboratório. À Professora Débora Foguel, que na ausência do Jerson, frequentemente procurou tomar a frente para resolver os problemas do laboratório sempre com muita objetividade. Parabéns pelo seu empenho e dedicação ao IBqM. À querida amiga Shana, pelos abraços apertados e carinhosos. Não sei se com alguma outra intenção, mas eram sempre bem vindos. A última massagem, então, foi inesquecível! rsrsrs Obrigada! ix À doce amiga Cris Latgé, com seu jeitinho meigo e sempre carinhosa conquistou meu coração. É sempre muito bom estar do seu lado, mas nunca irei contar pra você um só segredo. “Não vou falar, não vou falar, já falei...”. Desejo que você seja muito feliz e que seus sonhos sejam sempre concretizados. Ao querido e futuro papai Daniel, que sempre está com sua carteira aberta para nossas festinhas surpresa. Desculpas se te cobrei sempre o valor dobrado. Muito obrigada por toda sua atenção e por me fazer rir com suas piadinhas sempre oportunas. À minha companheira de sempre, Ana Paula, que na correria do dia-adia sempre paramos para nos amparar e conversar sobre a tese. Muito esforçada com seu trabalho, abdicava do aconchego do seu maridinho para trabalhar noite a dentro, finais de semana, feriados... Precisamos ‘bebemorar’ muito por mais essa etapa cumprida. Ao Carlos, que foi essencial para a confecção de nossos posters e apresentações em geral. Qualquer problema é só chamá-lo que ele resolve. Mas ah se não existisse paint... Não sei o que seria dele... À Vanessa, uma menina super dedicada e que por muitas vezes teve que abdicar de seu orientador para me emprestá-lo, nem que fosse por um dia inteiro. “Ai gente, o que foi que eu fiz?!?!?!” À Pati, pelas comidas maravilhosas, caronas, festinhas. Mas como gosta de dançar, uma verdadeira duracell. À Clara, com seu sorriso encantador e carismático, que sempre faz alegrar o meu dia. x À Milena, uma menina com uma maturidade exemplar, que sempre está disposta a ajudar e a contribuir para a organização do nosso espaço. À Mari, que apesar de seu coração gelado, sempre foi muito atenciosa comigo. À Tuane, por toda conversa jogada fora. Fofocas do IBqM... contrate Tuane. Não porque ela seja fofoqueira, mas sim uma boa informante... À Mônica, que sempre esteve disponível para tirar minhas muitas dúvidas. À Susanna, pelas histórias engraçadas. È uma verdadeira comédia. Ao Samir, um rapaz muito educado, que está sempre bem humorado e por sempre se mostrar prestativo nas tarefas do laboratório. À Amanda, uma menina muito especial e carinhosa e que está sempre com um sorriso lindo no rosto. À equipe que tenta manter nosso espaço mais organizado e produtivo, Emerson, D. Silvia e Márcia. Sem a ajuda de vocês tudo seria muito mais difícil. Muito obrigada pela limpeza, pelos pedidos de esterilização e meio, muitas vezes em cima da hora. Muito obrigada por tudo! Ao corpo burocrático do LTPV/LAPA, Rosey, Rberta e Sr. Áureo, pelos pedidos de papel, compras... Ao restante dos companheiros de longa estrada do laboratório LTPV/LAPA, Dani, Keron, Thais, Vivian, Diego, Guilherme, xi Marisa, Adrielly, Ana Cris, Carol Léo, Priscila, Fernando, Estefânia, Nathália, Ricardo, Carlos, Aline, Rogério, Carlos Henrique, Elias e Marcos, que foram de alguma forma importantes na minha caminhada e que colaboraram de maneira direta ou indireta para a realização deste trabalho. Aos queridíssinmos amigos Rafa e Wal, que apesar de bem distantes, sempre davam uma palavra de consolação, incentivo ou esperança. Muito obrigada por ontem, por hoje e tenho certeza que pelo amanhã também. Voltem logo, vocês fazem muita falta! Aos amigos que por aqui passaram, mas que ainda permanecem nas minhas boas lembranças, Sheilinha, Cris Rocha, Karinne e Viveca. À Luciane Gaspar e a todos do LATEV/FIOCRUZ, pela colaboração super produtiva nos projetos de inativação viral, pelos experimentos de imunogenicidade, pelos vírus gentilmente cedidos e por todo apoio. À Professora Maria Lúcia Bianconi, pela sua grande colaboração e que sempre se propunha a pensar sobre meus resultados de calorimetria. Muito obrigada! À Mariana e à Karla, pela luta semanal nas marcações dos calorímetros e por sempre concederem seus dias para a realização dos nossos experimentos. Ao Professor Pedro Pascutti, pela oportunidade de colaborar com seu grupo nos experimentos de simulação. xii Ao Rafael Bernardi, pela grande colaboração nos experimentos de simulação. Que difícil cruzar as informações de um físico com uma biomédica. Mas acho que superamos, apesar dos encontros e desencontros frequentes... Muito obrigada pela paciência e pelo trabalho. Ao Professor Marcius Almeida e a suas alunas Vivi e Laíses, por sempre nos concederem o uso do espectrofotômetro, fundamental para iniciar nossos experimentos. A todo grupo do CNRMN, por todo apoio que com certeza foi essencial para este trabalho. A todos do IBqM, que de alguma forma foram fundamentais para a realização dos experimentos desta tese. À Professora Ana Paula Valente, pela sua revisão e sugestões. E interessantemente, nos Encontros que ocorriam na Universidade, era você a nossa avaliadora, que acabava ficando sempre ciente do andamento deste trabalho. Aos Professores Daniel Figueroa, Fábio Almeida, Izabel Paixão e Davis Ferreira por aceitarem gentilmente compor a banca examinadora da minha defesa. Às minhas amadas afilhadas Letícia e Luísa, minhas verdadeiras paixões. Apesar da dindinha nunca ter muito tempo para ver vocês, vocês estão sempre aqui, no meu coração. Amo muito vocês! À Júlia, uma menininha tão linda e delicada. A titia morre de saudades de você. Volta logo, tá? xiii À família Sousa, Rosilda, Lek, Marília, Wagner e Fábio, por toda dedicação que tiveram durante todo este tempo. Vocês foram muito importantes para esta caminhada. Obrigada por tudo! À Marcela, pelas palavras de incentivo de que tudo iria dar certo. xiv Abreviações e Siglas Cp – variação de capacidade calorífica G – variação da energia livre de Gibbs H – variação de entalpia S – variação de entropia 17D-204 – cepa vacinal da Febre Amarela distribuída no mundo (exceto no Brasil) 17DD - cepa vacinal da Febre Amarela distribuída no Brasil 2K – proteína não estrutural 2K AAS – ácido acetilsalicílico ADN – ácido desoxirribonucléico AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida APH – alta pressão hidrostática ARN – ácido ribonucléico ATCC – banco de cultura de células americano C – proteína capsídica CD – dicroísmo circular CDC – Centro de Controle de Doenças CEUA - Comitê Institucional de Experimentação e Cuidados com os Animais CMC – carboxi-metil-celulose cmc – concentração micelar crítica C-terminal – terminal carboxi DEN - Dengue DENV - Vírus da Dengue DMEM – meio de cultura Eagle modificado por Dulbecco DPPC – di-palmitoil-fosfatidilcolina DSC – Calorimetria Diferencial de Varredura DTT - ditiotreitol E – proteína de envelope ELISA – ensaio imunoenzimático FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz FLAG – peptídeo de fusão de Flavivírus que possui um resíduo de Gly na posição 104 xv FLAH - peptídeo de fusão de Flavivírus que possui um resíduo de His na posição 104 FMDV – Vírus da Febre Aftosa G – proteína G gp – glicoproteína HA - hemaglutinina HIV1 – Vírus da Imunodeficiência Humana tipo 1 HIV2 – Vírus da Imunodeficiência Humana tipo 2 i.c. - intracerebral ITC – Calorimetria Isotérmica de Titulação JE - Encefalite Japonesa JEV - Vírus da Encefalite Japonesa KSV – constante de Stern-Volmer L - fase líquido-cristalina LATEV – Laboratório de Tecnologia Virológica Lc – fase lamelar cristalina Lβ’ – fase gel inclinada M – proteína de membrana MD – dinâmica molecular MLD50 - dose mínima letal capaz de matar 50% dos animais MLVs - vesículas multilamelares n-OGP - n-octil-β-D-glicopiranosídeo NS1 – proteína não estrutural 1 NS2A – proteína não estrutural 2A NS2B – proteína não estrutural 2B NS3 – proteína não estrutural 3 NS4A – proteína não estrutural 4A NS4B – proteína não estrutural 4B NS5 – proteína não estrutural 5 N-terminal – terminal amino ORF – região aberta de leitura PC - fosfatidilcolina PDB - Banco de Dados de Proteínas xvi PG – Fosfatidilglicerol PME – método “Particle-Mesh Ewald” para tratamento das interações eletrostáticas POPE - Palmitoil-Oleoil-Fosfatidiletanolamina prM – proteína precursora da proteína de membrana PRNT - teste de neutralização de redução de 50% dos plaques Pβ’ – fase gel ondulada RE – retículo endoplasmático RMN – ressonância magnética nuclear RMSD – desvio quadrático médio da estrutura SDS - dodecil sulfato de sódio SIV – Virus da Imunodeficiência de Símios SLE - Encefalite de St. Louis TBE - Encefalite transmitida por carrapato TBEV - Vírus da Encefalite Transmitida por Carrapato TFE - 2, 2, 2-trifluoretanol Tm – temperatura de transição TMV - Vírus do Mosaico do Tabaco Tpre – temperatura de transição média UFP – unidade formadora de plaque UV - ultravioleta VSV – Vírus da Estomatite Vesicular WHO – Organização Mundial de Saúde WNE - Encefalite do Oeste do Nilo WNV - Vírus do Oeste do Nilo YF - Febre Amarela YFV - Vírus da Febre Amarela xvii Resumo Biologia Estrutural de Flavivírus: Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas e Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica Ygara da Silva Mendes Orientador: Andréa Cheble de Oliveira Co-Orientador: Jerson Lima Silva Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Química Biológica, Instituto de Bioquímica Médica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Química Biológica. Os Flavivírus são responsáveis por causar doenças de grande impacto global, como Febre Amarela, Dengue e Febre do Oeste do Nilo. Estes arbovírus entram nas células por endocitose, onde as proteínas de envelope sofrem uma alteração conformacional e expõem um peptídeo de fusão (PF), que se insere dentro de uma membrana alvo e induz o processo de fusão. Embora este mecanismo geral da fusão seja bem aceito, o modo pelo qual os PFs de Flavivírus executam este papel permanece desconhecido. Este trabalho foi dividido em duas partes: (1) as propriedades de interação de dois PFs de Flavivírus foram estudadas através de metodologias biofísicas; e (2) a imunogenicidade do Vírus da Febre Amarela vacinal (YF 17DD) inativado por alta pressão hidrostática (APH) foi avaliada em modelo murino. Na primeira parte, os resultados indicam que ambos os peptídeos foram capazes de interagir com diferentes modelos de micelas e membranas, induzindo o processo de desmicelização e alterando a fluidez da membrana. O aumento da força iônica induz a perda da contribuição entálpica em todas as temperaturas analisadas, apresentandose como um processo endotérmico e entropicamente favorecido. Em solução, os peptídeos exibem essencialmente uma conformação randômica, entretanto, na presença de membranas, os peptídeos apresentaram uma estrutura em dobra mais estável. Apesar de existir uma vacina atenuada bastante eficaz contra o vírus da Febre Amarela (YFV), sérios eventos adversos têm sido relatados nos últimos anos. Na segunda parte deste trabalho, mostramos que o vírus vacinal YF 17DD, inativado por APH (310 MPa por 3 h a 4°C), induz uma completa proteção em camundongos, apesar destes apresentarem baixos títulos de anticorpos neutralizantes. A principal vantagem da APH é não introduzir agentes exógenos abolindo o risco de toxicidade. Como não existe um tratamento específico contra os Flavivírus, tentativas para produção de vacinas são certamente necessárias. Além disso, para identificar moléculas que inibam especificamente etapas cruciais do ciclo de infecção destes vírus, é necessário conhecer detalhes bioquímicos e caracterizar estruturalmente as proteínas virais essenciais neste processo. Palavras-chave: Flavivírus, Vacina Inativada, Peptídeo de Fusão, Espectroscopia, Alta Pressão Hidrostática, Dinâmica Molecular, Calorimetria. Rio de Janeiro *Março/2009* xviii Abstract Structural Biology of Flavivirus: Biophysical Properties of Fusion Peptide- Mimetic Membrane Interaction and Implications for the Development Inactivated Vaccine by High Hydrostatic Pressure Ygara da Silva Mendes Orientador: Andréa Cheble de Oliveira Co-Orientador: Jerson Lima Silva Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Química Biológica, Instituto de Bioquímica Médica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Química Biológica. Flaviviruses are responsible for causing diseases of great global impact, such as Yellow Fever, Dengue and West Nile fever. These arboviruses entry into the cells by endocytosis, when the envelope proteins undergo conformational changes and expose a fusion peptide, which inserts itself into an appropriate target membrane and induces the fusion process. Although this main fusion mechanism has been accepted, the process by which fusion peptides of Flaviviruses execute this role remains elusive. The present work was divided into two parts: (1) the interaction properties of two fusion peptides (FP) of Flavivirus were studied through biophysical methodologies; and (2) the immunogenicity of YFV 17DD inactivated by High Hydrostatic Pressure (HHP) was evaluated in murine model. In the first part, the results indicate that both FP were able to interact with different micelles and membranes models, inducing a demicellization process and changing the membrane fluidity. The increase of ionic strength induces loss of enthalpic contribution in all temperatures analyzed, shows an endotermic process and largely entropy-driven. In solution, the peptides exhibit essentially random coil conformation, however, in membrane-mimetic environment, the FPs show a bend structure with higher stability. Despite the excellente record of efficacy and safety of the successful Yellow Fever (YF) attenuated vaccine, serious adverse events have been reported and influenced extensive vaccination in endemic areas. In the second part, we demonstrate that the YF 17DD vaccine virus inactivated by HHP (310 MPa for 3 h at 4°C), exhibits a complete protection in mice, although with low neutralizing antibody titers. The main advantage of HHP is that it does not introduce exogenous substances into the vaccine, abolishing the risk of toxicity of the inactivant agent. Since an efficient treatment against most of Flaviviruses is not available, the efforts to produce inactivated vaccines are certainly necessary. Moreover, to identify molecules that inhibit specifically critical steps of viral life cycle, it is necessary to know biochemistry details and characterize structurally the essential viral proteins in this process. Key-word: Flavivirus, Inactivated Vaccine, Fusion Peptide, Spectroscopy, High Hydrostatic Pressure, Molecular Dynamics, Calorimetry. Rio de Janeiro *Março/2009* xix Índice 1. INTRODUÇÃO GERAL...............................................................................................1 1.1. A História da Virologia: o desenvolvimento dos conceitos de vírus......................1 1.2. Epidemiologia.........................................................................................................5 1.3. A Febre Amarela...................................................................................................10 1.3.1. Histórico da Doença.............................................................................................10 1.3.2. As Características da Doença...............................................................................12 1.3.3. A Vacinação: suas vantagens e seus problemas..................................................14 1.4. A Estrutura dos Flavivírus.....................................................................................24 1.5. Ciclo de Infecção: entrada, replicação do genoma e processamento das proteínas.........................................................................................................................33 1.6. A Fidelidade e a Diversidade dos Peptídeos de Fusão.........................................41 1.6.1. Peptídeos de Fusão..............................................................................................41 1.6.2. Os Peptídeos de Fusão dos Flavivírus..................................................................43 1.6.3. Interação Peptídeo-Membrana...........................................................................48 2. OBJETIVOS............................................................................................................55 2.1. 2.2. Objetivos: Parte I..................................................................................................55 Objetivos: Parte II.................................................................................................57 3. MATERIAL E MÉTODOS..........................................................................................60 3.1. Reagentes.............................................................................................................60 3.2. Células e Vírus......................................................................................................60 3.3. Peptídeos de Fusão..............................................................................................61 3.4. Ensaio com Micelas..............................................................................................63 3.5. Preparação das Vesículas Multilamelares...........................................................65 3.6. Espectroscopia de Fluorescência.........................................................................65 3.6.1. Supressão de Fluorescência por Acrilamida........................................................68 3.7. Dicroísmo Circular (CD)........................................................................................72 3.8. Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC)..........................................................75 3.9. Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC)......................................................77 3.10. Simulações por Dinâmica Molecular...................................................................78 3.11. Inativação Viral por Alta Pressão Hidrostática....................................................82 3.11.1. Ensaio de Infecciosidade.....................................................................................86 3.11.2. Avaliação da Infecciosidade Residual do YFV Inativado.....................................87 3.12. Ensaios em Camundongos..................................................................................88 3.12.1. Ensaios de Inocuidade........................................................................................88 xx 3.12.2. Imunização..........................................................................................................89 3.12.3. Ensaio de Proteção.............................................................................................89 3.13. Ensaios para Detecção de Neutralização dos Anticorpos...................................90 3.14. Análises Estatísticas............................................................................................91 4. RESULTADOS.........................................................................................................92 Parte I.............................................................................................................................92 “Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas” 4.1. Análise Teórica da Estrutura e da Hidrofobicidade dos Peptídeos de Fusão Virais...............................................................................................................................93 4.2. Análise das Propriedades Estruturais da Interação Peptídeo-Micela.................96 4.3. Termodinâmica da Interação Peptídeo-Micela.................................................105 4.4. Análise das Mudanças Conformacionais dos Peptídeos...................................113 4.5. Perturbação da Bicamada Lipídica Promovida pela Interação dos Peptídeos de Fusão............................................................................................................................122 4.6. Análise Computacional da Interação Peptídeo-Membrana através de Simulação por Dinâmica Molecular...............................................................................................128 Parte II..........................................................................................................................142 Apresentação do artigo intitulado: “Pressure-Inactivated Yellow Fever Virus: Implications for Vaccine Development” 5. DISCUSSÃO..........................................................................................................150 Parte I...........................................................................................................................150 “Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomimética” Parte II..........................................................................................................................162 “Febre Amarela: Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica” 6. CONCLUSÕES.......................................................................................................172 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................175 8. ANEXOS...............................................................................................................202 xxi Índice de Tabelas I. Parâmetros Espectroscópicos Medidos para a Ligação dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH a Diferentes Micelas......................................................................................103 II. Parâmetros Termodinâmicos da Interação Peptídeo-Micela...................................109 xxii Índice de Esquemas 1. Estrutura do SDS.........................................................................................................64 2. Estrutura do n-octil-β-glicopiranosídeo......................................................................64 3. Estrutura Química da Acrilamida................................................................................70 xxiii Índice de Figuras 1. Distribuição Global de Flavivírus Dominantes e Potencialmente Importantes.........7 2. Uma Década da Doença Dengue (1995-2005)...........................................................7 3. Estrutura do Vírus da Dengue Maduro....................................................................25 4. Estrutura do Ectodomínio da Proteína E dos Flavivírus e seus Diferentes Estados Oligoméricos............................................................................................................28 5. Sequência de Eventos Mostrando as Mudanças Conformacionais de Diferentes Proteínas de Fusão de Vírus....................................................................................32 6. O Ciclo Replicativo dos Flavivírus.............................................................................35 7. Representação Esquemática da Organização do Genoma e do Processamento da Poliproteína dos Flavivírus.......................................................................................37 8. Esquema das Etapas do Processo de Fusão de Flavivírus........................................44 9. Reconhecimento Molecular de Peptídeos na Superfície da Membrana.................52 10. Estrutura da Proteína E do WNV e dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH................62 11. Representação do Peptídeo de Fusão FLAH em Caixa d’água ou em Bicamada Lipídica Composta por POPE...................................................................................81 12. Loop de Fusão da Glicoproteína E dos Flavivírus.....................................................81 13. Sistema de Alta Pressão Hidrostática......................................................................85 14. Análise Teórica da Estrutura e da Hidrofobicidade de Peptídeos de Fusão Virais........................................................................................................................95 15. Espectros de Absorção e de Emissão de Fluorescência dos Peptídeos de Fusão de Flavivírus..................................................................................................................97 16. Interação entre os Peptídeos FLAG e FLAH com Micelas de SDS, Monitorada por Supressão de Fluorescência por Acrilamida..........................................................100 17. Interação entre os Peptídeos FLAG e FLAH com Micelas de n-octil-β-Dglicopiranosídeo, Monitorada por Supressão de Fluorescência por Acrilamida...104 18. Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) de Micelas de SDS com os Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH..................................................................................................107 19. Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) de Micelas de n-octil-β-Dglicopiranosídeo com os Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH....................................108 20. Efeito da Temperatura na Entalpia de Ligação Peptídeo-Micela...........................111 21. Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) de Micelas de SDS com os Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de NaCl................................................................112 xxiv 22. Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de TFE....................................................................................................................116 23. Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH Submetidos à Alta Temperatura..................................................................................................117 24. Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de Micelas de SDS..................................................................................................119 25. Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de Micelas de n-octil-β-D-glicopiranosídeo...........................................................120 26. Termograma de Vesículas Multilamelares na Presença e na Ausência dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH............................................................................126 27. Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH durante Simulações em Água..............................................................................................130 28. Número de Ligações de H e Distância Mínima entre os resíduos de Trp e Phe....132 29. Representação da Simulação da Interação dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH com membrana de POPE.......................................................................................133 30. Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH durante Simulações em Membrana....................................................................................135 31. Distância Mínima dos Resíduos Gly104 e His104 em Relação à Membrana.........137 32. Número de Ligações de H entre os Componentes do Sistema..............................139 33. Distância Mínima dos Resíduos Arg99, Trp101 e Phe108 entre si e em Relação à Membrana....................................................................................................................141 xxv Introdução Geral 1. Introdução Geral 1.1. A História da Virologia: o desenvolvimento dos conceitos de vírus Na última metade do século XIX, a existência de um mundo microbiológico diverso de bactérias, fungos e protozoários foi bem estabelecida. Por volta de 1840, o anatomista alemão Jacob Henle sugeriu a existência de agentes infecciosos que seriam muito pequenos para serem observados por um microscópio e que eram capazes de causar doenças específicas. Como não encontrou nenhuma evidência direta para tal entidade, esta idéia não foi bem sucedida. O primeiro avanço na Microbiologia para a descoberta destes agentes submicroscópicos foi dado por Louis Pasteur, através da demonstração de que a geração espontânea de microorganismos não ocorre. Joseph Lister contribuiu para a técnica de diluição limite para obter culturas puras de organismos, e Robert Koch, um estudante de Jacob Henle, dentre outras descobertas, desenvolveu o meio sólido e o isolamento de colônias individuais de bactérias. Embora muitos cientistas daquela época tenham contribuído para diversas técnicas e conceitos, foram principalmente Pasteur, Lister e Koch que propuseram juntos uma nova tecnologia experimental para a Ciência Médica. 1 Introdução Geral Estes estudos formalizaram algumas idéias originais de Henle e são hoje conhecidas como os postulados de Koch que definem se um determinado organismo é de fato o agente causador de uma doença. Os postulados de Koch determinam que (a) o organismo deve ser regularmente encontrado nas lesões da doença, (b) o organismo deve ser isolado em cultura pura, (c) a inoculação de tal cultura pura em hospedeiros deveria iniciar a doença, e (d) o organismo deve ser recuperado novamente a partir das lesões do hospedeiro (Levine & Enquist, 2007). Em 1879, Adolf Mayer, um cientista alemão, começou sua pesquisa com a doença do tabaco e, embora ele não fosse o primeiro a descrever tal doença, nomeou a Doença do Mosaico do Tabaco após observar e estudar pontos claros e escuros sobre a folhagem infectada. Em um de seus experimentos, foi inoculado extrato das plantas doentes em plantas sadias. Este é o primeiro relato de transmissão experimental de uma doença viral. Porém, embora estes estudos estabelecessem a natureza infecciosa da doença, nenhum agente bacteriológico ou fúngico pode ser cultivado ou detectado nestes extratos, o que não satisfazia os postulados de Koch (Levine & Enquist, 2007). 2 Introdução Geral O segundo passo foi dado por Dimitri Ivanofsky, um cientista russo. Em 1887, Ivanofsky repetiu as observações de Mayer demonstrando que a seiva das plantas infectadas continha um agente capaz de transmitir a doença para as plantas saudáveis e passou esta seiva através de um filtro que bloqueava a passagem de bactérias, o filtro de Chamberland. Assim, em fevereiro de 1892, Ivanofsky relatou à Academia de Ciências de St. Petersburg que a seiva das folhas infectadas com a Doença do Mosaico do Tabaco retinha sua propriedade infecciosa mesmo após a passagem pelo filtro. Este experimento forneceu uma definição funcional de vírus (Levine & Enquist, 2007). Contudo, Ivanofsky, assim como Mayer, fracassou em cultivar um organismo a partir de um extrato filtrado e, portanto, não satisfez os postulados de Koch. Na época, muitos refutaram seus experimentos, sugerindo que o filtro utilizado poderia estar defeituoso ou até mesmo que sua metodologia pudesse estar errada. Por esta razão, o próprio Ivanofsky sugeriu a possibilidade de que uma toxina (não um agente vivo ou reprodutor) poderia passar através do filtro e causar a doença. Como no fim do século XIX os conceitos de Koch se tornaram paradigmas dominantes da Microbiologia Médica, muitos cientistas interpretavam 3 Introdução Geral erroneamente seus resultados. Somente quando estas regras foram quebradas é que o conceito de um vírus nasceu (Levine & Enquist, 2007). O terceiro cientista a ter um papel importante no desenvolvimento dos conceitos de vírus foi Martinus Beijerinck, que repetiu os experimentos de Mayer e Ivanofsky, mas estendeu seus estudos mostrando que o extrato filtrado poderia ser diluído e então recuperar sua “força” após replicação em tecido vivo da planta hospedeira, não em extrato sem célula, indicando que o agente não era uma simples toxina. Este foi o progresso para a descoberta de um organismo menor que uma bactéria (um agente filtrável), não observável em microscópio comum, e capaz de se reproduzir em células ou tecidos vivos. Beijerinck nomeou este agente como um líquido vivo contagioso. O conflito sobre a natureza dos vírus serem líquidos ou partículas durou 25 anos, até d’Her elle desenvolver o ensaio de plaque, em 1917, e o surgimento das primeiras micrografias eletrônicas do Vírus do Mosaico do Tabaco (TMV), em 1939. Loeffler e Frosch descreveram e isolaram o primeiro agente filtrável a partir de animais, o Vírus da Febre Aftosa (FMDV), e Walter Reed identificou o primeiro vírus filtrável humano, o Vírus da Febre Amarela (YFV) (Levine & Enquist, 2007). 4 Introdução Geral Os vírus, devido à sua natureza predatória, têm formado a história e a evolução de seus hospedeiros. As consequências médicas das infecções virais humanas têm alterado nossa história e têm resultado em grandes esforços por parte dos virologistas para estudar, compreender e erradicar estes agentes patogênicos (Levine & Enquist, 2007). 1.2. Epidemiologia Flaviviridae é uma grande família de patógenos virais responsável por causar severas doenças e mortalidade em humanos e animais. A família consiste de três gêneros: Flavivírus, Pestivírus e Hepacivírus. Flavivírus é o maior gênero existente na família, composto por 53 espécies de vírus que abrigam mais de 70 vírus já descritos. A classificação é baseada em conceitos das espécies virais que consideram a morfologia, a organização genômica, a relação das sequências de nucleotídeos, a associação dos vetores e a ecologia dos vírus. Neste gênero, ganham destaque o Vírus da Dengue (DENV), o Vírus da Encefalite Japonesa (JEV), o Vírus da Encefalite Causada por Carrapato (TBEV), o Vírus do Oeste do Nilo (WNV) e o Vírus da Febre Amarela (YFV). O nome Flavivírus é derivado do latim, onde a palavra flavus significa amarelo, devido à icterícia causada pelo YFV, o protótipo da família (Lindenbach & Rice, 2001). 5 Introdução Geral Os Flavivírus, em sua grande maioria, são patógenos transmitidos por artrópodes, onde 27 espécies de vírus são transmitidas por mosquito, 12 são transmitidas por carrapato e 14 ainda não possuem seu vetor identificado (Gubler et al., 2007). Os sintomas da infecção podem alcançar desde febre moderada e mal-estar até encefalite fatal e febre hemorrágica. Os Flavivírus encefalíticos JEV e WNV são vírus zoonóticos, possuindo os pássaros como seus hospedeiros vertebrados naturais e mosquitos da espécie Culex como vetores. YFV e DENV são vírus mais viscerotrópicos e podem causar febre hemorrágica. Estes vírus apresentam um ciclo florestal, possuindo os primatas inferiores como seus hospedeiros vertebrados e mosquitos Aedes como vetores principais. As doenças causadas pelos Flavivírus estão emergindo em novas áreas e populações, ou estão aumentando em frequência e na distribuição geográfica (Figura 1) (Mackenzie et al., 2004). 6 Introdução Geral Figura 1 – Distribuição Global de Flavivírus Dominantes e Potencialmente Importantes. JE, Encefalite Japonesa; SLE, Encefalite de St. Louis; TBE, Encefalite Causada por Carrapato; WNE, Encefalite do Oeste do Nilo; YF, Febre Amarela; DEN, Dengue. Adaptado de Ghosh & Basu, 2008. Figura 2 – Uma Década da Doença Dengue (1995-2005). O vírus da Dengue é endêmico na maioria das áreas tropicais e subtropicais do mundo. Os números de casos de febre provocada pela Dengue, incluindo os casos de dengue hemorrágica no período entre 1995 e 2005 estão mostrados. Uma falta de vigilância dos casos de dengue durante a década passada dificulta avaliar os níveis endêmicos de Dengue nesta região. Extraído de Whitehead et al., 2007. 7 Introdução Geral O DENV, que é transmitido por mosquito, é responsável pelas maiores taxas de doença e mortalidade entre os membros do gênero (Burke & Monath, 2001). Epidemias globais do DENV têm ocorrido, em parte, devido a uma diminuição do empenho no que diz respeito ao controle dos mosquitos acoplada a fatores sociais, como o aumento da densidade urbana (Lindenbach et al., 2007). Mais de 50 milhões de casos da infecção causada pelo DENV são estimados ocorrer anualmente (Figura 2) (Burke & Monath, 2001; Gubler, 2002; WHO, 2002a). Infecções sequenciais por múltiplos sorotipos do DENV podem levar a um quadro de febre hemorrágica, dos quais existe uma estimativa de 500 mil casos anuais no mundo inteiro (Burke & Monath, 2001). WNV tem origem africana, mas sua distribuição é quase global, uma vez que já foi isolado em quase todos os continentes, exceto na Antártica (Figura 1). Este vírus é transportado por aves migratórias e tem emergido em regiões temperadas da Europa e da América do Norte. A doença era geralmente moderada, onde danos neurológicos eram raros. A partir da década de 1990, o padrão epidemiológico mudou. Epidemias associadas a altas taxas de doenças neurológicas e morte em cavalos e humanos começaram a ocorrer no Norte da África. Em outubro de 2005, mais de 16 mil pessoas foram infectadas com WNV nos Estados Unidos, 7 mil das 8 Introdução Geral quais foram afetadas por doenças neurológicas e mais de 600 pessoas morreram (Gubler et al., 2007). A Febre Amarela é uma doença zoonótica, cujo ciclo de transmissão primária envolve primatas não humanos e mosquitos silvestres. Alternativamente, os mosquitos domésticos, Aedes aegypti, podem transmitir o vírus, sendo os humanos os únicos hospedeiros que apresentam viremia no ciclo urbano. A Febre Amarela ocorre em muitos países tropicais da América do Sul e da África Sub-Saariana (Gubler et al., 2007). A Organização Mundial da Saúde estima que a cada ano existam cerca de 200 mil casos de Febre Amarela, com aproximadamente 30 mil mortes em todo o mundo (WHO, 2001). O oeste da África, uma região bastante incidente, já experimentou cinco epidemias urbanas de Febre Amarela desde 2000 (WHO, 2005). O JEV apresenta uma ampla distribuição pela Ásia. Cerca de 50 mil casos e 10 mil mortes são identificados anualmente por toda a Ásia, porém a doença é fracamente relatada. A incidência no Japão, na Coréia do Sul e em Taiwan tem declinado consideravelmente desde a década de 1980 devido à expansão do uso da vacina em crianças, além de outras medidas preventivas. Apesar disso, a incidência de Encefalite Japonesa na China ainda é alta e alcança mais de 10 mil casos por ano (Gubler et al., 9 Introdução Geral 2007). Em 2001, mais de 50 mil casos da doença foram reportados ( WHO, 2002b). Além disso, em 2004, uma pequena epidemia ocorreu em Hong Kong. Em países mais pobres da Ásia, 68% das crianças estão em risco. Estudos na Índia mostram que 70% dos pacientes com Encefalite Japonesa podem morrer ou apresentar deficiência neurológica (Gubler et al., 2007). O TBEV apresenta uma distribuição natural por todo norte central da Eurásia, incluindo pelo menos 16 países na Europa, que geralmente segue a distribuição geográfica dos principais carrapatos vetores. Na Rússia, a maior incidência ocorre no oeste da Sibéria, com mais de 10 mil casos anualmente. Nos países da Escandinávia, o número de casos tem aumentado possivelmente devido aos invernos mais quentes e à chegada precoce da primavera (Gubler et al., 2007). 1.3. A Febre Amarela 1.3.1. Histórico da Doença A Febre Amarela foi reconhecida como uma entidade clínica em 1648, em Yucatan. As áreas tropicais das Américas foram sujeitas a grandes epidemias desde o século XVII até início do século XX, e a doença ocorreu em focos epidêmicos até o norte de Boston e Halifax. Ela também apareceu durante o século XVIII na Itália, França, Espanha e Inglaterra. Em 10 Introdução Geral 1905, ainda houve 5000 casos e 1000 mortes nos portos das cidades do sul dos EUA. Os mosquitos foram sugeridos como vetor da Febre Amarela por Nott em 1848, mas esta teoria só foi seriamente proposta por Carlos Finlay, em 1881. Em 1900, Walter Reed demonstrou a existência de um agente filtrável no sangue de pacientes (Gubler et al., 2007). Os Flavivírus têm sido experimentalmente estudados desde inícios do século passado. O Vírus da Febre Amarela (YFV) foi o primeiro agente filtrável mostrado como sendo um causador de doença em humanos, e o primeiro vírus demonstrado ser transmissível por um vetor artrópode (Theiler & Downs, 1973). Essas descobertas ocorreram no limiar do século XX, cerca de 350 anos após a primeira descrição da doença. Em 1927, Mahaffy e Bauer isolaram o primeiro Flavivírus, o YFV, por inoculação de um macaco Rhesus com sangue de um paciente em Ghana. Esta foi a fonte da cepa Asibi, origem da vacina 17D (Stokes et al., 1928). Em 1937, Theiler e Smith relataram a atenuação da cepa Asibi por passagens em embriões de galinha e demonstraram o uso dos vírus modificados (17D) para imunização humana (Theiler & Smith, 1937a). Durante a primeira década do século passado, o Vírus da Dengue foi também mostrado ser um agente filtrável e transmitido por artrópodes, mas ele não foi isolado até 1943. 11 Introdução Geral A Febre Amarela continuou sendo um dos maiores problemas de saúde pública nas Américas. Os maiores casos são do tipo selvagem, e nenhuma epidemia ocasionada por Aedes aegypti tem sido relatada nos últimos 50 anos. Entretanto, na África, grandes epidemias envolvendo milhares de casos continuam ocorrendo, e a incidência da doença tem sido dramaticamente aumentada nos últimos anos (Lindenbach & Rice, 2001). O Aedes aegypti e vários vetores silvestres têm sido responsáveis pelas transmissões epidêmicas neste continente. 1.3.2. As Características da Doença A Febre Amarela é uma doença infecciosa, não contagiosa, que se mantém endêmica ou enzoótica nas florestas tropicais da América e África, causando periodicamente surtos isolados ou epidemias de maior ou menor impacto em saúde pública, sendo transmitida ao homem mediante a picada de insetos hematófagos da família Culicidae, em especial dos gêneros Aedes e Haemagogus (Monath, 2001). Humanos e primatas são os principais animais infectados pelo vetor, o mosquito. O Vírus da Febre Amarela se insere no grupo dos arbovírus, apresentando-se em sua forma clássica com febre hemorrágica de elevada letalidade. A Febre Amarela constitui a febre hemorrágica original, a 12 Introdução Geral primeira descrita e que mais temor provoca na sociedade moderna (Monath, 2001). Sob o ponto de vista epidemiológico, a Febre Amarela se divide em duas formas, rural e urbana, que diferem entre si quanto à natureza dos transmissores e dos hospedeiros vertebrados, e o local de ocorrência (Monath, 1988). Embora apenas um sorotipo do vírus amarílico seja conhecido, há pequenas alterações genéticas entre as cepas da América e da África, que permitem atualmente caracterizar dois e cinco genótipos, respectivamente, não se sabendo se um é mais patogênico que o outro (Wang et al., 1996; Mutebi et al., 2001). Eliminou-se a forma urbana na América em 1954, mas ainda hoje ela ocorre na África (Monath, 2001). A letalidade global varia entre 5-10%, percentual elevado quando comparado a outras viroses. Entre os casos graves que evoluem com síndromes ictero-hemorrágica e hepato-renal, a letalidade pode chegar a 50%. Os pacientes mais acometidos são geralmente indivíduos jovens, do sexo masculino, realizando atividades agropecuárias e de extração de madeira, bem como ecoturistas que se embrenham nas matas sem vacinação prévia. A África responsabiliza-se por mais de 90% dos casos de Febre Amarela anualmente notificados à Organização Mundial de Saúde, o que 13 Introdução Geral corresponde a cerca de 5000 casos anuais. Na América do Sul, estima-se a ocorrência de 300 casos por ano. E em alguns países da África há transmissão urbana da doença (Robertson et al., 1996). O vírus inicialmente se replica nos nódulos linfáticos, então se espalha para o fígado, baço, medula óssea e miocárdio (Shoff et al., 2001). Ele permanece silencioso durante uma fase de incubação que dura de 3 a 6 dias, e então o indivíduo apresenta um quadro de febre, mialgia, dor de cabeça, anorexia e vômito. Geralmente a febre ocorre em pulsos lentos. Muitos pacientes melhoram após 3 a 4 dias. Contudo, 15% entram na “fase tóxica” dentro de 24 horas, e sua condição progride para coagulação intravascular disseminada (Shoff et al., 2001). A febre reaparece, e a icterícia hemolítica e hepática se desenvolve rapidamente, e é acompanhada por dores abdominais e vômitos. A hemorragia pode ocorrer no nariz, boca, olhos ou estômago, e o funcionamento do rim deteriora. O tratamento é mantido, mas metade dos pacientes morrem na “fase tóxica”, dentro de duas semanas. 1.3.3. A Vacinação: suas vantagens e seus problemas O controle da transmissão dos Flavivírus tem sido realizado principalmente por medidas de controle do vetor e pela vacinação. 14 Introdução Geral Entretanto, um número ainda limitado de vacinas está disponível, incluindo a vacina contra a Febre Amarela (YF), que usa o vírus YF 17D atenuado, as vacinas inativadas contra a Encefalite causada por carrapato (TBE) e a Encefalite Japonesa (JE), todas para uso em humanos, além da vacina inativada contra a Febre do Oeste do Nilo (WN), para uso em animais (Mackenzie et al., 2004; Pugachev et al., 2005). Apesar disso, as doenças provocadas por estes vírus são ainda proeminentes no mundo inteiro (Lindenbach & Rice, 2001). Grandes esforços vêm sendo empenhados para o desenvolvimento de uma vacina contra DENV e este tem sido um desafio constante há décadas. A principal questão é desenvolver uma vacina que proteja simultaneamente contra os quatro sorotipos existentes (Sampath & Padmanabhan, 2009). Na ausência de vacinas, fármacos para terapias específicas se tornam necessários, mas nenhuma medicação antiviral está aprovada para uso contra os Flavivírus. Ribavirina suprime a replicação de alguns agentes in vitro, mas demonstrações de atividade in vivo têm tornado este fármaco limitante para uns poucos modelos de roedores (Leyssen et al., 2008). Existe, então, uma necessidade de identificação e desenvolvimento de novos antivirais que possam reduzir a viremia durante os estágios iniciais da infecção, bloqueando a replicação viral no cérebro no caso de uma 15 Introdução Geral possível encefalite, ou modulando a resposta do hospedeiro para evitar ou combater a doença (Bray, 2008). Desta maneira, não havendo tratamento específico para o paciente acometido pela doença, o médico deve tratar os sintomas, como as dores de cabeça e no corpo, com analgésicos e antitérmicos. Porém, devem ser evitados os salicilatos (AAS e Aspirina), já que seu uso pode favorecer o aparecimento de manifestações hemorrágicas. Em 1927, uma cepa do YFV foi isolada, a qual mais tarde resultou na vacina usada para imunização humana: a cepa Asibi (Stokes et al., 1928) isolada de um jovem africano, assim chamado, por passagens em macacos Rhesus (Macaca mulatta). Em 1935, a cepa Asibi foi adaptada para o crescimento em tecido embrionário de camundongos (Lloyd et al., 1936). Após 17 passagens, o vírus, nomeado 17D, foi cultivado até a passagem 58 em tecido embrionário sadio de galinha e depois disso, até a passagem 114, somente em tecido embrionário de galinha denervado. Nesta época, verificou-se uma redução acentuada no viscero- e neurotropismo viral quando o vírus foi injetado intracerebralmente em macacos (Theiler & Smith, 1937b). Além disso, estes vírus foram subcultivados até passagens 227 e 229, que foram usados em 8 voluntários (Theiler & Smith, 1937a) com resultados satisfatórios, como 16 Introdução Geral mostrado pela ausência de reações adversas e soroconversão para Febre Amarela dentro de duas semanas. A imunização em larga escala foi então realizada no Brasil (Smith et al., 1938; Soper & Smith, 1938). O desenvolvimento da primeira vacina atenuada contra Flavivírus, YFV cepa 17D, levou ao reconhecimento de Max Theiler através de um Prêmio Nobel em 1951. Atualmente, duas cepas são usadas na produção de vacinas contra a Febre Amarela: 17DD no Brasil e 17D-204 no resto do mundo. A diferença entre elas é que a cepa 17DD possui 81 passagens a mais (Galler et al., 2001). YF 17D é uma vacina viral atenuada, segura e eficaz, preparada a partir de embriões de galinha infectados sob os padrões desenvolvidos pela Organização Mundial de Saúde (Lindenbach & Rice, 2001). A imunidade ocorre em cerca de 95% dos vacinados dentro de 10 dias. Pela proposta do certificado internacional, a imunização é válida por 10 anos, mas vários estudos têm mostrado persistência dos anticorpos por mais de 30 anos (Lindenbach & Rice, 2001). Muitos países da América do Sul conduzem campanhas de vacinação e uma grande cobertura da vacina em áreas enzoóticas tem limitado a incidência da doença em humanos. O princípio da vacina de vírus atenuado é que o patógeno é suficientemente deficiente, sendo incapaz de provocar doença. As 17 Introdução Geral maiores preocupações no desenvolvimento de vacinas atenuadas são o grau de atenuação e o potencial para reversão da virulência. Utilizando a tecnologia convencional, a atenuação é realizada por passagens do agente in vitro, e os variantes são selecionados pela sua virulência reduzida. Uma vez que o agente deve se replicar in vivo com o objetivo de induzir uma resposta imune efetiva, a super-atenuação limitaria a replicação, e a magnitude e a qualidade da resposta imune não seriam adequadas para fornecer proteção contra o vírus selvagem. Em contraste, a baixa atenuação resultaria em doença clínica. Então, deve existir um balanço fino entre a atenuação de magnitude suficiente para reduzir os sinais clínicos e a super-atenuação, que limitaria a eficiência da vacina (Babiuk et al., 2002). Infelizmente, esta maneira de abordar é puramente empírica, já que os genes podem ser alterados como resultado de mutações, o que leva a dois problemas. Primeiro, cada mutante deve ser testado in vivo para avaliar se seu nível de atenuação é suficiente para não causar doença, e ainda assim ser capaz de estimular a imunidade e a memória. Segundo, uma vez que a atenuação ocorre ao acaso e ela não é caracterizada, existe a possibilidade do agente voltar a mutar e reverter a virulência (Babiuk et al., 2002). 