UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – CAMPUS I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUAGEM E ENSINO
LINHA DE PESQUISA: LINGUAGEM E INTERAÇÃO EM CONTEXTO DE
ENSINO
Análise do material didático elaborado por três
professoras de língua inglesa de escolas públicas de
Campina Grande
Josenildo Forte de Brito
João Pessoa
2007
JOSENILDO FORTE DE BRITO
Análise do material didático elaborado por três
professoras de língua inglesa de escolas públicas de
Campina Grande
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Letras da Universidade Federal da
Paraíba, como exigência para obtenção do título de
Mestre em Letras, na área de concentração de
Linguagem e Ensino.
Orientadora: Profª Drª Maura Regina Dourado
Co-orientadora: Profa Dra. Marianne Carvalho
Bezerra Cavalcante
João Pessoa
2007
JOSENILDO FORTE DE BRITO
Análise do material didático elaborado por três
professoras de língua inglesa de escolas públicas de
Campina Grande
Dissertação aprovada como requisito para a obtenção do título de mestre em Letras, área de
concentração em Linguagem e Ensino, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Aprovação: João Pessoa, 27 / 05 / 2007
Profa. Dra. MAURA REGINA DA SILVA DOURADO – PPGL/UFPB
Profa Dra. MARIANNE CARVALHO BEZERRA CAVALCANTE
Dissertação de Josenildo Forte de Brito, intitulada Análise do material didático elaborado
por três professoras de língua inglesa de escolas públicas de Campina Grande, defendida
e aprovada como requisito para a obtenção do título MESTRE EM LETRAS, no
Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profª. Dra. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante
Co-Orientadora
____________________________________________
Profª. Drª Maria Augusta G. de Macedo Reinaldo
____________________________________________
Profª. Drª Carla Reichmann
Aos meus pais José Canadá e
Maria do Socorro, pela vida e o
amor
expresso
em
seus
empreendimentos e orações em
favor de mim.
DEDICO
AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida e pelo amparo em minha caminhada.
Às professoras Maura Regina Dourado (minha orientadora),
Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante (co-orientadora), Carla L. Reichmann e Maria
Augusta G. de Macedo Reinaldo (que aceitaram participar da banca de defesa)
Às três professoras que aceitaram ceder seu material para pesquisa.
Aos meus amigos Patrício Fontes, Hélder Pinheiro e Melissa Raposo, que me deram
força nos momentos mais difíceis.
A todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a realização desta
dissertação.
RESUMO
O professor de língua inglesa de escola pública passa por várias dificuldades no processo de
ensino/aprendizagem. Uma delas é a escassez de material didático, muitas escolas não
dispõem de recursos pedagógicos que auxiliem o professor, nem mesmo um livro didático
(LD), sendo assim, esse professor tem que confeccionar seu próprio material, retirando-o de
diferentes fontes. Diante de tal situação, este trabalho tem por objetivos saber de onde três
professoras de língua inglesa retiram o conteúdo a ser ministrado em suas aulas e de como
esse material chega até ao aluno, assim como também, saber que conteúdo ele mais enfoca
nesse material (texto, gramática ou vocabulário), que concepção de ensino subjaz a cada um
destes três aspectos, e no material como um todo. Para isso, foi coletado o material didático
de três professoras de escolas públicas da cidade de Campina Grande (PB), referente a tudo
que foi trabalhado por elas no primeiro bimestre do ano letivo de 2005. Também foi feita
uma entrevista, de caráter semi-estruturado com as professoras, com o intuito de obter-se
informações suficientes para traçar o perfil dessas professoras, e suprir alguns vazios
deixados pelo material didático coletado. A análise se centrou, principalmente, nos critérios
de avaliação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), que não dispõe de uma
avaliação dos livros de língua inglesa. Foram tomados como parâmetros os critérios
utilizados para a avaliação dos LDs de língua portuguesa, uma vez que ambas as disciplinas
lidam com a formação de usuários da linguagem capazes de agir discursivamente no mundo
(PCN-LE, 1998). A partir da análise, pôde-se observar que as professoras preparam seu
material didático tendo como fontes, principalmente, LDs. Muitas atividades também foram
criadas pelas professoras, mas, neste caso, apenas repetiam a forma tradicional de trabalhar
com a língua(gem), de muitos manuais didáticos tradicionais. Quanto aos três aspectos acima
mencionados, as professoras, com raras exceções, os trabalharam de forma bastante
tradicional: ensino de gramática e vocabulário explícitos e texto ainda como produto,
utilizando, para isso, o modelo ascendente de leitura. Essa forma de trabalhar das
professoras, apesar de revelar tímidos avanços, é ainda guiada pelo método de Gramática e
Tradução.
Palavras-chave: Ensino de Língua Inglesa; Material Didático; Texto; Gramática;
Vocabulário.
Abstract
English teachers from Brazilian public school face several difficulties in the teaching and
learning process, one of them is the lack of didactic material. Many schools do not offer
enough pedagogical resources to aid them, not even a textbook, therefore they have to design
their own material, based on different sources. In the light of this situation, this work aims at
finding out where three English teacher get the content they use in their classes, and how this
didactic material is handed out to students, as well as the content they emphasize the most in
their material (text, grammar or vocabulary), which conception of teaching underlies each of
these three aspects, and the material as a whole. To this end, didactic material designed by
three public school teachers in Campina Grande (PB) and comprising the contents taught
during the first term of 2005 was collected. It was also made a semi-structured interview
with the teachers, aiming at getting enough information to trace their profiles and supplying
some gaps found in the collected material. The analysis framework mainly derived from the
PNLD (National Program for Textbook Assessment) criteria, even though this document
does not evaluate English textbooks. The choice of adopting the criteria used to assess
Portuguese textbooks is due to the fact that both subjects aim at educating language users and
make them capable of discursively enacting in the world (PCN, 1998, p. 58). Through the
analysis, it was observed that the teachers prepare their didactic material having textbooks as
a main source. Many activities were also made by the teachers, but, in this case, they only
repeated the traditional way of language teaching found in many traditional textbooks.
Regarding the three aspects mentioned before, the teachers deal with them in a traditional
way: explicit teaching of grammar and vocabulary, and the teaching of text as a product,
foregrounding the bottom-up reading model. Although it was noticed some slight progress,
their practice is still guided by the Grammar and Translation Method.
Keyword: Language Teaching; Didactic Material; Text; Grammar; Vocabulary.
SUMÁRIO LISTA DE TABELAS .......................................................................................................................
ix
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................
10
1. O MATERIAL DIDÁTICO ..........................................................................................................
14
1.1. O MATERIAL DIDÁTICO E PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM ..................................
14
1.2. OS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO PNLD ..................................................................................
21
1.3. ABORDAGENS E MÉTODOS DE ENSINO ..............................................................................
27
2 ASPECTOS RELATIVOS AO CONTEÚDO DOS MDs: TEXTO, GRAMÁTICA E
VOCABULÁRIO ...............................................................................................................................
33
2.1. DO TEXTO ...........................................................................................................................................
2.1.1. Gênero textual e ensino ..............................................................................................................
2.1.2. Concepções de leitura em língua estrangeira .............................................................................
33
35
39
2.2. DA GRAMÁTICA ..............................................................................................................................
2.2.1. Concepções de gramática ...........................................................................................................
2.2.2. Relação gramática e ensino ........................................................................................................
46
46
49
2.3. DO VOCABULÁRIO ...........................................................................................................................
2.3.1. Vocabulário e ensino ..................................................................................................................
2.3.2. Concepções de vocabulário ........................................................................................................
56
57
60
3 METODOLOGIA ...........................................................................................................................
64
3.1. NATUREZA DA PESQUISA ..............................................................................................................
64
3.2. O CONTEXTO DA PESQUISA ..........................................................................................................
3.2.1. Sobre as professoras ..................................................................................................................
64
64
3.3. INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ............................................
3.3.1. Material didático coletado ..........................................................................................................
3.3.2. Entrevista ...................................................................................................................................
65
65
66
3.4. PERFIL DAS PROFESSORAS E SEU CONTEXTO DE ENSINO ...................................................
68
3.5. PROCEDIMENTOS E CRITÉRIOS DE ANÁLISE ...........................................................................
69
4. ANÁLISE DO MATERIAL DIDÁTICO .....................................................................................
74
4.1. MATERIAIS DIDÁTICOS: FORMAS DE ACESSO POR PARTE DO ALUNO, FONTES E
CONTEÚDOS ..........................................................................................................................................
74
4.2. O TEXTO ESCRITO NO MATERIAL DIDÁTICO E O DISCURSO DAS PROFESSORAS.........
87
4.2.1. Síntese da análise ............................................................................................................. 107
4.3. A GRAMÁTICA NO MATERIAL DIDÁTICO E DISCURSO DAS PROFESSORAS ................... 110
4.3.1. Síntese da análise .......................................................................................................... 123
4.4 O VOCABULÁRIO NO MATERIAL DIDÁTICO E DISCURSO DAS PROFESSORAS ................ 126
4.4.1. Síntese da análise .......................................................................................................... 144
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 146
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 150
APÊNDICE.........................................................................................................................................
156
Entrevista com as professoras .............................................................................................................. 156
ANEXOS ............................................................................................................................................. 178
ANEXO A: Material didático da professora A ....................................................................................
ANEXO A1: Apresentação do livro A New English Course ...............................................................
ANEXO B: Material didático da professora B ....................................................................................
ANEXO B1: Justificativa metodológica do livro Smart English.........................................................
ANEXO C: Material didático da professora C .....................................................................................
ANEXO C1: Atividades do livro Inglês Instrumental. Estratégias de Leitura....................................
178
181
182
187
191
201
LISTA DE TABELAS TABELA 1: Materiais didáticos utilizados pelas professoras ......................................................
75
TABELA 2: Fontes da confecção do material utilizado pelas professoras em sala de aula .........
77
TABELA 3: Quantidade de atividades elaboradas pelas professoras .......................................
77
TABELA 4: Conteúdo trabalhado pelas professoras em seu material .........................................
81
TABELA 5: Quantidade de textos trabalhados no material das professoras ............................... 107
TABELA 6: Quantidade de textos autênticos .............................................................................. 108
TABELA 7: Critérios do PNLD relacionados ao trabalho com o texto .....................................
108
TABELA 8: Critérios do PNLD relacionados à leitura ..............................................................
109
TABELA 9: Concepção de leitura no material das professoras ................................................... 109
TABELA 10: Quantidade de atividades voltadas para gramática e tópico gramatical
trabalhado ............................................................................................................... 124
TABELA 11: Tipos de exercícios gramaticais ............................................................................. 124
TABELA 12: Tipos de gramática no material das professoras .................................................... 124
TABELA 13: Tendências do ensino de gramática ....................................................................... 125
TABELA 14: Critério do PNLD no tocante ao trabalho com o lingüístico ................................. 125
TABELA 15: Formas como aparece o vocabulário no material das três professoras .................. 144
TABELA 16: Tipos de atividades de vocabulário ............................................................. 145
TABELA 21: Concepção de ensino de vocabulário .......................................................... 145
Introdução
Inúmeras são as dificuldades enfrentadas pelos professores de língua inglesa
(LI) das escolas públicas do nosso país, como baixos salários, salas superlotadas,
desmotivação por parte do aluno e dos próprios professores, carga horária insuficiente para
trabalhar o conteúdo programático, falta de tempo para fazerem cursos de capacitação,
escassez de recursos didáticos etc. Mas, apesar de todas essas dificuldades, muitos
professores das escolas públicas vêm lutando para vencer tais barreiras, outros apenas se
deixam levar por esses problemas e se desmotivam, o que acaba gerando alunos
desmotivados, tornando o processo de aprendizagem mais difícil e o ensino mais caótico do
que se apresenta.
Desses problemas acima, um nos chama a atenção: a escassez de material
didático à disposição do professor. Muitas escolas dispõem apenas do quadro e giz como
ferramentas de trabalho do professor; outras vão um pouco mais além e já dispõem de
retroprojetores, microsystems, TV, vídeo casssete, DVD player, antenas parabólicas e, até,
computadores. Mas sabe-se que o uso desses recursos, muitas vezes, não chega ao alunado.
As escolas que dispõem desses materiais os têm em pouca quantidade, o que ocasiona o uso
limitado dos mesmos. Muitas escolas dispõem apenas de uma pequena sala com
computadores que terão que servir para centenas de alunos. Por outro lado, ainda
encontramos a falta de conhecimento em lidar com essas ferramentas tecnológicas, muitos
professores não sabem sequer ligar um vídeo cassete. A situação se agrava quando o
professor sabe manusear o aparelho, mas não sabe usá-lo didaticamente, utilizando-o, muitas
vezes, apenas para preencher tempo.
Contudo, o material pedagógico do qual o professor mais bebe da fonte para
preparar e ministrar suas aulas é, sem dúvidas, o livro didático (LD), seja porque este
“facilita” o ensino (devido ao conteúdo e às atividades já estarem ali prontos), seja porque o
professor é “obrigado” a utilizá-lo, como no caso das escolas particulares. É o seu uso ou não
que, muitas vezes, pode determinar a metodologia e abordagem utilizadas pelo professor, o
que acaba refletindo na forma de construção do conhecimento em salas de aulas de língua
inglesa.
Ao se apegarem apenas ao livro didático, como acontece principalmente nas escolas
particulares, os professores sentem-se obrigados a seguir a abordagem de língua e ensino
adotada pelo livro com o qual a escola trabalha, mesmo que essa abordagem não seja a
sua, mas, sob pena de ter que deixar seu emprego, ele tem que segui-lo à risca.
Já os professores de ensino fundamental e médio que não possuem um livro-texto, como é
o caso de boa parte dos professores de língua inglesa de escolas públicas da Paraíba (a
disciplina língua inglesa não se encontra inserida no PNLD - Programa Nacional do Livro
Didático - programa de avaliação e de distribuição de livros didáticos do governo federal),
estão mais livres para seguir a abordagem que melhor lhes aprouver. Pois eles, ao
“confeccionarem” o seu próprio material, podem, por exemplo, seguir o que propõem os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), seguir uma abordagem que valorize a
necessidade de seus alunos, que fuja do ensino gramatical não reflexivo, podendo ainda
fazer das suas salas de aulas verdadeiros laboratórios nos quais eles possam testar
metodologias, compartilhar experiências, criar novas tendências e abordagens; tornandose, assim, professores que constroem, refletem e repensam sua prática de ensino.
Diante deste quadro, cabe-nos agora perguntar: que material didático o
professor de língua inglesa de escolas públicas prepara para seus alunos (ele se baseia em
algum livro didático específico? Ou escolhe mais de um e ‘retira’ o que há de melhor neles?
Ou ainda utiliza apostilas por ele preparadas?)? Sendo livre para escolher que conteúdo
ministrar (mesmo, muitas vezes, tendo um plano didático pedagógico a seguir), até que ponto
as necessidades do seu alunado são trabalhadas, ou seja, até que ponto o material didático
levado para sala de aula pelo professor ajuda o aluno a se tornarem um verdadeiro cidadão
ou ainda um usuário competente na língua inglesa?
Dar respostas a essas perguntas pode ser de muita importância para sabermos
como é trabalhada a língua inglesa em escolas públicas, que conteúdos o professor procura
enfocar mais (se prefere privilegiar o conhecimento sistêmico gramatical, preparar atividades
enfocando mais o vocabulário e a tradução, ou se voltar mais para uma abordagem textual); o
que denunciaria a visão de língua que perpassa seu ensino.
Sendo assim, este trabalho tem por objetivo:
•
analisar o material didático que três professoras de língua inglesa de 7a
série do Ensino Fundamental, de três escolas públicas da cidade de
Campina Grande (PB), utilizam no intuito de ministrar suas aulas.
Além deste objetivo mais geral, esta dissertação pretende também:
•
identificar de onde as professoras retiram o conteúdo a ser ministrado
em suas aulas;
•
identificar de que forma esse material chega até o aluno (apostilas, giz
e quadro etc);
•
perscrutar o enfoque e a concepção que o material didático dá em
relação aos aspectos texto/leitura, gramática e vocabulário, o que
revelaria a concepção de língua(gem);
•
identificar a concepção de ensino e aprendizagem que está subjacente
a esse material.
Um trabalho dessa natureza se justifica pela necessidade urgente de se
observar com mais cuidado o ensino de língua inglesa nas escolas públicas, no tocante ao
material didático que o professor utiliza em sala de aula. Pois são os materiais didáticos,
“juntamente com o professor, que fornecem os insumos necessários para o desenvolvimento
da aprendizagem” (NICOLAIDES, 1996:47).
Este trabalho encontra-se dividido, além dessa apresentação, em outros quatro
capítulos mais as considerações finais. Os dois primeiros são de caráter teórico (servindo
para dar respaldo à análise que se seguirá) e abordam os principais temas desta dissertação.
O primeiro capítulo está centrado no tema “material didático” e trata de sua importância para
o processo de ensino aprendizagem. Ele encontra-se dividido em três seções: a primeira
(1.1.) sobre “material didático”, com destaque para o livro didático; a segunda (1.2.) traz os
critérios de avaliação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), que servirão de base
para desenvolver a grade de análise adotada; e a terceira (1.3.) faz um breve apanhado dos
métodos e abordagens citados pelas professoras.
O segundo capítulo enfatiza o conteúdo do material didático, mais
especificamente, os conteúdos de gramática, texto e vocabulário. Nele, são apresentadas as
concepções que embasam o ensino de cada um desses aspectos, deixando clara nossa posição
em relação a cada uma delas.
O terceiro capítulo apresenta, em detalhes, a natureza da pesquisa, a descrição
do corpus e o processo de coleta dos dados.
O capítulo de análise do material coletado (capítulo 4) apresentou quatro subdivisões: 4.1. “análise das fontes do
material didático das três professoras”; 4.2. “análise do aspecto texto/leitura no material das professoras”; 4.3. “análise do aspecto
gramática”; 4.4. (análise do aspecto vocabulário). Após cada seção, há uma síntese do que foi analisado em cada aspecto no material das
três professoras. Por fim, fazemos nossas considerações finais acerca do que foi discutido no capítulo de análise. Assim como também,
relato minha experiência como professor e compilador de material didático.
Capítulo 1. O material didático
1.1. O material didático e o processo de ensino/aprendizagem
O ensino/aprendizado formal, hoje em dia, é quase impossível sem a presença
de algum material didático (MD), seja ele qual for. Por material didático, entende-se “o
conjunto de objetos envolvidos nas atividades-fim da escola” (LAJOLO, 19961), englobando,
aí, desde o quadro e giz até um objeto qualquer que o professor utilize para fins pedagógicos,
como tesoura, cola, revista, jornal, mimeógrafo etc. O que faz com que ele se torne, então,
indispensável no processo de ensino/aprendizagem.
Nicolaides (1996), em sua dissertação “Interação em sala de aula de língua
estrangeira: uma experiência na escola de ensino de primeiro grau”, ao falar sobre os
materiais didáticos, aponta-os como estimuladores da interação. Baseando-se em Naiman
(1978 apud SKEHAN, 1989), Nicolaides comenta como esse autor vê os materiais de ensino:
“como uma das variáveis independentes relevantes para o desenvolvimento da competência
lingüística. (...) o material didático também deve sofrer cuidados criteriosos de seleção ou
elaboração no sentido de atender às necessidades e às expectativas dos alunos” (p. 47-48). A
mesma autora, agora baseando-se em Nunan (1992), mostra a função do material didático no
processo de aprendizado do aluno: “os materiais devem fazer ligação entre a sala de aula e o
mundo real; estimular a autonomia; focar o aluno no processo de aprendizagem; estar de
acordo com as necessidades do aluno; poder serem usados em mais de um nível de
dificuldade e possuir objetivos pedagógicos claros.” (op. cit, p. 48)
Dentre os materiais didáticos mais recorrentes em sala de aula, com certeza,
destaca-se o livro didático, que, segundo o guia de avaliação do PNLD, “passou a ser
considerado o principal referencial do trabalho em sala de aula” (2002, p. 29), por motivos
que vão desde a ausência de outros recursos didáticos, que sirvam de orientação para o
professor, à falta de acesso por parte dos alunos a fontes outras de ensino e informação.
Para Lajolo (op. cit), o adjetivo “didático”, que acompanha a palavra livro,
serve para qualificá-lo e defini-lo como um determinado tipo de obra, como um instrumento
específico e importante do ensino e da aprendizagem formal. Esse tipo de material já
acompanha o ensino/aprendizado há séculos. No Brasil, Zilberman (1996) nos aponta que
um dos primeiros LDs a circular no nosso país foi o Tesouro dos Meninos, traduzido do
francês por Mateus José da Rocha, que data do início do século XIX. Nesse mesmo século,
1
O texto de Lajolo foi retirado de um site na Internet não contendo número de páginas. Desta forma, toda
referência ao texto será feita apenas através do ano.
foi publicado também Leituras para meninos, organizado por José Saturnino da Costa
Pereira, com data de primeira edição de 1818. Nesse volume, constavam “coleção de
histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras e um diálogo sobre
geografia, cronologia, história de Portugal e história natural”.2 O ensino de língua estrangeira
(LE) moderna, oficialmente, só veio a existir também nesse século com a chegada da família
imperial ao Brasil.
Desde então, os LDs passaram a ser recurso “indispensável” em sala de aula,
principalmente para o professor, chegando, muitas vezes, a ter um status privilegiado, com
poder de autoridade, como nos aponta Claudino (2005) em sua dissertação “Investigando o
livro didático de língua inglesa”:
não raras vezes ele [o livro didático] é a única fonte de informação para
alunos ou, até mesmo, para professores, assumindo um status privilegiado
perante as outras ferramentas de ensino. Ele determina o que vai ser ensinado
e de que forma o será e, assim, sua perspectiva de ensino/aprendizagem será
necessariamente constitutiva do ensino de sala de aula. (p. 10)
Quem também compartilha desse mesmo ponto de vista é Batista (2003, p. 28)
que, ao tratar do livro didático no Brasil, aponta-o como “um dos principais fatores que
influenciam o trabalho pedagógico, determinando sua finalidade, definindo o currículo,
cristalizando abordagens metodológicas e quadros conceituais, organizando, enfim, o
cotidiano da sala de aula”.
Para Souza (1999, p. 27), esse poder e autoridade que emanam dos LDs
surgem da crença de o LD ser “depositário de um saber a ser decifrado”, pois o mesmo
conteria “uma verdade universal sacramentada a ser transmitida e compartilhada”.
Possuidor de um discurso de “verdade”, o LD é respeitado tanto por
professores e alunos quanto pela sociedade no geral, Grigolleto (1999a, p. 68) nos aponta três
aspectos que levam o LD a ter esse caráter de “discurso de verdade”. Primeiro, é o fato de o
LD ter caráter homogeneizante, que ocorre quando os alunos são levados a dar as mesmas
respostas presentes no manual do professor, uniformizando, assim, o conhecimento; em
seguida, a autora cita a repetição da estrutura presente nas unidades do LD (seções, exercício
etc), que reforçam o caráter uniforme do LD, e, por fim, a apresentação das formas e dos
conteúdos como naturais, o que gera o discurso de uma verdade que “já tá lá”.
Para Claudino (op. cit, p. 57-64), o poder dos LDs é tão grande que eles
chegam a abafar as vozes dos professores e dos alunos, utilizando-se, para isso, de várias
estratégias, dentre as quais a autora destaca:
2
Citação retirada do artigo de Zilberman, que se encontra num site na Internet, sem a numeração das páginas.
1) O LD como aquele que sugere: O LD vai além de apenas orientar a metodologia, ele
“atinge escolhas discursivas e temáticas que o professor poderia, por si só fazer”.
2) O LD como aquele que ordena: percebe-se isso através de frases que aparecem no
imperativo “eliminando qualquer possibilidade de discurso”.
3) O LD como aquele que planeja: ele organiza a atividade do professor, a aula a aula,
estabelece que atividades devem ser feitas, quanto tempo pode ser gasto em cada
unidade, o que tira, muitas vezes, “a condição de adequar o material didático ao
contexto”.
Para Choppin (2004, p. 553), que estuda a história do livro didático, este,
dependendo da época, do lugar, do nível de ensino, das disciplinas, pode exercer quatro
funções essenciais: a) função referencial, na qual o livro didático é a fiel tradução do
programa curricular, passando a ser suporte de conteúdos e depositário de conhecimentos e
técnicas; b) função instrumental: por colocar em prática métodos de ensino, exercícios e
atividades, facilitar a memorização do conhecimento etc.; c) função ideológica e cultural, é a
função mais antiga, por ligar-se à cultura e aos valores das classes dirigentes, chegando a
exercer um importante papel político; d) função documental, o LD pode fornecer “um
conjunto de documentos, textuais ou icônicos, cuja observação ou confrontação podem vir a
desenvolver o espírito crítico do aluno”.
Essas quatro funções citadas por Choppin só vêm a confirmar o caráter de
autoridade e poder passados pelos livros didáticos: mesmo não se utilizando de nenhum livro
didático em específico, o conteúdo programático utilizado pelos professores ainda parece
seguir o que ditam os LDs da área (função referencial). Assim, para o conteúdo da 7a série
(de onde foi retirado o nosso material coletado), os principais assuntos abordados pela
professoras foram: o presente simples, adjetivos, caso possessivo, que fazem parte de muitos
livros didáticos de língua inglesa dessa série. Com isso, os LDs acabam “engessando” os
assuntos, que só podem ser ensinados naquela determinada série e, além de “engessar”, ainda
cria-se a falsa idéia de que o conteúdo programático tem que estar voltado para tópicos de
gramática, deixando de lado outros aspectos do processo de ensino/aprendizagem, como o
trabalho com o gênero textual, questões de linguagem, temas transversais etc.
Discriminado ou endeusado, o LD ainda figura como um ponto de apoio para muitos
professores que, por acharem “prático” o seu uso ou por verem nele um reduto do
conhecimento inquestionável, não se vêem ensinando sem o suporte desse material
didático, mesmo, muitas vezes, tendo consciência de que ele apresenta problemas, como
nos aponta Coracini (1999a), que cita algumas razões pelas quais os professores ainda
preferem adotar um LD: “...os alunos ficam perdidos sem referência para estudar; o
professor tem parâmetros (reconhecidos) para definir o que deve ensinar e não perder
tempo com conteúdos menos importante, além, é claro, da economia de tempo para
preparar as aulas”. (p. 35)
Mas, já há aqueles que não utilizam o livro didático, seja porque queiram fugir do
autoritarismo do LD, com seus inúmeros problemas, seja porque não lhes resta outra
escolha (como o caso de muitos professores de língua inglesa de nossas escolas públicas
que não recebem livros para trabalhar em sala de aula), ou ainda por não encontrar um LD
condizente com sua concepção de ensino/aprendizagem. Contudo, Coracini (1999b, p.
24), nos aponta que no caso da utilização de vários livros, o que resulta “é um mosaico
(ou melhor, uma colcha de retalhos, sem planejamento algum, constituída) de atividades,
exercícios e exemplos que só não são mais deformados porque não variam tanto assim de
livro para livro...”. Além do que: “não usar o livro didático não resolve o problema, já que
sua organização, os princípios que os norteiam, a imagem de aluno que veiculam já estão
incorporados no professor”.
Já quanto ao material confeccionado, essa mesma autora (ibidem) afirma que:
os professores... se vêem incentivados a usarem textos extraídos de revistas e
jornais e a ‘criarem’ as perguntas de compreensão ou os exercícios,
acreditando que, assim, estão inovando. Mas, ainda aqui, o que constatamos,
na maior parte das vezes, é a repetição das maneiras de proceder do livro
didático... o livro didático se encontra de certo modo... ‘internalizado’ no
professor.
Em uma pesquisa sobre o uso do material didático na sala de aula do
professor-alfabetizador, Neto (1999, p. 276) observou a utilização de material confeccionado
pelo professor (que ela veio a chamar de “material individualizado”, que apresentava a
vantagem de estar mais próximo da realidade do aluno, pois levava em consideração as
necessidades e interesses dos mesmos) numa turma, contrastando com o uso de um LD
(material que ela chamou de “genérico”, pois é preparado para um aluno idealizado, não
levando em consideração diferenças regionais, etárias etc), numa outra turma.
A autora pôde constatar que a professora que se utilizava do material individualizado tinha um “controle pedagógico” mais
efetivo da aula, mostrando mais segurança no domínio do conteúdo; enquanto que com a professora, que se utilizava do material
genérico, percebeu-se um forte desinteresse por parte dos alunos devido à centralização no livro didático, que limitava a discussão,
trazendo também insegurança por parte do professor em relação ao conteúdo ministrado.
É claro que a professora que se utilizava do material individualizado tinha
mais familiaridade com o mesmo, pois fora ela mesma quem o confeccionara (escolhendo
assim seus textos e tipos de atividades), fazendo com que isso se tornasse um ponto positivo
no momento em que ela utilizava o material em sala de aula, enquanto que a outra professora
utilizava-se de um material produzido por terceiros, com conteúdos e assuntos que talvez ela
não dominasse por completo, trazendo, então, insegurança à mesma. O trabalho com um
material já preparado faz com que os professores tenham que lidar com textos ou atividades
que, muitas vezes, não são do interesse de seus alunos ou ainda não são do domínio do
próprio professor, fazendo apenas com que ele reproduza mecanicamente o que está no livro.
Ao querer fugir dos problemas dos LDs, com a confecção do seu próprio
material, o professor terá também que deixar de lado toda a carga sócio-histórico-cultural e
ideológica que pesa sobre esses manuais em nossa sociedade, para que não incorra nos
mesmos problemas que eles apresentam (cf. SOUZA, 1999; CORACINI, 1999a/b). O
professor deverá, então, abandonar velhas concepções de ensino/aprendizagem para se
dedicar à produção de um material que leve em consideração as necessidades dos seus
alunos.
Ao preparar seu próprio material, o professor deve ter em mente objetivos
claros que norteiem essa elaboração, como nos aponta Cristóvão (2001, p. 52), ao tratar dos
instrumentos de análise e produção de material didático, quando cita a visão do estudioso
Cunningsworth (1995) sobre esse assunto:
“o ponto de partida de uma análise seria a identificação dos objetivos do
curso e a análise da situação do contexto onde o material seria usado. A fim
de examinar o contexto, os itens avaliados incluem as finalidades do curso, a
situação de ensino/aprendizagem, o papel dos alunos e dos professores.”
Das reflexões do autor supracitado, dois importantes pontos podem ser
levados em consideração quando da elaboração do material didático pelo professor. O
primeiro deles, “a identificação dos objetivos do curso”, é essencial uma vez que o material a
ser utilizado num curso de idiomas, por exemplo, não tenha os mesmos objetivos de um
material voltado para um curso de leitura (o material poderia objetivar, no primeiro, um
trabalho mais centrado na fala e na escuta, enquanto no segundo o trabalho estaria mais
centrado na leitura).
O segundo ponto, “a análise da situação do contexto onde o material seria usado”,
também deve ser visto, no momento da elaboração do material, com muito cuidado, pois
um material utilizado, por exemplo, em uma escola privada de Ensino Fundamental ou
Médio, talvez não tivesse os mesmos efeitos que teria numa escola pública também de
Ensino Fundamental ou Médio, do mesmo jeito ainda, uma escola pública do sudeste do
país e uma do nordeste, ou ainda numa mesma escola entre os turnos matutino e noturno.
Os problemas enfrentados pelas escolas públicas (e podemos dizer até que as condições
sociais enfrentadas por alunos e professores) de um estado como o nosso (Paraíba) podem
vir a ser um entrave na hora da preparação do material. Boa parte das escolas só dispõe de
giz e quadro (papel, só para a realização das avaliações); se o professor quiser um material
à parte ou terá que pedir para seus alunos fotocopiarem (o que pode esbarrar no fato de
esses alunos não terem condições financeiras para tanto, apesar do projeto Bolsa-Escola
do Governo Federal) ou terá que tirar do seu bolso e pagar as cópias (o que é inviável uma
vez que o professor, de língua inglesa, geralmente tem, numa única escola, uma média de
10 turmas, cada turma com uma média de 45 alunos).
O fato também de o professor ensinar em várias escolas (para ter um salário mais digno) é
outro fator que também pode acabar influenciando na hora da preparação do material:
uma vez que ele não tem tempo para preparar seu material, acaba se apegando a um ou
dois livros e trabalhando-os através de cópias escritas no quadro, o que, além de passar
para os alunos uma realidade pronta e acabada, muitas vezes distante da sua, acaba
reduzindo o conteúdo a ser visto num bimestre e, conseqüentemente, num ano letivo.
A preparação do material, todavia, se faz de suma importância e necessidade, uma vez
que muitas das escolas públicas do nosso estado não dispõem de livro didático para a
disciplina de língua inglesa (e mesmo que todas dispusessem, seria interessante que o
professor preparasse outros materiais extras que viessem a suprir eventuais falhas
presentes no livro ou ainda trabalhar algumas necessidades da realidade dos seus alunos
que muitas vezes não estão presentes nesses livros). Destarte, mesmo que não queira, o
professor acaba passando por essa etapa de elaboração de materiais e ela pode ser, muita
das vezes, o termômetro para se medir a quanto anda o ensino das escolas públicas do
nosso estado.
Outro estudioso que também se preocupa com a elaboração de materiais
didáticos em LE é Leffa (2003), que, em seu artigo “Produção de materiais de ensino: teoria
e prática”3, nos aponta quatro momentos que devem estar presentes durante a produção de
um material didático:
1) a análise, momento no qual o professor observa as necessidades dos alunos, o que
eles precisam aprender. Desta forma, o professor tem que levar em consideração “as
características pessoais dos alunos, seus anseios e expectativas”
2) o desenvolvimento: momento no qual o professor define, dentre outras coisas, os
conteúdos, havendo uma preocupação maior com “o mundo real e o uso de dados
lingüísticos autênticos”; e a definição dos recursos que “envolve basicamente o
suporte sobre o qual a língua vai ser apresentada ao aluno”.
3) a implementação: faz referência a utilização do material, seja pelo próprio professor
que preparou o material, seja por um outro professor ou quando o material vai ser
utilizado sem a presença do professor.
3
Artigo retirado de um site na Internet (vide referências), o mesmo não contém paginação.
4) a avaliação: nesse momento entra em jogo a questão reflexiva do professor. O
professor irá avaliar se o material utilizado está sendo bem trabalhado pelo aluno e
fazer reformulações quando necessário.
Os passos para a confecção do seu próprio material, como apontados acima por Leffa, vão
exigir inicialmente, e digo até principalmente, que o professor seja um professor reflexivo
de sua prática. Só um professor que pense e repense suas práticas poderá realmente
produzir um material que esteja (ou pelo menos parcialmente) de acordo com a realidade
do seu alunado, pois se ele não parar para pensar sobre a realidade desses alunos, ele
apenas reproduzirá os erros de muitos livros didáticos.
A produção e a avaliação do material didático são pontos-chave para
podermos analisar o material que o professor leva para sua sala de aula, depois de muito
termos dito sobre a produção, resta-nos agora apontar critérios de avaliação mais precisos
quanto ao conteúdo presente nos materiais didáticos, para isso recorremos aos critérios de
avaliação criados pelo PNLD.
1.2. OS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO PNLD Ao tornar-se o principal material utilizado em sala de aula por professores e alunos
(CORACINI, 1999; NETO, 1999; SOUZA, 1999; BEZERRA, 2001), o MEC passou, na
década de 90 do século passado, a avaliar sistemática e continuamente o LD brasileiro,
através de um programa nacional chamado PNLD (Programa Nacional do Livro
Didático), objetivando uma melhor qualidade desse material pedagógico.
Como não existe uma avaliação feita por esse documento sobre o LD de
língua inglesa, tomaremos como parâmetros a avaliação feita para o LD de língua portuguesa
(de 5a à 8 série (edital 2005, ano 2002), assim como também alguns critérios utilizados para
os LDs de 1a a 4a séries (avaliação 2007, ano 2006) do Ensino Fundamental), uma vez que
ambas as disciplinas visam à formação de usuários da linguagem capazes de agir
discursivamente no mundo (PCN-LE, 1998, p. 38).
Em seu edital/2005, o PNLD, referente à Língua Portuguesa (3o e 4o ciclos do
ensino Fundamental), aponta três critérios comuns que dizem respeito ao processo de
avaliação do LD:
a) A correção dos conceitos e informações básicas;
b) Coerência e adequação metodológica;
c) Contribuição para a construção da cidadania.
(p. 30-31)
Quanto ao primeiro item, o programa aponta a necessidade de se
apresentarem conceitos, informações e procedimentos, com a finalidade de que as atividades
de leitura e compreensão de textos estejam diretamente relacionadas com as atividades de
produção de textos orais e escritos e as de análise e reflexão sobre a língua. (p. 60)
Do segundo ponto, o que nos interessa mais de perto, quanto ao material em
si, é a questão da organização didático-metodológica que o LD apresenta. Assim, para o
PNLD é importante, dentre outras coisas, que o LD:
•
•
•
Selecione e articule adequadamente os conteúdos e sua maneira de
apresentação;
Crie oportunidades para a identificação (manifestação) do conhecimento
que o aluno já detém, no que se refere a esses conteúdos;
Solicite do aluno o uso das funções cognitivas requeridas para a
elaboração de novos objetos de conhecimento, respeitando a progressão
necessária a esta elaboração;
(p. 61-62)
Pelo que podemos notar acima, um LD avaliado positivamente seria aquele que
trabalhasse o conhecimento que o aluno já traz para sala de aula, através de uma
articulação dos conteúdos, explorando-os também de forma gradativa, numa progressão.
Quanto ao terceiro critério (Contribuição para a construção da cidadania), o
PNLD aponta para a contribuição do “desenvolvimento da ética necessária ao convívio
social e à construção da cidadania”, significando, assim: não veicular preconceitos de
qualquer ordem, seja através do verbal ou do não-verbal; não usar do material para fazer
propaganda ou doutrinação; promover o convívio social e a tolerância e, por fim, “colaborar
para a construção da ética democrática e plural”. (p. 62)
Além desses critérios mais gerais, o PNLD cita também critérios relativos
mais especificamente ao trabalho com o texto e a gramática, são eles: os “critérios relativos à
natureza do material textual” e os “critérios relativos ao trabalho com os conhecimentos
lingüísticos”.
