UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA RAFAELA GONZAGA MATOS EXPERIÊNCIAS DE FERROVIÁRIOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NA BAHIA (1932-1952) Feira de Santana 2011 RAFAELA GONZAGA MATOS EXPERIÊNCIAS DE FERROVIÁRIOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NA BAHIA (1932-1952) Dissertação apresentada ao Programa de Pós– Graduação em História, Mestrado em História da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito para obtenção do grau de Mestre em História Social. Orientador: Profº Dr. Iraneidson Costa. Feira de Santana 2011 RAFAELA GONZAGA MATOS EXPERIÊNCIAS DE FERROVIÁRIOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NA BAHIA (1932-1952) Dissertação apresentada ao Programa de Pós– Graduação em História, Mestrado em História da Universidade Estadual de Feira de Santana. Aprovada em 31 de agosto de 2011. Banca Examinadora Iraneidson Costa – Orientador______________________________________________ Doutor em História Social pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia Aldrin A. S. Castellucci___________________________________________________ Doutor em História Social pela Universidade Federal da Bahia Universidade do Estado da Bahia Maria Elisa Lemos_______________________________________________________ Doutora em História Social pela Universidade Federal de Pernambuco Universidade do Estado da Bahia À minha avó Antônia Barros Gonzaga, pelo amor e dedicação de uma vida. AGRADECIMENTOS Expressar em palavras todo o apoio e ajuda que recebi durante este tempo é difícil. Sem o apoio e solidariedade que recebi não seria possível terminar este trabalho. Essa dissertação é dedicada a minha querida avó e mãe Antônia Barros Gonzaga que infelizmente não está fisicamente presente para partilhar as conclusões desse estudo. Aos meus pais, em especial à minha mãe, Joselita Gonzaga Matos, reconheço todo o esforço que fez e faz pela minha realização. Obrigada pelo apoio incondicional. Ao meu irmão Mateus pela paciência e pelo auxílio nas transcrições de algumas entrevistas. Muito Obrigada! Agradeço às contribuições de Iraneidson que, além de ser meu orientador, tornouse um amigo. À professora Elizete da Silva, minha eterna orientadora. Sua dedicação e compromisso são admiráveis. A Eurelino Coelho, pelo empréstimo de livros, pelas dicas e pela disposição em ajudar sempre. Agradeço também ao professor Francisco Antônio Zorzo pelos textos, documentos e fichamentos que me disponibilizou. Ao professor José Camelo Filho, mais conhecido como Zuza, que com carinho e atenção, se dispôs a discutir meus textos e pesquisas. No tirocínio que realizei com a professora Maria Aparecida Sanches pude trocar experiências e eu agradeço as contribuições e sugestões de leitura. Ao professor e amigo Robério Souza, sempre disponível à leitura dos meus textos. À professora Maria Elisa Lemos pelas informações acerca dos processos. A Emmanuel Oguri que se dispôs a conhecer essa pesquisa e a dar sugestões. Aos sujeitos dessa pesquisa, os ferroviários, que me concederam entrevistas, Leopoldo Cardoso de Jesus e João Ferreira da Silva. Não tenho como expressar a satisfação em ter ouvido as suas histórias. Às minhas tias Antônia e Raimunda, e especialmente às suas famílias em Salvador que, além de me acolherem por longos períodos em suas casas, cuidaram de mim como uma filha. Muito obrigada! À minha tia em Alagoinhas, Celiane, dedicada e amorosa, que me ajudou até na busca dos meus entrevistados. E nesta procura foi de fundamental importância a ajuda de Maria, também conhecida como Maroca. Maria dispôs do seu dia para ir comigo até a casa de vários ferroviários em Alagoinhas, bem como até a Associação dos Ferroviários. Aos meus amigos/as pelas palavras de incentivo. Aos funcionários dos arquivos, em especial, Seu Luís da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, pela gentileza e ajuda constante em todas as minhas visitas a essa instituição. Aos funcionários do Arquivo Público do Estado da Bahia, em especial a Djalma, por me auxiliar na busca dos documentos. Aos amigos/as do Laboratório de Memória da Esquerda e das Lutas Sociais (LABELU), apesar de ter estado freqüentemente “ausente”, esse trabalho tem a essência de vocês por terem me ensinado o valor da solidariedade e das discussões em grupo. Preciso agradecer individualmente ao meu amigo David pelas indicações de leitura, pela digitalização de documentos, pela leitura e pelas palavras amigas nas horas difíceis. A Luciane, Darliton, Ludymilla, Manuela, Flaviane, Mayara e Leonardo pelas contribuições e disponibilidade. Agradeço a Ísis, especialmente: sem sua ajuda nas digitalizações dos processos de acidentes de trabalho eu não conseguiria fazer o levantamento no tempo necessário. Obrigada pela sua disposição e solidariedade. A Ana Patrícia, pelo auxílio em todo o percurso dessa trajetória. Agradeço aos funcionários do mestrado, em especial, a Julival que, com paciência e atenção, sempre me ajudou a resolver os meus diversos problemas de ordem burocrática. Agradeço à FAPESB e à CAPES, instituições de pesquisa que possibilitaram que este estudo pudesse se concretizar. RESUMO A dissertação visa discutir a legislação trabalhista na Bahia e a experiência ferroviária entre os anos de 1932 e 1952. Com base em estudos realizados sobre as greves ferroviárias na Bahia durante a década de 1930 pode-se destacar as lutas que estes operários travaram contra os patrões da estrada de ferro Bahia ao São Francisco. O período denominado de Estado Novo e de ditadura varguista, somado ao fato destes trabalhadores terem se tornado funcionários públicos, acarretaram modificações no modo de se mobilizarem, pois os ferroviários entraram na justiça diversas vezes reivindicando indenizações por conta de acidentes ocorridos no trabalho. Esses ferroviários buscaram reclamar, na justiça, as condições precárias de trabalho encontradas na referida estrada. As leis e decretos que regularam a matéria relacionada aos acidentes de trabalho, como o decreto–lei 7.036, representaram de fato ganhos aos operários? Analisar-se-ão as leis e a sua eficácia na vida destes ferroviários que lutaram por melhores condições de trabalho e de vida. Palavras- chave: Ferroviários; Lutas Operárias; Legislação Trabalhista. ABSTRACT The paper aims to discuss the labor legislation and railway experience in Bahia between 1932 and 1952. Based on the study concerning railway strikes in Bahia in 1930, it is possible to highlight the struggles waged by the workers against the bosses of the San Francisco railroad. The period named as the new state and Vargas dictatorship added to the fact that these workers had become civil servants, brought about changes in the way of mobilizing when the railroad courts several times claiming damages due employees to accidents at started appealing work. This to workforce sought justice to complain about the poor working conditions found in that road. The laws and decrees that regulated the matter related to accidents at work, as the act 7.036, represented, indeed, the workers actual benefit? The research sought to examine the laws and their effectiveness in the life of those who fought for better working conditions and life. Keywords: Railroad; workers' struggles; Labor Legislation. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1. Operários trabalhando na obra de remodelação do Pátio da Calçada (1935)..35 Figura 2. Comissão de ferroviários em Aramari (1935) ............................................... 53 Figura 3. Carros restaurantes da Leste (1938).............................................................. 63 Figura 4. Trabalhadores da Leste fazendo as refeições (1945) ..................................... 67 Figura 5. Acidente Ferroviário ocorrido em 1917 ........................................................ 96 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Demonstrativo das despesas na Estrada de Ferro (1910 - 1911)............... Erro! Indicador não definido. Tabela 2: Carga horária dos encarregados na conservação das linhas (1935).................37 Tabela 3: Receitas da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (1931-1935).............................38 Tabela 4: Ferroviários vítimas de acidentes segundo a cor (1926-1952).....................................49 Tabela 5:Motivações das requisições da V.F.F.L.B (1942-1948) ................................. 49 Tabela 6: Resultado dos Processos movidos pelos ferroviários da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro ......................................................................................................... 112 Tabela 7: Instância Jurídica dos Processos de Acidentes de Trabalho (1926- 1952) ... 145 Tabela 8: Concessão de Indenizações segundo a instância jurídica do processo (1926 1952)..............................................................................................................................148 8 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO __________________________________________________ 13 CAPÍTULO I: MUNDO DE TRABALHO FERROVIÁRIO____________________21 1.1.O impacto da implantação dos trilhos na Bahia e a construção da Estrada de Ferro Leste Brasileiro _____________________________________________________ 21 1.2.Ainda outros estrangeiros __________________________________________ 25 1.3.Entre estrangeiros e brasileiros: O caso da Leste _________________________ 33 1.4.Características do trabalho na ferrovia: a encampação e problemas ___________ 43 1.5.Ferroviários pobres e negros: o caso baiano _____________________________ 48 CAPÍTULO II - OS FERROVIÁRIOS BAIANOS E A EXPERIÊNCIA DE EXPLORAÇÃO NO TRABALHO ______________________________________ 53 2.1.O Trabalho na Leste: mudanças e resistência operária _____________________ 55 2.2. Alimentação e Salários ___________________________________________ 566 2.3.Saúde: Ferroviários doentes, acidentados e mortos _______________________ 76 2.4.Organizações dos Ferroviários_______________________________________ 82 CAPÍTULO III - ACIDENTES DE TRABALHO E LEIS TRABALHISTAS: UM DESENCONTRO ___________________________________________________ 89 3.1.Lei de Acidentes de Trabalho: processos antes de 1930 ___________________ 900 CAPÍTULO IV - PROCESSOS TRABALHISTAS EM 1940: BENEFÍCIOS ATRELADOS A UMA LEI AMBÍGUA_________________________________ 115 4.1. Acidentes ferroviários: o palco das tragédias __________________________ 118 4.2. No campo dos conflitos __________________________________________ 124 4.3. Resultados das ações ____________________________________________ 140 CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________ 157 FONTES _________________________________________________________ 160 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________ 162 Anexo 1 – Causa e consequências dos Acidentes de Trabalho dos Ferroviários (19261957). ______________________________________ Erro! Indicador não definido. Anexo 2 - Resultados dos Processos movidos pelos Ferroviários da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (1926-1972) ______________ Erro! Indicador não definido. INTRODUÇÃO No dia 3 de outubro de 1947, às 16h 40min, no km 442 da Ferroviária Leste Brasileiro, entre a estação de Iramaia e Lapinha, faleceu, em conseqüência das queimaduras sofridas durante o exercício do trabalho, o ferroviário Crispim Alves dos Santos. Em virtude do falecimento do seu esposo, Maria de São Pedro Batista dos Santos entrou na justiça na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em 30 de agosto de 19481. Esse e inúmeros outros casos foram movimentados na justiça durante meados da década de 1940 e início de 1950 visando adquirir as indenizações pelas fatalidades no desempenho do serviço. Este estudo pretende apresentar os ferroviários acidentados, reconstituindo os acidentes desses trabalhadores e o modo como entraram na justiça visando adquirir indenizações. Através da análise das ações também se pode conhecer as esposas desses operários, bem como seus pais e familiares que, em diversos momentos, recorreram à justiça solicitando a indenização a que tinham direito. Conforme se pode observar através da análise de processos anteriores a 1930, a movimentação de processos antecedeu o período do governo de Getúlio Vargas e houve uma continuidade e aumento nas ações em 1940 e meados da década seguinte. Esse aumento foi atestado não somente na Bahia, como também em São Paulo, conforme análise de John French2. Edinaldo Souza, em sua pesquisa sobre experiências de trabalhadores do Recôncavo Baiano na arena judicial, também destacou ações movimentadas antes de 1930, referindo-se a esses episódios como fenômenos isolados, mas a pesquisa acerca dos ferroviários baianos possibilita compreender que muitas outras ações ocorreram nesse período, não se tratando de processos estanques, uma vez que diversos sujeitos acessaram a justiça em busca dos seus direitos: Ainda que se tratem de episódios isolados, tais iniciativas, ao menos, sugerem possíveis continuidades históricas na relação dos trabalhadores com a justiça no início do século XX. Contudo, essa 1 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos. Cx: 142/141/16. 2 FRENCH. John. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001. 