18 Introdução Geral Assim, apesar destas vacinas serem geralmente muito eficientes, existe uma preocupação em relação ao seu potencial satisfatório. Isto é o caso de alguns indivíduos que possam estar parcialmente imunossuprimidos devido ao estresse ou a outros fatores que possam torná-los susceptíveis à vacina atenuada. Algumas destas vacinas não podem ser usadas em grávidas, já que podem induzir aborto (Straub, 1990). É por esta razão que algumas companhias, produtores e países não são favoráveis às vacinas atenuadas. Se a estabilidade genética para estas vacinas fosse bem controlada, elas seriam consideradas melhores que as vacinas inativadas, uma vez que elas induzem uma ampla resposta imune (celular e humoral), similar àquela induzida pela infecção natural. Outra vantagem da vacina é que os vírus se replicam normalmente no hospedeiro e isto geralmente induz uma maior duração da imunidade. Existem também outras desvantagens, como a presença de contaminantes estranhos aos vírus, já que a vacina é crescida em cultura de tecido (Babiuk et al., 2002). Estudos comparativos das cepas selvagens e variantes vacinais indicaram somente 13 substituições nos aminoácidos, sendo 5 deles localizados na proteína de envelope (Duarte dos Santos et al., 1995), o que pode estar associado com a atenuação. Simulação computacional do 19 Introdução Geral enovelamento e da estrutura secundária do ARN viral derivado da região 3’ não-codificante tem mostrado diferenças entre as cepas atenuada e virulenta, que podem ser de importância funcional (Proutski et al., 1997). Contudo, apesar de muitos estudos, o conhecimento dos fatores virais que implicam na atenuação ainda está incompleto. Os vírus vacinais são testados em macacos Rhesus para ausência de neurotropismo e efeitos clínicos, e para garantir que alguma viremia resultante seja baixa. Desde o declínio dos programas de controle dos mosquitos na década de 80, a vacina 17D tem sido o elemento chave no controle da Febre Amarela. A vacina não é recomendada para crianças menores de 9 meses, devido à grande incidência de neurotropismo. Em 1994, uma cepa isolada de um caso fatal de encefalite associada à vacina apresentou diferenças na sequência quando comparada ao vírus vacinal, e foi associada com o aumento da virulência em camundongos e macacos (Jennings et al., 1994). Por mais de 50 anos a vacina contra a Febre Amarela foi quase além da censura. Entretanto, recentemente, sete casos associados à vacina, sendo seis fatais, têm desafiado a reputação dessa vacina: dois foram brasileiros (Vasconcelos et al., 2001), quatro foram turistas norte-americanos (Martin et al., 2001), e um foi um turista australiano (Chan et al., 2001). Assim, 20 Introdução Geral uma maneira de resolver o problema da segurança e reversão da virulência é o uso de vacinas inativadas, que são produzidas pela inativação dos agentes infecciosos, de maneira que este não se replica no hospedeiro e não altera a imunogenicidade das proteínas protetoras. A maior desvantagem das vacinas inativadas é que elas não são muito imunogênicas e, portanto, necessitam ser combinadas a fortes adjuvantes para melhorar sua eficácia. E apesar de existir uma constante busca por novos adjuvantes, somente poucos têm sua eficiência comprovada, e muitos deles são caros e frequentemente levam a reações colaterais adversas (Babiuk et al., 2002). As vacinas inativadas consistem de agentes íntegros, que tenham sido “mortos” por aquecimento ou por substâncias químicas (como é o caso da vacina inativada contra a Poliomielite), ou são simplesmente a parte importante do agente infeccioso que promove resposta através do sistema imune (como na vacina contra Hepatite B). Ao contrário das vacinas atenuadas, as vacinas inativadas não são capazes de se replicar e, portanto, não causam nem os casos brandos da doença, porém sua presença promove uma resposta rápida do sistema imune. Entretanto, estas vacinas causam uma resposta relativamente fraca, de maneira que a vacinação deve ser repetida. Diferente das vacinas atenuadas, as vacinas 21 Introdução Geral inativadas são seguras para as pessoas que têm seu sistema imune enfraquecido, para mulheres grávidas e para crianças com menos de um ano. Os efeitos colaterais geralmente são apresentados na forma de dores apenas onde a vacina foi injetada e, possivelmente, alguma febre breve após a vacinação. De fato, cinco são os problemas das vacinas que utilizam os vírus “vivos”: 1) a possibilidade de reversão da linhagem da vacina, o que causa aumento da virulência; 2) desenvolvimento da doença em indivíduos imunosuprimidos; 3) má formação fetal, particularmente se a vacina é dada no primeiro trimestre; 4) disseminação da linhagem vacinal a pessoas não vacinadas; e 5) o descobrimento de complicações anteriores desconhecidas (Seligman & Gould, 2004). Apesar disso, a vacinação permanece altamente aconselhável para moradores e turistas de áreas endêmicas e epidêmicas. Contudo, esses relatos levantam questões relevantes sobre os mecanismos de atenuação do Vírus da Febre Amarela que precisam ser urgentemente investigados. Por este motivo, o Ministério da Saúde solicitou à Fundação Oswaldo Cruz, maior produtor da vacina atualmente utilizada no Brasil, o desenvolvimento de uma vacina inativada contra o YFV. Embora as vacinas inativadas apresentem algumas vantagens como o reduzido custo de 22 Introdução Geral produção e um baixo risco de reversão da doença, elas têm sido correlacionadas com algumas desvantagens, como o risco de uma incompleta inativação, toxicidade dos agentes químicos que normalmente são utilizados para inativar as partículas virais, e alterações nas propriedades imunogênicas dos vírus. A alta pressão hidrostática (APH) tem sido apontada como uma ferramenta alternativa para inativação viral e o desenvolvimento de uma possível vacina (Masson et al., 2001; Silva et al., 2002; Ishimaru et al., 2004; Murchie et al., 2005). Como um método físico, a APH apresenta como vantagem não introduzir substâncias exógenas dentro da vacina, além de ser frequentemente seletiva na sua ação sobre estruturas macromoleculares, o que geralmente resulta em preparações altamente imunogênicas (Silva et al., 1992; Tian et al., 1999; Pontes et al., 2001; Ishimaru et al., 2004). Com este objetivo, iniciamos uma colaboração com o Laboratório de Tecnologia Virológica (LATEV) de Bio Manguinhos, que apresenta uma grande experiência nesta área. Nossa intenção era buscar a condição ideal de inativação do YFV 17DD utilizando como ferramenta a APH. A partir deste resultado que foi bastante satisfatório, este trabalho endereçou duas questões importantes: será que as partículas virais inativadas são capazes de gerar uma resposta imunológica eficiente? Qual o grau de 23 Introdução Geral modificação que a pressão promove na estrutura das partículas? Esta última questão foi abordada em minha dissertação de mestrado, onde mostramos que a pressão é capaz de induzir uma mudança conformacional sutil parcialmente reversível, mantendo as partículas íntegras (Mendes, 2005). Assim, a possível resposta imunogênica induzida pelo YFV 17DD inativado por APH será abordada na segunda parte desta tese. 1.4. A Estrutura dos Flavivírus Os virions do gênero Flavivírus possuem aproximadamente 50 nm de diâmetro e são compostos por um genoma ARN de fita simples, polaridade positiva, que é empacotado por proteínas capsídicas virais e uma bicamada lipídica derivada da célula hospedeira, onde se encontram inseridas 180 cópias de duas glicoproteínas virais (Figura 3) (Lindenbach & Rice, 2001; Mukhopadhyay et al., 2005). A proteína E consiste de um dímero em que cada monômero apresenta três domínios em β-barril: um domíno estrutural central (domínio I) contém o N-terminal e é flanqueado pelos outros dois domínios; um domínio de dimerização alongado (domínio II), que contém um peptídeo de fusão em sua extremidade; e um domínio III, que é um 24 Introdução Geral domínio tipo imunoglobulina e contém o sítio de ligação ao receptor (Whitehead et al., 2007). Glicoproteína de Envelope ― Domínio I – estrutura central ― Domínio II – dimerização ― Domínio III – ligação ao receptor ― Peptídeo de Fusão Figura 3- Estrutura do Vírus da Dengue Maduro. Empacotamento da glicoproteína E no vírus maduro. O DENV é um vírus esférico e envelopado, apresentando um diâmetro de aproximadamente 50 nm. Um dos 90 domínios compostos por um dímero da glicoproteína E dispostos paralelamente está em evidência. Os domínios I, II e III estão coloridos em vermelho, amarelo e azul respectivamente. O peptídeo de fusão está representado em verde. Adaptado de Whitehead et al., 2007. 25 Introdução Geral O genoma em torno de 10,8 kb é uma região aberta de leitura flanqueada por regiões 5’ e 3’ não traduzidas, que apresentam estruturas secundárias essenciais para a iniciação da tradução e para a replicação. A tradução do genoma pela maquinaria da célula hospedeira codifica uma única poliproteína. Cerca de ¼ do terminal amino desta poliproteína codifica três proteínas estruturais – capsídica (C), de membrana (M, que é expressa como prM, o precursor da M) e de envelope (E) – que constituem a partícula viral. O restante do genoma codifica as proteínas não-estruturais – NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, 2K, NS4B e NS5 - que são essenciais para a replicação viral (Lindenbach et al., 2007). A proteína capsídica é altamente básica, consiste de cerca de 120 aminoácidos (massa molecular 11 kDa) e está envolvida no empacotamento do genoma viral e na formação do nucleocapsídeo (Lindenbach & Rice, 2001). A proteína C nascente contém uma âncora hidrofóbica C-terminal que serve como um peptídeo sinal para a translocação de prM pelo retículo endoplasmático (RE). Este domínio hidrofóbico é clivado pela serino-protease viral (Lobigs, 1993). A proteína C se enovela em dímeros compactos e cada monômero possui quatro hélices (Jones et al., 2003; Dokland et al., 2004; Ma et al., 2004). Ainda não está claro como os dímeros da proteína C se organizam em nucleocapsídeos, 26 Introdução Geral mas a interação com ARN ou ADN pode induzir dímeros isolados a se montarem em partículas como nucleocapsídeos (Kiermayr et al., 2004). prM e E são duas glicoproteínas que ficam ancoradas no envelope lipídico viral através de duas hélices transmembranares e que, durante a montagem dos virions no RE, ficam complexadas, formando partículas imaturas. A glicoproteína prM ( 26 kDa) é a proteína precursora da proteína M e funciona como uma chaperona para auxiliar no perfeito enovelamento e montagem da proteína E (Lorenz et al., 2002). Assim, a principal função da prM é evitar que a proteína E sofra um rearranjo estrutural, catalisado pelo meio ácido, para a forma fusogênica durante a transição através da via secretória (Guirakhoo et al., 1992; Heinz et al., 1994). A conversão das partículas imaturas em maduras (Figura 4) ocorre na via secretória e coincide com a clivagem de prM pela protease furina do Golgi, produzindo o peptídeo pr e a proteína M (~ 75 aminoácidos) (Stadler et al., 1997). Após a clivagem, o heterodímero prM-E se dissocia, o fragmento pr é liberado e ocorre a formação de homodímeros da proteína E (Wengler & Wengler, 1989; Stiasny et al., 1996). 27 Introdução Geral B A C Ativação da Fusão Maturação Vírus Imaturo Trímero de Heterodímeros prM-E Vírus Maduro Homodímero E Vírus Pós-Fusão Trímero de E Figura 4 – Estrutura do Ectodomínio da Proteína E dos Flavivírus e seus Diferentes Estados Oligoméricos. Estado oligomérico da proteína E na partícula imatura (A), na partícula madura (B) e na conformação fusogênica (C). Na partícula imatura, a proteína E forma um trímero de heterodímeros prM-E, que deve se dissociar e formar homodímeros de proteína E durante a maturação. Em seguida, ocorre uma reorganização para formar homotrímeros de proteína E anterior ao processo de fusão e entrada do vírus na célula. Em um monômero da proteína E, os domínios I, II e III estão coloridos em vermelho, amarelo e azul, respectivamente, e o peptídeo de fusão está mostrado em verde. A proteína prM, colorida em ciano, só é encontrada nos vírus imaturos e está mostrada em seu papel como uma estrutura protetora do peptídeo de fusão. Extraído de Perera et al., 2008. 28 Introdução Geral A glicoproteína E ( 53 kDa), a maior proteína da superfície dos Flavivírus, é o maior representante antigênico da partícula viral e contém um sítio de ligação ao receptor celular e um peptídeo de fusão importante para a entrada do vírus na célula hospedeira (Allison et al., 2001). A forma nativa de E se enovela em uma estrutura alongada rica em folhas-β, formando homodímeros que se dispõem paralelamente à superfície viral (Rey et al., 1995). Cada subunidade da proteína E é composta por três domínios: I, que forma uma estrutura barril-β; II, que se projeta ao longo da superfície do vírus entre as regiões transmembranares das subunidades homodiméricas; e III, que mantém um enovelamento tipo imunoglobulina. O Domínio III parece estar envolvido na ligação ao receptor e é o maior alvo de anticorpos neutralizantes. Os vírus envelopados infectam as células via fusão da membrana viral com a membrana da célula hospedeira (Earp et al., 2005; Harrison, 2005). Este evento de fusão, essencial para o ciclo de infecção destes vírus, entrega o genoma viral para dentro do citoplasma para iniciar a infecção. A fusão de membranas dos vírus pode ocorrer tanto na membrana plasmática ou em uma localização intracelular após internalização do vírus por endocitose mediada por receptor (Smith & Helenius, 2004; Earp et al., 2005; Sieczkarski & Whittaker, 2005). A fusão é mediada pelas proteínas virais 29 Introdução Geral transmembranares conhecidas como proteínas de fusão. Sob condições apropriadas, as proteínas de fusão interagem com a membrana alvo através de um segmento hidrofóbico e sofre uma mudança conformacional que governa a reação de fusão de membrana (Earp et al., 2005). Baseado em características estruturais importantes, as proteínas de fusão de membrana dos vírus envelopados são divididas dentro de três grupos (Figura 5): as proteínas de fusão da classe I, exemplificadas pela hemaglutinina (HA) do vírus Influenza e pela gp41 do HIV-1, as proteínas de fusão da classe II dos Alfavírus e dos Flavivírus, e as proteínas de fusão da classe III, que foi descrita mais recentemente e tem como representante a proteína G do VSV (Lescar et al., 2001; Da Poian et al., 2005; Kielian, 2006; Harrison, 2008). Dentre todas as proteínas de fusão, a hemaglutinina do vírus Influenza é a proteína de fusão melhor caracterizada. As proteínas de fusão da classe II são moléculas alongadas com três domínios globulares compostos praticamente por folhas-β que se arranjam em dímeros antiparalelos à superfície viral e sofrem uma mudança conformacional para formarem uma estrutura trimérica durante a reação de fusão. Em contraste, as proteínas de fusão da classe I são 30 Introdução Geral homotrímeros que se projetam verticalmente da membrana viral e contêm principalmente estrutura em -hélice. Uma importante característica é que estas proteínas são trímeros antes e após a reação de fusão. As proteínas da classe III são muito similares às da classe I, mas sua principal diferença está na reversibilidade conformacional do seu estado fusogênico (Skehel & Wiley, 2000; Da Poian et al., 2005; Kielian, 2006; Harrison, 2005; 2008). 31 Introdução Geral A B C Figura 5 – Sequência de Eventos Mostrando as Mudanças Conformacionais de Diferentes Proteínas de Fusão de Vírus. (A) Alterações sofridas pelas proteínas de fusão classe I, mostrando sua conformação de pré-fusão (a), a dissociação da proteína HA1 (b), a estrutura intermediária de fusão (c) e a conformação de pós-fusão (d). O inserto ilustra algumas características da região proximal de membrana da HA2 após o término da fusão. O asterisco ilustra o peptídeo de fusão. Cada subunidade é mostrada em cores diferentes. (B) Alterações das proteínas classe II, mostrando a estrutura viral com as 180 subunidades da proteína E com os seus respectivos domínios I (vermelho), II (amarelo) e III (azul) (a), visão lateral da conformação pré-fusão (b), transição monomérica entre o dímero préfusogênico e estado intermediário trimérico (c), estado intermediário estendido (d) e a conformação pós-fusão (e). (C) Alterações conformacionais das proteínas classe III, mostrando o trímero pré-fusogênico (a), a conformação pré-fusogênica (b), a conformação intermediária estendida (c), a conformação pós-fusão de uma subunidade (d) e a conformação pós-fusão do trímero (e). As três subunidades são mostradas em cores diferentes e o asterisco denota o loop de fusão. Extraído de Harrison et al., 2008. 32 Introdução Geral 1.5. Ciclo de Infecção: entrada, processamento das proteínas replicação do genoma e Os Flavivírus se ligam à superfície da célula hospedeira e subsequentemente entram por endocitose mediada por receptor (Figura 6). Diversas moléculas de superfície celular, atuando como receptores primários e co-receptores de baixa afinidade, vêm sendo descritas por interagirem com partículas de Flavivírus, mas somente poucas vêm sendo de fato caracterizadas. Os Flavivírus podem utilizar múltiplos receptores para diferentes tipos celulares e em diferentes espécies de hospedeiro (Mukhopadhyay et al., 2005; Lindenbach et al., 2007). A infecção por DENV e WNV de células dendríticas, um provável alvo primário da infecção, diferentemente para o YFV-17D, depende da expressão celular de lectina tipo C, que funcionaria apenas como um receptor de ligação, já que sua internalização não é necessária (Tassaneetrithep et al., 2003; Lozach et al., 2005; Davis et al., 2006; Barba-Spaeth et al., 2005). Desta maneira, outras moléculas seriam essenciais para a endocitose ocorrer. Glicosaminoglicanos altamente sulfatados, como heparan sulfato, parecem exercer um papel importante na ligação inicial de diversos Flavivírus às células alvo (Chen et al., 1997; Kroschewski et al., 2003). 33 Introdução Geral Os Flavivírus são internalizados via invaginações cobertas por clatrina e trafegam para um compartimento endocítico pré-lisossomal, onde o baixo pH induz a fusão entre o vírus e a membrana da célula hospedeira para liberar o nucleocapsídeo (Gollins & Porterfield, 1986; Chu & Ng, 2004). A acidificação endossomal promove uma trimerização irreversível da proteína E, que resulta na fusão do envelope viral com a membrana da célula hospedeira (Figura 3) (Allison et al., 1995, Stiasny et al., 1996). Após a fusão ter ocorrido, o nucleocapsídeo é liberado para dentro do citoplasma, onde a proteína capsídica e o ARN se dissociam (Figura 6) (Lindenbach et al., 2007). 34 Introdução Geral Figura 6 – O Ciclo Replicativo dos Flavivírus. Os virions se ligam a moléculas e receptores da célula hospedeira e são internalizados por endocitose. No pH endossomal, a glicoproteína E medeia a fusão entre o envelope viral e a membrana celular, permitindo a desmontagem do virion e a liberação do ARN no citoplasma. O ARN viral é traduzido em uma poliproteína que é processada por proteases virais e celulares. As proteínas não-estruturais, então, replicam o genoma viral. A montagem do virion ocorre na membrana do RE. A proteína capsídica e o ARN viral são envelopados pelas glicoproteínas E e prM inseridas na membrana para formar partículas imaturas, que então são transportadas através da via secretória. Na rede trans-Golgi, prM é clivada pela furina. Virions maduros são agora liberados por exocitose. Extraído de Sampath & Padmanabhan, 2009. 35 Introdução Geral Uma vez o genoma liberado dentro do citoplasma, o ARN polaridade positiva é traduzido diretamente para uma única poliproteína que é co- e pós-traducionalmente processada pela serino-protease viral (NS2B/NS3) e por proteases hospedeiras (sinalase e furina) em pelo menos dez proteínas. A peptidase sinal do hospedeiro é responsável pelas clivagens entre C/prM, prM/E, E/NS1 e 2K-NS4B. Uma serino-protease codificada pelo vírus é responsável pelas clivagens entre NS2A/NS2B, NS2B/NS3, NS3/NS4A, NS4A/2K e NS4B/NS5 (Figura 7). A enzima responsável pela clivagem NS1/NS2A permanece desconhecida até o momento (Lindenbach et al., 2007). 36 Introdução Geral Figura 7 – Representação Esquemática da Organização do Genoma e do Processamento da Poliproteína dos Flavivírus. O genoma ARN (~ 11 kb) de fita simples polaridade positiva contém região aberta de leitura (ORF) que codifica proteínas estruturais – Capsídica (C), precursor de Membrana (prM) e Envelope (E) – e não-estruturais - NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, 2K, NS4B e NS5. ORF é rodeado por regiões não traduzidas. Os sítios de clivagem da poliproteína pela NS2B-NS3 viral e pelas sinalase e furina do hospedeiro estão indicados. As atividades enzimáticas de NS3 e NS5 também estão mostradas. Extraído de Sampath & Padmanabhan, 2009. 37 Introdução Geral NS3 (70 kDa) e NS5 (104 kDa) são as proteínas não-estruturais mais bem caracterizadas, com múltiplas atividades enzimáticas necessárias à replicação viral. NS3 apresenta três atividades distintas: (1) serinoprotease (junto com o co-fator NS2B), essencial para o processamento da poliproteína; (2) atividade helicase/NTPase, importante para desenrolar a forma dupla fita replicativa do ARN; (3) ARN trifosfatase, necessária para proteger o ARN viral nascente (Falgout et al., 1991; Zhang et al., 1992; Arias et al., 1993; Li et al., 1999; Benarroch et al., 2004). Mutações que afetam cada atividade impedem a replicação viral (Matusan et al., 2001a,b). NS5 é a proteína maior e mais conservada dos Flavivírus, com mais de 75% de identidade de sequência em relação a todos os sorotipos de DENV. Esta proteína apresenta duas atividades enzimáticas distintas: metiltransferase e ARN polimerase dependente de ARN (Egloff et al., 2002; Grun & Brinton, 1986; Tan et al., 1996). NS1 (46 kDa) é importante para a replicação dos Flavivírus, já que está envolvida na síntese de ARN fita negativa por um mecanismo ainda desconhecido (Muylaert et al., 1997). NS2A (22 kDa) é uma proteína transmembrana pequena e hidrofóbica, que está envolvida na geração de membranas induzidas por vírus durante a montagem viral (Leung et al., 2008). NS4A (16 kDa) é uma proteína de membrana integral, que induz a 38 Introdução Geral reorganização da membrana para formar o complexo de replicação viral (Miller et al., 2007; Roosendaal et al., 2006). NS4B (27 kDa) inibe a resposta de interferon tipo I da célula hospedeira e pode modular a replicação viral por interagir com NS3 (Munoz-Jordan et al., 2005; Umareddy et al., 2006). A replicação do genoma ocorre sobre membranas intracelulares e a montagem das novas partículas virais ocorre sobre a superfície do RE, quando as proteínas estruturais e os novos ARNs sintetizados brotam para dentro do lúmen do RE (Lindenbach & Rice, 2001; Lindenbach & Rice, 2003; Brinton, 2002). As novas partículas geradas, contendo as proteínas E e prM, membrana lipídica e nucleocapsídeo, ainda não são capazes de induzir a fusão na célula hospedeira, portanto, não são infecciosas (Guirakhoo et al., 1991; 1992). Estas partículas imaturas apresentam suas glicoproteínas E e prM em uma conformação heterodimérica. Este processo de replicação é capaz de gerar também partículas subvirais, contendo apenas as glicoproteínas e o envelope lipídico, não possuindo, portanto, nem a proteína capsídica, nem o genoma viral, o que também as tornam nãoinfecciosas (Schalich et al., 1996). Por conseguinte, as partículas resultantes não-infecciosas, imaturas e subvirais, são transportadas através da rede trans-Golgi. Os virions 39 Introdução Geral imaturos são clivados pela protease furina hospedeira, gerando partículas maduras infecciosas, onde suas glicoproteínas E assumem uma conformação homodimérica na superfície do virion. As partículas subvirais também são clivadas pela furina, sendo, desta forma, subsequentemente liberadas por exocitose, assim como os virions maduros (Stadler et al., 1997; Elshuber et al. 2003; Stiasny & Heinz, 2006). Avanços na técnica de crio-microscopia eletrônica têm fornecido importantes informações sobre a estrutura de vírus envelopados (Mancini et al., 2000; Zhang et al., 2002; 2003). Além disso, muitas das proteínas estruturais destes vírus vêm sendo determinadas a nível atômico (Ma et al., 2004; Modis et al., 2003; Rey et al., 1995; Zhang et al., 2004; Lescar et al., 2001; Choi et al., 1996; Dokland et al., 2004). Isto tem permitido as estruturas atômicas serem fitadas dentro de mapas de densidade da crio-microscopia eletrônica, resultando em estruturas “pseudo-atômicas” de vírus envelopados. Desta forma, analisando diferentes intermediários na montagem e na via de entrada dos vírus, estes processos dinâmicos podem ser entendidos a nível molecular. 40 Introdução Geral 1.6. A Fidelidade e a Diversidade dos Peptídeos de Fusão 1.6.1. Peptídeos de Fusão Muitos processos biológicos importantes envolvem a partição de fragmentos de proteínas bastante hidrofóbicos dentro de membranas lipídicas. Os peptídeos de fusão são segmentos moderadamente hidrofóbicos de proteínas de fusão de membrana, viral ou não-viral, que capacitam estas proteínas a romperem e conectarem duas membranas biológicas próximas. Este processo, que resulta na fusão de membranas, ocorre de maneira bem controlada com uma pequena quantidade de extravazamento de conteúdo dos volumes encapsulados para o lado externo. A questão chave é entender como os peptídeos de fusão, que são ditos como a extensão funcional mais crítica das proteínas de fusão, executam esta complexa tarefa (Tamm & Han, 2000). As sequências dos peptídeos de fusão são altamente conservadas dentro de diferentes grupos de proteínas de fusão, por exemplo, dentro de diferentes famílias de vírus, mas não entre elas. A maioria dos peptídeos de fusão estão localizados na extremidade N-terminal de subunidades transmembranares de proteínas de fusão. Entretanto, em alguns casos, peptídeos de fusão internos são encontrados, como é o caso da proteína fertilina- de esperma, da proteína G do Vírus da Estomatite 41 Introdução Geral Vesicular (VSV), da proteína gp64 do Baculovírus e da proteína gp37 do Vírus do Sarcoma de Rous (Tamm & Han, 2000). A deleção da sequência completa do peptídeo de fusão ou, até mesmo, alterações em um único aminoácido conservado no peptídeo de fusão podem abolir completamente a fusão de membranas, enquanto outras propriedades estruturais e funcionais desta proteína de fusão podem permanecer intactas. Tais experimentos de mutagênese apontam claramente para o papel central dos peptídeos de fusão na fusão de membranas. Mesmo peptídeos de fusão isolados podem sustentar a idéia de fusão de membranas em sistemas modelo. Desta forma, estes estudos tentam elucidar o papel preciso dos peptídeos de fusão no mecanismo de fusão de membranas mediado por proteínas. Diversos pesquisadores têm desenvolvido muitos sistemas modelo nos últimos vinte anos com o objetivo de estabelecer a relação estrutura-função de peptídeos de fusão em sistemas simples de bicamada lipídica (Tamm & Han, 2000). Embora muitas propriedades importantes dos peptídeos de fusão já tenham sido descritas há anos, algumas questões a respeito da estrutura e da função destes peptídeos permanecem sem respostas. Recentes progressos no desenho de peptídeos têm gerado esperança sobre o 42 Introdução Geral entendimento baseado na estrutura de como os peptídeos de fusão funcionam sobre a membrana (Tamm & Han, 2000). O Vírus Influenza é um exemplo de um vírus típico que utiliza a acidificação endossomal para ter acesso ao citoplasma da célula hospedeira. Este processo tem sido extensivamente explorado, e o mecanismo de escape ocorre através da fusão de membranas. O baixo pH endossomal induz alterações conformacionais na proteína de envelope Hemaglutinina (HA2), resultando na exposição de um segmento de 20-25 aminoácidos. Este segmento é conhecido como o peptídeo de fusão deste vírus devido a sua capacidade em mediar a fusão entre vesículas lipídicas, mesmo na ausência do restante da proteína. Em vários subtipos do Vírus Influenza tipo A, a sequência dos peptídeos de fusão é altamente conservada (Tamm, 2003). 1.6.2. Os Peptídeos de Fusão dos Flavivírus Estudos cristalográficos mostram a presença de um loop CD na ponta do domínio II da glicoproteína E dos Flavivírus. Este loop, contendo os aminoácidos 98-113, foi interpretado como sendo o peptídeo de fusão destes vírus (Rey et al., 1995). 43 Introdução Geral No virion maduro, o peptídeo de fusão de um monômero está escondido sob a superfície dos domínios I e II no monômero adjacente (Seligman, 2008). Na presença do baixo pH endossomal, a proteína E sofre trimerização com exposição do peptídeo de fusão e posterior inserção na membrana alvo. Este mecanismo induz a aproximação entre o envelope viral e a membrana do endossomo facilitando o processo de mistura de lipídios entre as membranas (hemifusão), formação do poro e liberação do nucleocapsídeo no citoplasma celular (Figura 8). Figura 8 – Esquema das Etapas do Processo de Fusão de Flavivírus. Desenho esquemático da configuração da proteína E sobre a superfície dos vírions em um pH neutro no estado de pré-fusão (a); dissociação dos dímeros de E em monômeros induzida pelo baixo pH, havendo projeção dos monômeros com exposição e interação dos peptídeos de fusão com a membrana alvo (b); formação do trímero (c); formação do intermediário de hemifusão com mistura dos folhetos externos (d); formação do estágio final de pós-fusão e abertura do poro de fusão (e). Proteína E colorida como na Figura 3. Membrana viral: folheto externo em amarelo, folheto interno em azul; membrana alvo: folheto externo em preto, folheto interno em vermelho. Extraído de Stiasny et al., 2009. 