Quanto aos critérios relativos à natureza do material textual, alguns itens nos
parecem bastante plausíveis para uma análise do material de língua inglesa, apesar de
estarem se referindo ao material de língua portuguesa. Vejamos abaixo um destes itens:
• A escolha de um texto justifica-se pela qualidade da experiência de leitura
que possa propiciar e não, pela possibilidade de exploração de algum
conteúdo curricular. Portanto, a presença de pseudotextos, criados única e
exclusivamente com objetivos didáticos, não se justifica. (p. 62-63)
Esse item nos é de grande importância, pois temos aí duas questões, que
dizem respeito ao trabalho com o texto, muito presentes não só nos LD de Língua Portuguesa
(LP), mas também nos de Língua Inglesa, que acabam por descaracterizar o trabalho com o
texto escrito em sala de aula: o uso do texto como pretexto para se ensinar outro aspecto da
língua (neste caso o ensino da gramática normativa ou vocabulário) e a presença de textos
não originais produzidos para fins didáticos, já acarretando uma impossibilidade de se
trabalhar os gêneros textuais que circulam em nossa sociedade, pois os mesmos teriam as
características de um gênero estritamente “escolar”, que parecem não terem sentido fora dos
muros da escola. Esse item está estreitamente relacionado com o item que diz que “textos
originais e autênticos são preferíveis a paráfrases e adaptações” (p. 63). Porém, deixa-se
claro que tanto a paráfrase quanto a adaptação “podem ser aceitas quando bem feitas,
indicadas e quando não chegarem a impedir (...) a presença necessária dos primeiros” (idem).
Além desses critérios listados acima pelo edital/2005 do PNLD, podemos
destacar, no trabalho com o texto, três outros critérios listados na avaliação dos LDs de 1a a
4a séries do ensino fundamental, são eles:
•
•
•
Diversidade de contexto sociais de uso (jornalismo, publicidade,
literatura, artes em geral, ciência, filosofia, política, vida cotidiana etc,
em mídia impressa, eletrônica e digital).
Créditos completos dos textos selecionados (autor, título do texto, título
da publicação, editora, local e data de publicação e páginas de
referência).
Fidelidade, quando relevante, ao suporte original do texto.
(p. 281)
Os três critérios acima servem para apontar que o texto, quando escrito, está
inserido em um momento sócio-histórico-cultural que precisa ser explicitado (ou
contextualizado) ao leitor para que ele possa interagir melhor com o texto e, com isso, possa
construir significados. Um texto que não esteja dentro de uma esfera social, que esteja sem
fontes (autor, data, local) perde toda sua condição de gênero textual, passando a existir
apenas entre as quatro paredes de uma sala de aula, o que não contribui em nada com a
formação do leitor-cidadão.
Quanto à questão dos gêneros, um dos itens apontado pelo PNLD (2002) é
que deve haver uma diversificação e variação dos textos que valorize também diferentes
registros, estilos e variedades do português. Uma questão que podemos levantar, no caso da
língua inglesa, é se a variedade lingüística também seria um critério de avaliação, uma vez
que, como toda língua, ela possui variações que são típicas de uma região, país ou povo. Os
PCN-LE defendem que a questão da variação lingüística deve sim também ser trabalhada na
língua estrangeira, pois pode vir ajudar o aluno a compreender a variação em sua própria
língua e mostrar que a língua estrangeira não existe apenas na variedade padrão, como,
muitas vezes, as escolas querem impor (p. 48).
O último critério apontado nesse item do material textual incentiva o
professor a buscar outros textos e informações fora dos limites do LD, para que, em nossa
visão, o ensino não fique restrito apenas aos textos e conteúdos presentes nesse material.
• O livro didático deve incentivar professores e alunos a buscarem textos e
informações fora dos limites do próprio livro. (ibidem)
No tocante à leitura, o PNLD (2002) aponta que o trabalho com as atividades
referentes ao texto deve ter por “objetivo o desenvolvimento da proficiência em leitura” (p.
64), sem perder de vista o universo social. Para agir dessa forma, é preciso que os LDs:
• encarem a leitura como uma situação efetiva de interlocução leitor/autor
de leitura em seu universo de uso social;
• colaborem para a reconstrução dos sentidos do texto pelo leitor, não se
restringindo à localização de informações;
(...)
• desenvolvam estratégias e capacidades referentes à proficiência que se
pretende levar o aluno a atingir e ao gênero ou tipo de texto trabalhado.
Esses pontos são essenciais para que o professor deixe de ver o texto como
“simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte,
bastando a esse, para tanto, o conhecimento do código” (KOCH, 2005, p. 16) e passe a ser “o
próprio lugar da interação e os interlocutores como sujeitos ativos que – dialogicamente –
nele se constroem e são construídos” (KOCH, op. cit., p. 17).
Quanto à compreensão do texto, o PNLD (1o e 2o ciclos do Ensino
Fundamental) nos aponta alguns critérios que os LDs deveriam seguir:
• Antecipação de conhecimento de mundo
• Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos
• Checagem de hipóteses
• Comparação de informações
• Compreensão global do texto (questões sobre título, partes, parágrafo,
resumo etc).
Relativos mais ao conhecimento cognitivo do aluno-leitor, os critérios vão de
encontro ao trabalho realizado por muitos livros didáticos (tanto de língua materna quanto
estrangeira) que, ao trabalharem a compreensão da leitura, deixam de lado todo o
conhecimento de mundo e textual do aluno, fazendo uso
apenas de uma discussão
superficial do texto ou ainda de um trabalho que objetiva apenas o lingüístico.
Grigoleto (1999b, p. 81), ao analisar as seções de leitura de livros didáticos de
língua estrangeira, conclui que:
a maior parte das atividades continua sendo de mero reconhecimento de
conteúdo factual, por meio de perguntas de compreensão geralmente óbvias,
além de se esperar do aluno a leitura linear, ditada por perguntas de
compreensão que seguem rigorosamente a ordem na qual as informações são
apresentadas no texto.
O que objetiva, então, o PNLD (e podemos incluir aqui também os PCN-LE),
é que o ensino de texto e leitura rompa esse paradigma de leitura linear e superficial, sem
propósitos claros, passando a ver na leitura uma forma de construção de conhecimento, de
transformação do aluno em um cidadão leitor, consciente do mundo a sua volta.
Vale ressaltar também que ao trabalhar nessa perspectiva (defendida tanto
pelo PNLD quanto pelos PCN-LE), o LD (ou o professor) estará promovendo uma
aprendizagem do tipo sociointeracionista, na qual os participantes teriam que interagir uns
com os outros, mediados pela linguagem: “O processo de aprendizagem, mediado pela
interação, vai levar à construção de um conhecimento conjunto entre o aluno e o professor ou
um colega” (PCN-LE, 1998, 41-42). A aprendizagem se daria então no que Vygotsky (apud
PCN-LE, p. 42) veio chamar de ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal), que é definida
como um espaço:
caracterizado pelas interações entre aprendizes e parceiros mais competentes,
explorando o nível real em que o aluno está e o seu nível em potencial para a
aprender sobre a orientação de um parceiro mais competente”
Já quanto aos critérios relativos à análise lingüística, deve-se levar em conta a
reflexão sobre os aspectos da língua(gem) que sejam importantes para a proficiência oral e
escrita do aluno, sendo assim, os conteúdos e atividades devem:
• ter peso menor que os relativos à leitura, produção de textos e oralidade,
especialmente os relativos ao ensino de gramática;
• estar relacionado a situações de uso;
(...)
• estimular a reflexão e propiciar a construção dos conceitos abordados.
(p. 65)
Percebamos que o trabalho com o sistêmico deixa de ser aquele voltado única
e exclusivamente para a metalinguagem, quando se trabalha a língua pela língua sem um
objetivo prático de uso ou de reflexão, para se voltar para as “situações de uso” e reflexão
sobre a língua(gem).
Os critérios acima também aparecem no PNLD dos 1o e 2o ciclos do ensino
fundamental, ao apontar os critérios relativos ao enfoque teórico-metodológico:
• Favorecimento da reflexão sobre os usos da língua (atividades
epilingüísticas)
• Favorecimento da reflexão sobre a organização do sistema da língua
• Favorecimento da reflexão metalingüística
A título de esclarecimento, as atividades epilingüísticas são aquelas que
refletem sobre a língua, fazendo com que o aluno consiga pensar sobre ela, analisá-la, sua
atenção volta-se para a reflexão sobre os recursos que estão sendo utilizados no processo
comunicativo em questão; ao contrário das atividades puramente metalingüísticas, que
Geraldi, em seu livro Portos de Passagem (2003, p. 190-191), toma como “uma reflexão
analítica sobre os recursos expressivos, que levam à construção de noções com as quais se
torna possível categorizar tais recursos”, ou seja, quando se toma a língua como objeto de
estudo, objetivando sua descrição e categorização.
A forma de avaliação apresentada pelo PNLD para os LDs de Língua
portuguesa nos dará parâmetros mais bem definidos e coerentes para que possamos guiar a
nossa análise do material didático que o professor de língua inglesa leva para sala de aula. É
claro que se deve resguardar algumas diferenças no que diz respeito à própria forma como
esse material é apresentado em sala de aula, pois este aparece em forma de apostilas ou
simplesmente de cópias no quadro, o que reduz muitos dos recursos presentes num LD e
muito do que o professor poderia trabalhar, como a própria estrutura composicional de um
gênero textual que é alterada e descaracterizada.
Além da análise do material das professoras em si, foram também analisados
os métodos e abordagens que se encontram presentes nesse material, na tentativa de entender
que concepção de ensino está subjacente a ele. Concepção esta que pode, muitas vezes, vir a
divergir do método de ensino que a professora diz utilizar. A seção seguinte tem por objetivo
apresentar os métodos e abordagens que as professoras disseram seguir e aqueles que
pudemos entrever em seu material.
1.3. Abordagens e métodos de ensino
Iniciaremos com uma breve explanação da diferença entre “abordagem” e
“método”. Para Richards e Rogers (1997, p. 15), abordagem é um conjunto de pressupostos
correlacionados que lidam com a natureza do ensino e aprendizagem de língua. Quem
corrobora com essa visão é Leffa (1988)4, ao afirmar que abordagem “engloba os
pressupostos teóricos acerca da língua e da aprendizagem”, o que faz com que as abordagens
variem quando os pressupostos também variam. Assim, o pressuposto de que a língua é uma
resposta automática a um estímulo e de que a aprendizagem se concretiza através de
automatizações dá origem a uma determinada abordagem de ensino.
Quanto ao método, Richards e Rogers (op. cit: p. 15), citando Antony (1963),
o definem como um conjunto de práticas/ações que materializam uma abordagem, e em que
as escolhas são feitas sobre habilidades particulares a serem ensinadas, o conteúdo a ser
ensinado e a ordem na qual este conteúdo aparecerá. Os dois autores acima ampliam a
definição dada por Antony, ao introduzirem o conceito de “design” para o que Antony chama
de método, que inclui especificações como a) o conteúdo de instrução, ou seja, o programa
de curso; b) os papéis do aprendizes; c) o papel do professor e d) os materiais instrucionais e
seus tipos e funções (KAMARAVADIVELU, 2005, p.139).
Leffa (op. cit) defende também que o método pode “envolver regras de
seleção, ordenação e apresentação dos itens lingüísticos, bem como normas de avaliação para
a elaboração de um determinado curso”.
A abordagem, pelo que podemos perceber, é mais abrangente do que o
método, pois é ela que lida com a teoria e as concepções que subjazem ao ensino
aprendizagem. Dentro de uma abordagem pode haver mais de um tipo de método que se
apóia em determinadas concepções e pressupostos teóricos.
A seguir, faremos um breve apanhado das principais concepções e métodos
que têm embasado o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras ao longo dos séculos. Vale
ressaltar que nossa intenção aqui não é dar conta de todas essas concepções e métodos,
apenas nos centraremos naqueles que foram apontados pelas professoras como sendo os que
elas adotam em sua prática e aqueles que foram observados no material das professoras
cedido para análise. Assim, deixaremos de lado métodos e abordagens como o “Método
Direto” (método que preconizava apenas o uso da língua alvo em sala de aula, e que teve sua
introdução no Brasil na década de 30, no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro),
“Desuggestopedia”, “Silent Way”, dentre outros; por serem métodos ou abordagens cujas
4
Artigo retirado de um site na internet (vide referências), o mesmo não contém paginação.
características não foram observadas no material entregue pelas professoras para nossa
análise.
1. Método de Gramática e Tradução: um dos métodos mais antigos, servia para ensinar
grego e latim. Nele, a língua é vista como a expressão do pensamento. Havia uma ênfase no
ensino das classes gramaticais e vocabulário, usado para a tradução de textos de autores
literários consagrados. O papel do aprendiz, nesse método, é de memorizar as regras
gramaticais e as listas de palavras (SILVEIRA: 1999, p. 57).
Para Richards & Rogers (op. cit: p. 3), esse método é uma forma de ensinar a
língua primeiro através de análises detalhadas de suas regras gramaticais, seguidas pela
aplicação desse conhecimento para a tarefa de traduzir sentenças e textos. Ainda segundo
esses autores, o trabalho com gramática, nesse método, se dava de maneira dedutiva, ou seja,
através da apresentação e estudo das regras gramaticais que eram, em seguida, praticadas
através de exercícios de tradução.
Leffa (op. cit) aponta três passos essenciais para a aprendizagem da língua
segundo o método da gramática-tradução: “a) memorização prévia de uma lista de palavras,
b) conhecimento das regras necessárias para juntar essas palavras em frases e c) exercícios
de tradução e versão”. Esses três passos denunciam a visão limitadora do termo língua, que
era vista como algo estático, fechado.
Vale ressaltar que apesar de ser um dos métodos mais antigos, o método de
Gramática e Tradução ainda está bastante presente tanto na postura de muitos professores
quanto nos materiais didáticos, através de seus conteúdos e ensino voltado quase totalmente
para a gramática e a tradução.
Uma das possíveis respostas para a presença, em nossos dias, desse método
tão antigo, talvez seja (como nos aponta BROWN, 2000), pelo fato de que ele exige poucas
habilidades especializadas por parte do professor, além do que a preparação e correção de
testes, baseados apenas em exercícios de gramática normativa e tradução, são mais fáceis de
construir.
2. Abordagem Estrutural: nessa abordagem, aprender uma língua é aprender suas estruturas
gramaticais, o que pode se dar através de automatismos lingüísticos. Desta forma, aprender a
língua é adquirir hábitos e automatizar novos padrões estruturais. Essa concepção está
embasada pela psicologia behaviorista, que defende que uma língua se aprende pela
formação de hábitos que vão de fora para dentro do indivíduo.
Quando se fala de estruturalismo, os expoentes mais lembrados são
Bloomfield, Fries e Lado, cujos trabalhos associados aos princípios behavioristas de Skinner,
serviram de base para criação do Método áudio-lingual (PAIVA, 1996).
Os livros que seguem métodos ancorados por tal abordagem trazem exercícios
puramente estruturais, nos quais se pede para os alunos recombinarem estruturas,
transformarem frases afirmativas em negativas e interrogativas ou ainda da voz ativa pra voz
passiva (PAIVA, op. cit).
Originado da abordagem estrutural, o Método audiolingual ou áudio-oral
enfatizava a fala e a compreensão através da criação de hábitos. Nesse método, esperava-se
que o aluno aprendesse a gramática de forma indutiva, para isso usava-se de pouca ou
nenhuma explicação gramatical. Segundo Leffa (op. cit), “o ensino era feito através de
pequenos passos, com a aprendizagem gradual das estruturas, que eram apresentadas uma a
uma”.
Richards & Rogers (1997, p. 51) citam alguns princípios do
ensino/aprendizado desse método:
1. O aprendizado de língua estrangeira é basicamente um processo de formação de
hábitos mecânicos.
2. A analogia fornece um melhor juízo de valor para o ensino da língua do que a
análise. A analogia envolve os processos de generalização e discriminação.
3. O significado que as palavras de uma língua tem para o falante nativo pode ser
aprendido apenas num contexto lingüístico e cultural e não isoladamente. O
ensino de uma língua envolve, assim, ensinar os aspectos do sistema cultural das
pessoas que falam a língua.
Larsen-Freeman (1986, p. 44) aponta ainda a seguinte característica:
9 O vocabulário novo e as novas estruturas são apresentados através de diálogos,
que, por sua vez, são praticados através de imitação e repetição.
Nos anos sessenta várias foram as críticas a esse método, que iam desde
questões relacionadas à teoria da aprendizagem e à teoria de língua (que subjazem tal
método), até questões de resultados práticos quanto às expectativas de aprendizagem
(RICHARDS & ROGERS, op. cit, p. 59).
Um dos primeiros lingüistas a criticar o behaviorismo, que está por trás do
método áudio-lingual, foi Noam Chomsky, já na década de 60. Chomsky defendia que as
propriedades fundamentais da língua derivam de aspectos inatos da mente e de como os
homens processam a experiência através da língua (RICHARDS & ROGERS, op. cit, p. 59).
As idéias de Chomsky, assim como as idéias de Piaget (que reforçavam os aspectos
cognitivos) e Carl Rogers (que enfatizava os aspectos afetivos) vieram contribuir para a
chamada abordagem cognitivista.
3. Abordagem Comunicativa: nesta abordagem, o ensino de língua está centrado na
comunicação. Ela tenta unir os aspectos cognitivos (mentalistas, internos) com os aspectos
sociais (externos). A língua deixava, então, de ser vista como um conjunto de frases, para
passar a ser vista como um conjunto de eventos comunicativos (LEFFA, 1988).
As principais características dessa abordagem, segundo Richards & Rogers
(op. cit: p. 71) são:
9
A língua é um sistema para a expressão do significado.
9
A função primeira da língua é a interação e a comunicação.
9
A estrutura da língua reflete seus usos comunicativos e funcionais.
9
As unidades primárias da língua não são meramente suas características
gramaticais e estruturais.
Nessa abordagem, a experiência que o aluno traz para sala de aula deve ser
aproveitada. Para isso são feitas atividades que levam em consideração a ativação do
conhecimento prévio do aluno, em termos de conhecimento lingüístico, de mundo e textual.
O MD é visto como um “recurso para se desenvolverem as atividades de interação
lingüísticas” (SILVEIRA, 1999, p. 78). Os textos presentes no material devem ser autênticos,
dando-se prioridade àqueles que circulam na sociedade e encontram-se mais próximos da
realidade dos alunos. Estes textos podem ser retirados de jornais, revistas, Internet etc.
Quanto à gramática, esta é de base nocional, gramática da organização do sentido. As
atividades gramaticais estão a serviço da comunicação, indo de encontro aos exercícios
formais e repetitivos, passando a exercícios de comunicação real ou simulada, mais
interativos (CESTARO, 1999).
Para Larsen-Freeman (op. cit, p. 129), os alunos devem trabalhar com a língua
ao nível do discurso supra-sentencial (além da sentença), e eles devem aprender sobre
coesão, coerência, ou seja, as propriedades da língua que unem as frases no texto.
O plano curricular de um curso centrado na Abordagem Comunicativa é
baseado no significado (semantic syllabus), o que implica dizer que é dada mais importância
ao significado do que às estruturas. Num plano curricular de base semântica, os itens que têm
relações semânticas são ensinados juntos, mesmo que eles sejam estruturalmente diferentes.
5. Abordagem do Ensino Instrumental de línguas estrangeiras. No que diz respeito ao
ensino instrumental de língua inglesa (ESP – English for Specific Purpose), o ano de 1962
marca, segundo Swales (1985 apud VIAN Jr, 1999, p. 439), seu início com a publicação do
artigo “some measurable characteristics of modern scientific prose”, de Barber. O ESP surge
da necessidade de uso de uma segunda língua por profissionais, trabalhadores em geral e
acadêmicos. As concepções por trás desse método partiam do conceito de competência
comunicativa e da chamada “análise de necessidades comunicativas” (SILVERIA, op. cit., p.
85)
Cursos baseados no inglês instrumental têm por objetivos, segundo Vian Jr.
(op. cit., p. 437-438) atender as necessidades específicas do aprendiz, sempre relacionadas a
sua área de atuação, assim como também desenvolver a linguagem apropriada ao seu
contexto e de acordo com habilidades específicas.
No Brasil, o ESP começou a se estabelecer no final da década de 70 (do
século passado), a partir das necessidades dos alunos do programa de Mestrado em
Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua da PUC-SP, levando a então coordenadora do
programa (Antonieta Celani) ao desenvolvimento de um projeto em âmbito nacional, o
Projeto Ensino de Inglês Instrumental em Universidades Brasileiras (VIAN Jr, op. cit, p.
440)
Inicialmente, o Projeto de Inglês Instrumental seguia dois fatores
metodológicos que o diferenciavam da metodologia convencional: 1) a necessidade principal
dos alunos, em todos os níveis, era a compreensão da leitura, colocando, assim, a fala e a
escuta em segundo plano; 2) o uso da língua portuguesa nas aulas de ESP. A razão para isso,
deu-se devido à curta duração dos cursos, que tornava impraticável desenvolver a
competência falada dos alunos em tão pouco tempo (HOLMES & CELANI, 2006).
Até recentemente, o ensino de ESP no Brasil centrava-se basicamente nas
estratégias de leitura (pautado nas contribuições da Psicolingüística, da Psicologia Cognitiva,
da Lingüística Textual e dos modelos cognitivos de processamento do discurso de Dijk e
Kintsh), o que fez com que muitos livros e apostilas, produzidas aqui no Brasil, também se
centrassem nesse aspecto, a exemplo de Estratégias de leitura para inglês instrumental, de
Sara R. de F. Oliveira (1994), “Reading Comprehension Skills”, de Adriana A de M Costeira
et alii (1998), Inglês instrumental. Estratégias de leitura. Módulo I, de Rosângela Munhoz
(2000). Este último foi utilizado por uma das professoras na confecção de seu material
didático).
Atualmente o ensino instrumental de línguas tem se preocupado também com
a produção de texto, principalmente com os gêneros da área acadêmica, que segue a linha de
Swales (1990), como também com o genre analysis (a análise de gêneros). (SILVEIRA,
idem).
Capítulo 2. Aspectos relativos ao conteúdo dos MDs: Texto,
Gramática e Vocabulário
Objetos de nossa análise, faremos abaixo uma breve introdução teórica sobre
as noções de texto (e leitura), gramática, e vocabulário, tentando apresentar o que
entendemos por cada uma delas, objetivando, com isso, a análise dos dados. Vale ressaltar,
que não é nosso objetivo esgotar cada um dos três tópicos acima, mas apenas fazer uma
breve discussão extraindo, das mais diferentes fontes, o que for relevante para cada um
desses tópicos.
2.1. Do Texto
Nas últimas décadas, o texto escrito tem se tornado a preocupação central de
pesquisadores e estudiosos da língua, que o vêem como objeto de estudo capaz de romper
barreiras e trazer melhoras significativas para o atual ensino de língua. Um dos estudiosos
que defende tal tese é Geraldi, no seu livro Portos de Passagem (2003), ao afirmar que a
presença do texto “pode corroer a identidade do ser professor tal como instituída nos tempos
de hoje” (p. 112), ou seja, a identidade de um professor como “capataz”.
No Brasil, o trabalho com o texto intensificou-se mais com a publicação dos
PCN, tanto de Língua Portuguesa (que vê o texto escrito como “a unidade básica de ensino”
(p. 24)), quanto de língua estrangeira (que, apesar de não apontar diretamente o texto como
unidade de ensino, fica implícito, na defesa que estes fazem à leitura, que, obrigatoriamente,
resulta num trabalho com o texto). Para os PCN-LE, a capacidade de o aprendiz “se engajar e
engajar os outros no discurso de modo a poder agir no mundo social” (p. 15) pode se dar,
sobretudo, por meio do texto, então, esses documentos afirmam que
Para que isso seja possível, é fundamental que o ensino de língua estrangeira
seja balizado pela função social desse conhecimento na sociedade brasileira.
Tal função está, principalmente, relacionada ao uso que se faz de língua
estrangeira via leitura embora se possa também se considerar outras
habilidades comunicativas em função da especificidade de algumas línguas
estrangeira e das condições existentes no contexto escolar”. (p. 15)
Desta forma, um trabalho centrado, principalmente na leitura, vem colocar o
texto no centro do ensino, indo de encontro a propostas que priorizam o ensino explícito de
gramática e vocabulário e, principalmente, do ensino de texto que se utiliza de diálogos
pouco significativos, “pequenos textos descontextualizados seguidos de exploração de
palavras e das estruturas gramaticais para os alunos” e ainda de trabalhos voltados para a
“tradução, cópia, transformação e repetição” (PCN-LE, 1998, p. 37).
Vale ressaltar que o texto sempre foi objeto de estudo de pesquisadores que,
dependendo da época, tinha uma determinada definição desse objeto, e esta definição foi
evoluindo com o passar do tempo. Hoje em dia, poderíamos apontar várias dessas definições,
porém, para esse nosso trabalho, iremos partir do ponto de vista de texto na perspectiva
sócio-interacionista (BEAUGRANDE, 1997 apud KOCH, 2005), que o toma como:
lugar de constituição e interação de sujeitos sociais, como um evento,
portanto, em que convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais
(Beaugrande, 1997), ações por meio das quais se constroem interativamente
os objetos-de-discurso e as múltiplas propostas de sentido, como funções de
escolhas operadas pelos co-enunciadores entre as inumeráveis possibilidades
de organização textual que cada língua lhe oferece... (p. 9)
A definição acima deixa bem claro que o texto não pode mais ser visto como produto, ou
um objeto puramente lingüístico, no qual os sentidos jorrariam dele, sem a necessidade de
se conhecer o contexto sócio-histórico no qual está inserido.
Muitas das idéias dos autores acima têm por base os estudo de Mikhail Bakhtin, estudioso
russo do início do século passado, mas que veio ter suas idéias difundidas no ocidente,
apenas a partir da década de 80. Este estudioso (1992 apud BARROS, 1997, p. 28) define
texto como
produto da criação ideológica ou de uma enunciação, com tudo o que está aí
subentendido: contexto histórico, social, cultural etc (em outros palavras, o
texto não existe fora da sociedade, só existe nela e para ela e não pode ser
reduzido à sua materialidade lingüística (empirismo objetivo) ou dissolvido
nos estudos psíquicos daqueles que o produzem ou interpretam (empirismo
subjetivo).
A definição de Bakhtin põe em jogo o externo ao lingüístico, fazendo uma relação direta
entre língua/sociedade e ideologia, tão intimamente ligadas que uma não existe sem a
outra.
Essa perspectiva que vê o texto como construto sócio-histórico-cultural é a perspectiva
que defendemos, pois é essa mesma perspectiva que trouxe à tona o trabalho com gêneros
textuais que, nas últimas décadas, passou a ser um dos principais enfoques das pesquisas
nas áreas da Lingüística Textual e da Lingüística Aplicada.
2.1.1. Gênero textual e ensino
Um dos estudiosos que mais influenciou os estudos de gêneros foi Bakhtin,
que viu os gêneros como “tipos relativamente estáveis de enunciados (...) criados dentro
dos vários campos da atividade humana” (1992, p. 279), produto da interação verbal, está
intimamente relacionado ao social. Este autor ainda divide os gêneros em primários
(relacionados às esferas sociais cotidianas, como diálogos, situações de interação face-aface etc) e secundários (relacionados às outras esferas públicas de interação social que
são, muitas vezes, mediados pela escrita e apresentam forma monologizada).
Seguindo a mesma linha de pensamento de Bakhtin, Bronckart (1999, p. 73) ratifica que
todo texto é um construto pertencente a um determinado gênero textual:
... na noção de gênero de texto no decorrer deste século e, mais
particularmente a partir de Bakhtin, essa noção tem sido progressivamente
aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas: às formas escritas
usuais (artigo científico, resumo, notícia, publicidade, etc.) e ao conjunto das
formas textuais orais, ou normatizadas, ou pertencentes à “linguagem
ordinária’(exposição, relato de acontecimentos vividos, conversação, etc).
Disso resulta que qualquer espécie de texto pode atualmente ser designada
em termos de gênero e que, portanto, todo exemplar de texto observável pode
ser considerado como pertencente a um determinado gênero.
Preocupado mais com questões de interação e estruturas sociais e, partindo de
uma visão crítica do discurso, Faircough (2001 apud MEURER 2005, p. 91-92), que defende
que os textos são perpassados por relações de poder, vê os gêneros textuais intimamente
relacionados com a noção de hegemonia:
Os gêneros textuais... têm estreita relação com a noção de hegemonia. Por
quê? Porque a escolha e o seu modo de uso dependem freqüentemente das
formas de dominação estabelecidas, isto é, de quem possui mais, ou menos,
poder em determinadas circunstâncias.
No Brasil, há muito tempo também se discute as noções de gênero. Dentre os
principais estudiosos, podemos destacar Marcuschi que, em um capítulo para o livro Gênero
textuais e ensino (DIONÍSIO & BEZERRA, 2002, p. 25), define gênero como sendo:
“formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em
comunidades de práticas sociais e de domínios discursivos específicos”. Ainda segundo este
autor, baseando-se em Bakhtin, a comunicação verbal só é possível através de algum gênero
textual, daí ser importante tanto os estudos feitos sobre os gêneros quanto a aplicação desses
estudos em sala de aula. (op. cit: p. 22)
Associando gênero e sala de aula, podemos citar o trabalho de Dolz & Schneuwly (2004),
que consideram que todo gênero se define por três dimensões essenciais:
1) os conteúdos que são (que se tornam) dizíveis por meio deles; 2) a
estrutura (comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero; 3) as
figurações específicas das unidades de linguagem (...) e os conjuntos
particulares de seqüência e de tipos discursivos que formam sua estrutura. (p.
52)
Compreender essas três dimensões do gênero textual faz-se de suma importância para
aqueles que pretendem trabalhá-lo em sala de aula, pois não adianta para o professor
resolver trabalhar um determinado gênero (ou ainda trabalhar na perspectiva de gêneros),
sem que tenha vivência com ele e um bom conhecimento de suas dimensões. O trabalho
com o gênero é um trabalho que exige mais do que o puramente lingüístico, como nos
aponta Dourado (2004, mimeo):
...introduzir os gêneros em sala de aula implica, portanto, entre outras coisas,
observar: as esferas sociais (jornalístico, científico, religioso, político) em
que circulam; em que tipos de suportes (revistas, jornais, internet); em que
seção (opinião, lazer, perfil); os elementos icônicos; linguagem verbal e não
verbal; quem escreve, para quem, como e por quê?
Além de todas essas implicações supracitadas, a inserção de um gênero na
escola deve objetivar a formação de um usuário que seja capaz de agir em uma sociedade
letrada. Segundo Schneuwly e Dolz (op. cit, p. 80), essa inserção do gênero na escola visa
dois tipos de objetivos de aprendizagem: “trata-se de aprender a dominar o gênero e, em
segundo lugar, se desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são
transferíveis para outro gênero próximo ou distante”.
Schneuwly e Dolz (1996 apud BARBOSA, 2001, p. 170-171),
preocupados com a o ensino do gênero em sala de aula, elaboraram um agrupamento dos
gêneros, dividindo-os em:
a) gêneros da ordem do narrar: que englobariam contos, fábulas, lendas, narrativas de
venturas etc.
b) gêneros da ordem do relatar: que têm como domínio a memória e a documentação
das experiências humanas (diários, testemunhos, autobiografias, notícias etc);
c) gêneros da ordem do argumentar: englobam textos de opinião, diálogos
argumentativos, carta de leitor etc.
d) gêneros da ordem do expor: englobam seminários, conferencias, verbetes de
enciclopédia, texto explicativo etc;
e) gêneros da ordem do instruir ou prescrever: englobam textos variados de instrução,
regras e normas e que pretendem em diferentes domínios a prescrição ou a regulação
de ações.
No agrupamento acima, podemos perceber claramente que os autores tentam unir a
classificação dada aos tipos de textos (narrativos, descritivos, dissertativos,
argumentativos) com a dos gêneros textuais, objetivando a didatização destes.
Para um trabalho mais detido para fins específicos com os gêneros textuais no
ensino de língua estrangeira, Ramos (2004, p. 114-115) nos aponta uma proposta de
análise do gênero elaborada por Bathia (1993), que envolve idéias de Swales (1990) e
aspectos da lingüística sistêmico-funcional:
1) Posicionamento do gênero textual analisado em seu contexto situacional, por meio de
conhecimento prévio, aspectos internos no texto e conhecimentos outros de que o analista
possa lançar mão.
2) Levantamento da literatura existente sobre o gênero;
3) Refinamento da análise situacional/contextual, por meio do reconhecimento de seus
participantes, suas relações e objetivos; definição histórico-cultural, filosófica e/ou
ocupacional da comunidade em que esse gênero tem lugar (...)
4) Seleção de um corpus, por meio da definição clara do gênero com o qual se está trabalhando;
5) Estudo do contexto institucional, incluindo o sistema e/ou metodologia em que o gênero é
usado e as regras e convenções que governam o uso da linguagem nesse ambiente
institucional;
6) Definições dos níveis de análise lingüística que se quer fazer: análise das características
léxico-gramaticais; análise dos padrões textuais e análise das estruturas organizacionais;
7) Obtenção de informação especialista, por meio de um informante que seja um usuário
especialista na cultura em que o gênero examinado é rotineiramente usado.
A análise de um gênero textual, como já dito acima, vai exigir muito do professor, que
terá que ter uma boa formação, estar a par dos estudos sobre gêneros, ou seja, ter um bom
nível de letramento crítico, pois lidar com os gêneros textuais não quer dizer lidar apenas
com o lingüístico. O professor não terá condições satisfatórias de trabalhar um gênero em
sala de aula que ele não conhece, ou seja, com o qual não tem muita familiaridade.
Paralela a essa questão dos gêneros textuais, há ainda uma outra de caráter
teórico que diz respeito à diferença entre “gênero do discurso” e “gênero textual”. Uma
discussão sobre essa diferença pode ser encontrada em Rojo (2005). Ela afirma que a
noção de gêneros do discurso está mais voltados para a descrição dos aspectos sóciohistóricos dos eventos comunicativos, enquanto os gêneros textuais estão mais voltados
para a descrição da materialidade lingüística dos textos (p. 185).
A autora deixa mais clara a diferença entre os termos supracitados ao
descrever os trabalhos realizados seguindo uma ou outra teoria:
...[n]uma teoria de gênero de texto, [os trabalhos] tendiam a recorrer a um
plano descritivo intermediário – equivalente à estrutura ou forma
composicional – que trabalha com noções herdadas da lingüística textual
(tipos, protótipos, seqüência típicas etc) e que integrariam a composição do
gênero. A outra vertente, a dos gêneros discursivos, tendia a selecionar os
aspectos da materialidade lingüística determinados pelos parâmetros da
situação da enunciação – sem a pretensão de esgotar a descrição dos aspectos
lingüísticos ou textuais, mas apenas ressaltando as ‘marcas lingüísticas’ que
decorriam de/produziam significações e temas relevantes no discurso. (p.
186)
Apesar de não aparecer explicitamente nos PCN de língua estrangeira, as
discussões sobre os gêneros textuais aparecem implícitas na concepção de língua que esse
documento utiliza, ou às vezes, em breves referências aos gêneros em si, tomados como
textos de materialização social, como podemos perceber abaixo:
Em geral, os textos orais e escritos podem ser classificados em três tipos
básicos: narrativos, descritivos e argumentativos. (...) Esses três tipos básicos
são usados na organização de vários outros tipos de textos, que têm funções
diferentes na prática social: texto literário (poema, romance etc); textos
pedagógicos (material didático para ensinar espanhol, aula expositiva etc);
textos científicos (relatório de pesquisa, trabalho publicado em revista
cientifica etc); textos epistolares (carta pessoal, carta de negócio etc); textos
de propaganda (anúncio para vender uma TV) entrevistas, debates etc. (p. 31,
grifo nosso)
Apesar de podermos dizer que os PCN de LE se baseiam na noção de gênero, parece
haver neste momento uma confusão entre as noções de tipo e gênero textual, quando a
palavra “tipo” é muitas vezes utilizada no lugar de gênero, como nos deixa claro Dourado
(op. cit.):
Há no documento oficial uma confusão conceitual e terminológica que
obstaculariza a leitura e compreensão de construtos basilares a uma proposta
de letramento: texto e gêneros textuais.
“A determinação dos conteúdos referentes a tipos de textos (orais e escritos)
se pauta por tipos com os quais os alunos nessa faixa etária estão mais
familiarizados... pequenas histórias, quadrinhas, histórias em quadrinhos,
instruções de jogos...” (grifo nosso).
Toda essa discussão em torno do gênero textual traz a preocupação de como
trabalhar essa nova perspectiva em sala de aula, ou ainda de como os professores estão
passando essa nova perspectiva (se estão passando), e se essas abordagens já se encontram
presentes nos materiais didáticos dos professores.
2.1.2. Concepções de leitura em língua estrangeira
Apesar de muito já se ter dito e escrito sobre leitura, ela ainda não parece ter
se estabelecido como prática no ensino fundamental e médio, pelo menos da forma como
almejam os estudiosos da área (MOITA LOPES, 2001; CORACINI, 2005). Muitos livros
didáticos, sejam de língua estrangeira, sejam de língua portuguesa, já trazem uma abordagem
que enfatiza mais a leitura do que outros aspectos como o de apenas gramática. Apesar dessa
nova abordagem, o que se tem visto é um trabalho que perpetua as velhas maneiras de se
trabalhar com textos, como nos alerta Dourado (2004, mimeo), ao afirmar que ao se objetivar
trabalhar numa perspectiva mais centrada na leitura, como apontam os PCN, os livros
didáticos de língua inglesa favorecem o iletrismo à medida que: “(...) promovem a formação
de um leitor a quem apenas cabe resgatar informações textuais e sentidos supostamente
inerentes ao texto”.
