Originalmente publicado em: Produção de sentido e leitura: gênero e intencionalidade. In: MARI, Hugo; WALTY, Ivete; FONSECA, M. N. S.. (Org.). Ensaios sobre leitura 2. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2007, v. , p. 11-53. Produção de sentido e leitura: gênero e intencionalidade Hugo Mari – PUC Minas Paulo Henrique de Aguiar Mendes – PUC Minas 1. Observações iniciais Os parâmetros que mobilizamos para falar sobre a produção do sentido comportam uma extensão, quase automática, para tratar a questão da leitura. Não se tem nessa correlação apenas uma aproximação conceitual, já que a produção do sentido reporta a uma condição necessária ao funcionamento de uma língua, enquanto a leitura representa uma estratégia possível para a produção do sentido. Logo, a correlação não resulta apenas por ser a leitura uma estratégia de produção do sentido, mas por ser ela também a atividade de um sujeito-falante que precisará mobilizar recursos (físicos, mentais, cognitivos, lingüísticos, sociais) para dar conta da compreensão de um texto. Ler é, portanto, produzir sentido, mas numa extensão em que talvez tivéssemos qualificar um pouco mais a nossa atividade de leitura. No esquema abaixo, podemos visualizar parte desses comentários, destacando de modo específico, componentes e relações que fundamentam aspectos da produção de sentido, sem a sua extensão necessária ainda para a leitura. Esquema 1: fundamentos para a produção do sentido Produção do sentido Processos Procedimentos lingüísticos Fonéticos: prosódicos Produtos Efeitos de sentido informação Morfológicos: regras Sintático: relações sintagmáticas... Semânticos: relações lexicais... Processos enunciativos verdade crítica humor ironia deboche mentira ... Este esquema propõe um desdobramento da categoria produção do sentido, em processos e produtos. Em relação aos primeiros, destacamos os procedimentos lingüísticos que se incumbem de representar, de forma instrumental, as condições lingüísticas para esta produção. Estamos considerando que tais condições têm a característica fundamental de representarem operações com o sistema da língua. Além delas, poderíamos admitir aquelas de teor extralingüístico que abrangeriam as condições históricas para o sentido. Do lado do produto, apontamos os efeitos de sentido, instância derradeira daquilo que podemos focalizar como resultado da produção do sentido. Como podemos fazer convergir estas observações para a questão da leitura de forma específica? É impossível reconhecer qualquer dimensão da leitura sem a participação determinante de recursos que decorrem dos planos acima apontados. Nenhuma leitura é feita sob a égide de uma indiferença na escolha de procedimentos: o mais desavisado dos leitores precisa mobilizar recursos para tornar a sua tarefa de ler mais econômica e mais efetiva. Para perceber aspectos emocionais de uma interação, precisaríamos, por exemplo, mobilizar recursos prosódicos que permitissem detectar alteração na fala dos interlocutores com vistas à produção de algum efeito de sentido. Muitas estratégias assumidas são decisivas para certos padrões de sentido, mas podem parecer demasiadamente onerosas para outros. O certo é que não processamos tudo que lemos da mesma maneira: sabemos, por economia, selecionar o que é um instrumento de leitura factível para determinadas circunstâncias. Sabemos da conveniência de abandoná-lo para outras circunstâncias. A grande questão que pode ser posta aqui é o tempo que devemos dispor para colocar uma dada estratégia em funcionamento ou para descartá-la a priori. Talvez pudéssemos admitir a hipótese de que há estratégias que são acionadas no instante inaugural da leitura e outras que são inseridas ao longo do seu processo, no momento em que as atuais se tornam debilitadas diante da complexidade dos sentidos do texto. Como hipótese, resta indagar sobre a extensão em que podemos dispor ou não de estratégias apriorísticas: – Será que dispomos de estratégias a priori para ler um poema? Ou para ler um anúncio publicitário? Ou para ler a ata de uma reunião? Ou para ler um editorial de jornal? Respostas a questões dessa natureza implicam uma análise detalhada de muitos aspectos das condições de leitura. É possível que algumas leituras possam ser asseguradas na imediatez do ato de ler através de estratégias que colocamos em jogo. É provável que existam muitas leituras que têm o caráter tardio e vão requerer do leitor o domínio de outras estratégias para se alcançar alguma dimensão dos efeitos de sentido do texto em questão. É normal que leiamos um texto de um jornal uma única vez e dele sejamos capazes de extrair os efeitos de sentido mais imediatos – aqueles que fazem parte da estratégia de um leitor padrão de jornais. Entretanto, a nossa experiência com muitos outros textos não confirma este fato como regra geral para nossa atividade de leitura: há textos que lemos mais de uma vez na totalidade ou em partes, ou porque ele requer um investimento maior para obtermos dele algum padrão de efeito de sentido – poemas, contos, crônicas etc.