44 Introdução Geral A estrutura cristal da proteína E do vírus da Dengue na conformação pós-fusão foi determinada por Modis et al. (2004). Os loops de fusão nos trímeros inseridos em um modelo de membrana apresentam a mesma conformação que nos dímeros (Modis et al., 2003). Como os dímeros podem se dissociar reversivelmente, o loop de fusão é estável quando completamente exposto, sugerindo que ele retenha essencialmente a mesma conformação quando escondido por outra subunidade, quer esteja inserido em uma bicamada lipídica ou exposto ao solvente aquoso (Modis et al., 2004). Baseado na conservação dos aminoácidos entre os Flavivírus, no elevado conteúdo de resíduos de Glicina, na flexibilidade molecular e em características químicas similares a peptídeos de fusão já conhecidos, sugere-se que os aminoácidos de 98 a 120 da proteína E sejam capazes de mediar a fusão de membranas (Roehrig et al., 1989). Análises subsequentes dos peptídeos de fusão incluíram os aminoácidos 98-110 (Roehrig et al., 1990) e 99-116 (Ledizet et al., 2007). Avaliações funcionais para alguns aminoácidos que influenciam a fusão ou a replicação viral já foram reportadas, por exemplo, para os aminoácidos 104, 106 e 107 (Pletnev et al., 1993; Allison et al., 2001; Trainor et al., 2007). Acredita-se que o N-terminal do peptídeo de fusão seja o resíduo 45 Introdução Geral D98. Isto porque esta região é o início de uma sequência de aminoácidos conservados e devido à sua participação em uma ponte salina com o resíduo K110. O C-terminal ainda não tem funcionalidade definida (Seligman, 2008). Uma sequência canônica é definida como uma sequência conservada em uma variedade de vírus quando comparada a uma sequência selvagem. De acordo com esta definição, 12 dos 16 aminoácidos que englobam o peptídeo de fusão dos Flavivírus compreendem uma sequência canônica, 98 DRGWGNXCGXFGKGXX113 (onde X representa os aminoácidos variáveis). Em Flavivírus transmitidos por mosquito, o aminoácido 104 é uma Glicina, enquanto nas cepas transmitidas por carrapato, 104 é uma Histidina. Independente do vetor, 107 é um resíduo de Leucina, exceto no Vírus de Powassan (transmitido por carrapato), em que na posição 107 existe uma Fenilalanina (Seligman, 2008). Somente 18% dos aminoácidos são completamente conservados entre as glicoproteínas E dos Flavivírus patogênicos (Seligman & Bucher, 2003). Embora o peptídeo de fusão contenha somente 3,2% dos aminoácidos nesta proteína, ele contém 13% dos aminoácidos 46 Introdução Geral conservados em E, tornando-o a sequência mais conservada na proteína E e possivelmente no genoma inteiro dos Flavivírus (Seligman, 2008). Seis dos aminoácidos conservados do peptídeo de fusão são Glicinas (cinco nos vírus transmitidos por carrapato). Uma vez que os resíduos de Glicina podem permitir a rotação ao redor de suas ligações C-C e C-N, sua presença provavelmente facilita as alterações conformacionais necessárias para a fusão ocorrer. Desta maneira, do ponto de vista evolucionário, a conservação destes aminoácidos associada a estas mudanças conformacionais altamente organizadas foi extremamente importante, principalmente porque a partícula viral deve ser capaz de fundir tanto com células de mamífero como com células de artrópodes (Seligman, 2008). Como uma consequência da entrada na célula via endocitose mediada por clatrina, durante a maturação, o endossoma se torna ácido, causando liberação da extremidade escondida do peptídeo de fusão. Os monômeros da proteína E agora se associam como um trímero, e a fusão com a membrana da célula hospedeira ocorre, permitindo a transferência do genoma para o interior do citoplasma. O requisito para a grande mudança conformacional no peptídeo de fusão acoplado ao seu elevado 47 Introdução Geral nível de conservação entre os Flavivírus, sugere que peptídeos de fusão mutantes devem ser raros (Seligman, 2008). 1.6.3. Interação Peptídeo-Membrana Os fosfolipídios são de importância fundamental para compor a base estrutural de todas as membranas celulares, além de funcionarem como precursores de diversas moléculas sinalizadoras intracelulares. As classes majoritárias de fosfolipídios de membrana podem variar significativamente de um tipo celular para outro ou até mesmo de uma organela para outra dentro de uma mesma célula. Fosfolipídios de membrana são moléculas anfipáticas, que tendem a se auto-organizar em solução aquosa para formar uma bicamada lipídica (Huang & Li, 1999). Uma bicamada lipídica composta por um único fosfolipídio, em excesso de água, pode sofrer múltiplas transições de fase termotrópicas sob aquecimento (Chapman, 1993). Destas diversas transições, a transição do estado em gel para líquido-cristalino é a transição de fase principal que é acompanhada pela maior mudança entrópica. A literatura disponibiliza os estudos de transições de fase de bicamadas lipídicas principalmente para fosfolipídios de cadeias saturadas idênticas. Estas transições podem ser detectadas por uma ampla variedade de técnicas físicas, tais como 48 Introdução Geral calorimetria diferencial de varredura (DSC), difração por raio-X, espalhamento de luz dinâmico, ressonância magnética nuclear (RMN) e espectroscopia de fluorescência. Embora cada uma destas técnicas físicas possa fornecer informações específicas, as mudanças termodinâmicas que ocorrem em uma transição de fase lipídica são avaliadas por DSC (Huang & Li, 1999). As propriedades físicas de membranas, tais como fluidez, carga e curvatura, podem influenciar sua função. Proteínas e peptídeos podem modular estas propriedades e, ao mesmo tempo, o ambiente hidrofóbico e a interação lipídio-proteína (ou peptídeo) pode afetar sua atividade e/ou sua estrutura. Muitas metodologias biofísicas estão disponíveis para estudar estes efeitos utilizando sistemas de lipídio reconstituído (Lins et al., 2008). Por um lado, modificar a organização lamelar dos lipídios e, portanto, a estabilidade da membrana poderia favorecer o processo de fusão de membranas, por exemplo. Por outro lado, alguns fatores intrínsecos de peptídeos, tais como a hidrofobicidade e a carga influenciam a interação peptídeo-lipídio, modulando sua partição entre a membrana e o ambiente aquoso. Além disso, a flexibilidade estrutural 49 Introdução Geral também é um parâmetro importante na interação entre peptídeos e lipídios (Lins et al., 2008). A proteína gp41 do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) catalisa a fusão de membranas através da indução de estruturas não-lamelares transientes no ponto de encontro entre duas membranas (Eckert & Kim, 2001; Gallo et al., 2003). A sequência desta proteína é altamente conservada e contém diferentes regiões funcionais essenciais para a fusão de membranas, como o peptídeo de fusão (Bosch et al., 1989). Estas regiões da glicoproteína gp41 têm a capacidade de ligação e partição na superfície de membranas fosfolipídicas modelo, alterando sua conformação e induzindo a formação de estruturas não-lamelares. Dependendo da composição fosfolipídica da membrana modelo, estes segmentos mudam sua conformação após ligação e modulam o comportamento da bicamada lipídica (Pascual et al., 2005a, b). Lipídios aniônicos são componentes integrais de membranas biológicas e estão presentes invariavelmente em quantidades substanciais, apresentando funções específicas em membranas biológicas (Lakey et al., 1994; Pinheiro & Watts, 1994). A proposta é de que as interações eletrostáticas entre as cabeças de lipídios aniônicos e resíduos de proteínas ou peptídeos carregados positivamente sejam cruciais na 50 Introdução Geral associação de proteínas ou peptídeos com membranas (Liu & Deber, 1997). Neste sentido, os lipídios aniônicos têm sido amplamente utilizados como sistemas modelo. Assim, a fusão de membrana viral é um importante tópico de pesquisa, uma vez que ela serve como um modelo para eventos de fusão celular, além de ser um excelente alvo para intervenções terapêuticas (Earp et al., 2005). Desta forma, a termodinâmica da interação peptídeo-membrana depende da natureza química dos lipídios, peptídeos e carboidratos envolvidos. As forças eletrostáticas, a formação de ligações de hidrogênio e as interações hidrofóbicas apresentam papéis igualmente importantes (Seelig, 2004). A interação de um peptídeo com uma membrana lipídica pode ser dividida em três etapas termodinâmicas, como ilustrado na Figura 9. Na primeira etapa, a ligação é iniciada pela atração eletrostática de um determinado peptídeo catiônico a uma membrana aniônica. Dependendo da carga do peptídeo e do tamanho do potencial de membrana da superfície, a atração (ou repulsão) eletrostática aumentará (ou diminuirá) significativamente a concentração de peptídeo próximo à superfície da membrana. Entretanto, a atração eletrostática não é um pré-requisito para a interação, já que a ligação pode ocorrer também entre um 51 Introdução Geral peptídeo não carregado e uma membrana neutra. Sob estas condições, a concentração do peptídeo próximo à superfície da membrana é idêntica à da solução estoque (Seelig, 2004). atração eletrostática adsorção mudança conformacional Figura 9 – Reconhecimento Molecular de Peptídeos na Superfície da Membrana. O diagrama mostra diferentes estágios de ligação de peptídeo à membrana-alvo. O peptídeo carregado é atraído eletrostaticamente para a superfície da membrana, interage e sofre uma determinada alteração conformacional. Extraído de Seelig, 2004. A próxima etapa é a transição do peptídeo dentro do plano de ligação. A localização exata desta camada é difícil de ser definida e depende do balanço hidrofóbico/hidrofílico dos grupos moleculares e da força envolvida. A terceira etapa no processo de ligação é uma mudança da conformação do peptídeo ligado. Em muitos casos, os peptídeos estão em uma conformação randômica em solução e adotam uma determinada estrutura secundária quando associados à membrana lipídica. A ligação, 52 Introdução Geral incluindo estas alterações conformacionais, acarreta em mudanças nos parâmetros termodinâmicas (Seelig, 2004). As forças dirigidas para a adsorção e ligação de peptídeos são as interações hidrofóbicas, eletrostáticas e ligações de hidrogênio. A inserção de um peptídeo baseado em uma interação exclusivamente hidrofóbica pode ser descrita por um simples equilíbrio de partição. Entretanto, se o peptídeo e a membrana são carregados, as interações eletrostáticas se tornam dominantes e a curva de ligação fica não-linear (Seelig, 2004). Embora muita informação tenha sido fornecida nestes últimos anos acerca das diferentes conformações das proteínas de fusão dos Flavivírus, pouco ainda se conhece sobre os mecanismos de fusão de membranas induzidos por eles. Desta maneira, é importante elucidar a natureza das interações entre as proteínas de membrana e as membranas e os mecanismos pelos quais os peptídeos de fusão aceleram a formação dos intermediários de fusão. Neste trabalho, nós descrevemos uma análise comparativa estrutural e termodinâmica sobre a interação de duas diferentes sequências internas de peptídeos de fusão de Flavivírus com sistemas biomiméticos de membrana de diferentes cargas. Os peptídeos apresentam 13 resíduos cada um e uma diferença de um único 53 Introdução Geral aminoácido (Gly x His). As Histidinas de diversas proteínas de fusão de vírus têm sido avaliadas como interruptores moleculares devido a sua mudança de estado de protonação desde não carregada a duplamente carregada em pH ligeiramente ácido encontrado em endossomas (Carneiro et al., 2003; Bressanelli et al., 2004; Kampmann et al., 2006; Mueller et al., 2008; Fritz et al., 2008). 54 Objetivos 2. Objetivos 2.1. Objetivos: Parte I Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão de Flavivírus com Membranas Biomiméticas Os arbovírus se mantêm na natureza em ciclos complexos que envolvem vetores artrópodes, como mosquito e carrapato. Os peptídeos de fusão dos Flavivírus são extremamente conservados dentro do seu gênero, apresentando, de uma forma geral, apenas uma modificação na posição 104 da sequência, onde os vírus que são transmitidos por mosquito possuem uma Glicina e os que são transmitidos por carrapato possuem uma Histidina. Neste sentido, o objetivo geral deste trabalho foi avaliar a estrutura e caracterizar o modo de interação de dois peptídeos de fusão de Flavivírus, FLAG e FLAH, em modelos biomiméticos de membrana. A única diferença entre eles está exatamente neste resíduo na posição 104, onde FLAG possui uma Glicina e tem como representantes YFV, DENV e WNV, e FLAH, que apresenta uma Histidina, onde o TBEV é o representante de maior importância. Desta forma, o interesse neste estudo também se 55 Objetivos deve à protonação/desprotonação da cadeia lateral da His, o que poderia modular a diferença de interação entre os dois peptídeos estudados. Portanto, nossos objetivos específicos para este estudo foram: Avaliar a acessibilidade dos resíduos de Trp presentes na sequência dos peptídeos, através de espectroscopia de fluorescência intrínseca do Trp e, assim, inferir características da interação com diferentes modelos de membrana alvo. Investigar os parâmetros termodinâmicos (entalpia da ligação) que regem a interação peptídeo-micela, através de calorimetria isotérmica de titulação (ITC), utilizando alvos com diferentes propriedades físicas. Analisar possíveis mudanças na temperatura de transição de vesículas lipídicas de diferentes composições, através de calorimetria diferencial de varredura (DSC). Desta forma, é possível avaliar o grau de perturbação da membrana promovida pelos peptídeos. Aferir a conformação do peptídeo em solução, através da espectroscopia de dicroísmo circular, e avaliar uma possível mudança estrutural após sua interação com modelos de membrana alvo. Avaliar parâmetros espaciais e acompanhar, em função do tempo, as mudanças conformacionais da interação dos peptídeos de fusão com 56 Objetivos bicamadas lipídicas, utilizando como ferramenta simulações por dinâmica molecular. 2.2. Objetivos: Parte II Febre Amarela: Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica A Febre Amarela é uma doença infecciosa aguda que representa um importante problema de saúde pública, especialmente na África. Apesar de existir uma vacina até certo ponto satisfatória e eficaz, a doença ainda permanece incontrolável. Em diferentes períodos da história humana, a Febre Amarela tem causado incontroláveis sofrimentos entre as populações nas Américas, Europa e África. Nos trópicos, a maior frequência da doença ocorre no período das chuvas, entre os meses de janeiro e abril, quando a densidade vetorial (quantidade de mosquitos) é elevada, coincidindo com a época de maior atividade agrícola. No Brasil, no período de 1982 a novembro de 2004, foram confirmados 594 casos de febre amarela, com ocorrência de 286 óbitos, representando uma taxa de letalidade de 48% no período. O estado de Minas Gerais é o campeão de casos no Brasil. 57 Objetivos A vacinação é a principal estratégia de controle da doença. Entretanto, como a vacina é feita a partir de vírus atenuado, que tem a capacidade de se replicar, vários eventos de reações adversas à vacina vêm ocorrendo nos últimos anos. Como a alta pressão hidrostática tem sido apontada como um método eficiente para a inativação de diversos vírus, esta ferramenta foi utilizada para inativar o YFV com bastante sucesso pelo nosso grupo. Entretanto, o grande problema de uma vacina inativada é não oferecer uma proteção eficaz. Assim, o principal objetivo deste estudo foi avaliar a imunogenicidade do Vírus da Febre Amarela inativado por Alta Pressão Hidrostática. Para avaliar esta questão, destacamos nossos objetivos específicos: Avaliar a perda total de infecciosidade dos vírus inativados por pressão através de um ensaio para detecção de infecciosidade residual realizado em células Vero e C6/36. Analisar a presença de alguma infecção promovida pela amostra viral inativada através de um ensaio de detecção de infecciosidade residual em camundongos. Realizar ensaios de imunização dos animais através de inoculação subcutânea. 58 Objetivos Avaliar a resposta dos animais através de um ensaio de neutralização dos anticorpos por redução de plaques. Aferir a proteção promovida pela inoculação do vírus inativado através da inoculação intracerebral de uma dose letal. 59 Material e Métodos 3. Material e Métodos 3.1. Reagentes 2, 2, 2-trifluoretanol (TFE), Dodecil Sulfato de Sódio (SDS) e n-octilβ-D-glicopiranosídeo (n-OGP) foram obtidos da Sigma Co. (St. Louis, MO). Os lipídios Di-Palmitoil-Fosfatidilcolina (DPPC) e Fosfatidilglicerol (PG) foram adquiridos da Avanti Polar Lipids (Alabaster, AL). Acrilamida foi obtida da Amersham Bioscience. Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico. A água era deionizada e purificada através de um equipamento Milli-Q da Millipore (Molsheim, France). 3.2. Células e Vírus As células Vero (rim de macaco verde africano) (CCL 81) e C6/36 (Aedes albopictus) foram obtidas a partir da American Type Culture Collection (ATCC, Manassas, VA). As células Vero foram mantidas em meio 199 com sais de Earle (M199, Gibco), tamponado com bicarbonato de sódio e suplementado com 5% de soro fetal bovino (Cultilab), penicilina (100 U/mL) e estreptomicina (100 g/mL). As células C6/36 foram cultivadas em meio L-15 suplementado com 10% de soro fetal bovino, 0,02 mM de L-glutamina (Gibco), penicilina (100 U/mL) e estreptomicina (100 g/mL). 60 Material e Métodos O Vírus da Febre Amarela utilizado neste estudo é derivado da vacina YFV 17DD (035VFA035P) produzida em Bio-Manguinhos, Fundação Oswaldo Cruz. Para os estudos de inativação, os vírus foram crescidos em garrafas tipo roller com uma multiplicidade de infecção de 0,02 UFP/célula a 37°C. Após 7 dias de infecção, o sobrenadante era coletado e clarificado dos restos celulares por centrifugação a 1000 x g por 10 minutos a 4°C em uma centrífuga Beckman usando o rotor JA-10. 3.3. Os Peptídeos de Fusão peptídeos, 98 DRGWGNHCGLFGK110 (FLAH - TBEV) e 98 DRGWGNGCGLFGK110 (FLAG – YFV, DENV, WNV) (Figura 10) foram sintetizados pela Genemed Synthesis Inc. (South San Francisco, CA). A identidade e a pureza (> 95%) foram determinadas por análise de aminoácidos, espectrometria de massa e cromatografia líquida de alta resolução. Para os experimentos, as soluções estoques de peptídeo foram preparadas diluindo-os em tampão fosfato de sódio 20 mM pH 7,4. A concentração dos peptídeos em solução aquosa foi determinada a partir dos valores de absorbância a 280 nm, levando-se em consideração o coeficiente de extinção molar teórico ( = 5500 M-1 cm-1) baseado na cadeia lateral de um Trp presente em cada sequência. 61 Material e Métodos A FLAG 98DRGWGNGCGLFGK110 FLAH 98DRGWGNHCGLFGK110 loop CD B FLAG Resíduos 98-110 FLAH Resíduos 98-110 Figura 10 - Estrutura da Proteína E do WNV e dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH. (A) A glicoproteína E monomérica adota uma topologia típica de outras glicoproteínas de envelope de Flavivírus, onde o loop de fusão está mostrado (PDB: 2hg0). (B) Sequência (vermelho) dos peptídeos de fusão FLAG e FLAH colorida no programa RasMol. Os dois primeiros resíduos de Glicina estão mostrados em amarelo e o único triptofano em azul. 62 Material e Métodos 3.4. Ensaio com Micelas As micelas constituem um sistema mimético para o estudo de atividade e toxicidade por serem semelhantes a bicamadas lipídicas. Além disso, são muito utilizadas em metodologias biofísicas justamente como mimetizantes de membrana. As micelas possuem um cerne hidrofóbico e flexível, uma interface hidrofílica e são normalmente usados como monocamadas ou bicamadas em métodos experimentais (Langham et al., 2007). A formação das micelas é dirigida pelo efeito hidrofóbico, devido à interação dos grupos não polares com a água. O SDS (Dodecil Sulfato de Sódio) (Esquema 1) é um detergente que possui grupamentos aniônicos polares em uma das extremidades de sua estrutura e uma cadeia apolar na outra. Quando uma quantidade suficiente de SDS é dissolvida em água, diversas propriedades são modificadas, em particular a tensão superficial (que diminui) e a habilidade da solução solubilizar hidrocarbonetos (que aumenta). Esta concentração é denominada concentração micelar crítica (cmc). A cmc do SDS é dependente de sal, sendo em água de 8 mM, em 10 mM de NaCl de 3,5 mM, e em 100 mM de NaCl de 1,4 mM. 63 Material e Métodos Esquema 1 - Estrutura do SDS. Extraído de www.sigmaaldrich.com O n-octil-β-D-glicopiranosídeo (Esquema 2) é um detergente não desnaturante e não iônico muito utilizado para solubilizar proteínas de membrana. As micelas destes detergentes possuem baixo peso molecular e são facilmente removidas por diálise. A cmc deste detergente varia de 20 a 25 mM. Esquema 2 – Estrutura do n-octil-β-D-glicopiranosídeo. Extraído de www.sigmaaldrich.com 64 Material e Métodos A ligação do peptídeo de fusão às diferentes micelas foi analisada através da variação da fluorescência emitida pelo triptofano, sendo este excitado a 280 nm e sua emissão sendo coletada de 300 a 420 nm. 3.5. Preparação das Vesículas Multilamelares Uma determinada quantidade de fosfolipídio diluído em clorofórmio é inicialmente seca sob um fluxo de nitrogênio no fundo de um tubo de vidro cônico para a completa remoção do solvente orgânico e formação de um filme lipídico. A solubilização deste filme em tampão fosfato de sódio 20 mM, NaCl 150 mM, pH 7,4, contendo ou não uma quantidade apropriada de peptídeo, gera as vesículas multilamelares (MLVs) para a realização das medidas de DSC. A concentração dos fosfolipídios foi calculada baseada no peso do lipídio liofilizado. 3.6. Espectroscopia de Fluorescência Há cerca de 30 anos vem ocorrendo um crescimento importante no uso de fluorescência aplicada à Biologia, onde a espectroscopia de fluorescência vem sendo aplicada nas áreas de Bioquímica e Biofísica. A fluorescência é muito utilizada para sequenciar ADN, análises genéticas por hibridização in situ, identificação celular em citometria de fluxo e 65 Material e Métodos análises de imagens celulares para revelar a localização e o tráfego de uma determinada molécula. Devido à alta sensibilidade de detecção da fluorescência, diversos testes baseados no fenômeno da fluorescência são hoje aplicados à clínica, como o ELISA. A aplicação da fluorescência associada ao contínuo desenvolvimento de instrumentações e marcadores fluorescentes torna possível analisar a dinâmica de diversas macromoléculas em diferentes processos, desvendando intermediários do enovelamento de proteínas importantes no ciclo celular, por exemplo (Lakowicz, 1999). A luminescência é a emissão de luz de alguma substância e ocorre a partir dos estados excitados eletronicamente. Este fenômeno é formalmente dividido em duas categorias, a fluorescência e a fosforescência, dependendo da natureza do estado excitado. No estado excitado singlete, o elétron no orbital excitado está pareado (com spins opostos) com o segundo elétron no orbital do estado fundamental. Consequentemente, o retorno ao estado fundamental ocorre rapidamente pela emissão de um fóton. O tempo de vida de um fluoróforo é próximo de 10 ns e representa o tempo médio entre sua excitação e seu retorno ao estado fundamental. A fosforescência é a emissão da luz a partir dos estados triplete, em que o elétron no orbital 66 Material e Métodos excitado tem a mesma orientação de spin que o elétron no estado fundamental. Além disso, o tempo de vida fosforescente é maior e varia de milisegundos a segundos (Lakowicz, 1999). As proteínas contêm três resíduos de aminoácidos que contribuem para sua fluorescência: Tirosina (Tyr ou Y), Triptofano (Trp ou W) e Fenilalanina (Phe ou F). A emissão de fluorescência das proteínas é dominada pelo Trp, que absorve em comprimento de onda mais longo e apresenta o maior coeficiente de extinção. Além disso, devido ao seu longo comprimento de onda, a energia absorvida pela Phe e pela Tyr é frequentemente transferida para os resíduos de Trp na mesma proteína. O rendimento quântico da Phe em proteínas é pequeno (0,03), enquanto os rendimentos quânticos da Tyr e do Trp são muito maiores (0,14 e 0,13, respectivamente) (Lakowicz, 1999). A fluorescência de proteínas é geralmente excitada no máximo de absorção próximo a 280 nm ou a comprimentos de onda maiores. O máximo de emissão do Trp em água ocorre próximo a 350 nm e é altamente dependente da polaridade e/ou do ambiente local. Como o Trp é um aminoácido bastante sensível a qualquer mudança de polaridade do meio, em ambientes apolares, este resíduo emite em comprimentos de onda menores (próximo a 320 nm) e, portanto, mais energéticos. 67 Material e Métodos Entretanto, à medida que a proteína expõe seu Trp para o meio aquoso, por exemplo, em uma desnaturação, ocorre um desvio de espectro para o vermelho, já que o Trp passa a emitir fluorescência em comprimentos de onda maiores e menos energéticos. Isto ocorre porque parte desta energia é gasta para orientar as moléculas no solvente (Lakowicz, 1999). Todos os experimentos de fluorescência foram realizados em um espectrofluorímetro ISS K2 (ISS Inc., Champaign, IL) a 37°C. Comprimento de onda de excitação de 280 nm foi utilizado e a emissão coletada de 300 a 420 nm, com um intervalo de 1 nm. A fenda utilizada na excitação foi de 2 nm e na emissão de 1 nm. A concentração final dos peptídeos foi de 10 M diluído em tampão fosfato de sódio 20 mM nos pHs 7,4 ou 5,5. A solução estoque das micelas foi preparada no mesmo tampão. Os valores de pH foram aferidos antes e após cada experimento. n-octil-β-Dglicopiranosídeo foi preparado em água Milli Q em uma concentração muito acima da concentração micelar crítica (cmc). 3.6.1. Supressão de Fluorescência por Acrilamida A intensidade de fluorescência pode ser diminuída por uma ampla variedade de processos. Esta diminuição na intensidade é denominada de supressão, que pode ocorrer por diferentes mecanismos. A supressão 68 Material e Métodos colisional ocorre quando o fluoróforo no estado excitado é “desativado” sob contato com outra molécula em solução, conhecida como supressor de fluorescência. Neste caso, o fluoróforo retorna ao estado fundamental durante uma colisão com o supressor sem emitir fluorescência. As moléculas não são quimicamente alteradas no processo (Lakowicz, 1999). Uma ampla variedade de pequenas moléculas ou íons pode atuar como supressores colisionais de fluorescência, tais como o iodeto (I-), o oxigênio, halogênios, aminas e a acrilamida (Esquema 3). A acessibilidade dos fluoróforos por um determinado agente supressor pode ser usada para determinar a localização de marcadores sobre macromoléculas ou a porosidade de proteínas e membranas ao supressor. A intensidade da emissão de fluorescência de um Trp sobre a superfície de uma proteína ou sobre a superfície de uma membrana diminuirá na presença de um supressor solúvel em água, como a acrilamida. Entretanto, a intensidade de um resíduo de Trp escondido no interior de uma membrana será menos afetada pelo supressor dissolvido (Lakowicz, 1999). 