CEAP / CURSO DE DIREITO Disciplina: HERMENÊUTICA JURÍDICA Professor: UBIRATAN RODRIGUES DA SILVA Plano de Ensino: Unidade II. PRINCIPAIS ESCOLAS HERMENÈUTICAS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA AULA Nº 02 ESCOLA → do grego skhole. Conjunto de adeptos de uma doutrina ou seita de algum mestre em qualquer ramo do conhecimento. → fazer Escola significa determinar princípios ou organizar processos que, mais adiante, serão seguidos e imitados. TEORIA → Conhecimento especulativo, meramente racional; abstração; conjunto doutrinário bem elaborado, sistemático, seja de um pensamento, seja de uma ciência; é a vinculação com o objeto pesquisado, e, portanto, com a experiência, ou experimentação, na relação direta de causa-efeito. O Homem é por natureza um ser pensante; para expressar-se põe em execução o que aprendeu; o que sente; e o que pensa. O modelo de conduta do homem agrega valores que guardam sintonia com a sua formação, seja familiar ou acadêmica, com a sua ideologia e com as experiências vivenciadas. Assim entendido, os objetos do conhecimento estão na vida humana, se manifestam na realidade do dia-dia, ou, sob o aspecto jurídico, “são apanhados na conduta em interferência intersubjetiva” (Carlos Cossio, apud VASCONCELOS, Arnaldo. TEORIA GERAL DO DIREITO. TEORIA DA NORMA JURÍDICA, vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Malheiros Editora, 1996). O homem é quem regra sua liberdade, e o faz através da linguagem. Sem idéias não se pensa e sem língua (sistema de símbolos e relações) não se fala (uso atual da língua). A fala emite palavras dando a entender a alguém alguma coisa pensada, ou seja, as palavras se constituem no veículo de exteriorização das idéias. A linguagem ideal, não só para o Direito, seria aquela apregoada pelas nominalistas, consoantes a qual cada palavra pudesse designar ou apontar apenas uma coisa, corresponde-se a uma só idéia ou conceito, tivesse um só sentido (significado). As palavras por natureza se apresentam polissêmicas, sobretudo para o operador do Direito que se depara ora com o seu sentido vulgar ora com o seu uso técnico, compelindo-o no mais das vezes a buscar o seu significado mediante a interpretação no contexto em que ela se insere. Captar a vontade expressa na norma jurídica, assim, constitui-se não só num processo de raciocínio, mas de conhecimento (= compreensão) e de liberdade. De conhecimento, porque envolve um fato a ser valorado como objeto cultural; de liberdade, porque o intérprete é livre para escolher e para decidir. Mais decidir dentre as possibilidades selecionadas na moldura da lei, com justiça. ESCOLA DA EXEGESE Movimento transcorrido no século XIX que sustentava haver no Código Civil de Napoleão a possibilidade de uma solução para todos os eventuais conflitos de vida 1 social. Significava dizer que lei era tudo. Os usos e costumes não tinham validade, a não ser que a lei lhes fizesse expressa referência. O intérprete devia ater-se ao texto da lei, extraindo dele exatamente o seu sentido, sem procurar soluções estranhas a ele. Todos os preceitos jurídicos que regiam a vida em sociedade estavam ali positivados. Cabia ao interprete analisar a disposição legal captando a plenitude do seu valor. A vontade do legislador, declarada na lei, deveria reproduzir-se com exatidão e fidelidade (Teoria Subjetiva). A interpretação gramatical (onde o intérprete vincula-se tão só ao sentido literal das palavras) era, num primeiro momento, uma imposição dessa escola. Os termos utilizados no texto legal tinham que ter um sentido próprio, não contraditório e não supérfluo, procurando uma compreensão harmônica em seu âmbito. Isso, no entanto, era impossível, porque o homem na sua imperfeição, não tinha – e não tem – como estabelecer um sentido exato das palavras empregadas. Pela Revolução Francesa se declarou a igualdade de todos perante a lei. Surgiram, então, os primeiros interpretes que diziam estarem todas as parcelas da sociedade sob a proteção da lei. O Código Civil de Napoleão representava a expressão da vontade geral do povo (Jean – Jacques Rousseau). A lei passou a ser como que a única fonte do Direito, submetendo-se à interpretação sistemática. Mas o desajuste entre a lei, agora codificada, e as profundas mudanças decorrentes da revolução francesa, com reflexos na vida sócio-econômica dos povos, levaram os intérpretes a estabelecer o processo de interpretação histórico-evolutivo, onde o objeto da interpretação é o desenvolvimento histórico das instituições jurídicas (ratio legis), envolvendo o histórico de todo