13 hipótese ainda precisa ser testada em futuros estudos sobre a história do trabalho no início da República.3 A presente dissertação pretende analisar a experiência ferroviária baiana entre os anos de 1932 e 1952, na ferrovia Bahia ao São Francisco, posteriormente denominada de Leste Brasileiro. O recorte temporal corresponde ao início das manifestações grevistas pós 1930 e se encerra na análise dos processos de acidentes de trabalho utilizados nesta pesquisa. A opção pelo tema esbarrou nas dificuldades em se definir uma única localidade, haja vista a variação dos espaços dos acidentes. Por conta disso, o enfoque da pesquisa centrou-se nas ações judiciais e seus meandros sem, porém, concentrar-se na análise de cada espaço, optando por relacionar o contexto de entrada na justiça com o que ocorria na Bahia da época. Com base em estudo4 realizado sobre as greves ferroviárias ocorridas durante a década de 1930 foi possível elaborar uma análise da ação desta categoria englobando as relações estabelecidas entre os ferroviários, com os patrões e com o governo. A partir do estudo acerca destas mobilizações, pode-se reconstituir a atuação coletiva dos ferroviários durante as greves e suas lutas por melhores salários e condições de trabalho. A atuação e demonstração de luta e participação ativa destes operários nas greves de 1932, 1935 e 1937 nos levam a reconhecer uma espécie de ruptura nas mobilizações grevistas a partir de 1938. Contudo, não se pode perder de vista que 1938 já corresponde a vigência do Estado Novo deflagrado por Getúlio Vargas e todo o “silenciamento” que este golpe provocou na imprensa. Buscamos compreender a experiência de tais sujeitos para além das mobilizações grevistas, tentando captar sua atuação através do acesso à justiça. De acordo com as fontes5, parece haver um descenso nas lutas operárias após um período de ascenso e este estudo pretende problematizar as formas de luta colocadas em prática pelos ferroviários nesta conjuntura marcada por inúmeras particularidades, 3 SOUZA. Edinaldo. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008, p. 19. 4 MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana, 2008. 5 Os materiais utilizados são periódicos do Setor dos Jornais Raros da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB), além de Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro referente ao período em estudo. Além desses periódicos, outros documentos, como Autos Cíveis da seção Judiciária, foram identificados no (APEB). 14 abarcando o início do governo de Getúlio Vargas, passando pelo golpe de 1937 até o governo de Eurico Gaspar Dutra. Os processos trabalhistas encontrados no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB) dando notícias de ações judiciais encaminhadas pelos ferroviários baianos comprovaram o quanto estes operários continuaram atuantes e sofrendo a exploração e os riscos do mundo do trabalho na empresa Ferroviária Leste Brasileiro. Os processos esclarecem sobre aspectos da mão-de-obra que trabalhava nesta estrada de ferro e permitem a discussão sobre a legislação trabalhista na Bahia. As ações impetradas na justiça eram densas e permitem reconstituir o cenário onde se desenvolveram as lutas entre a categoria ferroviária e seus patrões. Conflito, contradição e ambigüidade são palavras que descrevem com precisão os casos de acidentes movimentados na justiça. Estas ações foram analisadas partindo-se da premissa de que representaram mais uma das formas de luta destes operários para adquirir direitos e garantir a sua sobrevivência. Assim, o problema que se estabelece é desvendar estas ações ferroviárias “obscurecidas” após o Estado Novo, discutindo a própria legislação no período através dos processos trabalhistas interpostos pelos trabalhadores da Leste. As leis criadas e reformuladas no governo de Getúlio Vargas teriam sido capazes de dissipar as lutas travadas anteriormente? Teriam se colocado passivamente ao lado do Estado detentor das ferrovias baianas e parado de se mobilizar? A estas perguntas a análise das fontes atestou que este momento não se constituiu em tranqüilidade, apesar de representar um descenso nas mobilizações grevistas observadas anteriormente. Denúncias foram feitas em meados da década de 1940 nos jornais da época, em especial no periódico O Momento, órgão vinculado ao Partido Comunista, que em inúmeras matérias trouxe queixas relatadas pelos próprios ferroviários, suas entrevistas apontaram as precárias condições de trabalho, jornadas, salários, condições de saúde, higiene e alimentação oferecidas pela empresa ferroviária. As notícias do O Momento6 também atestaram a participação dos ferroviários em comícios organizados pelo Partido Comunista levantando pistas para a análise do envolvimento da bancada nas lutas ferroviárias travadas neste período. As ações para que as leis fossem cumpridas aparecem em inúmeras falas de ferroviários, o que retrata 6 Este periódico foi analisado de 1945-1948 e se encontra localizado na Seção de Jornais Raros da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. O jornal foi criado em 1945 no período de término do Estado Novo. 15 que muitos possuíam conhecimento dos seus direitos. As queixas no jornal foram seguidas, muitas vezes, de comentários a respeito da legislação trabalhista, reivindicando leis já vigentes no governo de Getúlio Vargas e que no governo de Eurico Gaspar Dutra permaneceram sem cumprimento. O governo, ao encampar as ferrovias, teria resolvido os “problemas” deixados pela administração francesa? Como procedeu a administração do Governo? E os ferroviários, como se relacionaram com os novos patrões? Os documentos indicaram que uma série de mudanças foi desencadeada com a transferência de patrões, mas o modo como estas medidas se relacionaram com as condições de vida dos trabalhadores aparece nos relatórios de modo muito peculiar. Além disto, entrevistas com aposentados ferroviários da Leste foram realizadas em Alagoinhas, permitindo esboçar aspectos do mundo do trabalho destes ferroviários representantes desta categoria ampla que engloba sujeitos nas mais distintas funções. Concomitantemente, analisam-se as lutas na arena do judiciário através do uso da legislação trabalhista, tratando-se de investigar como ocorreu este processo na Bahia, entrecruzando informações de estudos que se debruçaram sobre este tema em outros espaços do Brasil. A análise de Ângela Gomes centrada nas ações dos representantes do governo e de Getúlio Vargas nesse período avança por compreender que as relações entre Estado e classe trabalhadora não eram relações de submissão, mas baseavam-se na reciprocidade e no jogo de interesses de cada lado envolvido na situação. 7 Sem questionar a originalidade com que Gomes tratou do tema das relações entre Estado, patrões e classe trabalhadora desde a Primeira República, se faz necessário destacar que a atuação e reação dos operários às medidas do governo ainda ficou à margem do seu estudo. Uma série de manifestações grevistas de distintas categorias em várias partes do Brasil, suas repercussões, a forma como os próprios trabalhadores interagiram com as medidas impostas pelo Estado poderiam ter ênfase em sua pesquisa o que não ocorre sendo que nas palavras da própria autora seria objetivo do seu estudo. “A maneira pela qual este processo histórico de constituição da classe trabalhadora como ator político teve curso no Brasil é o que se deseja estudar neste trabalho.”8 O período abordado por essa pesquisa foi investigado por vários historiadores/as que elaboraram as suas análises tomando como referência, às vezes, a postura do Estado 7 8 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: FGV, 2005. GOMES, A. C. A invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 18. 16 e das classes dominantes, ou a partir dos trabalhadores. Este estudo privilegiou e tentou fazer uma leitura a partir dos trabalhadores ferroviários baianos através da análise das suas condições de vida e formas de luta que englobou ações na arena judicial. A metodologia constou do levantamento de dados em diferentes Instituições de pesquisa, com a elaboração de fichamentos, e posterior análise dos materiais, entre os quais se destacam os seguintes periódicos do setor dos jornais raros da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB): O Diário de Notícias, o Diário da Bahia, O Estado da Bahia, O Correio de Alagoinhas, O Imparcial e O Momento que dava notícias das mobilizações destes trabalhadores e que possibilitou a montagem do palco onde se desenvolveram as lutas operárias. Somam-se a estas fontes os Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro e Documentos Ministeriais e os Relatórios do Ministério de Viação e Obras Públicas encontrados em Center For Research Libraries (CRL). Brazilian Government Document Digitization Project disponíveis para consulta em http: //www.crl. Edu/contet.asp. O leque de processos judiciais disponíveis para a pesquisa foram 57 ações judiciais encontradas no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB) sendo relacionadas a pedidos de indenização por causa de acidentes de trabalho e uma destas ações referente a esposa de um passageiro que viajava na locomotiva da Leste que sofreu o acidente. O estudo destaca as estratégias intentadas pelos sujeitos dentro dos processos visando garantir os seus interesses. Grande parte das pesquisas que trataram do direito e das leis na História seguiram os passos e as orientações teórico-metodológicas do historiador inglês Edward Palmer Thompson acerca do uso das leis e do costume para assegurar direitos aos trabalhadores ingleses. Uma série de pesquisas vem florescendo neste campo, englobando uma gama de estudos que tratam das mais diversas temáticas como a escravidão, questões de gênero entre outras e que tem como cerne para sua elaboração o uso de documentos da justiça. As possibilidades que estas fontes permitem são inúmeras e as contribuições para a História Social vão desde a reconstituição das representações e à compreensão de mundo tanto dos agentes responsáveis pela elaboração e desenrolar do processo como dos sujeitos que também atuavam dentro dos limites possíveis através de suas práticas cotidianas para que houvesse uma efetiva implantação das leis. No bojo das discussões acerca do acionamento das leis sociais nos processos movimentados pelos trabalhadores junto à Justiça do Trabalho tem sido demonstrado 17 como os operários reconheciam as relações de poder que envolviam a ativação da legislação na busca do reconhecimento dos seus direitos. Em sua pesquisa acerca da Lei Negra de 1723 Thompson discute o uso das leis e do direito e as possíveis motivações e relações de poder que envolveram a sua elaboração. De acordo com ele, em Senhores e caçadores 9, que retrata a criminalidade no século XVIII na Inglaterra, havia por parte das autoridades uma preocupação no que tange à propriedade por conta da invasão dos chamados negros em partes da floresta de Windsor consideradas propriedades dos nobres. Os caçadores ilícitos sempre foram tolerados pelos guardas florestais mantendo uma negligência salutar ou saudável que tolerava dentro de alguns limites a caça aos cervos, sendo inaceitável a caça destes em espaços que não fossem previamente delimitados e de acordo também com os dias já estipulados. Contudo, a lei negra estudada por Thompson visava mudar a relação costumeira estabelecida e estabilizar a caça, combatendo os ataques à propriedade. De acordo com o autor, a nova lei foi motivada pela preocupação dos juízes com o deslocamento do poder, haja vista o apoio crescente da comunidade da floresta apoiando a caça clandestina. Sendo assim, Thompson analisou do ponto de vista do conflito as leis e o direito: A lei negra só podia ter sido formulada e decretada por homens que tinham formado hábitos de distância mental e frivolidade moral em relação à vida humana – ou, mais especificamente, em relação às vidas do “tipo de gente desregrada e desordeira”. Precisamos explicar não só uma emergência que agia sobre a sensibilidade desses homens, para quem a propriedade e o status privilegiado dos proprietários vinham assumindo, a cada ano, um maior peso nas escaladas da justiça, até que a própria justiça não passava, aos seus olhos, das fortificações e defesas da propriedade e seu concomitante status.10 Por isto, os estudos deste autor têm servido de referência para muitas pesquisas que tratam das leis e do direito na busca de perceber a lei como um campo de conflito e as motivações que teriam proporcionado o seu surgimento. Alexandre Fortes11 faz uma ampla discussão a partir das noções de direito, lei e costume especialmente a partir da obra Senhores e Caçadores. Fortes compreende que 9 THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: a origem da lei negra, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.254. 11 FORTES, Alexandre. O Direito na Obra de Thompson. Dados - Revista História Social. Vol. Nº 2, Campinas: 1995, p. 89-111. 