69 Material e Métodos Esquema 3 – Estrutura Química da Acrilamida. Extraído de Besaratinia & Pfeifer, 2005 O mecanismo da supressão varia com o par fluoróforo-supressor. Por exemplo, a supressão do anel indol pela acrilamida é provavelmente devido à transferência de elétrons do indol para a acrilamida, que não ocorre no estado fundamental. Além da supressão colisional, os fluoróforos podem formar complexos não fluorescentes com os agentes supressores. Este processo é conhecido como supressão estática, uma vez que ele ocorre no estado fundamental e não depende de difusão ou colisão molecular (Lakowicz, 1999). O fenômeno da supressão fornece informações importantes sobre o tempo de vida do estado excitado, importante para detectar processos dinâmicos em solução ou em macromoléculas. A idéia fundamental é que a absorção é um evento instantâneo e ocorre tão rápido que não existe tempo para movimento molecular durante este processo (Lakowicz, 1999). Para a supressão colisional, a diminuição na intensidade é descrita pela equação de Stern-Volmer: 70 Material e Métodos F0 / F = 1 + KSV [Q] = 1 + kq τ0 [Q] (1) onde F e F0 são as intensidades de fluorescência na presença e na ausência de acrilamida, respectivamente; KSV representa a constante de supressão de Stern-Volmer [Q] é a concentração molar total do agente supressor em solução, kq é a constante de supressão bimolecular e τ0 é o estado não suprimido (Lakowicz, 1999). Os dados de supressão geralmente são apresentados como gráficos de F0 / F versus [Q]. Isto é porque F0 / F é esperado ser linearmente dependente da concentração do agente supressor. Um gráfico de F0 / F versus [Q] produz um intercepto de 1 sobre o eixo y e uma inclinação igual a KSV. Um gráfico de Stern-Volmer linear geralmente é indicativo de uma classe simples de fluoróforos, todos igualmente acessíveis ao supressor (Lakowicz, 1999). Para os experimentos de supressão de fluorescência do Trp, pequenas alíquotas de acrilamida solubilizadas em água foram adicionadas a partir de uma solução estoque de 5 M na ausência e na presença de micelas. Comprimento de onda de excitação de 280 nm foi utilizado e as intensidades de fluorescência foram monitoradas a cada adição de acrilamida a 349 nm em tampão, a 334 nm na presença de micelas de SDS e a 346 nm na presença de micelas de n-octil-β-D- 71 Material e Métodos glicopiranosídeo. As constantes de supressão de fluorescência (KSV), uma medida da acessibilidade do Trp ao ambiente polar onde se encontra a acrilamida, foram obtidas a partir de uma regressão linear usando a equação de Stern-Volmer para um processo de supressão dinâmico (Eftink & Ghiron, 1976; Lakowicz, 1999). 3.7. Dicroísmo Circular (CD) O fenômeno de Dicroísmo Circular (CD) consiste da absorção diferencial de luz polarizada circularmente para a esquerda e para a direita por uma molécula quiral. Na ausência de um campo magnético, a molécula deve ser quiral para dar para uma diferença na interação com os dois tipos de luz polarizada circularmente. CD é a diferença na absorção da luz polarizada circularmente para a esquerda e para a direita e é definido como: () = E() – D() (2) onde E e D são os coeficientes de extinção para os componentes polarizados circularmente para a esquerda e para a direita, respectivamente, a um determinado comprimento de onda . As unidades para CD, quando definidas como , são M-1·cm-1, onde M é a concentração molar. 72 Material e Métodos Baseado na energia das transições eletrônicas que dominam uma determinada faixa, os espectros de proteína por CD são geralmente divididos dentro de três faixas de comprimento de onda, (i) a região UV distante (abaixo de 250 nm), onde as contribuições peptídicas dominam, (ii) a região UV próximo (250-300 nm), onde as cadeias laterais dos resíduos aromáticos contribuem, e (iii) a região visível (300-700 nm), onde os cromóforos extrínsecos contribuem. A cadeia polipeptídica em uma proteína é primariamente constituída por amidas secundárias. Polipeptídeos formam diferentes estruturas secundárias baseadas no arranjo dos grupos amida ditados pela conformação do esqueleto carbônico. -hélices e folhas-β são as duas mais importantes estruturas secundárias em proteínas, sendo estabilizadas, respectivamente, por ligações de hidrogênio intra- e intercadeia. Elas são caracterizadas por um conjunto de ângulos diedro e (: -57°, -47°; β: -120°, +120°) que se repetem ao longo da cadeia polipeptídica formando grupos amidas sucessivos orientados identicamente em toda direção da cadeia (Sreerama & Woody, 2004). Os grupos amida em -hélices formam uma superfície cilíndrica com ligações de hidrogênio intra-cadeia paralelas ao eixo da hélice, e grupos amida em folhas-β estendem-se por uma superfície planar. Em geral, - 73 Material e Métodos hélices são maiores e mais rígidas que as folhas-β devido à natureza das ligações de hidrogênio que as estabilizam. Outra importante estrutura secundária é a volta-β, geralmente formada por três resíduos, podendo ser estabilizada ou não por uma ligação de hidrogênio entre o primeiro e o terceiro grupamento amida, que efetivamente reverte a direção da cadeia. Aminoácidos que não formam nenhuma estrutura secundária existente em proteínas são chamados de desordenados por não possuírem uma conformação ordenada (Sreerama & Woody, 2004). As medidas de CD foram realizadas em um espectropolarímetro Jasco J-715/1505 entre 190 e 260 nm em uma cubeta de quartzo cilíndrica, com caminho óptico de 0,02 cm, ou cúbica de 0,2 cm (apenas para as análises em alta temperatura). Os espectros foram gravados com 0,2 nm de resolução e a 50 nm/min de velocidade. O tempo de resposta utilizado foi de 8 s com 100 mgrau de sensibilidade. A passagem do feixe de luz foi de 2 nm. Cada espectro representa uma média de 10 varreduras. A concentração dos peptídeos utilizada foi de 1 mM ou 50 M (para as análises a 85°C) e os espectros foram adquiridos à temperatura ambiente (~ 25°C), em tampão fosfato de sódio 20 mM pH 5,5 ou 7,4. A contribuição do sinal do tampão na ausência e na presença de cada reagente foi subtraída dos espectros de CD adquiridos para cada amostra. 74 Material e Métodos 3.8. Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) A elucidação dos princípios energéticos da afinidade e da especificidade de ligação é uma questão central em muitas áreas da ciência atual. A Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) é uma valiosa técnica experimental que facilita a quantificação dos parâmetros termodinâmicos que caracterizam os processos de reconhecimento envolvendo macromoléculas. A técnica de ITC é utilizada para investigar todos os tipos de interações de proteínas, incluindo interações proteínaproteína, proteína-ácido nucléico, interações de proteínas com pequenas moléculas, além de cinéticas enzimáticas (Liang, 2008; Bjelić & Jelesarov, 2008). ITC é uma excelente técnica bastante utilizada para obter informações importantes sobre os parâmetros termodinâmicos fundamentais que governam a ligação de peptídeos a bicamadas lipídicas (Seelig, 2002). Titulando o peptídeo para um excesso de lipídio, é possível obter a entalpia da ligação, e ao contrário, titulando lipídio em peptídeo até a saturação, é possível calcular a energia livre da ligação. A entropia da ligação pode então ser deduzida a partir da relação G = H – TS (Li et al., 2003). Os dados de ITC foram adquiridos utilizando um calorímetro de titulação MicroCal VP-ITC (MicroCal, Northampton, MA), titulando o 75 Material e Métodos peptídeo em uma solução de micelas. O calorímetro foi calibrado eletricamente e as amostras foram tituladas em uma solução com agitação contínua. No primeiro caso de titulação, alíquotas de 5 L de peptídeo foram adicionadas, a partir de uma solução estoque de 100 M, à cela calorimétrica contendo SDS a 20 mM ou n-octil-β-Dglicopiranosídeo a 40 mM, ambos diluídos em tampão fosfato de sódio 20 mM pH 7,4 ou 5,5. Cada injeção era realizada em um período de 5 s, com um espaço de 360 s entre cada injeção. Os resultados foram analisados utilizando o programa Origin 7.0, e os valores de entalpia (H) e de variação da capacidade calorífica (Cp) foram obtidos a partir da integração da área de cada pico de calor em diferentes temperaturas (37°C, 25°C e 15°C). Para descontar o calor de diluição, experimentos controle foram realizados titulando as micelas dentro de uma solução tampão na ausência de peptídeo em todos os pHs e em todas as temperaturas. O calor de diluição era sempre muito pequeno quando comparado ao da amostra, e foi subtraído a partir da reação de calor do experimento de titulação real. 76 Material e Métodos 3.9. Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC) A Calorimetria de Varredura Diferencial (DSC) tem emergido como uma poderosa técnica experimental para determinar propriedades termodinâmicas de macromoléculas. DSC é uma técnica de análise térmica capaz de determinar a pureza, as formas polimórficas e o ponto de fusão de diversas amostras. Além disso, esta técnica capacita monitorar detalhes do processo de desenovelamento de proteínas. Através de medidas dos parâmetros termodinâmicos e sob condições que afetam a estabilidade do sistema, é possível estudar também o comportamento térmico de bicamadas lipídicas e sistemas de entrega de drogas lipídicas, como lipossomos (Demetzos, 2008; Spink, 2008). Os dados de DSC foram coletados em um calorímetro Microcal VPDSC de alta sensibilidade (Microcal, Northampton, MA). As vesículas de DPPC e PG foram utilizadas em tampão fosfato de sódio 20 mM, NaCl 150 mM, pH 7,4. A razão molar de lipídio:peptídeo utilizada nos experimentos foi de 100:1. Para as amostras contendo vesículas de DPPC, a velocidade de varredura utilizada foi de 10°C/h, enquanto que, para as vesículas DPPC:PG, a velocidade foi de 30°C/h. A aquisição dos dados e a análise foram realizadas usando o programa Origin 7.0. A concentração de lipídios totais utilizada nas medidas de DSC foi de 1 mM 77 Material e Métodos 3.10. Simulações por Dinâmica Molecular A dinâmica molecular (MD) consiste em acompanhar a evolução temporal de um determinado sistema molecular. Este método trata os átomos em um meio contínuo, com as ligações químicas vibrando, ângulos de ligação variando e a molécula rodando (Leach, 1996). Com o desenvolvimento de novos computadores, os métodos de modelagem molecular vêm se aprimorando e sendo amplamente utilizados nas pesquisas científicas. Seus conceitos fundamentais se baseiam em equações muito conhecidas no mundo da física há muito tempo e seus métodos constituem poderosas ferramentas no estudo de propriedades atômicas e moleculares. O avanço na área de modelagem molecular busca, através das equações de Newton, uma metodologia para descrever propriedades moleculares quânticas em função de um campo de força clássico e, assim, encontrar a representação mais próxima do real (Mundin, 2002). No método de mecânica molecular, as ligações químicas são representadas por potenciais harmônicos. As moléculas funcionam como uma coleção de massas ligadas por “molas” com suas propriedades representadas através de potenciais harmônicos e anarmônicos (Levine, 2003). 78 Material e Métodos No início, a MD consistia de um modelo de esferas rígidas com choques perfeitamente elásticos representando as interações atômicas (Alder & Wainwright, 1957). Nesta época, as equações de movimento de Newton já eram utilizadas para descrever um sistema de n átomos interagindo. Entretanto, com o avanço nesta área, o número de átomos aumentou e, consequentemente, a complexidade dos sistemas estudados. Por este motivo, existe a necessidade de computadores cada vez mais potentes que tenham a capacidade de processar um número enorme de átomos. As técnicas também devem ser cada vez mais rebuscadas para resolver problemas quânticos de forma clássica a fim de tornarmos a simulação possível e confiável. As simulações neste estudo foram realizadas a 35°C ou a 85°C utilizando os peptídeos de fusão em caixas d’água (Figura 11A) ou em bicamadas lipídicas compostas por Palmitoil-Oleoil-Fosfatidiletanolamina (POPE) (Figura 11B) obtidas utilizando o programa GROMACS (van der Spoel et al., 2001). A configuração da bicamada, composta por 340 unidades lipídicas (170 em cada folheto), e os parâmetros de simulação foram ajustados como descrito anteriormente (Marrink et al., 1996; Tieleman & Berendsen, 1996; Kandt et al., 2007). Este modelo de bicamada foi escolhido porque é o mais bem equilibrado em um modelo grande de simulação. 79 Material e Métodos Contra-íons foram utilizados para manter a eletroneutralidade dos sistemas e os peptídeos foram modelados através da utilização do campo de força GROMOS45A3. O passo de integração utilizado foi de 2 ƒs. As interações de van der Waals foram simuladas por uma função Switch a um raio de até 1 nm, e as interações eletrostáticas foram consideradas até 1,1 nm utilizando o método de PME (“Particle-Mesh Ewald”). Para as simulações utilizando o peptídeo FLAH, os resíduos de His foram protonados, mimetizando um ambiente ácido (pH < 6). O método de Berendsen, que realiza a correção da temperatura no sistema, foi aplicado a cada 0,1 ps. Para o acoplamento de pressão, foi utilizado o método de Parrinelo-Rahman, o mais utilizado em membranas. As condições periódicas de contorno foram mantidas constantes utilizando o método “ensemble statistico NPT”. E para manter os átomos ligados, o algoritmo de vínculo Lincs foi utilizado. As coordenadas do peptídeo de fusão FLAG foram adquiridas a partir da estrutura cristalográfica da proteína E do WNV depositada no Banco de Dados de Proteínas (PDB) (Nybakken et al., 2006; pdb: 2HG0) e o FLAH foi obtido a partir de uma mudança de um resíduo de Gly por um resíduo de His na posição 104 do peptídeo. Este processo foi realizado minimizando a energia nas vizinhanças do resíduo de His (Figura 12). 80 Material e Métodos A B Figura 11 – Representação do Peptídeo de Fusão FLAH em Caixa d’água ou em Bicamada Lipídica Composta por POPE. Representação da estrutura do peptídeo FLAH (vermelho) antes de iniciar a simulação em água (A) ou na presença de bicamada lipídica de POPE (B). Em azul, está representada a água, em cinza, os ácidos graxos dos fosfolipídios da membrana e, em verde e amarelo, os íons Cl- e Na+. Figura 12 – Loop de Fusão da Glicoproteína E dos Flavivírus. Estrutura cristalográfica da proteína E do WNV depositada no Banco de Dados de Proteínas (Nybakken et al., 2006; pdb: 2HG0). Do lado direito estão os dois peptídeos de fusão dos Flavivírus sobrepostos evidenciando os resíduos de Gly (vermelho – FLAG) e de His (azul - FLAH). 81 Material e Métodos 3.11. Inativação Viral por Alta Pressão Hidrostática Recentes estudos têm emergido sobre o uso da alta pressão hidrostática (APH) para tentar revelar estados intermediários na via de montagem e desmontagem de vários vírus, proteínas multiméricas e complexos proteína-ácido nucléico, endereçando muitas questões de reconhecimento macromolecular (Silva et al., 1996). Além disso, vários estudos têm mostrado a importância de comparar complexos protéicos e integrar informações sobre estrutura, dinâmica e energética (Silva et al, 2001; 2002). A alta pressão pode promover eficientemente a dissociação tanto de proteínas oligoméricas (Silva & Weber, 1993; Robinson & Sligar, 1995), como de estruturas virais (Silva et al., 1996). Ela tem uma propriedade única, onde a perturbação das estruturas macromoleculares em solução depende exclusivamente da variação de volume do processo de dissociação/desnaturação (Silva et al., 2001). A perturbação por pressão pode produzir novas informações acerca da estabilidade, volume e empacotamento de macromoléculas em uma extensa variedade de fenômenos biológicos, e tem sido particularmente útil na investigação de transições conformacionais em proteínas (Jonas & Jonas, 1994; Heremans & Smeller, 1998; Desai et al., 1999). Em geral, a pressão 82 Material e Métodos mantém o conjunto de estruturas secundárias, mas é desfavorável às interações hidrofóbicas, que são predominantemente responsáveis pela manutenção da estrutura terciária de uma proteína (Silva et al., 1996; Mozhaev et al., 1996). A variação de volume negativa que ocorre com a dissociação ou desenovelamento protéico procede integralmente de interações mais íntimas entre a cadeia polipeptídica e a água. Assim, a pressão desestabiliza interações hidrofóbicas e eletrostáticas, além de eliminar as cavidades existentes (Silva et al., 1996; 2001; Frye & Royer, 1998; Hummer et al., 1998). Recentemente, a pressão hidrostática tem sido usada para estudar a montagem de vírus icosaédricos, com o objetivo de entender como a plasticidade necessária para a perfeita montagem de uma partícula viral está codificada dentro da conformação enovelada de uma subunidade protéica do capsídeo (Foguel et al., 1995; Da Poian et al., 1995; Gaspar et al., 1997; Oliveira et al., 1999a). Esta combinação dos estudos termodinâmicos e estruturais tem sido utilizada para tentar identificar as regras gerais que governam a montagem viral. Em linhas gerais, as proteínas do capsídeo isoladas (monômeros ou dímeros) são muito menos estáveis frente aos efeitos da pressão do que as partículas icosaédricas montadas (Silva et al., 1996). 83 Material e Métodos Assim, apesar de encontrar-se disponível uma vacina de vírus atenuado bastante imunogênica e eficaz contra o Vírus da Febre Amarela, recentemente têm sido registradas frequentes ocorrências de casos fatais devido a reações adversas e reversão da doença em pacientes recémvacinados (Vasconcelos et al., 2001; Martin et al., 2001; Chan et al., 2001). Muitos destes casos de morte associados à vacina são de turistas que vão visitar áreas endêmicas e são recomendados pelo governo a se vacinar. Para tentar solucionar este problema, o Ministério da Saúde solicitou à Fundação Oswaldo Cruz o desenvolvimento de uma vacina inativada contra o Vírus da Febre Amarela. A cela de alta pressão (Figura 13A) utilizada em nossos estudos foi descrita por Paladini & Weber (1981) e fabricada pela ISS Inc. (Champaign, IL). A cela é de aço vascomax e equipada com três janelas ópticas de quartzo ou safira (Silva et al., 1992), para eventuais análises espectroscópicas. Além disso, a cela possui uma abertura superior por onde é aclopado um tubo apropriado contendo a amostra, que equaliza a pressão entre o meio hidrostático (etanol) e a amostra que se encontra no interior do tubo, e por onde é acoplado uma haste flexível que conecta a cela ao gerador de pressão. A cela também suporta diferentes 84 Material e Métodos temperaturas pelo acoplamento de um banho-maria circulatório (Fisher Scientific). Figura 13 - Sistema de Alta Pressão Hidrostática. Ilustração dos componentes do sistema de alta pressão. (A) Cela de pressão e as suas janelas ópticas. (B) Componentes do gerador de pressão: (A) reservatório de etanol; (B) válvula que controla a saída do etanol para o gerador de pressão; (C) gerador manual de pressão; (D) válvula que controla a saída do etanol do gerador de pressão para a bomba de pressão; (E) cela de pressão onde é colocada a amostra; (F) manômetro que afere a pressão aplicada na amostra. O segundo componente do sistema de pressão é o gerador de pressão propriamente dito (Figura 13B). Ele é composto por um pistão operado manualmente, que tem por objetivo comprimir o etanol no interior da tubulação e, consequentemente, a amostra. Esta compressão se dá por duas válvulas que controlam o fluxo de etanol no tubo conectado à cela. A pressão gerada no sistema é acompanhada por um manômetro. 85 Material e Métodos A pressão utilizada para inativar o YFV 17DD foi de 310 MPa (3,1 kbar = 45 kPSI). Além disso, durante o tempo de pressurização, as amostras foram mantidas a 4°C com auxílio de um banho-maria circulatório. 3.11.1. Ensaio de Infecciosidade Este método foi utilizado com o objetivo de avaliar o grau de infecciosidade das partículas virais antes e após serem submetidas à alta pressão hidrostática. Os ensaios foram realizados em placas estéreis de 6 poços (Corning) com uma monocamada semi-confluente de células Vero. Foram realizadas diluições seriadas da ordem de 101 a 1010, onde 100 L da amostra a ser avaliada são colocados em cada poço correspondente à diluição. Após o tempo de adsorção de 1 h a 37°C, são adicionados 2 mL de meio semi-sólido (DMEM a 10% de soro fetal bovino, em uma concentração final de 3% de carboxi-metil-celulose - CMC) a cada poço da placa. Após 7 dias a 37°C em uma atmosfera de 5% de CO2, as placas são reveladas corando-se as células com uma solução de cristal violeta 1% e formaldeído 20% por 30 min. O meio semi-sólido é utilizado para diminuir a difusão do vírus pela placa. Isto permite observar placas de lise celular 86 Material e Métodos sobre a monocamada, que representam a infecção de apenas uma partícula que iniciou o ciclo. Desta maneira, após os 7 dias, as placas de lise são então contadas. O título viral é expresso em unidades formadoras de placa por unidade de volume (UFP/mL). Assim, o grau de infecciosidade era avaliado através de ensaios de infecciosidade, onde quanto maior a diluição do vírus, e ainda assim sendo capaz de induzir efeito citopático, maior é o seu título. A maioria das preparações gerava amostras com títulos próximos a 107 UFP/mL e, além disso, podíamos aferir também o grau de infecciosidade das amostras submetidas à alta pressão hidrostática. 3.11.2. Avaliação da Infecciosidade Residual do YFV Inativado A fim de confirmar a inativação viral, a infecciosidade residual do YFV inativado foi avaliada pela incubação de 1 mL do vírus em células Vero e C6/36. Assim, monocamadas destas células cultivadas em garrafas de 25 cm2 foram inoculadas em triplicatas com amostras virais inativadas pela pressão. Após 1 h de adsorção, as partículas virais não adsorvidas foram retiradas e meio 199 ou L-15 eram adicionados às células Vero e C6/36, respectivamente. Após 7 dias, o sobrenadante da cultura era coletado e a infecciosidade viral era avaliada por um ensaio de titulação em 87 Material e Métodos monocamadas de células Vero (Caufour et al., 2001). A inativação viral foi realizada com diferentes preparações do vírus 17DD clarificado e os resultados apresentam valores obtidos a partir de três experimentos independentes. 3.12. Ensaios em Camundongos Todos os ensaios utilizando animais foram realizados de acordo com o protocolo aprovado pelo Comitê Institucional de Experimentação e Cuidados com os Animais (CEUA – FIOCRUZ: P0152/02). As preparações inativadas do vírus (310 MPa por 3 h a 4˚C) eram administradas diretamente após o tratamento de alta pressão. 3.12.1. Ensaios de Inocuidade Para os estudos de inocuidade, camundongos suíços webster (Mus musculus) de 3 a 7 dias foram inoculados por via intracerebral (i.c.) com YFV 17DD da vacina produzida em Bio-Manguinhos (número do lote 035VFA035P), YFV 17DD inativado por pressão ou meio 199 (controle negativo). Os vírus foram diluídos em meio 199 e o inóculo era novamente titulado logo após o procedimento. A quantidade de vírus em UFP necessária para matar 50% dos camundongos foi estabelecida como 88 Material e Métodos descrito anteriormente (Caufour et al., 2001). Os animais foram monitorados durante 21 dias e as eventuais mortes foram registradas. Animais visivelmente letárgicos foram mortos por exposição a CO2. 3.12.2. Imunização Os estudos de imunogenicidade foram realizados com o vírus 17DD produzido em células Vero. Neste ensaio, grupos de fêmeas de camundongos suíços com idade de 3 a 7 semanas foram imunizados por via subcutânea (s.c.) com doses de 0,1 mL. A programação consistiu de 3 doses com intervalos de 2 semanas. Os vírus diluídos em meio de cultura 199 completo foram inoculados com aproximadamente 104 UFP/dose. O grupo dos animais que serviram como controle negativo receberam apenas meio de cultura 199 completo. Os vírus foram titulados novamente, logo após o procedimento de imunização. Os camundongos foram sangrados a partir do plexo retro-orbital, utilizando uma pipeta de vidro estéril antes da primeira dose e após 2 semanas de cada imunização. 3.12.3. Ensaio de Proteção Para avaliar a proteção possivelmente concedida pela imunização, ensaios de desafio dos animais foram realizados 45 dias após a 89 Material e Métodos imunização. Camundongos de 9 semanas, previamente imunizados, foram inoculados por via intracerebral (i.c.) com 30 L de uma dose letal de 5.0 log10 UFP do YFV 17DD cepa vacinal (número do lote 035VFA035P). Os animais foram monitorados diariamente durante 21 dias. A dose mínima letal capaz de matar 50% dos animais (MLD50) foi calculada de acordo com protocolo descrito anteriormente (Freire et al., 2005). Assim, a MLD50 foi calculada a partir da quantidade de animais mortos para cada diluição juntamente com os títulos em UFP após a imunização para estabelecer a quantidade de vírus (em UFP) necessária para matar 50% dos camundongos. 3.13. Ensaios para Detecção de Neutralização dos Anticorpos O título dos anticorpos foi determinado pelo teste de neutralização de redução de 50% dos plaques (PRNT) em células Vero. O PRNT foi calculado a partir de diluições seriadas começando em 1:10 em placas de 96 poços, como já descrito (Stefano et al., 1999). O título dos anticorpos neutralizantes foi expresso em unidades internacionais por mL (IU/mL), usando uma preparação de soro para YFV 17DD contendo 111,5 IU/mL. Este soro foi padronizado de acordo com um soro de referência contendo 90 Material e Métodos 14,300 mIU/mL, seguindo os procedimentos da Organização Mundial da Saúde (Copenhagen Serum Institute) (Freire et al., 2005). 3.14. Análises Estatísticas As médias e os desvios padrão foram calculados para os experimentos de espectroscopia de fluorescência de supressão por acrilamida e para os ensaios de detecção de infecciosidade residual e imunogenicidade do YFV em camundongos. O teste Student t foi usado para comparar as médias. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas se os valores de P fossem iguais ou menores que 0,05. As análises estatísticas foram realizadas usando o programa Statistica 6.0 (Stata Corporation, College Station, TX. 1999). 91 Resultados – Parte I 4. Resultados Parte I Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas Os vírus envelopados entram nas células através da fusão entre o envelope viral e a membrana da célula hospedeira. Uma ou mais proteínas de membrana viral facilitam as várias etapas de fusão. A fusão entre duas membranas é termodinamicamente favorável, mas existe uma barreira energética alta. As proteínas de fusão viral conseguem diminuir esta barreira energética utilizando a energia livre liberada durante a alteração conformacional da proteína (Chernomordik et al., 2003; 2006). As proteínas de fusão de vírus possuem uma sequência, bastante conservada dentro de cada gênero, importante para a atividade de fusão. Este fragmento é conhecido como peptídeo de fusão, e seu caráter hidrofóbico facilita sua inserção em membranas alvo. Os Flavivírus possuem esta sequência conservada que varia majoritariamente em apenas uma posição. De uma forma geral, os vírus transmitidos por mosquito apresentam um resíduo de Glicina na posição 104, enquanto os vírus que possuem como vetor o carrapato apresentam um resíduo de Histidina. 