SELEÇÃO DE GÊNEROS TEXTUAIS SEGUNDO APORTES TEÓRICOS DAS TRADIÇÕES DISCURSIVAS E DA LINGUÍSTICA DE CORPUS: CRITÉRIOS PARA A CONSTITUIÇÃO DE CORPORA HISTÓRICOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO José da Silva Simões [email protected] ou [email protected] Departamento de Letras Modernas Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo - Brasil Com esta comunicação pretende-se discutir a relevância dos pressupostos teóricos das Tradições Discursivas (TD) (Koch 1997 e 2008, Kabatek 2005, 2006 e 2008, Oesterreicher 1998, 2008, e texto no prelo) em consonância com os postulados defendidos por especialistas em Línguística de Corpus (LC) (Biber/Conrad 2009, Baker 2010, O’Keeffe/McCarthy 2010, Lüdeling/Kytö 2009, Wilson/Archer/Rayson 2006) para a seleção e análise de corpora históricos PB. Em outras palavras, o objetivo principal da comunicação é traçar um perfil de critérios relevantes à pesquisa voltada para a LC a partir dos pressupostos do modelo de TD e demonstrar como esses critérios podem ajudar a controlar as asserções que se possam fazer a respeito de fenômenos de mudança lingüística do PB. As evidências serão colhidas em textos de variada tipologia: cartas, memórias, testamentos, atas diversas (atas de batismo, casamento e óbito e atas da câmara). Entre os critérios a serem descritos, destacam-se: as formas de aquisição do português no Brasil e suas normas, o papel das instituições propagadoras das normas (a escola e as instituições da administração pública, a imprensa a partir do séc. XIX) e a identificação de mudanças internas de uma norma para outra. Serão apresentados alguns exemplares de textos de tipologia variada e suas respectivas evidências, tentando responder as questões subjacentes à evolução do PB em um recorte da diacronia que avança do séc. XVI para o séc. XXI. Este trabalho tem como foco a história da Língua Portuguesa no Brasil e com esta comunicação pretendo discutir a importância da adoção de um corpus diacrônico de textos controlado por critérios definidos. Desde 1997, as equipes do Projeto Para a História do Português Brasileiro (PHPB) têm coletado materiais representativos da diacronia dessa variante do português. A tarefa dos pesquisadores das várias regiões compreende a necessidade de encontrar evidências das distintas normas lingüísticas que conviveram em determinadas sincronias do Português Brasileiro (PB). Ao assumir essa empreitada, os linguistas defrontam-se com indagações interdependentes à questão principal que se orienta para a descrição da evolução do PB na diacronia. A idéia é responder questões como estas: 1. Que modelos textuais foram levados para o Brasil? 2. Esses modelos foram reelaborados nesse novo espaço comunicativo? 3. Quanto dessa reelaboração é fruto de mudanças na história social da comunidade que se apropriou dessa língua? e 4. Em que medida contar a história dos textos pode ajudar a contar a história da língua? Como lingüistas, estamos preocupados em responder a questão que envolve os fenômenos de mudança lingüística no Português Brasileiro. Como temos acesso restrito a textos escritos que possam evidenciar uma norma cotidiana dessas sincronias passadas e que ofereçam uma maior proximidade com o vernáculo ou com os falares cotidianos, resta-nos apenas trabalhar com os documentos disponíveis em arquivos, muitas vezes formulaicos e presos a uma norma que poderíamos até mesmo chamar de institucional, como é o caso do registros religiosos e da administração pública. No entanto, acredito que é possível estabelecer critérios relevantes já consolidados pelas pesquisas associadas à Linguística de Corpus e aos pressupostos do modelo de Tradições Discursivas como forma de controlar as asserções que se possam fazer a respeito de fenômenos de mudança lingüística do PB. Em outras palavras, o objetivo principal da comunicação é traçar um perfil de critérios relevantes à pesquisa voltada para a LC a partir dos pressupostos do modelo de TD e demonstrar como esses critérios podem ajudar a controlar as asserções que se possam fazer a respeito de fenômenos de mudança lingüística do PB. 1. Antecendentes teóricos e metodológicos da pesquisa diacrônica baseada na coleta e seleção de textos representativos do português brasileiro Desde 2003, juntamente com Verena Kewitz (v. KEWITZ 2007; SIMÕES 