O trabalho que pareceria inovador apenas repete velhas práticas, o texto acaba
sendo trabalhado de maneira superficial, desvinculado de um momento sócio-políticohistórico no qual fora escrito e ainda como pretexto para se ensinar gramática, vocabulário
etc.
Com uma visão de língua pautada em práticas sociais, não demorou para que
o trabalho com o texto se deslocasse para um trabalho com gêneros textuais, que apesar de
também já despontar em muitos livros didáticos, apresenta, na maioria das vezes, muitos
problemas na sua abordagem. Como exemplo disso, Dourado (op. cit), que nas mesmas
reflexões supracitadas sobre leitura nos LDs de língua inglesa, aponta ainda que estes:
“abordam textos, pertencentes a diferentes gêneros, da mesma forma; e didatizam e
descaracterizam gêneros, colocando o texto a serviço do ensino de vocabulário”.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de língua estrangeira, como já apontado
acima, dentre as quatro habilidades essenciais para se aprender uma língua (falar, ouvir,
escrever e ler) vêm privilegiar a leitura, pois, segundo ainda esses documentos, é a que está
mais próxima da realidade e necessidades dos alunos.
a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por
outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu próprio contexto social
imediato. (...) A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em
LE pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua LM.
destaca-se o trabalho com a leitura e interpretação de textos, uma vez que,
sendo a escrita um conhecimento já adquirido, em língua materna,
representa um apoio importante para a compreensão dos significados,
funcionamento e uso da linguagem. (p. 38)
A justificativa no fato de ser a leitura uma necessidade primeira, mais próxima
da vivência do aluno, pode ser atestada por situações práticas do nosso dia-a-dia, como por
exemplo, o vestibular, a admissão em cursos de pós-graduação (no qual é feita uma prova de
proficiência em uma língua estrangeira). Além disso, ainda há a necessidade de se obter
informações nos mais variados tipos de textos em língua inglesa, tais como aqueles presentes
em vídeo games, letras de músicas, outdoors, manuais de eletro-eletrônicos etc. Ou seja,
encontramo-nos rodeados de palavra, expressões, enfim, de textos em inglês, tendo que
entendê-los, não havendo, por outro lado, uma necessidade de estarmos falando ou
escrevendo nessa língua, isto é, não haveria, assim, uma necessidade primeira de se trabalhar
em sala de aula todas as quatro habilidades lingüísticas, como nos deixa claro Moita Lopes
(2001, p. 132):
Diga-se também que no contexto das escolas públicas brasileiras é irreal se
advogar o foco nas chamadas quatro habilidades lingüísticas, tendo em vista
as condições existentes no meio de aprendizagem: uma carga horária
reduzida (duas aulas semanais de 50 minutos), um grande número de alunos
por turma (média de 40 alunos por turma); domínio reduzido das habilidades
orais por parte da maioria dos professores; ausência de material instrucional
extra além do livro e do giz etc.
Assim, diante de tal quadro educacional (e aproveitando-se o fato de haver uma
necessidade mais próxima da realidade do aluno de usar mais a leitura do que as outras
habilidades, exceção para região de fronteiras com outros países – neste caso,
principalmente de língua espanhola – e cidades turísticas, que recebem um grande número
de turistas, havendo necessidade de que se fale uma língua estrangeira para que haja
interação entre turistas e nativos), a leitura seria uma das saídas para o ensino de línguas
na atual conjuntura, contudo, isso não quer dizer que, em momento algum, o professor
não possa trabalhar as outras habilidades, porém a ênfase seria dada à leitura.
A leitura sempre foi alvo do ensino nas escolas (seja com um maior ou menor enfoque),
porém, ao longo dos anos, foi vista e ensinada de diferentes maneiras. A seguir, faremos
uma breve descrição sobre os modelos de leitura que têm vigorado ao longo dos anos.
1. Modelo estruturalista: nesse modelo, o leitor está em busca do sentido que no texto se
encontra, desta forma, pode-se falar em “des-vendar” e “des-cobrir” o sentido do texto
(CORACINI, 2005, p. 20). Segundo Mascia (2005, p. 46), nesse modelo, o texto tem
existência própria, independente da existência de um sujeito (que por sua vez teria um papel
passivo de receptor no ato da leitura) e da enunciação, o texto seria, então, mero pretexto
para o ensino de gramática.
Esse modelo estruturalista, apontado por Coracini (op. cit) como um modelo
de concepção clássica, ainda é hoje muito utilizado em muitos LDs e em sala de aula pelos
professores. Com o sentido centrado apenas no texto, a leitura consegue ser controlada e
qualquer resposta que fuja ao que “está no texto” é considerada errada. A abordagem textual
é feita através de perguntas que são, na maioria das vezes, facilmente encontradas na
superfície do texto.
No modelo estruturalista, o processamento de informação se dá de forma
ascendente (bottom-up), ou seja, a informação parte do texto para o leitor, e este, no
momento da leitura, visualiza o “símbolo escrito (letra) e, seqüencialmente, atribui
significado a palavras, frases, orações, parágrafos e textos completos num movimento do
particular para o geral e sem levar em conta seus conhecimento e expectativas” (MELO,
2005, p. 75), o sentido surge, então, sem qualquer interferência cognitiva ou social do
sujeito-leitor.
2. Modelo cognitivo: este modelo vê a leitura como “um processo ativo de construção
mental e o processo de leitura se daria através de formulação de hipóteses (MASCIA, op. cit,
p. 46).
Nele, predomina o processamento de informação de base descendente (topdonw), ou seja, a informação parte, agora, do sujeito para o texto, assim sendo, “a leitura é
vista como impulsionada pelo leitor e não pelo texto. A compreensão começa na mente do
leitor. É o leitor quem seleciona a informação textual para confirmar expectativas e hipóteses
sobre o texto” (MELO, op. cit, p. 76).
3. Modelo interacionista: nesse modelo, o processo interativo se dá entre leitor, texto e
autor. No processo de leitura, o leitor aciona marcas lingüísticas deixadas no texto, que, por
sua vez, acessariam a opinião do autor, ou seja, quais as razões que levam o autor a dizer o
que disse e da forma que disse (MASCIA, op. cit, p. 47).
Para Coracini (op. cit), nesse modelo, há a possibilidade de mais de uma
leitura, mas estas dependeriam principalmente do texto e, de forma indireta, também do
autor, que autorizaria ou não a leitura. Por isso, para a autora, esse modelo parte de uma
concepção clássica de leitura.
Como o processamento da informação dependeria tanto do leitor quanto do
texto (e autor), no modelo interacionista, a leitura se daria tanto através do processamento
ascendente (modelo bottom-up) quanto descendente (modelo top-down).
4. Modelo discursivo-desconstrutivista: baseado na Análise do Discurso de linha Francesa,
esse modelo se dá na “convergência do lingüístico com o social”. Diferente dos outros
modelos, este enfatiza uma leitura mais engajada com o social, que não depende apenas do
texto ou do conhecimento armazenado do leitor ou de suas hipóteses sobre o texto, mas que
se deve levar em consideração quem escreveu, quando, com que objetivo, ou seja, levar em
consideração o momento sócio-histórico e cultural. Assim, para os defensores desse modelo,
ler é interpretar, “não é mais o texto quem determina o sentido, mas o sujeito inserido em um
determinado contexto ideológico” (MASCIA op. cit, p. 52)
Quanto à desconstrução (termo adotado por Derrida, 1973), Mascia (op. cit: p.
50) nos aponta que
A desconstrução não tem como objetivo a interpretação de um texto – os
temas principais, as idéias centrais, o significado – pretende, por outro lado,
expor aquilo que o texto tenta esconder: os paradoxos, as contradições e as
incoerências. Trata-se de uma recusa em ler o texto como ele deseja ser lido,
ou seja, a busca dos ditos através dos não-ditos, pois, segundo esta
perspectiva, a possibilidade de significado de um texto, a sua coerência
(presença) só é garantida pelas negações (ausências) que, se inscrevem dentro
dele como um jogo de oposições, cujas regras se instauram no momento do
jogo (a cada nova leitura)
Poderíamos questionar onde fica o papel do lingüístico num modelo de leitura
desse, Mascia (op. cit: p. 55) nos responde: “Ele se dá, à medida que se manifestam as
necessidades do grupo, como apoio para que o aluno possa acessar as verdades e questionálas”.
Dos modelos supracitados, a visão de leitura como decodificação (modelo
estruturalista), segundo Coracini (op. cit: 22), é o que tem mais vigorado em nossas salas de
aula de língua estrangeira, com o predomínio da leitura controlada pelos LDs ou pelo
professor. Afora a sala de aula, podemos observar que muitos concursos públicos (seja o
vestibular ou concursos para cargos públicos), que exigem “compreensão de texto” ainda a
fazem voltada para a leitura como decodificação, na qual o candidato terá que escolher uma
das opções que dirá qual é a leitura “certa” para aquele texto.
Já no mundo acadêmico, Coracini (op. cit. 22) aponta que a visão mais cotada
vem sendo a interacionista, segundo ela, uma resposta para isso talvez seja
Porque garanta o centro e o poder da autoridade legitimada por uma
instituição, bem como a busca da verdade e da racionalidade, indispensáveis
para a garantia da cientificidade, com certas tolerâncias impultadas ao
componente social, desde que o texto ou o autor permita ou autorize.
Para Coracini, os três primeiros modelos apresentados acima estão voltados
para uma concepção clássica e tradicional de leitura, devido a eles apresentarem o indivíduo
ainda como um sujeito homogêneo, uno, com discursos também unos, completos,
transparentes e racionais. O que diferenciaria do último modelo que, numa visão pósmodernista, tem o sujeito como heterogêneo, fragmentado, cindido, “inconsciente,
atravessado pelo outro, pelo olhar do outro” (p. 23).
Um questionamento que surge agora é se veremos esse último modelo de
leitura supracitado realmente implantados em nossas escolas e presentes nos LDs, uma vez
que, como apontou Coracini, o modelo de leitura predominante nas escolas ainda é o da
leitura como decodificação. Com certeza, já tivemos avanços e já pudemos encontrar livros
que centram seu modelo de leitura como interacional, a exemplo da coleção de livro Read,
Read, Read (MOITA LOPES, 1998), dentre outras.
Porém, se já é difícil para muitos professores lidarem com uma concepção de
leitura do tipo interacionista, mais difícil é lidar com uma concepção discursivodesconstrutivista que exige muita leitura por parte do professor, que tem que trabalhar,
muitas vezes, até os três turnos, sem tempo para estar lendo e se aperfeiçoando na leitura e,
assim, adquirindo mais conhecimento de mundo.
Dos modelos de leitura acima, os PCN-LE defendem o terceiro, ou seja, o
modelo interacionista (que engloba os modelos ascendente e descendente de leitura),
acrescentando a esse o modelo social (posicionando texto, leitor e escritor cultural, política e
socialmente), ou seja, defendem o modelo sócio-interacionista. O social entra como
contextualizador, apontando quem escreveu, quando, onde, com que objetivos, para que tipo
de leitor etc. Enquanto na perspectiva discursivo-desconstrutiva a ênfase está em observar
que ideologia se encontra por trás de um determinado texto, na sócio-interacionista a leitura
ainda é aquela autorizada na interação texto-autor-leitor.
Desta forma, os PCN-LE apontam que num trabalho com a leitura o professor
deve primeiro escolher o texto que irá trabalhar, depois estabelecer um propósito para a
leitura, que definirá o nível de compreensão a ser alcançado. Esta compreensão poderá
abarcar desde uma compreensão geral (o que é tratado no texto) até uma informação
específica (p. 91). Pensando numa sistematização do trabalho com leitura, os PCN-LE
apontam três fases:
1. A pré-leitura: “caracterizada pela sensibilização do aluno em relação aos
possíveis significados a serem construídos na leitura com base na elaboração de
hipóteses” (p. 91). Nesta fase, deve-se ativar o conhecimento prévio do aluno, que
pode se dar através do título do texto, dos seus subtítulos, figuras, gráficos,
desenhos etc; ativar o pré-conhecimento que o aluno tem em relação à
organização textual; situar o texto quanto ao autor, quando e onde foi publicado,
com que propósitos e interesses etc.
2. A leitura: é nesta fase que o aluno projeta seu conhecimento de mundo e de
organização textual no texto. Nessa fase, o aluno poderá lançar mão de estratégias
de leituras (que o aluno já adquiriu em sua língua materna ou que veio a adquirir
no estudo da língua estrangeira) como reconhecimento de palavras cognatas, o
uso da inferência, as estratégias de integração de uma informação a outra etc. (p.
92)
3. Pós-leitura: trabalho realizado após a leitura, que pode se dar através de
atividades que levem os alunos a pensar sobre o texto, emitir suas reações e
avaliar, criticamente, as idéias do autor (p. 92). Um exemplo de atividade que
pode ser feita nessa fase de pós-leitura diz respeito ao desenvolvimento da atitude
crítica do aluno em relação ao texto, sendo assim, o aluno poderia, então,
“identificar alguns sinais de preconceitos na maneira como pessoas ou lugares são
tratados no texto”.
As três fases acima compõem um trabalho realizado na perspectiva do modelo
sócio-interacionista de leitura, que vem diferir do puramente interacionista por este levar em
“consideração a leitura como um ato comunicativo, ou seja, a perspectiva de como a
linguagem é usada na interação comunicativa entre os participantes no discurso – aspectos
sociais e psico-sociais” (MOITA LOPES, 2001, p. 139).
2.2. Da Gramática
2.2.1. Concepções de gramática
O ensino de gramática em língua inglesa como segunda língua (ESL) ou
língua estrangeira (EFL) vem passando, nessas últimas décadas por mudanças tanto no que
diz respeito ao que se ensinar, quanto ao como se ensinar. Muitos estudiosos e lingüistas,
principalmente a partir dos questionamentos sobre o ensino explícito da gramática, na década
de 70, por Dell Hymes (que questionou a competência lingüística em detrimento da
competência comunicativa), passaram a dar ênfase aos estudos relativos ao texto
(textualidade, leitura e gênero textual). A ênfase no trabalho textual acabou pondo à margem
o ensino de gramática explícita, chegando a gerar discordância entre muitos pesquisadores,
alunos (de graduação) e professores que, na tentativa de implantarem novas teorias em sala
de aula, e descontentes com os resultados do ensino de gramática explícita, acabaram
deixando-a de lado, passando a pregar o “não” ensino explícito e normativo da mesma
(KRASHEN, 1981, em língua inglesa e POSSENTI, 2006, em Língua portuguesa).
Não é de hoje que a gramática explícita vem recebendo duras críticas dos
estudiosos e pensadores, já no século XVII, o filósofo John Locke (1632-1704), partindo de
uma concepção que via a língua como um produto social, criticou veemente o
ensino/aprendizagem de gramática, segundo ele (apud SILVEIRA, 1999):
Para aprender a se comunicar numa língua, seja ela materna ou estrangeira, o
estudo da gramática é inútil” (p. 32)
Se a gramática de uma língua deve ser ensinada, é aqueles que já sabem falar
esta língua, pois, doutra forma, como poderíamos ensiná-la? (p. 32)
O que percebemos no discurso de Locke é que este problematiza o ensino da
gramática explícita, ou seja, o ensino metalingüístico da mesma, como fizeram muitos
pesquisadores da nossa época (a exemplo dos já citados acima), com trabalhos que ganharam
fôlego nos anos noventa. Contudo, hoje em dia, está havendo um movimento que defende a
volta do ensino da gramática, não aquele que enfatiza apenas a metalinguagem, mas um
ensino que valoriza o uso e a reflexão sobre a língua, que deixa de lado preconceitos
lingüísticos e assume a importância tanto de se trabalhar as variações quanto a norma culta
de uma língua (COOK, 2001, TRAVAGLIA, 2003, MOURA NEVES, 2004, ELLIS, 2006,
POSSENTI, 2006).
O material didático com o qual o professor trabalha passa a assumir um
importante papel nesse debate, pois é nele que muitos professores se apóiam no momento da
preparação e execução das aulas. Esse material, em sua grande maioria, constitui-se do livro
didático, que acaba, muitas vezes, impondo sua visão à visão e ao conhecimento do
professor, devido ao seu poder de “autoridade” (ver CORACINI, 1999a/b), fazendo com que
muitos professores ainda incorram em um ensino explícito de gramática. Isso pode ser
atestado em livros didáticos da nossa atualidade que ainda seguem uma abordagem e
metodologia voltadas para o método de Gramática e Tradução, a exemplo do livro da coleção
A New English Course. Book 3, de autoria de Edgar Laporta, utilizado por uma das professoras
para a confecção de seu material – ver capítulo 4). O fato de o LD utilizado pelo professor
partir de uma concepção de gramática explícita não impediria, é claro, o professor de
contornar os problemas que o livro adotado poderia trazer.
Qualquer trabalho científico que lide com a gramática deve deixar bem claro
que gramática está se levando em consideração. No geral, podemos dizer que existem duas
concepções de gramática: a gramática explícita, que é aquela que, segundo Ellis (1997, p.
84), tem por objetivo ensinar sobre a gramática para que os aprendizes construam um tipo de
representação consciente ou cognitiva que possam articular: os alunos entrariam em contato
com termos técnicos e nomenclaturas sobre a língua; já a gramática implícita é aquela (ainda
segundo ELLIS) que tem por objetivo fazer com que os aprendizes adquiram e usem de
forma não consciente a estrutura-alvo quando engajados numa situação comunicativa. Esta
última é internalizada pelo falante, que não necessita do conhecimento explícito para poder
falar, podendo ainda ler, escrever e ouvir em sua língua (ou qualquer outra), pois tem o
domínio desta. Já a primeira diz respeito a normas e regras que regem o “bem falar e
escrever”; ela goza de prestígio social, por se dizer guardiã da norma culta de uma
determinada língua.
Para um ensino de gramática explícita, duas abordagens podem se destacar: o
ensino dedutivo e o ensino indutivo. Ellis (2006, p. 96) afirma que, no ensino dedutivo, uma
estrutura gramatical é inicialmente apresentada e em seguida praticada. Ou seja, podemos
dizer que o professor expõe/apresenta um determinado tópico gramatical e, em seguida,
passa atividades voltadas para o tópico gramatical anteriormente explicitado, para que os
alunos possam mostrar que “aprenderam” aquele determinado conteúdo; enquanto que no
ensino indutivo, ainda segundo Ellis (op. cit), os aprendizes são primeiramente expostos a
exemplos com uma determinada estrutura gramatical e, em seguida, solicitados a que
cheguem a uma generalização metalingüística a partir dos exemplos dados. Ou seja, os
alunos são instigados a pensar e refletir sobre uma determinada regra gramatical.
Muitos trabalhos tentaram provar a eficácia de cada uma dessas duas
abordagens de ensino explícito de gramática, como nos mostra Ellis (op. cit, p. 96-97), em
seu artigo sobre o estado da arte em ensino de gramática. Ele cita os resultados de trabalhos
(limitados ao seu contexto de pesquisa) de: Herron e Tomsello (1992), que viu uma clara
vantagem no ensino indutivo; o de Robinson (1996) e o de Erlam (2003), que constataram
que a abordagem dedutiva era mais eficaz; enquanto Rosa e O’Neill (1999) não constataram
nenhuma diferença significante no ensino das duas. A variedade de resultados põe em xeque
o ensino das duas concepções, porém, a nosso ver, um ensino indutivo, que leve o aluno a
pensar pode vir a ser mais produtivo do que um ensino em que o aluno apenas terá que
memorizar regras.
Partindo das duas concepções de gramática acima (explícita e implícita), ainda
pode-se falar em três modelos de gramática: a gramática normativa, a descritiva e a
internalizada.
A gramática normativa está estreitamente relacionada com a gramática
explícita, que valoriza o “bem falar e escrever”, é bastante difundida na nossa escola e na
sociedade, tendo um caráter prescritivo.
O segundo modelo é o da gramática descritiva, que tenta descrever as línguas
da forma como elas são faladas, opõe-se ao primeiro, pois aquele se envereda pela prescrição
e este pela descrição. Para Possenti (2006: p. 68), neste tipo de gramática, a preocupação
primeira é tornar conhecidas, de maneira explícita, as regras que os falantes utilizam.
Relacionada a essa gramática descritiva está a funcional que “se preocupa
com o uso funcional da linguagem, que não pode ser determinado simplesmente pelo estudo
da estrutura gramatical da sentença” (MADEIRA, 2005, p. 23).
O terceiro tipo é o da gramática internalizada, que está relacionada
diretamente à gramática implícita, e valoriza a língua que o individuo já traz consigo, referese, então, “a hipóteses sobre os conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou
seqüências de palavras de maneira tal que essas frases e seqüências são compreensíveis e
reconhecidas como pertencentes a uma língua” (POSSENTI op. cit: p. 69; Crystal, 2001).
É claro que os três modelos de gramática supracitados não podem ser tomados
de forma estanque. É possível encontrarmos professores que, de uma forma ou de outra,
acabam fazendo uso dos três tipos de gramática, mesmo que, às vezes, intuitivamente. O
conhecimento desses três tipos de concepção por parte do professor faz-se de suma
importância, como nos aponta Aires (2003):5
É preciso que o professor conheça os vários tipos de gramática, não para
ensiná-los, mas para usá-los para instrumentos analíticos e explicativos da
linguagem de seus alunos, e para realizar um trabalho que amplie o conjunto
de recursos expressivos de que o aluno dispõe para a produção e
compreensão de textos.
Apesar de defender o não ensino da gramática normativa, Possenti (op. cit: p.
87-88) apresenta uma proposta elementar de ensino de gramática de língua materna que
5
Artigo retirado de um site na Internet (vide referências), sem paginação.
englobaria os três tipos de gramáticas vistos acima, sendo que à normativa seria dado menos
destaque. Assim, para ele, a ordem seria: “privilegiando a gramática internalizada, em
seguida, a descritiva e, por último, a normativa”.
Ao valorizar a gramática internalizada, a escola estaria, então, segundo
Possenti (op. cit: p. 84), comprometida com uma metodologia que expusesse constantemente
o aluno à leitura, à escrita, à narrativa oral, ao debate e todas as formas de interpretação,
como resumo, paráfrase etc; deixando-se de lado o trabalho com nomenclaturas, análise
sintática e morfologia, tão presente na prática pedagógica do ensino de línguas.
2.2.2. Relação gramática e ensino A preocupação central de quem ensina gramática, partindo de qualquer uma
das concepções acima, é, sem dúvida, ensinar a (ou sobre) língua. Porém, vemos que nem
sempre a língua acaba sendo contemplada, pelo menos a língua como fato social. O ensino
da gramática vem, cada vez mais, se limitando ao ensino metalingüístico, ou seja, ao ensino
da língua pela língua (PCN-LE: p. 37).
Ellis (2006), partindo da crença de que um ensino de gramática da língua
estrangeira voltado para explanações explícitas e práticas repetitivas não resulta na aquisição
do conhecimento implícito necessário para uma comunicação fluente, lista algumas
conclusões a que chegou sobre o ensino de gramática. Dentre elas destacamos:
•
O ensino de gramática deveria enfatizar não apenas a forma, mas também os
significados e usos de diferentes estruturas gramaticais.
•
Os professores deveriam empenhar-se em centrar-se naquelas estruturas
gramaticais reconhecidas como problemáticas para os aprendizes em vez de
ensinar toda a gramática.
•
A gramática é melhor ensinada a aprendizes que já adquiriram habilidades
para usar a língua (nível intermediário) do que a verdadeiros iniciantes.
Contudo, a gramática pode ser ensinada através de “feedback” corretivo assim
que os aprendizes começarem a usar a língua produtivamente.
•
A instrução gramatical deveria ser integrada com atividades comunicativas.
(p. 102-103)
No primeiro ponto acima, Ellis defende que o ensino de gramática não deva se
dar apenas através do trabalho com a forma, mas que se deve também observar o significado
e o uso, o que já descartaria um trabalho com o puramente lingüístico, com regras e
atividades mecânicas que não colaboram em nada para a construção do conhecimento por
parte do aprendiz. Com o foco na gramática, Ellis aconselha que o professor se centre apenas
naquelas estruturas mais problemáticas da língua (um exemplo, para nossa realidade, talvez
seja o ensino do Present Perfect, que apresenta algumas diferenças quanto ao uso e função
em relação à língua portuguesa), do que ensinar vários tópicos gramaticais. Mesmo assim,
ainda para Ellis, o ensino de gramática seria melhor aplicado àqueles que já têm alguma
habilidade no uso da língua, ou seja, alunos que não sejam iniciantes, que já estejam, pelo
menos, no nível intermediário (o que equivaleria, por exemplo, ao nosso ensino médio). O
último ponto acima, alerta para a importância de se trabalhar a gramática de forma a pensarse na comunicação.
As crenças de Ellis servem para mostrar como pode se dar um trabalho com a gramática
explícita, sem, com isso, cair num ensino prescrito e normativo. Nesse mesmo texto, sobre
estado de arte de gramática, Ellis nos aponta três posições teóricas que sustentam as várias
tendências no ensino de gramática na LE. São elas:
1. “A posição sem interface” (noninterface position), que leva a uma abordagem
“zero de gramática” (zero grammar), valorizando as abordagens centradas no
significado, como a da imersão. Nessa tendência, o ensino implícito se sobrepõe ao
explícito, uma vez que, para seus seguidores, o conhecimento explícito não pode ser
convertido em conhecimento implícito (KRASHEN, 1981). Para muitos
pesquisadores há uma separação neurológica entre esses dois tipos de conhecimentos
(ELLIS, p. 95-96).
2. “A posição de interface” (interface position) apóia a idéia de que as estruturas
gramaticais devem ser primeiro apresentadas explicitamente, depois praticadas e, por
fim, internalizadas ou automatizadas. Os defensores dessa posição (a exemplo de
DEKEYSER, 1998 apud ELLIS, op. cit. p. 96) advogam justamente o contrário da
noninterface position, ou seja, o conhecimento explícito pode tornar-se implícito se
os aprendizes tiverem a oportunidade sistemática de práticas comunicativas. A
abordagem dedutiva de ensino de gramática faz parte dessa tendência.
3. “A posição de interface fraca” (the weak interface position) apóia técnicas que
induzam os aprendizes a entrar em contato com aspectos gramaticais e daí possam
derivar suas próprias regras da gramática explícita em estudo. Segundo essa
tendência, o conhecimento explícito derivado da instrução formal pode ser
convertido em conhecimento implícito apenas se os aprendizes tiverem
alcançado um nível de desenvolvimento que os habilite a acomodar o novo
material lingüístico. (ELLIS, 1997, p.115 e 2006, p. 96)
Assim sendo, na primeira posição (posição sem interface), temos um ensino
de gramática internalizada, sem preocupação com o ensino explícito de regras gramaticais, o
aluno seria apenas exposto à língua e a internalizaria sem precisar passar por uma abordagem
explícita; a segunda posição parte do princípio de que para se chegar à internalização da
língua, o aluno terá que passar por um ensino explícito, que pode se dar através de métodos
dedutivos; já a terceira posição, que também passa pela explicitação gramatical, defende um
ensino reflexivo da gramática.
Das três tendências acima, muitos LDs e professores preferem ainda uma
abordagem de posição de interface, pautando seu ensino de gramática num ensino dedutivo,
que só leva à memorização de regras e taxionomias, o que é bastante danoso para o aluno.
Repensar, então, um ensino de gramática baseado apenas no puramente
metalingüístico é o que muitos estudiosos vêm tentando fazer, e com certeza um dos
estudiosos brasileiros que vem há anos se dedicando a isso é Travaglia. Ele, em seu livro
Gramática: Ensino Plural (2003), nos aponta um caminho alternativo para o ensino de
gramática através da “educação lingüística”, que, por sua vez, significa:
... conjunto de atividades de ensino/aprendizagem, formais e informais, que
levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos da sua língua e a
ser capaz de usar tais recursos de maneira adequada para produzir textos a
serem usados em situações específicas de interação comunicativa para
produzir efeito(s) de sentido pretendido(s). (p. 26)
O objetivo, então, de um ensino pautado na educação lingüística seria, para
Travaglia (op. cit: p. 18), a “competência comunicativa”, que ele define como a “capacidade
de o falante usar cada vez mais recursos da língua e de forma adequada a cada situação de
interação comunicativa”. O que está em jogo não é mais o conhecimento formal da língua,
mas um conhecimento que leve em consideração a língua em uso, em situações de interação
comunicativa.
... o que se tem é um ensino que parece não ter nenhuma razão ligada à vida
das pessoas, uma vez que é um ensino que se estrutura apenas na perspectiva
formal da identificação e classificação de unidades e estruturas da língua,
esquecendo quase por completo a outra parte da gramática, que é a do
funcionamento da língua em textos que produzem efeitos de sentido,
permitindo a comunicação em situações concretas de interação comunicativa.
(TRAVAGLIA, op. cit, p. 54)
O termo competência comunicativa (“Communicative competence”) foi um
conceito introduzido por Dell Hymes e redefinido/expandido por muitos outros autores
voltados para a área de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. A idéia inicial de
Hymes era que os falantes de uma língua têm que possuir mais do que apenas competência
gramatical (“Grammatical Competence”), para que possam se comunicar de maneira efetiva
numa língua, o que implica também saber como essa língua é usada pelos membros que a
falam6.
Partindo da teoria do funcionalismo da linguagem, Moura Neves (2004) vem
compartilhar das mesmas idéias de Hymes e Travaglia, no tocante à competência
comunicativa e aos princípios básicos que sustentam a abordagem comunicativa.
é dirigida para a questão da comunicação eficiente (competência
comunicativa) dos falantes, noção que reflete o princípio sociolingüístico que
língua é um sistema inerentemente variável, e, assim, a heterogeneidade não
é um aspecto secundário e acessório da estrutura da linguagem. (p. 37)
Toda essa “pedagogia” pregada por Moura Neves, Possenti, Travaglia e
defendida também por outros estudiosos dessa área, parte de uma noção de gramática que vai
além do simples estudo das estruturas lingüísticas sistematizáveis, para um ensino numa
“perspectiva textual-interativa”. Nela, texto e gramática não estariam mais dissociados, como
se vê tanto em livros didáticos de língua estrangeira, como na própria divisão do currículo
escolar quando separa “gramática”, leitura e “redação”, mas totalmente integrados, uma vez
que a materialização dos textos verbais se dá através do lingüístico. Desta forma, Travaglia7
põe abaixo a crença de que a gramática está dissociada do texto:
...tal crença põe um problema para o que se faz em sala de aula, pois faz
supor uma separação entre as atividades de ensino de gramática e de
produção/compreensão de textos, que inexiste, mas passa a existir por força
6
Retirado de “LinguaLinks Library”: “Communicative competence is a concept introduced by Dell
Hymes and discussed and redefined by many authors. Hymes' original idea was that speakers of a language
have to have more than grammatical competence in order to be able communicate effectively in a language;
they also need to know how language is used by members of a speech community to accomplish their
purposes”.
7
Vale ressaltar que Travaglia, em sua noção de texto, não está preocupado com a noção de gênero textual.
da verbalização da mesma, o que acaba prejudicando em muito o trabalho
que se poderia fazer... (Travaglia, op. cit: p. 44)
Assim, ainda na visão desse autor, o estudo da gramática e do texto se
confunde, um não tem razão de ser sem o outro:
... tudo que é gramatical é textual e, vice-versa, que tudo que é textual é
gramatical. Assim, quando se estudam aspectos gramaticais de uma língua,
estão sendo estudados os recursos de que a língua dispõe para que o
falante/escritor constitua seus textos para produzir o(s) efeito(s) de sentido
que pretende sejam percebidos pelo ouvinte/leitor e o que afeta essa
percepção. E quando são estudados aspectos textuais da língua estamos
estudando como esses recursos funcionam na interação comunicativa. (p. 45)
Essa forma de ver a gramática, além de privilegiar o texto, amplia o ensino
gramatical ao considerar o estudo metalingüístico, ao lado de um trabalho relacionado com
as situações concretas de interação comunicativa, almejando uma competência comunicativa,
que extrapola o puramente lingüístico e chega ao discursivo8.
Vale marcar que essa tendência no ensino de gramática também se aplica ao
ensino de LE, pois os PCN-LE também defendem um trabalho voltado para a competência
comunicativa. Esses documentos (p. 29) apontam três tipos de conhecimentos responsáveis
por viabilizar a competência comunicativa do aluno: o conhecimento sistêmico, o
conhecimento de mundo e conhecimento textual. Quanto ao primeiro, os PCN-LE apontam
que envolve os conhecimentos do tipo léxico-semânticos, morfológicos, sintáticos e
fonético-fonológicos, que ajudariam as pessoas, a produzirem enunciados, a fazer escolhas
que estejam gramaticalmente adequadas àquela situação de uso, ou ainda que permitam
compreender determinados enunciados tomando por base o nível sistêmico da língua.
O segundo tipo de conhecimento, o de mundo, diz respeito ao préconhecimento que as pessoas têm armazenado sobre o mundo (sua experiência de vida). A
ausência de conhecimento de mundo, segundo os PCN-LE (p. 30), pode ocasionar grande
dificuldade no engajamento discursivo, principalmente se o aluno não dominar o
conhecimento sistêmico (seja ele oral ou escrito) no qual ele está engajado, assim, ele terá
mais dificuldade de entender a fala de alguém (ou um texto escrito) sobre um assunto que ele
desconheça (devido a problemas com, por exemplo, sintaxe ou vocabulário). Contudo, essa
dificuldade será diminuída se o assunto já for de conhecimento do aluno.
O terceiro tipo de conhecimento, o textual, diz respeito às formas que as
pessoas utilizam para organizar a informação em textos orais ou escritos (p. 31).
8
Discursivo aqui entendido como aparece no Dicionário de análise do Discurso (2004), que o toma (apud
CHARAUDEAU) como um “lugar que se instauram as diferentes ‘maneiras de dizer’ mais ou menos
codificadas do sujeito” (p. 453) inclui aí, então, o modo de falar e os papéis linguageiros dos sujeitos.
Apesar de as propostas de ensino elaboradas pelos PCN-LE se centrarem na
leitura, o conhecimento sistêmico (lingüístico) não pode ficar de fora no trabalho com uma
língua, ele é responsável, dentre outras coisas, pela construção dos significados:
O conhecimento sistêmico contribui para a ativação e a confirmação das
hipóteses que o aluno está elaborando. Nos estágios iniciais de aprendizagem,
o conhecimento referente aos itens lexicais é crucial, já que facilita a ativação
de conhecimento de mundo do aluno. O conhecimento da morfologia da
língua estrangeira, ao indicar o papel gramatical do item, colabora para a
compreensão. (p. 90, grifo nosso)
Apesar de apresentar também uma certa posição de interface no trabalho com
o lingüístico (“O conhecimento da morfologia da língua estrangeira, ao indicar o papel
gramatical do item, colabora para a compreensão”.), vale ressaltar que os PCN-LE não
defendem o ensino explícito de gramática, mas que este deve figurar para ajudar na
compreensão dos textos (orais ou escritos). Sendo assim, os PCN-LE apontam que o
conteúdo em específico do trabalho ao nível sistêmico podem ir de itens meramente
lingüísticos (morfologia, fonologia e sintaxe), passando pelo textual e pela compreensão do
oral:
•
•
•
•
•
atribuição de significados a diferentes aspectos morfológicos sintáticos e
fonológicos;
identificação de conectores que indicam uma relação semântica;
identificação do grau de formalidade na escrita e na fala;
reconhecimento de diferentes tipos de texto a partir de indicadores de
organização textual;
compreensão e produção de textos orais com marcas entonacionais e
pronúncia que permitam a compreensão do que está sendo dito.
(p. 74-75)
Ainda segundo esses documentos, o conhecimento lingüístico se dá:
“da forma como as pessoas realizam a linguagem no uso e é essencialmente
determinado pelo momento em que se vive (a história) e os espaço em que
atua (contextos culturais e institucionais), ou seja, pelo modo como as
pessoas agem por meio do discurso no mundo social” (PCN-LE, p. 32)
Assim, apesar de a gramática não ser o enfoque principal nos PCN-LE, esse
tipo de conhecimento lingüístico não pode nunca ser deixado de lado, pois ele vem a
contribuir para o trabalho com texto oral e escrito, fugindo, então, do trabalho
metalingüístico, tão difundido por LDs e professores.
2.3. Do vocabulário
Aliado ao ensino do texto e da gramática, sem dúvida, está o ensino do
vocabulário que, apesar de, muitas vezes, esquecido por algumas abordagens e métodos,
pelos LDs e professores, constitui-se em um dos aspectos cruciais do estudo de uma língua
estrangeira.
De pesquisas que tomavam o vocabulário isoladamente, passando por
trabalhos que enfocavam o vocabulário na frase, os estudos voltados para a linguagem,
realizados no âmbito da Lingüística Textual e Lingüística Aplicada, alteraram o ensino do
vocabulário em sala de aula, sendo, agora, ele visto em sua relação com o texto (oral ou
escrito), servindo para “fazer inferências, generalizações, perceber o papel das figuras de
linguagem no texto”, enfim, buscando “construir uma unidade de sentido”, etc (Bezerra,
2004, p. 25). Com essa relação com os estudos textuais, o ensino do vocabulário rompe então
com um ensino improdutivo, que descaracteriza o seu uso, para um estudo produtivo.
Uma das visões de aquisição de vocabulário comumente aceita é que ela
ocorre em um contínuo (WARING, 2002), e esse contínuo de conhecimento vai desde o
primeiro contato com a palavra até sua produção significativa (SILVA, 2003, p. 25). Assim,
temos um contínuo que vai do vocabulário receptivo (vocabulário que o falante é capaz de
reconhecer e compreender) ao produtivo (vocabulário que o falante é capaz de produzir
adequadamente).