92 Resultados – Parte I Embora a idéia geral do processo de fusão dos vírus envelopados seja bem aceita, os mecanismos que regem a interação são pobremente entendidos. Portanto, neste estudo, as propriedades da interação de dois peptídeos de fusão de Flavivírus, FLAG e FLAH, com membranas biomiméticas foram investigadas. 4.1. Análise Teórica da Estrutura e da Hidrofobicidade dos Peptídeos de Fusão A sequência dos peptídeos de fusão consiste de um intervalo de 13 aminoácidos, sendo dois resíduos carregados positivamente (Arg99 e Lys110) e um resíduo carregado negativamente (Asp98), além de um aminoácido aromático (Trp101) importante para as medidas de fluorescência neste estudo (Figura 14A). Em pH neutro, estes peptídeos exibem carga +1, entretanto, a presença de um resíduo de His na posição 104 torna o peptídeo FLAH mais carregado (+2) em pHs abaixo de 6. Uma característica bastante comum em peptídeos de fusão de vírus é que ambos os peptídeos estudados aqui são ricos em Gly, o que os tornam altamente flexíveis e conformacionalmente polimórficos (Figura 14A). A partição de oligopeptídeos dentro de interfaces de membrana promove a formação de estrutura secundária. Uma descrição quantitativa do acoplamento da formação de estrutura para particionar, que pode 93 Resultados – Parte I fornecer uma base para o entendimento de enovelamento e inserção de proteínas de membrana, requer uma escala de energia livre apropriada para partição. Wimley e White (1996), levando em consideração a contribuição das ligações peptídicas, descreveram uma escala de hidrofobicidade interfacial completa determinada a partir de duas séries de pequenos peptídeos modelo dentro da interface de membranas fosfolipídicas zwiteriônicas. Neste trabalho, eles mostraram que a interação dos resíduos aromáticos é favorável dentro da interface de membranas, enquanto os resíduos carregados são desfavoráveis. Além disso, a redução do alto custo de partição das ligações peptídicas através de ligações de hidrogênio pode ser importante para promover a formação de estrutura na interface da membrana (Wimley & White, 1996). De acordo com a escala de hidrofobicidade (Figura 14B), os aminoácidos carregados, presentes nas porções terminais de cada sequência, mostram uma pequena tendência para particionar dentro da bicamada lipídica. Isto sugere que os peptídeos de fusão dos Flavivírus, FLAG e FLAH, podem adotar uma estrutura curvada na interface de membranas. 94 Resultados – Parte I (A) Sequências de Peptídeos de Fusão de Vírus Vírus Sequência Resíduos Gly FLAG DRGWGNGCGLFGK 13 38% FLAH DRGWGNHCGLFGK 13 31% SFV GVYPFMWGGAYCFCDSEN 18 17% GLFGAIAGFIENGWEGMIDGWYGF 24 29% AVGIGAIFLGFLGAAGSTMGAASMTLTVQA 30 20% HIV-1 Influenza A (B) FLAG FLAH Hidrofobicidade 2 1 0 -1 98 100 102 104 106 108 110 Aminoácido Figura 14 – Análise Teórica da Estrutura e da Hidrofobicidade de Peptídeos de Fusão Virais. (A) Sequências de diferentes peptídeos de fusão de vírus. A diferença entre FLAG e FLAH é um resíduo de Gly que está na posição de uma His. Neles, o Trp101, a Gly104 e a His104 estão indicados em negrito, enquanto os aminoácidos conservados dentro do gênero estão sublinhados. (B) Gráfico de hidrofobicidade para os peptídeos de fusão de Flavivírus FLAG e FLAH, conforme escala descrita por Wimley & White (1996). 95 Resultados – Parte I 4.2. Análise das Propriedades Estruturais da Interação PeptídeoMicela O espectro de emissão de fluorescência de peptídeos que apresentam resíduos aromáticos em suas sequências pode fornecer informações valiosas acerca das propriedades estruturais locais (Lakowicz, 1999). Em solução, ambos os peptídeos estudados apresentam um máximo de absorção a 280 nm, valor utilizado para excitar as amostras em todos os nossos experimentos de fluorescência. Além disso, ambos mostraram um máximo de emissão a 349 nm (Figura 15A), valor bastante desviado para o vermelho, o que indica uma exposição dos resíduos de Trp ao meio aquoso. Há muitos anos, diversos estudos vêm mostrando que detergentes iônicos, como o Dodecil Sulfato de Sódio (SDS), são capazes de se ligar a muitas proteínas com alta afinidade e utilizados para diversas finalidades estruturais (Decker & Foster, 1966; Reynolds et al., 1967; Parker & Song, 1992). As interações são governadas pelo estado agregado do detergente (micelas), que se liga a proteínas via interações entre seu grupamento sulfato e a cadeia lateral de aminoácidos carregados positivamente, e entre a cadeia alquila e as cadeias laterais hidrofóbicas (Yonath et al., 1977; Wang et al., 1996). 96 Resultados – Parte I Absorbância 0,15 A FLAG 0,10 0,05 0,00 -0,05 260 280 300 320 1,0 B 0,8 0,6 0,4 0,2 300 320 340 360 380 400 Intensidade de Fluorescência (U.A.) Intensidade de Fluorescência Normalizada Comprimento de Onda (nm) 300 0 mM SDS 10 mM SDS 0 mM SDS 10 mM SDS C 250 200 150 100 50 0 420 300 320 1,0 0 mM n-OGP 40 mM n-OGP D 340 360 380 400 420 Comprimento de Onda (nm) 0,8 0,6 0,4 0,2 140 Intensidade de Fluorescência (U.A.) Intensidade de Fluorescência Normalizada Comprimento de Onda (nm) 120 0 mM n-OGP 40 mM n-OGP E 100 80 60 40 20 0 300 320 340 360 380 Comprimento de Onda (nm) 400 420 300 320 340 360 380 400 420 Comprimento de Onda (nm) Figura 15 – Espectros de Absorção e de Emissão de Fluorescência dos Peptídeos de Fusão de Flavivírus. (A) Espectro de absorção do peptídeo FLAG. Espectros de emissão de fluorescência dos resíduos de Trp dos peptídeos FLAG (B e D) e FLAH (C e E) adquiridos em tampão (linhas pretas), na presença de micelas de SDS 10 mM (B e C) e n-octil-β-D-glicopiranosídeo 40 mM (D e E) (linhas azuis). A concentração dos peptídeos utilizada foi de 10 M diluídos em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 7,4. Em ambas as micelas, não existe diferença significativa entre os pHs 5,5 e 7,4. Exc: 280 nm; Em: 300-420 nm. Os dados mostrados são muito similares ao peptídeo FLAH. 97 Resultados – Parte I Para determinar a extensão relativa da interação dos resíduos de Trp com micelas de diferentes características, experimentos de supressão de fluorescência foram realizados. A fluorescência intrínseca do Trp de ambos os peptídeos obedece à equação linear de Stern-Volmer, utilizando acrilamida como um agente supressor neutro, hidrofílico e dinâmico. Na presença de micelas aniônicas de SDS, o pico do comprimento de onda de emissão é desviado de 349 nm para cerca de 334 nm em ambos os peptídeos (Figura 15B) e não existe diferença significativa entre os pHs analisados. Este desvio para o azul é representativo dos resíduos de Trp, completamente expostos à água em tampão, sendo particionado dentro de um ambiente mais hidrofóbico fornecido pelas micelas (Lakowicz, 1999). Além disso, a intensidade de fluorescência aumenta cerca de três vezes, sugerindo um ambiente mais rígido em torno dos resíduos de Trp (Figura 15B). Em solução e em ambos os pHs, os valores das constantes de supressão de Stern-Volmer (KSV) foram próximos a 12 M-1 e 15 M-1 para FLAG e FLAH, respectivamente (Figuras 16 e 17; Tabela I). Quando micelas de SDS estão presentes no meio, a extensão da supressão diminui, indicando uma diminuição na probabilidade de colisão entre o fluoróforo e o agente supressor. Portanto, a proteção parcial frente ao solvente 98 Resultados – Parte I aquoso é também suportada pela diminuição da constante de SternVolmer (KSV) para cerca de 11 M-1, alteração mais evidente para o peptídeo FLAH (Figura 16). As intensidades de fluorescência de ambos os peptídeos na presença de micelas de SDS são muito similares e existe pouca diferença entre a eficiência de supressão dos resíduos de Trp pela acrilamida, indicando que o pH não tem efeito significativo sobre a acessibilidade do supressor, pelo menos, no que diz respeito ao estudo de pequenos peptídeos sintéticos individuais. 99 Resultados – Parte I FLAG A B FLAG 5,5 7,4 * ** ** * Acrilamida (mM) C FLAH FLAH 5,5 *** 7,4 D **** *** **** Acrilamida (mM) Figura 16 – Interação entre os Peptídeos FLAG e FLAH com Micelas de SDS, Monitorada por Supressão de Fluorescência por Acrilamida. Supressão da fluorescência por acrilamida dos triptofanos presentes nos peptídeos FLAG (A) e FLAH (C) na presença ou na ausência de micelas de SDS. 10 M de peptídeo foram incubados com concentrações crescentes de acrilamida a 37°C, excitados em 280 nm e a emissão foi analisada em 349 nm (ausência) e 334 nm (presença). Em preto e em azul, representação na ausência e na presença de concentração micelar de SDS em pH 5,5, respectivamente. Em vermelho e em verde, representação dos peptídeos na ausência e presença de concentração micelar de SDS em pH 7,4, respectivamente. (B e D) Quantificação da supressão utilizando a constante de Stern-Volmer. Análise estatística utilizando o teste t (Student’s t-test). * P = 0,0426; ** P = 0,0056; *** P = 0,0002; **** P < 0,0001. 100 Resultados – Parte I Por outro lado, na presença de micelas neutras de n-octil-β-Dglicopiranosídeo, os espectros de ambos os peptídeos apresentaram um desvio para o azul de apenas 3 nm (Figura 15C e Tabela I). Esta observação sugere que os peptídeos na presença de micelas estão parcialmente protegidos da água, mas ainda permanecem em contato com o solvente através de ligações de hidrogênio, o que está consistente com a imersão do fluoróforo dentro da interface micela-água. Estes resultados indicam que o desvio para o azul é mais substancial com micelas de SDS do que com micelas de n-octil-β-D-glicopiranosídeo (334 vs. 346 nm), sugerindo uma maior interação do anel indol do Trp com detergentes carregados negativamente e uma interação diferenciada com as micelas neutras (Lakowicz, 1999). 101 Resultados – Parte I Tabela I – Parâmetros Espectroscópicos Medidos para a Ligação dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH a Diferentes Micelas Ksv (M-1) Calculado Condição Tampão (tp) Experimental SDS razão n-OGP razão (10 mM) (tp/SDS) (40 mM) (tp/n-OGP) FLAG em pH 7,4 12,72 0,285 11,76 0,319 1,08 10,51 0,199 1,21 FLAG em pH 5,5 12,13 0,38 10,73 0,203 1,13 11,72 0,212 1,03 FLAH em pH 7,4 14,95 0,206 12,23 0,126 1,22 14,25 0,22 1,05 FLAH em pH 5,5 16,17 0,312 11,75 0,373 1,38 11,3 0,668 1,43 Comprimento de onda de emissão (nm) Desvio do espectro a (nm) 349 334 - 15 346 - 3 - Estes experimentos foram realizados em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 7,4 e 5,5, usando 10 M de peptídeo. a O desvio do espectro foi determinado após subtração do espectro controle. O desvio padrão foi obtido através de replicatas independentes (n ≥ 3) para cada experimento. 102 Resultados – Parte I Entretanto, a constante de supressão mostrou uma mudança estatisticamente significativa, principalmente para o peptídeo FLAH em pH 5,5 (11 M-1) quando comparada com o controle (16 M-1). A razão entre as constantes de Stern-Volmer em tampão e na presença de micelas de noctil-β-D-glicopiranosídeo, calculada como uma média entre aquelas obtidas a partir dos gráficos de intensidade (Tabela I), é maior para o peptídeo FLAH em pH 5,5 em ambas as micelas analisadas. Estes resultados podem ser interpretados como uma indicação de que a acessibilidade do supressor ao fluoróforo diminui devido à inserção do FLAH dentro de regiões não polares das micelas nesta condição (Figura 17 e Tabela I). Ao contrário, nenhuma variação significativa foi observada em pH 7,4, sugerindo que, na presença de micelas de SDS, os resíduos de Trp de ambos os peptídeos estão mais escondidos nesta condição. 103 Resultados – Parte I FLAG FLAG B 7,4 5,5 * * A FLAH FLAH ** 5,5 7,4 D ** C Acrylamide (mM) Figura 17 - Interação entre os Peptídeos FLAG e FLAH com Micelas de n-octil-β-Dglicopiranosídeo, Monitorada por Supressão de Fluorescência por Acrilamida. Experimento de supressão da fluorescência por acrilamida dos triptofanos presentes nos peptídeos FLAG (A) e FLAH (C) na presença ou na ausência de micelas de n-octil-βD-glicopiranosídeo. 10 M de peptídeo foram incubados com concentrações crescentes de acrilamida a 37°C, excitados em 280 nm e a emissão foi analisada em 349 nm (ausência) e 346 nm (presença). Em preto e em azul, representação na ausência e na presença de concentração micelar de n-octil-β-D-glicopiranosídeo em pH 5,5, respectivamente. Em vermelho e em verde, representação dos peptídeos na ausência e presença de concentração micelar de n-octil-β-D-glicopiranosídeo em pH 7,4, respectivamente. (B e D) Quantificação da supressão de acrilamida utilizando a constante de Stern-Volmer. Análise estatística utilizando o teste t (Student’s t-test). * P = 0,0003; ** P = 0,0038. 104 Resultados – Parte I Juntos, estes resultados indicam que para os peptídeos FLAG e FLAH a associação à membrana é parcialmente dependente de carga. Além disso, os dados sugerem que os peptídeos podem interagir de forma distinta na presença de diferentes micelas, podendo envolver ou não o ambiente do Trp. Embora a supressão de fluorescência tenha diminuído significativamente na maioria dos casos, a baixa diferença nos valores das constantes de Stern-Volmer indica que parte dos resíduos de Trp estão expostos ao ambiente polar, sugerindo que a interação peptídeo-micela esteja ocorrendo mais superficialmente. 4.3. Termodinâmica da Interação Peptídeo-Micela A adsorção à superfície, a inserção na membrana e a ligação específica são geralmente acompanhadas por alterações no conteúdo de calor do sistema e podem ser medidas através de calorimetria isotérmica de titulação (ITC), evitando a necessidade de marcação de peptídeos. ITC foi utilizado para avaliar e comparar a entalpia de interação dos peptídeos FLAG e FLAH com diferentes micelas. Devido à própria característica de equilíbrio das micelas, a interação, neste caso, não alcança um nível de saturação, já que existirá sempre muito mais detergente do que peptídeo, e por este motivo não é possível calcular as constantes de ligação. 105 Resultados – Parte I A entalpia de ligação (H) de cada reação foi calculada a partir dos fluxos de calor resultantes de quatro injeções de peptídeo em micela em diferentes temperaturas e em ambos os pHs, 7,4 e 5,5. Em todos os casos, experimentos controle foram realizados e subtraídos com o objetivo de descontar o calor de diluição da amostra. Na presença de micelas de SDS, o processo de ligação é endotérmico a 37°C e exotérmico a 25°C e 15°C (Figura 18). Por outro lado, a interação com micelas de n-octil-β-D-glicopiranosídeo produz um calor de reação exotérmico em todas as temperaturas analisadas, indicando que esta ligação é amplamente governada por entalpia (Figura 19). Surpreendentemente, os valores das entalpias de todas as ligações foram extremamente elevados, variando desde 50 kcal/mol até -830 kcal/mol (Tabela II). Além disso, em todos os experimentos de ITC, o pH não influenciou nos resultados e não houve diferença significativa entre os dois peptídeos estudados. 106 Resultados – Parte I 2 Fluxo de Calor (cal s-1) FLAG SDS - 15°C SDS - 25°C SDS - 37°C 1 0 -1 A 0 500 1000 1500 2000 Fluxo de Calor (cal s-1) Tempo (seg) FLAH SDS - 15°C SDS - 25°C SDS - 37°C 1 0 -1 B 0 500 1000 1500 2000 Tempo (seg) Figura 18 – Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) de Micelas de SDS com os Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH. Perfis calorimétricos após a injeção de alíquotas de 5 L de peptídeo, a partir de um estoque a 100 M, à cela calorimétrica contendo micelas de SDS em tampão em pH 5,5. Cada injeção representa a adição de aproximadamente 0,003 M de peptídeo. Em (A), peptídeo FLAG adicionado à cela contendo 20 mM de SDS em tampão fosfato pH 5,5. Em (B), peptídeo FLAH adicionado à cela contendo 20 mM de SDS em tampão fosfato pH 5,5. As temperaturas analisadas foram 15°C (verde), 25°C (vermelho) e 37°C (azul). Em todos os painéis, a primeira injeção foi de 1 L de peptídeo. Os resultados foram muito similares em pH 7,4. As medidas de ITC foram realizadas utilizando um calorímetro VP-ITC da MicroCal, Llc (Northamptom, MA). 107 Resultados – Parte I A Fluxo de Calor (cal s-1) 0 -5 -10 -15 n-OGP - 15°C n-OGP - 25°C n-OGP - 37°C -20 0 500 FLAG 1000 1500 2000 Tempo (seg) B Fluxo de Calor (cal s-1) 0 -5 -10 -15 n-OGP - 15°C n-OGP - 25°C n-OGP - 37°C -20 0 500 FLAH 1000 1500 2000 Tempo (seg) Figura 19 – Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) de Micelas de n-octil-βD-glicopiranosídeo com os Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH. Perfis calorimétricos após a injeção de aproximadamente 0,003 M de peptídeo à cela calorimétrica contendo micelas de n-octil-β-D-glicopiranosídeo em tampão em pH 5,5. Em (A), peptídeo FLAG adicionado à cela contendo 20 mM de SDS em tampão fosfato pH 5,5. Em (B), peptídeo FLAH adicionado à cela contendo 20 mM de SDS em tampão fosfato pH 5,5. As temperaturas analisadas foram 15°C (verde), 25°C (vermelho) e 37°C (azul). Em todos os painéis, a primeira injeção foi de 1 L de peptídeo. Os resultados foram muito similares em pH 7,4. As medidas de ITC foram realizadas utilizando um calorímetro VP-ITC da MicroCal, Llc (Northamptom, MA). 108 Resultados – Parte I Tabela II – Parâmetros Termodinâmicos da Interação Peptídeo-Micela H (kcal/mol) Condição Experimental 37°C 25°C 15°C pH Cp (kcal/mol x K) 7,4 85,6 -2,26 -76,07 7,35 5,5 70,73 -8,46 -84,24 7,03 7,4 45,24 -22,29 -78,75 5,64 5,5 50,44 -22,59 -73,17 5,63 FLAG (SDS/NaCl) 5,5 77 109 303 -10,02 FLAH (SDS/NaCl) 5,5 41,3 80,4 216,1 -7,79 7,4 -199,4 -503,7 -780 26,36 5,5 -215,2 -510,8 -752,4 24,42 7,4 -197,1 -491,4 -830,3 28,64 5,5 -196,5 -492 -794 27,07 FLAG (SDS) FLAH (SDS) FLAG (n-OGP) FLAH (n-OGP) Estes experimentos foram realizados em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 7,4 e 5,5, na presença ou na ausência de NaCl 250 mM. 109 Resultados – Parte I A entalpia de ligação obtida em diferentes temperaturas (Figura 20 A e B) possibilita encontrar os valores de variação da capacidade calorífica (Cp) para cada sistema de reação. Todos os valores de Cp foram expressivamente positivos (Tabela II), indicando que as interações dos peptídeos FLAG e FLAH com micelas de SDS e n-octil-β-D-glicopiranosídeo são predominantemente não-hidrofóbicas (Cooper, 2000). Neste sentido, para avaliar a presença de interações eletrostáticas, NaCl 250 mM foi incluído no sistema de reação contendo micelas de SDS nesta condição. A perda entálpica da interação dos peptídeos com micelas de SDS pode ser observada (Tabela II), uma vez que a reação se mostrou endotérmica em todas as temperaturas analisadas (Figura 21). Portanto, a presença de sal é capaz de reverter a termodinâmica do sistema, tornando os valores de Cp completamente negativos, sugerindo uma predominância de interações hidrofóbicas nesta condição (Figura 20A). 110 Resultados – Parte I 400 FLAG - SDS FLAH - SDS -1 H (kcal mol ) 300 FLAG - SDS/NaCl FLAH - SDS/NaCl 200 100 0 -100 A -200 15 20 25 30 35 40 Temperatura (°C) -100 -200 FLAG - n-OGP FLAH - n-OGP -1 H (kcal mol ) -300 -400 -500 -600 -700 -800 B -900 15 20 25 30 35 40 Temperatura (°C) Figura 20 - Efeito da Temperatura na Entalpia de Ligação Peptídeo-Micela. A variação da capacidade calorífica é descrita pela variação do H em função da temperatura. As medidas foram realizadas a 15°C, 25°C e 37°C. Em vermelho e azul, os peptídeos FLAG e FLAH, respectivamente, foram adicionados à cela contendo 20 mM de SDS (A) ou 40 mM de n-octil-β-D-glicopiranosídeo (B) em tampão fosfato de sódio pH 5,5; já em verde e ciano, os peptídeos FLAG e FLAH, respectivamente, foram adicionados à cela contendo 20 mM de SDS em tampão fosfato de sódio, NaCl 250 mM, pH 5,5. 111 Resultados – Parte I Fluxo de Calor (cal s-1) 6 FLAG SDS/NaCl - 15°C SDS/NaCl - 25°C SDS/NaCl - 37°C 5 4 3 2 1 0 A 0 500 1000 1500 2000 Fluxo de Calor (cal s-1) Tempo (seg) FLAH SDS/NaCl - 15°C SDS/NaCl - 25°C SDS/NaCl - 37°C 4 3 2 1 0 B 0 500 1000 1500 Tempo (seg) Figura 21 - Calorimetria Isotérmica de Titulação (ITC) de Micelas de SDS com os Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de NaCl. Perfis calorimétricos após a injeção de alíquotas de 5 L de peptídeo, a partir de um estoque a 100 M, à cela calorimétrica contendo micelas de SDS em tampão em pH 5,5. Em (A), peptídeo FLAG adicionado à cela contendo 20 mM de SDS em tampão fosfato de sódio, NaCl 250 mM, pH 5,5. Em (B), peptídeo FLAH adicionado à cela contendo 20 mM de SDS em tampão fosfato de sódio, NaCl, 250 mM, pH 5,5. As temperaturas analisadas foram 15°C (verde), 25°C (vermelho) e 37°C (azul). Em todos os painéis, a primeira injeção foi de 1 L de peptídeo. Os resultados foram muito similares em pH 7,4. As medidas de ITC foram realizadas utilizando um calorímetro VPITC da MicroCal, Llc (Northamptom, MA). 112 Resultados – Parte I 4.4. Análise das Mudanças Conformacionais dos Peptídeos Apesar das contribuições aromáticas serem muitas vezes fracas em comparação a outras estruturas amidas, alterações no ambiente de cadeias laterais de resíduos aromáticos em proteínas causadas por uma ligação, por exemplo, podem levar a mudanças detectáveis em seu sinal de dicroísmo circular (CD). Tais contribuições são geralmente monitoradas na região de UV próximo, onde o esqueleto amida não contribui. Apesar da aparente estrutura randômica observada no espectro de CD, a faixa positiva na região entre 225 e 235 nm se deve às cadeias laterais dos resíduos Trp ou Tyr, ou a ligações dissulfeto, uma vez que contribuições amidas nesta região geralmente são negativas (Sreerama & Woody, 2004). As cadeias laterais aromáticas frequentemente formam interações pareadas ou clusters em proteínas. O acoplamento de dois grupos aromáticos depende da distância que os separa e da orientação de seus anéis aromáticos. Normalmente, distâncias mais curtas levam a sinais de CD mais fortes (Sreerama & Woody, 2004). Além disso, interações aromáticoaromático fazem uma maior contribuição para a estabilidade de β-hairpin do que as interações alifático-aromático (Cochran et al., 2001; 2002; Hughes & Waters, 2006). 113 Resultados – Parte I As medidas de CD neste estudo revelam que os peptídeos FLAG e FLAH em solução aquosa exibem uma conformação randômica, devido ao forte pico negativo próximo à região de 200 nm (Figura 22). Além disso, um pico positivo aparece na região entre 225-230 nm, o que poderia indicar presença de pontes dissulfeto ou uma interação entre resíduos aromáticos. De fato, os peptídeos apresentam um resíduo de Cys na posição 105, e a formação de oligômeros entre eles através de ligações dissulfeto seria possível. Entretanto, esta hipótese foi descartada porque o pico positivo permanece no espectro mesmo após tratamento dos peptídeos com DTT, um agente redutor (dados não mostrados). Portanto, a possível interação entre os resíduos aromáticos Trp101 e Phe108 presentes em cada sequência foi investigada. A interação aromático-aromático pode ser rompida de maneira reversível submetendo os peptídeos a altas temperaturas (Takekiyo et al., 2009), como mostra a Figura 23. Desta maneira, é provável que o aparecimento do pico positivo seja reflexo da interação Trp-Phe. Como estes resíduos aromáticos estão presentes em cada extremidade das sequências dos peptídeos, a provável interação entre eles indica que ambos os peptídeos adotariam, em solução, uma conformação curvada. 114 Resultados – Parte I 2, 2, 2-trifluoretanol (TFE) é um álcool muito utilizado em estudos de enovelamento de proteínas por afetar fortemente sua estrutura tridimensional. Sua presença pode promover o aumento das populações de hélices. Acredita-se que o TFE se agrega ao redor da proteína na mistura água-álcool, levando à formação de uma matriz que excluiria parcialmente a água e promoveria interações locais, via ligação de hidrogênio, que ordenariam a estrutura secundária da molécula, tornando-a mais estável (Roccatano et al., 2002). Desta forma, a estrutura dos peptídeos foi avaliada na presença de TFE, e análises de CD mostraram que TFE não é capaz de induzir a formação de hélices (Figura 22). Isto indica fortemente que estes peptídeos não possuem propensão para formarem tal estrutura. 115 Resultados – Parte I Elipticidade Bruta (mgrau) 4 FLAG A 2 0 -2 -4 -6 -8 controle 100% TFE -10 200 210 220 230 240 250 260 Comprimento de Onda (nm) Elipticidade Bruta (mgrau) 4 FLAH B 2 0 -2 -4 -6 -8 controle 100% TFE -10 200 220 240 260 Comprimento de Onda (nm) Figura 22 - Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de TFE. Espectro de dicroísmo circular dos peptídeos de fusão FLAG (A) e FLAH (B) em tampão (preto) ou na presença (azul) de 100% de TFE. A concentração de peptídeo utilizada foi de 1 mM diluído em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 5,5, a 25°C. 116 Resultados – Parte I Elipiticidade Bruta (mgrau) FLAG A 2 0 -2 -4 25°C 85°C retorno -6 200 210 220 230 240 250 260 Comprimento de Onda (nm) Elipiticidade Bruta (mgrau) 2 FLAH B 1 0 -1 -2 -3 -4 25°C 85°C retorno -5 -6 200 210 220 230 240 250 260 Comprimento de Onda (nm) Figura 23 - Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH Submetidos à Alta Temperatura. Espectro de dicroísmo circular dos peptídeos de fusão FLAG (A) e FLAH (B) em tampão a 25°C (preto) ou a 85°C (azul). O retorno a temperatura de 25°C está mostrado em vermelho. A concentração de peptídeo utilizada foi de 1 mM diluído em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 7,4. 117 Resultados – Parte I A presença de um ambiente hidrofóbico refletido pelas micelas de SDS induz um ganho de estrutura na região próxima a 218 nm (Figura 24), sugerindo uma possível conformação adicional em volta-β, que é geralmente formada por três resíduos e estabilizada por uma ligação de hidrogênio entre o primeiro e o terceiro grupamento amida, revertendo a direção da cadeia (Sreerama & Woody, 2004). Isto poderia indicar a presença de uma estrutura mais estável, formada por duas fitas-β, que em um ambiente apolar estariam conectadas por uma volta-β, ambas formando uma estrutura em β-hairpin, já que o pico positivo próximo à região de 230 nm permanece no espectro, indicando a interação entre os aromáticos. Entretanto, a presença de micelas neutras de n-octil-β-Dglicopiranosídeo não é capaz de induzir tal estrutura, uma vez que seu espectro é muito similar ao controle (Figura 25). 