- , ou porque dele precisamos dar conta de muitos detalhes dos seus efeitos de sentido – ensaios especializados, textos técnicos, por exemplo. Vejamos no esquema abaixo uma síntese, incluindo algumas estratégias que serão objetos de análise nesse texto. Esquema 2: Produção do sentido e leitura Produção do sentido Leitura Condições que operam com a língua A priori Gêneros ... Condições que operam com outros sistemas A posteriori texto E.S Intencionalidade ... O esquema acima procura mostrar o percurso do leitor, por algumas categorias conceituais, como forma de alcançar algum tipo de efeito de sentido [ES]. Inútil dizer que a leitura de nenhum texto está circunscrita apenas a esse percurso, já que ele representa apenas uma dimensão dos efeitos que podem ser apurados ou justificados por categorias que operam na língua. Neste texto, vamos destacar apenas aquelas que estão sendo indicadas no esquema, admitindo que gênero possa funcionar como matriz a priori para a percepção de certos efeitos de sentido, enquanto enunciação e intencionalidade devam ter a mesma funcionalidade, mas numa dimensão a posteriori. Por outro lado, estamos relegando, no horizonte desta discussão, o domínio tácito de um conjunto de elementos que se distribuem por essas dimensões e que é comumente denominado de conhecimento prévio. Saberíamos apontar para cada circunstância de leitura, o que pode representar um conhecimento prévio de ordem física – o leitor precisa ter domínio do código escrito em que o texto estiver vazado; ele precisa minimamente percorrer com os olhos a superfície do texto etc. –, exigido no ato da leitura. Tudo isso, porém, pode ser feito para quaisquer outros planos e pode-se ainda acrescentar que o conhecimento prévio não é uma condição privilegiada para atividade de leitura, mas para qualquer atividade que estivermos aptos a desenvolver. A inaptidão para cumprir qualquer tarefa deve estar associada à falta de algum conhecimento prévio que é lhe exigido ou a alguma impossibilidade circunstancial de virmos a dominá-lo. Desse modo, existe conhecimento prévio para andar, escovar dentes, tirar dinheiro em um caixa eletrônico, chupar jabuticaba, assistir a um jogo de futebol. Mas qual é o conhecimento prévio que brasileiros em geral têm para acompanhar um jogo beisebol? Sabemos, para o futebol, o que caracteriza uma seqüência de movimentos para alcançar o objetivo final - o gol -, porque sobre este esporte dispomos de informações que permitem compreendê-lo como um evento estruturado. O que sabemos do beisebol que nos permite estruturar o arremesso da bola, a tacada na bola, a corrida para alcançar a bola, o deslocamento de atletas de um ponto a outro do campo e muitos outros movimentos menos destacáveis neste evento específico, com vistas a um objetivo determinado? Afinal, o que é para nós o equivalente ao gol no beisebol: acertar a bola, pegar a bola, correr de um ponto a outro, impossibilitar o adversário pegar a bola? A ausência de conhecimento prévio para qualquer evento implica aprendê-lo – no caso de beisebol precisamos nos tornar capazes de dispor esse conjunto de ações em um evento estruturado, com vistas a perceber nele um objetivo final. Apontadas essas observações iniciais, gostaríamos de reafirmar a nossa hipótese sobre a disponibilidade de instrumentos para o processo de leitura, destacando aqueles que costumam ser mobilizados a priori – por exemplo, os gêneros discursivos, quando dispomos de evidências sobre o seu funcionamento, e outros que serão inseridos no desenrolar do processo – por exemplo, operadores de intencionalidade ou condições enunciativas. É preciso ressaltar também que, nos casos acima, é admissível uma faixa transitória onde a determinação de um instrumento a priori – gênero: humor – acione, imediatamente, outros mecanismos – exploração da polissemia lexical: ironia. O objetivo da nossa discussão aqui é caracterizar a importância desses instrumentos para o processo de leitura, mostrando o papel que podem assumir no cômputo geral da produção do sentido de um texto. 3. Natureza dos mecanismos de leitura Vamos avaliar com mais detalhes, porque podemos considerar uma diferença no acionamento de certos mecanismos no processo de leitura. Antes de tudo, é preciso salientar que a mobilização de mecanismos é uma condição necessária para a leitura, ou, pelo menos, uma condição de agilização no processo de obtenção dos sentidos de um texto. Ao iniciar, diariamente, a leitura de um jornal, deparamos com uma extensão muito grande de gêneros e sub-gêneros discursivos. Transitamos com facilidade entre reportagens e editoriais; entre artigos de opinião e crônica, entre entrevistas e resumos de entrevistas, entre cartas de leitor e publicidade, entre tirinhas e charges, enfim entre tantos outros contrastes que pudermos construir, assumindo-os como uma