Nattinger (1989, p. 62) aponta que no conhecimento receptivo (que ele vem a
chamar de “compreensão’), o vocabulário depende de estratégias que permitem que alguém
entenda as palavras e as armazene; enquanto que o conhecimento produtivo está relacionado
com a ativação das palavras armazenadas ao recuperá-las da memória e usá-las em situações
apropriadas. Sendo assim, para esse autor, o processo de aquisição de uma palavra passa
pelos estágios de compreensão, armazenamento, recuperação e, finalmente, uso.
Para Waring (op. cit), o conhecimento receptivo de uma palavra precede o
produtivo e, essencialmente, é uma exigência do conhecimento produtivo. Sendo assim, o
aprendiz terá que, primeiro, familiarizar-se (ou ser apresentado a uma palavra em seu
contexto de uso) para poder, então, reconhecê-la, e, posteriormente, produzi-la. Esse
processo não é estanque, ele se dá através de estágios intermediários num contínuo que
envolve imitação, reprodução e compreensão.
Para Silva (op. cit, p. 27), a imitação – que ele substitui por recepção (ou
reprodução sem assimilação) é o primeiro estágio de reconhecimento da palavra, seguida da
reprodução com assimilação, passando, então, à compreensão (estágio mais avançado e
complexo), para finalmente chegar à produção (último estágio desse ciclo). Vejamos figura
abaixo que mostra esse contínuo.
Figura 1: Contínuo do conhecimento
Contínuo do Conhecimento Estágios Intermediários
Recepção
Reprodução
sem
assimilação
Reprodução com
assimilação
Compreensão
PRODU
Ã
A transição de um estágio para o outro é praticamente imperceptível e a
passagem da recepção para a produção não ocorre de forma clara ou organizada. Esse
contínuo sugere, então, que o léxico mental do indivíduo forma um único sistema que é
resgatado e utilizado de forma receptiva ou produtiva, dependendo das necessidades desse
individuo (SILVA, op. cit, p. 28).
2.3.1. Vocabulário e ensino
Ao longo da história, o ensino do vocabulário vem se modificando, passando
do ensino de palavras soltas e descontextualizadas, ao ensino delas na frase e em seguida
para o âmbito do texto, através de relações semânticas, buscando-se construir uma unidade
de sentido (BEZERRA, 2004, p. 25).
Na língua estrangeira, durante muito tempo, o ensino de vocabulário se deu
através de listas bilíngües de palavras que serviam para ilustrar regras gramaticais,
caracterizando-se num ensino isolado de vocabulário. Era assumido que as palavras tinham
significados estáticos fornecidos antes de começar a leitura, o que impedia qualquer
negociação no processo de leitura (VECHETINI, 2005, p. 49). Esse período foi fortemente
influenciado pelo método de Gramática e Tradução, que preconizava um ensino de
vocabulário de forma isolada (através de listas bilíngües) ou em atividades que se centravam
na etimologia da palavra para explicar significados e ortografia (PAIVA, 2004)9.
Porém, no século XIX, no período do Movimento de Reforma
(VECHENTINI, op cit), o ensino do vocabulário trabalhado de forma isolada foi deixado de
lado para se valorizar um ensino mais contextualizado, entendendo-se por isso, o uso do
vocabulário inserido na frase, pois se partia do princípio de que falamos através de frases e
não de palavras isoladas.
No final do século XIX e inicio do século XX, o ensino de vocabulário voltou
a valorizar a associação direta entre a palavra e seu significado na língua-alvo. Partia-se,
então, da concepção de que da mesma forma que a criança aprende sua língua materna, assim
deveria ser no ensino de uma segundo língua (L2), fazendo-se então associações diretas entre
os objetos e as palavras (cf. PAIVA, op. cit).
Essas mudanças foram influenciadas pelo Método Direto, que defendia que a
aprendizagem deveria se dar em contato direto com a língua em estudo. O vocabulário, visto
de maneira mais contextualizada, era mais enfatizado do que a gramática.
Nos anos 30, do século XX (principalmente nos EUA), com a valorização do
ensino de leitura, o vocabulário volta a ter um certo destaque, pois ele seria importante para
que o aluno tivesse um conhecimento mínimo do texto, o que poderia dar-se através da
inferência. Nesse período, o trabalho com o vocabulário se dava de forma controlada
inicialmente, havendo uma ampliação à medida que a quantidade de leitura aumentava
(SILVEIRA, 1999).
Porém, devido às dificuldades que os alunos apresentavam no tocante à
aprendizagem de vocabulário, surge, ainda por volta dessa década do século XX, o
Movimento de Controle de Vocabulário, que tentava “facilitar a compreensão através do
controle e da limitação do número de palavras encontradas nos textos escritos”
9
O texto da referida autora foi retirado de um site na Internet, o mesmo não conta com paginação.
(VECHETINI, op. cit: p. 53). Os textos eram, então, selecionados de acordo com o
vocabulário que ele trazia, ou adaptado, eliminando-se palavras difíceis para se enquadrar no
nível de conhecimento do aluno ou da série, tudo isso com o objetivo de facilitar a inferência
na leitura (idem).
Na década de 50, com os estudos da Psicologia comportamental, houve uma
ênfase no ensino de gramática, fazendo com que o ensino de vocabulário perdesse espaço. O
vocabulário ensinado era apenas o suficiente para se entender a tarefa (VECHETINI, op. cit,
p. 55).
Porém, na década de 70, com os estudos voltados para a competência
comunicativa, a ênfase do ensino de língua recaiu na comunicação, o que ia de encontro ao
trabalho com vocabulário realizado no pós-guerra (por meio do método Áudio-Lingual),
segundo o qual, o vocabulário ainda estava subordinado ao ensino das estruturas gramaticais
da língua. A partir dessas deficiências no ensino de vocabulário acarretadas pelo método
áudio-oral, o ensino pautado na competência comunicativa foi repensado, culminando com a
abordagem comunicativa de ensino (na qual o vocabulário está integrado à competência
comunicativa). O trabalho com as palavras deveria ser visto, então, “em relação com a
realidade externa e como elas se relacionam umas com as outras” (WILKINS apud PAIVA,
2004).
No ensino de língua materna, centrado também numa visão de ensino pautada
na competência lingüística, Travaglia (2003, p. 30; ver item 2.2.2) defende que o vocabulário
é muito importante, sendo assim, ele aponta algumas atividades que podem ser feitas
partindo-se de uma visão de ensino de competência comunicativa:
Fazer exercícios de vocabulário que tratem basicamente dos seguintes fatos:
a) diferentes sentidos de uma mesma palavra; b) sinônimos, discutindo o
sentido de palavras, o sentido de expressões e as diferenças de sentido entre
sinônimos; c) diferentes palavras com os mesmos sentidos; d) antônimos; e)
homônimos; f) parônimos; g) processos de formação de palavras, estudando
prefixos, sufixos, radicais e seus sentidos, incluindo aqui a questão dos
cognatos.
As atividades acima, propostas por Travaglia para o ensino de língua
portuguesa, podem, perfeitamente, ser aplicadas ao ensino de língua estrangeira, uma vez
que lidam com os sentidos que uma palavra pode vir assumir nas mais diferentes situações de
uso de uma língua.
Pelo exposto acima, podemos perceber o quanto o ensino do vocabulário
mudou ao longo dos anos (passando de um ensino centrado na palavra em si para um ensino
que a contempla no texto). Porém, vale lembrar que muitas dessas formas de se trabalhar o
vocabulário, ao longo do tempo, ainda podem ser encontradas na prática de muitos
professores e nos mais variados livros didáticos. Um exemplo disso é a velha listagem de
palavras com sua tradução para a língua materna, que quase sempre esteve presente no
ensino de vocabulário de uma língua estrangeira. As primeiras referências a esse tipo de
ensino se deu em 3.000 a. C., quando o povo acadiano tentava aprender a língua dos seus
subjugados, os sumérios, como nos aponta Silveira (1999, p. 18):
Como todo ensino da língua era baseado no vocabulário, os professores
escribas prepararam os primeiros dicionários do mundo. Eles dispunham as
listas de palavras da língua sumeriana numa coluna e, ao lado, colocavam a
tradução na língua acadiana, acompanhada de signos fonéticos para indicar a
pronúncia. Pouco a pouco, as longas listas de palavras se transformaram em
manuais de ensino. A memória, evidentemente, desempenhava um papel
fundamental neste tipo de aprendizagem. (Grifo nosso)
Hoje em dia, no lugar do ensino de listagens bilíngües de palavras, há uma
tendência para o ensino do vocabulário temático, que é bastante defendido por aqueles que
advogam o desenvolvimento de competência lexical. Pesquisas na área de memória mostram
que as palavras são armazenadas em nossa mente em grupos de palavras relacionadas, ou
grupo lexical (lexical set), e não em ordem alfabética como os dicionários o fazem
(TANNNER e GREEN, 1998, p. 29). Porém, a forma de como trabalhar esse grupo lexical
não deve se limitar apenas à listagem de palavras de um mesmo grupo (o que formaria um
glossário). O que se pode fazer é um trabalho voltado, por exemplo, para um tema, como o
da preservação do meio ambiente, como sugerido pelos Temas Transversais do PCN-LE
(1998).
2.3.2. Concepções de ensino de vocabulário
O processo de ensino/aprendizagem de vocabulário não pode deixar de lado a
questão de sua aquisição e aprendizagem. Segundo estudiosos no assunto, o vocabulário
pode ser adquirido de duas formas: de forma incidental ou de forma explícita. Para Leffa
(2000), a aprendizagem incidental é definida como uma “aquisição natural, não planejada”,
apresentando como características ser contextualizada (“fornecendo ao aprendiz toda riqueza
que envolve o sentido e o uso da palavra” (p. 36)), pedagogicamente eficaz (por “possibilitar
a ocorrência simultânea de duas atividades: compreensão do léxico e compreensão de
leitura” (p. 36)), mais individualizada (“o léxico que está sendo adquirido vem de textos
selecionados pelo próprio aluno” (p. 36)). A aprendizagem do vocabulário se daria, então,
através do contexto, onde o aprendiz utilizaria da inferência como recurso para descobrir o
significado das palavras e, conseqüentemente, aprendê-las.
Esse tipo de aprendizagem, na visão de Leffa (op. cit), apresenta algumas
limitações no que diz respeito ao ensino de língua estrangeira, pois muitos aspectos da
língua não se desenvolvem espontaneamente, como é o caso de expressões idiomáticas.
Ou ainda pensando-se na questão da aprendizagem do vocabulário através do contexto,
esta pode despertar dúvidas, uma vez que ao se inferir o significado de uma palavra não se
está exatamente internalizando tal palavra, apenas há a descoberta do significado daquela
palavra naquele contexto, que pode ser esquecido logo em seguida pelo aprendiz.
Sökmen (1997, apud VECHETINI, 2005, p. 67) afirma que é cada vez
mais evidente que o fato de o aluno inferir o significado de uma palavra desconhecida não
implica no fato de ele armazená-la na mente: “o que leva o aluno a inferir o significado de
uma palavra desconhecida não é necessariamente o que leva a estocá-la em sua memória,
talvez porque sua imediata necessidade, a compreensão, já foi suprida”.
Já a aprendizagem explícita de vocabulário é sistemática e planejada, “o foco
do aprendiz é o vocabulário e não um texto em específico” (ZILLES, 2000, p. 33). Ela vai se
dar, na grande maioria das vezes, na escola, através de atividades que enfatizam o
vocabulário, podendo este estar ou não relacionado a um contexto de um texto.
Os dois tipos de aprendizagem apresentam limitações, porém Sökmen (1997
apud ZILLES, op. cit) propõe um equilíbrio entre as duas formas de aprendizagem e ressalta
que o ensino explícito pode também ter seu lado positivo.
Ninguém está advogando o abandono da inferência contextual (...)
Entretanto, um maior número de pesquisa aponta para a ineficiência de se
utilizar apenas a instrução implícita de vocabulário e para a necessidade de
acompanhar a instrução implícita com uma abordagem ascendente ao nível
da palavra muito mais forte do que havia sido defendido. Na verdade, a
instrução explícita de vocabulário também pode ter um efeito no interesse em
geral do aprendiz por aprender palavras novas, o que, por vez, pode explicar
por que os aprendizes recebem instruções explícitas melhoram a
compreensão não somente dos textos que continham as palavras-alvo, mas
também de textos que as não continham. (p. 33)
No ensino de uma língua estrangeira, o que temos, com maior freqüência,
(com exceção dos cursos que adotam a abordagem natural, na qual “o repertório lexical dos
alunos seria desenvolvido automática e inconscientemente; as palavras e seus significados
não precisariam ser ensinados explicitamente” (VECHETINI, op. cit)) é uma aprendizagem
pautada no ensino explícito, principalmente nos níveis iniciais. Apesar de ser taxado de
descontextualizado, este ensino pode também ser contextualizado. Vasconcellos (1994)
aponta que a maioria das atividades feitas em sala de aulas de L2 são descontextualizadas e
não têm relação com a realidade do aluno e suas necessidades no que diz respeito a sua
escrita: “most of the assignments, however, are decontextualized and have nothing to do with
the students’ reality and writing needs” (p. 105).
Quanto ao material didático, Vechetini (op. cit, p. 81) aponta que a primeira
geração de materiais didáticos centrados na abordagem comunicativa estava centrada numa
aprendizagem incidental (ou implícita) de vocabulário, através de atividades que
“enfatizavam a compreensão de mensagens e, indiretamente, favoreciam a aprendizagem das
palavras nelas implícitas, como resultados da inferência de seu significado dentro do
contexto em que estavam inseridas”.
Em contrapartida, essa mesma autora (op. cit: p. 81-82) nos aponta que os MD
mais recentes enfatizam mais uma aprendizagem intencional (ou explícita) de vocabulário,
através de vocabulário visual, associação de mapas semânticos e técnicas mnemônicas.
Matos (1999 apud SILVA, 2004, p. 13) também aponta o caráter explícito
dado ao ensino de vocabulário pelos LD, ao trazer listas de palavras no final do livro, porém
de forma totalmente descontextualizada.
Matos (1999) ressalta a preocupação da grande maioria dos autores de livros
didáticos de trazer no final de cada capítulo ou do livro como um todo, uma
lista constando o vocabulário introduzido naquela etapa. Apesar disso, o
autor aponta que essa lista de palavras geralmente aparece em ordem
alfabética, sem que seja considerado qualquer outro critério para que mesmas
sejam reunidas em grupos de aproximação ou de afinidades, como as
relacionadas à semântica.
Esse fato descontextualizador, de caráter explícito, do ensino do vocabulário
pode ser facilmente percebido nos livros didáticos, como nos aponta Zilles (op. cit):
Minha abordagem ao ensino de vocabulário sempre foi aquela proposta pelos
livros-texto com os quais tenho trabalhado: eminentemente explícita, ou seja,
apresentando as palavras-alvo isoladamente, sem um contexto direto ligado à
leitura. É claro que a maioria dos livros-texto também propõem o ensino de
vocabulário de maneira mais direta, através de leitura. Porém, esses
exercícios se apresentam como exercícios de estratégia de leitura e não como
de ensino de vocabulário.
O desafio para estudiosos e professores é conseguir contextualizar essa
aprendizagem explícita, partindo também para o estudo da palavra no texto, pois estudar
vocabulário implica dentre outras coisas, como nos aponta Leal (2004, p. 79-80): “conhecer
os significados das palavras, suas relações dentro do universo semântico, sua variação de
acordo com a situação comunicativa e, também, seu aspecto formal”.
Partindo dessa concepção de vocabulário, o ensino isolado do mesmo seria
descartado, dar-se-ia ênfase, então, a sua relação com o texto, no qual o aluno, através do
contexto, poderia inferir o significado das palavras, ajudando-o assim, na compreensão. Para
Leffa (2000), ao ensinar vocabulário de forma contextualizada, a aprendizagem estaria se
tornando mais significativa.
O encontro com a palavra desconhecida dentro de um contexto onde se pode
perceber suas relações com outro segmento serve para contextualizar e tornar
significativa a aprendizagem, mostrando matizes, restrições e preferências
entre as palavras em uso – o que não seria percebido num estudo
descontextualizado, com simples listas de palavras. (p. 38)
O ensino contextualizado do vocabulário já parece ser um consenso entre os
estudiosos da área, como nos aponta Bezerra (20004, p. 28):
A exploração do vocabulário deve ser contextualizada, para auxiliar a
compreensão do texto; por isso, não é conveniente elaborar-se uma atividade
específica de vocabulário, independente das questões de
compreensão/interpretação que, normalmente, são feitas. Além de possibilitar
a compreensão do texto, o estudo também contribui para a ampliação do
vocabulário ativo (conjunto de vocábulo em uso) e passivo10 (vocábulos
conhecidos mas não empregados, e reconhecidos) do leitor.
10
A tendência atual dos estudos em LE é utilizar os termos vocabulário “receptivo” e “produtivo” no lugar de
vocabulário “passivo” e “ativo”.
Capítulo 3. Metodologia
3.1. Natureza da pesquisa
Para a análise do material didático que o professor de inglês de escola pública utiliza em sala de aula foi realizada
uma pesquisa interpretativista, tipo de pesquisa que não segue padrões rígidos ou pré-determinados, mas sim, o senso desenvolvido pelo
pesquisador a partir do trabalho no contexto social da pesquisa, tentando responder o que está acontecendo nesse contexto social. Para esta
pesquisa, foram feitas entrevistas e observação de documentos como fontes para sua análise.
3.2. O contexto da pesquisa
3.2.1. Sobre as professoras
Este estudo foi realizado com três professoras de três diferentes escolas
públicas da cidade de Campina Grande, PB, que lecionam o Ensino Fundamental (de 5a à 8a
séries), delimitando aqui apenas a 7a série. De início, pensou-se em trabalhar com a 8a série
(por ser uma série que antecede um novo nível – Ensino Médio – e que, por isso, tem um
trabalho mais consistente com a língua estrangeira – o que à luz dos PCN seria um trabalho
voltado para o texto), mas devido ao fato de a referida série não ter sido ofertada nas escolas
públicas municipais de Campina Grande, no ano em que se deu a coleta de dados (2005),
optou-se, então, pela 7a série.
A escolha por diferentes escolas se deu pelo fato de que, partindo-se do princípio de que
os professores fazem o planejamento anual conjuntamente, eles poderiam vir a utilizar o
mesmo material para ministrar suas aulas. Apesar de sabermos que as divergências quanto
às metodologias e à construção do conhecimento podem ser gritantes numa mesma escola.
Preferimos, então, trabalhar com professores de diferentes escolas para que pudéssemos
coletar e observar os mais diferentes materiais utilizados por esses professores.
A escolha de professores de escolas públicas se deu pelo fato de os mesmos não disporem
de livros didáticos enviados pelos governos municipal, estadual ou federal11, fazendo com
11
Apesar de que, a partir do segundo semestre do ano de 2006, as escolas municipais de Campina Grande (2o e
3 ciclos do Ensino Fundamental) passaram a dispor de um livro didático (English In Formation, de Wilson
o
que eles tenham que “confeccionar” seu próprio material. O que não se dá, por exemplo,
com os professores das escolas privadas que dispõem de um LD, predefinido pela escola,
que é comprado pelos alunos.
Inicialmente, tivemos dificuldade em conseguir os professores, pois muitos alegavam não
ter mais o material trabalhado no primeiro bimestre (a coleta ocorreu quando as escolas
públicas já se encontravam no 3o bimestre do ano letivo) ou não os tinham devido a
apenas copiarem os conteúdos no quadro e não dispô-los mais por escrito, ou ainda por
terem trabalhado pouquíssimo material, devido a problemas de várias ordens, como
feriados, eventos na escola, posição da aula no dia e horário escolar (por exemplo, uma
última aula numa sexta-feira no turno da noite) etc. Com um pouco mais de insistência,
chegamos, então, às três professoras que cederam seu material didático, assim como
também, concederam uma entrevista (Vide Apêndice).
3.3. Instrumentos e procedimentos de coleta de dados Esta pesquisa apresentou duas etapas de coleta de dados: a coleta de todo o
material didático utilizado pelas professoras no segundo semestre de 2005 e a realização de
uma entrevista concedida no segundo semestre de 2006.
3.3.1. Material didático coletado
Uma vez escolhidas as professoras, marcamos com elas, em suas casas, para a entrega do
material que elas trabalharam no primeiro bimestre do ano letivo de 2005. As professoras
prontamente nos entregaram esse material para tirarmos cópias e também nos indicaram a
fonte das atividades e textos utilizados. No que diz respeito ao material que elas não
possuíam mais, recorremos aos cadernos dos alunos, que foram fotocopiados (o que
aconteceu com grande parte do material da professora B e todo o material da professora
C)12.
O material didático coletado, que compõe o corpus desta pesquisa, consiste,
então, de exercícios gramaticais (enfocando os assuntos do Presente Simples, Adjetivos,
Advérbios e Caso Possessivo), lista de vocabulário (ora retirado dos textos trabalhados, ora
temático – exemplo: membros da família, países, números etc) e textos (sobre assuntos
variados).
De todo o material coletado das três professoras, apenas uma parte do material
da professora A não pôde ser coletada, portanto não faz parte do corpus analisado. Esta parte
Liberato – FTD, 2005), que é utilizado pelos alunos apenas em sala de aula, após a aula, o professor recolhe os
livros, devido ao pequeno número de exemplares.
12
Em relação ao material fotocopiado direto do caderno dos alunos, decidimos não digitar os erros (em sua
grande maioria ortográficos, tanto na língua portuguesa quanto na inglesa) apresentados nesse material (ver
Anexos B e C), uma vez que esses erros não são de interesse desta pesquisa.
diz respeito ao assunto do Presente Simples (suas regras) que foi copiado pela professora no
quadro sem ter como referência direta nenhum livro didático13.
3.3.2. A entrevista
A entrevista (individualizada e realizada na casa das professoras e gravada digitalmente)
foi de caráter semi-estruturado (vide Apêndice), visando obter informações suficientes
para que pudéssemos traçar o perfil dessas professoras, e, principalmente, suprir alguns
vazios deixados pelo material didático coletado. Assim, pudemos coletar informações
sobre as fontes do material por elas utilizadas (sobre o porquê escolheram aquele material,
como chegaram a ele, que outros materiais utilizavam em sala de aula etc), a opinião delas
sobre material didático, gramática, texto, vocabulário, PCN etc., o que serviu para que
pudéssemos contrastar o que pensavam sobre determinado conteúdo com o material
utilizado.
A entrevista foi dividida em três grandes partes: a primeira, intitulada
“Informações pessoais”, consta de 14 perguntas (versando sobre 10 tópicos), de cunho
pessoal, que serviram para traçar o perfil das professoras: fazendo com que conhecêssemos
melhor sua vida acadêmica e profissional. Dessa forma, foram feitas perguntas sobre: idade,
grau de escolaridade, ano em que se formaram, se já haviam participado de cursos de
capacitação, em quantas escolas ensinavam, quantos alunos tiveram em média por turma,
jornada de trabalho etc.
A segunda parte da entrevista (intitulada “Material didático”) visava obter
maiores informações sobre o material didático entregue: informações sobre material didático
no geral, além da visão dessas professoras sobre gramática, texto e vocabulário, conteúdosalvo de nossa pesquisa. Desta forma, sobre material didático foi perguntado, por exemplo,
que materiais elas mais utilizaram em suas aulas, de onde retiraram essa material, como o
conseguiram, como o prepararam, como ele chegou até o aluno etc. Sobre texto, gramática e
vocabulário foram feitas algumas perguntas específicas em torno do material entregue para
análise e outras mais gerais como: qual a importância de se trabalhar textos com os alunos, se
costumavam trabalhar gêneros textuais e, caso afirmativo, como estes eram abordados, se
trabalhavam estratégias de leituras e quais; o que significava ensinar gramática, qual a
relação de gramática e texto; se achava importante trabalhar vocabulário, como o fazia etc.
Nessa segunda parte, ainda foi perguntado sobre em que método ou abordagem de ensino a
professora achava que se enquadrava.
A terceira parte (intitulada “PCN”) objetivava ver o que as professoras
pensavam sobre os PCN e como elas viam seu material em relação a esses documentos.
Inicialmente foram feitas perguntas gerais sobre projetos de ensino e planejamento de aulas
13
Essa informação foi repassada ao pesquisador quando este foi pegar o material didático por ela trabalhado no
primeiro bimestre de 2005, não configurando na entrevista concedida.
(como por exemplo, se a escola em que elas trabalhavam dispunha de um projeto político
pedagógico, se havia planejamentos de aulas, reuniões pedagógicas, como elas planejavam
as aulas etc); em seguida, partiu-se para questionamentos diretos sobre os PCN: se os
conheciam, se já os haviam lido, se o material trabalhado seguia o que pregavam os PCN e o
que achavam do posicionamento dos PCN em relação à leitura.
A transcrição das entrevistas foi feita sem seguir nenhum modelo de
transcrição de entrevista já pré-definido. Optamos, então, por não transcrever “desvios” na
fala das professoras no que diz respeito à fonética, morfologia e sintaxe, porém, para não
tirar o tom de fala espontânea, deixamos algumas expressões e marcadores típicos da fala
como aí; pra/pro; verbo estar abreviado (exemplo tá); né; negativa dupla etc; uma vez
que nosso objetivo não era observar a fala dessas professoras.
Para facilitar a busca pela pergunta por parte do leitor dessa pesquisa, foram
colocados números ao lado de cada pergunta. Assim, cada parte da entrevista possui um
número (1, 2 e 3, respectivamente referentes a “Informações pessoais”, “Material
Didático” e “PCN”) que encabeça as perguntas. Assim, a primeira pergunta da segunda
parte (sobre material didático) tinha como numeração 2.1., quando há alguma outra
subdivisão da pergunta ou do tema entra-se com mais um número (exemplo: “2.1. De
onde você retira esses textos, exercícios?” / “2.1.1. Mas você retira de algum livro?”).
Destarte, toda vez que transcrevermos uma fala das professoras será colocada no final a
identificação com a numeração da pergunta.
3.4. Perfil das professoras e seu contexto de ensino
Professora A
A professora A, à época da entrevista, tinha 56 anos. É formada em Letras
(habilitação em língua inglesa) pela Universidade Regional da Paraíba, atual UEPB
(Campina Grande, PB), desde 1979. Ensinava inglês há trinta anos e não exercia outra
profissão além de ensinar. Até o ano de 2005, ensinava em duas escolas da esfera pública,
vindo a se aposentar de uma delas. Naquele momento, ensinava numa escola estadual
(CEPES), ministrando aulas para dez turmas, cada turma com uma média de 40 alunos. Além
das 20 h/a semanais, a professora ainda dedicava três expedientes à disposição dos alunos
para tirar dúvidas.
A escola em que trabalhava não dispunha de um projeto político pedagógico,
porém afirmou que algo já estava sendo feito no sentido de elaborarem um em breve. Para o
planejamento e elaboração de suas aulas, a professora dispunha na escola de técnicos e de
uma coordenadora, que colaboravam, segundo a professora, na elaboração do plano de curso,
tanto anual quanto bimestral. No que diz respeito à preparação de cada aula em específico, a
professora relatou que se reunia apenas com a professora do turno da tarde.
Por volta do ano 2000, ela fez um curso de aperfeiçoamento, o PIMEI
(dividido em módulos), oferecido pela UFCG a professores do ensino fundamental e médio,
onde disse ter aprendido “muita coisa boa”, mas que achava difícil aplicar, devido à
quantidade de alunos que tinha em sala de aula: “as coisas do PIMEI são boas pra quando
tem poucos alunos”.
Professora B A professora B, à época da entrevista, tinha 25 anos. É formada em Letras
(habilitação em Língua Inglesa) pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG),
desde 2004. Ensinava inglês há cinco anos e não exercia outra profissão além de ensinar.
À época da coleta de dados, a professora estava iniciando seu mestrado em Línguagem e
Ensino na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. Até o ano de 2005, ensinou em
uma escola estadual de Campina Grande, ministrando aulas para doze turmas, cada turma
com uma média de 40 alunos. A professora informou que tinha uma carga de trabalho
semanal de 30 h/a.
A escola em que a professora B ensinava não dispunha de um projeto político
pedagógico, nem havia reuniões para a elaboração do plano de curso. O planejamento das
aulas era feito apenas pela professora, apesar de a escola ter também outras professoras da
mesma disciplina.
Professora C
A professora C, no período da entrevista, tinha 27 anos e, desde 2002, é
formada em Letras (habilitação em Língua Inglesa) pela Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG). Exercia o ofício de professora há seis anos e não tinha outra profissão além
de ensinar. Além de ministrar aula em escolas públicas da rede municipal, atuava também na
rede particular, ensinando numa escola de idiomas. Na rede municipal, a professora ensinava
em 10 turmas (perfazendo uma carga horária de 20 h/a semanal), cada turma com uma média
de 30 alunos. Ao todo, a professora trabalhava 30 h/a semanalmente.
A instituição escolar municipal na qual a professora C ensinava, à época da
entrevista, estava montando seu projeto político pedagógico, que pretendia apresentar
propostas diferentes e inovadoras em relação às propostas anteriores e à forma como se dá o
ensino a nível estadual.
Apesar de ter um planejamento anual, realizado pela escola, a professora
disse que não o seguia por não acreditar na forma como a seqüência de aula era elaborada.
3.5. Procedimentos e critérios de análise
Uma vez coletado o material e feita a entrevista, partiu-se para a análise, que
apresentou duas etapas principais: primeiro, analisar a origem das fontes do material coletado
e, segundo, analisar o enfoque dado à gramática, ao texto e ao vocabulário. Quanto à
primeira etapa, buscou-se observar e analisar as fontes dos materiais utilizados pela
professoras e como elas o prepararam (se os criaram, modificaram ou adaptaram) e a
implicação disso no processo de ensino/aprendizagem. Para isso, partimos tanto do material
coletado quanto do discurso das professoras, que nos ajudou a esclarecer alguns pontos não
explícitos no material.
No que diz respeito à segunda parte da análise, inicialmente pensamos em
trabalhar as quatro habilidades difundidas no ensino de uma língua estrangeira (falar, ouvir,
escrever e ler), porém, sabíamos, de antemão, que a grande maioria dos professores de
escolas públicas do nosso Estado não trabalha essas quatro habilidades, quando muito apenas
a última (a leitura, mas ainda deixando muito a desejar). O ensino da fala e da escuta
(listening) esbarra em questões como um número grande de alunos em sala de aula, carga
horária reduzida, falta de recursos didáticos próprios para isso (microsystem, CDs, DVD
player), fazendo com que o material didático se restrinja a quadro e giz e, muitas vezes, falta
de domínio da habilidade oral por parte do professor (PCN-LE, p. 9). O que inviabiliza um
ensino mais sistemático do mesmo. No corpus por nós analisado, nenhuma atividade
contemplava o ensino da fala ou escuta.
O mesmo acontece com a escrita, que também é pouco ou quase nunca
trabalhada. A noção de escrita resume-se, muitas vezes, a cópias ou às respostas dadas a
perguntas em exercícios estruturais (o que não se configura num ensino efetivo da mesma).
Assim como o ensino da fala e escuta, nenhuma atividade contemplava o ensino da escrita no
material das quatro professoras.
Dessa forma, restou-nos apenas, das quatro habilidades, a leitura (o texto), que
está presente em 2 dos 3 materiais coletados e que também é a habilidade sobre a qual deve
se centrar o ensino de língua estrangeira segundo os PCN-LE. Isso fez com que optássemos
por analisar esse aspecto no material coletado das professoras, assim como também analisar
a gramática que, apesar de não ser enfatizada nos PCN no mesmo nível da leitura, ainda é
prática recorrente tanto no ensino de línguas quanto nos LDs. Outro aspecto que também se
encontra bastante presente no ensino e nos LDs de LE é o trabalho com o vocabulário Esses
três aspectos constituem, de certa forma, um tripé no qual se sustenta, hoje em dia, o ensino
de língua inglesa em muitas escolas públicas de ensino fundamental e médio.
Para cada um desses aspectos, buscamos observar as concepções de ensino
aprendizado que os permeiam, assim como as concepções específicas a cada aspecto
(concepção de leitura (e texto), de gramática). Além disso, tomamos como parâmetros os
critérios de avaliação listados pelo PNLD de língua portuguesa (relativos aos quatro ciclos
do ensino fundamental) referente a esses três aspectos.
A seguir, listamos os critérios do PNLD adotados (nesta pesquisa) para
analisar os aspectos relativos à gramática, texto e vocabulário no material didático das três
professoras:
1. Critérios de análise do PNLD relativos a aspectos gerais
PNLD – Ensino Fundamental (3o e 4o ciclos)
- Observar se o material didático:
- contribui para a construção da cidadania;
- veicula preconceito de origem, cor, condição econômico-social, etnia, gênero, linguagem e
qualquer outra forma de discriminação;
- se traz textos e informações fora dos limites do próprio livro;
- contribui para a construção da ética democrática e plural.
2. Critérios de análise do PNLD relativos a texto escrito
PNLD – Ensino Fundamental (3o e 4o ciclos)
- Observar se o trabalho com o texto:
- deu-se pela possibilidade de exploração de algum conteúdo curricular;
- apresenta pseudotextos, criados única e exclusivamente com objetivos didáticos;
PNLD – Ensino Fundamental (1o e 2o ciclos)
- Observar se no trabalho com o texto houve:
- diversidade de tipos nos textos das atividades de leitura;
- diversidade de gêneros nos textos das atividades de leitura;
- diversidade de contextos sociais de uso (jornalismo, publicidade, literatura, artes em geral, ciência,
filosofia, política, vida cotidiana etc., em mídia impressa, eletrônica e digital);
- presença de textos autênticos;
- presença de textos integrais;
- nas adaptações indicações de cortes, supressões etc;
- créditos completos dos textos selecionados (autor, título do texto, título da publicação, editora,
local e data de publicação e páginas de referência);
- fidelidade, quando relevante, ao suporte original do texto;
- recuperação do contexto de produção do texto.
3. Critérios de análise do PNLD relativos à leitura em específico
PNLD – Ensino Fundamental (3o e 4o ciclos)
- Observar se a abordagem à leitura:
- foi encarada como uma situação efetiva de interlocução leitor/autor de leitura em seu universo de
uso social;
- colaborou para a reconstrução dos sentidos do texto pelo leitor, não se restringindo à localização
de informações;
- desenvolveu estratégias e capacidades referentes à proficiência que se pretende levar o aluno a
atingir e ao gênero ou tipo de texto trabalhado.
PNLD – Ensino Fundamental (1o e 2o ciclos)
- Observar se na abordagem à leitura foi trabalhada:
- a antecipação de conhecimento de mundo;
- antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos;
- checagem de hipóteses;
- compreensão global do texto (questões sobre título, parte, parágrafo, resumo etc)
4. Critérios de análise do PNLD relativos à análise lingüística
PNLD – Ensino Fundamental (3o e 4o ciclos)
- Observar se o trabalho com o lingüístico:
- tem peso menor que os relativos à leitura;
- está relacionado a situações de uso;
- estimula a reflexão e propicia a construção dos conceitos abordados.
PNLD – Ensino Fundamental (1o e 2o ciclos)
- Observar se o trabalho com o lingüístico:
- favorece à reflexão sobre os usos da língua, através de atividades epilingüísticas;
- favorece à reflexão sobre a organização do sistema da língua;
- favorece à reflexão metalingüística.
5. Critérios de análise do PNLD relativos ao trabalho com o vocabulário
PNLD – Ensino Fundamental (1o e 2o ciclos)
- Observar se há:
- exploração contextualizada do vocabulário
- exploração de conhecimentos morfossintáticos
Além desses critérios, levamos também em consideração as teorias referentes
a cada um dos aspectos analisados (concepções de texto – e leitura –, gramática e
vocabulário), assim como também o posicionamento teórico de autores que trabalharam com
esses aspectos e com o material didático em si.
Afora esses autores, ainda podemos citar as propostas dos PCN-LE (1998),
que surgiram no final da década passada, na busca de uma mudança de paradigma no ensino
de línguas estrangeiras, que, apesar das criticas que já receberam (e vêm recebendo) (cf.
CRISTÓVÃO, 1999; SOUSA, 1999; BARBOSA, 2001; FERREIRA, 2006), ainda é um
documento que aponta para uma nova prática de ensino de línguas que vai de encontro a toda
uma prática pedagógica centrada num tradicionalismo que se volta única e exclusivamente
para o lingüístico, esquecendo o social.
Uma vez decidido de que ponto de partida iríamos nortear nossa análise,
passamos para a análise em si, que se deu através de atividade por atividade, texto por texto
do material coletado. Como a análise se centrou nos três aspectos, só foi analisado o
conteúdo referente a cada aspecto por vez. Assim, no item referente ao texto, analisamos
apenas os textos (e sua respectiva abordagem) presentes no material das quatro professoras,
deixando para as análises seguintes as atividades referentes à gramática e ao vocabulário.
Capítulo 4: Análise do material didático
Este capítulo encontra-se dividido em quatro partes. Na primeira, analisamos,
através da entrevista cedida e do próprio material, as fontes utilizadas na confecção do
material das três professoras, a forma de acesso a esse material por parte do aluno e os
conteúdos enfocados nesse material. As três partes seguintes trazem a análise dos conteúdos
texto/leitura, gramática e vocabulário.
A análise referente ao conteúdo (seções 4.2, 4.3 e 4.4) foi norteada da seguinte
forma: o material foi analisado a partir dos três aspectos (texto, gramática, e vocabulário,
partindo, então, do mais geral para os níveis mais específicos), sendo, analisado primeiro o
material das três professoras no que diz respeito ao texto/leitura e, em seguida, o material das
três professoras no aspecto gramatical e, por fim, o material das três no tocante ao
vocabulário. Como não é objetivo nosso comparar o trabalho realizado pelas três professores,
preferimos, então, enfocar os aspectos, trabalhando um de cada vez. Ao final de cada seção
de análise é feita uma síntese retomando o que foi visto no que diz respeito ao aspecto
enfocado no material das três professoras.