2007 e SIMÕES/KEWITZ 2006a, 2006b, 2009a, 2009b e 2009c), procuramos estabelecer um controle dos elementos composicionais dos exemplares de textos para proceder à seleção dos documentos, levando em conta vários critérios não apenas exclusivos da história interna da língua portuguesa no Brasil, mas também de caráter tanto de história social e espaços comunicativos onde foram produzidos os textos, como também de fatores discursivos, tais como a finalidade comunicativa que fez gerar o documento. Nesses trabalhos (SIMÕES/KEWITZ, op. cit.), defendemos que a constituição dos gêneros textuais e os processos de mudança dos elementos composicionais que resultam de acomodações desses mesmos gêneros textuais às comunidades linguísticas nas quais são veiculados são de grande importância para a análise de fenômenos lingüísticos, pois acreditamos que não é adequado afirmar se houve algum tipo de mudança gramatical em uma língua, levando em conta apenas um gênero textual específico ou um conjunto desordenado de exemplares de textos, sejam eles do mesmo gênero ou de tipologia textual diferenciada. A análise de fenômenos específicos – como é o caso da diacronia das orações de gerúndio em PB (SIMÕES 2007) e da alternância de das preposições A e PARA (KEWITZ 2007) baseada em um corpus selecionado por critérios ligados à composicionalidade paradigmática de vários gêneros textuais –, permitiu entender a abundância ou escassez de ocorrência desses itens de acordo com o contexto discursivo em que apareciam. Nesses trabalhos preocupamo-nos em levar em conta a seleção de exemplares de textos de maior distância comunicativa (cf. Koch/Oesterreicher 2007/1990), como é o caso das cartas oficiais, das cartas administração privada e das memórias históricas, bem como também nos registros de uma língua oral concepcional de séculos anteriores, registrada, por exemplo, nas cartas particulares, nos entremezes e nas peças teatrais. Para a coleta destes materiais, transpusemos uma metodologia já bem consolidada nos trabalhos da Sociolinguística, levando em consideração não só fatores discursivos como também fatores sociais, associados às condições de produção dos textos, aplicando, assim, aos textos escritos um tratamento análogo aquele que se adota usualmente para a interpretação de textos orais de sincronias mais recentes. Para adequar essa pesquisa à análise de textos antigos, aliamos à metodologia os pressupostos do modelo de Tradições Discursivas (doravante TD) da escola romanística alemã, sediada principalmente na Universidade de Tübingen e que tem como foco a concepção coseriana do binômio sincronia/diacronia1. Nesse modelo, levam-se em conta os processos de evocação e atualização ou inovação de gêneros textuais e de “modos de dizer em geral”. 1.1 Um Corpus Mínimo Comum do PHPB: em busca de critérios relevantes para a seleção de documentos Em vários estudos acerca da constituição de corpora para o PHPB, é possível perceber a preocupação comum das várias equipes regionais por editar documentos que mantenham um caráter mais próximo da oralidade. Em comunicação com Verena Kewitz (SIMÕES/KEWITZ 2010), reunimos os aspectos relevantes apontados por cada uma das equipes, e a partir daí propusemos uma agenda de coleta de um corpus mínimo compartilhado. Em geral, notou-se que há um consenso em relação à constituição de um corpus equilibrado por tipologia textual diversificada, preocupação com os diversos registros das várias sincronias, levando em conta, assim, as diversas normas possíveis de serem detectadas (norma popular, cotidiana, culta, etc.). Além disso, observou-se que é muito importante articular esses corpora em função da história social específica de cada região, pois textos transitam de forma diferente em determinados grupos sociais – alguns mais frequentemente, outros mais esporadicamente, de acordo com as necessidades comunicativas que emergem de cada grupo cultural portador destes textos. Em diversos trabalhos, Simões/Kewitz (2006a, 2006b, 2009a, 2009b e 2009c) já apontaram para aspectos que devem ser considerados no levantamento desses corpora. Na tentativa de identificar as normas inerentes a cada um dos documentos, estabelecemos critérios de coleta e organização de material para a equipe de São Paulo que estão orientados por categorias linguístico-discursivas, entre