estratégia de decifração de sentido. Por exemplo, ao dispor a priori do gênero reportagem como estratégia de leitura, criamos a expectativa da descrição de um acontecimento, recheado de detalhes informativos sobre pessoas, lugares, objetos diversos, sobre o tempo de ocorrência, sobre relações causais, sobre medidas tomadas etc; quando dispomos do gênero editorial, acionamos estratégias para compreender avaliações críticas, julgamentos, tomada de posição frente a determinado fato. Os dois procedimentos são assumidos aprioristicamente, pois o formato físico da peça, a sua localização no suporte, a forma de identificação de autoria, se for o caso, tudo isso já indica para o leitor uma certa orientação de expectativa para assumir a matriz de um determinado gênero. Podemos sintetizar o exposto acima no seguinte esquema: 3.1 – Gênero como condição para leitura (Discutir a importância do gênero para a leitura) Esquema 3: Fundamentos para a leitura: gênero Gênero Editorial Avaliação Crítica Leitura de um editorial Reportagem Proposta Relatos Dados Leitura de uma reportagem Exemplo de editorial (aproveitar ou propor outro) 3.2 - Intencionalidade como condição para leitura É possível que a totalidade das nossas atividades de leitura envolva, em alguma extensão, um fator intencional. Qualquer texto que lemos pode implicar uma gama tão ampla de informações que seria pouco provável admitir que, dentre aquelas que foram recrutadas para leitura, muitas não tivessem sido por razões intencionais. Nessa dimensão, estaríamos operando com um conceito de intencionalidade que seria onipresente para as ações humanas. De fato, quando se define intencionalidade, o seu atributo fundamental é ter ela o valor de uma direcionalidade que se faz presente em nossos estados mentais e que serve para orientar algum aspecto particular da compreensão dos objetos, dos fatos, das situações. Assim, a intencionalidade tem a função primordial de orientar a percepção das coisas do mundo, a partir de um ponto-de-vista singular, aquele que um sujeito constrói e que serve para caracterizar um modo especial de se apropriar das coisas. Na análise que vamos desenvolver da intencionalidade como expressão de linguagem e como um operador para ler esta expressão, nada do que foi acima apontado poderá ser desprezado. Dada, porém, esta sua abrangência, estaremos optando por uma abordagem restrita dos fenômenos intencionais; aquela que se assegura por um registro nas formas lingüísticas ou por usos específicos que fazemos destas formas. Vejamos inicialmente as seguintes correlações: Esquema 4: Fundamentos para a leitura: intencionalidade Texto Texto [natural] Texto [n-natural] Sentido convencional Sentido intencional Pro. lexicais Rel. sintagm. Aplicação pragmática Sentido intencional Ambigüidades Lexicais 1 2 3 Ajustes sintagm. Ajustes lexicais Sintagm. 4 5 6 Aplicações pragmáticas ulteriores A partir das relações apontadas no quadro acima, é importante definir alguns conceitos básicos aqui presentes. a) Texto [natural]: Um texto é natural se a sua forma lingüística não requerer quaisquer operações de ajuste sintagmático ou lexical e se for possível interpretá-lo sem recorrer a contextos especiais de enunciação. Um contexto é especial, quando precisamos determinar muitos detalhes sobre os componentes do seu processo de enunciação, isto é, validá-lo em relação a interlocutores especiais, a circunstâncias precisas de tempo e de espaço, com uma orientação pragmática localizada etc. É possível que grande parte da nossa experiência de leitor se faça a partir de textos com essa feição natural e com uma especificação do seu processo enunciativo cada vez mais orientado para aplicações específicas. Assim, os jornais que lemos diariamente, grande parte dos romances que já lemos, textos técnicos que percorremos em disciplinas especializadas podem ter, predominantemente, esta feição natural que vemos nas manchetes seguintes: (1) Biografia retrata líder chinês Mao Tse-tung como um sádico. (FSP: 23/09/06) (2) Esboços do Rio feitos por Debret são reunidos em livro. (FSP: 30/09/06). Nem (1) nem (2) para serem lidos vão depender de alguma forma de rearranjo do código: aqui valem para a sua leitura as relações padrões da língua e ao leitor cabe a tarefa de entender os objetos que figuram nos textos - biografia, líder chinês, Mao Tse-tung, esboços, Rio, Debret...