4.1. Materiais didáticos: formas de acesso por parte do aluno, fontes e
conteúdos
FORMAS DE ACESSO AO MATERIAL POR PARTE DOS ALUNOS Inicialmente, perguntamos às professoras que material didático a escola em
que elas trabalhavam oferecia a elas e a seus alunos. Todas responderam que a escola oferece
essencialmente: “giz, quadro, papel e estêncil”.
Professora A: O quadro de giz. Texto datilografado. Quadro e texto,
somente. (perg. n. 2.2)
Professora B: Só o quadro, o giz, o estêncil e o papel. (perg. n. 2.1)
Professora C: Quadro, giz, o estêncil e o papel. Nem sempre estêncil e papel,
mas nem sempre tão disponíveis. (perg. n. 2.1)
A professora C também afirmou ter usado, mas não com freqüência,
fotocópias, vídeo, micro-system, mapa e, até, um teclado para ensinar o alfabeto (vale
lembrar aqui a definição de material didático dada por Lajolo (1996) que o vê como um
“conjunto de objetos envolvidos nas atividades-fim da escola”, englobando tudo o que o
professor utiliza para fins pedagógico):
Professora C: Raramente através de xérox. No geral, através do quadro.
(perg. n. 2.2.5)
Professora C: Já usei vídeo, já usei um mapa (um mapa em português),
coisas do dia-a-dia, o teclado do computador. Só o teclado mesmo, pra eles
aprenderem o alfabeto, aí eles digitavam o alfabeto. Nem sempre tem as
coisas acessíveis. (perg. n. 2.3)
Já a professora B afirmou não utilizar outros recursos pedagógicos, como
micro-system e vídeo-cassete/DVD player devido à escola não disponibilizá-los, porém já
tentou trabalhar antes, pedindo aos próprios alunos que trouxessem tais recursos, entretanto,
com a dificuldade encontrada, sentiu-se frustrada e acabou não mais querendo trabalhar com
esses recursos pedagógicos:
Entrevistador: Mas em relação a vídeo, som...
Professora B: Não, porque a escola também não disponibilizava isso. Na quinta série, eu trabalhei ainda com alguns vídeos mas era muita contra‐
mão porque tinha que algum aluno que tivesse alguma televisão, um outro que tivesse um vídeo e a sala de aula tivesse disponível... era meio contra‐
mão. (perg. n. 2.3.1) A tabela (1), abaixo, mostra os materiais didáticos que as professoras disseram
utilizar em sala de aula, dividindo-os em “mais freqüentes” e “menos freqüentes”.
Tabela 1: Materiais didáticos utilizados pelas professoras
1. Mais freqüentes
2. Menos freqüentes
Professora A
Professora B
Professora C
Giz, quadro, papel e Giz, quadro, papel e Giz, quadro,
estêncil
estêncil
Panfletos, cópias
papel e estêncil, vídeo,
(não citou outros)
microsystem,
cópias,
mapa, teclado
Com a escassez de materiais e recursos didáticos, as professoras acabam tendo
seu trabalho limitado e descaracterizado, tendo que, conseqüentemente, reduzir o conteúdo
programático, como podemos atestar tanto pelo discurso de uma das professoras, como pela
pouca quantidade de material cedido por elas (que deveria corresponder a tudo que
trabalharam no primeiro bimestre do ano letivo de 2005 – vide Anexos):
Professora C: Ele [o aluno] tem que copiar tudo. É uma perda de tempo
muito grande, porque você perde as características de tudo que você tá
copiando, e tempo. (perg. n. 2.2.5)
Já a escola (Estadual) da professora A possui uma máquina copiadora, porém
a mesma não é utilizada por ninguém, encontra-se parada devido a uma burocracia que a
professora não consegue entender:
Professora A: A Secretaria mandou uma copiadora, mas tá lá engavetada,
ninguém usa. Não sei porque o diretor não quer, já botou mil desculpas pra
não botar essa maquina pra funcionar, diz que são muitas cópias e tem que
ter uma pessoa específica pra aquela máquina. (perg. n. 2.6.1)
A professora B chegava a tirar cópias do material a ser utilizado, pagando ela mesma por essas cópias, como fez com
a atividade-texto sobre horóscopo presente no material analisado.
Tentando fugir à falta de material didático (mais especificamente de livro didático), a professora C afirmou já ter
preparado uma apostila para ser trabalhada em sala de aula com seus alunos, porém, acabou esbarrando nas condições financeiras dos
alunos, que fazia com que apenas metade da turma tivesse acesso ao material.
Professora C: Tentei preparar um material outro ano, uma espécie de
apostila com vários exercícios. Metade da turma tinha, metade da turma não
tinha, então, ficou pior ainda. Porque eu tinha que atender àqueles que
tinham tirado a cópia desse material e a metade que não tinha, então, ficou
pior, de certa foram, pois tinha que agradar os dois lados (risos). (perg. n.
2.6.1)
Fontes e confecção do material
Com a escassez de material e sem a presença de um livro didático, as professoras partem, então, para a confecção do
seu próprio material, que se dá, majoritariamente, através de livros didáticos:
Professora A: Dos meus livros, dos livros didáticos, a gente fica fazendo
pesquisa e prepara pra eles e leva. (perg. n. 2.2.1)
Professor B: Eu tirava muita xérox dos livros que eu tinha e também usava
muito material da internet. (perg. n. 2.2)
Professora C: De livros didáticos que tenho. Ou, às vezes, de uma revista, da
internet... Mas geralmente de livros didáticos. (perg. n. 2.2.1.)
A tabela abaixo mostra as principais fontes de onde as professoras retiram material para utilizar em sala de aula. Vale lembrar
que o que está descrito diz respeito ao que a professora trabalha em sua prática como um todo e não apenas ao que fora trabalhado no
primeiro bimestre do ano letivo.
Tabela 2: Fontes da confecção do material utilizado pelas professoras em sala de aula
Fontes mais utilizadas
1. Retiram o material de um ou mais
Livro didático
Professora A
X
Professora B
Professora C
X
X
2. Retiram o material de outras fontes
que não só o LD
X
X
3. Criam as suas próprias atividades
X
X
No material analisado, pudemos perceber a presença majoritária do LD por trás das fontes das professoras. Com exceção de um
único texto retirado da Internet pela professora B e ainda de algumas atividades criadas, a priori, pelas próprias professoras, todas as
outras atividades e textos foram retirados de LDs. Isso demonstra que o LD ainda é o principal suporte para a confecção do material
por parte dessas professoras, fazendo com que ele esteja presente nas salas de aulas mesmo quando não é distribuído às escolas.
Tabela 3: Quantidade de atividades elaboradas pelas professoras
Quantidade de atividades criadas.
1. Professora A
2. Professora B
3. Professora C
0
4 de 9
6 de 6 (aqui não estão incluídas as atividades de
compreensão dos textos)
A seguir, temos um panorama geral da fonte dos LDs utilizados por essas professoras no primeiro bimestre do ano letivo de
2005.
Material da professora A
A professora A teve como fonte para todos os exercícios propostos no seu
material o livro da coleção A New Practical English Course - Book 3 (s/d), de autoria de
Edgar Lapporta, livro de caráter estruturalista que “visa oferecer ao estudante condições de
treinar sistematicamente estruturas básicas da língua inglesa e adquirir o domínio desse
idioma...”(s/p). Essa coleção apresenta, em todas as suas unidades, a seguinte estrutura: um
diálogo introdutório que serve de pretexto para o tópico gramatical, seguido das regras do
assunto gramatical a ser abordados e vários exercícios que visam treinar o tópico gramatical.
Dizendo-se, seguir a lingüística moderna, o autor aponta o seguinte, na apresentação do
livro:
Segundo a lingüística moderna, o importante no aprendizado de um idioma
estrangeiro é assimilar estruturas, o que só se obtém por meio de muitos
exercícios orais e escritos. Para isso, as atividades de estruturas, nesta
coleção, foram amplamente exploradas, porém de uma maneira gradativa.
Esse livro não vem acompanhado de um manual do professor, as informações
para o professor resumem-se a um pequeno texto de meia-página que trata, em linhas
bastante gerais, dos objetivos e método do livro (ver Anexo A1).
O conteúdo trabalhado no material da professora A (Anexo A) aborda o tempo
verbal Presente Simples da língua inglesa, que, segundo a professora, foi repassado para os
alunos através de cópias no quadro. A professora informou que, inicialmente, copiou as
regras do tópico gramatical (que não foi retirado, a priori, de livro nenhum, pois a mesma já
sabia as regras do assunto gramatical memorizadas), passando, em seguida, a copiar os
exercícios, de base estruturalista, retirados do livro supracitado.
Ao todo foram cinco exercícios, destes, dois lidavam com tradução (Passe as frases para o inglês); um para
completar com verbos auxiliares na negativa (don’t e doesn’t) e mais dois para transformar frases da afirmativa para a interrogativa.
Afora isso, a professora também afirmou ter copiado para os alunos uma lista de advérbios de freqüência, que seriam os mais utilizados
com o tempo verbal do presente simples.
Material da professora B
O material coletado da professora B (Anexo B) foi retirado das seguintes
fontes: os exercícios iniciais do que fora visto no ano letivo anterior (o primeiro para passar
as frases para o passado, utilizando-se do verbo to be; o segundo para completar com a forma
adequada dos verbos no tempo presente simples; e o terceiro para associar as características
em inglês com pessoas), foram criados pela própria professora. A atividade-texto, que abre o
bimestre (sobre os signos do zodíaco), foi retirada e adaptada de um site na Internet
(http://www.astro-uk.dircon.co.uk/sun_signs.html), que tem por objetivo apresentar a
previsão astrológica para cada signo, não se constituindo em um site de ensino de línguas.
Desta forma, a professora adaptou o texto, transformando-o numa atividade. As demais
atividades sobre adjetivos foram retiradas de um livro didático, intitulado Smart English Book 7 (2002), de autoria de Ângela Sulzea Augusto e Graça Bazanto Pantaleão, assim
como também, o tópico gramatical “advérbios de maneira”, mais um exercício sobre esse
assunto.
O livro utilizado pela professora informa, em sua Justificativa Metodológica
(no Manual do Professor), que “visa atender a necessidade de mudanças no aprendizado de
língua estrangeira propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)” (p. 4), tendo o
texto como ponto de partida para a construção do conhecimento lingüístico. Seu objetivo
seria então capacitar o aluno na leitura em língua inglesa, utilizando-se para isso dos mais
diferentes gêneros textuais. A gramática é trabalhada no item “Grammar in context”, que
aparece numa seção maior ao lado do vocabulário. Na parte do manual do professor, os
autores aconselham os professores a “induzir o aluno (ou um grupo) a refletir sobre a
informação que lhe é apresentada.” (p. 5, vide Anexo B1)
Porém, uma breve análise do livro já traz à tona algumas contradições, apesar
do enfoque ser na leitura, como pregam os PCNs, o material é mais composto por atividades
de vocabulário e gramática. Na primeira unidade, nos deparamos com três pequenos textos
na primeira página da unidade, mais dois pequenos textos na nona e décima páginas, ficando
as outras nove páginas dedicadas à gramática, que por sinal seguem, em sua grande maioria,
os moldes tradicionais estruturais: assunto do tópico gramatical acompanhado de vários
exercícios sobre o mesmo.
Material da professora C
O material da professora C (Anexo C) apresentou, inicialmente, alguns
exercícios de revisão, enfocando vocabulário visto no ano letivo anterior: como números,
países e nacionalidades. Essas atividades não tiveram uma fonte em específico, a professora
disse ter ela mesma preparado as atividades.
Após esses exercícios, aparece o texto “Where are English words from?”, que
foi retirado do livro New English File – Student’s book 1 (2005), de autoria de Clive Oxeden
e Paul Seligson. Destinada a alunos iniciantes que estão querendo aprender o idioma inglês,
essa coleção é mais voltada para a realidade de estudantes de cursos de idiomas. O livro dá
ênfase à conversação, com simulação de situações reais, e à leitura (utilizando-se de
estratégias que levam os alunos a compreenderem melhor um texto). Após o trabalho com
esse texto, o material didático utilizado pela professora apresenta uma listagem enfocando o
campo semântico “membros da família”, seguido de uma árvore genealógica e exercícios nos
quais os alunos teriam que fazer a árvore genealógica da sua família e de personagens
fictícios. Nesse momento, o aluno estaria trabalhando o conteúdo gramatical “possessive
case” sem que esse material viesse a apresentar nenhuma regra ou exercícios estruturais, o
que denuncia ensino implícito da gramática (ELLIS, 2006).
O restante do material é composto por dois outros textos, “Energy from the
sun” e “Scorpio” que foram retirados do livro Inglês instrumental. Estratégias de leitura –
Módulo 1 (2000), de autoria de Rosângela Munhoz. Esse livro tem por objetivo ensinar os
alunos as estratégias de leitura, tendo como centro o trabalho com os diferentes gêneros
textuais (apesar de o termo “gênero textual” não aparecer explícito no livro). O livro segue,
então, a abordagem do ensino instrumental de língua inglesa comum nos anos 80 e 90, com
ênfase no ensino das estratégias de leitura.
Vale lembrar que apenas foram retirados os textos desses livros, as atividades
referentes a esses textos e as referentes à gramática e vocabulário foram criadas pela
professora, que, assim como a professora B, a priori não retirou de livro algum. Da mesma
forma que o material da professora A, todo o material da professora C foi copiado no quadro.
Conteúdos enfocados no material
No que diz respeito ao conteúdo trabalhado no material das três professoras, o enfoque recaiu mais sobre a gramática,
(todos os três materiais trouxeram atividades que abordam esse aspecto), seguido de vocabulário e de texto.
Tabela 4: Conteúdo trabalhado pelas professoras em seu material
Aspectos
Professora A
Professora B
Professora C
1. Texto
-
X
X
2. Gramática
X
X
X
3. Vocabulário (de forma
direta ou indireta)
X
X
X
Das três professoras, a professora A foi a única que não trabalhou com texto, pelo menos naquele bimestre, sendo,
então, a única a não ter seu material sustentado pelo tripé texto-gramática-vocabulário, porém, a mesma, em seu discurso, confirmou
também trabalhar com texto, o que aponta que, apesar de seu material não apresentar tal aspecto, a prática dessa professora também é,
supostamente, sustentada pelo tripé supracitado.
Entrevistador: Que aspectos da língua estrangeira não podem faltar em um
MD?
Professor A: Acho que o texto, né? Porque pra dar a gramática solta... (perg.
n. 2.8)
Ao indagarmos as professoras sobre o porquê de utilizarem mais materiais retirados de livros didáticos, as professoras
B e C foram objetivas ao dizerem que é devido à facilidade, à disponibilidade e à acessibilidade a esse material.
Entrevistador: Por que exatamente esse material [o retirado de livro
didático]?
Professora C: Posso usar outro, já usei textos da internet também. Mas pela
facilidade, pela disponibilidade, pela acessibilidade ao material e a
acessibilidade dos textos. Alguns textos são bons. (perg. n. 2.2.3)
Professora B: Porque era um material de mais fácil acesso pra mim... (perg.
n. 2.2.2)
Questionadas como chegaram até àquele material, ou seja, como elas conseguiram o material que usam em sala de aula, no que
diz respeito, principalmente, aos LDs, todas foram unânimes em responder que os conseguem em editoras de livros didáticos da cidade,
apesar de terem dificuldade para obtê-los.
Professora A: Na editora. Na editora, eles dão. (...) Eu gosto muito dos livros
da Ática e é a única editora que a gente ainda consegue alguma coisa, aqui
em Campina, só. (pergs. n. 2.2.2. e 2.2.3)
Professora B: O material dos livros eu conseguia através das editoras.
Algumas editoras me cediam – não são todas as editoras que cedem. (perg. n.
2.2.1)
Professora C: Através de representante. Às vezes, eles entregam. Eu tenho
muito pouco. Porque como os livros de inglês não são adotados na escola
pública, eles não têm interesse em divulgar os livros. Mas como houve,
recentemente, essa idéia de ter livro didático na escola pública daqui, as
editoras vieram nos procurar (risos) (perg. n. 2.2.2)
A falta de recursos acaba fazendo com que as professoras fiquem na
dependência dos livros fornecidos pelas editoras, que, na maioria das vezes, não querem
ceder livros aos professores de escolas públicas, por estas não os adotarem. Se atentarmos
para o fato de que não existe, para os livros de língua inglesa, uma avaliação feita pelo
PNLD, como há para os livros de língua portuguesa, matemática, história etc, a questão
torna-se mais grave. Sendo assim, essas professoras acabam utilizando livros que não
passaram por nenhum critério de avaliação, ou livros que, muitas vezes, dizem estar “de
acordo com os PCN”, quando na verdade não condizem com essa realidade14. Sem uma
avaliação e sem dispor de outra forma de conseguir livros (pois a própria escola não os
oferece), as professoras acabam restringindo o leque de opções de material, pois dependem
dos livros cedidos pelas editoras, fazendo com que essas professoras, muitas vezes, utilizemse de material duvidoso e, talvez, ultrapassado, por falta de quem os avalie.
De posse desses livros, as professora se vêem diante de dois caminhos: copiar ipsi litteris o conteúdo do livro didático
ou fazer adaptações: modificando, ampliando, diminuindo ou criando as atividades, como podemos perceber pelos depoimentos das
professoras:
Professora A: Eu escolho o texto de acordo com o nível do aluno, vejo se os
exercícios dão pros alunos acompanharem e copio exatamente como está no
texto. Eu tiro os que eu vejo que os alunos não acompanham. (perg. n. 2.2.4)
Professora B: Sim eu crio as atividades. Eu, a partir do texto, do gênero, eu
tento criar as atividades ou adaptar do livro. (perg. n. 2.4)
Professora C: De acordo com o nível da turma eu vejo a atividade no livro.
Mas, às vezes, eu não quero copiar do mesmo jeito. Então, eu tiro algumas
idéias e acrescento pensando mais no nível. Às vezes o livro tem só três itens
de um exercício, aí eu gostaria que tivesse dez. Então ele tem 15 itens e dali
14
Sobre esse assunto, ver texto “O ‘De acordo com os PCNs’ numa coleção de livros de inglês”(Dourado,
2004).
aproveito só três. Eu adapto. Mas a maioria deles eu crio. Eu tiro algumas
idéias dos livros e o restante eu crio. (perg. n. 2.4.1)
Porém, em suas adaptações e criações de atividades, as professoras acabam
incorrendo nos mesmos erros dos livros didáticos. Vejamos um exemplo retirado do material
da professora C, que se utilizou de dois textos: “Energy from the sun” e “Scorpio”. Estes
textos foram retirados do livro Inglês instrumental. Estratégias de leitura – Módulo 1, como
o próprio nome diz, o livro tem por objetivo ensinar os alunos as estratégias de leitura (ver
Anexo C1).
Após copiar os dois textos no quadro (ver anexo C), a professora pede para:
1. Sublinhar as palavras cognatas dos dois textos (palavras idênticas ou
parecidas com o português).
Logo após, a professora lista as principais palavras que aparecem nos dois textos, com sua respectiva tradução para português,
pedindo, em seguida, para que o aluno:
Traduza os textos acima.
O livro usado como fonte pela professora está centrado em teorias do tipo
interacionistas, que alia os modelos ascendentes e descendentes de leitura. Os dois textos
supracitados foram retirados da unidade 2 do livro que tem por objetivos: “1) comparar
diferentes tipos de textos observando o layout, a fonte etc; 2) Praticar as estratégias de
leitura: ‘skimming, ‘scanning’, ‘prediction’ etc” (p.19). O livro apresenta várias atividades
no intuito de desenvolver as estratégias de leitura, porém a professora decidiu ignorar o
trabalho com as estratégias retirando de lá apenas os textos e, “criando” outras atividades,
talvez no intuito de tentar “facilitar” o trabalho por parte do aluno.
Embora todas as três professoras tenham afirmado levar em consideração as
necessidades dos seus alunos, no momento da preparação do material, o que se percebeu foi
que elas parecem estar apenas preocupadas se o conteúdo que irão ministrar será “adequado”
aos seus alunos, ou seja, se não darão um tópico gramatical ou um texto que não esteja acima
do nível de conhecimento dos alunos. Como nos deixa claro a professora A: “O nível dos
alunos era fraco pra texto, aí eu começava logo por gramática, com a gramática mesmo,
entendeu?”. Ou ainda a professora B que inicia sua fala dizendo que parte dos alunos, mas
que no final deixa claro que está mais preocupada mesmo com o “programa” que ela deve
seguir.
Professora A: Eu escolho o texto de acordo com o nível do aluno, vejo se os
exercícios dão pros alunos acompanharem e copio exatamente como está no
texto. (perg. n. 2.2.4)
Professora B: Eu ia a partir da curiosidade dos alunos. Primeiro era a
motivação deles, o que eu achava que ia interessa a eles num gênero, um
assunto, alguma coisa que pudesse interessa-los aí eu fazia minha aula
pensando nisso e considerando também o programa geral, porque eu
pensava assim: se eles saírem da minha turma o ano que vem eles vão
encontrar um professor que de alguma maneira vai cobrar isso, aí eu
pensava nisso também. (perg. n. 2.2.3).
Professor C: Várias fontes. Eu preparo... Tem um conteúdo a ser seguido,
mas cada turma tem um andamento diferente. (perg. n. 2.2.4)
Ao retomarmos os quatro momentos que devem estar presentes durante a produção de
material didático, Leffa (2003) aponta que o professor deve levar em consideração “as
características pessoais dos alunos, seus anseios e expectativas”; o PNLD (referente à
língua portuguesa) aponta que o material deve contribuir para a construção da ética
democrática e plural; já os PCN-LE criticam professores que priorizam o
desenvolvimento apenas da habilidade escrita, pois ela não decorreria da necessidade
primeira dos alunos (p.12), as necessidades seriam então: “o desenvolvimento de
capacidades, em função das necessidades sociais, intelectuais, profissionais, e interesses e
desejos dos alunos”. (p. 65)
As professoras também foram indagadas sobre métodos e abordagens que
utilizam em suas aulas. Quando indagada em que método ou abordagem de ensino se
incluiria, a professora A reconheceu ser tradicional:
Entrevistador. A partir do seu material e de sua atuação em sala de aula, em
que método ou abordagem de ensino você se incluiria?
Professora A: Eu sei que meu método tá muito antigo. (risos) É daqueles
métodos antigos mesmo. Primeiro que a gente aprendeu muita coisa boa no
PIMEI, as coisas do PIMEI são boas pra quando tem poucos alunos. Mas a
quantidade de alunos que a gente tem hoje, o que a gente aprendeu não dá
nem pra aplicar. Aí eu fico naquele meu método antigo. De quando eu
terminei meu curso, em 79, quando eu aprendi. Apesar de eu ter feito o
PIMEI que é muito bom. Foi onde eu aprendi muita coisa, mas a dificuldade
que a gente tem não tem material e a turma enorme. Aí eu fico mais no
tradicional mesmo. (perg. n. 2.12)
Diante da realidade de seu ensino, a professora A disse preferir ser tradicional
(o que é totalmente condizente com seu material), pois as novas propostas não parecem se
adequar à realidade de suas salas de aulas.
A professora B disse seguir a abordagem comunicativa (mas apenas no
trabalho com vocabulário é que podemos observar um pouco de comunicativo no material
dessa professora (vide seção 5.4). No trabalho com o texto, ela chega a usar textos não
autênticos (as duas pequenas atividades-texto), o que vai de encontro às propostas da
abordagem comunicativa). Ela afirma não trabalhar nos moldes tradicionais (Gramática e
Tradução), por não trabalhar com tradução em seu material.
Professora B: Eu me considerava abordagem comunicativa, porque não teria
nem recursos pra fazer o áudio-lingual e da gramática-tradução raramente
eu trabalhava com tradução na realidade. Então, era mais a questão da
abordagem comunicativa. (perg. n. 2.12.1)
Já a professora C disse utilizar-se de três tipos de abordagens: estrutural,
“abordagem de leitura de texto” e comunicativa. A posição estrutural/tradicional pôde ser
percebida através do trabalho com texto e vocabulário (apesar de ela dizer que foi tradicional
no trabalho com a gramática) (vide seções 5.2 e 5.4); a abordagem comunicativa através do
trabalho com a gramática (que se deu de forma internalizada) (vide seção 5.3); já a
abordagem de leitura de texto deixou muito a desejar, o material da professora não vai além
do ensino da estratégia das palavras cognatas. O material da professora C encontra-se
bastante distante de um trabalho com a abordagem de leitura.
Professora C: Algumas vezes, estaria dentro do... estruturalismo.
Estruturalismo puro mesmo. As pessoas têm medo de usar essa palavra. Mas
é uma teoria complexa que foi estudada e tal. Parte-se de estruturas e morre
nelas. Aí, o que é que eu tento fazer pra não ficar seco? Tentar adequar à
realidade de cada turma, de cada sala de aula. Uso também a abordagem de
leitura de texto, essa abordagem atual, que fala você ler um texto, ter a
leitura como um processo e não como um produto, também uso isso aí. Uso
a Abordagem comunicativa, nas séries iniciais em que os alunos têm que
realmente falar, mas estruturas simples, às vezes trabalho, depende. (perg. n.
2.12)
Apesar de tímidos avanços (como o da professora C no trabalho com a
gramática e algumas atividades da professora B, como o trabalho feito com o texto
horóscopo na aula anterior ao trabalho com este texto por escrito), o material das professoras,
no geral, se apresentaram tradicional/estrutural.
4.2. O texto escrito no material didático e o discurso das professoras
PROFESSORA A: “O NÍVEL DOS ALUNOS ERA FRACO PRA TEXTO, AÍ EU COMEÇAVA LOGO POR GRAMÁTICA” O material da professora A, composto por uma lista de advérbios de
freqüência mais cinco exercícios referentes ao assunto “presente simples”, não apresentou
nenhum texto, somente exercícios gramaticais. A ausência de textos evidencia uma prática
de ensino Tradicional centrada na língua como código, na qual a ênfase recai sobre a
gramática e a tradução, sendo totalmente de base estruturalista. Esse enfoque estrutural do
material vai de encontro às teorias que têm o texto como centro do processo
ensino/aprendizagem e ao que pregam os PCN-LE e o PNLD. Este último, como já apontado
na Fundamentação Teórica deste trabalho, afirma que a leitura deve ser encarada como “uma
situação efetiva de interlocução leitor/autor de leitura em seu universo de uso social”, deve
colaborar “para a reconstrução dos sentidos do texto pelo leitor, não se restringindo à
localização de informações”; ou ainda desenvolve “estratégias e capacidades referentes à
proficiência que se pretende levar o aluno a atingir e ao gênero ou tipo de texto trabalhado”
(p. 64).
A falta de textos em materiais de língua é revelador do quanto ainda estão
distantes muitos professores das novas concepções de texto como a sócio-interacionista e a
discursivo-desconstrutivista. Isso evidencia uma verdadeira “fetichização” do conteúdo
gramatical em detrimento de qualquer outra abordagem do conteúdo, como nos apontou
Geraldi (2003), em seu livro Portos de Passagem. Isso é por demais preocupante, pois torna
o ensino/aprendizagem sem objetivos claros quanto ao ensino de língua, tornando-o cada vez
mais distante da realidade do aluno.
Apesar da ausência de textos no material desta professora (que faz com que
seu
material
seja
o
único,
dos
três,
a
não
estar
ancorado
no
tripé:
gramática/texto/vocabulário), a professora A confirmou, como visto na análise anterior (5.1),
em sua entrevista, trabalhar, além da gramática e do vocabulário, com o texto, o que nos faz
pressupor que ela também faz um trabalho ancorada nesse tripé supracitado:
Professora A: Acho, porque o texto enriquece mais o raciocínio deles, pra
ver se eles sabem trabalhar com texto, pegar aquele texto ler e responder,
entender aquelas questões todas. Vem aqueles sinônimos, aqueles... tirando
tudo do texto. (perg. n. 2.9.1.1)
Em seu discurso, a professora A mostra valorizar mais o texto do que a
gramática, o que se contradiz com seu material que só apresenta atividades voltadas para este
aspecto. Quando questionada sobre o porquê de não ter trabalhado nenhum texto em seu
material, ela responde que isso se deu devido ao nível dos alunos:
Entrevistador: No material que a senhora me entregou, ele não apresentou
nenhum texto? Teve algum motivo pra não apresentar nenhum texto?
Professora A: É por causa do nível da turma. Esse ano eu tô trabalhando
mais com texto, pelo menos na oitava série. O nível dos alunos era fraco pra
texto, aí eu começava logo por gramática, com a gramática mesmo,
entendeu? Aí depois eu colocava um texto que tinha aquele assunto da
gramática. Mas depois que eu tivesse explicado logo a gramática. (perg. n.
2.9.1.)
Ao culpar o nível dos alunos pelo não uso de textos em sala de aula, a
professora A tenta justificar seu trabalho mais voltado para a gramática. Porém, sabemos que
não existe um nível para começar a trabalhar com o texto e os PCN-LE apontam que o
trabalho com a leitura deve se dar desde as séries iniciais do ensino fundamental. O que não
justifica, então, não se trabalhar texto e leitura com alunos iniciantes.
A professora A afirma, ainda, trabalhar com textos, contudo essa forma de se
trabalhar com textos se dá nos moldes tradicionais, como fica evidente em seu discurso, pois
ela afirma utilizar o texto como suporte para o ensino de gramática, como podemos perceber
no excerto abaixo:
Professora A: Pelo menos que dê a gramática antes e depois ter que dar um
texto que tenha aquele assunto que ele abordou de gramática. Pra ver se eles
aprendem mais, se não fica um negócio tão solto. (perg. n. 2.9.4)
O PNLD, assim como também os PCN-LE e vários estudiosos da área de
texto e leitura, criticam a utilização do texto como pretexto para o ensino de gramática ou
vocabulário. O PNLD afirma que a escolha dos textos deve se dar pela “qualidade da
experiência que possa propiciar e não, pela possibilidade de exploração de algum conteúdo
gramatical” (p. 62-63).
Os textos que a professora A diz trabalhar com seus alunos partem, segundo
ela, de assuntos que os alunos já conhecem, que fazem parte da realidade deles, no intuito de
facilitar a leitura e a tradução do mesmo.
Professora A: Eu gosto de dar um texto de um assunto que eles conheçam.
Na realidade mesmo, porque facilita muito, né? (...) pra facilitar mais o
entendimento do texto, a tradução, tudo. (perg. n. 3.5.3)
O uso de textos com assuntos que os alunos já conhecem no intuito de ajudálos na leitura é apontado tanto pelo PNLD quanto pelos PCN como algo positivo. Porém,
podemos notar no discurso da professora que esse “facilitar” ou “entender” o texto resume-se
à “tradução”, é como se para chegar ao entendimento o aluno tivesse primeiro que passar por
uma tradução literal do texto, visão essa própria do método da Gramática e Tradução, ou
seja, de uma abordagem tradicional de ensino.
Em seu discurso, essa mesma professora ainda afirma que o trabalho com o
textual não se daria ao nível da superfície do texto (próprio do modelo estrutural de leitura),
no entanto, ela diz preferir perguntas mais profundas que levem o aluno a pensar (o que não
pôde ser atestado por falta desse tipo de corpus no material cedido por essa professora).
Professora A: Eu não gosto muito daquelas perguntas diretas, que o a aluno
vê lá no texto e... perguntas que dêem mais um trabalho pra ele entender, pra
ele responder e raciocinar mais, do que aquelas perguntas diretas que ele
olha no texto, responde e já sabe logo. Pra ver se ele raciocina mais, pra ele
pesquisar mais o texto, pra ele entender mais o texto. (perg. n. 3.5.3)
Se o trabalho com o texto em si não surgiu no material da professora A, o que
dizer então do trabalho com os gêneros textuais? Sem muitas referências ao assunto, ela
limitou-se a dizer que apenas trabalha alguns “tipos de textos” com seus alunos da 7a e 8a
séries.
Entrevistador: Quando você trabalha texto, você trabalha tipos diferentes de
textos, gêneros?
Professora A: Eu trabalho texto a partir da 7a e 8a. (...) Eu dou à 7a e à 8a
quase os mesmos tipos de textos. (perg. n. 2.9.2)
Quando questionada sobre as estratégias de leitura, a professora afirmou trabalhá-las,
porém mostrou uma visão limitada e superficial do que seja trabalhar com estratégias,
apontando que o faz da seguinte forma:
Professora A: ...mando eles fazerem leitura silenciosa, vê se ele tira a idéia
geral do texto, se for um texto mais do conhecimento dele, um texto mais
atual.(perg. n. 2.9.3)
Pedir ao aluno que leia em silêncio um texto ou pedir para retirar do texto as
idéias principais vem ferir o que postulam os PCN-LE, quando estes afirmam que “os
significados não estão nos textos; são construídos pelos participantes do mundo social:
leitores, escritores, ouvintes e falantes” (p. 32), não se constituindo, assim, em estratégias de
leitura.
Como o trabalho com a leitura e o texto é um dos pontos mais discutidos nos
PCN-LE, foram feitas também perguntas à professora sobre o conhecimento que tinha desses
documentos. Quando questionada sobre se já os conhecia ou lera, ela hesita e não lembra se
já ouvira falar dos PCN:
Entrevistador: Você conhece os PCNs de LE?
Professora A: Não. Nunca li. (perg. n. 3.5)
Entrevistador: No PIMEI, vocês não leram não?
Professora A: Não me lembro não. (...) Eu já ouvi falar, e eu tô querendo me
lembrar, acho que tou fazendo confusão (...) Eu não tô lembrada agora não.
(perg. n. 3.5.1)
O total desconhecimento da professora A sobre os PCN é preocupante, uma
vez que esses documentos (que servem de diretrizes para o ensino regular nacional) eram
para ter tido uma forte penetração nas escolas públicas, já que eles chegaram, de certa forma,
para
quebrar
o
paradigma
clássico
do
tradicional
trabalho
voltado
para
a
gramática/vocabulário/tradução.
Entretanto, durante toda a entrevista da professora A, pudemos perceber que a
mesma sempre colocava o texto em primeiro lugar (apesar de seu material apontar noutra
direção), o que pode ser um indício de que, apesar de não ter tido contato com os PCN ou
teorias mais recentes de trabalho com texto e leitura, essa professora acaba adotando o
discurso da valorização do trabalho com o texto (mesmo que ela não saiba como isso deva se
dar), muito presente em nossa atualidade.
Entrevistador: Os PCNs, eles procuram enfatizar mais o texto, você concorda
com isso?
Professora A: Concordo. (perg. n.3.5.2.)
A falta de texto no material da professora A retrata bem o quanto ainda há
muitos professores que, mesmo sabendo ou dizendo valorizar o texto e a leitura, ainda
incorrem por um ensino tradicional de gramática explícita, desprezando o trabalho com texto
e os gêneros textuais, e, conseqüentemente, língua(gem) como prática social.
Professora B
“pra mim, trabalhar língua sem trabalhar texto
não é trabalhar língua.”
O material da professora B (que foi quase todo coletado a partir do caderno de
um dos alunos da turma), no que diz respeito ao textual, encontra-se composto por três
atividades-texto15. A primeira atividade-texto consiste de um texto retirado de um site na
Internet, sobre horóscopo, que foi transformado, pela professora, em uma atividade de
relacionar colunas. As outras duas atividades-texto foram retiradas do livro Smart English, e
dizem respeito a características psicológicas de personagens fictícios.
A escolha pelo gênero horóscopo, na primeira atividade-texto, deveu-se,
segundo a professora, ao fato de a maioria dos seus alunos ser adolescente e do sexo
feminino, mostrando muito interesse por namoro, amizade e interesse pelos signos do
zodíaco em si.
Professora B: Como naquela época eu trabalhava com adolescente e a
maioria eram meninas e elas se interessam muito por essa questão de signo,
15
Tomamos por atividade-texto aquela atividade que trata de um texto que foi modificado ou adaptado para se
tornar uma atividade.
de horóscopo, previsão, namoro, amizade. A primeira motivação foi o
interesse dos alunos, o interesse que esse texto iria causar. (perg. n. 2.9.1)
Ao fazer isso, a professora B está em consonância com os PCN, quando estes
dizem que os “conteúdos referente a tipos de textos (orais e escritos) se pauta[m] por tipos
com os quais os alunos nessa faixa etária estão mais familiarizados como usuários de sua
língua materna” (p. 54), além de estar em consonância com alguns dos critérios de avaliação
do PNLD quando diz que se deve criar “oportunidades para a identificação (manifestação) do
conhecimento que o aluno já detém”, havendo aí também a “antecipação de conhecimento de
mundo”, uma vez que a professora afirmou ter trabalhado numa aula o gênero oralmente e só
na aula seguinte trouxe a atividade-texto impressa. Podemos citar ainda o fato de a
professora ter buscado material fora dos limites dos LDs, ao buscar material na Internet e até
mesmo quando pediu aos alunos para que trouxessem jornais e revistas, fugindo um pouco
ao “texto didatizado”, objetivando a “presença de textos autênticos” em sala de aula, fazendo
com que os aluno interajam com esses textos (mesmo que eles não sejam na língua-alvo em
estudo).
Segundo a professora, só depois de trabalhar oralmente o gênero horóscopo
com seus alunos (“a gente comentou muito sobre o gênero e eles trouxeram revistas, jornais,
com o mesmo gênero em português” - perg. n. 2.9.1.1) é que ela parte, na aula seguinte, para
o trabalho com a atividade-texto preparada por ela. Como se deu exatamente esse trabalho
com o gênero horóscopo, como ela afirma ter realizado, não podemos atestar (se ela
trabalhou, por exemplo, a estrutura composicional de tal gênero ou ainda discutiu sua função
social), porém alguns pontos positivos puderam ser retirados desse trabalho realizado pela
professora, como apontados no parágrafo anterior.
Abaixo, vejamos a atividade-texto que a professora B utilizou na aula seguinte
ao trabalho realizado oralmente com o gênero horóscopo.
1) Relacione as características com o signo que você acha que corresponde:
(A)
(B)
(C)
(D)
(E)
(F)
Initiative, activity, enterprise.
Mentality, versatility
Possessions, determination
Compassion, imagination, sacrifice.