10 18 Thompson contribuiu para os estudos em História Social ao analisar do ponto de vista do conflito entre as classes sociais as leis e o direito investigando as motivações que estavam por trás das atitudes dos sujeitos. Pesquisadores(as) das mais diversas áreas das ciências humanas têm bebido na interpretação elaborada por Thompson da luta pela manutenção do “direito costumeiro” e das formas tradicionais de sobrevivência em contraposição ao que foi imposto pela classe dominante no final do século XVIII. Apropriando-se da interpretação thompsoniana e das suas concepções acerca dos códigos costumeiros e da lei como uma definição da efetiva prática, existe a pesquisa de Edinaldo Antonio Oliveira Souza12. O autor discute em um dos capítulos da sua dissertação de que forma os trabalhadores do Recôncavo baiano, seus sujeitos de pesquisa, empregados nos mais diversos estabelecimentos, fizeram uso da justiça de trabalho criada em 1939 e dos decretos publicados posteriormente, dando ênfase a algumas leis que regularam os acidentes de trabalho durante o período. Edinaldo Souza se dedica ao estudo dos processos trabalhistas movidos por distintos operários (as) que recorreram à justiça por conta de questões relacionadas ao trabalho, a exemplo de dispensa injustificada, remoção de função ou de localidade de trabalho, ou até por conflitos envolvendo agressões físicas entre empregados e patrões. O autor destaca que as lutas se desenrolavam de um modo conflituoso a partir da entrada do processo judicial, por isso que inicialmente se tentava a conciliação entre as partes, o que era o mais aconselhado aos envolvidos no processo, pelos advogados, juízes, reclamantes e reclamados. Contudo, nem sempre a solução por conciliação resolvia as questões e quando isso ocorria era necessário recorrer à decisão arbitral. Não se pode perder de vista que o autor chama atenção para as incompletudes da legislação trabalhista e ambigüidades que permitiam uma interpretação dúbia dos casos. Souza cita diversos exemplos onde a Comarca declarou-se incompetente para julgar tais questões inicialmente, mas, passados alguns anos, acabou resolvendo o caso. Além de destacar artimanhas patronais e dos trabalhadores para conseguirem que as questões fossem solucionadas cada parte em seu favor. O estudo sobre os ferroviários baianos problematizou, a partir da análise dos processos encontrados no APEB, como as ações judiciais movidas por estes 12 SOUZA. Edinaldo. Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. 19 trabalhadores foram tratadas pela justiça, evidenciando a luta desses sujeitos para garantir seus direitos na esfera jurídica. O primeiro capítulo toma como referência a formação da empresa ferroviária e seu processo de implantação quando se situam as mudanças ocorridas com o processo de encampação da empresa pelo governo federal e a posterior passagem dos ferroviários a funcionários públicos. Posteriormente, no segundo capítulo, busca-se fazer uma análise das condições de vida e trabalho destes operários, não enquanto algo externo ou separado das outras esferas da vida destes operários, mas compreendendo suas condições de moradia, salários e trabalho na própria ferrovia no período, o que foi imprescindível para que se pudesse ter uma visão dos acidentes ocorridos e situar os operários neste mundo de trabalho cheio de riscos. O terceiro capítulo apresenta a legislação trabalhista desde 1919 e a regulação dos acidentes de trabalho. Percebe-se que a análise de algumas ações judiciais do período ao lado desta legislação facilitou a compreensão das mudanças que se processaram posteriormente. Buscou-se uma discussão bibliográfica acerca do entendimento dos autores no que tange à implantação das primeiras leis do trabalho em 1919 e seus desdobramentos posteriores na vida dos operários. No quarto capítulo, discute-se o período em que estas ações judiciais foram movimentadas (isto é, pós-1940) na visão de alguns autores, na perspectiva de possíveis encontros interpretativos ou análises particulares sobre o caso da Bahia e seus processos de acidentes. Para tanto, destaca-se a análise de alguns estudos que se debruçaram sobre esta conjuntura ao lado das ações judiciais. Foi possível reconstituir os acidentes de trabalho e apresentar algumas histórias destes operários e de suas famílias no campo da justiça. O texto produzido foi o resultado de um trabalho de investigação em fontes pouco exploradas visando entender a História dos ferroviários como parte de toda uma conjuntura histórica com suas singularidades e movimentos próprios. 20 CAPÍTULO I: MUNDO DE TRABALHO FERROVIÁRIO O impacto da implantação dos trilhos na Bahia e a construção da Estrada de Ferro Leste Brasileiro. As estradas de ferro no Brasil datam da segunda metade do século XIX, quando o Brasil passava por profundas modificações em diversos setores da sociedade. A economia era ancorada na exportação do café, com a utilização da mão-de-obra livre coexistindo com o trabalho escravo. As ferrovias brasileiras tiveram importância política, econômica e geográfica e representaram um dos maiores acontecimentos ocorridos no Brasil no decorrer da segunda metade do século XIX. As estradas de ferro foram construídas para transportar matérias-primas, desenvolver o comércio e dinamizar a economia, além de permitir a interiorização do território. Nas palavras de José Camelo Filho, A construção das primeiras estradas de ferro no Brasil está diretamente ligada ao setor agrário exportador, tanto nas províncias do Centro Sul quanto no Nordeste, onde as estradas foram projetadas para estabelecer a integração e ocupação do território brasileiro, cujas primeiras seções também tinham relações com o setor agrário.13 A ferrovia é originária da Inglaterra e contribuiu para integrar o seu território. Este invento se espalhou pelo mundo e contribuiu com a integração dos territórios dos Estados Unidos, França para depois serem implantadas no Brasil, uma vez que era visto como símbolo de modernização e progresso. Francisco Foot-Hardman em sua obra “Trem-Fantasma: a modernidade na Selva” 14 trata da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, localizada em Rondônia e que teve funções políticas e estratégicas de povoamento. Hardman destaca que entre as novidades que chegaram ao Brasil estavam as estradas de ferro. E sua análise combina 13 CAMELO FILHO, José V. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro. 2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000, p. 31. 14 HARDMAN, Francisco Foot. Trem-Fantasma. A ferrovia Madeira - Mamoré e a modernidade na selva, São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 89. 21 aspectos do impacto exercido por esta ferrovia em Rondônia, bem como as condições de trabalho dos ferroviários. É válido ressaltar, a importância e a influência que este meio de transporte teve no Brasil promovendo a integração de várias áreas do País e o impacto provocado por este meio de transporte nas regiões onde atravessou modificando paisagens e interligando diferentes espaços. O estudo de Fabiana Machado da Silva 15 sobre a Ferrovia Leste Brasileiro em Jacobina entre 1920 e 1950 destacou que a expectativa era de que as ferrovias foram símbolo da modernização e do progresso das nações. Na compreensão da autora, a implantação dos trilhos somou-se a uma série de outros serviços instalados em Jacobina visando trazer para a cidade uma era de avanço, o que significou para as elites um intenso combate às velhas práticas existentes na cidade. As estradas de ferro foram construídas tendo como objetivos o controle do território brasileiro e a circulação dos mais variados tipos de mercadorias, além de ter sido sinônimo de modernidade. De acordo com o historiador Douglas Apratto Tenório a perspectiva era de que as ferrovias trariam o progresso e a civilidade para o Brasil “(...), pois que a esperança era de que as vias férreas eram a varinha de condão, que nos tiraria da pobreza e nos colocaria em um plano de nação rica e poderosa, ao lado da Europa e dos Estados Unidos” 16. Mas, não pode se perder de vista que as condições em que as ferrovias foram implantadas no Brasil diferiam em muitos aspectos do modo como ocorreu em outras regiões do mundo. Francisco Antônio Zorzo destaca o fenômeno do ferroviarismo periférico brasileiro e o seu desenvolvimento na Bahia explicitando que elas foram construídas na periferia do centro do capitalismo mundial e dependentes do núcleo industrial que fornecia os equipamentos necessários para a sua constituição e distante dos centros de decisão 17. Ao analisarmos a construção da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco podemos concluir o estado de dependência do capital estrangeiro em algumas ferrovias implantadas no Brasil. No que tange a discussão sobre o capital estrangeiro não se pode perder de vista que os investimentos dos capitalistas ingleses foram imprescindíveis para a implantação das estradas de ferro no Brasil 15 SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A Ferrovia Leste Brasileiro e seu impacto social em Jacobina (1920-1945). 2009. Dissertação (Mestrado em História). Departamento de Ciências Humanas. Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2009. 16 TENÓRIO, Douglas Apratto. Capitalismo e Ferrovias no Brasil. Maceió: EDUFAL, 1979, p.55. 17 ZORZO, Francisco Antônio. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia. Feira de Santana: UEFS, 2001, p.72. 22 (...) a participação da Inglaterra suplantava de longe a de qualquer outro país. A sua liderança, no advento do capitalismo, e os laços históricos de dependência que uniam o Brasil a ela desde a época colonial de Portugal, explicam porque o capital britânico predominou mais intensamente nesses investimentos externos 18. A Inglaterra possuía uma relação estreita com o Brasil e os ingleses dispunham de tecnologia, capital e interesses econômicos na construção das ferrovias. Na Bahia, as ferrovias contaram com o capital inglês, a exemplo da Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco que ligava Salvador a Alagoinhas, e que promoveu a exportação de diversos produtos como açúcar, fumo, couros, entre outros. Os interesses ingleses no Brasil estiveram ligados à especulação financeira, garantindo assim a expansão do capital, através de investimentos em diferentes setores a exemplo das ferrovias, portos e dos bancos. Todavia, para que os ingleses se interessassem pelo investimento nas ferrovias foram articuladas leis nacionais que garantissem de 6% a 7% de juros sobre o capital investido para assegurar os lucros dos capitalistas, em detrimento do esvaziamento dos cofres públicos, caso as estradas de ferro não lograssem êxito. A Estrada de Ferro inglesa Bahia and São Francisco Railway foi um empreendimento capitalista e seu funcionamento envolveu uma diversidade de sujeitos históricos. Etelvina Rebouças Fernandes destaca em seu estudo “Duas Ferrovias para ligar o Mar da Bahia ao Rio do Sertão” 19 a construção da E. F. Bahia ao São Francisco e do prolongamento chamado Estrada do São Francisco a partir de Alagoinhas pela União que juntas fizeram a ligação da Bahia ao Porto de Juazeiro trazendo transformações pelos espaços por onde atravessou. A História destas estradas de ferro foi marcada por diferentes administrações e com constantes encampações do governo, seguidas posteriormente por arrendamentos a diferentes sujeitos e empresas. José Camelo Filho destaca que A E. F. Bahia ao São Francisco (inglesa) teve esta denominação até 1896, quando o governo federal alterou seu nome para E. F. São 18 TENÓRIO, Douglas. Capitalismo e Ferrovias no Brasil. Maceió: EDUFAL, 1979, p.25. FERNANDES, Etelvina Rebouças. Do Mar da Bahia ao Rio do Sertão: Bahia Ao São Francisco Railway, Salvador: Secretaria de Turismo, 2006. 19 23 Francisco, com isso o percurso Salvador - Juazeiro) continuou com duas administrações (inglesa e da União) e uma só denominação.20 A pesquisa de Robério Santos Souza21 reconstitui a implantação destas estradas a partir de 1852 quando alguns membros da Junta da Lavoura conseguiram a concessão do governo para construir a Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco sendo eles: Muniz Barreto, Luiz Francisco Junqueira e Justino de Sento Sé. Em seguida, devido à renúncia dos outros sócios, Muniz Barreto assinou um contrato que garantiu a exploração desta estrada de ferro por 90 anos, somados à garantia de juros do Governo Imperial, para depois entregá-la nas mãos dos ingleses, que iniciaram a sua construção em 1858, chegando a Alagoinhas somente em 1863. Na compreensão de Cunha os interesses que movimentaram os ingleses para construir e explorar estradas de ferro na Bahia, e em especial o trecho de Salvador- Alagoinhas- Timbó, proporcionou a estes empresários assegurar por meio da garantia de juros o capital investido e os lucros deste empreendimento.22 Em 1901, a estrada de Salvador a Alagoinhas foi arrendada aos engenheiros brasileiros Jeronymo Teixeira Alencar Lima e Austricliano Honório de Carvalho. De acordo com Souza este trecho funcionou com déficits nos primeiros anos de sua implantação quando Alencar Lima e outros empresários mantiveram o domínio da empresa até 1909. Os principais produtos de exportação foram: o açúcar, o fumo, o tabaco, bem como algodão, mel e uma pequena quantidade de café e borracha. 23 A construção do prolongamento da estrada de ferro até as margens do São Francisco ficou a cargo da União sendo Alagoinhas o ponto de partida até Juazeiro. Este prolongamento foi construído pela iniciativa privada de Miguel de Teive e Argollo. E em 1909 um acordo foi firmado para administração das duas estradas quando Alencar Lima e Honório de Carvalho desistiram dos direitos provisórios de exploração do trecho de Salvador a Alagoinhas e passaram as duas estradas de ferro ao monopólio do Grupo Teive e Argollo & C. De acordo com a análise empreendida por Souza 20 CAMELO FILHO, José. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro. 2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000, p.145. 21 SOUZA, Robério Santos. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007. 