-; a natureza das relações formuladas entre eles - [retratar (biografia), (líder chinês)]; [ser sádico (Mao Tse-tung)]; [fazer (Debret), (esboços do Rio)]; [reunir (livro), (esboços)]. Por essa razão, julgamos serem as manchetes acima, na dimensão proposta, uma leitura de teor puramente convencional, já que o seu sentido pode ser alcançado por meios convencionais, na dimensão aqui apontada. b) Texto [não-natural]: Um texto é não-natural se existir qualquer estranhamento em sua forma lingüística, ocasionado pela: (a) necessidade de ajuste nas relações sintagmáticas; (b) necessidade de ajuste nas correlações entre propriedades lexicais; (c) possibilidades de potencialização das condições polissêmicas/homonímicas de itens lexicais; (d) possibilidade de dispor de certas relações sintagmáticas e não de outras; (e) referência direta a um intertexto1. Podemos avaliar parte desses parâmetros, considerando os seguintes exemplos: (3) O time do Cruzeiro piorou porque vendeu craque e comprou droga. (Frase do Caderno de Esportes do DT); (4) Peça a peça (Nome de uma casa de peças automotivas em BH) (5) Brasil! Fraude explica. (Millôr) Nos exemplos (3), (4) e (5), encontramos uma situação diferente da anterior: seria pouco provável supor que a existência dessas frases não seja uma forma 1 Existem outros mecanismos que interferem nos processos de leitura não-convencionais que não aparecem aqui especificados, mas que se diluem por todos esses parâmetros. Seria importante destacar, ao menos, dois que mostram esta característica: (a) a escolha de certos itens lexicais determinada por sua forma significante; (b) a escolha de certos itens lexicais mapeada a partir de contrastes, inferências que tenham uma relação direta com significados distribuídos pelo texto. Ao final do texto, faremos um comentário específico sobre esses fatos. de provocar no leitor desafios que estariam implicados nos parâmetros (c), (d) e (e) acima. As frases perderiam o seu potencial de gerar efeitos de sentido se não fossem lidas levando em conta as possibilidades que estes parâmetros oferecem. Assim, (3) disponibiliza efeitos de sentido que seriam engendrados a partir da dimensão polissêmica de droga – [So1: jogador ruim]; [So2: tipo de entorpecente] – e craque – [So1: jogador muito bom]; [So2: tipo de entorpecente]. Por sua vez, (4) implica um outro desafio para o leitor: a reconstrução de relações sintagmáticas possíveis. Pode-se ler (4) com a recomposição dessas relações, considerando-se a primeira ocorrência do termo peça e a do termo a, a saber: {N: peça Prep: a > [So: enumeração de tipos de mecanismos]}; {V: peça Art: a > [So: pedido de um tipo de mecanismo]}. Por último, é possível pensar que alguém pudesse ler (5) sem supor o seu intertexto Freud explica, se não o conhecesse, mas é evidente que a frase é construída para permitir o seu mapeamento neste intertexto e gerar um efeito de sentido assegurado socialmente pelas dificuldades de explicação. Aqui estaríamos diante de leituras que geram efeitos de sentido por meios intencionais.2 Por sua vez, em complemento aos comentários acima, precisamos esclarecer a contraposição entre sentido convencional e sentido intencional. O primeiro não é diferente, pela sua natureza, do segundo: é provável que tudo que conhecemos sobre o sentido se reduza a uma única forma, a dos sentidos convencionais3. O mesmo efeito de sentido pode ser alcançado por meios convencionais ou intencionais: um pedido de socorro, uma ordem para diminuir a velocidade, um desprezo, um elogio, um xingamento podem ser construídos convencional ou intencionalmente. Dizer sentido convencional ou sentido intencional, portanto, é apenas uma forma simplificada para tratar de sentidos que são obtidos por meios convencionais e aqueles que o são por meios intencionais. Logo, não se trata de objetos lingüísticos diferentes. 2 Considerando exemplos desta natureza, outros serão ainda analisados mais à frente, não nos parece descabido, como geralmente tem sido afirmado, perguntar sobre a intencionalidade do autor (de algum autor). Por acaso, essas frases não teriam, em sua origem, uma intencionalidade que prevê a exploração de efeitos de sentido na dimensão apontada? Se a resposta for afirmativa (e em alguma extensão ele deve ser), que crime haveria em perguntar sobre a intencionalidade do autor? 3 Reportamos com essa afirmação a um texto de Barthes que aponta um problema semelhante para aquilo que discute como sentido conotativo: “Ideologicamente, por fim, este jogo assegura vantajosamente ao texto clássico uma certa inocência; dos dois sistemas, denotativo e conotativo, um deles evidencia-se: o da denotação; a denotação não é o primeiro dos sentidos, mas finge ser; sob tal ilusão, ela não é, finalmente, senão a última das conotações (aquela que, simultaneamente, parece inaugurar e fechar a leitura) ...” (Barthes: 1977). É provável que algumas formas de efeito de sentido sejam produzidas por meios intencionais de modo mais corrente. Pode ser que elas tenham a sua eficiência assegurada por se constituir em uma forma não-direta de gerar efeitos de sentido. Nada impede, porém, que outras tenham, na dimensão do convencional, uma forma mais eficaz de gerar esses efeitos. As placas de sinalização, as bulas de remédio e qualquer outro tipo de mensagem que sinaliza perigo para as pessoas devem ter a pretensão de uma imediatez de sentido. O tempo gasto para dar conta da intencionalidade numa placa rodoviária pode nos levar ao abismo. Por fim, as práticas de linguagem parecem exigir de nós um trânsito eficaz por essas duas dimensões de sentido, sem que seja possível, a priori, assegurar que sentidos se obtêm por um ou outro meio. As outras categorias do quadro acima serão explicitadas quando viermos a analisar cada um dos parâmetros enumerados como uma seqüência de passos. Vejamos, então, alguns comentários sobre os parâmetros apontados para justificar a questão da presença e da ausência de intencionalidade nas práticas de leitura. 