Originality, humanitarianism
Conservatism, ambition.
( ) Aries
( ) Cancer
Mar 20 to Apr 21
( ) Taurus
APR 21 to May 22
( ) Gemini
May 22 to Jun 22
Jun 22 to Jul 23
()
Leo
Jul 23 to Aug 24
( ) Virgo
Aug 24 to Sep 23
(G)
(H)
(I)
(J)
(K)
(L)
()
Freedom-loving, exploration.
Secrecy, regeneration
Harmony, balance.
Analytical, practicality.
Vitality, authority
Domesticity, sensitivity
Libra
( ) Capricorn
Sep 23 to Oct 23 DEC 22 to Jan 21
( ) Scorpio
( ) Aquarius
Oct 23 to Nov 23
Jan 21 to Feb 19
( ) Sagittarius
( ) Pisces
Nov 23 to Dec 22
Feb 19 to Mar 20
(Adaptado de http://www.astro-uk.dircon.co.uk/sun_signs.html)
Se o trabalho com o gênero esteve presente na aula anterior, feito de forma
oral, o mesmo não pode ser dito do seu trabalho no material escrito. Este consta de uma
atividade-texto de relacionar colunas (criada a partir do gênero textual horóscopo pela
professora), na qual os alunos teriam que relacionar o não verbal (os símbolos pertencentes
ao doze signos do zodíaco) às características pertencentes a cada signo. O conhecimento
lingüístico necessário para a realização da atividade-texto proposta recai sobre os
substantivos abstratos, que identificam as características de cada signo.
Vale ressaltar que no trabalho com o texto, a professora buscou apresentá-lo
da forma mais fiel a sua formatação, trazendo figuras que representam cada signo, retiradas
de um site, na Internet16 (com seus devidos créditos – fonte – como sugerem tanto o PNLD
quantos os PCN-LE). Porém, essa professora utilizou o gênero horóscopo como parte
integrante de um conjunto de atividades cujo foco recai sobre os adjetivos. Abaixo, podemos
observar as atividades que seguem a atividade-texto sobre horóscopo:
2. Complete os parágrafos usando os adjetivos abaixo:
a)
MARVELLOUS REALISTIC
IMPOLITE
TERRIBLE
-
TERRIFIC
Last night, when we were at the movies the ticket seller was very
was angry because we were late. Fortunately the film was
The story was
and the authors’ perfomance was
only the music was
.
. He
.
.
b)
OUTGOING
TERRIBLE
POLITE
-
PESSIMISTIC
HARDWORKING
John has some positives traits. I can conclude he is very
. I
am sure he is an
guy. He is
, but his English is
, and he has a
view of life.
Podemos perceber claramente que a atividade-texto 2 está voltada mais para o
lingüístico em si, num trabalho com a classe de palavras adjetivos, o que reforça a
argumentação de que o objetivo é o trabalho tanto com o ensino de gramática quanto de
vocabulário. Não há nenhuma questão que suscite a discussão do gênero textual horóscopo
ou sua função social, apesar de a professora, quando questionada de como aborda o gênero
textual, afirmar que o faz segundo critérios adotados pelo estudioso russo Mikhail Bakhtin:
16
O site http://www.astro-uk.dircon.co.uk/sun_signs.html, hoje em dia, apresenta-se diferente de quando a
professora retirou o texto, em 2005. Na época, poder-se-ia encontrar as imagens simbolizando os signos do
zodíaco e, abaixo de cada figura, três palavras separadas por vírgulas que o descreviam. Hoje, ainda podemos
encontrar as figuras, mas o que vemos logo abaixo delas não são mais palavras, mas um texto descritivo das
características de cada signo.
Professora A: A melhor forma de abordar o gênero textual pra mim, é
seguindo aqueles três componentes do gênero que Bakhtin menciona, ao
tratar do gênero do discurso, que é o tema, o estilo e a constituição
composicional. Então, baseado nesses três componentes do gênero, a gente
procura trabalhar no gênero esses três pontos. (perg. n. 2.9.4.1)
Ao introduzir um gênero textual em sala de aula, alguns fatores, além desses
citados pela professora, podem ser observados também, como nos apontou Dourado (2004):
as esferas sociais em que este gênero circula, os suportes, a linguagem verbal e não verbal
(tão rica nesse tipo de texto), além de se observar também as condições de produção: quem
escreve, para quem, como e por quê; como também podemos encontrar nos critérios do
PNLD e nos PCN-LE.
A professora B (na época iniciando seu mestrado na área de Linguagem e
ensino) demonstrou conhecer teorias que lidam com o gênero textual, porém quando
questionada sobre o fato de utilizar seus textos para o ensino de gramática/vocabulário, ela
acaba culpando o quadro curricular (“ainda tem um quadro curricular, um currículo que
você tem que seguir. Isso acaba resultando nessa prática que a gente tenta evitar mas que
acaba caindo”. perg. n. 2.9.3), que a faz seguir determinados conteúdos, porém, ela é livre
para trabalhar da forma que melhor lhe aprouver, pois, na realidade, não existe um projeto ou
uma coordenação que lhe diga o que ela terá que obrigatoriamente seguir.
Entrevistador: O conteúdo e o material utilizado por você em sala de aula é
decidido por todos os professores da área ou é individualizado, cada um
prepara o seu?
Professora B: Na escola em que eu ensino, no turno em que eu ensino só tem
eu de professora de inglês. Então, só sou eu que preparo e é pra mim apenas.
Tem outros professores no turno da manhã e tarde, mas eu nem..
(ininteligível). (perg. n. 3.5)
Como vimos acima, um trabalho mais específico com o gênero em si ficou a
desejar, pelo menos na parte escrita. O que se pôde observar no material da professora B foi
que as atividades-texto presentes serviram apenas de pretexto para se trabalhar gramática e
vocabulário (mais especificamente adjetivos), como podemos atestar pelas atividades escritas
que seguem o texto, como discutido acima. Apesar de a professora ter dito que escolhera o
texto devido ao gosto dos alunos, o que podemos perceber também é que ele fora escolhido
por ser um gênero textual que lida com características (apesar de que as características
apareceram substantivadas na atividade-texto que traz o horóscopo).
Através de sua entrevista, podemos perceber que a professora B demonstrou
tentar fazer um trabalho centrado no texto (“trabalhar língua sem trabalhar texto não é
trabalhar língua”, perg. n. 2.9.2), mostrando conhecer as teorias sobre o gênero textual, o
trabalho com as estratégias de leitura (“Eu começo pelas técnicas comuns de Skimming e
scanning, daí vou pro que eles chamam de palavras cognatas, palavras transparentes,
depois inferência pelo contexto), e procurando fazer um trabalho voltado para o que pregam
os PCN, que, segundo ela, está 80% em consonância com esses documentos.
Entrevistador: Nesse seu material há algo que você destaque como seguindo
o que esses documentos pregam?
Professora B: Ah, os documentos pregam o ensino através de gêneros, apesar
de não aparecer o nome gênero, eles usam o termo tipo. E também falam de
abordagem de estratégias, sobre temas transversais. Eu procuro abordar
isso no meu material. (perg. n. 3.6.1)
Entrevistador. Mas como é que você vê seu material em relação aos PCNs?
Professora B: Eu diria que em relação aos PCNs o meu material está 80% de
acordo com os PCNs. (perg. n. 3.6.2)
Contudo, ao analisarmos o material dessa professora, podemos perceber que ele pouco se
adequa ao que os PCN propõem, apesar de a professora ter inovado no uso de uma
atividade-texto que tinha por gênero textual o horóscopo. Há muitas atividades
puramente gramaticais em seu material (como a atividade que enfoca os advérbios de
modo, vide Anexo B) e o pouco do textual que há, aparece como pretexto para o trabalho
com vocabulário e gramática (como vimos acima), o que acaba distanciando a proposta de
trabalho dessa professora da proposta dos PCN-LE. Porém, podemos dizer que o trabalho
realizado oralmente com o gênero textual horóscopo se alinha, pelo menos em dois
pontos, com o trabalho com o texto pregado pelos PCN-LE, ou seja, o uso de texto com os
quais os alunos já estejam mais familiarizados e o contato direto com textos autênticos.
Em seu discurso a professora B, quando questionada diretamente sobre ter
utilizado o texto como pretexto para o trabalho com a gramática/vocabulário, aponta o fato
de as atividades acabarem não saindo do jeito que ela queria e também por causa do
programa curricular que ela teria que seguir.
Entrevistador: No seu material, em alguns momentos, fica claro o uso do
texto como pretexto pra se trabalhar gramática/ vocabulário/ tradução, você
acha que esse é o caminho certo para se abordar um texto? Caso não, por que
você agiu assim no seu material?
Professora B: Não que seja bem o caminho certo, é que a gente tá sempre
experimentando, nunca que as coisas dão certo, da maneira que a gente
imaginou desde o início. Também além disso, ainda tem um quadro
curricular, um currículo que você tem que seguir. Isso acaba resultando
nessa prática que a gente tenta evitar mas que acaba caindo. (perg. n. 2.9.3)
isso
Para essa professora, ainda, o ensino de gramática deve ser em conjunto com
o texto, porém ela reconhece que ainda não sabe como realizar tal trabalho.
Professora B: Acho que o ensino da gramática tá no ensino de texto. Só que a
maneira que a gente trabalha não é satisfatória, essa interrelação entre o
ensino da gramática e do texto. Eu acho que deve ser em conjunto. Mas
ainda não sei como trabalhar isso de forma que eu sinta que foi de forma
bem feita. Eu ainda não sei fazer isso. (perg. n. 2.9.6).
Por fim, podemos falar um pouco da concepção de leitura presente no
material da professora B, podemos notar que ela procedeu de duas formas na leitura
(apesar de termos poucos detalhes de como se deu esse processo num primeiro momento):
a primeira (que engloba a discussão oral realizada sobre o gênero horóscopo) traz um
trabalho mais próximo do modelo interacionista de leitura, no qual, a partir do que os
alunos mostravam interesse, ela buscou trabalhar textos relacionados ao seu mundo e
vivência (ativando o conhecimento de mundo dos alunos sobre o gênero textual
horóscopo) e os fez interagir com esse gênero textual em diferentes suportes (revista,
jornal e, depois, Internet); a segunda forma de proceder com a leitura diz respeito ao
trabalho escrito realizado com a atividade-texto sobre os signos do zodíaco, que fere
muitos dos critérios listados pelo PNLD (como já apontados acima). Ou seja, nesse
segundo momento, não houve um trabalho em que a leitura ou texto fosse visto como
prática social, “que envolve escolhas por parte de quem escreve ou fala para construir
significados em relação a outras pessoas em contextos culturais, históricos e
institucionais” (PCN-LE, p. 43), assim, um texto deve ser sempre submetido a sete
perguntas: “quem escreveu/falou, sobre o que, para quem, para que, quando, de que
forma, onde?” (idem). O que pôde ser observado é que a atividade-texto tinha como
objetivo maior servir de pretexto para o trabalho com o vocabulário e a gramática, sendo
assim, o trabalho de leitura, nesse momento, se aproxima mais do modelo estrutural de
leitura.
PROFESSORA C “Mas eu não sei como trabalhar a leitura só pela leitura.
Você tem que ter estruturas que apóiem”.
No que diz respeito ao textual, o material da professora C (que, assim como o
da professora B, também foi coletado a partir do caderno de um dos alunos da turma) é
composto por três textos com exercícios referentes aos mesmos. O primeiro texto “Where are
English words from?” (copiado no quadro pela professora, o texto tinha mais ou menos o
layout abaixo) foi retirado do livro New English File 1, Student’s book, ele trata da origem
das palavras da língua inglesa, mostrando as cinco principais fontes de origem seguidas de
exemplos, como podemos observar abaixo:
Where are English words from?
1. FROM OLD ENGLISH
Many basic English words come from Old English, e. g. England, house,
woman, man, child, water. They sometimes have irregular pronunciation.
2. FROM LATIN
Other English words come from Latin, e.g. family, wine, number, school,
educate.
3. FROM FRENCH
Some English words come from French, e.g. royal, hotel, menu, beef.
4. FROM OTHER LANGUAGES
Today English is an international language. Thousands of English words
come from other languages, e.g. siesta (Spanish), judo (Japanese).
5. NEW WORDS
Every year hundreds of words come into English from new technology, e.g.
Internet, text, message, e-mail, modem.
Buscando preparar o aluno para a compreensão do texto, o material tenta
apresentar ao aluno estratégias de leitura que o auxiliem na leitura do mesmo, o material
inicia a compreensão com dicas de estratégias que facilitariam sua leitura, como podemos
ver abaixo:
Dicas para entender um texto em inglês.
a) Procurar as palavras cognatas (aquelas que são escritas do mesmo jeito
do português, ou são bem parecidas na escrita).
- Sublinhe as palavras cognatas do texto.
b) Procurar no dicionário, ou no vocabulário (traduções que vêm depois do
texto), o significado das palavras que você não conhece.
Veja abaixo o vocabulário do texto estudado.
Where = onde, de onde
Come = vir
Old = velho, antigo
House = casa
Woman = mulher
Man = homem
Child = criança
Bird = pássaro
Water = água
They = eles, elas
Have = ter
1. Traduza a parte 1 do texto.
Na atividade acima do MD da professora C, não há qualquer preparação para
o tema do texto, nenhuma atividade visando ativar o conhecimento prévio do aluno sobre o
assunto (processo top down). Pensando em abordar a leitura (e seguindo a abordagem
instrumental tradicional, ou seja, processo bottom up), o material apresenta uma estratégia de
leitura, que diz respeito à utilização de cognatos (o reconhecimento dos mesmos para a
facilitação da leitura), seguida de uma dica do uso do dicionário (que vai de encontro ao fato
de os alunos não terem acesso a um dicionário em língua inglesa, como deixa claro a própria
professora em sua entrevista).
Professora C: Coisas que vejo em livros antigos, livros com mais de trinta
anos, eu já cheguei a fazer, colocar o vocabulário depois do texto. Por quê?
Porque não tem dicionário. Se ele não tem dicionário, como vai procurar as
palavras que ele não sabia lá? Então, eu tenho que imaginar as palavras que
eles teriam dificuldade e criar um vocabulário, coisas que tão nos livros de
trinta anos atrás. (perg. n. 2.9.4)
“A dica” do uso do dicionário acaba se contradizendo com o fato de o material
já apresentar o vocabulário do texto (um glossário), sem que haja, portanto, a necessidade de
o aluno recorrer a um dicionário.
Após o exercício que pede para traduzir a primeira parte do texto, aparecem
algumas palavras cognatas, como number, French, siesta, Spanish, Japanese, o que desta vez
vai de encontro ao que foi pedido logo no início em relação às palavras cognatas. Ora, se
elas são palavras cognatas, não haveria necessidade de dar-lhes o sentido, uma vez que os
alunos poderiam facilmente descobri-lo. Vejamos abaixo:
Vocabulário continuação
Other = outras
Words = palavras
Number = número
School = escola
French = francês
Some = alguns, algumas
Royal = real
Languages = línguas
Today = hoje
An = um, uma
Thousands = milhares
Siesta = soneca
Spanish = Espanha
Japanese = japonês
New = novo (a)
Every = cada
Year = ano
Hundreds = centena
2. Traduza o restante do texto
O fato de o material já apresentar o vocabulário do texto na língua do aluno
faz com que algumas estratégias já não possam ser mais trabalhadas, como a da inferência. O
aluno não terá como inferir significado de palavras ou expressões se as mesmas já são dadas
previamente. O uso do glossário pode passar para o aluno a falsa idéia de que para se
entender o texto ele terá que conhecer todas as palavras presentes nele, desta forma, os
alunos não farão esforço nenhum para compreender o texto, uma vez que terão apenas que
decodificá-lo. Assim, podemos perceber a forte predominância do modelo ascendente de
leitura (próprio do estruturalismo), no qual a leitura parte do texto para o leitor, sem que haja
interferência de qualquer elemento externo.
Em sua entrevista, a professora C afirmou trabalhar algumas estratégias de
leitura, tais como skimming, scanning, marcas tipográficas e palavras cognatas, porém
afirmou nem sempre conseguir trabalhar todas as estratégias, devido, quase sempre, a ter que
copiar no quadro os textos, o que já colocava abaixo muitas das estratégias:
Entrevistador: Você trabalha estratégias de leitura?
Professora C: Trabalho, agora nem todas. Por exemplo: inferência, eu tento
trabalhar scanning, skimming, a importância do texto, marcas tipográficas,
palavras cognatas, falsos cognatos. São coisas que eu trabalho, mas que nem
sempre são possíveis. Porque o que você pode trabalhar de um título: “Que
expectativas esse título gera pra você?” Você copia o título, mas logo em
seguida você já tem que copiar o texto no quadro. Então não é a mesma
coisa de tá com o papel escrito. (perg. n. 2.9.4)
A falta de material é, para a professora C, um grande entrave no ensino das
estratégias, pois seu trabalho dependeria muito de material xerocopiado, que incluísse
figuras, gráficos, mapas, marcas tipográficas etc. Sem recursos, a professora enfoca aquela
estratégia que não exige muito além do quadro e giz, como as palavras cognatas, mas, ao
mesmo tempo, deixa de lado, pelo menos no material analisado, o trabalho com a inferência
contextual que pode muito bem ser feito sem precisar de material xerocopiado.
Após apresentar a tradução do vocabulário e as “dicas” de estratégias de
leitura, o material parte para a compreensão propriamente dita (atividades essas criadas pela
própria professora). Vejamos as atividades referentes a essa compreensão:
Exercício de compreensão
1. Qual é o título do texto?
2. Em quantas partes o texto está dividido? Quais são elas?
3. Cite três exemplos de “words from”:
a)
Old English:
b)
Latin:
c)
French:
4. O que são palavras cognatas?
5. Cite 10 palavras do inglês que usamos no português.
As perguntas de “compreensão” podem ser facilmente visualizadas na
superfície do texto, o aluno não tem dificuldade em encontrá-las. Marcuschi (2001), em
artigo que tenta elaborar uma classificação dos tipos de perguntas presentes em LD de língua
portuguesa, nos aponta, dentre nove tipologias, as perguntas do tipo cópias, “que sugerem
atividades mecânicas de transcrição de frases ou palavras” (p. 52), como acontece com as
perguntas 1 e 3 acima nas quais o aluno terá apenas que copiar o título ipse litteris ou copiar
as palavras que exemplificam a determinada origem; e as do tipo metalingüísticas, “que
indagam sobre questões formais, geralmente da estrutura do texto ou do léxico” (p. 53),
como é o caso da pergunta 2 e 4 acima. Apenas a última questão vai exigir dos alunos que
ativem seu conhecimento de mundo e sistêmico para apontar palavras da língua inglesa que
usamos no nosso dia-a-dia, o que extrapola os limites do texto.
Desta forma, a atividade acima fere alguns dos critérios do PNLD, quando
este aponta que o trabalho com a leitura não se deve restringir apenas à localização de
informação, mas deve também contribuir para a reconstrução dos sentidos do texto pelo
leitor. A superficialidade presente na maioria das perguntas relacionadas ao texto claramente
denuncia uma prática de leitura e trabalho com texto voltados para o estrutural, baseado no
modelo ascendente de leitura, como já frisado acima. Como o aluno terá como tarefa apenas
procurar no texto aquelas informações específicas, facilmente encontráveis, sem que para
isso faça maiores esforços, a leitura torna-se então controlada, fechada, direcionada e
limitada.
Declarando-se defensora de uma postura “estruturalista” (“Algumas vezes,
[eu] estaria dentro do... estruturalismo. Estruturalismo puro mesmo” perg. 2.12), a
professora, quando perguntada sobre a importância do trabalho com o texto, afirma ser
importante, mas que não se pode deixar de lado o trabalho com a língua, que pode ajudar na
compreensão do texto (“...eles [os alunos] têm que conhecer alguns pontos gramaticais,
algumas estruturas, como essa língua funciona pra poder você ir pro texto” perg. n. 2.9.2).
Ela afirma ainda que não sabe trabalhar a leitura pela leitura, para ela, tem que ter estruturas
lingüísticas que apóiem um trabalho dessa natureza.
Professora C: mas eu não sei como trabalhar a leitura só pela leitura. Você
tem que ter estruturas que apóiem. Claro, não o texto como pretexto, mas
tem que ter alguma coisa pra que o aluno construa significados pra ler, e ele
tá iniciando. (perg. n. 3.5.2)
Consciente de que não se deve usar o texto como pretexto para o trabalho com
gramática/vocabulário/tradução a professora acaba incorrendo nesse tipo de trabalho,
demonstrando que realmente se volta para o estrutural.
O texto Where are English words from? suscitaria uma ótima discussão sobre
origens das palavras e vocabulário no geral, mostrando que toda língua tem palavras de
origens estrangeiras que formam seu léxico. Poder-se-ia também sugerir aos alunos que
pesquisassem as palavras de origem inglesa que se encontram na nossa língua ou ainda pedir
para os alunos pesquisarem as principais origens do léxico da língua portuguesa, assim como
faz o livro-fonte de onde a professora retirou o texto (New English File 1), ao apresentar a
seguinte questão: “Where are words in your language from?” (“De onde vêm as palavras de
sua língua?”).
Sendo o texto acima construído com um objetivo didático específico (falar da
origem das palavras, elaborado especialmente para o livro no qual ele se encontra17, não se
caracterizando como um texto autêntico), não há, então, espaço para uma abordagem ao
gênero textual. Vale ressaltar também que o texto, no material da professora, não apresenta
os créditos de onde foi tirado, nem quem é o seu autor, o que fere o critério do PNLD que diz
que ao texto deve ser dado crédito completo, como autor, loca e data de publicação, páginas,
dentre outros.
Os dois textos seguintes “Energy from the sun” e “Scorpio” (Anexo C),
retirados e adaptados do livro Inglês Instrumental. Estratégias de Leitura (p. 22 e 25
respectivamente), não fogem em nada ao trabalho feito com o texto “Where are English
Words from?”, porém dessa vez não há a parte de “compreensão”, apenas é pedido que se
traduza o primeiro texto (atividade criada pela professora), após dicas de estratégias de
leituras, como as do texto acima. Vejamos:
Energy from the sun
Almost all our energy originally came from the Sun. At the Sun’s center,
nuclear reactions give enormous amount of energy which radiate from the
surface as heat and light. There is enough nuclear energy left in the Sun
to keep it shining for another 5,000 million years.
Scorpio (Oct. 23 – Nov. 21)
You like a challenge – more than the other 11 signs put together do! And
because Any work that has to do with physical energy and radical change –
as a scientist, researcher, architect, even recycling expert – will keep
you stimulated.
1. Sublinhar as palavras cognatas dos dois textos (palavras idênticas ou
parecidas com o português).
[Vocabulário]
Almost all = quase todo (a)
Our = nossa
Originally = originalmente
To come = vir
17
Partimos do pressuposto de que o texto fora criado com fins didáticos devido ao mesmo não apresentar fonte,
o que não acontece com outros textos desde mesmo livro que possuem fontes. Estes, geralmente, aparecem
como “Adapted from...”
Sun = sol
To give = dar
Enormous = enormes
Amounts = quantidades
Of = de
Which = que
To radiate = irradiar
From = de
The = o, a, os, as
Surface = superfície
To keep = manter
To shine = brilhar
Other = outros
Years = ano
Tradução do texto 1
Mais uma vez, pede-se o trabalho com as palavras cognatas e, no vocabulário
dado, aparecem algumas palavras que têm caráter cognato, como originally, enormous,
radiate e surface, além de apresentar vocabulário presente no texto anterior.
A “compreensão” do texto se limitou a sua tradução, nenhuma pergunta sobre
os textos é feita, nenhuma outra estratégia de leitura é trabalhada (além da identificação dos
cognatos), os gêneros dos textos não são abordados, aos textos não foram dados os devidos
créditos (assim como ocorreu com o anterior), não houve indicação de que o texto “Energy
from the sun” foi adaptado através de cortes (o último período do texto foi suprimido) (vide
anexo C1).
Notamos, então, que, com os textos acima, não houve trabalho nem a nível superficial.
Esse tipo de trabalho nos faz lembrar da forma como o texto era trabalhado na era
clássica, com a preocupação voltada para a tradução de textos clássicos do grego e do
latim.
Assim como essa professora aponta a falta de recursos como um entrave no
ensino das estratégias, ela também o faz com o trabalho com o gênero textual. Consciente de
que a formatação de um texto é um dos fatores decisivos para definir um gênero, a professora
C afirma ser quase impossível, através de giz e quadro, trabalhar numa linha voltada para o
gênero, pois os mesmos viriam a “se dissolverem no quadro de giz”:
Professora C: Alguns gêneros sim, mas os gêneros se dissolvem no quadro de
giz. Eles perdem toda a formatação, toda a característica, todo o padrão que
você reconhece aquele texto como um determinado gênero. Então, eu nunca
fiz um trabalho sistemático, como também pode ser feito com gêneros
textuais, porque da forma que a gente trabalha, eles não existem. Gêneros
textuais não existem escritos, pois eles perdem toda a formatação, eles
passam a ser escritos todos da mesma forma e do mesmo jeito. (perg. n.
2.9.3)
Da mesma forma que os PCN-LE apontam fatores como “carga horária
reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos
professores, material didático reduzido a giz e LD etc” (p. 9) como entraves para o ensino
das quatro habilidades comunicativas (falar, ouvir, escrever e ler), o que justificaria então um
ensino mais voltado para o texto, a professora C, em sua dura realidade, vê, por sua vez, em
alguns desses fatores, entraves também para o trabalho com o texto.
Questionada sobre como abordaria o gênero textual, a professora deu a
seguinte resposta:
Professora C: Comparando os gêneros e associando: “O que você reconhece
nesse texto 2 em relação ao 1? Sabendo que os dois têm o mesmo gênero. O
que você pode ver em comum? Em que isso ajuda a compreender?” Acho
que isso ajudaria a compreender mais. (perg. n. 2.9.3.1)
Mesmo trabalhando gêneros diferentes (a exemplo dos gêneros acima: um
texto informativo e um horóscopo), a professora poderia ter feito um trabalho comparativo,
que apresentasse as principais diferenças entre os dois gêneros (seja o uso deles na sociedade
ou de suas estruturas). Porém a professora preferiu o lado mais tradicional (pautado no
modelo bottom-up) de lidar com os textos, pedindo simplesmente que os traduzissem.
Vale lembrar que a professora retirou os textos acima de um livro que trabalha
apenas com leitura, livro este centrado em teorias do tipo sociointeracionistas, que alia os
modelos ascendentes e descendentes de leitura.
Como já dito na análise das fontes (5.1), os dois textos acima foram retirados
da unidade 2 do livro que tem por objetivos: “1) comparar diferentes tipos de textos
observando o layout, a fonte etc; 2) Praticar as estratégias de leitura: ‘skimming’, ‘scanning’,
‘prediction’ etc” (p.19). Nessa unidade II do livro, é pedido ao aluno que:
“I. Discuta com seus colegas sobre que tipo de
revista ou jornal estes textos foram retirados.
Compare com alguma revista ou jornal brasileiros do
gênero. (p. 21)
Em seguida, são apresentados os cinco diferentes textos que aparecem na
seguinte ordem: os “signos do zodíaco”, uma “receita”, uma “tirinha”, uma “propaganda” e
um “texto informativo’, que aparecem com seus respectivos layouts (vide Anexo C1).
Como primeira atividade, após ler os textos, é pedido para que os alunos
identifiquem os 5 “diferentes tipos de textos”, de acordo com os tipos listados (exercício II,
p. 25), em seguida, pede-se para que eles retirem de cada texto as palavras cognatas
(exercício III, p. 25); depois parte-se para um trabalho com palavras repetidas e um
questionamento sobre a função social dos textos com perguntas do tipo: “Por que as pessoas
lêem esse tipo de texto?”/ Você costuma ler esse tipo de texto (texto A)? Quando?”
(Exercício III, p. 26); em seguida passa-se a um trabalho com a estratégia de leitura
Skimming (Exercício V, p. 26) e Scanning (Exercício VI, p. 26).
O livro apresenta algumas atividades para desenvolver as estratégias de
leitura, porém a professora decidiu ignorar o trabalho com elas retirando de lá apenas os
textos e, criando, outras atividades que não contribuem em nada para a compreensão dos
textos. A professora C, em sua entrevista, reconhece que não conseguiu fazer, com o texto
sobre os signos do zodíaco, o mesmo trabalho apresentado no livro, mas apontava como
vantagem o fato de, pelo menos, ter usado textos em suas aulas, mesmo que a forma de
abordá-los não tivesse sido satisfatória.
Professora C: Aquele sobre os signos é um livro de inglês técnico, ele tem
todo um trabalho com leitura, o livro. Mas eu não consegui fazer o trabalho
todo que tem lá no livro, mas usei o texto. (perg. n. 3.5.4)
A professora C foi, das três professoras, a única a defender, em seu discurso,
mais o trabalho com a estrutura da língua do que o trabalho com o texto e a única também a
fazer uma crítica sutil aos PCN, devido a estes centrarem-se mais no trabalho com o texto
escrito e também pelas dificuldades, encontradas pelos professores, em ter acesso a tais
documentos e, principalmente, a dificuldade de pôr em prática o que esses documentos
pregam.
Professora C: Os PCNs têm muita coisa interessante, os autores dos PCNs
pensaram bem isso, mas como se articular isso dentro da sala de aula, eu
não sei. Eu li os PCNs na graduação, a escola que eu trabalho não tem,
porque eu comecei a trabalhar em 2004, mesmo quem começou a trabalhar
em 2003 não recebeu. (perg. n. 3.5.1)
Fica distante dos PCN, às vezes, mas quem diz que tem que ser igual aos
PCNs? Eu nunca vi um PCN, só vi porque estudei na graduação, mas a
instituição de ensino nunca proporcionou nada. (...) Se antes dos PCNs eu
tivesse terminado, concluído os estudos e não tivesse tido mais contato com
essa parte de academia e só tivesse vindo trabalhar agora, eu não saberia o
que é PCN. (perg. n. 3.5.4)
Em relação ao seu material, ela afirma que tem momentos em que ele está
mais próximo das propostas dos PCN e tem momentos que está mais distante:
Professora C: Ele tem hora que se aproxima e tem hora que tá distante.
Porque tem uma perda de tempo muito grande copiando no quadro. Se
aproxima quando tem trabalho de leitura completo, que analisa, você vê que
consegue analisar o texto e se distancia quando você vê o ensino gramatical
pela gramática. Gramática pura, vocabulário puro. Aí não tem como tá
trabalhando um texto logo na seqüência. (perg. n. 3.5.3)
Contudo, o que podemos observar no material cedido por essa professora é
justamente o contrário: o material dela se aproxima mais dos PCN no trabalho com a
gramática (como veremos na seção 5.3) do que com o texto, que foi trabalhado sem nenhum
propósito social, objetivando apenas o trabalho com a tradução.
4.2.1. Síntese da análise
O material utilizado pelas três professoras de língua inglesa de escolas
públicas, no tocante aos textos, revelou-se bastante restrito, no que diz respeito à quantidade
de textos trabalhados. No material das três professoras pesquisadas, foram utilizados seis
textos diferentes, sendo três deles adaptados a atividades (tornando-se, então, o que viemos a
chamar de atividades-texto), presentes no material da professora B, e os outros três presentes
no material da professora C. Nenhum texto aparece no material da professora A.
Tabela 5: Quantidade de textos trabalhados no material das professoras
1. Professora A
2. Professora B
Quantidade de textos
0
3
(atividades-texto)
3. Professora C
3
Total
6
Títulos
Não apresentavam títulos. O primeiro era
sobre signos do zodíaco e os outros dois
pequenos textos descritivos
Na ordem que apareceram no material:
1) “Where are English words from?
2) “Energy from the sun”
3) “Scorpio”
Dos textos supracitados, três são autênticos, enquanto os outros três são textos
didatizados, feitos para figurarem em livros didáticos de acordo com o conteúdo que se está
trabalhando. Dos três textos da professora B, dois não são autênticos (os dois pequenos
textos descritivos); já dos textos do material da professora C, um não é autêntico (“Where are
English words from?”).
Tabela 6: Quantidade de textos autênticos
Quantidade de textos autênticos
Professora A
-
Professora B
1 de 3
Professora C
2 de 3
Quanto ao gênero dos textos originais, dois eram horóscopos e o outro um
texto informativo (“Energy from the sun”), porém a forma de abordá-los não privilegiou o
trabalho com o gênero. Os textos, quando abordados, seguiam o modelo tradicional de
trabalho textual, na busca de informações na superfície (como se deu com o trabalho com o
texto “Where are English words from?”, da professora C) ou o uso do texto como pretexto
para o trabalho com gramática e vocabulário, no caso das atividades-texto da professora B e
os outros dois textos da professora C.
Todas as atividades referentes aos textos foram criadas pelas professoras,
porém, como já visto acima, nenhuma delas fez uma abordagem da forma como pregam os
PCN-LE ou ainda o PNLD, apenas repetiram velhos modelos de trabalhar com o texto, como
fazem muitos LDs.
Tabela 7: Critérios do PNLD relacionados ao trabalho com o texto
Se o trabalho com o texto...
Prof. A
Prof. B
Prof. C
1. deu-se pela possibilidade de exploração
de algum conteúdo curricular
-
Vocabulário
(tradução)
2. apresentou pseudotextos, criados única e
exclusivamente com objetivos didáticos
-
Exploração de
vocabulário e gramática
(adjetivos)
Duas atividade-textos
3. diversidade de tipos nos textos das
atividades de leitura;
-
Apenas textos
descritivos
4. diversidade de gêneros nos textos das
atividades de leitura
-
Horóscopo
5. diversidade de contextos sociais de uso
-
Internet
Texto sobre a
origem das
palavras
Texto
informativo e
descritivo
Horóscopo e
texto
informativo
-
6. presença de textos autênticos:
-
sim
sim
7. presença de textos integrais
-
não
não
8. nas adaptações indicações de cortes,
supressões etc
9. créditos completos dos textos
selecionados
10. fidelidade, quando relevante, ao
suporte original do texto
-
não
não
-
Apenas site de onde foi
retirado
Sim (mas o texto foi
adaptado a uma
atividade)
não
11. recuperação do contexto de produção
do texto
-
Supostamente
não
-
não
sim, durante
a discussão
que a
professora
alega ter feito
na aula
anterior.
Tabela 8: Critérios do PNLD relacionados à leitura
Se o trabalho com leitura...
1. foi encarado como uma situação efetiva de
interlocução leitor/autor de leitura em seu
universo de uso social
2. colaborou para a reconstrução dos sentidos
do texto pelo leitor, não se restringindo à
localização de informações
3. desenvolveu estratégias e capacidades
referentes à proficiência que se pretende levar o
aluno a atingir e ao gênero ou tipo de texto
trabalhado.
4. apresentou antecipação de conhecimento de
mundo
Prof. A
-
Prof. B
não
Prof. C
não
-
não
não
-
Não
não
-
não
5. apresentou antecipação ou predição de
conteúdos ou propriedades dos textos
6. apresentou compreensão global do texto
-
Sim (durante a
discussão que a
professora alega
ter feito na aula
anterior)
Sim
-
Não
não
não
Pelo que vimos acima, o trabalho com o texto e a leitura fica muito aquém das
propostas do PNLD e, ainda, do que pregam os PCN-LE, por acabar se restringindo ao
trabalho com a gramática normativa e o vocabulário, deixando de lado um trabalho com o
social, na busca de tornar o aluno um cidadão-leitor.
A leitura foi, então, trabalhada seguindo o modelo ascendente (estrutural), no
qual a informação parte do texto, cabendo ao leitor apenas decifrá-la.
Tabela 9: Concepção de leitura no material das professoras
Professora A
Professora B
Professora C
Concepção de leitura
Estruturalista (nos 3 textos)
Estruturalista (nos 3 textos)
4.3. A gramática no material didático e o discurso das professoras
Professora A
“...eu começava logo por gramática, com a gramática mesmo, entendeu?
Aí depois, eu colocava um texto que tinha aquele assunto da gramática.
Mas depois que eu tivesse explicado logo a gramática.”
O material da professora A, que trabalhou com o conteúdo do presente simples
(copiado no quadro de giz e explicitado ao aluno oralmente18), consiste de uma página com
os advérbios de freqüência listados com sua respectiva tradução e cinco exercícios referentes
ao assunto do presente simples. Nenhum texto, como dito acima, foi trabalhado durante esse
bimestre, ou seja, a ênfase recaiu exclusivamente no ensino do tópico gramatical, já
apontando para um ensino explícito de gramática, conforme podemos perceber abaixo, com
os excertos dos cinco exercícios presentes no material (ver Anexo A):
1. Passe as
parênteses.
frases
para
o
inglês,
servindo-se
das
palavras
entre
Ex.
Você não precisa de dinheiro.
you / need/ money)
You don’t need money.
a)
Eles não estudam à noite.
(They / study / at/ night)
2.
a)
b)
c)
Complete as frases com don’t ou doesn´t:
I
understand.
She
work here.
They
play tennis.
3. Passe para a forma interrogativa.
Ex.
I study History and Geography.
Do I study History and Geography?
a)You like fruit.
b)He loves you.
c)He drinks coffee.
4. Observe o exemplo e faça os exercícios:
Ex.
I like ice cream (you)
Do you like ice cream, too?
a) John plays football. (you)
b) Monica needs money. (her brother)
18
Vale lembrar que essa parte explicativa do assunto Presente Simples não consta no material didático entregue
pela professora Ela relatou, em conversa informal, que copiou o assunto no quadro, sem tomar nenhum LD
como referência.
c) They study in the morning. (you)
5. Passe as frases para o inglês
parênteses.
Ex.
Você fala inglês?
(you – speak – English)
Do you speak English?
a) Seu amigo precisa de dinheiro?
(your / friend / need / money)
servindo-se
das
palavras
entre
b) Ela tem um carro antigo?
(she / have / an / car / old)
c) Eles estudam à noite?