118 Resultados – Parte I 2 FLAG Elipiticidade Bruta (mgrau) A 1 0 -1 -2 -3 -4 controle SDS 10 mM -5 200 220 240 260 Comprimento de Onda (nm) 2 FLAH Elipiticidade Bruta (mgrau) B 0 -2 -4 -6 controle SDS 10 mM -8 200 220 240 260 Comprimento de Onda (nm) Figura 24 - Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de Micelas de SDS. Espectro de dicroísmo circular dos peptídeos de fusão FLAG (A) e FLAH (B) em tampão (preto) ou na presença de micelas de SDS a 10 mM (azul). A concentração de peptídeo utilizada foi de 1 mM, diluído em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 7,4, a 25°C. Perfil similar foi observado para o pH 5,5. 119 Resultados – Parte I Elipiticidade Bruta (mgrau) 2 FLAG A 0 -2 -4 controle n-OGP 40 mM -6 200 220 240 260 Comprimento de Onda (nm) 2 FLAH Elipiticidade Bruta (mgrau) B 1 0 -1 -2 -3 -4 controle n-OGP 40 mM -5 200 220 240 260 Comprimento de Onda (nm) Figura 25 - Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH na Presença de Micelas de n-octil-β-D-glicopiranosídeo. Espectro de dicroísmo circular dos peptídeos de fusão FLAG (A) e FLAH (B) em tampão (preto) ou na presença de micelas de n-octil-β-D-glicopiranosídeo a 40 mM (azul). A concentração de peptídeo utilizada foi de 1 mM, diluído em tampão fosfato de sódio 20 mM, pH 7,4. O mesmo perfil foi observado para o pH 5,5. 120 Resultados – Parte I Em modelos de peptídeos em hélice, a estabilização da estrutura ocorre principalmente por uma consequência das interações locais. Ao contrário, as folhas-β são propagadas por resíduos em partes completamente diferentes da sequência dos peptídeos. Um β-hairpin representa o modelo mais simples aceito de uma folha-β antiparalela, consistindo de duas fitas-β ligadas por um pequeno loop ou por uma volta reversa (Griffiths-Jones et al., 1999; Takekiyo et al., 2009). β-hairpin apresenta estabilidade marginal (G° 0 a 30°C), fornecendo um sistema modelo sensível para avaliar a natureza de interações relevantes que estabilizam uma estrutura em folha-β, e, assim, entender a estabilidade e os eventos iniciais de enovelamento de uma proteína (Minor & Kim, 1994). A origem da estabilidade tem sido atribuída a um número de fatores chave, incluindo o papel das ligações de hidrogênio entre as fitas, o efeito das interações hidrofóbicas devido à cadeia lateral (Searle et al., 1995; Ramirez-Alvarado et al., 1996; Maynard et al., 1998) e as preferências conformacionais amplamente associadas às sequências de volta-β (de Alba et al., 1997a, b; Haque & Gellman, 1997). Vários exemplos têm ilustrado como as sequências de uma volta podem ditar não somente a estabilidade do hairpin e a própria conformação da volta, mas também o registro das ligações de hidrogênio 121 Resultados – Parte I entre as fitas e o pareamento dos resíduos entre as duas fitas-β (Blanco et al., 1993; Searle et al., 1995; de Alba et al., 1997a, b; Haque & Gellman, 1997). Hairpin é uma estrutura altamente resistente a desnaturação, permanecendo significativamente enovelada em 7 M de uréia (GriffithsJones et al., 1999). Enquanto sequências arbitrárias extraídas de proteínas raramente formam β-hairpins estáveis em solução aquosa, muitos pesquisadores têm mostrado que pequenos peptídeos projetados podem se enovelar em uma estrutura em β-hairpin (Muñoz et al., 1997; Gellman, 1998; Cheng et al., 2001; Hughes & Waters, 2006). Estudos de interações aromáticas ganham destaque através da agregação de folhas-β, que leva à formação de placas amilóides e resulta em agregação de proteínas e doenças neurodegenerativas (Gazit, 2002; Tracz et al., 2004). 4.5. Perturbação da Bicamada Lipídica Promovida pela Interação dos Peptídeos de Fusão Em um termograma de aquecimento por DSC, a temperatura de transição corresponde à altura máxima do pico de transição e a entalpia de transição corresponde à área integrada do pico dividida pela concentração lipídica. As vesículas compostas por Di-Palmitoil- 122 Resultados – Parte I Fosfatidilcolina (DPPC) são bicamadas bem caracterizadas e bastante utilizadas como modelo para diversos estudos. Um termograma para uma dispersão aquosa de bicamadas de DPPC, ou C(16):C(16)PC, mostra três transições endotérmicas. O pico de menor temperatura, com uma temperatura de transição de 21,5°C e uma entalpia de transição (H) de 6 kcal/mol, é pequeno e mais alargado. Esta transição de menor temperatura é chamada de sub-transição. A temperatura de transição média, conhecida como pré-transição (Tpre), é muito pequena e é caracterizada por uma temperatura de transição de 35°C e uma entalpia de 1 kcal/mol. O pico maior e mais estreito que aparece em uma temperatura superior é a transição de fase principal, com uma temperatura de transição (Tm) de 41,5°C e uma entalpia de transição de 8,7 kcal/mol (Huang & Li, 1999). Como aparecem três transições diferenciadas, quatro fases lamelares, designadas como Lc, Lβ’, Pβ’ e L, podem ser definidas para uma bicamada de DPPC dentro de uma faixa de 0°C a 50°C sob pressão atmosférica. Lc, Lβ’, Pβ’ e L são as fases lamelares cristalina, gel inclinada, gel ondulada e líquido-cristalina, respectivamente. Portanto, as transições de fase sub-, pré- e principal são atribuídas às transições Lc Lβ’, Lβ’ Pβ’, Pβ’ L, respectivamente. Como a pré-transição é muito pequena, a 123 Resultados – Parte I transição de fase gel para líquido-cristalino (Lβ’ L) é freqüentemente chamada de transição principal (Huang & Li, 1999). A temperatura de transição de fase de uma bicamada composta apenas por lipídios insaturados é baixa, podendo chegar a valores abaixo de zero, dificultando as análises por DSC. Apesar disso, sistemas binários compostos por lipídios saturados e insaturados podem ser utilizados porque a tendência é haver uma temperatura de transição principal intermediária. O comportamento de fase termotrópico de membranas modelo foi estudado por DSC, uma técnica muito sensível para avaliar efeitos causados por pequenos componentes que particionam dentro da matriz lipídica (McElhaney, 1982). Desta maneira, para avaliar a interação dos peptídeos e uma possível perturbação da membrana, foram realizados termogramas através de DSC utilizando vesículas multilamelares compostas por DPPC e DPPC:PG (1:1) (Figura 26). A temperatura de transição principal de membranas formadas unicamente por DPPC é em torno de 41°C. Isto significa que abaixo desta temperatura a membrana encontra-se em fase gel, o que poderia impedir a interação dos peptídeos. Entretanto, o peptídeo FLAG foi capaz de se ligar à membrana, afetando o comportamento de fase das vesículas por 124 Resultados – Parte I diminuir a Tpre, indicando que a interação é capaz de influenciar a fluidez da membrana analisada (Figura 26A). Além disso, podemos observar que o pico da transição principal é maior, mostrando um aumento da variação de entalpia para a mudança de transição de fase principal. 125 Resultados – Parte I 16 DPPC FLAH 12 Cp (kcal/mol/°C) A DPPC puro DPPC FLAG 14 10 8 6 4 2 0 20 25 30 35 40 45 50 Temperatura (°C) 0,5 B DPPC:PG puro DPPC:PG FLAG Cp (kcal/mol/°C) 0,4 DPPC:PG FLAH 0,3 0,2 0,1 0,0 -0,1 0 10 20 30 40 50 Temperatura (°C) Figura 26 – Termograma de Vesículas Multilamelares na Presença e na Ausência dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH. Termograma realizado através de Calorimetria Diferencial de Varredura utilizando vesículas multilamelares compostas por DPPC (A) e DPPC:PG (B) na presença do peptídeo FLAG (vermelho) e FLAH (azul). A razão molar lipídio:peptídeo utilizada foi de 100:1. 126 Resultados – Parte I Uma vez que nossos dados espectroscópicos indicam que os peptídeos apresentam uma preferência por grupos carregados negativamente, experimentos de DSC utilizando vesículas aniônicas compostas por DPPC:PG (1:1) foram realizados. O termograma destas vesículas se mostrou bastante alargado, comum para membranas compostas, apresentando duas transições. Isto é bem característico da presença de duas fases de membrana, onde ocorre segregação dos lipídios (Figura 26B). Sob adição dos peptídeos, o comportamento de fase das vesículas formadas por DPPC:PG foi significativamente afetado. A fase de transição principal em torno de 26°C é desviada significativamente para temperaturas menores no peptídeo FLAH, além de diminuir a variação de entalpia da transição. Já o peptídeo FLAG apresentou pouca variação em relação ao controle, entretanto, diminuiu a segregação dos peptídeos, homogeneizando mais a membrana, já que as duas transições desapareceram do termograma. Estes dados confirmam a existência de uma interação preferencial por membranas carregadas negativamente, uma vez que ambos os peptídeos são capazes de perturbar com mais intensidade o comportamento de fase de membranas que contenham lipídios negativamente carregados, como o PG. 127 Resultados – Parte I 4.6. Análise Computacional da Interação Peptídeo-Membrana através de Simulação por Dinâmica Molecular Recentemente, o avanço das técnicas de modelagem molecular computacional tem fornecido uma ferramenta alternativa para simular as estruturas estáticas e dinâmicas de fosfolipídios na presença de água. A natureza dinâmica de bicamadas lipídicas no estado líquido-cristalino pode ser simulada pelos métodos de dinâmica molecular (Tieleman & Berendsen, 1996). Consequentemente, torna-se possível estudar simultaneamente a estrutura e o comportamento de fase dos fosfolipídios. Para se compreender as características da interação peptídeomembrana, simulações por dinâmica molecular dos peptídeos FLAG e FLAH foram realizadas utilizando as coordenadas do fragmento de interesse da proteína E do WNV (Nybakken et al., 2006; pdb: 2HG0), para análise de uma estrutura de menor energia. O modelo utilizado para este estudo foi uma bicamada lipídica zwiteriônica composta unicamente por Palmitoil-OleoilFosfatidiletanolamina (POPE) e formada por 340 unidades lipídicas. As simulações foram realizadas para ambos os peptídeos em caixas d’água e na presença de uma bicamada lipídica. Três sistemas diferentes foram montados para cada peptídeo: (1) peptídeos na caixa d’água a 35°C; 128 Resultados – Parte I (2) peptídeos na caixa d’água a 85°C; e (3) peptídeos a uma determinada distância da interface da bicamada lipídica de POPE a 35°C. Para avaliar o comportamento dos peptídeos em solução, a primeira simulação realizada foi com os peptídeos de fusão dentro de uma caixa d’água a 35°C. Analisando os resultados, é possível observar que ambos os peptídeos apresentaram predominantemente uma estrutura curvada, e, eventualmente, adquiriam estrutura em volta. Além disso, seus resíduos terminais se mostraram muito instáveis, apresentando estrutura ao acaso durante todo o tempo de simulação (Figura 27A e B). Como nossos resultados de dicroísmo circular indicam que esta estrutura se encontra em uma conformação dobrada, provavelmente favorecida pela interação entre os aromáticos Trp101 e Phe108, uma simulação também em água foi realizada a 85°C. A alta temperatura favorece a quebra de interações, tornando a estrutura mais aberta, conforme já foi sugerido com a perda do sinal positivo do espectro de CD. Analisando a estrutura secundária dos peptídeos durante a simulação em água, podemos notar claramente que eles se mantiveram muito instáveis ao longo de toda simulação, apresentando muitas oscilações de estruturas secundárias momentâneas, porém prevalecendo uma conformação randômica (Figura 27C e D). 129 Resultados – Parte I A Tempo (ps) B Tempo (ps) C D Tempo (ps) Tempo (ps) Figura 27 – Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH durante Simulações em Água. Estrutura secundária dos peptídeos de fusão FLAG (A) e FLAH (B) durante simulações em água a 35°C. Estrutura secundária dos peptídeos de fusão FLAG (C) e FLAH (D) durante a simulação em água a 85°C. As análises de simulação foram realizadas utilizando o programa GROMACS. 130 Resultados – Parte I As interações não covalentes são essenciais para a manutenção da estrutura de proteínas, para os processos de reconhecimento e para as interações proteína/ligante. A ligação de hidrogênio é um tipo essencial de interação entre átomos não-ligados, possuindo um papel muito importante na afinidade de uma molécula por uma proteína e na determinação da estrutura tridimensional de proteínas nativas (Voet et al., 2002). Uma ligação de hidrogênio pode ser representada por doadores fracamente ácidos e um átomo aceptor fracamente básico. Assim, as interações presentes nestes dois sistemas podem ser melhor visualizadas pela formação/rompimento de ligações de hidrogênio ao longo da simulação, onde é possível observar que, em média, estas interações estão em menor quantidade nas simulações realizadas a 85°C, quando comparadas ao controle a 35°C (Figura 28A e B). Esta quebra das ligações de H é mais evidente para o peptídeo FLAH. Observando o gráfico de distância mínima entre os átomos, é possível avaliar a aproximação dos resíduos aromáticos Trp-Phe e comparar o perfil entre as duas simulações realizadas em diferentes temperaturas (Figura 28C e D). Podemos notar que o sistema na temperatura de 35°C foi mais estável, enquanto que a 85°C o perfil da curva oscilou significativamente, indicando que a alta 131 Resultados – Parte I temperatura rompeu diversas ligações de hidrogênio, o que desfavoreceu a aproximação dos resíduos Trp101 e Phe108. A B C D Figura 28 – Número de Ligações de H e Distância Mínima entre os resíduos de Trp e Phe. Número de ligações de hidrogênio internas dos peptídeos FLAG (A) e FLAH (B) formadas durante a simulação em água a 35°C (vermelho) e a 85°C (preto). A distância mínima entre os resíduos Trp101 e Phe108 dos peptídeos FLAG (C) e FLAH (D) em cada sistema simulado. As análises de simulação foram realizadas utilizando o programa GROMACS. 132 Resultados – Parte I Buscando compreender as características da interação peptídeomembrana, simulações por dinâmica molecular dos peptídeos FLAG e FLAH foram realizadas utilizando como modelo uma bicamada lipídica formada por Palmitoil-Oleoil-Fosfatidiletanolamina (POPE) (Figura 29). Figura 29 – Representação da Simulação da Interação dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH com membrana de POPE. Representação da interação do peptídeo FLAG (azul) e FLAH (vermelho) a cada 5 ns de simulação. As cabeças polares dos fosfolipídios do folheto externo da membrana estão mostradas em cinza. Em cada peptídeo estão destacadas as cadeias laterais dos resíduos Trp101 e Phe108. As análises das simulações foram realizadas utilizando o programa GROMACS. 133 Resultados – Parte I Através da análise da energia e RMSD, que representa o desvio quadrático médio, ou seja, o quanto a estrutura variou ao longo do tempo de simulação, podemos verificar que um tempo de simulação de 1 ns é suficiente para revelar a interação entre os peptídeos e a bicamada lipídica, onde eles permanecem ligados durante o tempo restante da simulação. A energia necessária para a interação peptídeo-membrana diminui mais conforme o peptídeo avança para dentro da bicamada, comparada à energia dos peptídeos em água. Isto sugere que um simples modelo hidrofóbico pode favorecer a interação do peptídeo. Analisando a arquitetura dos peptídeos durante o tempo de simulação com membrana, podemos observar que a estrutura curvada dos peptídeos se mantém bastante estável, indicando que a membrana, de fato, é um ambiente favorável que estabiliza os peptídeos de fusão (Figura 30). 134 Resultados – Parte I A Tempo (ps) B Tempo (ps) Figura 30 – Análise da Estrutura Secundária dos Peptídeos de Fusão FLAG e FLAH durante Simulações em Membrana. Estrutura secundária dos peptídeos de fusão FLAG (A) e FLAH (B) durante simulações em bicamada lipídica composta unicamente por POPE a 35°C. As análises de simulação foram realizadas utilizando o programa GROMACS. 135 Resultados – Parte I A única diferença entre os peptídeos estudados é a presença de um resíduo de Gly ou de His na posição 104 da sequência. Por este motivo, é interessante analisar a diferença destes resíduos em relação à membrana alvo. Através de um gráfico da distância mínima de cada resíduo em relação à cabeça polar dos lipídios POPE que compõem a membrana, mais precisamente do fósforo presente na sua estrutura, é possível comparar os peptídeos FLAG e FLAH e perceber que a Gly, por ser um resíduo pequeno, provavelmente interage melhor sobre a cabeça polar dos lipídios que formam a membrana. Ao contrário, a His, que possui uma cadeia lateral grande, fica bastante afastada da membrana. Isto sugere que o peptídeo FLAG é capaz de se acomodar melhor na interface membrana-água (Figura 31). 136 Resultados – Parte I Figura 31 – Distância Mínima dos Resíduos Gly104 e His104 em Relação à Membrana. Distância mínima dos resíduos Gly104 (preto) e His104 (vermelho) de cada peptídeo em relação ao fósforo da cabeça polar do lipídio (POPE). As análises de simulação foram realizadas utilizando o programa GROMACS. 137 Resultados – Parte I Avaliando a formação das ligações de hidrogênio durante o tempo de simulação, podemos notar que ambos os peptídeos formam predominantemente ligações de H com a água. Isto sugere que, mesmo após 28 ns de simulação, os peptídeos permanecem na superfície da membrana (dados não mostrados). As ligações de H entre o peptídeo FLAG e a água diminuem sutilmente logo nos primeiros 2 ns de simulação e, consequentemente, ele aumenta sua interação com a membrana (Figura 32). Após 2 ns, parte das ligações de H que estavam sendo formadas dentro da cadeia do peptídeo é perdida e ocorre um leve aumento das ligações de H entre o peptídeo e a membrana. O peptídeo FLAH também apresenta majoritariamente ligações de H com a água, e, portanto, também tem uma tendência a ficar na interface da membrana. Entretanto, quando chega à membrana, sua estabilidade é alcançada mais rapidamente quando comparado ao peptídeo FLAG. 138 Resultados – Parte I A B Figura 32 – Número de Ligações de H entre os Componentes do Sistema. Número de ligações de hidrogênio dos peptídeos FLAG (A) e FLAH (B) entre o peptídeo e a água (preto), entre o peptídeo e a membrana (vermelho) e internas na sequência (verde) durante a simulação em membrana de POPE. 139 Resultados – Parte I Além disso, como podemos visualizar para o peptídeo FLAG através da distribuição mínima de alguns resíduos em relação à membrana (Figura 33), os aminoácidos que mais se aproximaram da membrana e se mantiveram próximos foram exatamente o Trp e a Phe, ao contrário da Arg99, presente no N-terminal da sequência, que se encontra bem mais afastada da membrana. No peptídeo FLAG, os dois resíduos aromáticos alcançam rapidamente a interface da membrana e se acomodam bem, permanecendo muito estáveis durante o restante da simulação. Porém, a interação Trp-Phe não ocorreu durante o tempo de simulação. No peptídeo FLAH, ambos os resíduos chegam rapidamente à membrana e permaneceram estáveis. Entretanto, apenas o Trp parece interagir de alguma forma com a membrana, uma vez que ele fica mais perto da cabeça polar. Além disso, os resíduos Trp e Phe estão muito próximos um do outro, sugerindo uma possível interação. 140 Resultados – Parte I A B Figura 33 – Distância Mínima dos Resíduos Arg99, Trp101 e Phe108 entre si e em Relação à Membrana. Distância mínima dos resíduos Arg99 (azul), Trp101 (preto) e Phe108 (vermelho) em relação à membrana, e dos resíduos Trp101 e Phe108 entre si (verde) durante a simulação em membrana de POPE a 35°C. O peptídeo FLAG está mostrado em A e FLAH em B. As análises de simulação foram realizadas utilizando o programa GROMACS. 141 Resultados – Parte II Parte II - Apresentação do artigo intitulado: Pressure-Inactivated Yellow Fever Virus: Implications for Vaccine Development Luciane P. Gaspara,*, Ygara S. Mendesb, Anna M. Y. Yamamuraa, Luiz F. C. Almeidaa, Elena Caridea, Rafael B. Gonçalvesb#, Jerson L. Silvab, Andréa C. Oliveirab, Ricardo Gallera, Marcos S. Freirea a Programa de Vacinas Virais, Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos, Fundação Oswaldo Cruz, RJ 21045-900, Brazil b Programa de Biologia Estrutural, Instituto de Bioquímica Médica and Centro Nacional de Ressonância Magnética Nuclear de Macromoléculas Jiri Jonas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brazil Publicado no periódico Journal of Virological Methods 150, 57-62 (2008) 142 Resultados – Parte II A vacina contra a Febre Amarela é utilizada há mais de 60 anos e efeitos colaterais graves (incluindo óbitos) são extremamente raros. Apesar de sua grande eficácia, cerca de 5% das pessoas pode desenvolver sintomas da doença. Nos últimos anos, sérios eventos adversos vêm sendo relatados, o que tem influenciado a reputação da vacina. Portanto, por sugestão do Ministério da Saúde, estratégias alternativas devem ser tomadas, o que inclui o desenvolvimento de uma vacina produzida a partir de vírus inativados. A alta pressão hidrostática (APH) tem sido apontada como uma ferramenta alternativa para inativação viral e o desenvolvimento de uma possível vacina (Masson et al., 2001; Silva et al., 2002; Ishimaru et al., 2004; Murchie et al., 2005). Assim, o principal objetivo deste trabalho foi avaliar a inativação por APH e a imunogenicidade do vírus YF 17DD em modelo murino. Este vírus foi inativado por uma pressão de 310 MPa por 3 h a 4°C, que abole a infecciosidade do vírus e elimina sua capacidade de causar a doença. Nossos dados indicam que os vírus inativados por APH suscitam uma proteção completa contra uma inoculação letal de vírus YF 17DD em modelo murino. Nossos resultados discutem as possíveis implicações para o desenvolvimento de uma vacina inativada por alta pressão contra o Vírus da Febre Amarela. 143 Resultados – Parte II Gaspar et al., 2008. Journal of Virological Methods 150, 57-62. 144 Resultados – Parte II Gaspar et al., 2008. Journal of Virological Methods 150, 57-62. 145 Resultados – Parte II Gaspar et al., 2008. Journal of Virological Methods 150, 57-62. 146 Resultados – Parte II Gaspar et al., 2008. Journal of Virological Methods 150, 57-62. 147 Resultados – Parte II Gaspar et al., 2008. Journal of Virological Methods 150, 57-62. 148 Resultados – Parte II Gaspar et al., 2008. Journal of Virological Methods 150, 57-62. 149 Discussão – Parte I 5. Discussão Parte I Propriedades Biofísicas da Interação de Peptídeos de Fusão com Membranas Biomiméticas Apesar do relativo sucesso inicial no desenvolvimento de uma vacina de vírus atenuado contra a Febre Amarela há mais de 50 anos, além de amplos estudos epidemiológicos, os Flavivírus permaneceram até muito recentemente entre os mais pobremente caracterizados dos vírus de ARN que infectam humanos. Eles são os menores dos vírus envelopados (40-60 nm), mas compreendem um dos maiores grupos (cerca de 70 espécies), incluindo muitas espécies patogênicas para humanos e animais domésticos e selvagens (Lindenbach & Rice, 2001). Os peptídeos de fusão virais têm um papel chave no mecanismo de glicoproteínas em mediar a fusão de membranas e proceder com o ciclo de infecção viral. De acordo com o atual modelo de fusão viral, os peptídeos de fusão sustentam uma capacidade intrínseca de romper a arquitetura da bicamada lipídica alvo após sua inserção, e diretamente mediar a fusão de membranas (White, 1990; Tamm & Han, 2000; Nieva & Agirre, 2003). Estes peptídeos se inserem nas bicamadas lipídicas de células alvo, 150 Discussão – Parte I onde adotam uma determinada conformação distinta da conformação nativa. Os peptídeos de fusão de vírus são considerados a peça chave para iniciar o processo de fusão de membranas permitindo, assim, que o vírus continue seu ciclo infeccioso. Os Flavivírus possuem uma sequência extremamente conservada, representada pelo peptídeo de fusão, que apresenta majoritariamente uma variação na posição 104 de sua sequência. Estudos de sequência de diversos Flavivírus indicam que esta modificação está relacionada ao vetor transmissor de cada vírus, podendo ser uma Gly nos vírus transmitidos por mosquito ou uma His nos vírus transmitidos por carrapato (Seligman, 2008). Os estudos apresentados aqui fornecem uma análise estrutural e termodinâmica da ligação de dois peptídeos de fusão de Flavivírus a diferentes modelos biomiméticos de membrana. Uma vez que os Flavivírus infectam e se replicam muito eficientemente no fígado, onde a membrana plasmática contém muitos lipídios carregados negativamente (Jain, 1988), nós inicialmente empregamos como alvo micelas aniônicas e utilizamos para comparação micelas neutras. O Triptofano é um resíduo muito sensível às variações de polaridade do meio em que se encontra. Ele é muito utilizado como uma sonda 151 Discussão – Parte I intrínseca de proteínas, o que facilita investigar diversos processos de desenovelamento protéico, interação proteína-proteína e proteína-ácido nucléico. Quando excitado em solução, este resíduo emite luz em comprimentos de onda de maiores. Entretanto, sua inserção em um meio apolar desvia seu espectro de emissão para comprimentos de onda menores e mais energéticos, podendo também haver um aumento em seu rendimento quântico representado pelo aumento na intensidade de fluorescência. De uma forma geral, a interação de peptídeos com membranas e micelas, que reproduzem muito bem um ambiente hidrofóbico, induz um aumento na intensidade de fluorescência do peptídeo e um desvio para o azul do pico máximo de emissão. A acessibilidade do Trp ao solvente também pode ser inferida utilizando agentes supressores, como a acrilamida. Em solução, à medida que a concentração do supressor aumenta, mais a fluorescência do Trp é suprimida. Entretanto, se este resíduo está escondido do ambiente polar, como é o caso de proteínas bem enoveladas, interação com outra molécula ou inserção em membrana, a fluorescência do Trp é menos suprimida. Esta supressão pode ser visualizada com a diminuição da constante de Stern-Volmer (KSV), que reflete a acessibilidade do resíduo 152 Discussão – Parte I ao solvente. A presença de um ambiente apolar refletido pelas micelas promove uma diminuição da constante KSV. Portanto, o aumento na intensidade de fluorescência e o desvio para o azul do pico máximo de emissão, além da diminuição significativa da constante KSV, indicam que os peptídeos FLAG e FLAH são capazes de interagir com ambas as micelas de SDS e n-octil-β-D-glicopiranosídeo de maneiras diferenciadas, onde o resíduo de Trp nem sempre parece estar envolvido nesta interação. Além disso, nossos resultados indicam que os peptídeos têm uma preferência por membranas carregadas negativamente, e embora sejam capazes de interagir com bicamadas neutras, esta interação poderia ocorrer sem que o processo de fusão de membranas procedesse com sucesso. Além disso, nossos dados sugerem que a interação ocorre de maneira superficial à membrana. De fato, Modis et al. (2004) mostraram que, no trímero, os três resíduos hidrofóbicos no loop de fusão – Trp101, Leu107 e Phe108 – estão completamente expostos na superfície molecular. Eles formam uma concavidade na ponta do trímero, apresentando uma borda hidrofóbica formada por resíduos carregados. Neste mesmo trabalho, foi proposto que os trímeros de E penetram cerca de 6 Å dentro da camada de hidrocarboneto da membrana alvo, e que o 153 Discussão – Parte I loop de fusão é mantido na interface da membrana principalmente por uma âncora aromática formada pelos resíduos Trp101 e Phe108 (Modis et al., 2004). Nossos dados de simulação também nos permitem concluir que, até 28 ns de análise, os peptídeos permaneceram na interface da membrana, uma vez que grande parte de suas ligações de H eram realizadas com a água. Isto indica que um simples sistema hidrofóbico favorece a interação dos peptídeos de fusão. Esta interação mais superficial é extremamente interessante quando comparado a outros peptídeos de fusão virais pertencentes à classe I, como os peptídeos de fusão do SIV (Brasseur et al., 1990; Martin et al., 1994), HIV-1 (Martin et al., 1996; Lins et al., 2001), Influenza (Luneberg et al., 1995; Efremov et al., 1999) e Ebola (Lins et al., 2001), que assumem uma conformação em hélice e apresentam uma inserção oblíqua à bicamada lipídica. Isto também vai de encontro a estudos de simulação por modelagem molecular que propõem que a fusogenicidade depende não somente da inserção do peptídeo, mas também da capacidade destes peptídeos desestabilizarem os dois folhetos da membrana (Lorin et al., 2007). 