22 CUNHA. Joaci. A Dominação do Imperialismo na Bahia. Caderno do CEAS. Vol. nº. 204. Salvador: editora, jan./fev. 2003, p. 25-50. 23 SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p.31. 24 tanto a trajetória da estrada da Bahia ao São Francisco, quanto de seu prolongamento, assim como a conseqüente organização do CVGBa24, constituiu-se em componente histórico importante, seja para analisar as forças políticas e econômicas e a questão ferroviária na Bahia, seja para se compreender as circunstâncias históricas, específicas, em que os trabalhadores ferroviários viveriam suas experiências de classe.25 De acordo com o exposto acima se pode perceber como foi imprescindível a presença dos ingleses para a construção desta ferrovia que através dos investimentos em serviços públicos a exemplo dos transportes desejavam expandir o seu capital, bem como impor sua tecnologia na Bahia. Contudo, após o fim do domínio inglês, esta estrada de ferro foi transferida para o Grupo Teive e Argollo, depois passou para o capital francês da Companhia Chemins de Fer Federaux Du L'est Bresilien. As fontes que permitem analisar o domínio desta companhia ainda são escassas, mas vale a pena ressaltar que os Relatórios do Ministério de Viação e Obras públicas trazem informações que permitem caracterizar a administração francesa no que tange ao movimento do transporte de passageiros, mercadorias, saldos e déficits das estradas de ferro sob o domínio da Companhia francesa de 1911 até 1935. 1.1. Ainda outros estrangeiros Em 1910, compunham a Viação Geral da Bahia as seguintes estradas de ferro: Estrada de ferro da Bahia ao São Francisco, Ramal do Timbó, Estrada de ferro do São Francisco e a estrada de ferro Central da Bahia com seus ramais. Em 1911, as estradas de ferro da Bahia foram arrendadas para outro grupo. (...) pelo decreto n.9.029, de 11 de outubro de 1911, foi transferida para a actual companhia arrendataria Compagnie des Chemins de Fer L’ste Bresilien o contracto celebrado com a Companhia Viação da Bahia, em virtude do decreto 8.648, de 31 de março de 1911.26 Ao assumir as ferrovias da Bahia a Companhia de capital francês e belga tinha um contrato com o governo que estabelecia uma série de obrigações e deveres como: 24 A empresa a que o autor se reporta é a Compacnhia Geral de Viação da Bahia (CVGBA). Idem, ibidem, p.39. 26 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911, p. 138. Disponível em http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010. 25 25 construção de ramais e unificação das linhas (bitolas) e outros melhoramentos previstos no contrato de arrendamento explícito nos relatórios dos ministros de Viação e Obras Públicas ao presidente da República. 27 Os decretos citados no destaque acima foram colocados em vigor em 1911, com a transferência do contrato da Companhia Viação Geral da Bahia para a Chemins de Fer L’ste Brésilien e estabelecendo as tarifas e instruções a serem seguidas desde então.28 Com relação à empresa francesa, Joaci Cunha formula inúmeras questões acerca da presença e dos investimentos estrangeiros na Bahia. Que fatores condicionaram a dinâmica dos investimentos ferroviários na Bahia? O que realmente justificava as intervenções públicas nas administrações das ferrovias? 29 Para sistematizar o estudo da experiência operária na referida estrada de ferro do São Francisco é necessário compreender a dinâmica e o gerenciamento da Companhia, bem como os interesses que movimentaram seus dirigentes, destacando as principais características da administração ferroviária no período de 1911 a 1935. Inúmeras transformações foram encetadas quando ocorreu a mudança na administração das ferrovias baianas relacionadas ao movimento financeiro da empresa e a variação no número de queixas dos trabalhadores e da população contra esta administração. Durante 1911 a 1935 as estradas de ferro da Bahia estiveram sob a administração francesa, quando finalmente a empresa foi encampada pelo governo federal, pondo fim ao longo período entre arrendamentos e encampação estatal, quando mudou o seu nome para Viação Férrea Federal Leste Brasileiro – V.F.F.L.B. Recebeu este nome “Por ordem do Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas a rede reformada das estradas de Bahia, Sergipe e Norte de Minas (...)”.30 No início do século XX, ocorreram inúmeras mudanças no cenário ferroviário, o que proporcionou à Estrada de Ferro Bahia do São Francisco incorporar outras Companhias Férreas entre elas a Estrada de Ferro Bahia a Minas a partir de 1912, como 27 Neste Relatório destacaram-se os decretos que regiam o contrato com esta empresa revistos em 1911. Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1917. Disponível em http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010. 28 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1917, p. 111. Disponível em http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010. 29 CUNHA. Joaci. A Dominação do Imperialismo na Bahia, Caderno do CEAS. Vol. nº. 204. Salvador: jan./fev. 2003.p. 44. 30 Agora é Viação Férrea Federal Leste Brazileiro. Diário de Notícias, Salvador, 23 mar. 1935, p.1. 26 se verifica no relatório do ministro da Viação e Obras Públicas de 191331. Esta medida ocorreu após o contrato de arrendamento de 1911 com os franceses. Além disso, não se pode perder de vista a crescente rede de investimentos estrangeiros, a exemplo do francês, no período compreendido por esta pesquisa. Estudos e pesquisas sobre o tema ainda são insuficientes para dar conta da importância destes investimentos na Bahia, mas a bibliografia disponível aponta para investimentos de franceses em portos, bancos e ferrovias. Ainda assim, tendo este capital uma participação relativamente menor que o britânico. É válido salientar, que a Companhia Chemins de Fer Federaux Du L'est Brésilien fazia parte de uma rede muito maior de investimentos franceses no Brasil. Flávio Saes32 destaca que no Brasil em fins do século XIX estava instalada uma crise econômica devido a uma série de fatores, entre eles a falência de diversas empresas e o declínio do preço do café no mercado internacional, levando a instabilidade na balança comercial brasileira. Diante desse cenário, a penetração do capital estrangeiro atingiu diversos setores como as estradas de ferro, portos e outras empresas. A Brazil Railway Company foi uma empresa que manteve ações e influência em diversos setores no Brasil, controlando significativa parcela das estradas de ferro no Sul do Brasil. “A Brazil Railway tinha as características do que se entende por uma empresa "Holding” “33. Ou seja, por meio de participação acionária, ela controlava amplo conjunto de outras empresas.” A respeito do estudo destes investimentos, Saes conclui: Em primeiro lugar, eles se dirigiram para os setores "clássicos" da economia brasileira, isto é, setores ligados essencialmente à agroexportação. Nesse sentido, vieram reiterar o caráter da economia brasileira não sendo, nesse sentido, um elemento de transformação de suas características. Isto não quer dizer que a maciça entrada de recursos externos não tenha nenhum impacto sobre a economia (por exemplo, no sentido da industrialização), mas simplesmente de que não se trata de um efeito claro e direto nesse rumo.34 Uma hipótese que pode ser levada em conta neste estudo, parte da análise de Fréderic Mauro em seu estudo sobre as empresas francesas e o financiamento da 31 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1913, p. 85. Disponível em http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010. 32 SAES, Flávio A. M. de. Os investimentos franceses no Brasil: o caso da Brazil Railway Company (1900-1930). Rev. Hist. Vol. nº.119. São Paulo, dezembro de 1988. 33 Idem, ibden, p. 26. 34 Idem, ibden, p. 41. 27 industrialização no Brasil.35 O autor atesta que parecia haver certa negligência em relação à administração das ferrovias por parte destes arrendatários por esta ter sido feita de uma forma bastante independente pelos seus funcionários responsáveis diretos por esta administração, o que não teria proporcionado uma preocupação constante com os compromissos firmados de expansão da malha e de melhorias neste meio de transporte. As fontes indicam que existiu certo “desleixo” em relação à administração das ferrovias quando esteve sob a responsabilidade desta empresa francesa. Isto se comprova pela quantidade de reclamações feitas à Companhia e pela ausência no cumprimento das tarefas, a exemplo do término da construção de novos trechos. “No que tange ao movimento financeiro da empresa, a E. F. do São Francisco continuou apresentando saldos positivos, oscilando entre 2% e 17% no qüinqüênio de 1907 a 1911, quando novamente esta via férrea foi transferida para L’ est Brésilien.” 36. É importante salientar a entrada de capitais estrangeiros no Brasil e especialmente na Bahia a partir dos investimentos britânicos e franceses. O movimento financeiro da empresa atestou um aumento no seu déficit em relação ao ano de 1910. O relatório do Ministério de Viação e Obras públicas de 1922 apresenta detalhadamente o movimento de todas as linhas que compõem a empresa, apresentando dados como receitas e discriminação dos ganhos com passageiros, bagagens, animais, e mercadorias em geral. Concomitantemente, destaca as condições das ferrovias quando da posse dos franceses “A situação desta Rede-Ferroviária é bastante precária”. 37 Soma-se a estas informações notícias relacionadas a reparos nos trens e nas oficinas nas referidas estradas de ferro. A tabela abaixo referente à Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco 38 demonstra como era feita a divisão de trabalho no interior da ferrovia, e discrimina as despesas tidas com o pessoal da administração geral, do tráfego, da locomoção e das linhas e telégrafos, atestando que estas foram maiores no ano de 1910. 35 MAURO, Fréderic. As empresas francesas e o financiamento da industrialização no Brasil. In: Revista de Economia Política. São Paulo, Vol. 19, nº. 3, s/l, julho-setembro de 1999, p.75. 36 CAMELO FILHO, José. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro. 2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000, p. 144. 37 Relatório do Ministério de Viação e Obras públicas referente ao ano de 1922, p.183. www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 17/05/2010. 38 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911, p.140. www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010. 28 Tabela 1. Demonstrativo de Despesas na Estrada de Ferro (1910-1911) Despezas de 1911 1910 Custeio Administração 96:430$196 114:515$505 Geral 314:490$737 360:125$636 Trafego 467:487$475 482:029$615 Locomoção Linha e 182:132$849 189:134$226 telegrapho 1.060:531$257 1.145:804$982 Total Diferença 18:095$309 45:634$899 14:542$140 7:001$377 85:273$725 Fonte: Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911. Disponível em www.crl.edu/content.asp. Robério Souza em seu estudo sobre a experiência ferroviária pontua como era a divisão do trabalho no interior da ferrovia e como eram hierarquizadas as relações dentro deste espaço, dividindo-se numa gama de tarefas em cada setor. O termo ferroviário também cria a idéia de que havia uma homogeneidade nos serviços, o que não ocorria. Havia o setor de locomoção que agregou maquinistas, foguistas, encarregados de depósito e apontadores, enfim, distintos sujeitos sociais com diferentes necessidades e identidades que não recebiam os mesmos salários. Ao mesmo tempo, “a seção de tráfego ainda contava com o trabalho dos agentes, fiéis (auxiliares imediatos), telegrafistas, conferentes, guarda-chaves, serventes, guardas e bombeiros.”39 Na compreensão de Souza a seção de linha foi constituída por “condutores, mestres de linha, armazenistas, encarregados de obras, guarda-raios, guardas, feitores e turmas de trabalhadores (...)”.40 Cabe destacar que os turmeiros eram os operários responsáveis pela manutenção das condições do tráfego e dos trechos ferroviários tendo que possuir residência próxima às linhas de trem. Com base na leitura dos relatórios do Ministério de Viação e Obras Públicas redigido pelo ministro José Barboza Gonçalves no ano de 191141 percebeu-se que grande parte das ferrovias que compunham a Companhia francesa funcionou durante 39 SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p.60. 40 Idem, ibidem, p. 64. 41 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911. Disponível em: www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010. 