elas: a) grau de publicidade do documento (particular, semi-particular ou público); b) grau de simetria entre emissor e receptor (ascendente, horizontal ou descendente); c) fixidez temática (sem fixidez, núcleo temático fixo ou tema altamente fixo); d) dimensões da ação comunicativa ou objetivos do texto (narrar, exigir, repreender, reclamar, confirmar, agradecer, atacar etc.) e e) grau de planejamento do texto (livre, semi-controlado ou altamente controlado). Em Simões/Kewitz (2010), reiteremos que é preciso levar em conta outros aspectos relevantes, associados principalmente a) a história social da língua portuguesa no Brasil; b) o contato linguístico; c) as normas linguísticas e d) a importância dos conceitos de TD para a constituição dos corpora, assim com já apontávamos em Simões/Kewitz (2006a, 2006b, 2009a e 2009b). Nesses trabalhos enumeramos algumas reflexões a respeito de alguns fatores determinantes da produção de textos paulistas ao longo de cinco séculos: a) a diversidade lingüística existente anteriormente ao Decreto de Pombal; b) as formas de aquisição do português após o Decreto, incluindo-se aí a aquisição de português como norma padrão; c) o papel efetivo das escolas primárias, secundárias e superiores no Estado de SP enquanto propagadores de norma culta; d) o papel da imprensa enquanto possível modelo de norma culta a partir do século XIX, 11 Vejam-se os trabalhos de Schlieben-Lange 1983; Koch 1988, 19971, 2008; Koch & Oesterreicher 1990/2006; Kabatek s/d, 2003/2006, 2004, 2005 e 2009 cf. Coseriu 1981/1994, Oesterreicher 1997, entre outros. tanto na cidade de São Paulo, quanto no interior; e) o perfil das pessoas letradas, possíveis detentoras de norma culta ao longo de toda a história do território paulista; f) a mobilidade social como fator de divulgação de normas (culta, popular), escritas e faladas norma culta (falada e escrita) em todo o território paulista; g) as possíveis influências de normas de territórios vizinhos, como Rio de Janeiro, Minas Gerais etc.; h) mudança de uma norma em relação a outra norma, sob quais condições; i) o conservadorismo ou renovação de tradições: mudança lingüística veiculada por determinados gêneros textuais. Levando em conta a lição que cada uma das equipes regionais do PHPB tem trazido como contribuição, apresentamos (Simões/Kewitz, op. cit.) uma sugestão de corpus mínimo compartilhado que foi discutida exaustivamente pelos representantes das várias equipes regionais do PHPB (VIII Seminário do PHPB/João Pessoa/PB). A partir dessas considerações, os participantes da reunião discutiram a viabilidade de distribuir a coleta de materiais respeitando a disponibilidade e representatividade das tipologias textuais em cada uma das 11 regiões que compõem o Projeto PHPB. Nesse sentido, a opção foi de compor três conjuntos de textos divididos em um corpus comum mínimo de manuscritos e impressos e um corpus diferencial, muitas vezes exclusivo de uma determinada região, que tenha sido coletado pelos pesquisadores para o estudo mais abrangente de um fenômeno específico. A. CORPUS COMUM MÍNIMO – MANUSCRITOS 1. Testamentos 2. Processos-crime 3. Atas da Câmara Cartas 4. Cartas particulares 5. Cartas da administração privada 6. Cartas oficiais B. CORPUS COMUM MÍNIMO – IMPRESSOS Textos jornalísticos a partir do séc. XIX 7. Cartas de redatores/editorais 8. Cartas de leitores 9. Anúncios C. CORPUS COMUM DIFERENCIAL 10. Inventários 11. Memórias históricas e diários 12. Entremezes e outros textos teatrais 13. Inquéritos orais Essa empreitada das variadas equipes do PHPB procura levar em conta que contextos discursivos distintos podem permitir a interpretação de fenômenos linguísticos submetidos a filtros que vão desde o caráter público/particular, simetria/assimetria entre autor/leitor, gêneros textuais construídos através de tradições discursivas do português (carta particular, carta de comércio, carta de leitor, carta de editor, texto literário, petição, requerimento, inventário, devassa, autos criminais, diálogos entre dois interlocutores, aula expositiva, etc.). Kabatek (2003) aponta para o risco de se enviesar a análise de mudança linguística, quando não se levam em conta as diferentes tipologias textuais, pois a frequência de determinados fenômenos pode estar associada a uma determinada TD presente em