o processo legislativo, as condições culturais ou psicológicas em torno das quais a norma jurídica surgiu (occasio legis). O descompasso entre a causa que gerou a norma jurídica e o conteúdo que este encerra não granjeou a simpatia dos antigos intérpretes, porquanto o seu “valor decresce à medida que o tempo transcorre após o surgir da regra, escrita ou consuetudinária”. Se a lei é a ordenação da razão, resulta evidente que a finalidade constitui-se elemento essencial ao seu bom entendimento, tendo tudo a ver, portanto, com o processo teleológico, previsto no artigo 5º, na lei de Introdução ao Código Civil, cuja preocupação perscruta as necessidades práticas da vida social. A ESCOLA DA LIVRE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA Tem em François Gény o seu fundador. Gény parte do princípio de que, num primeiro momento, o intérprete deve ater-se ao texto da lei. Num segundo momento, não encontrando o intérprete a solução do caso na lei, emprega a analogia, o costume e a sua livre pesquisa. O intérprete deve fidelidade ao texto legal, objetivando reproduzir a vontade do legislador. Verificando, porém, que a lei já não atende a solução de fatos supervenientes, o intérprete, então, tem a liberdade de buscar a solução nos elementos 2 da analogia, do costume e da livre pesquisa, ou até, por desatualizada em face da occasio legis, procurar outra, que melhor atende aos fins sociais do problema em estudo. O que o juiz não pode é deixar de sentenciar, suprindo a lacuna da lei mediante o processo da livre investigação do direito tomando como base a observação dos fatos sociais. Ao realizar sua pesquisa, o jurista deve ter sempre presente que as leis existentes são balizas ao trabalho. A fórmula Gény é esta: Além do Código Civil, mas através do Código Civil. Como esclarece o Prof. Miguel Reale, o jurista tinha que obedecer a índole do sistema positivo. A Livre Investigação Científica seria apenas uma terceira etapa para, supletivamente, encontrar a solução do caso concreto. Daniel Coelho de Souza leciona que Gény caracterizou com precisão a Escola da Livre Investigação Científica: livre, porque realizada fora da ação de uma autoridade positiva; científica, porque apoiada em elementos objetivos relevados cientificamente. De forma percuciente, o Professor de Filosofia nas Universidades Federal e Católica do Paraná, Luiz Fernando Coelho, argumenta que a livre investigação não é, pois, a liberdade para o jurista de investigar nos fatos da vida qual a melhor solução para as controvérsias e para as lacunas da lei; ela não é uma livre criação do direito, uma criação arbitrária do juiz; produto das convicções pessoais do intérprete, ela consiste na técnica de construir os meios de realizar o direito e conseguir justiça; é o trabalho científico de extrair, do “donées” da realidade social, o direito, sempre levando em conta os interesses das partes em conflito. Verifica-se que a escola da livre investigação científica trouxe uma grande contribuição, qual a de ter propiciado o desenvolvimento intelectual do intérprete, como anotou L. Fernando Coelho: o essencial para o intérprete é saber distinguir, nos elementos de que se serve, os que lhe são impostos como dados e os que ele pode construir para a consecução dos fins do direito. A ESCOLA DO DIREITO LIVRE Exacerbou a idéia de liberdade do juiz para decidir. No sentido Kelseniano a escola é voluntarista, pois a vontade do intérprete predominava sobre a mens legis e mens legislatoris. Hemann Kantorowicz foi o seu maior representante. Ele admitia a existência de um direito livre, paralelo ao estatal. Preconizava que a ciência do direito deveria desenvolver-se totalmente autônoma da lei, com liberdade, criando as suas próprias definições e atuando por um procedimento integralmente livre. Hemann Kantorowicz declarava, segundo as palavras do Prof. Miguel Reale, que: haja ou não lei que reja o caso, cabe ao juiz julgar segundo os ditames da ciência e de sua consciência, devendo ser devidamente preparado, por conseguinte, para tão delicada missão. 