1 - Texto: [natural] > [sentido convencional] > [propriedades lexicais / relações sintagmáticas] Os passos acima traduzem, a partir do esquema proposto, aquele que seria um procedimento comum de produção de efeitos de sentido, possivelmente aquele padrão que reconhecemos com mais rapidez e que faz parte, de modo mais determinante, em nossa atividade de leitura numa extensão bastante ampla. Vejamos um pequeno trecho de texto nesta dimensão: Texto 1: A Assembléia Geral da ONU elegeu ontem, por aclamação, o ministro de Relações Exteriores sul-coreano, Ban Ki-Moon, como seu novo secretário-geral. Ban, 62, assumirá o lugar do ganense Kofi Annan no primeiro dia de 2007, para um mandato de cinco anos. (FSP: 14-10-06) O processamento do sentido do texto acima é feito com base no conhecimento de propriedades lexicais aí presentes (nomes próprios: Assembléia Geral da ONU, Ban Ki-Moon, Kofi Annan; funções: ministro, secretário geral; tempo: ontem, novo, 62 anos, primeiro dia de 2007, cinco anos; ações: eleger, assumir etc.), bem como em relações sintagmáticas recorrentes: {eleger[passado] (AG-ONU), (ministro de RE) (novo secretário-geral)}; {assumir[futuro] (Ban), (mandato)}. Não existe aqui nenhuma necessidade maior de reajustes dessas relações e nem uma exploração mais detalhada do funcionamento das propriedades lexicais aí presentes. Isso torna este texto natural, pelas razões que foram até agora expostas e o seu sentido pode ser produzido a partir das convenções lingüísticas que foram acima apontadas. A partir dos passos do esquema podemos admitir, então, o seguinte princípio: PRINCÍPIO GERAL 1: para todo texto natural, o seu sentido é convencional se e somente se os seus efeitos de sentido forem gerados apenas pelo amalgamento de propriedades lexicais dos itens lexicais e pelas relações sintagmáticas estabelecidas entre eles4. 2 – Texto: [natural] > [sentido intencional] > [aplicação pragmática]; De textos naturais, como vimos acima, em geral derivamos uma leitura com um sentido convencional, em razão de serem os efeitos de sentido dele decorrentes uma combinação entre propriedades lexicais canônicas e relações sintagmáticas. Todavia, mesmo para textos naturais para os quais uma instância de leitura pode ser obtida por meios convencionais é possível que aplicações pragmáticas possam reverter este processo, constituindo efeitos de sentido intencionais. Uma aplicação pragmática capaz de reverter um processo de compreensão do sentido de um texto para uma dimensão intencional fundamenta-se na existência de vestígios disseminados no texto. É o que pretendemos mostrar no texto seguinte: Texto 2: A porca O melhor da porca não é o torresmo. 4 A porca é o retrato, esculpido em carrara, Diferentemente de Eco que distingue conhecimento enciclopédico – conhecimento sobre os objetos do mundo - de conhecimento lingüístico – conhecimento sobre os fatos da língua -, estamos abandonando esta distinção e admitindo que algum conhecimento que o falante tem de um objeto do mundo como ONU já se mostra incorporado na língua. Por exemplo, a personificação do termo não é apenas um conhecimento do mundo, já que grande parte das predicações que usamos para pessoas, por um ajuste metonímico, podemos usar para ONU: A ONU pensa, julga, solicita, proíbe, faz papel de palhaço ... Perceba a perfídia de seu olho vesgo. Sob a banha troncha eis a carnadura, Controlando o gesto de sua impostura. Quase não se move, fardo da gordura. Na água, na lama, ela se refresca. Inventa sua cama pra curtir a sesta. Dormir e comer é o seu ofício. No ócio resume prazeres e vício. E vai engordando essa enorme lesma. Não percebe o mundo, centrada em si mesma. de uma burguesia cuspida e escarrada. Enquanto deglute iguaria rara, se esquece, a megera, de livrar a cara. Para sua gula não existe limite quanto mais devora maior o apetite. Quem engorda a porca? - Milhões de sem-nada. E a bicha no ponto de ser devorada. O forno está quente, a lenha, queimada. O jantar de hoje: uma porca assada. (Reynaldo Jardim, Bundas, 2001) Dificilmente, o presente texto seria lido apenas atendendo a preceitos lingüísticos convencionais, na dimensão em que o fizemos para justificar a leitura do trecho anterior. Como hipóteses de leitura, entretanto, poderíamos apontar duas dimensões referenciais para ele: (a) uma em que poderíamos admitir uma orientação referencial circunscrita à dimensão da porca como animal para a qual haveria metaforizações específicas ao tratá-la; (b) outra em que poderíamos