(they / study / at/ night)19
Pelos excertos acima, percebe-se que o material da professora A segue a tendência da
posição de interface (ELLIS, 2006), que defende que as estruturas devem ser primeiro
apresentadas explicitamente (a professora explicitou para os alunos, no quadro de giz, as
regras do presente simples), depois praticadas (o que se deu através dos exercícios acima)
e, por fim, processadas. A concepção de gramática seria, então, de caráter explícito
(modelo normativo), uma vez que ele está todo pautado na estrutura negativa e
interrogativa do presente simples, numa preocupação clara com regras e modelos. A
concepção de língua que perpassa esse material é, com certeza, do tipo língua como
código, devido à grande preocupação com código fechado da língua e não com seu uso e
função.
Os exercícios acima enfocam única e exclusivamente o metalingüístico, numa
preocupação com a prescrição de regras, utilizando-se para isso de frases soltas e
descontextualizadas, nenhuma sentença tem relação com as outras.
Os exercícios
apresentados dessa forma não encorajam à reflexão, mas à repetição de modelos que o aluno
terá que seguir (uso de DON’T e DOESN’T, estruturação de uma frase negativa e
interrogativa etc), numa clara influência das teorias behavioristas que buscam a
automatização através da criação de um hábito, no qual se dava um estímulo (um exercício
com um modelo a se seguir) e objetiva-se uma resposta (o aluno teria que seguir aquele
modelo, sempre dando aquela determinada resposta) para que fosse em seguida por ele
memorizada.
Em nenhum momento é pedido ao aluno que elaborem regras a partir de
modelos pré-estabelecidos ou que reflitam sobre os vários usos do presente simples (na
língua inglesa e na sua língua), o que denuncia, mais uma vez, o caráter explícito e
19
Para ver os exercícios em sua íntegra vide anexos.
normativo do ensino de gramática: a professora partiu primeiro da exposição do assunto,
Presente Simples, e, em seguida, apresentou para os alunos exercício que visavam “praticar”
tal assunto. Ao fazer isso, a professora está trabalhando a gramática de forma dedutiva, bem
aos moldes do ensino tradicional, como apontado por Richards & Rogers (1990).
Ao partir de um ensino dedutivo, o material da professora A vai de encontro a
alguns critérios do PNLD, por não favorecer a reflexão sobre os usos da língua (através de
atividades puramente metalingüísticas). Da forma que as atividades aparecem, não há relação
com o uso, pois se tratade exercícios estruturais completamente vazios de sentido, que estão
ali apenas para que o aluno os “automatize”. Esse ensino dedutivo também impediu o
trabalho que poderia ter sido feito através de atividades que favorecessem a reflexão
metalingüística ou ainda a reflexão sobre a organização do sistema lingüístico, como
apontado pelo PNLD (1o e 2o ciclos do Ensino Fundamental, 2006).
Em sua entrevista, a professora A, quando questionada sobre a importância de se trabalhar
a gramática em sala de aula, responde que é importante devido ao vestibular, que exige
esse tipo de conhecimento em suas provas.
Entrevistador: “Qual a importância de se ensinar gramática?
Professora A: Eu acho importante assim, a nível de vestibular. Porque os
alunos da rede pública, eles mesmos estudam pensando que vão fazer
vestibular (...) mas como o vestibular cai gramática, acho que na rede
pública é mais por isso, pensando no vestibular’. (perg. n. 2.10.1)
Em sua fala, fica também evidente a grande valorização da gramática sobre o texto, o que,
para essa professora se dá devido ao nível dos alunos ser “muito fraco” para se trabalhar
com texto:
Professora A: O nível dos alunos era fraco pra texto, aí eu começava logo
por gramática, com a gramática mesmo, entendeu? Aí, depois, eu colocava
um texto que tinha aquele assunto da gramática. Mas depois que eu tivesse
explicado logo a gramática. (perg: n. 2.9.1)
A supervalorização do ensino explícito de gramática pela professora A, evidente nas
atividades que compõem o seu material, opõe-se ao seu discurso quando afirma que um
dos aspectos que não deve faltar em um material didático de língua inglesa é o texto e que
não vale a pena dar gramática de maneira solta:
Entrevistador: Que aspectos da língua estrangeira não podem faltar em um
material didático?
Professora A: Acho que o texto, né? Porque pra dar gramática solta... (perg.
n. 2.8)
Apesar de não ter completado seu raciocínio, fica implícito que a mesma
diz não valorizar o ensino da ‘gramática solta” preferindo o trabalho com o texto, porém
essa mesma professora deixa claro que quando trabalha com texto, este vem subordinado
ao trabalho com a gramática, que deve ser ensinada antes de trabalhar o texto e este, por
sua vez, deve conter as estruturas gramaticais apresentadas anteriormente:
Professora A: O nível dos alunos era fraco pra texto, aí eu começava logo
por gramática, com a gramática mesmo, entendeu? Aí depois, eu colocava
um texto que tinha aquele assunto da gramática. Mas depois que eu tivesse
explicado logo a gramática. (vide perg. n. 2.9.1)
A ênfase no ensino explícito de gramática presente no material da professora A
vai de encontro ao que pregam os PCN-LE, que postulam um ensino de gramática pautado
no desenvolvimento do conhecimento lingüístico, ao mesmo tempo que defendem um
trabalho do lingüístico em consonância com o trabalho de leitura e compreensão de textos.
Essa dissociação equivocada entre gramática e texto é bastante criticada por Travaglia (2003)
que não vê uma dissociação entre ensino de gramática e de texto, uma vez que “tudo que é
gramatical é textual e, vice-versa”.
Se nos voltarmos para os critérios listados pelo PNLD (tanto os referente aos 1o
e 2o ciclos quanto aos 3o e 4o ciclos do Ensino Fundamental), vemos que as atividades
destinadas ao conhecimento lingüísticos não favorecem a reflexão sobre o uso da língua, a
reflexão sobre a organização da língua, ou ainda a reflexão metalingüística. Além disso, o
fato de também de ir de encontro ao critério segundo o qual o trabalho com o lingüístico
deve “ter peso menor que os relativos à leitura”, o que não foi visto nesse material
apresentado, uma vez que ele é 100% gramatical (perspectiva normativa). Com certeza, esse
material, numa avaliação do PNLD, seria classificado na categoria “excluído”, não se
enquadrando nem na categoria “não recomendado”.
Reportando-nos às abordagens e metodologias de ensino apresentadas na
fundamentação teórica deste trabalho, podemos perceber claramente que o material está
perpassado por uma abordagem Tradicional (método de Gramática e Tradução), método
antigo para se ensinar as línguas clássicas, mas que parece ter resistido ao tempo e ainda se
faz muito presente nos LDs de língua inglesa e na mente de muitos professores. Materiais
que seguem tal abordagem parecem ainda muito presos ao tradicionalismo do ensino de
língua, vendo esta como código regido por regras sistematizáveis, que podem ser facilmente
apreendidas através de exercícios de repetição mecânica, ditados e tradução. Essa
metodologia parece ignorar os estudos mais recentes da Lingüística e da Lingüística
Aplicada ao ensino de LE, que vêem o ensino da gramática ligado ao do texto, preferindo
uma valorização da estrutura (o que faz com que também percebamos uma influência da
concepção behaviorista, principalmente no que diz respeito à automatização das atividades
apresentadas).
Professora B
“Quando eu ensino gramática, no caso da aula aí que você tem,
eu tava pensando que eu tenho que cumprir aquele conteúdo.
Que eu tenho um programa que eu tenho que cumprir.
Naquele momento, foi o que me levou a ensinar
aqueles pontos gramaticais que foram abordados.”
Para a análise referente à gramática, o material didático utilizado pela
professora B (vide material didático na íntegra no Anexo B) foi, por nós, dividido em três
partes: a primeira é composta por dois20 exercícios de revisão de conteúdos vistos no ano
letivo anterior (elaborados pela própria professora); a segunda é composta por um exercício
que lida com o tópico gramatical adjetivos (retirados do livro Smart English, descrito na
primeira seção deste capítulo); e a terceira parte é composta pelas regras dos advérbios de
maneira seguida de um exercício sobre este tópico gramatical. Todo os exercícios dessa
análise foram copiados no quadro pela professora.
Comecemos nossa análise pela parte 1, que trata dos exercícios de revisão:
Parte (1): Exercícios de revisão
1.
a)
b)
c)
Passe as frases abaixo para o passado.
I am a good student.
She is at home.
They are very nice.
2.
a)
b)
c)
Preencha os espaços com os verbos entre parênteses no presente.
She
very well. (dance)
They
a lot. (work)
Lisa
in that school. (teach)
Assim como os exercícios da professora A, esses dois primeiros exercícios
estão perpassados por uma visão estruturalista de língua e gramática, utilizando-se de frases
soltas e descontextualizadas, que levam apenas à prática de um estímulo que os alunos
receberam e para o qual devem produzir respostas, na tentativa de automatizar o
conhecimento da forma passada do verbo to be (exercício 1) e das regras do presente simples
20
Embora no material didático fornecido constem 3 exercícios (vide Anexo B), atemo-nos apenas aos dois
primeiros, que abordam, mais diretamente, questões gramaticais.
(exercício 2). Os exercícios acima favorecem o desenvolvimento de conhecimento explícito
de gramática à medida que não solicitam que os alunos reflitam sobre as regras ou que
discutam e pensem sobre o uso desse tempo verbal com um propósito comunicativo (como,
por exemplo, falar da rotina diária, atividades de lazer, passatempo etc). Em síntese, as duas
atividades não fornecem a possibilidade de o aluno usar o presente simples de maneira
comunicativa, ou seja, como nos aponta Ellis (2006), “a instrução gramatical deveria ser
integrada com atividades comunicativas”.
Esses dois exercícios acima vão de encontro ao que a professora disse em sua
entrevista. Quando questionada sobre quais aspectos não deveriam faltar em um material
didático, ela responde que, dentre outros, “o enfoque reflexivo da gramática” (perg. n. 2.8),
que, aliás, é como a gramática deve ser tratada, segundo critérios do PNLD. Porém as
atividades presentes em seu material, que lidam com o gramatical, estão longe de ser
reflexivas, como vimos acima e veremos mais a frente.
A segunda parte desse material nos parece ainda bastante tradicional,
vejamos:
Parte (2): Exercícios com adjetivos21
3. Relacione os substantivos com os adjetivos correspondentes.
(a) activity
(
) possessive
(b) possession
(
) compassionate
(c) versatility
(
) original
(d) compassion
(
) conservative
(e) Imagination
(
) authoritative
(f) originality
(
) sensitive
(g) conservatism
(
) versatile
(h) ambition
(
) imaginative
(i) authority
(
) ambitious
(j) sensitivity
(
) active
Apesar de ser o único exercício com uma relação direta com a atividade-texto
sobre horóscopo, o exercício 3 limita-se a solicitar que os alunos relacionem substantivos a
adjetivos. Assim, o que poderia vir a se tornar um exercício que valorizasse o conhecimento
e, sobretudo, a familiarização e letramento no gênero textual em estudo, acaba se tornando
num exercício de ensino de um tópico gramatical.
As últimas atividades do material da professora B dizem respeito ao trabalho
com os Advérbios de Maneira, provavelmente aproveitando o fato de ter-se visto os
21
Para ver a atividade em sua íntegra vide Anexo B.
adjetivos. Primeiro, são apresentadas as regra, mostrando como se dá a passagem de um
adjetivo para um advérbio (apresentação explícita do conteúdo), em seguida é trabalho um
exercício mecânico (transformar adjetivos em advérbios através da inserção do sufixo –LY)
para praticar o que foi estudado. Ou seja, a forma de trabalhar os advérbios segue a tendência
da “posição de interface”, a qual pressupõe que conhecimento explícito se torna implícito por
meio da prática sistemática.
PARTE (3): ADVÉRBIOS DE MANEIRA Adverbs of manner
Muitos advérbios são formados a partir do adjetivo + ly.
Adjetivo
She is very polite
Joe is a happy boy
-
Advérbio
She speaks politely.
he acts happily.
Happy = happily
Gentle = gently
Exercício
1. Transforme os adjetivos destacados em advérbio.
a) Everyone is happy in the party. Everybody is talking
22
Através de ensino explícito e normativo, pretende-se (de forma mecânica e
comportamental, como ocorria com o ensino de gramática que se baseava no behaviorismo)
que o aluno aprenda a reconhecer e formar o advérbio de maneira. Porém, a atividade está
longe de considerar o uso ou de fazer com que o aluno, sozinho ou com a ajuda de outro
colega, passe a refletir sobre as regras de passagem de um adjetivo para um advérbio de
modo (o que favoreceria a reflexão metalingüística), assim como também passe a refletir e
compreender o funcionamento e efeito de sentido criados pelos advérbios de modo em
contexto real, o que permitiria entrever uma posição de interface fraca. Ellis (2006) nos
aponta que “O ensino de gramática deveria enfatizar não apenas a forma, mas também os
significados e usos de diferentes estruturas gramaticais” (Grifo nosso).
A ênfase dessa parte três do material está centrada apenas no estrutural e
sistêmico, o mais importante é apresentar uma regra a ser deduzida e seguida pelos alunos,
visando à construção de uma determinada classe de palavras. Assim como a professora A, em
seu material, que se pautou num ensino dedutivo de gramática, ou seja, “forma de ensinar a
língua primeiro através de análises detalhadas de suas regras gramaticais”, para, em seguida,
praticar essas regras através de atividades (Richards & Rogers, 1999), agiu a professora B em
22
O motivo de o exercício estar incompleto se deve ao fato de o material ter sido coletado a partir do caderno
de um dos alunos, que, provavelmente, não copiou a atividade por completo.
seu material. Da forma que está acima, não é necessário que o aluno saiba o significado da
frase, do adjetivo ou advérbio, mas apenas que ele coloque o –LY no final do adjetivo,
fazendo-o de acordo com determinadas regras previamente dadas pelo próprio material,
restando ao aluno apenas decorá-las e automatizá-las por meio da prática, seguindo os
ditames do modelo behaviorista de aprendizagem.
Quando questionada sobre os objetivos que segue no ensino de gramática, a
professora B nos apontou dois: (1) o cumprimento do conteúdo a ser trabalhado naquela série
(2) o ensino de gramática para facilitar a compreensão do texto. Esse segundo objetivo
apontado pela professora nos faz perceber que o seu “dizer” se distancia do seu “fazer”,
como pudemos verificar, principalmente, com o trabalho realizado com o tópico gramatical
“advérbios de maneira”, que não está relacionado a nenhum texto, encontrando-se totalmente
solto.
Entrevistador: Qual o seu objetivo quando você trabalha gramática?
Professora B: Tem dois objetivos. Quando eu ensino gramática, no caso da
aula aí que você tem, eu tava pensando que eu tenho que cumprir aquele
conteúdo. Que eu tenho um programa que eu tenho que cumprir. Naquele
momento, foi o que me levou a ensinar aqueles pontos gramaticais que foram
abordados. Mas geralmente o ensino de gramática é pra facilitar o
entendimento do texto. (perg. n. 2.10.2)
Voltemo-nos para o primeiro objetivo citado pela professora B, o interessante
a se observar é que na realidade ela não tem, por obrigação, que seguir um conteúdo
programático já pré-estabelecido, uma vez que na escola em que ela trabalhava não havia
reuniões pedagógicas para elaboração de planos de curso e o planejamento de suas aulas era
feito por ela mesma, não chegando a compartilhar de seu plano com os outros professores da
mesma disciplina (“só sou eu que preparo e é pra mim apenas” (perg. n. 3.5)). Ou seja, o
conteúdo programático utilizado pela professora é do tipo estrutural (baseado na forma, na
estrutura), que vai de encontro a um conteúdo programático do tipo semântico (baseado em
sentido). Ao procurarmos saber as origens do seu conteúdo programático, a professora B
deixa escapar que segue o plano que vem nos LDs. Sendo assim, percebemos que são os LDs
que ditam o que deve ser ensinado e como (cf. Coracini, 1999 e Sousa, 1999), o que requer,
então, que os livros didáticos de língua inglesa passem por critérios de avaliação, assim
como acontece com os livros de língua portuguesa e outras disciplinas.
Professora B: Esse plano vem da seguinte questão: eu sou professora de
inglês esse ano dessa turma, pode ser que ano que vem eu não seja a
professora que siga, então, tem um plano que geralmente vem nos livros
didáticos, que o professor seguinte pode seguir e alunos precisam ter mais
ou menos uma base disso para que os alunos possam se safar na etapa do
ano seguinte. (perg. n. 3.4)
No geral, podemos dizer que esse material, apesar de não se apresentar
totalmente tradicional (ao trazer textos - neste caso atividades-texto - material da Internet,
algumas atividades que não estão apenas no plano estrutural – como a própria atividade-texto
sobre o horóscopo), ainda se encontra profundamente inserido em um ensino de base
estrutural, perpassado por uma concepção de gramática normativa, numa preocupação
explícita com regras do sistema lingüístico, culminando num ensino dedutivo de gramática.
Outro ponto interessante a se observar nesse material é o caráter gradativo que
ele pretende dar aos assuntos abordados. Ele usa de uma atividade-texto como pretexto para
o ensino do adjetivo, porém, nessa atividade, o vocabulário presente é todo formado por
substantivos, que servirão como “gancho” para o ensino dos adjetivos e estes, por sua vez,
para o ensino dos advérbios. Seguindo, então, a ordem canônica presente nas gramáticas
normativas, que apresenta as classes de palavras em uma cadeia gradual de onde se teria que
partir do substantivo para se chegar ao adjetivo e, por sua vez, ao advérbio. Essa graduação e
organização dos assuntos gramaticais é bastante típica da abordagem tradicional (Método da
Gramática e Tradução).
Professora C
A gramática pela gramática é falha.
Porque depois você vai estudar pra quê?
Você tem que ter um uso, uma aplicabilidade
para poder facilitar o uso do que você tá recebendo.(...)
É importante saber, agora trabalhar com isso é complicado.
O material da professora C, apesar de seguir o tripé: gramática, vocabulário e
texto, consta mais de atividades sobre estes dois últimos (vide Anexo C) do que atividades
voltadas para o ensino de gramática. À gramática, o material só dedica um único tópico,
com duas atividades, sobre o assunto “Possessive case” (caso possessivo).
Essa seção de gramática no material da professora C inicia-se com uma
listagem de palavras relacionadas ao campo semântico “membros da família” (com sua
respectiva tradução), que ajudaria o aluno (junto com seu conhecimento de mundo) a
entender a árvore genealógica da família Simpson (desenho animado americano, que
atualmente é transmitido pela Rede Globo de televisão), que aparece em seguida; assim
como também, facilitar para o aluno o entendimento das frases que serão apresentadas logo
após essa árvore. Vejamos essa parte inicial:
Family members
Father = pai
Mother = mãe
Grandfather = avô
Grandmother = avó
Sister = irmã
Brother = irmão
Son = filho
Daughter = filha
Children = filhos
Grandson = neto
Granddaughter = neta
Uncle = tio
Aunt = tia
Cousin = primo (a)
Nice = sobrina
Nephew = sobrino
Husband = marido
Wife = mulher, esposa
Sister-in-law = cunhada
Brother-in-law = cunhado
Mother-in-law =sogra
Father-in-law = sogro
Son-in-law = genro
Daughter-in-law = nora
Simpsons
Mr. Simpson
Simpson
Mr.
HOMER
MEG
•
•
•
Holmer’s father is Mr. Simpson
Meg’s brother is Bart
Margie’s husband is Holmer
•
Lizza’s sister is Meg.
MARGIE
BART
LIZZA
Após a apresentação da estrutura em foco, o material traz uma atividade com
oitos frases que descrevem uma segunda árvore genealógica com personagens fictícios
(criados pela própria professora), pedindo para que eles representem, a partir da leitura e
compreensão das descrições fornecidas, a árvore daquela família. Vejamos abaixo:
Desenhe a árvore genealógica da família abaixo.
-
Kate is Mark’s sister.
Mark is Jane’s brother.
John is Marcia’s husband.
Maria is Mark’s mother.
Janice is Thompson’s wife.
Thompson is Sidney’s father.
Sidney is John’s brother.
Sidney is Jane’s uncle.
Por fim, é sugerida uma atividade para casa, na qual o aluno teria que fazer
sua árvore genealógica:
Atividade de casa
Desenhe a sua árvore genealógica. Coloque os nomes dos seus parentes em
relação a você.
Pelo material acima, podemos perceber que a professora C trabalha o assunto
gramatical “Caso possessivo”, sem que para isso tivesse que citar o nome do assunto ou
ensinar as regras de como fazer frases que contenham a idéia de posse: nenhuma regra foi
explicitada no material, não se registrou nada a respeito do ’s (Genetive case), sobre a ordem
das palavras na frase, apenas pediu-se para que os alunos observassem os exemplos e, assim,
criassem frases com aquela estrutura, diferentemente do que aconteceu com as professoras A
e B, que explicitaram as regras do assunto trabalhado (Presente Simples e advérbios,
respectivamente). Ao apresentar o assunto através de frases e exemplos e ao pedir para que
os alunos façam o mesmo a partir do que fora visto, a professora trabalha a gramática de
forma implícita e indutiva, o que sugere uma tendência de “posição sem interface” (Ellis
2006), ou seja, uma tendência que leva a uma abordagem zero de gramática, numa
sobreposição do ensino implícito sobre o explicito.
A lista de vocabulário (traduzida) mais o conhecimento da família Simpson
devem ter servido de andaimes favorecendo a autonomia do aluno na execução da tarefa de
revisão e uso da língua, sem que fosse necessário, para isso, apontar regras.
Apesar de o material didático da professora C apresentar um trabalho mais
voltado para o ensino da gramática implícita, ela, em seu discurso, mostrou-se
assumidamente defensora de uma postura estruturalista de ensino e alinhada à posição de
interface (ELLIS, 2006), que seria um elemento desencadeador do trabalho com o texto:
Entrevistador: A partir do seu material e de sua atuação em sala de aula, em
que método ou abordagem de ensino você se incluiria?
Professora C: Algumas vezes, estaria dentro do... estruturalismo.
Estruturalismo puro mesmo. As pessoas têm medo de usar essa palavra. Mas
é uma teoria complexa que foi estudada e tal. Parte-se de estruturas e morre
nelas. (perg. n. 2.12)
Entrevistador: Qual foi seu objetivo quando você ensinou gramática?
Professora C: Deixar claro como algumas estruturas lingüísticas funcionam
na língua estrangeira (perg. n. 2.10.2)
Professora C: Como eles não têm nenhum recurso em casa, eles têm que
conhecer alguns pontos gramaticais, algumas estruturas, como essa língua
funciona pra poder você ir pro texto. Não adianta você jogar pro aluno, que
nunca viu nada de inglês, um texto com um determinado nível lingüístico sem
que ele conheça as estruturas. (perg. n. 2.9.2)
Pelo exposto acima, apesar do material da professora C se destacar no
trabalho com a gramática, ela se confessa estrutural e tradicional, principalmente quando,
declaradamente, diz separar o trabalho de texto e gramática, achando mais importante o
aluno ter conhecimento lingüístico antes de ir ao texto, do que, a partir do texto, favorecer o
conhecimento lingüístico ao aluno, como orienta o PNLD.
Contudo, para a professora, não é necessário que se ensine apenas “a
gramática pela gramática”, ou seja, o estruturalismo puro, mas que esse seja acompanhado de
uma função ou uso.
Professora C: A gramática pela gramática é falha. Porque depois você vai
estudar pra quê? Você tem que ter um uso, uma aplicabilidade para poder
facilitar o uso do que você tá recebendo. (perg. n. 2.10.2)
Professora C: [O estruturalismo] Parte-se de estruturas e morre nelas. Aí, o
que é que eu tento fazer pra não ficar seco? Tentar adequar à realidade de
cada turma, de cada sala de aula. (perg. n. 2.12)
“Estar relacionado a situações de uso” é um dos critérios do PNLD no que diz
respeito ao conhecimento lingüístico, porém, apesar de a professora ter se utilizado de
atividades que levavam à indução, o uso parece, no discurso da professora, sinônimo de
metalinguagem ou de conhecimento puramente lingüístico, quando afirma que:
Professora C: Você tem que ter um uso, uma aplicabilidade para poder
facilitar o uso do que você tá recebendo. Você faz lista de palavras, porque o
vocabulário também é gramática, classe de palavra, é um nível não sintático,
a gente quando fala em gramática pensa logo em sintaxe. Mas tem também o
lado morfológico, lista de palavras. “O que é o artigo? A, AN, tal”. Isso
aqui também é importante pra ele saber que “essa língua aqui tem artigo? A
minha tem”. É o uso. (perg. n. 2.10.2)
Apesar da crítica feita ao ensino prescritivo (“A gramática pela gramática é
falha”), a professora C confessa que acaba também sendo tradicional, apesar de tentar fugir a
essa postura:
Professora C: Eu fiz a crítica, mas acabo trabalhando. Eu caio nela também.
Então, como é que eu tento sanar essa de criticar o estruturalismo e
trabalhar dentro do estruturalismo? Tá estudando determinada estrutura
lingüística. Por exemplo, o uso de CAN como habilidade. Então o aluno vai
lá e pronto entendeu isso. Então eu tento criar no quadro texto dos próprios
alunos. Eu pego nome e coleto, vejo a habilidade de cada um, o que cada um
sabe ou não sabe fazer. Crio um texto com o próprio nome deles. Aproxima
dos alunos. Isso eu consigo em turmas menores, que eu consigo envolver a
sala toda. (...) Quer dizer, eu tou usando o estruturalismo mais aproxima
mais da realidade deles. Eles têm um objetivo mais claro de usar aquilo ali.
(perg. n. 2.10.2.1)
Caso a professora acima venha realmente a realizar em sala de aula (um
estruturalismo mais próximo da realidade dos alunos (um “estruturalismo funcional”), já é
um avanço em relação ao tradicionalismo que se preocupa apenas com a forma.
Pudemos perceber, então, que o material da professora C, no que diz respeito ao ensino de
gramática, fugiu ao tradicionalismo, buscando ensinar a gramática de forma implícita,
porém ela afirma que também trabalha de formal tradicional, mas que prefere um
estruturalismo mais funcional, no qual tenta unir o ensino das estruturas a seu uso. Quanto
aos critérios do PNLD, vimos que, no material da professora, o trabalho com o lingüístico
tem peso menor que os relativos ao trabalho com o texto/leitura (apesar de estes não terem
sido abordados da forma como o PNLD e os PCN-LE apontam); e que o sistêmico está
relacionado a uma situação de uso.
4.3.1. Síntese da análise da gramática no material didático das três professoras
A quantidade de atividades trabalhadas, no tocante ao sistêmico, no material
das professoras foi bastante significativa. Todas as atividades do material da professora A
diziam respeito à gramática (num total de 5 exercícios); no material da professora B, de 9
exercícios, podemos dizer que 4 estão voltados ao ensino de gramática. Já o material da
professora C (deixando de lado os exercícios de abordagem ao texto), apresentou 5
exercícios, sendo 2 deles voltados para a gramática. Os tópicos gramaticais presentes em
cada um dos materiais foram “Presente Simples” (professora A), “Adjetivos” e “Advérbios”
(professora B) e “Caso Possessivo” (professora C).
Tabela 10: Quantidade de atividades voltadas para gramática e tópico gramatical trabalhado
Tópico gramatical trabalhado
Professora A
Quantidade de atividades
voltadas para a gramática
5 de 5
Professora B
6 de 9
Adjetivos e Advérbios
Professora C
2 de 5
Caso Possessivo
Presente Simples
No que concerne à gramática, o que prevaleceu foram exercícios do tipo
metalingüístico, sem nenhum exercício de reflexão semântica, a ênfase estava, então, no
estrutural.
Tabela 11: Tipos de exercícios gramaticais
Prof. A
Prof. B
Prof. C
5 de 5
4 de 4
-
2. Exercícios metalingüístico reflexivo
-
-
-
3. Exercícios epilingüísticos
-
-
-
1. Exercícios puramente metalingüísticos
4. Exercícios elicitando conhecimento implícito
2 de 2
5. Relação com a língua (uso)
-
-
2 de 2
6. Relação gramática/texto
-
-
-
Quanto aos tipos de gramática, a predominância foi da gramática normativa,
com exceção da professora C que trabalhou com a gramática internalizada na atividade sobre
o “possessive case”, sem apresentar normas, nem taxonomias.
Tabela 12: Tipos de gramática no material das professoras
1. Gramática normativa
Prof. A
Prof. B
X
X
Prof. C
2. Gramática descritiva
3. Gramática internalizada
X
Sendo assim, podemos já prever que a concepção de gramática utilizada pelas
professoras foi em sua maioria da gramática explicita, só a professora C trabalhou de forma
implícita, como citado acima.
Quanto às três tendências de ensino de gramática apontadas por Ellis (2006),
as professoras trabalharam mais numa “posição de interface” (professoras A e B), enquanto a
professora C trabalhou com a “posição sem interface”.
Tabela 13: Tendências do ensino de gramática
1. Posição de interface
Prof. A
Prof. B
X
X
2. Posição sem interface
Prof. C
X
3. Posição de interface fraca
A gramática ainda pode ser ensinada, como vimos, de forma indutiva (na qual
o aluno é levado a pensar sobre as regras) ou de forma dedutiva (nesse caso as regras já são
dadas de antemão, o aluno tem apenas que assimilá-las). Podemos perceber que, no material
das professoras A e B, houve a predominância de exercícios dedutivos, enquanto que a
professora C não apresentou nem um tipo nem outro, por ter trabalhado a gramática de forma
internalizada.
Por fim, ainda podemos citar, no que diz respeito ao ensino de gramática no
material das três professoras, os critérios do PNLD. A tabela abaixo mostra que a grande
maioria deles não foi seguida. Apenas a professora C chegou a ter um item contemplado por
não trabalhar mais gramática do que outros aspectos da língua.
Tabela 14: Critério do PNLD no tocante ao trabalho com o lingüístico
Observar se o trabalho com o lingüístico...
1. tem peso menor que os relativos à leitura
Prof. A
Prof. B
Prof. C
não
não
sim
2. está relacionado a situações de uso
não
não
sim
3. estimula a reflexão e propicia a construção dos
conceitos abordados
4. favorece a reflexão através de atividades
epilingüísticas
5. favorece a reflexão sobre a organização do sistema da
língua
6. favorece a reflexão metalingüística
não
não
sim
não
não
não
não
não
não
não
não
não
4.4. O vocabulário no material didático e o discurso das professoras
Professora A
“Quando eu dou palavra nova assim que eu tenho o livro,
eu vou mostrando através de gravuras,
pra saber se eles vão chegando, quando não chega mesmo,
é a tradução mesmo daquilo. (...)
É através de listas. Eu copio mesmo no quadro”.
O material da professora A apresentou uma página com os advérbios de
freqüência (retirados do livro A New English Course) listados com sua referida tradução.
Essa lista bilíngüe dos advérbios encabeça o material escrito que a professora nos entregou.
São ao todo 19 advérbios de freqüência que estavam relacionados ao tópico gramatical
estudado naquele bimestre. Da forma como foi colocada, a listagem serve para que os alunos
memorizem esses advérbios ou que sirva de consulta para futuras atividades. Porém
aparecem soltos sem nenhuma relação com contexto algum, servindo apenas de apoio para o
gramatical, pois se não fosse por este não haveria razão de a listagem existir.
Vejamos abaixo:
Advérbio de freqüência Os
1.
2.
3.
4.
principais advérbios de freqüência são:
Always = sempre
never = nunca
sometimes = algumas vezes
occasionally = ocasionalmente
5. seldom = raramente
6. rarely = raramente
7. often = freqüentemente
8. frequently = freqüentemente
9. generally = geralmente
10. usually = usualmente
11. hardly ever = dificilmente
12. ever = sempre (forma interrogativa)
13. every = todo (ex. Every day: todos os dias)
14. several = vários (as) (ex. several times: várias vezes)
15. now and then = de vez em quando
16. once = uma vez (ex. once a year: uma vez por ano)
17. twice = duas vezes (ex. twice a week: duas vezes por semana)
18. every = a cada (ex. every two hours: a cada duas horas)
19. every other = um sim, um não (ex. every other day: um dia sim, um dia
não)
O contexto de uso desses tipos de advérbios não é explicitado no MD, não há
referência de como devem ser usados, nem exemplificação da sua utilização. A única
informação passada aos alunos é que eles indicam freqüência e que podem acompanhar
frases no presente simples. Vale ressaltar também que não há nenhum exercício que trabalhe
a competência lexical com base no contínuo de conhecimento (reconhecimento,
armazenamento, produção) foi realizado, assim como também nenhum exercícios em que os
alunos tivessem que falar de sua rotina diária, montar frases, fazer uma agenda, listar ações
que fazem “sempre”, “nunca”, “às vezes” etc, fazer um quadro com freqüência das
atividades.
O intuito maior dessa listagem parece ser o de reconhecimento daqueles
advérbios, relacionando-os ao tempo verbal em estudo, e o de sua tradução, objetivando a
equivalência do significado daquelas palavras na língua materna. Da forma como foram
expostos, pode-se passar a falsa idéia de que eles só possuem aquele único significado e que
só podem ser usados juntos com o tempo verbal presente simples, quando na realidade sabese que, ao lidar com a língua, as palavras variam de significado de acordo com o contexto em
que aparecem. Assim, deixa-se de lado o trabalho do vocabulário ao nível enunciativo, como,
por exemplo, o fato de servir como operador argumentativo ou ainda de denunciar uma
determinada atitude do falante etc.
Os exercícios que seguem à lista são exercícios gramaticais, de base
estruturalista, que visam o ensino do tempo verbal em estudo. O que podemos entrever,
então, é que não houve uma preocupação intencional com o vocabulário, como pudemos
atestar em dois dos exercícios formulados no MD, que solicitam ao aluno a tradução e
ordenação de palavras em enunciados curtos. Vejamos excertos desses exercícios:
1. Passe as
parênteses.
frases
para
o
inglês,
Ex.
Você não precisa de dinheiro.
(you / need/ money)
servindo-se
das
palavras
entre
You don’t need money.
a)
Eles não estudam à noite.
(They / study / at/ night)
(…)
5. Passe as frases para o inglês
parênteses.
Ex.
Você fala inglês?
(you – speak – English)
Do you speak English?
a) Seu amigo precisa de dinheiro?
(your / friend / need / money)
servindo-se
das
palavras
entre
A aprendizagem de novas palavras através de exercícios como esses acima
pode ser ineficaz, uma vez que as frases estão isoladas de qualquer contexto e o vocabulário
já previamente dado (“Você precisa de dinheiro? / You – need – money”) sem que haja
nenhum esforço por parte do aluno em tentar inferir ou pesquisar a tradução das mesmas O
fato de não haver nenhum texto no material da professora A já a impede de fazer um trabalho
mais contextualizado com os advérbios (como pede o PNLD), no qual o aluno poderia inferir
o significado das palavras através do contexto. Bezerra (2004) aponta que o vocabulário deve
ser trabalhado em consonância com o texto, para que o aluno possa, assim, fazer suas
inferências, generalizações, perceber o papel das figuras de linguagem, objetivando, com
isso, construir uma unidade de sentido.
Em sua entrevista, a professora A afirmou ser importante o trabalho com o vocabulário e diz que trabalha palavras
novas através de figuras (quando ela dispõe de LD), porém confessa que quando o aluno não entende, ela parte para a tradução que é
feita através de listagens no quadro de giz.
Entrevistador: Você acha importante trabalhar o vocabulário?
Professora A: Acho, porque tem aluno que não sabe nada, não faz uma
pergunta a gente, eles não se interessam mesmo e ficar só dando aquilo sem
o aluno saber de nada. Eu acho que é importante tradução, vocabulário.
(perg. n. 2.11.1)
Entrevistador: Como você ensina o vocabulário no seu material?
Professora A: Quando eu dou palavra nova assim que eu tenho o livro, eu
vou mostrando através de gravuras, pra saber se eles vão chegando, quando
não chega mesmo é a tradução mesmo daquilo. (perg. n. 2.11.2.)
Entrevistador Você usa listas de palavras?
Professora A: É através de listas. Eu copio mesmo no quadro. (perg. n.
2.11.2.1)
O ensino de vocabulário da forma como se apresenta no material da professora A se assemelha mais ao ensino de
vocabulário nos moldes do método de Gramática e Tradução, quando se enfatizava lista de palavras bilíngües e a tradução, como
acontecia (e ainda acontece) com a abordagem tradicional, diferente dos estudos mais recentes da lingüística que vêem o ensino do
vocabulário atrelado ao texto e a um contexto.
Questionada se achava suas atividades relativas ao ensino de vocabulário
satisfatórias, a professora A confessa que não e diz que gostaria de ter mais recursos no
intuito que seus alunos gravassem e aprendessem mais.
Entrevistador: acha satisfatórias as atividades que são feitas no seu material
sobre vocabulário?
Professora A: Não. Eu queria dar uma coisa melhor, ter mais recursos. Pra
que o aluno gravasse e aprendesse mais. O problema é material que a gente
não tem. Não tem incentivo nenhum. Nem na parte da direção, nem de...
(perg. n. 2.11. 3)
“Gravar” e “aprender” nos remete ao contínuo do conhecimento citado por
Nattinger (1989), que nos aponta o estágio inicial de armazenamento (o “gravar”) para
depois chegar aos de reconhecimento, resgate e uso (o “aprender”). Porém, a professora diz
esbarrar na falta de recursos que inviabilizaria um trabalho dessa natureza.
Com certeza, mais recursos implicam mais oportunidade de
ensino/aprendizado, porém o trabalho com vocabulário pode se dar sem a necessidade de
tantos recursos, como nos aponta Travaglia (2003), em sua defesa por uma educação
lingüística. Ele cita exercícios (como os explicitados na seção 2.3.1) que não exigem muitos
recursos, porém coloca o aluno em contato com a língua real, seus vários significados,
contextos, mostrando-lhe que o que ele aprende pode estar relacionado com sua realidade
sócio-cultural, e que a língua vai muito além do puramente lingüístico.