apenas uma parte específica de um determinado gênero textual, e por constituir dessa forma uma tradição exclusiva de uma parte específica dos textos. Kabatek (2003:16) apresenta duas questões importantes para a reflexão acerca da dicotomia história da língua vs. História dos textos. Para ele, é necessário que se levem em conta as seguintes indagações: i) o que varia segundo as tradições discursivas em questão e o que não varia, já que além de toda diversidade textual há elementos no sistema de uma língua que se mantêm bastante estáveis através das tradições discursivas?; além disso, ii) que elementos variam através das tradições discursivas? e, finalmente, iii) qual é a possível relação (sincrônica e diacrônica) entre aquilo que é próprio das tradições discursivas e o que é próprio do sistema linguístico? Para esse autor, quando se estuda a diacronia das línguas através de textos escritos como exemplares de uma sincronia passada, é preciso ter em conta a historicidade dos textos analisados. Ao defender essa idéia, Kabatek retoma Coseriu (1979 apud Kabatek s/d:1), que diferencia a historicidade em três níveis: i) a historicidade linguística no sentido próprio (historicidade da língua em particular); ii) a historicidade da tradição (repetição) de determinados textos ou de determinadas formas de textos e iii) a historicidade genérica no sentido de uma pertença à história. A historicidade da língua em particular remete ao caráter individual próprio das línguas, independentemente da história dos textos que são compartilhados com outras comunidades linguísticas. O historicidade da tradição dos textos refere-se à história dos modelos textuais que são transmitidos de uma comunidade a outra. Por outro lado, a historicidade genérica baseada na repetição de objetos culturais, ao mesmo tempo que mantém esquemas predeterminados, força as mudanças. Trata-se, aqui, portanto, de uma forma de interpretar as mudanças linguísticas não só em função de usos individuais e necessidades pragmáticas imediatas, mas sim como uma mudança dependente também dos contextos em que os fenômenos linguísticos estão inseridos. Nessa mesma direção, Peter Koch (1988:343) já afirmava que TD são uma representação de historicidade linguística que é independente das línguas em particular. Elas estão ligadas a grupos culturais, que se definem por critérios artísticos, econômicos. É necessário ressaltar aqui que o conceito de TD perpassa a noção de gênero, mas não se reduz apenas a este rótulo. Para a coleta de textos que empreendemos, propomos critérios de seleção dos corpora devem ter em conta (i) a historicidade linguística no sentido próprio (historicidade da língua em particular), (ii) a historicidade da tradição (repetição) dos gêneros (carta, anúncios, atas paroquiais, memórias históricas, entremezes e peças teatrais, etc) e (iii) a historicidade genérica dos elementos discursivos constantes desses textos. Para Kabatek (2004:5) existem condições que ajudam a entender a noção de TD: 1) um texto estabelece uma relação com outro texto ou textos anteriores em um determinado momento da história. A repetição seria um desses traços definidores da tradição. O que ser repete, no entanto, pode referir-se a um ou mais elementos da TD de base. Por outro lado, existem algumas condições para que se entenda um exemplar textual, ou um elemento composicional do mesmo texto, como uma TD: a) a condição de que uma TD deve ser sempre discursiva, embora haja outros tipos de tradições culturais, tal como descreve Peter Koch (1997); b) a segunda condição refere-se ao fato de que nem toda repetição forma uma TD. Os elementos constitutivos do nível histórico de uma língua particular como a repetição de artigos ou determinados elementos de coesão (advérbios, conjunções, etc.) não podem formar sozinhas uma TD, c) a terceira condição está ligada ao conceito de evocação e refere-se ao conteúdo dos textos, ou seja, a evocação é a repetição dos conteúdos temáticos que são tratados nos textos, isto é, a hierarquia temática da línguagem específica de um texto, como é o caso dos sermões que sempre evocam textos bíblicos e outros textos religiosos, tais como as crônicas de vidas de santos etc. Esta idéia se coaduna com os princípios defendidos por estudiosos da Linguística de Corpus. Biber/Conrad (2009:55) propõem