supor uma dimensão referencial relativa ao poder de estado, circunstância que levaria a uma metaforização inicial de porca em estado. Como podemos especificar cada uma dessas leituras e que teor devemos imputar a uma e outra? Na primeira leitura, poderíamos avaliar a porca como um animal, em razão de atributos (torresmo, banha, carnadura, gordura, assada etc.), comportamentos (quase não se move, sustenta a custo fardo de gordura, na água, na lama ela se refresca, e vai engordando, etc.) que a ela podem estar diretamente vinculados. É claro que uma leitura nesta dimensão, implicaria metaforizar outros aspectos do texto (retrato de uma burguesia, gesto de impostura, livrar a cara, milhões de sem-nada), convertendo-os em favor de uma compreensão sobre o animal, o que nem sempre parece muito evidente. Embora factível em alguma dimensão (aqui quase-convencional), não nos parece, todavia, ser esta a leitura que devemos aqui privilegiar. O desafio de uma compreensão mais depurada do texto nos levaria a adotar a segunda hipótese. A segunda leitura determinaria uma extensão necessária de porca para estado (ou poder de estado): não seria ela que simbolizaria o peso do estado, não seria ela um demarcador das gorduras que precisam ser tronchadas? Esta nova orientação de sentido do texto parece estar marcada na expressão não percebe o mundo, centrada em si mesma por caracterizar todo um processo de centralismo, de autoritarismo que não vê restrições em sua função de taxar para sua gula não existe limite quanto mais devora maior o apetite. Mas esse estado é também servil da burguesia – retrato esculpido em carrara de uma burguesia - e, embora seja engordado por milhões de sem-nada, está apto a ser consumido por aqueles que dele se apropriam: E a bicha no ponto de ser devorada... O jantar de hoje: uma porca assada, que, com certeza, não será servido aos sem-nada. Há outros aspectos do texto que poderiam ser explorados nesta dimensão, mas julgamos ser esta amostra suficiente para justificar como um texto natural pode ser lido numa dimensão intencional, à medida que decidimos para ele uma aplicação pragmática factível. PRINCÍPIO GERAL 2: para todo texto natural, o seu sentido é intencional se os seus efeitos de sentido forem gerados não apenas pelo amalgamento de propriedades lexicais dos itens lexicais e pelas relações sintagmáticas estabelecidas entre eles, mas também por uma orientação pragmática determinada pelo leitor, a partir de vestígios lingüísticoenunciativos mais ou menos disseminados pelo texto. 3 - Texto: [n-natural] > [sentido intencional] > [ambigüidades] > [lexicais]; Na dimensão do esquema acima proposto, de um texto não-natural, a partir do qual puderem ser exploradas ambigüidades lexicais (polissêmicas e ou homonímicas), poderemos obter efeitos de sentido intencionais. Os efeitos gerados nesta circunstância estarão associados a signos/enunciados específicos, que são fundamentais para a expressão de um algum tipo de efeito de sentido. Texto 3: (a) O novo papel da Klabin. (Terra Online); (b) Depois da mensagem, deixe o sinal. (Secretaria do PC Farias); (c) Se devemos uma fábula, então era uma vez. (Nagao). Cada uma das frases tem uma dimensão intencional pela exploração que é feita da polissemia de certos termos. No exemplo (a), podemos descrever o termo papel da seguinte forma (entre outras possibilidades): So1: [produto celulósico] Se: papel/ So2: [títulos de valor] So3: [encenação de um personagem] A exploração do So3 talvez pudesse ser eliminada por exigir uma especificação enunciativa maior, mas a exploração dos outros dois parece evidente: como Klabin é empresa que atua no ramo da celulose, logo o efeito de sentido que permite falar de um novo produto da empresa parece imediato. Igualmente, a exploração do So2 levaria à compreensão de um efeito de sentido que reporta a novas funções que pudessem ser atribuídas à empresa. Entendemos que efeitos de sentido têm um caráter intencional, na dimensão do parâmetro proposto, quando se torna possível explorar a dimensão polissêmica de um dos itens lexicais do texto, do enunciado. No exemplo (b), além do caráter polissemia do texto, existe antes um arranjo do código que se valeu dessa possibilidade. O texto em si não apresenta polissemia para os seus itens lexicais, mas coloca em jogo a sua relação com um intertexto que possibilita essa exploração a partir do uso do termo sinal: So1: [um tipo de sonorização] Se: sinal/ So2: [dinheiro antecipado numa negociação ] No intertexto – Depois do sinal, deixe a mensagem – que gera esta mensagem, o termo sinal realiza o So1, PRINCÍPIO GERAL 3: para todo texto não-natural, o seu sentido é intencional se os seus efeitos de sentido forem gerados não somente pelo amalgamento de parte das propriedades lexicais dos itens lexicais recorrentes e pelas relações sintagmáticas estabelecidas entre eles, mas também pela exploração de algum potencial polissêmico ou homonímico de seus itens lexicais. 