O que podemos dizer do material da professora A é que, na realidade, não
houve um trabalho intencional e explícito com o vocabulário. E essa forma indireta foi
trabalhada de maneira descontextualizada e isolada, sem que houvesse um contexto imediato,
valendo-se unicamente de uma lista bilíngüe visando à memorização das palavras. No caso
do material da professora acima, o vocabulário foi utilizado no intuito de reforçar o ensino de
gramática.
PROFESSORA B “...é através do vocabulário que o aluno vai conhecer
as palavras da língua-alvo, que ele não conhece ainda”
Assim como fizemos na análise gramatical do material desta professora, esta
seção também será dividida, só que aqui em dois momentos: o primeiro, os exercícios de
revisão; o segundo, a atividade-texto (sobre os signos do zodíaco) e os exercícios com
adjetivos que a seguem.
Do primeiro momento, peguemos o exercício 3, que trabalha com vocabulário
de enfocando adjetivos:
3.
a)
b)
c)
Escreva o nome de uma pessoa que você acha que é:
fat
beautiful
thin
No exercício 3 acima, a aprendizagem do vocabulário se daria em relacionar o
adjetivo a uma pessoa conhecida, apesar de nele podermos encontrar uma relação entre as
palavras (todas servem para descrever fisicamente pessoas), elas são praticamente
apresentadas no exercício sem relação com nenhum texto ou tema que o tenha precedido ou
venha ainda a figurar no material. Sem mencionar o fato de que este tipo de exercício, com
as características que foram utilizadas, pode suscitar o preconceito e a intolerância a partir do
momento em que passa a rotular e estereotipar as pessoas de “fat” (gordo), “thin” (magro),
gerando constrangimento, visto que são dois adjetivos que levam consigo cargas semânticas
negativas. O PNLD no item que trata da cidadania aponta que o ensino deve desenvolver a
“ética necessária ao convívio social e à construção da cidadania”. Ou seja, não se devem
veicular preconceitos, seja através do verbal ou do não-verbal, o que se deve fazer é
promover o convívio social e a tolerância e, por fim, “colaborar para a construção da ética
democrática e plural”. (p. 62)
Passemos agora para a segunda parte do material da professora B. Como dito
acima, essa segunda parte inicia-se com uma atividade-texto composta por palavras que têm
em comum serem substantivos abstratos (exceção para as palavras analytical e freedomloving, nas letras G e J da atividade, respectivamente), e que teriam que ser relacionadas a
um signo do zodíaco:
1) Relacione as características com o signo que você acha que corresponde:
(A) Initiative, activity, enterprise.
(B) Mentality, versatility
(C) Possessions, determination
(D) Compassion, imagination, sacrifice.
(E) Originality, humanitarianism
(F) Conservatism, ambition.
(G) Freedom-loving, exploration.
(H) Secrecy, regeneration
(I) Harmony, balance.
(J) Analytical, practicality.
(K) Vitality, authority
(L) Domesticity, sensitivity
Apesar de as palavras serem substantivos abstratos, elas serviriam para
caracterizar a personalidade referente a cada signo. Sem nenhuma tradução desses
substantivos (que em sua grande maioria está composta por palavras cognatas), os alunos
teriam que relacioná-los aos 12 signos do zodíaco, o que faz com que essa atividade fuja ao
trabalho tradicional com o vocabulário, pedindo para traduzir palavras, colocando palavras
soltas sem contexto nenhum. Neste caso, como visto nas análises anteriores, houve primeiro
um trabalho oral com o gênero horóscopo feito pela professora na aula anterior, que pode ter
servido para ativar o conhecimento de mundo dos alunos sobre o assunto e, com isso, uma
tentativa de predição do vocabulário presente nesse tipo de texto no que se refere à descrição
de características pessoais. Ao agir dessa forma, essa atividade da professora A se aproxima
de um trabalho de vocabulário mais próximo do que Leffa (2000) vem chamar de ensino
incidental de vocabulário.
Elicitando interação e trabalho com a língua de modo a perceber sentidos
impregnados ao signo lingüístico, a atividade seguinte agrega o componente semântico às
palavras ao pedir aos alunos que apontem quais adjetivos eles consideram positivo e quais
eles consideram negativo:
ADJETIVOS POSITIVOS E NEGATIVOS
1. Coloque + se você considerar o adjetivo positivo e – se você considerar
o adjetivo negativo.
a)
b)
c)
d)
e)
(
(
(
(
(
)
)
)
)
)
pessimistic
terrible
terrific
sensitive
shy
f)
g)
h)
i)
j)
(
(
(
(
(
)
)
)
)
)
compassionate
original
outgoing
conservative
realistic
Nessa atividade, os alunos teriam que classificar (de acordo com seu
conhecimento de mundo) os adjetivos em positivos ou negativos. Percebemos aí uma
preocupação em avaliar, mais do que simplesmente ver seu referente por meio de tradução.
Se planejadamente conduzida, e atenta a questões de linguagem e identidade (PCN LE
1998), a atividade poderia suscitar uma discussão sobre o referencial social que essas
palavras desempenham em nossa sociedade e na vida dos alunos. Um adjetivo como “shy”
(tímido) pode ser para alguns algo positivo enquanto para outros uma característica negativa.
Ao mesmo tempo, percebe-se na atividade uma visão dicotômica do mundo, onde tudo ou é
positivo ou negativo. O ideal seria que a atividade apenas pedisse para o que o aluno
expressasse aquilo que pensa sobre os adjetivos citados e fizesse com que ele ampliasse seus
horizontes culturais refletindo se outras culturas partilham os mesmos valores para esses
atributos.
O exercício 2 abaixo (retirado do Smart English) é composto por duas
pequenas atividades-texto que se encontram com lacunas a serem preenchidas por palavras
dadas à parte, nesse caso, “adjetivos”. Numa tentativa de “recuperar” o vocabulário já
apresentado ao aluno na atividade 1 anterior (ao mesmo tempo que apresenta palavras novas,
pelo menos não constam nas atividades anteriores – como marvelous, polite e hardworking),
essa atividade também exigirá dos alunos não só o reconhecimento e uso desses adjetivos na
atividade apresentada, mas também o reconhecimento e uso de outras palavras que lhes
ajudem a compreender os dois pequenos textos, que aparecem sem um contexto maior que
lhes ajudem a completar a atividade. O contexto de uma ida ao cinema, na atividade a, não é
apresentado no material (não se sabe quem é o “nós”, que filme foi visto, quem era seu autor
ou ainda onde toda essa história acontece); a atividade b apresenta características
psicológicas de um personagem fictício, John, que também não é, em nenhum momento,
apresentado ou se trata de pessoa conhecida.
Desta forma, os alunos terão que, primeiro, entender os pequenos textos
(traduzindo-os ou usando de estratégias de leitura para compreendê-los), para só então
completar a atividade-texto. Caso eles não tenham como inferir significados ou não
disponham de dicionário, ficará muito difícil para os mesmos resolverem a atividade
(principalmente, se a atividade não for mediada pela professora), o que poderá também
ocasionar na não aquisição de novas palavras (que a atividade apresenta e demanda).
2. Complete os parágrafos usando os adjetivos abaixo:
a)
MARVELLOUS
- REALISTIC - IMPOLITE – TERRIBLE -
TERRIFIC
Last night, when we were at the movies the ticket seller was very
. He was angry because we were late. Fortunately the film was
. The story was
and the authors’
performance was
. only the music was
.
b)
OUTGOING
-
POLITE
- PESSIMISTIC – TERRIBLE - HARDWORKING
John has some positives traits. I can conclude he is very
. I
am sure he is an
guy. He is
, but his English is
, and he has a
view of life.
O último exercício desse segundo momento apresenta alguns adjetivos e pede para que os alunos os relacionem a
pessoas famosas:
2. Utilize os adjetivos abaixo para caracterizar personalidades
a)
b)
c)
d)
sensitive, compassionate.
terrible, authoritative.
originality23 [sic], terrible.
conservative, terrific.
(…)
Nesse segundo momento, podemos perceber que houve uma ênfase no
trabalho com o vocabulário. Observe-se também que não há uma preocupação gramatical em
relação ao ensino do substantivo e adjetivo (como posição deles na frase, flexão, gênero,
número etc), apenas se tem o trabalho puro com a palavra delimitada em sua categoria, o que
pode apontar para um trabalho implícito de vocabulário. Porém, há
uma preocupação em se ensinar a palavra
limitando-se apenas à descrição psicológica de pessoas, esquecendo outros contextos em que
ela pode ser utilizada, as nuances que pode apresentar, ou, pensando-se ainda num ensino
mais voltado para o texto, na questão morfológica dos adjetivos, apresentando seu sufixos
(para ajudar na inferência de seu significado) e funções que podem exercer os adjetivos num
texto.
Como já ressaltado, atividades específicas sobre vocabulário disponibilizadas
de forma descontextualizada ou sem um tema aglutinador não auxiliam no armazenamento
nem tampouco no reconhecimento e recuperação dessas palavras pelos alunos.
Para a professora B, o ensino de vocabulário deve se dar através de texto, das
estratégias de leitura e da reincidência de palavras para que os alunos possam retê-las.
Entrevistador: Como você ensina o vocabulário?
Professora B: Com texto, com as estratégias de leitura e procurando
trabalhar aquelas palavras que foram utilizadas em outro contexto, para que
eles guardem, retenham aquele vocabulário na memória. (perg. n. 2.11.1.1)
O material da professora B encontra-se perpassado por atividades que envolvem
direta ou indiretamente vocabulário, que também se faz muito presente em seu discurso.
Quando questionada sobre que aspectos da língua estrangeira não podem ficar de fora de um
23
No original, retirado do caderno de um dos alunos da professora, está escrito “originality” (originalidade, que
não se configura em um adjetivo).
material didático, ela cita primeiro o vocabulário, para só depois citar o texto (gênero) e
gramática.
Professora B: Vocabulário, gêneros e o enfoque reflexivo da gramática.
(perg. n. 2.8)
Intencional ou não (ao colocar o vocabulário em primeiro lugar no seu
discurso), a professora vem ainda a demonstrar sua ênfase no ensino de vocabulário quando
perguntada sobre a importância de se trabalhar o vocabulário, ela responde ser
“extremamente” importante esse trabalho, pois é através dele que o aluno conheceria “as
palavras da língua-alvo que ele não conhece ainda” (perg. n. 2.11.1).
No material da professora B, podemos perceber que ela tentou fazer um
trabalho incidental com o vocabulário, ao trabalhar quase especificamente com adjetivos que
descrevem características psicológicas (exceções para os exercícios da parte inicial de
revisão e um sobre advérbios de maneira). Este trabalho inicia-se com a atividade-texto sobre
os signos do zodíaco, passando pelos exercícios que seguem essa atividade (quatro
exercícios), que enfocam direta ou indiretamente os adjetivos. Porém, não percebemos uma
sistematização das atividades que proporcionassem uma aquisição do vocabulário em estudo.
Faltaram também no material mais contextos que envolvessem situações reais de usos
através de textos (das 5 atividades que envolvem adjetivos apenas uma está em forma de
texto, as demais apresentam a palavra isolada, seu uso efetivo não foi trabalhado, pois não
basta apenas que o aluno “reconheça” ou “adquira” uma palavra isoladamente, ele também
terá que saber usá-la em situações reais, o que exigiria também um conhecimento de outra
ordem, como o sintático, por exemplo, uma vez que a posição do adjetivo numa frase em
inglês difere da posição em português (naquela o adjetivo vem antes do substantivo)).
Quanto à metodologia de ensino, apesar de sentirmos que o material queria
inovar em seu trabalho objetivando uma metodologia mais comunicativa, ele acaba
incorrendo nos mesmos problemas de metodologias como a Tradicional e a Estrutural. Para
se efetivar como uma abordagem de caráter mais comunicativo, seria necessário que o
material apresentasse uma ligação dos exercícios com o texto ou com uma situação
comunicativa (ou ainda houvesse mais textos onde os alunos pudessem observar outros
contextos de uso ou ainda reforçar o que já foi visto).
Professora C “[Ensino através de] Velhas listas de vocabulário.
Dentro de um texto você tira uns acrescenta outros.
Vocabulário do mesmo tema, temático: roupas”
Assim como o material da professora B, o material da professora C também
deixa transparecer uma forte ênfase no vocabulário. Para essa análise dividiremos o material
da professora C em duas partes: a primeira em que apresenta o estudo isolado do
vocabulário, ou seja, o mesmo não estava relacionado a nenhum texto ou a uma situação de
comunicação (vale lembrar que todas as atividades dessa parte foram criadas, a priori, pela
professora) que, por sua vez, encontra-se dividido em três grupos de palavras, a saber:
continentes e países, números e membros da família. A segunda parte diz respeito aos textos
presentes nesse material (retirados dos livros New English File e Inglês Instrumental.
Estratégias de Ensino, supracitados) e suas atividades de vocabulário referentes a esses
textos.
Vejamos a seguir excertos dos exercícios da primeira parte:
1. Em grupos de até 4 pessoas
- Divida os países abaixo de acordo com os continentes.
= Brazil, United States, Argentina, Canada.
= England, France, Italy, Russia.
= Australia
= Egypt, South Africa, Zimbabue.
= Japan, China.
Countries = países
England = Inglaterra
United States = Estados Unidos
Australia = Austrália
Canada = Canadá
Brazil = Brasil
Portugal = Portugal
Italy = Itália
Spain = Espanha
Switzerland = Suíça
France = França
Germany = Alemanha
Zimbabue = Zimbábue
Egypt = Egito
O exercício acima, de revisão do que foi visto no ano letivo anterior, trabalha
com o grupo países e continentes. Nele, os alunos tiveram que completar com os continentes
(apesar do enunciado pedir que o aluno “Divida os países abaixo de acordo com os
continentes”, o que na realidade ele tem que fazer é dizer a qual continente pertence o grupo
de países, que já se encontram divididos). Com isso a professora tenta trabalhar o
conhecimento produtivo do aluno, ou seja, o conhecimento que o aluno já detém, neste caso
as palavras do grupo “continentes”, que provavelmente foram estudas no ano letivo anterior.
Seguindo esse exercício, o material apresenta uma listagem com o nome de 9
países que figuram no exercício (1) acima, mais 4 que não figuram nesse exercício, com sua
tradução na língua portuguesa. Algumas considerações podem ser feitas aqui: primeiro, a
grande maioria dos países citados se constituem de palavras cognatas (exceção de
Switzerland (Suíça) e Germany (Alemanha)); segundo, sendo vocabulário já aprendido
(vocabulário produtivo) pelo aluno, não haveria também necessidade de tradução em língua
portuguesa; terceiro, a listagem de palavras acaba reduzindo o léxico ao seu significado puro,
não há nenhum texto ou atividade com propósito comunicativo que traga informação
específica de algum dos países citados: cultura, economia, política, história, ou ainda um
jogo (por exemplo um quiz – jogo de perguntas e respostas). E sendo, em sua grande maioria,
com já dito acima, formado de palavras cognatas, o grupo lexical dos países e até mesmo
continentes, não necessita de atividades à parte para que os alunos os internalize, isso pode se
dar de forma implícita, quando o aluno é capaz de reconhecer e compreender determinado
léxico.
Ainda em caráter de revisão, o exercício abaixo (sobre números) visa apenas
que o aluno recupere de seu léxico mental e saiba escrever os números cardinais em inglês,
mais uma vez temos um trabalho de recuperação e produção (ou cópia se aos alunos foi
permitido consultar cadernos e anotações) com o vocabulário do aluno, porém o exercício
não está ligado a nenhum contexto de uso, o trabalho pedagógico dessa forma se dá pura e
simplesmente através da prática visando ao armazenamento e/ou recuperação dos números e
não através de um processo mais natural e incidental, no qual o aluno fosse adquirindo
naturalmente, através de textos, com contextos reais da utilização de números, como
exemplo: número de telefone, de residência, datas, valore etc.
2. Escreva os números abaixo por extenso.
1.
17.
3.
20
9.
11
15
32
48
56
Abaixo, na apresentação dos membros da família, o ensino de vocabulário
também se deu através de listas de palavras bilíngües, que pode ter tido como objetivo
introduzir um tópico gramatical.
Family members
Father = pai
Mother = mãe
Grandfather = avô
Grandmother = avó
Sister = irmã
Brother = irmão
Son = filho
Daughter = filha
Children = filhos
Grandson = neto
Granddaughter = neta
Uncle = tio
Aunt = tia
Cousin = primo (a)
Niece = sobrina
Nephew = sobrinho
Husband = marido
Wife = mulher, esposa
Sister-in-law = cunhada
Brother-in-law = cunhado
Mother-in-law =sogra
Father-in-law = sogro
Son-in-law = genro
Daughter-in-law = nora
Mr. Simpson
Simpson
HOMER
MARGIE
MEG
•
•
•
Holmer’s father is Mr. Simpson
Meg’s brother is Bart
Margie’s husband is Holmer
•
Lizza’s sister is Meg.
BART
LIZZA
Com a listagem dos membros da família acima, pretendia-se dar suporte ao
trabalho com o tópico gramatical do “caso possessivo”, que o material traz de forma
implícita (ver análise de gramática). Logo em seguida, o material didático traz uma árvore
genealógica da família do desenho animado Os Simpsons, seguida por frases no possessivo
indicando a relação de cada um dos membros dessa família (atividade essa criada pela
professora).
Da forma como é apresentada, a lista acima tem a função tanto de permitir a
leitura da árvore genealógica da Família Simpsons (como se o aluno não fosse capaz de fazêlo sem a tradução - o que, aliás, denuncia visão de aluno como tabula rasa - que não lança
mão de processos cognitivos descendentes, apenas os ascendentes) quanto a elaboração de
duas árvores genealógicas que o material pede na seqüência. Uma árvore cuja elaboração
depende exclusivamente do conhecimento lingüístico, relativo ao grau de parentesco entre
personagens, criada com a finalidade específica de acessar vocabulário receptivo no que diz
respeito à relação entre os membros de uma família, indicado pelo uso do caso genitivo. A
segunda árvore depende apenas do conhecimento dos próprios alunos sobre seus parentes e
uso das palavras fornecidas na lista. Essa segunda atividade, embora possa ser significativa e
relevante ao aluno, por abordar algo que lhe diz respeito, não contribui no desenvolvimento
de competência lexical (armazenamento de vocabulário receptivo e transformação deste em
produtivo).
Desenhe a árvore genealógica da família abaixo.
-
Kate is Mark’s sister.
Mark is Jane’s brother.
John is Marcia’s husband.
Maria is Mark’s mother.
Janice is Thompson’s wife.
Thompson is Sidney’s father.
Sidney is John’s brother.
Sidney is Jane’s uncle.
Atividade de casa
Desenhe a sua árvore genealógica. Coloque os nomes dos seus parentes em
relação a você.
Pelo que pudemos perceber dessa primeira parte do material da professora C,
no que diz respeito ao trabalho com vocabulário, é que este é trabalhado sem um propósito
claro, não intencional e que não desenvolve a competência lexical ao longo do continuo de
conhecimento. Não há uma necessidade maior, por parte do aluno, em aprender, através de
exercícios isolados, os nomes dos países e continentes, uma vez que eles facilmente os
reconheceriam em um texto (salvo algumas exceções, claro), sem falar que as atividades
poderiam, pelo menos, estar mais contextualizadas, ou seja, com textos que enfocassem algo
relativo a países ou com números em situações reais de uso, ou no caso da atividade sobre a
família Simpson induzir o aluno a inferir o significado do vocabulário novo.
Voltemo-nos agora para a segunda parte desse material, no qual enfocaremos
apenas o primeiro texto trabalhado (Where are English words from? – De onde vêm as
palavras inglesas?), texto que enfoca justamente a questão do vocabulário. Vejamos as
atividades referentes ao texto:
Dicas para entender um texto em inglês.
a) Procurar as palavras cognatas (aquelas que são escritas do mesmo jeito
do português, ou são bem parecidas na escrita).
- Sublinhe as palavras cognatas do texto.
b) Procurar no dicionário, ou no vocabulário (traduções que vêm depois do
texto), o significado das palavras que você não conhece. Veja abaixo o
vocabulário do texto estudado.
Where = onde, de onde
Come = vir
Old = velho, antigo
House = casa
Woman = mulher
Man = homem
Child = criança
Bird = pássaro
Water = água
They = eles, elas
Have = ter
1. Traduza a parte 1 do texto.
Vocabulário continuação
Other = outras
Words = palavras
Number = número
School = escola
French = francês
Some = alguns, algumas
Royal = real
Languages = línguas
Today = hoje
An = um, uma
Thousands = milhares
Siesta = soneca
Spanish = Espanha
Japanese = japonês
New = novo (a)
Every = cada
Year = ano
Hundreds = centenas
[Continuação da Tradução do restante do texto]24
No trabalho com o vocabulário, podemos perceber que a professora
inicialmente trabalha a estratégia de leitura “palavras cognatas”, pedindo aos alunos que as
sublinhem e em seguida dá a dica do uso do dicionário, o que acaba, como vimos na análise
relativa à abordagem de texto, sendo inútil, uma vez que ela dá toda a tradução do
vocabulário do texto, até mesmo de palavras cognatas. No material da professora C, assim
como também em seu discurso, fica clara a preocupação em querer passar para o aluno um
vocabulário que serviria, segundo a própria professora, para o aluno ir aos poucos
construindo um “dicionário”, uma vez que os alunos não possuíam, à época, nem um livro
didático.
Professora C: Coisas que vejo em livros antigos, livros com mais de trinta
anos, eu já cheguei a fazer, colocar o vocabulário depois do texto. Por quê?
Porque não tem dicionário. Se ele não tem dicionário, como vai procurar as
palavras que ele não sabia lá? Então, eu tenho que imaginar as palavras que
eles teriam dificuldade e criar um vocabulário, coisas que tão nos livros de
trinta anos atrás. Eu tenho livros aqui que trabalham dessa forma. (perg. n.
2.9.5)
Entrevistador: Você acha importante trabalhar o vocabulário?
24
Não há enunciado pedindo ao aluno que traduza o restante do texto, a partir do vocabulário dado, porém, a
cópia do material, feita a partir de um dos cadernos de um dos alunos, traz a tradução do restante do texto, o
que nos faz supor que ou o aluno esqueceu de copiar o enunciado ou a professora o fez oralmente.
Professora C: Acho importante. E dentro dessa realidade principalmente, que
eu falei que a escola não tem dicionário. (perg. n. 2.11.1)
Pelo discurso da professora, podemos perceber que ela parte da visão de que o
aluno deve conhecer todas as palavras de um texto para poder entendê-lo e que para cada
palavra há um sentido cristalizado. Apesar de dizer que sempre trabalha as estratégias de
leitura, a professora parece ignorar o fato de que estratégias como a inferência ou até mesmo
o reconhecimento de palavras cognatas poderiam auxiliar o aluno a entender o texto,
recuperando vocabulário que se pode transformar de receptivo em produtivo. Porém, ela
prefere adotar uma pedagogia antiga, que versa de milênios, quando se aprendia uma língua
estrangeira através de listagem de palavras traduzidas, como faziam os acadianos tentando
estudar a língua dos sumérios (SILVEIRA, 1999), provavelmente, como uma estratégia para
suprir falta do dicionário.
Grigoleto (1999b, p. 82) afirma que é comum, nos LDs de língua estrangeira,
incluir um glossário após o texto, o que revela um posicionamento em relação ao aluno de
que este não é capaz de inferir, ou ainda um posicionamento de negligência à importância da
estratégia de inferir. Para Grigoleto esses glossários passam a idéia de que é “imprescindível
conhecer todas as palavras”. Ao dar todo, ou quase todo o vocabulário do texto, a professora
antecipa as dificuldades do aluno, impedindo os mesmos de fazerem inferência. ou buscarem
por si só as palavras que necessitam.
O texto (retirado do livro New English File) trata da origem das palavras da
língua inglesa, mostrando as cinco principais fontes, citando exemplos de cada origem, que,
por sua vez, também são as mesmas de muitas palavras de nossa língua (o português),
resultando, então, em palavras que têm escrita e significados iguais nas duas línguas (ou seja,
palavras cognatas). Para Crystal (1997 apud SCHÜTZ, 2006), do ponto de vista lexical, a
língua inglesa é, de fato, mais românica do que germânica. E isso se deve, principalmente ao
fato de 50% do vocabulário da língua inglesa ser proveniente do latim (SCHÜTZ, op. cit). O
texto dá margem, então, para um trabalho contextualizado sobre “empréstimos lingüísticos”,
ao mesmo tempo que poderia motivar o aluno a ler textos em inglês, mesmo que ele não
domine o léxico daquela língua. Desta forma, o aluno poderia, então, lançar mão de um
vocabulário receptivo (que é capaz de reconhecer e compreender), o que o ajudaria na leitura
e compreensão do texto.
Contudo, o que podemos notar é que o trabalho com o vocabulário, elaborado
pela professora, encontra-se totalmente sem relação com o texto. Ele aparece como glossário
para a tradução do texto, assim como acontece também com os textos seguintes “Energy
from the sun” e “Scorpio”, quando é pedido aos alunos, como “compreensão”, que apenas os
traduza, a partir da listagem de palavras dadas, onde podemos concluir que, na realidade, não
há um trabalho sistematizado de vocabulário, visando à competência lexical.
Ao ser questionada de como trabalha o vocabulário, a professora C responde que através de listas de palavras
relacionadas a textos ou através de grupos temáticos. Ela reconhece que essa maneira de trabalhar o vocabulário não é satisfatória,
entretanto, assim o faz, devido ao alunado necessitar de um material em casa pelo qual ele pudesse estudar, uma vez que ele não tem
acesso a dicionários.
Entrevistador: E como você ensina, então?
Professora C: Velhas listas de vocabulário. Dentro de um texto você tira uns
acrescenta outros. Vocabulário do mesmo tema, temático1: roupas. Você vê
esse vocabulário e pode recortar, desenhar e depois usar isso num texto.
(perg. n. 2.11.1.1)
Entrevistador: Você acha satisfatórias essas listas de palavras?
Professora C: Ela não é satisfatório, mas é necessário dentro dessa
realidade. Porque o aluno precisa de algum... [ininteligível] em casa. O
caderno dele fica sendo a gramática, fica sendo o dicionário, é tudo que ele
tem. Se ele não tem nada no caderno, ele não vai ter nada em casa. (perg. n.
2.11.1)
Por fim, podemos dizer que o material da professora C não contempla um
ensino implícito de vocabulário. Atividades como a do grupo de palavras “países e
continentes” e os “números” aparecem descontextualizadas (o que vai de encontro ao critério
do PNLD que aponta que o trabalho com o vocabulário deve se dar de forma
contextualizada). O material encontra-se, então, perpassado por uma visão tradicional de
ensino, principalmente, por seguir os três passos, apontados por Leffa (1988): “a)
memorização prévia de uma lista de palavras, b) conhecimento das regras necessárias para
juntar essas palavras em frases e c) exercícios de tradução e versão”.
4.4.1. Síntese da análise do vocabulário no material didático das três professoras
No material das três professoras, percebemos que o vocabulário foi abordado,
essencialmente, de duas formas: uma forma direta (o objetivo era o trabalho com
vocabulário) e uma forma indireta (onde o vocabulário aparece, mas esse não parece ser o
objetivo principal da atividade). Desta forma, pudemos observar que no material da
professora A, o vocabulário não foi trabalhado de forma direta, ele aparece numa listagem de
palavras (advérbios de freqüência) e na tradução de frases em dois exercícios gramaticais.
No material da professora B, ele se encontra presente tanto na forma direta quanto na
indireta. Já o material da professora C, além de apresentar atividades de forma direta,
apresentou também muitas listas de palavras.
Tabela 15: Formas como aparece o vocabulário no material das três professoras
Prof. A
Prof. B
Prof. C
1. Ensino direto do vocabulário
-
X
X
2. Ensino indireto do vocabulário
X
X
X
Procuramos observar também se o vocabulário aparecia em atividades soltas
(sem estar relacionado a nenhum texto ou outra atividade) ou através de atividades
contextualizadas (como prega o PNLD). Das atividades que enfocam o vocabulário, vimos
que no material de todas as professoras houve a presença de atividades soltas, porém no
material da professora B e C, também se pôde notar algumas atividades contextualizadas,
como as que estavam voltadas para as características presentes na atividade-texto sobre os
signos do zodíaco (professora B) e no trabalho com o grupo de palavras “membros da
família” (professora C).
Tabela 16: Tipos de atividades de vocabulário
Prof. A
Prof. B
Prof. C
1. Atividades soltas
X
X
X
2. Atividades contextualizadas
-
X
X
Por fim, ainda analisamos a concepção de ensino de vocabulário presente no
material das três professoras, se era um ensino mais voltado para o implícito ou explícito. O
material das três professoras apontou para um ensino majoritariamente explícito de
vocabulário.
Tabela 17: Concepção de ensino de vocabulário
1. Ensino implícito de vocabulário
Prof. A
Prof. B
Prof. C
-
X
-
2. Ensino explícito do vocabulário
6. Considerações finais
-
X
X
Para as considerações finais desta pesquisa, voltemo-nos aos objetivos
específicos apontados no início deste trabalho. No primeiro deles, “identificar de onde as
professoras retiram o conteúdo a ser ministrado em suas aulas”, vimos que as professoras,
apesar da certa “liberdade” que têm no ensino de línguas em suas escolas (elas estão livres
para trabalhar da forma que melhor lhes aprouver, apesar de dizerem que têm um plano a
seguir), retiram o conteúdo a ser ministrado, principalmente de livros didáticos ou “criam”
atividades que apenas repetem as de manuais tradicionais. O que é bastante preocupante,
pois, como já foi apontado, não existe uma avaliação do PNLD sobre os LDs de língua
inglesa, o que faz com que tenhamos ainda em livrarias, escolas e editoras muitos livros de
caráter totalmente tradicionais que acabam indo parar nas mãos e nas salas de aula de
professores menos avisados.
Uma avaliação de livros didáticos de língua inglesa, pelo PNLD, poderia fazer
com que muitos desses livros saíssem de circulação ou que fossem reeditados seguindo
determinados critérios, a exemplo do que vem acontecendo com os de língua portuguesa, que
já apresentam significativa melhora na abordagem de seus conteúdos, após a implantação da
avaliação do PNLD (ver ROJO & BATISTA, 2003). Com livros mais atualizados, e mais
centrados em práticas pedagógicas que estão interessadas em tornar o aluno um cidadão, o
professor poderia melhorar essa prática atual que parece não ter propósito algum.
O segundo objetivo específico diz respeito a “identificar de que forma esse
material chega até o aluno”. Através da análise do material e da entrevista concedida,
pudemos perceber que o material das três professoras era repassado ao aluno,
majoritariamente, através do quadro de giz, o que fazia com que elas perdessem tempo
copiando e, ao mesmo tempo, inviabilizasse o ensino dos gêneros textuais e o ensino de
algumas estratégias de leituras que exigem material fotocopiado, como skimming, trabalho
com as marcas tipográficas, o trabalho com determinados aspectos da língua(gem). Essa
limitação de recursos, por parte da escola, também serviu de desculpas para uma prática
pedagógica mais tradicional e estrutural, por parte das professoras.
Quanto ao terceiro objetivo específico, “perscrutar o enfoque e a concepção
que o material didático dá em relação aos aspectos texto, gramática e vocabulário, o que
revelaria a concepção de língua(gem)”, pudemos perceber que houve uma ênfase maior no
ensino explícito de gramática (com exceção do material da professora C), que se pautava em
concepções behavioristas de ensino (com um estímulo – resposta – reforço); e de
vocabulário. Já no MD da professora B, houve uma tentativa de ensino implícito de
vocabulário. O texto, no material das três professoras, apareceu menos e a forma de trabalhálo não era a forma como pregam os PCN-LE ou o PNLD, o texto ainda é visto como um
produto.
No que diz respeito ao último dos objetivos específicos deste trabalho
(“identificar a concepção de ensino e aprendizagem que está subjacente a esse material”),
pudemos observar que, no material das três professoras, houve tímidos avanços na busca de
realizar uma prática menos tradicional. Porém o material das professoras ainda se encontra
arraigado a uma pedagogia tradicional que remonta à época do Renascimento, quando o
ensino era pautado na Gramática e Tradução, objetivando o ensino de línguas mortas (as
línguas clássicas latim e grego), prática que sinaliza pouca evolução no ensino de línguas em
500 anos. Dos três materiais, apenas podemos observar avanços no trabalho feito com a
gramática pela professora C (com o “possessive case”) e a tentativa de trabalho implícito do
vocabulário pela professora B.
No geral, podemos dizer que o material das três professoras volta seu ensino
para o lingüístico em si (voltando-se para o tripé gramática/vocabulário/texto), deixando de
lado o social e as verdadeiras necessidades dos seus alunos. Os PCN-LE (1998, p. 7 e 15)
apontam que a escola deve permitir aos jovens acesso a um conjunto de conhecimentos
socialmente elaborados necessários ao exercício da cidadania, e esse acesso deve se dar
através do seu engajamento discursivo com os outros e, assim, poder agir em sociedade.
Nessa mesma linha, o PNLD (2005) tem como um dos seus critérios que os LDs devem
contribuir para a construção da cidadania, através da ética necessária ao convívio social. No
geral, poucos foram os critérios do PNLD seguidos pelo material das professoras, estes se
encontram ainda bastante distantes de atender às exigências de uma avaliação do PNLD.
Quanto aos PCN-LE, das três professoras, apenas duas disseram já conhecêlos e fazer boa parte de sua prática baseada nesses parâmetros, porém o que pudemos
observar nos materiais é que pouco dos PCN se encontra neles, ainda há muito a se fazer
para que esse material didático utilizado pelas professoras seja um material que esteja “de
acordo com os PCN”.
Contudo, sabemos que o processo de transposição do que pregam os PCN
para a realidade da sala de aula vai exigir muito mais do que apenas conhecimento desses
documentos, podemos citar que, além do conhecimento desses documentos, faz-se necessário
(segundo, CRISTÓVÃO, 1999: 46-47) o aparelhamento da escola, que vai desde uma
mudança em sua estrutura física até a aquisição de recursos didáticos outros como TV, DVD,
computadores etc. (todas as professoras pesquisadas reclamaram do fato de só terem acesso a
a quadro, giz e papel); uma avaliação do sistema educacional (envolvendo professores e
alunos); investimento na formação educacional do professor, que deve ser contínua (faz-se
de extrema importância, uma vez que poderia atualizar os professores quanto ao que há de
mais recente no ensino de línguas – ver o caso da professora A, que se formou no final da
década de 70 e ainda não tinha ouvido falar nos PCN); estabelecimento de um currículo
(todas as três professoras foram unânimes em dizer que a escola não possuía um projeto
político pedagógico e que suas aulas eram elaboradas por elas mesmas apesar de existirem
outras professoras da mesma área na escola - com exceção da professora A que disse preparar
o material com a professora do outro turno); e seleção de material didático (e
acrescentaríamos ainda as fases de avaliação e elaboração de material didático), que, como
vimos neste trabalho, acaba sendo o LD sua maior fonte, retirando dele os conteúdos a serem
ministrados em sala de aula. Diante deste quadro, podemos perceber que não depende apenas
das professoras seguir as propostas dos PCN, mas também de toda uma estrutura que as
cercam.
Entretanto, o que devemos ter em mente é que, com todas essas adversidades no ensino de
línguas, ainda podemos fazer algo objetivando a melhora do mesmo. Um primeiro passo
para isso, com certeza, está no material que o professor usa em sala de aula. Como
professor que fui de língua inglesa em escolas públicas, também tive que confeccionar
meu próprio material didático que era feito a partir de vários “recortes” de livros didáticos
mais atividades criadas por mim mesmo, formando uma apostila, que era fotocopiada
pelos alunos. Quase todos os alunos possuíam a apostila, que continha o que iria ser
trabalhado no ano letivo completo, dividida em quatro bimestres.
Com o uso de um material fotocopiado, o aluno tinha a chance de trabalhar
também com o não verbal, de entrar em contato com diferentes gêneros textuais (mesmo que
muitos deles ainda não autênticos), jogos e músicas.
O material em especifico da 8a série era totalmente voltado para a leitura
(gêneros e estratégias de leituras), porém, confesso, que nas séries anteriores o material ainda
realizava um trabalho muito voltado para o tradicional, com gramática e vocabulário
explícitos, o que também não quer dizer que não houvesse espaço para um trabalho com a
gramática reflexiva.
Trabalhar com o material “confeccionado” por mim, dava-me mais segurança
em sala de aula, além do que, eu podia experimentar novas atividades e formas de trabalhar
com gramática e texto, o que não funcionava num ano letivo não entrava mais na apostila no
ano seguinte.
Apesar de a apostila ser uma versão ‘amadora” de um LD, essa era uma das
saídas encontradas para que o aluno pudesse ter mais acesso a outras linguagens e mais
textos, uma vez que sem ela, ficaria quase impossível trabalhar uma quantidade de textos
satisfatória num bimestre ou ainda trabalhar determinados gêneros que dependem muito do
seu layout.
Por fim, gostaria de apontar, mais uma vez, a necessidade de haver uma
avaliação contínua dos livros de língua inglesa para que os professores possam ter acesso a
um material de melhor qualidade. Aliado a isso, poder-se ter com mais freqüência, por parte
das universidades públicas ou através de programas do governo federal, projetos que visem à
confecção de material didático junto a professores de escolas públicas, no qual eles possam
analisar criticamente os LD e preparar seu próprio material, objetivando sua independência
na criação de um material que não venha apenas a repetir o que se encontram em livros
didáticos, mas também possam, a partir de sua realidade e da realidade do aluno-cidadão,
mudar uma prática que há séculos persiste em não mudar.
Analisar o material de professores de escolas públicas, que não dispõem de
um livro-texto para utilização em sala de aula, serviu para que pudéssemos ter uma idéia de
como anda o ensino de língua inglesa nas escolas públicas de uma cidade como Campina
Grande (PB), apesar do número limitado de participantes da pesquisa.
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