29 este ano com déficits comparados ao saldo total da receita disponível, excetuando-se a estrada de ferro Central da Bahia que conseguiu obter saldo. De acordo com a leitura dos relatórios concluiu-se que em 1913 a situação de déficits se repetiu no que tange à maioria das ferrovias baianas, excetuando-se a E.F. Bahia a Minas que apresentou saldo neste ano. Depreende-se que o governo continuou garantindo os juros dos empréstimos adquiridos para realizar as construções e melhoramentos das estradas de ferro baianas. “A extensão total a construir (1º período) é de cerca de 2.601 quilômetros, dos quaes estão estudados 2.373,556 (...) a responsabilidade do governo quanto aos novos empréstimos é de 5.260:573$350” 42 . Convém mencionar as obras previstas para serem realizadas pela empresa às custas do governo. Uma das características que marcou a administração francesa na Bahia foram as reclamações divulgadas no período de sua concessão destas ferrovias. Inicialmente, no relatório referente ao ano de 1914 se destaca que, destruídas pelo abandono em que se acham, entregues a ação do tempo, as oficinas de Periperi são um amontoado de ruínas onde mal se abrigam os machinismos que ainda produzem mal que uma casa de trabalho, onde as condições hygienicas devem ser atendidas, de onde as prescripções technicas se não devem afastar. As coberturas de zinco, sobretudo a de ferraria, destruída pela oxydação, impedem o trabalho por completo, obrigam-no a paralisação absoluta nos dias chuvosos, por maiores e mais precisos que sejam: além do attentado que se comette contra a saúde e a vida do operário, embora humilde, mas indispensável e caro à sociedade.43 O relatório do ministro da Viação e Obras Públicas em 1914 atestou as condições da E’ste, situação que se agravou em 1930. Queixas contra a Companhia foram constantes nos jornais durante a administração da Chemins de Fer feitas pelos trabalhadores, pelos comerciantes e pela população a forma como esta empresa era gerenciada. “(...) Várias pessoas vieram queixar-se do mau estado em que se acha a sala da Estação de São Francisco. Bancos velhíssimos, paredes sujas e outros inconvenientes (...)” 44. 42 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1913, P. 82. Disponível em www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010. 43 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1914, p. 121. Disponível em www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 13/05/2010. 44 Nossos Dias, Alagoinhas. s/d. 30 A insatisfação dos operários com a administração pode ser evidenciada através das greves deflagradas durante a Primeira República, a exemplo das greves de 1919 e a de 1927 e posteriormente as de 1932 e 1935. 45 As queixas de que a administração era deficiente e as reclamações constantes destes ferroviários estavam embasadas em condições concretas de sobrevivência no período. Contudo, compreende-se a partir dos relatórios dos ministros de Viação e Obras Públicas que as queixas contra a E’ste foram recorrentes e que muito provavelmente contribuíram para motivar as greves dos trabalhadores. Devido à ausência de solução para os problemas relacionados ao tráfego de passageiros e ao transporte de mercadorias. “Tanto o serviço de tráfego como o de mercadorias correram durante o anno com bastante irregularidade, provocando, sempre, reclamações por parte do público, fazendo-se sentir com maior intensidade nas mercadorias (...)” 46. Estes relatórios do Ministério de Viação e Obras Públicas estavam repletos de informações relacionadas às condições das estradas de ferro que formavam a Companhia E’ste e as principais mercadorias que transportavam os trechos que ainda deviam ser construídos, materiais reparados e despesas com as recuperações de estradas, trens, oficinas e dos custos com o pessoal, sempre discriminados para mostrar que a empresa ferroviária era extremamente hierarquizada em suas funções. Como se percebe inúmeras foram as reclamações contra a administração dessa empresa. (...) O trem da “E’ste”, que parte da Estação da Calçada às 17:17, para Camassary e que o povo baptisou de “Pirolito”, vai sempre super lotado, causando isso sérios embaraços aos passageiros (...) Agora, porém, a “E’ste” aboliu o trem daquelle horário, que passou a regressar pela tarde.47 Nenhuma novidade se apresenta no que tange às queixas dos ferroviários, dos comerciantes e dos passageiros durante a década de 1930 em relação aos serviços prestados pela empresa arrendatária L’ ste Brésilien. Problemas como os descritos acima, de trens lotados e de supressão de horários, foram constantes e os jornais noticiavam estes acontecimentos e como isto prejudicava a população. 45 MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana, 2008. 46 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1917, p.115. Disponível em www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 13/05/2010. 47 O Pirulito superlotado e a supressão de um horário. Diário de Notícias, Salvador, 26 dez. 1932, p. 1. 31 O atraso dos trens lesando as atividades da população e afetando os negócios dos comerciantes também foi atestado por Fabiana Machado em seu estudo sobre a ferrovia Leste em Jacobina durante 1920 a 1940. “Segundo relatam estas reportagens, os atrasos dificultavam a vida dos passageiros e dos comerciantes locais, atrasando o transporte de mercadorias”.48 No que se refere ao preço das tarifas, os periódicos também deixavam claro esta insatisfação. “Outra promessa das que o Sr. Interventor Federal fez ao povo bahiano, por ocasião do seu regresso do Rio, acaba de ter execução. Dessa vez é com a E’ste, cujas tarifas extorsivas são reduzidas (...)”49. Ainda sobre as tarifas da Leste destacou-se que “alliviará o commercio e a lavoura dadas as tarifas elevadíssimas da Ferroviaria, que asphyxiam o commercio e a lavoura das regiões servidas por esta Companhia” 50 . Através desta notícia depreende-se que havia conflitos entre comerciantes e a empresa ferroviária por causa do preço das tarifas do transporte. Comerciantes que precisavam transportar os seus produtos reclamavam dos preços dos fretes. José Camelo Vieira Filho aborda a administração da empresa arrendatária em seção de um dos capítulos da sua tese sobre a implantação das ferrovias na Brasil e traz informações sobre a L’ste que contribuem para o nosso estudo, afirmando que “(...) a Cia arrendatária apresentara já em 1930 uma série de reclamações avultando-a do pagamento de obras e fornecimento de materiais, no valor de 20.000.000$000 e procurou apoiar na falta desse pagamento para justificar a deficiência do desempenho de suas obrigações” 51 . Em 1930, representantes da empresa arrendatária propagandearam nos jornais que a mesma passava por uma crise financeira como modo de justificar tantas queixas e reclamações contra a mesma. Como o cenário foi marcado pela crise econômica de 1929 os patrões alegavam os reflexos desta conjuntura na Bahia. Além disto, o grupo francês ao investir no setor de transporte visava auferir lucros mediante a garantia de juros e da expansão das linhas através dos empréstimos do governo. Contudo, não se pode perder de vista que grande parte das ferrovias baianas 48 SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2009, p. 111- 112. 49 Estão sendo cumpridas as promessas do Senhor Interventor. Reduzidas as tarifas da E’ste, Diário de Notícias, Salvador, 08 jan. 1932, p. 1. 50 Uma estrada que se impõe. Desta capital até a cidade de Alagoinhas. Falta, apenas, a ligação de 60 kilômetros. Diário de Notícias, Salvador, 15 ago. 1931, p.1. 51 CAMELO FILHO, José. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro. 2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000, p.153. 32 sob domínio da arrendatária funcionou na maior parte do tempo de forma deficitária, tendo o governo garantido o lucro destes financistas. As greves deflagradas durante a Primeira República estudadas por Flávio Martins52 abordam a situação precária da ferrovia Bahia ao São Francisco e como as condições de trabalho dos operários eram difíceis. A pesquisa de Flávio Dantas Martins53 ressalta as greves de 1919 e o contexto geral de paralisação da classe trabalhadora, bem como a greve de 1927, que aparece em seu estudo como um movimento extremamente complexo e importante de luta operária contra o domínio estrangeiro francês. 1.2. Entre estrangeiros e brasileiros: o caso da Leste Nas palavras de Lauro Farani Pereira de Freitas, engenheiro e diretor da empresa, o caso da Leste foi marcado pelas (...) dificuldades advindas dos serviços, em todo o primeiro semestre, em conseqüência do conhecido Caso da Leste, como das cheias que tanto damnificaram as linhas desta ferrovia, sem que não se deva esquecer, também, que os dois primeiros mezes do anno foram de completo abandono por parte da Companhia arrendatária.54 Após uma onda de manifestações grevistas, entre elas a greve de 1927, que incluía entre suas reivindicações que a L’ste fosse encampada pelo governo, tanto que por meio do Decreto Lei 24.321, de 1º de junho de 1934, pôs fim ao período de domínio estrangeiro na direção das ferrovias baianas. Tal período ainda carece de uma maior investigação a respeito o controle francês na direção deste meio de transporte. Contudo, podemos afirmar que houve mobilizações intensas dos ferroviários por melhores condições de trabalho e de vida, isso deu pistas sobre o tratamento dispensado a estes trabalhadores pelos franceses, a exemplo da greve de 1927, estudada por Flávio Dantas Martins e das paralisações em 1932, 1935 e 1937. 52 MARTINS, Flávio Dantas. Na madrugada seremos livres: Paralisações e Movimentos Ferroviários na Bahia (1909-1927). (Relatório de Pesquisa em Iniciação Cientifica - FAPESB). Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2007. 53 MARTINS, Flávio. Legislação Trabalhista e Greves Ferroviárias na Bahia (1927 – 1936). (Relatório de Pesquisa em Iniciação Científica – FAPESB). Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2008. 54 FREITAS, Lauro Farani Pedreira de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 20. 33 O ministro da Viação Marques dos Reis em visita à Bahia em 1934 foi procurado por inúmeros periódicos para dar entrevista e a sua posição foi descrita pelo redator do jornal. “Depois de troca de saudações, o dr. Marques dos Reis, com aquella affabilidade e requinte de polidez do causídico insinuante que sempre fôra, acolheu o jornalista visitante (...)”55. Nesta entrevista, o ministro também comentou sobre a rescisão do contrato da Este Brasileiro. Sobre este assunto o ministro declarou: A referida rescisão foi proposta e decretada ao tempo ainda da gestão do meu antecessor na Viação, mas, em verdade o acto oficial da occupação das ferrovias por parte do Governo não foi feito até hoje, de sorte que, confiantes certamente, na viabilidade de um acordo, os arrendatários por via diplomática e mesmo directamente estão trabalhando neste sentido, junto ao Ministério. A propósito, de minha parte nenhuma má vontade résta, para desprezar uma justa conciliação de interesses, na hypotese vertente. Empenhando no estudo dos direitos de cada uma das partes, de um lado o Governo e do outro os arrendatários franceses, tenho que apurar e reservar os interesses do País, sem desconhecer os daquelles e resta analyse e deste confronto tudo farei para obter uma fórmula conciliatória, (...) Ademais, é de mister que attentemos nos effeitos resultantes de medidas, ou actos, que possam prejudicar a entrada de capitais estrangeiros em nosso País, contra o qual se formará lá fora, então um ambiente de desconfiança que dificilmente cessará, para infelicidade nossa. A política brazileira, no particular, terá de orientar-se, através de rumos seguros, cuja finalidade consista em attrair o ouro de que muito estamos a carecer, para o nosso engrandecimento econômico e para libertação de nossas finanças.56 É perceptível a preocupação do Marques dos Reis com a manutenção da entrada de capitais externos no Brasil e na Bahia. Contudo, a entrada deste capital aumentou a dependência do país, além de contribuir com a transferência das riquezas geradas no país para o exterior.57 O capital excedente dos países centrais foi exportado para o Brasil através de investimento em diversos setores da economia. A presença do capital estrangeiro foi expressiva para a economia do País, pois a Inglaterra financiou o seu processo de independência, visto que saldou a dívida cobrada por Portugal devido a emancipação brasileira. Os relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro entre outras coisas servem para reconstituir o balanço financeiro da empresa no período, além de trazer 55 A Bahia pode esperar pelos benefícios do Ministério da Viação. Diário de Notícias, Salvador, 10 set. 1934, p. 1. 56 Idem, ibidem. 57 A saída de capitais do Brasil para os outros países foi mais freqüente que a entrada deste capital. 34 informações relativas a todas as esferas da ferrovia, como armazéns, oficinas, aquisição de materiais, déficits, quantidade de trabalhadores empregados no período, condições adversas existentes no referido ano a que se referia ao relatório. Também destaca imagens da presença de operários na sua labuta diária no cenário da empresa e a busca de melhores condições para si e suas famílias no período posterior à tomada de posse pelo Governo Federal. A seguir imagem da obra de reconstrução do Pátio da Calçada no decorrer do ano de 1935.58 Figura 1. Operários trabalhando na obra de remodelação do Pátio da Calçada (1935) Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro referente ao ano de 1935, Salvador, 1936. Em contrapartida, os relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro permitem analisar a visão de Lauro Farani de Freitas, engenheiro e diretor dessa empresa desde administração anterior, acerca da empresa ferroviária e dos ferroviários após o fim do contrato de arrendamento. Lauro Farani tinha sido o diretor interino da L’est antes da sua encampação quando foi deflagrada a greve de 1935. As fontes atestaram que a posição assumida por Freitas foi vacilante, parece que ele percebeu o curso dos acontecimentos os quais levaram a pedir demissão da empresa francesa para posteriormente ser reconduzido ao cargo da administração brasileira. Lauro Farani de Freitas era um político da bancada pessedista 58 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936. 