uma definição mais apurada dos elementos composicionais dos textos, distinguindo entre traços linguísticos do registro (register features), marcadores linguísticos do registro (register markers), marcadores linguísticos do gênero (genre markers) e os traços linguísticos do estilo (style features). Os autores defendem a idéia de que para a constituição de corpora equilibrados é preciso estabelecer critérios de comparação entre os textos que permita agrupá-los pela similitude de suas características composicionais. Esse mesmo princípio é o mesmo que defendemos para a constituição dos corpora do PHPB (cf. Kewitz/Simões op. cit.). Em um estudo anterior sobre a diacronia do inglês, Biber (1993) apresenta uma distribuição dos textos estudados segundo critérios que os dispõem entre dois pólos: situated vs. elaborated, semelhantes ao contínuo proximidade vs. distância proposto por Koch/Oesterreicher (1990/2006). A aposição dos quadros dispostos nas figuras 1 e 2 a seguir demonstram a relevância dessa comparação. Figura 1. A disposição do corpus diacrônico do inglês no contínuo situated vs. elaborated conforme Douglas Biber (1993:230). 2. Análise de orações de gerúndio no Português Brasileiro Em estudo anterior sobre a diacronia das orações de gerúndio no português brasileiros Inicialmente, procuramos primeiramente estabelecer critérios para uma definição dos variados tipos de OGs do PB a partir de suas propriedades sintáticas. O levantamento estatístico comprovou que esta tipologia mostrou-se adequada à comparação entre os vários tipos de OGs, bem como à análise de sua evolução ao longo dos séculos estudados. A quantificação revelou ainda aspectos interessantes a respeito da gramaticalização das orações de gerúndio no PB. Entre eles, destacam-se (a) a questão da redução significativa dessas orações do séc. XVIII ao XX, o que mostra que estas estruturas devem estar em competição com outros recursos sintáticos (orações conjuncionais e outros processos de junção de enunciados) e (b) a problemática que envolve a redução das OGs adverbiais e o aumento das perífrases de gerúndio. Resumidamente, a análise do gerúndio no subsistema do Discurso aponta que as orações de gerúndio exibem a propriedade pragmática de articulação tópica. Além disso, notou-se pela quantificação que as orações adverbiais (OGadvs e CAs) são mais freqüentes em textos de maior planejamento como as memórias, as cartas da administração privada e as cartas oficias, enquanto as perífrases são mais usadas em textos menos formais como as cartas particulares e tesxtos mais próximos da oralidade como os diálogos de teatro, bem como os inquéritos de língua falada (séc. XX). Investigadas a partir da ótica do subsistema da Semântica, observamos que as OGadvs apresentam-se num processo de dessemanticização, por exibirem menos relações proposicionais, se comparadas às CAs. Notamos que estas últimas mostram uma maior produtividade de relações proposicionais e que nelas mantêm-se mais preservadas as propriedades semânticas apontadas (tabela 12). É importante lembrar ainda que as CAs são as construções que estão mais dispostas ao processo de lexicalização. Outras podem gramaticalizar-se em novas preposições (tirando esse fato, dependendo da chuva) ou conjunções. Müller-Lancé (1994:301) também observou isso em seu estudo diacrônico sobre as CAs no francês. O fato é que não podemos dissociar o processo de dessemanticização das OGadvs da constatação de que, na contrapartida, aumentam as perífrases de gerúndio.Talvez seja arriscado falar-se aqui de uma mudança encaixada, mas fica a observação para uma pesquisa futura, que leve em conta não só as propriedades sintáticas dos itens envolvidos, mas também os traços semânticos desses itens. Por fim, vale ressaltar que a mostrou-se bastante válida a preocupação em constituir um corpus de análise segundo as propriedades discursivas específicas de cada gênero ou tipo de texto, mostrando que os critérios associados ao modelo de TDs são bastante pertinentes à análise dos processos de mudança lingüística nos três subsistemas aqui investigados. BAKER, Paul (2010). “Corpora and sociolinguistic variation”. In: Paul Baker (2010). Sociolinguistics and Corpus Linguistics. Edingburght: Edinburgh University Press, p. 31-56. 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