3 O juiz, em suma, era investido de tantos poderes para decidir que se confundia com a própria lei. A pretensão da escola do direito livre em reduzir o direito à Sociologia do Direito deu ensejo a que o conhecimento da realidade social tomasse o lugar do próprio poder estatal de dizer direito, nos limites da lei. O magistrado, porém, não pode usurpar os domínios do legislador. A autoridade do juiz cinge-se aos limites da lei, e, no exercício da sua atividade, os fundamentos para estabelecer a sua convicção residem nos fins sociais e no bem comum. Nesse sentido, a grande contribuição da Escola do Direito Livre residiu na força criadora atribuída ao magistrado em motivar as suas decisões, repercutindo na formação valiosa da atual jurisprudência. ESCOLA HISTÓRICA DE DIREITO Surgiu na Alemanha, onde não existia uma burguesia interessada em reter o poder e manter as condições sociais, senão que, pelo contrário, pretendia questionar e reformar pressupostos de um Direito despótico, baseado num excessivo formalismo e racionalismo. Para essa nova concepção uma linha de pensamento central: Não existe nenhum fato isolado nem autônomo, mas é a história o vínculo orgânico no qual se relacionam todas as coisas. Savigny, o principal representante dessa corrente, afirmava que compreender o presente é igual a desenvolver as possibilidades do passado. A criação do Direito segue uma linha contínua de progresso e evolução, sendo um erro definir o Direito como absoluto e válido para sempre, como assim era entendido pelo antigo Direito natural. O processo histórico do Direito segue o caminho da construção da história do povo em que se desenvolve. Dessa maneira, a ciência jurídica é uma importante fonte de progresso, mas, antes, é preciso captar o seu “sentido”, para o qual era necessário, em primeiro lugar, reproduzir em nós a “idéia original” da norma e, em segundo lugar, considerar os fatos históricos e o sistema em que a norma está inserida. Foi, contudo, na escolha dessa metodologia para a análise da ciência jurídica que essa Escola cometeu um grave erro, pois se dedicou simplesmente a investigar historicamente o Direito e não, como deveria ter sido correto, utilizar sua história para compreendê-lo na atualidade. TEORIAS No Fim do século XIX, DILTHEY desenvolveu uma nova teoria sobre as ciências que não podiam experimentar-se ou observar-se empiricamente (como no caso da história, da ética, da lingüística, da ciência jurídica, entre outras), cujo objeto era a realidade histórico-social da vida humana. Assim , também, introduziu um novo termo para o conceito de entender, o “compreender”, para designar o conhecimento próprio dessas 4 ciências sociais; enquanto que para as ciências da natureza utilizou o termo “explicar”. Compreender seria a captação do profundo e, nesse sentido, a hermenêutica deixava de ser simplesmente explicativa para ser a compreensão da realidade. A teoria hermenêutica de Gadamer definia a compreensão do “ser” (o chamado “giro hermenêutico”), expõe a respeito da natureza ontológica da experiência humana, identificando-a com a compreensão, “compreender e interpretar textos no es solo uma instancia científica, sino que pertence com toda evidência a la experiencia humana del mundo”. HOLMES, o grande juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, entendia que o principal problema do Direito não se centraliza numa questão de lógica, e sim de experiência. De forma que em Holmes vamos encontrar importante contribuição ao bem interpretar, atividade que, para ele, se deve desenvolver sempre tendo em vista o fato de que o Direito, para ser justo, deve ser buscado á luz de uma interpretação fundada no bom senso, sobretudo quando se cuida da tarefa de sua individualização sob o caso concreto. Aí, sim, é que não cabem os arrazoados que se fincam apenas numa Lógica silogística e matemática. Ainda nos Estados Unidos, a Jurisprudência dos Interesses desabrochará em forma de uma dualismo marcadamente sociologista. Essa Jurisprudência dos Interesses tem muito a ver com a interpretação, porquanto, nas palavras do próprio Heck, é uma especial maneira de se meditar acerca da função do juiz, do que resulta, agora na opinião de Rümellin, que o verdadeiro sentido da norma jurídica há de vincular-se ao disciplinamento adequado das relações intersubjetivas, devendo o juiz ter em mente o conselho de que se deve guiar mais pelas palavras da lei do que pelas valorações que o inspiraram, eis que o jogo dos interesses opostos não dá margem a desvios perante a idéia-mestra do bem comum. Haverá casos em que, por um processo de arbítrio judicial, o juiz, por outorga legal, decidirá baseado em suas pautas axiológicas, subrogando-se à função legiferativa. Na esteira de Holmes, Pound, Cardozo e outros desenvolverão uma Jurisprudência Sociológica, fadada a ter, nos Estados Unidos, ponderável influência no pensamento jurídico em geral e nas elaborações hermenêuticas em particular. Partem eles do convencimento de que os grandes avanços sociais e econômicos que tiveram lugar desde o fim do século