154 Discussão – Parte I A proposta é que para o processo de fusão acontecer, a inserção do loop de fusão deve produzir uma distorção na bicamada lipídica, que é favorecida por um cluster de loops formado pela trimerização de E. Assim, as cadeias de ácidos graxos do folheto interno da membrana devem se estender para fazer contato com a base da cavidade do loop de fusão, ou as cadeias dos ácidos graxos do folheto externo devem se inclinar sobre esta base (Modis et al., 2004). De fato, os peptídeos de fusão interagem com modelos de membrana lipídica artificiais de diferentes composições, onde sua interação é capaz de perturbar a bicamada lipídica, diminuindo a temperatura de transição de fases, tornando-a mais fluida. Para a interação do peptídeo FLAH com vesículas contendo PG, uma diminuição da variação de entalpia da transição é observada. Isto sugere que o peptídeo é capaz de desestabilizar a bicamada lipídica, já que um menor H indica um menor número de ligações que estabilizam a membrana. É possível que estas perturbações ajudem a promover a distorção na bicamada, importante para desencadear o processo de fusão entre membranas. Para melhor compreender como as membranas podem ser convertidas a intermediários de alta energia durante a fusão, é 155 Discussão – Parte I interessante conhecer como tanta energia, entalpia e entropia, é fornecida pela inserção de peptídeos de fusão em bicamadas lipídicas (Li et al., 2003). Os experimentos realizados na ausência de sal são sistemas predominantemente exotérmicos, à exceção da temperatura de 37°C. Entretanto, a força iônica é capaz de reverter a termodinâmica desta interação, tornando a reação endotérmica e a interação entropicamente dirigida. Estes perfis entálpicos estão relacionados a três etapas principais durante a interação peptídeo-micela: 1) interação dos peptídeos com as micelas; 2) mudanças estruturais no peptídeo; e 3) alterações na dinâmica de equilíbrio das micelas. Entretanto, o calor da interação é predominante do processo de desestabilização das micelas promovido pela ligação dos peptídeos, uma vez que estes perfis são muito similares ao calor de desmicelização de ambas as micelas nas diferentes temperaturas analisadas (dados não mostrados). A variação de entalpia associada à dissociação das micelas de SDS também foi dependente da temperatura analisada, a 37°C o processo foi endotérmico, enquanto que a baixas temperaturas o processo foi exotérmico. Esta característica poderia explicar os valores de variação de entalpia extremamente elevados e está 156 Discussão – Parte I de acordo com alguns estudos de desmicelização já mostrados para outras micelas (Beyer et al., 2006; Bordbar et al., 2008). Em solução, ambos os peptídeos mostram uma estrutura predominantemente randômica. Além disso, o pico positivo a 225 nm nos espectros de CD sugere fortemente a formação de uma conformação curvada, que é provavelmente devido à interação de dois aminoácidos aromáticos presentes em sua sequência, o Trp e a Phe. Nossos dados de CD utilizando alta temperatura confirmam a presença de interações nãocovalentes na estrutura do peptídeo, uma vez que a altas temperaturas o pico positivo nesta região desaparece de forma reversível. Esta aproximação entre os resíduos aromáticos também pode ser observada em nossas simulações em água, onde o aumento da temperatura promove o rompimento de interações, como as ligações de H, distanciando os resíduos Trp e Phe, o que torna a estrutura com uma conformação mais aberta e instável. A presença de um ambiente apolar que favoreça a interação, representado por micelas de SDS, leva à formação adicional de uma estrutura β, onde os peptídeos assumiriam possivelmente uma conformação de β-hairpin, o que oferece uma maior estabilidade ao peptídeo quando ligado. Contudo, através de análises de CD, não foi 157 Discussão – Parte I possível observar modificações na estrutura dos peptídeos na presença de micelas neutras de n-octil-β-D-glicopiranosídeo. A presença de TFE não foi capaz de induzir a formação de hélices como mostrado para muitos peptídeos de fusão de vírus, como o HIV-1 e o vírus da Hepatite G (Gordon et al., 2002; Mazzini et al., 2007). Isto confirma nossa idéia sobre o modo de interação dos peptídeos, que pode ocorrer de maneira diferenciada dependendo das propriedades físicas da membrana alvo. Analisando os dados de dinâmica molecular dos peptídeos simulados na presença de bicamada lipídica composta por POPE, não podemos afirmar que exista uma conformação em β-hairpin, mas podemos verificar que os peptídeos apresentam predominantemente uma estrutura curvada bastante estável, com eventuais formações de voltas. Além disso, podemos notar que os resíduos aromáticos estão intimamente ligados à membrana. Entretanto foi possível observar que a interação entre os resíduos Trp-Phe foi significativamente mais evidente para o peptídeo FLAH. A influência da interação aromático-aromático também foi estudada para o peptídeo de fusão do vírus Ebola, onde a interação entre o anel aromático do Trp e a cadeia lateral da Phe parece ser importante para a manutenção da estabilidade da estrutura 158 Discussão – Parte I secundária do peptídeo sob interação com membranas miméticas (Freitas et al., 2007). A Glicina também é um importante resíduo presente em peptídeos de fusão de muitos vírus envelopados, como os vírus Influenza, SIV e HIV-2 (Tamm et al., 2002), embora seu exato papel ainda não tenha sido determinado. A alta porcentagem deste resíduo tem sido correlacionada com a flexibilidade conformacional dos peptídeos de fusão, que é necessária para a atividade de fusão (Wong, 2003). De fato, mutações nos resíduos de Gly nas posições 104 e 106 do vírus da Encefalite de St. Louis abolem o processo de fusão (Trainor et al., 2007). Nossos resultados indicam que a Gly104 é capaz de se acomodar melhor sobre a cabeça polar da bicamada lipídica, ao contrário da His104. Isto é consistente com sua característica, já que os resíduos de Gly não particionam favoravelmente dentro de uma membrana (White & Wimley, 1999). Embora exista uma diferença na sequência de aminoácidos destes peptídeos de fusão de Flavivírus, eles apresentam comportamentos similares quando analisados pelos diferentes métodos aplicados neste estudo, mostrando uma preferência por grupos carregados negativamente, apesar de serem capazes de se ligar a alvos hidrofóbicos neutros. É proposto que os resíduos de His atuem como um sensor de pH 159 Discussão – Parte I na fusão de membranas para diversos vírus. Entretanto, a presença da His104 no peptídeo FLAH parece representar pouca importância para a interação, principalmente porque, na partícula madura, ambos os peptídeos são capazes de prosseguir com o processo de fusão de seus respectivos vírus. De fato, um recente estudo, utilizando análises mutacionais em Histidinas conservadas da proteína E de Flavivírus, destaca apenas a His323 e provavelmente a His146 por atuarem como um sensor de pH na fusão de membrana de Flavivírus (Fritz et al., 2008). Ao contrário, os resíduos de Arg e/ou Lys presentes em ambos os peptídeos, poderiam apresentar mérito substancial para a interação. Os resíduos Trp e Arg parecem apresentar papéis muito importantes na atividade de diversos peptídeos antimicrobianos (Jing et al., 2003). Peptídeos ricos em Arg, como a penetratina (Derossi et al., 1996), têm sido interesse de diversos estudos pelas suas capacidades de penetrarem em membranas celulares. A capacidade destes peptídeos de se translocarem através de membranas parece ser o resultado do grupamento de guanidina da cadeia lateral da Arg, que foi mostrada ser mais eficiente que outros aminoácidos carregados positivamente (Mitchell et al., 2000). Esta interpretação foi também sugerida para dois peptídeos antimicrobianos, 160 Discussão – Parte I que podem se ligar e parcialmente penetrar na superfície de membranas (Rezansoff et al., 2005). Além disso, cadeias laterais aromáticas, particularmente o anel indol do Trp, preferem fortemente particionar na região de interface de membranas. Sendo assim, as propriedades de ancoramento na membrana das cadeias laterais do Trp nestes peptídeos podem contribuir para suas capacidades de ligar e desestabilizar membranas miméticas e adotar uma estrutura bem definida (Rezansoff et al., 2005). De fato, já foi sugerido que o Trp101 é importante para a capacidade infecciosa dos Flavivírus (Modis et al., 2004). Assim, enquanto a função do resíduo de Trp é promover a inserção do peptídeo na interface da membrana, o resíduo básico de Arg poderia estabilizar esta ligação, atuando como uma âncora hidrofílica para as interações eletrostáticas. Desta forma, ambas as interações eletrostáticas da Arg pelas micelas e a presença do anel indol do Trp na superfície da membrana alvo devem governar o processo de associação peptídeomembrana. 161 Discussão – Parte II Parte II Febre Amarela: Implicações para o Desenvolvimento de uma Vacina Inativada por Alta Pressão Hidrostástica Embora vacinas humanas estejam disponíveis para as doenças Febre Amarela, Encefalite Japonesa e Encefalite causada por Carrapato, por exemplo, a incidência e a distribuição geográfica das doenças causadas por Flavivírus têm aumentado nos últimos anos (Chang et al., 2004). A Febre Amarela é uma doença infecciosa causada por um flavivírus, que não tem tratamento específico e que apresenta aproximadamente 20% de mortalidade (Vasconcelos, 2003). A doença está re-emergindo devido à re-infestação do mosquito e à falta de cobertura vacinal adequada (Gubler et al., 2004). Entre o fim de 2007 e início de 2008, o Brasil passou por um abrupto aumento no número de mortes de macacos em matas próximas de cidades, e por um aumento no registro da contaminação por Febre Amarela silvestre de pessoas não vacinadas que residem próximo a esses locais ou que adentraram áreas de mata selvagem. A grande preocupação é com o possível aumento do vírus circulante da doença nas florestas ou cerrado, havendo, então, a necessidade de intensificação da vacinação das pessoas que irão entrar em contato com áreas de matas, florestas ou cerrado nas áreas de risco, 162 Discussão – Parte II uma vez que a vacinação ainda é o método mais eficaz para prevenir a doença (Ministério da Saúde, 2008). Hoje, a vacinação mundial é realizada com dois tipos diferentes de vacinas existentes, 17D e 17DD, baseadas em vírus “vivo” atenuado e que têm fornecido bastante eficácia. Apesar disso, a presença do vírus ainda infeccioso na vacina representa um risco de reversão da doença, principalmente para pessoas imuno-comprometidas. Por mais de 50 anos a vacina atenuada contra a Febre Amarela era tida como segura e eficiente, e as reações adversas leves ocorriam em apenas 2 a 5% das pessoas vacinadas. Entretanto, a ocorrência de eventos adversos associados aos vírus vacinais 17D e 17DD justifica o desenvolvimento de uma vacina alternativa elaborada a partir de vírus inativados, principalmente, para as pessoas imuno-comprometidas e turistas com destino a áreas endêmicas. Entretanto, ao contrário das vacinas inativadas, as vacinas feitas a partir de vírus atenuados oferecem excelente proteção, uma vez que estes vírus são capazes de se replicar dentro do organismo. Por este motivo, uma possibilidade é o uso de uma vacina inativada como uma dose primária de vacinação conjugada a uma segunda dose da vacina atenuada comercial. Isto deve evitar riscos de eventos adversos causados pela 163 Discussão – Parte II replicação do Vírus da Febre Amarela e, por outro lado, garante uma proteção imunogênica mais eficaz e mais longa, característica mais difícil de obter apenas com uma vacina inativada. Os métodos mais comuns de inativação viral em células, meio de cultura ou tampões específicos incluem o uso de β-propil-lactona, etilenimina binária, formol, irradiação, iodino, ozônio, ultravioleta (UV) e compostos fotoativos. Tentativas para desenvolver uma vacina inativada contra YF são realizadas desde 1928, preparadas pelo tratamento de fígado e/ou rim de macaco infectado com fenol ou formaldeído (Hindle, 1928). Em 1936, um estudo de vacina inativada contra YF usando aquecimento ou UV foi realizado em macacos (Gordon & Hughes, 1936). Entretanto, os problemas descritos para estas vacinas foram a presença de infecciosidade residual sobre as preparações ou a ausência de proteção imunogênica. A alta pressão tem emergido como uma importante técnica para tentar resolver vários problemas na Medicina e na Biotecnologia, e tem revelado ser uma poderosa ferramenta para o estudo das interações proteína-proteína e proteína-ácido nucléico (Da Poian et al., 1993; 1995; Silva et al., 1996), estando voltada mais recentemente para o estudo de estruturas virais, vias de montagem, estados intermediários do ciclo de 164 Discussão – Parte II infecção e inativação de vírus envelopados e não envelopados (Da Poian et al., 1995; Oliveira et al., 1999b; Gaspar et al., 2002; Silva et al., 2002; Schwarcz et al., 2004; Ishimaru et al., 2004). Trabalhos recentes vêm mostrando que a alta pressão, além de levar à inativação, induz um estado intermediário de fusão de vírus envelopados como Influenza, Sindbis e VSV. O que se propõe é que a pressão hidrostática induz uma alteração conformacional nas glicoproteínas destes vírus, a pH neutro, muito similar à alteração alcançada pelo baixo pH, ou seja, o efeito da pressão pode mimetizar a etapa que ocorre dentro do endossoma (Gaspar et al., 2002; Gomes et al., 2003). Assim, o uso da pressão para atingir o estado ativo de fusão pode ser utilizado no desenvolvimento de novas drogas e vacinas antivirais. Uma vez que a pressão causa uma perturbação sutil quando comparada a agentes desnaturantes químicos e alta temperatura (Silva & Weber, 1993; Silva et al., 2001), geralmente ela não produz alterações tão drásticas na estrutura da partícula viral. Ela apenas desvia o equilíbrio entre as formas desnaturada e/ou dissociada e a forma nativa, na direção daquela que ocupa o menor volume, ou seja, as formas dissociadas (Weber & Drickamer, 1983; Silva & Weber, 1993; Mozhaev et al., 1996; Jonas & Jonas, 1994; Silva et al., 2002). 165 Discussão – Parte II Desta forma, em colaboração com os Drs. Marcos Freire e Luciane Gaspar e o Laboratório de Tecnologia Virológica (LATEV) de Bio Manguinhos, envolvido no desenvolvimento de vacinas, realizamos estudos de imunogenicidade visando ao desenvolvimento de uma vacina inativada contra o Vírus da Febre Amarela. Sendo assim, o principal objetivo deste estudo foi avaliar a imunogenicidade do YFV 17DD inativado por alta pressão, além de investigar a eficácia da proteção em modelo murino. Os resultados apresentados neste trabalho discutem o uso da APH, um método relativamente novo para a inativação de vírus. A cinética do YFV foi dependente do tempo e da pressão, similar a outros vírus animais já estudados (Jurkiewicz et al., 1995; Tian et al., 2000; Ishimaru et al., 2004; Freitas et al., 2006). Além disso, a inativação por APH foi rápida e irreversível quando comparado a outros vírus envelopados previamente estudados (Silva et al., 1992; Gaspar et al., 2002). Além disso, o processo produziu preparações satisfatórias, como mostradas pelos ensaios de infecciosidade, inoculação de amostras inativadas utilizando linhagens celulares permissivas (ensaio cego), teste para avaliar infecciosidade viral residual em camundongos, e ensaio de neutralização em células Vero. 166 Discussão – Parte II De fato, após submeter o YFV 17DD às condições de inativação (310 MPa por 3 h a 4°C) não foi possível detectar nenhuma partícula infecciosa, muito importante para confirmar a ausência de infecciosidade residual. A maioria dos estudos anteriores não foram controlados desta maneira (Hindle, 1928; Gordon & Hughes, 1936). Este controle é de extrema importância porque garante a eliminação de eventos adversos severos causados pela presença de vírus infecciosos na vacina atenuada contra YF comercial. Modelos animais têm sido extensivamente utilizados em testes préclínicos de vacinas para obtenção do “proof of concept” (prova de conceito). Nossos resultados mostram que os camundongos suíços imunizados com três doses subcutaneamente com o vírus inativado por pressão foram tão efetivos quanto o vírus vacinal atenuado em relação à proteção contra uma dose letal do YFV. Porém, como a produção de anticorpos neutralizantes foi baixa, possivelmente a imunização com o YF 17DD inativado não produz uma resposta humoral protetora. A duração desta resposta do anticorpo está sendo examinada. Estudos de pressão realizados para outros vírus já foram previamente demonstrados e sustentam nossos dados (Silva et al., 1992; Jurkiewicz et al., 1995; Tian et al., 1999; 2000; Gomes et al., 2003; Freire et al., 2005, Grove et al., 2006). 167 Discussão – Parte II Juntos, nossos resultados mostram que APH é capaz de inativar as partículas virais de YF, além de produzir partículas imunogênicas. O tratamento por pressão parece preservar importantes epítopos sobre a superfície do vírus, permitindo às partículas inativadas estimularem uma produção de anticorpos neutralizantes protetores contra a YF em camundongos. Nossa proposta para a perda da infecciosidade destas partículas é que a estrutura viral é preservada, entretanto a pressão deve afetar o rearranjo dimérico da proteína E, como previamente demonstrado para outros vírus que induzem o estado ativo de fusão (Gaspar et al., 2002; Gomes et al., 2003; Freitas et al., 2006; Grove et al., 2006). De fato, nossos resultados de caracterização estrutural das partículas inativadas por APH, que foram previamente apresentados em minha dissertação de mestrado (Mendes, 2005), indicam que a estrutura parece ser pouco afetada, característica muito importante para a manutenção do interesse em desenvolver a vacina. Não há dúvidas de que as partículas são inativadas pela alta pressão nas condições estudadas, e a manutenção de sua integridade pode ajudar a favorecer uma resposta imune eficaz quando um indivíduo for infectado pela forma virulenta. Além disso, já que a pressão pode ser capaz de mimetizar alguma etapa do ciclo de infecção natural do vírus, ela pode “congelar” o vírus numa 168 Discussão – Parte II conformação, sutilmente diferente da nativa, que expõe mais resíduos hidrofóbicos, o que torna estas partículas mais imunogênicas. Essa hipótese é corroborada pelos ensaios que realizamos utilizando bis-ANS, uma sonda capaz de se ligar a segmentos hidrofóbicos estruturados próximos a cargas positivas, e que se encontra mais ligado à partícula pressurizada (Mendes, 2005). Problemas metodológicos durante o desenvolvimento de vacinas inativadas são principalmente relacionados à produção de antígenos, à inativação viral e à falta de potência antigênica. Devido à dificuldade em obter altos títulos virais em uma linhagem celular apropriada, as vacinas inativadas não são valorizadas (Putnak et al., 2005). Contudo, esta concepção pode ser mudada pelas novas ferramentas para cultivar células em meio livre de soro em micro-transportadores, como mostrado para as vacinas contra os vírus da Raiva, da Encefalite Japonesa, Enterovírus tipo 71 e Influenza (Merten et al., 1999; Frazatti-Gallina et al., 2004; Wu et al., 2004; Mohler et al., 2005; Trabelsi et al., 2006; Liu et al., 2007). Neste estudo existem dois problemas que necessitam de mais tentativas: a produção de antígeno (devido à quantidade limitada de vírus propagado) e a necessidade para múltiplas doses de quantidades maiores de vírus inativado para produzir uma resposta imune mais eficaz. Grandes 169 Discussão – Parte II esforços para a produção de vacinas inativadas são certamente necessários. Nas próximas etapas serão utilizados adjuvantes para fornecer uma resposta imune mais eficaz, avaliadas as respostas de anticorpos neutralizantes por estudos de dose-resposta em camundongos e utilizados micro-transportadores para melhorar a produção de vírus. Como estas doenças constituem uma séria questão de saúde pública e vêm causando um impacto na economia mundial, grandes investimentos estão voltados para o desenvolvimento de uma vacina que extermine com as epidemias de Flavivírus, que atualmente estão disseminadas em várias partes do mundo, seja através da tecnologia da engenharia genética, seja pelo método convencional (atenuada ou inativada). A vantagem da ferramenta de alta pressão hidrostática está justamente em seu custo reduzido, inclusive para processamento de grandes volumes, além de ser um processo limpo por não fazer uso de agentes químicos, como o formol. Além disso, o aparato de pressão em larga escala já está sendo amplamente utilizado em indústrias alimentícias como forma de inativação de enzimas. Assim, este trabalho pode abrir portas para a inativação de diversos vírus com o objetivo de desenvolver vacinas que ainda não existem, mas que estão sendo amplamente 170 Discussão – Parte II pesquisadas, como é o caso do Vírus da Dengue, que já vem sendo um dos focos de nossos estudos. 171 Conclusões Gerais 7. Conclusões Gerais A infecção por Flavivírus resulta em manifestações clínicas que vão desde febre moderada até encefalite e febre hemorrágica, apresentando um impacto global sobre a saúde pública como um resultado de sua ampla distribuição e sua capacidade de causar significante morbidade e mortalidade em humanos (Mackenzie et al., 2004). Por esta razão, estudos voltados para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos antivirais eficazes se tornam necessários. Devido à ocorrência de alguns casos de reversão da doença após a vacinação contra a Febre Amarela, grandes investimentos estão sendo tomados no sentido de desenvolver uma vacina alternativa que não ofereça risco à saúde. Para isto, a imunogenicidade do YFV inativado por alta pressão hidrostática foi investigada através de estudos in vivo. Nossos dados mostram que a inoculação destas partículas oferece uma proteção completa em modelo murino. Portanto, nossos resultados indicam fortemente uma metodologia de sucesso para o desenvolvimento de uma vacina promissora contra o Vírus da Febre Amarela e, possivelmente, contra outros Flavivírus de importância médica. 172 Conclusões Gerais Além disso, neste estudo, a interação de dois peptídeos de fusão diferentes de Flavivírus com membranas miméticas foi investigada. Este segmento interage com a membrana da célula hospedeira, levando à desestabilização da membrana e, consequentemente, ao processo de fusão (Seligman, 2008). Através de análises biofísicas, foi possível caracterizar a interação destes peptídeos com micelas e bicamadas lipídicas aniônicas e neutras. Como conclusão, a conformação destes peptídeos ligados a membranas eletrostáticas miméticas e suporta hidrofóbicas a com contribuição a cabeça das interações lipídica carregada negativamente e com a cauda de ácidos graxos das membranas, respectivamente. Assim, a alta hidrofobicidade dos peptídeos provavelmente favorece sua partição sobre a bicamada lipídica. Entretanto, a localização exata dos peptídeos sobre a bicamada pode variar com a carga e a estrutura dos grupamentos polares lipídicos. Neste sentido, nossos resultados sugerem que a fusão dos Flavivírus é promovida por uma inserção superficial dos peptídeos de fusão dentro das bicamadas lipídicas, com seu concomitante enovelamento em uma estrutura na forma de grampo (β-hairpin). 173 Conclusões Gerais Um grande exemplo de sucesso de estudos estruturais básicos está na tentativa de desenvolver novos inibidores de entrada mais eficazes contra o HIV, por exemplo. Até então, a principal estratégia para combater a AIDS se baseava em terapias químicas para inibir a transcriptase reversa ou protease do HIV. Todavia, um peptídeo sintético de 36 aminoácidos, o Enfuvirtide, que bloqueia a entrada do vírus em células-alvo, foi o primeiro inibidor de entrada do HIV aprovado para uso em pacientes (Fletcher, 2003; Mattews et al., 2004). Enfuvirtide mimetiza uma determinada sequência de aminoácidos da proteína gp41, que é um domínio importante para a fusão de membranas (Esté & Telenti, 2007), e inibe a mudança conformacional da glicoproteína, evitando, assim, a fusão entre o envelope do HIV e a membrana da célula CD4 e, consequentemente, sua entrada na célula hospedeira (Raffi, 2004). Dessa forma, para se identificar pequenas moléculas que especificamente inibam etapas críticas no ciclo de infecção dos vírus como esta, é necessário conhecer detalhes bioquímicos e caracterizar estruturalmente as proteínas virais essenciais neste processo, neste caso, a glicoproteína E, mais precisamente o seu peptídeo de fusão. 174 Referências Bibliográficas 8. Referências Bibliográficas Alder, B. J. & Wainwright, T. E. Phase transition for a hard sphere system. J. Chem. Phys. 27, 1208-1209 (1957). Allison, S. L., Schalich, J., Stiasny, K., Mandl, C. W. & Heinz, F. X. Mutational evidence for an internal fusion peptide in flavivirus envelope protein E. J. Virol. 75, 4268–4275 (2001). Allison, S. L., Schalich, J., Stiasny, K., Mandl, C. W., Kunz, C. & Heinz, F. X. Oligomeric rearrangement of tick-borne encephalitis virus envelope proteins induced by an acidic pH. J. Virol. 69, 695–700 (1995). Arias, C. F., Preugschat, F. & Strauss, J. H. 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