4 - Texto: [n-natural] > [sentido intencional] > [ambigüidades] > [sintagmáticas]; Outra dimensão possível para justificar um texto não-natural está representada nos passos delineados neste parâmetro: neste caso, efeitos de sentido podem ser alcançados por meios intencionais pela possibilidade de exploração das ambigüidades sintagmáticas. Texto 4: Covas ovacionado em Carapicuíba! Diz que nas feiras ovo pra tacar no Covas tá com 20% de desconto. Tá caro o ovo! De tanto que o povo demanda. No Covas! E o prefeito maravilhoso no palanque catando os ovos? Escala o prefeito de Carapicuíba pra Seleção. Pra goleiro. (José Simão, 1995) O texto em questão mostra alguns aspectos de „desajuste‟ do código que precisariam ser recompostos para permitir efeitos de sentido mais precisos. No caso específico, trata-se das possibilidades de rearranjo de três partes seqüênciais no texto: Tá caro o ovo! De tanto que o povo demanda. No Covas!. Assim, as possibilidades de sua recomposição orientam para o alcance de sentidos diferentes, conforme análise proposta: Relações originais Ressignificação das relações Diz que nas feiras ovo pra tacar no ...Tá caro o ovo, de tanto que o povo Covas tá com 20% de desconto. Tá demanda. caro o ovo! De tanto que o povo ...Tá caro o ovo, de tanto que o povo manda no Covas demanda. No Covas! ...Tacaro o ovo no Covas Os “ajustes” que podem ser feitos no código permitem efeitos de sentido diferenciados. O primeiro segmento aponta um efeito relativo a uma rede de causalidade que justifica o preço do ovo: [maior demanda maior preço]; o segundo mostra o efeito [maior uso maior preço] e o terceiro, [jogar ovo insatisfação]. Assim, todos esses efeitos são gerados a partir de possibilidades intencionais que o código oferece. PRINCÍPIO GERAL 4: para todo texto não-natural, o seu sentido é intencional se os seus efeitos de sentido forem gerados não somente pelo amalgamento de parte das propriedades lexicais dos itens lexicais recorrentes, respeitadas as relações sintagmáticas estabelecidas entre eles, mas também pela exploração de ambigüidades sintáticas remanescentes para alguma das relações sintagmáticas estabelecidas no texto. 5 – Texto: [n-natural] > [sentido intencional] > [ajustes sintagmáticos]; Os procedimentos de interpretação que implicam ajustes sintagmáticos, determinantes para o sentido intencional, apresentam formatos diferentes no português. Tanto podemos encontrar formatos que precisam de uma reconstrução do código, com vistas a uma recomposição natural dos significantes e, portanto, das relações sintagmáticas, como daqueles que vão requerer a interpretação, por alguma forma de pressão estrutural, de unidades lingüísticas não recorrentes na língua. É possível que existam outros formatos mais locais, mas os que estamos apresentando evidenciam uma amostra importante. Texto 5: A Baposa e o Rode Millôr Fernandes Por um azino do destar, uma rapiu caosa, certo dia, num pundo profoço, do quir não consegual saiu. Um rode, passi por alando, algois tum depempo e vosa a rapendo foi mordade pela curiosidido. "Comosa rapadre" -- perguntou -- "que ê que vocé esti faza aendo?". "Voção entê são nabe?" respondosa a mapreira rateu. "Vem aí a mais terrêca sível de tôda a histeste do nordória. Salti aquei no foço dêste pundo e guardarar a ei que brotágua sim pra mó. Mas, se vocér quisê, como e mau compedre, per me fazia companhode". Sem pensezes duas var, o bem saltode tambou no pundo do foço. A rapaente imediatamosa trepostas nas coulhes, apoifre num dos xides do bou-se e salfoço tora do fou, gritando: "Adrade, compeus". MORAL: Jamie confais em quá estade em dificuldém. FOPOS DE ESÁBULA O texto do autor (Fellôr Mirnandes!) desmonta parte da naturalidade (aceitação tácita) de muitos significantes do português. A princípio, pode-se dizer que isso representaria uma razão para barrar as investidas do leitor sobre uma interpretação deste texto: é provável que não investimos no processo de interpretação de um texto se os seus significantes não nos são naturais. Entretanto, a estrutura vocabular produzida não fere fundamentalmente princípios fonéticos, morfêmicos e gráficos do português. Assim, se temos ázimo, pariu, verdade, ditosa, respostas por que não podemos ter azino, rapiu, mordade, respondosa, trepostas? Há seqüências que são absolutamente naturais para qualquer leitor do português (certo dia, num; Vem aí a mais...), há outras que são mais complexas (terrêca sível de tôda a histeste do nordória) e outras intermediárias (a rapendo foi mordade pela curiosidido). De toda forma, a leitura deste texto, além do conhecimento de todo conjunto de informações, envolvendo narrativas do gênero fábula, precisa determinar uma regra de recomposição dos significantes do texto. Para resumir, mencionaria uma regra básica (da língua para o texto) que possibilitasse a reconstrução de muitos dos significantes do texto (há outras mais detalhadas): língua Regra básica