XIX não poderiam deixar de produzir efeitos sobre a prática da função judicante. Uma nova interpretação far-se-ia indispensável, e deveria ser conseguida fora das súmulas e dos rótulos dedutivistas. Uma honesta compreensão e uma correta ponderação estimativa das realidades sociais em curso dariam o substrato adequado a complementar, na prática da função jurisdicional, os subsídios teóricos que a especulação filosófica oferecesse. Ainda nos casos em que a norma se encaixa com perfeição a determinado fato, o juiz não será um aplicador mecânico apenas. Outra importante contribuição foi a teoria do argentino CARLOS COSSIO. Para ele, aplicar a lei implica utilizá-la como ângulo de visualização de uma conduta. Importa dar sentido a uma determinada conduta. Sentido carregado de valor, ou seja, sentido axiológico. Mas, ao mesmo tempo em que se põe sentido na conduta considerada, pratica-se o ato de retirar sentido dessa mesma conduta. É um processo de mão dupla: pomos sentido na conduta e dela o extraímos também. Dá-se uma dúplice interpretação, portanto. 5 USO ALTERNATIVO DO DIREITO “Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade” (Jean Cruel. A VIDA DO DIREITO E A INUTILIDADE DAS LEIS. 1ª edição. Salvador: Editora livraria Progresso, 1956. A inquietação é um dos primeiros motores do raciocínio (senão da Filosofia). O Uso Alternativo do Direito surgiu na Itália, entre o fim da década de sessenta e início da setenta, como um processo de crítica ao Direito desenvolvido até então. A carência de resultados concretos das oposições até então levantadas desencadeou a idealização de um movimento teórico prático, o qual propugnasse a utilização do ordenamento jurídico vigente e de suas instituições (Direito Burguês Capitalista) para a consolidação de uma prática judicial emancipadora, eminentemente voltada às classes ou setores sociais menos favorecidos, valendo-se para tanto do uso da chamada guerra de posição, ou seja, a busca efetiva de saídas e opções concretas ao regime vigente. O movimento nega o intento da substituição da ciência jurídica positivista, e busca, apenas, uma aplicação diferente da dogmática dominante, explorando para tanto as contradições e crises que lhe são inerentes, de sorte a obter formas mais democráticas que venham superar e substituir a ordem burguesa. “Apoiando-se em pressupostos do pensamento neomarxista contemporâneo, que explora as fissuras, as antinomias e as contradições da ordem jurídica burguesa, os adeptos do modelo alternativo do Direito consideram a relevância de dois aspectos: a) a estreita relação entre a função política do direito enquanto instrumento de dominação e as determinações socioeconômicas do modo de produção capitalista; b) o Poder Judiciário, que assegura o status quo estabelecido, agindo não só como aparelho ideológico do Estado, mas também como instrumento de repressão e controle institucionalizado” (WOLKMER, Antonio Carlos. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO JURÍDICO CRÍTICO, 2ª edição. São Paulo: Editora Acadêmica, 1995, p. 46). Observando-se os pontos assinalados, percebe-se que busca o Uso Alternativo do Direito desmascarar certos postulados da cultura jurídica burguesa, tais como a apoliticidade, a imparcialidade e a independência dos juízes, visto que o Poder Judiciário é instituição de natureza política, puro reflexo da peculiar dinâmica do poder no Estado capitalista. Assim, partindo de um melhor uso desta função política do Direito, o Uso Alternativo conclama a magistratura a ampliar os espaços democráticos, devendo o ápice do Poder Judiciário limitar-se a ser mero homologador e unificador (reduzindo a um sistema) dos critérios utilizados pelas instâncias inferiores, as quais gozariam de um alargamento do processo hermenêutico para atender às reivindicações dos setores populares, notadamente os mais carentes. 6 REFERÊNCIAS FALCÃO, Raimundo Bezerra. HERMENÊUTICA, 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. LIBERATO, Gustavo Tavares Cavalcanti. O DIREITO ALTERNATIVO E A ESCOLA DO DIREITO LIVRE. Disponível em: <http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.brqrevistaPGM/vol09/13DireitoAlternativo.htm>. Acesso em: 21/01/2008. LOPES, Ana Maria D’Ávila. A HERMENÊUTICA JURÍDICA DE GADAMER. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 37, n. 145 jan/mar. 2000, p. 101-112. SILVA, Edvaldo Assunção e. A INTERPRETAÇÃO E A RIQUEZA DO SENTIDO. Disponível em: <http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revistaPGM/vol11/llInterpretaçãoSentido.htm>. Acesso em: 22/01/2008. 7