35 da Bahia e sua influência em diversos momentos foi decisiva para promover as mediações que possibilitaram o final da greve dos ferroviários ocorrida em 1935. Como mostra o destaque abaixo: Esta administração, que de início, teve ao seu lado a maioria esmagadora da classe, entretanto, apesar do seu absoluto espírito de tolerância, foi forçada como uma medida prophilactica, a reprimir uns tantos abusos de caracter administrativo, promovidos por meia dúzia de agitadores a soldo da Companhia Francesa, com o objetivo de perturbar a ordem, a disciplina do meio e a boa marcha dos trabalhos ferroviários; e assim removeu e demitiu cerca de uma dezena de maus elementos.59 A citação acima deixa claro que houve demissões de ferroviários por parte da empresa, após esta já estar em poder do governo. E 1935 foi um ano decisivo no que tange à greve dos ferroviários encabeçada para “impedir” que a empresa voltasse às mãos dos antigos patrões. A greve na visão dos jornais era assim anunciada: “Promptos ao trabalho pelo Brasil com brasileiros, os ferroviários estarão sempre dispostos a reagir contra o domínio estrangeiro explorador.” 60 Segundo o diretor da empresa outro problema que teria prejudicado o transporte da ferrovia seriam as fortes chuvas que teriam dificultado a circulação na via, já em estado deplorável devido à má conservação dos ex-arrendatários. Vale ressaltar e se faz importante para efeito deste estudo que a empresa ferroviária Leste Brasileiro, como foi posteriormente nomeada, englobou a Estrada de Ferro Bahia a Minas e a Central da Bahia para além da Bahia ao São Francisco e seus ramais. A leitura dos relatórios mostra que a empresa tem um grande papel no desenvolvimento da economia baiana e suas rendas giraram em torno do transporte de “café, álcool e aguardente, cereais, fumo, sal, toucinho, açúcar e diversas. 61 Os relatórios da Viação Férrea destacam que a mesma possuía 116 locomotivas em 1935 e os gastos com os operários de acordo com as suas funções, como conferimos a seguir: 59 Idem, ibidem, p. 4. Promptos ao trabalho pelo Brasil com brasileiros, os ferroviários estarão sempre dispostos a reagir contra o domínio do estrangeiro explorador. Era Nova. Salvador, 30 mar. 1935, p. 1. 61 Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1927, p. 177. Disponível em http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 20/05/2010. 60 36 Tabela 2. Carga horária dos encarregados na conservação de linhas (1935) Pessoal – Em conservação de Linhas: -------- Dias de trabalho durante o anno 433.966 Media mensal 36.1641 Numero médio mensal de trabalhadores 1.446,5 Percentagem media de homem - kilômetro 0,8 Fonte: Relatório da Viação Férrea referente a 1935, Salvador, 1936, p.55. Sobre o movimento financeiro percebe-se na leitura do relatório de 1935 que o movimento financeiro da Leste apresentou um pequeno superávit no segundo semestre. Neste ano o transporte de mercadorias, passageiros, bagagens e animais foi crescente em relação ao ano anterior, 1934. Destaca a distribuição dos gastos com o pessoal que trabalhava na empresa, e ressalta que há um esforço do diretor da Leste em mostrar que em 1935 houve gastos extensos com o pessoal da administração central, do tráfego, da locomoção e das linhas, em relação ao ano de 1934, quando a ferrovia ainda se encontrava nas mãos dos estrangeiros e essa medida contribuiu para reduzir os gastos da administração central, tanto que eles foram menores do que os realizados no ano anterior. Portanto, o saldo cresceu no período seguinte. Lauro Farani de Freitas ainda declarou que é possível constatar dois momentos em 1935: um refere-se ao período entre meados de março, isto é, antes da encampação, e o segundo após março. Os números referentes ao saldo também se apresentam maiores no relatório no segundo período. No ano seguinte relatório destaca a urgente necessidade de modernizar os serviços ferroviários, adquirindo-se “novas locomotivas a vapor e locomotivas Diezel - elétricas ou pneumáticas. 62 Trata-se de uma medida urgente, pois é fundamental para o processo de modernização dessa ferrovia. Outro aspecto comentado no relatório diz respeito à iluminação, pois, “enquanto antes da occupação os trens viajavam, quando muito, iluminados pela luz oscillante e mortiça dos acetilenos, e em 31 dez.1935 o aspecto era diverso: iluminação firme e mais ou menos profusa.” 63 O relatório de 1935 foi o primeiro realizado pela administração brasileira. Ele relata o “sofrimento da lavoura, do comércio, do público e das indústrias devido às 62 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 25. 63 Idem, ibidem. p.32. 37 péssimas condições da ferrovia.” Uma soma de reclamações relacionadas à deficiência dos equipamentos, bem como das verbas para adquirir novos materiais necessários para dinamizar os serviços de transporte. Em contrapartida, a ausência de ligação entre algumas estradas de ferro também representou um problema e aumento nos custos do transporte. De acordo com o relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro de 1935, o seu déficit foi bem menor neste ano, mas segundo um quadro do movimento financeiro presente neste mesmo documento a estrada vinha funcionando com baixos lucros, pois a despesa era um pouco menor do que a receita, de acordo com o relato do engenheiro diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de Freitas. Esta informação soma-se à dos relatórios dos Ministros de Viação e Obras Públicas nos anos de administração francesa, atestando que a Companhia foi deficitária na maior parte do tempo. A seguir tabela referente à receita da empresa obtida com os transportes.64 Tabela 3. Receitas da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (1931-1935) VERBAS 1931 1932 1933 1934 1935 Passageiros Bagagens e encommendas Mercadorias 3.188:078$985 3.050:106$590 2.794:386$055 3.065:810$375 3.452:953$795 575:265$895 473:508$355 421:214$780 470:404$665 551:902$125 8.236:821$900 6.898:444$901 7.171:337$070 7.909:879$865 9.513:967$413 193:231$840 316:884$590 275:759$990 174:386$875 291:984$630 1.717:501$873 1.515:054$614 1.687:951$415 1.660:305$365 1.943:877$520 Animaes Rendas diversas TOTAL 13.910:900$493 12.253:999$050 12.350:649$310 13.280:787$145 15.754:685$481 Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro de 1935, Salvador, 1936. A tabela mostra que houve uma queda na receita bruta em 1932 e uma pequena recuperação e uma significativa elevação em 1935 tanto que Freitas indica que isso contribuiu para certo aumento na produção das oficinas65. Todo o documento mostra certa melhoria a partir da sua encampação pelo governo em 1935, como exemplo destaca a boa situação das reparações dos materiais e das locomotivas.66 O que acarretou na vida dos ferroviários empregados na Leste esse propalado incremento de reparações? E o aumento do transporte de mercadorias e passageiros? Como estes operários vivenciaram a administração do governo? Para responder estas 64 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p.14. 65 Idem, ibidem, p. 14. 66 Idem, ibidem, p. 15. 38 questões tem que se levar em conta a conjuntura baiana após o fim do contrato de arrendamento, bem como as mudanças que foram encetadas a partir da administração do governo. É importante destacar que o estudo dos ferroviários baianos no período de 1932 a 1952 demonstrou que estes trabalhadores foram atuantes e não deixaram de se mobilizar na luta por melhores condições de trabalho. A greve em 1935 visava transferir esta estrada para as mãos do governo, ao que a arrendatária reagiu na justiça. Se a estrada não dava lucros porque os estrangeiros não queriam perder o controle da mesma? Não se pode perder de vista que o governo concedia alguns subsídios para as empresas férreas, sendo fator preponderante para que não desejassem perder a administração destas estradas, somadas a empréstimos do governo para a construção de novas obras. Depreende-se da leitura dos relatórios que houve exploração e a opressão não somente dos trabalhadores, mas do próprio espaço ocupado pela ferrovia atestado no relatório de 1935, conforme uma nota interessante sobre o problema da falta de material como dormentes e a lenha: “a exploração por mais de 60 anos, das nossas matas, de natureza pouco densas, não replantadas, há motivado, indubitavelmente, a escassez de material (para dormentes e lenha).”67 Como o corte ou a extração do magno (madeira) era considerado problema então a proposta é usar óleo combustível para “evitar a devastação de nossas florestas por certa temporada”68. Quando faltou lenha, usou-se o “carvão Cardiff” na Calçada durante 3 meses no período de maio a julho 1935 69. Repetidas vezes o engenheiro destacou que a administração federal adquiriu as ferrovias baianas em condições deploráveis de conservação. No entendimento de Zorzo na Bahia, em matéria de ferrovia, houve uma modernização conservadora e periférica, agressiva ao meio ambiente. No caso da Leste a estrada de ferro consumiu muitos hectares de mata para fornecimento de lenha combustível. Convém notar que, mesmo o problema sendo explicitado tecnicamente nos relatórios da empresa, pouco recuperou em termos de medidas mitigadoras de reflorestamento.70 67 Idem, p. 9. Idem, p.24. 69 Idem, p.24. 70 ZORZO, Francisco Antonio. História de um Impacto Ambiental (1935-1949): o caso da Empresa Ferroviária Leste Brasileiro e do Corte de Madeira para Combustível na Tração à Vapor. Comunicação apresentada no III Encontro Estadual da ANPUH. Caetité, 2005. 68 39 A falta de transporte fez com que surgissem queixas. “(...) Não foram poucas e sem razão as centenas de reclamações do público sobre a falta de transportes de suas mercadorias do interior para esta Capital”.71 Os jornais propagandearam que não havia mais condições de transportar as mercadorias. A explicação para tamanha crise seriam os anos de exploração e usufruto pelos arrendatários das rendas das ferrovias sem a contrapartida da implantação de melhoramentos na empresa. Concomitantemente, os trabalhadores sentiram esta precarização dos serviços de transporte, haja vista as permanentes queixas feitas por eles no Jornal O Momento durante a década de 1940 e as entrevistas realizadas com os ferroviários de Alagoinhas.72 Frente às queixas apontadas acima o diretor da empresa teve que reconhecer a carência nos serviços, o que faz jus às reclamações da população nos jornais do período. Lauro de Freitas chamou atenção para a importância do capital internacional nas ferrovias baianas, quando destacou a emergência de materiais e equipamentos importados para dinamizar o sistema ferroviário. “A reação da economia e a exigência sempre crescente dos transportes esbarra na falta de recursos para conservar e ampliar os equipamentos cujos custos de aquisição via importação era muito alto” 73 . Ainda sobre o problema da importação de materiais do exterior para serem implantados nas ferrovias, Zorzo destaca que A modernização dos transportes teve um custo muito alto perante os objetivos pretendidos, além de ter se efetuado num plano tecnológico muito restritivo. A engenharia ferroviária, no Brasil e na Bahia, desenvolveu-se segundo uma política de dominar somente o processo construtivo das vias. Devido ao fato de que os equipamentos eram importados na sua maioria, duas conseqüências se fizeram sentir no tocante aos problemas de engenharia. Como primeira conseqüência, cabe dizer que os projetos de estradas de ferro brasileiras sempre eram obrigados a atender às especificações e normas relativas aos equipamentos que eram vindas do estrangeiro. Isso significava que, em última instância, a fonte do conhecimento era gerada no estrangeiro e simplesmente reproduzida no país. E, segunda conseqüência, ainda mais desvantajosa, a baixa qualidade e produtividade das ferrovias brasileiras esteve ligada às dificuldades de renovação tecnológica (e muitas vezes, literalmente, à não-renovação) 71 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 10. 72 Entrevista com Leopoldo Cardoso de Jesus com 80 anos de idade, ferroviário aposentado da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro e João Ferreira de Souza também com 80 anos de idade e aposentado da empresa. 73 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 10. 40 dos veículos, máquinas e outros artefatos das vias que eram dependentes da produção no estrangeiro. 74 O relatório da empresa referente ao ano de 1935 também explicita uma centena de necessidades da empresa ferroviária para atender a demanda do transporte de passageiros e carga, mas o diretor alegava a falta de recursos. Ainda com relação aos problemas da administração francesa verifica-se a existência de “uma curva descendente nas verbas destinadas à Locomoção”75, uma “política de absoluta restrição, imposta pela ex-arrendatária, com sacrifícios incalculáveis do material e dos transportes”76. A culpabilidade da arrendatária francesa era destacada a todo o momento neste relatório e em outros posteriores a 193577. Lauro de Freitas destacava os aumentos de gastos com reparação e conservação das máquinas, que, apesar disso, encontravam-se em estado deplorável. A ferrovia precisava, conforme o relatório de “novas e modernas unidades de tração”, para evitar congestionamentos, desafogar o tráfego.78 O destaque das informações do relatório revela como o representante da V.F.F.L. B desejava mostrar que a falta de recursos para a compra de novos materiais e a crise da empresa tem estreita ligação com os ex-arrendatários franceses. Os relatórios referem-se ao policiamento nas linhas férreas para evitar roubos e, atropelos, entre outras coisas. Simultaneamente, destaca o número elevado de descarrilamentos durante o ano de 1935. O Diário de Notícias apresentou uma matéria sobre roubo na Leste. “A direção da Leste Brasileiro, segundo colhemos ontem, acaba de levar ao conhecimento da polícia a descoberta de vultuoso furto nos seus depósitos a Calçada (...)”