texto Palavra-1: xx raposa, azar, poço Palavra-1a: xy rode, azino, pundo Palavra-2: yy bode, destino, profundo Palavra-2a: yx baposa, destar, profoço Nesta fábula, na reescrita do autor, devemos destacar como efeito de sentido maior a „desconstrução‟ do seu sentido original, na forma em que aparece sintetizado por uma nova moral: jamais confie em alguém que está em dificuldade. Aqui poderíamos recorrer à idéia de gênero, como acima descrita, e à de intertextualidade, como um critério de reconhecimento da intecionalidade, para justificar parte da percepção deste efeito de sentido. É importante reafirmar que esta percepção poderia ser alcançada por meios convencionais, se a preocupação do autor não fosse uma deformação do código que prevalece no texto matriz. De resto, isso é válido para quaisquer efeitos de sentido a que estamos atribuindo o teor intencional. Outro formato de necessidade de reconstrução do código poderia ser lembrado pelo texto abaixo: Texto 6: Pergunte ao seu Creysson - Seu Creysson, eu tenho uma dúvida. Se eu e meu amigo sair pra comprar cigarro, o certo é nós vai comprar cigarro ou a gente vamo comprar cigarro? - Mas cês são muitcho inguinorântio mêrmio, hein? As dua opssão estão errádias! Se vocês saíro pra comprá cigárrio, cês tem que falá “nos fumo”, pruquê se cês num fumo, pra que que ia cumprá cigárrio? (Casseta & Planeta: 2002) Aqui a reconstrução imposta ao leitor é mais simples, pois o texto reproduz, na escrita, certos padrões do português oral. Há, todavia, um outro aspecto que é a realização do idioleto do Seu Creysson, cujo princípio geral indica a ditongação da última sílaba da palavra: inguinorântio, mêrmio, erradias, cigárrio. Aqui o efeito de sentido de humor, de deboche é produzido através dessa forma intencional de uso do código, usada para criar o texto. PRINCÍPIO GERAL 5: para todo texto não-natural, o seu sentido é intencional se os seus efeitos de sentido forem gerados não somente pelo amalgamento de parte das propriedades lexicais dos itens lexicais recorrentes e pelas relações sintagmáticas estabelecidas entre eles, mas também pela recomposição da forma de certos significantes e das relações lexicais estabelecidas entre as unidades. 6 – Texto: [n-natural] > [sentido intencional] > [ajustes lexicais]; Um texto não-natural pode ser caracterizado pela necessidade de ajustes em parte das relações lexicais que ele atualiza. Essa necessidade de ajuste torna o seu sentido intencional, porque não deriva de relações canônicas prédeterminadas no léxico. Vejam uma demonstração disso no exemplo seguinte: Texto: 7 Alegria contagiante Doença epidêmica transmite-se pelas antenas de televisão. Os principais agentes transmissores são os mosquitos, o Gugu Liberato e o Sérgio Mallandro. Poucos minutos depois de ligar o aparelho, o paciente começa a sentir coceira e uma profunda irritação. Essa doença não tem cura, mas mesmo assim, os médicos recomendam ferver a televisão. (Planeta Diário, 1991, n. 73) O texto mostra um cruzamento de unidades lexicais que se acham articuladas em dois campos semânticos diferentes. Convergem nele, portanto, um campo semântico da doença e um campo semântico da televisão, conforme mostramos no quadro seguinte: Texto CS1: doença epidêmica mosquitos paciente coceira profunda irritação ter cura médicos CS2: televisão alegria antenas de televisão Gugu Liberato Sérgio Mallandro ligar o aparelho televisão Esses dois campos são associados no texto através de termos que permitem certa transição entre si: assim podemos destacar contagiante, transmitir e agentes transmissores que serão responsáveis por metaforizar um dos campos semânticos em detrimento do outro. A função da intencionalidade é, então, dirigir esta metaforização para um dos campos e é o que acontece quando, fazemos migrar os termos do campo das doenças para o da televisão, propiciando um efeito de crítica à televisão, assumida em seu caráter de doença epidêmica. Esta assunção do campo semântico da televisão dos termos de doença justifica, em conseqüência, o ajuste que devemos fazer: (a) para a expressão ferver a televisão, isto é, o de metaforizar o termo ferver - e não televisão – que assume o sentido de purificar, descontaminar, higienizar; (b) para o título alegria contagiante, que representa uma síntese dos dois campos semânticos, justificada pela migração que foi acima proposta. Nesta dimensão é que estamos afirmando que os efeitos de sentido aqui produzidos – crítica à televisão – não foram obtidos por meios convencionais, mas por meios predominantemente intencionais. Referências: BARTHES, R. S/Z. Lisboa: Signo 70, 1977, p.... CASSETA & PLANETA. Seu Creysson. Vídia i óbria. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 36. FERNANDES, MILLÔR. A baposa e o rode. In: Fábulas Fabulosas. Rio de Janeiro: José Álvaro Editora, 1964, p. 133. SIMÃO, J. Bomba! Tiraram os acentos do “Fantástico” In: Folha de São Paulo: São Paulo, 25-04-95. PLANETA DIARIO