.79 Ao mesmo tempo, foram movidos processos pela empresa contra ferroviários e outros operários responsáveis por estes delitos, isso justificou a necessidade de policiamento nas linhas da ferrovia, para o referido diretor. A representação do diretor foi analisada nos relatórios, chamando-se atenção para os argumentos que pretendia defender através da ênfase em determinados assuntos ou repetição e constante ataque à antiga administração, da qual inclusive o próprio fez 74 ZORZO, Francisco Antonio. História de um Impacto Ambiental (1935-1949): o caso da Empresa Ferroviária Leste Brasileiro e do Corte de Madeira para Combustível na Tração à Vapor. Comunicação apresentada no III Encontro Estadual da ANPUH. Caetité, 2005, p.116-117. 75 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 10. 76 Idem, ibidem. p. 12. 77 Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro dos anos de 1935, 1936, 1937, 1938, 1939, 1940, 1941, 1942, 1943, 1944, 1948. 78 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 31. 79 Vultuoso furto nos depósitos da Leste à Calçada. Diário de Notícias, Salvador, 14 jul. 1942, p.8. 41 parte, pois já trabalhava na ferrovia, anteriormente. Curioso o fato dele aparecer constantemente nas fontes jornalísticas no que tange às greves de 1930 como um “amigo” dos operários em alguns momentos, como negociador em outros, como diretor, engenheiro e político influente do período. Estudos sobre Lauro de Freitas que abordem a sua atuação na direção da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro ainda são escassos, isso é notado em todas as pesquisas que trataram da Leste, visto que ele foi seu diretor e engenheiro por um longo período. Contudo, o papel desempenhado por ele ainda permanece “ignoto” pela História das ferrovias baianas e dos trabalhadores de maneira geral. O mundo do trabalho na Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco foi palco de lutas em diferentes momentos, destaca-se o exemplo dos movimentos grevistas em 1909, mobilizações que continuaram ocorrendo na Primeira República e se estenderam até a década de 1930. A leitura dos relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro atesta que a companhia ferroviária havia deixado as ferrovias baianas em condições precárias, ao mesmo tempo procurava mostrar as melhorias introduzidas pela administração federal. A partir do que foi exposto pelas fontes, concluiu-se que, de fato, a Companhia francesa administrou as ferrovias com dificuldade, o que se confirmou pelos números de déficits registrados nos Relatórios do Ministério da Viação e aqueles elaborados por Lauro de Freitas, incluindo as queixas nos jornais e as greves deflagradas pelos ferroviários. Consuelo Novais Sampaio analisa que em relação ao cotidiano do trabalhador, uma comparação entre a conjuntura de 1919 e a de 1930 afasta qualquer hipótese que aponte para uma melhoria de suas condições de trabalho e de vida, como querem os apologistas de Vargas. 80 Grande parte dos problemas permaneceu durante a administração federal embora Lauro de Freitas tenha romantizado essa questão em seus relatórios. Mas a análise das matérias do jornal O Momento e as entrevistas com os ferroviários de Alagoinhas atestaram que o trabalho era excessivo e que o salário não atendia as necessidades dos operários e de suas famílias que continuou precária no fim da administração de Getúlio Vargas. 80 SAMPAIO, Consuelo Novais. Poder e Representação: O Legislativo da Bahia na Segunda República, 1930-1937. Salvador: Assembléia Legislativa. Assessoria de Comunicação Social, 1992, p. 47. 42 1.3. Características do trabalho na ferrovia: A encampação e problemas Mas o que estes dados a respeito do movimento financeiro da empresa podem destacar a respeito da experiência ferroviária? Ora, basicamente Lauro Farani em todos os relatórios elaborados após a tomada das estradas de ferro pelo governo demonstra que um período de relativas melhorias foi introduzido com a encampação, exemplificando isto a partir das melhorias implantadas no período que se estende da segunda metade do ano de 1935 até fins do da década de 1940, quando o transporte ferroviário declina em detrimento do rodoviário. Os dados a que se referem à crise das ferrovias e que dizem respeito à receitadespesa afetaram diretamente a vida e o mundo de trabalho destes ferroviários, pois, na greve de 1932, a empresa demitiu centenas de trabalhadores em decorrência da crise econômica por ela enfrentada. A partir disto, concluiu-se que as condições da empresa afetaram diretamente nas relações de trabalho dos ferroviários que foram demitidos por causa das suas medidas econômicas. A transferência de patrões franceses para brasileiros a partir da rescisão do contrato de arrendamento com a L’est representou um momento de acirradas disputas judiciais para que fosse cumprido o decreto de 1934, o qual postulou que cabia ao governo a posse da estrada de Ferro L’ste Brasileiro. Cumpre destacar que os ferroviários participaram deste processo de mudança de patrões se posicionando a favor do Estado. E esse processo não representou uma atitude de subserviência, mas de compreensão de que esta mudança poderia lhes beneficiar de algum modo. O ano de 1935 é um marco, pois agrupou uma grande mobilização que foi seguida por outra em 1937 provocada pela repulsa à um engenheiro ligado a companhia francesa que foi readmitido apesar da sua encampação pelo governo. Isso mostra que a greve de 1937 foi um sinal de que os ferroviários não ficaram subordinados às imposições governamentais. Após as mobilizações que exigiam o atendimento das suas reivindicações iniciouse um período denominado por Lauro de Freitas como “harmônico” entre patrões e operários no ambiente de trabalho ferroviário. No entanto, outras fontes, entre elas os processos judiciais movidos pelos ferroviários e o jornal O Momento, ressaltam que este período não foi tão “calmo” assim. 43 No que concerne à leitura dos relatórios elaborados pelo Diretor da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, durante o ano de 1938, verificou-se que havia ordem e disciplina na estrada. Pois, de acordo com o engenheiro “os pequenos surtos de desordens até então existentes provindos desse próprio estado de coisas, após os dois primeiros anos da ocupação, desapareceram inteiramente, ante as medidas de justiça postas (...)”81. O documento faz questão de destacar um período tranqüilo após 1935, quando não havia “tumultos” por conta da administração do governo. No ano de 1939, volta a chamar-se atenção para a questão da atuação destes operários, cuja indisciplina sempre mereceu uma seção no início dos relatórios posteriores a 1935, como um modo de informar sobre possíveis “perturbações” no mundo de trabalho, em particular as greves, paralisações e todas as formas possíveis de reivindicações operárias: Quanto a disciplina acha-se inteiramente restabelecida. Os repetidos surtos de desordem que durante o primeiro biênio, tanto movimentaram a Estrada, – efeitos naturais das infiltrações de alguns elementos indesejáveis, esparsos no meio, a soldo dos ex-arrendatários (...).82 Supõe-se que o diretor refere-se às greves ocorridas anteriormente, contudo pode ter havido outros tipos de movimentos de contestação aos patrões, não divulgados pelos jornais de grande circulação da época. Além disto, destaca-se o que ele intitulou como “efeitos naturais de infiltrações”, culpabilizando o elemento estrangeiro como os “incitadores” das manifestações e provocadores da desordem. O estudo de Cláudia Monteiro compreende que “(...) por muito tempo persistiria a idéia de que os trabalhadores brasileiros eram contaminados pelos ‘maus elementos estrangeiros’”.83 Em outra seção dos relatórios da Viação Férrea, intitulada de “Serviços jurídicos”, frisou-se que no ano de 1939 o assistente jurídico da viação cuidou de 312 processos, porém este número continuou aumentando em relação aos acidentes ocorridos no trabalho, ou desapropriação de terrenos para utilização da empresa, além da existência de processos crime em decorrência de roubos, violência ou indisciplina. É 81 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia Gráfica da Bahia, 1939, p.3. 82 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Salvador, 1936, p. 5. 83 MONTEIRO, Cláudia. “Fora dos trilhos”. As experiências da militância comunista na rede de Viação Paraná- Santa Catarina (1934-1945). 2007. Dissertação. (Mestrado em História). Porto Alegre, 2007, p.37. 44 válido destacar a pretensão de Lauro de Freitas em mostrar nos relatórios uma relação harmônica de ferroviários, e de solidariedade dos serventuários da estrada com o Estado. Neste contexto há um pedido de policiamento das linhas fato que decorre segundo Lauro Farani, de uma maior quantidade de acidentes por causa da reforma pela qual passou as linhas, isso proporcionou uma maior velocidade dos trens, agravado pelo “desrespeito e inabilidade com que andam os transeuntes sobre as linhas...” 84 . A culpabilidade dos pedestres pelos acidentes ocorridos também foi algo premente pela direção da empresa. As ações judiciais movidas por ferroviários devido aos acidentes ocorridos no trabalho permitem compreender as condições insalubres e difíceis de trabalho que fazia parte do cotidiano dos ferroviários. Além disso, ficou explícito a precariedade de assistência médica oferecida pela empresa aos seus trabalhadores acidentados ou que ficassem doentes. Para Lauro de Freitas, este fato era um absurdo, pois quanto melhor for o bemestar dos trabalhadores, maiores serão os lucros. “melhor abrigado o pessoal, residindo em local salubre e higiênico, os seus serviços seriam melhor aproveitados, subindo, por certo, o índice de rendimento, em benefício da estrada”.85 E essa medida visava o controle dos trabalhadores. Dentre alguns aspectos que aparecem nos relatórios destacaram-se as solicitações para a construção de casas de turmas para os operários: no ano de 1938, 10 grupos de casas foram construídas, 6 no estado de Sergipe e 5 na Calçada.86 Outras informações que apareceram nos relatórios diz respeito aos turmeiros, operários que tinham que morar próximos às linhas de trem, porque eles eram os responsáveis diretos pela manutenção dos trens e dos trilhos. Por outro lado, tem-se que analisar as afirmações do diretor da empresa no período inicial da administração brasileira deste transporte público: Medidas diversas de amparo aos nossos trabalhadores foram iniciadas depois de 1930, com o novo regime, medidas profundamente humanas 84 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Salvador, 1939, p. 71. 85 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Gráfica Comercial, Salvador, 1939, p. 76. 86 Idem, ibidem, p.76. 45 e de extensão cada vez maior, medidas que honram a nossa civilização e a nossa cultura. 87 As inúmeras queixas dos ferroviários durante a década de 1930 nos periódicos baianos demonstraram que essas medidas do presidente Gétulio Vargas para com os trabalhadores foram ineficazes. Os ferroviários tiveram um auxílio importante nesse momento para legitimar suas ações que foi o apoio de alguns jornais onde fica evidente uma inclinação mais ou menos favorável aos trabalhadores grevistas. “(...) A cidade já está inteirada do movimento dos ferroviários, em greve pacífica (...)”.88 Os periódicos se posicionaram relatando os movimentos grevistas de acordo com determinados aspectos por conta da sua orientação política. O Imparcial, por exemplo, registrou um dos momentos da greve de 1932, em que um operário atinge o outro por este não desejar aderir à greve. Não se pode perder de vista, também o interesse do Imparcial em registrar a violência de alguns trabalhadores para pressionar outros a aderir a greve. Isso revela a complexidade da teia de relações que envolveram os interesses das classes dirigentes baianas à época na direção desses jornais. Altamirando Requião à frente, o Diário de Notícias foi o único jornal local que apoiou a interventoria de Juracy Magalhães na Bahia. Os outros órgãos de imprensa de Salvador daquele período, o Imparcial, o Diário da Bahia e A Tarde, não admitiram o processo intervencionista. A Tarde se postou como uma tribuna para o movimento Autonomista, formado por políticos locais que não digeriram um interventor cearense. Sobre este, tratava-se de uma discordância meramente regional e sem nenhum teor ideológico.89 Além dos jornais mencionados, durante a década de 1940 O jornal O Momento analisou as condições dos trabalhadores da Leste e apontou grandes dificuldades de sobrevivência enfrentadas por estes ferroviários. Paralelamente, a leitura do relatório da V.F.F.L. B demonstrou que a despesa aumentou muito após 1944, quando a receita passou a ser apenas a metade das despesas. O que proporcionou isto? E como os ferroviários perceberam as mudanças na importância e utilização das ferrovias? Cabe 87 FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1942 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Tipografia da Leste, 1943, p.18. 88 O Grande movimento grevista na E’ste. Diário de Notícias, Salvador, 14 de outubro de 1932, p.01. 89 JÚNIOR. José Carlos Peixoto. O Caso Diário de Notícias da Bahia. A quinta coluna Baiana (19351941). 2003. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003, p.39. 46 destacar que as condições de trabalho não se alteraram significativamente com a mudança de administração a partir de 1935, não se perdendo de vista as especificidades que caracterizavam cada gerência. A greve de 1937, bem como os processos movimentados contra a Leste e os depoimentos de ex- ferroviários90, comprovaram que as reclamações contra a empresa continuaram ocorrendo, cobrando atenção para o trabalho pesado desempenhado pelos ferroviários e pelos baixos salários que recebiam. Concomitantemente, as remoções de local de trabalho era uma medida constante da Leste Brasileiro, isso evidencia a vivência destes ferroviários marcada pela mudança e permanente adaptação em outras localidades. Outro aspecto que chama atenção referese ao fato de os acidentes de trabalho e o local de procedência do operário ser diferente de onde este sofria o acidente: Para a cidade de Santa Luzia, em dia desta semana, viajou, acompanhado de S. exma. família o Sr. João Quintino de Souza, funcionário do depósito de máquinas da “Leste Brasileiro” nesta cidade. S.S que vai para ali removido, por determinação da diretoria da “Leste”.91 Apesar da encampação das ferrovias pelo governo continuaram havendo queixas e reclamações dos seus trabalhadores a respeito do tratamento dado a eles. Contudo, devido ao Estado Novo imposto por Getúlio Vargas que intensificou a repressão aos meios de comunicação e às reivindicações operárias as notícias referentes a estas mobilizações foram mais difíceis de serem divulgadas. Outro fator que deve ser levado em consideração é a passagem dos operários a funcionários públicos em 1936, segundo nota do relatório do Ministério de Viação e Obras públicas de 1920, que trouxe mudanças no relacionamento com os representantes do governo. Outras notícias presentes nos relatórios da Leste e nos jornais apenas apontam melhoramentos que foram implementados pelo governo como a eletrificação da Leste feita em 1942, bem como a instalação de carros restaurantes na empresa, entre outras medidas propagadoras de “avanço” e “modernidade”. Contudo, nem tudo é harmônico, como quer transparecer os relatórios elaborados por Lauro de Freitas. As notícias veiculadas no jornal O Momento apresentam as 90 Entrevista realizada com os ferroviários aposentados Leopoldo Cardoso de Jesus e João Ferreira da Silva em Alagoinhas no dia 23 de agosto de 2010. 91 Da Leste. Correio de Alagoinhas, Salvador, 30 mai. 1942, p. 4. 47 queixas dos ferroviários aos serviços e às condições de atendimento a estes trabalhadores pela empresa. “Enquanto corremos as seções da Leste, ouvimos da boca de quase todos os operários, queixas idênticas, contra o salário e os eternos protegidos”92. Informações relacionadas a queixas contra a Companhia Ferroviária Leste Brasileiro também foram atestadas pelo estudo de Fabiana Machado sobre a ferrovia em Jacobina no percurso entre Iaçu e Bonfim.93 1.4. Ferroviários pobres e negros: O caso baiano A bibliografia que trata das ferrovias e dos ferroviários é unânime em destacar a primazia desta categoria nas mobilizações grevistas. E, no que tange ao estudo da mãode-obra empregada nas construções das estradas de ferro, Cláudia Monteiro enfatiza, no caso da Viação Paraná Santa Catarina, que os trilhos foram construídos, quase exclusivamente, por operários livres. Monteiro pontua que a existência da Lei nº 641 de 1852, garantia que o braço escravo não seria utilizado nos trabalhos de implantação das ferrovias. De um modo tímido, a autora compreende que os “operários livres” em uma sociedade escravista, construíram os trilhos em todo o Brasil94. Chega a citar a construção da Bahia E.F ao São Francisco e de outras no Estado Nordestino, mas não esclarece as diferenças existentes entre os trabalhadores empregados no Sul e no Nordeste do Brasil. Na compreensão de Monteiro, “no entanto, talvez seria ilusão pensar que as condições de vida e trabalho eram muito melhores do que a dos escravos.”95E o estudo dos ferroviários baianos permite concluir que as condições de trabalho e de vida foram de fato, precárias. O estudo de Marco Henrique Zambello96 sobre a Companhia Mogyana e a Paulista em São Paulo destacou a lei imperial de 1852 que proibia que escravos fossem empregados nas ferrovias. Mas, o autor ressalta que isso continuou ocorrendo apesar da existência da lei ao lado da utilização do trabalho dos imigrantes. Nesse sentido, o 92 Os ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 3. SILVA, Fabiana Machado da. O trem das grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual da Bahia, 2009. 94 MONTEIRO, Cláudia. Fora dos trilhos As experiências da militância comunista na rede de Viação Paraná – Santa Catarina (1934-1945). 2007. Dissertação. (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2007, p.32. 95 Idem, ibidem. p.32. 96 ZAMBELLO, Marco Henrique. Ferrovia e Memória: Estudo sobre o Trabalho e a Categoria dos Antigos Ferroviários da Vila Industrial de Campinas. 2005. Dissertação. (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 52. 93 48 trabalho escravo e o livre teriam coexistido na sociedade substituindo a idéia de que a partir da entrada dos imigrantes isso teria cessado. Mais uma vez, é importante observar que havia presença majoritária de afrodescendente no trabalho nas ferrovias baianas. A historiografia sulista que se ocupou do estudo de operários que trabalharam em ferrovias, abordou o quanto essa mão-de-obra foi proveniente de outras partes do mundo, entrando como imigrantes no Brasil e que trouxeram suas formas de organização e seus modos de reivindicação dos países de origem. Estudos mais recentes que se ocuparam da realidade baiana têm comprovado a imigração na Bahia foi quase nula, sendo os escravos, libertos, enfim, os negros, os responsáveis pela construção das estradas e pelo transporte nas estações ferroviárias. Então, na Bahia, o estudo da própria formação da classe operária não irá se ocupar da imigração e sim da escravidão como uma experiência vivenciada anteriormente. A seguir tabela elaborada a partir da análise dos processos de acidentes de trabalho. Tabela 4. Ferroviários vítimas de acidentes segundo a cor (1926-1952) Cor Declarada Vítimas/Ferroviários % Branco Faioderma Leucoderma Melanoderma 06 16 03 04 10,53 28,07 5,26 7,02 Mestiço 01 Moreno Pardo Preto Não Informado Total 02 03 03 19 57 1,75 3,51 5,26 5,26 33,33 100,00 Fonte: Processos de Acidente de Trabalho, APEB. Tabela elaborada a partir de dados da pesquisa. A tabela apresenta um quadro resumo acerca da cor das vítimas dos acidentes de trabalho ocorridos na empresa ferroviária e apontou a predominância da denominação faiodermas (16) entre outras variações como a leucoderma (03) e melanoderma (04). Além dessas também constavam termos como mestiço, moreno, pardo e preto. O estudo de Maria Aparecida Sanches ao identificar o perfil da sociedade baiana destacou que: 49 a cor foi um importante demarcador social para a Bahia, que para além de brancos e pretos, a miscigenação da população baiana construiu um leque de gradações cromáticas que determinavam a aproximação e a distância desses dois níveis cromáticos básicos, quanto mais próximos dos fenótipos brancos, maiores eram as chances ascensionais para os indivíduos.97 Nesse sentido, estas denominações foram utilizadas pelos médicos legistas nos processos de acidente de trabalho para classificar as vítimas. Ao que tudo indica essa denominação marcou o lugar social ocupado por esses trabalhadores reclamantes dando uma idéia do perfil dos trabalhadores da Leste. Na análise da tabela percebe-se que há uma predominância de indivíduos não brancos agrupados em torno das definições melanoderma e faioderma designando operários negros e pardos em sua maioria, havendo uma menor porcentagem de leucodermas, isto é, brancos. Não se pode perder de vista, a subjetividade presente nessa classificação realizada pelos médicos em termos do julgamento dos critérios a serem utilizados para elaborar esse quadro, mas corrobora o fato dos ferroviários baianos serem afro- descendentes em sua maioria.98 No seu estudo sobre as Ferrovias Inglesas no Nordeste, José Camilo Neto dedica um capítulo à formação da classe trabalhadora a partir do mundo de trabalho ferroviário. Na compreensão deste autor, a utilização da mão-de-obra escrava no trabalho das ferrovias dificultou a formação de uma classe trabalhadora, destacando a entrada de imigrantes em Pernambuco em meados de 1850 para realizar este tipo de atividade. A influência de trabalhadores estrangeiros especializados sobre o crescimento da consciência de classe foi importante, mas a existência da escravidão impediu o desenvolvimento da classe trabalhadora.99 Ao fazer esta análise o autor acaba reforçando o “mito” de que a classe operária no Brasil inteiro era composta por brancos, estrangeiros e anarquistas e que trouxeram a sua experiência de organização de outras partes do mundo. Essas generalizações não levam em conta as peculiaridades de cada localidade, a exemplo da Bahia. No estudo de 97 SANCHES. Maria Aparecida. As razões do coração: namoro, escolhas conjugais, relações raciais e sexo- afetivas em Salvador 1889/1950. 2010. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010, p.123. 98 Com relação à cor e essa multiplicidade de sentidos implicados nas várias denominações cromáticas, como leucoderma, faioderma, etc., precisam ser melhor aprofundados em estudos posteriores sobre o assunto. Ver: SANCHES, Maria A. As razões do coração: namoro, escolhas conjugais, relações raciais e sexo- afetivas em Salvador 1889/1950. 2010. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010. 99 MELO. Josemir Camilo de. Ferrovias Inglesas e mobilidade social no Nordeste. Campina Grande: EDUFCG: 2007, p. 96. 50 Robério Santos Souza sobre as experiências de ferroviários nos trilhos da Bahia, o autor destaca que a classe operária baiana foi constituída, isto é, formou-se a partir da experiência da escravidão e os ferroviários eram negros e mestiços. Inicialmente, é preciso atentar para as particularidades da composição da classe operária baiana, bem como da mão-de-obra ferroviária. Segundo Decca “a cidade de São Paulo nos fins dos anos 20 e início dos 30 mostra-se como um centro industrial, operário e ‘estrangeiro’” 100. É preciso chamar atenção para a heterogeneidade da classe trabalhadora a depender da sua localização. Na Bahia, espaço onde se concentra este estudo segundo atestam os trabalhos de Castellucci101e Robério Souza, a classe operária era composta de negros, pardos, enfim, era majoritariamente negra enquanto a imigração teve uma importância quase nula. As formas de organização foram esboçadas com elementos que dispunham no seu dia-a-dia e marcada pela experiência da escravidão, haja vista que grande parte dos operários que trabalharam na construção das ferrovias na Bahia eram escravos ou recém-libertos. Sendo assim, não foi trazida previamente uma forma de organização de outros países do mundo o que serviria para propagar uma idéia de dependência e homogeneidade dos operários, quando se sabe que cada localidade possui suas peculiaridades e dinâmica própria. No que tange à presença negra de escravos e libertos na formação da classe trabalhadora na Bahia e no trabalho nas ferrovias baianas Jailton Brito compreende que tanto a construção de ferrovias como o trabalho em garimpo eram atividades em que um escravo fugido poderia, sem dificuldades, camuflar sua verdadeira condição, fazendo-se passar por homem livre ou liberto, pois não devia haver muitas exigências na admissão de novos empregados, além do que eram atividades exercidas, em sua maioria, por negros, o que facilitaria sua camuflagem.102 Flávio Dantas Martins em seu estudo sobre a greve ferroviária ocorrida em 1927 destaca que esta foi definida como o dia da “libertação dos ferroviários” e reivindicou a memória da libertação dos escravos 103 . A memória da escravidão esteve presente na 100 DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo (1920/1934). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.17. 101 CASTELLUCCI, Aldrin. Industriais e Operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921). Salvador: Fieb, 2004. 102 BRITO. Jailton. A abolição na Bahia: 1870- 1888. Salvador: CEB- UFBA, 2003, p.37. 103 DANTAS, Flávio apude MARTINS, Flávio D. Legislação Trabalhista e Greves Ferroviárias na Bahia (1927 – 1936). (Relatório de Pesquisa em Iniciação Científica – FAPESB), Feira de Santana: UEFS, 2008, p.15. 51 mentalidade de alguns dos ferroviários que, em diversos momentos na elaboração de seus boletins e manifestos comparavam as difíceis condições de vida que a empresa ferroviária proporcionava aos trabalhadores, à experiência da escravidão. As comparações entre o trabalho ferroviário e a escravidão apareceram constantemente nas fontes durante a década de 1930. “Os assalariados da Companhia vão para exercerem as funções de servidores da coletividade num serviço público, porém, arvorados em chefes onipotentes para manter-se o regime de cativeiro (...)”.104 De acordo com o jornal O Alarma, a Companhia Francesa tratava o operário brasileiro como: “(...) aqueles míseros africanos que raptados de sua pátria vinham nos porões dos navios, destinados a feudaes donos de engenhos e que estava sujeitos a todas as penalidades bárbaras daquelles tempos” 105 . A escravidão era uma realidade muito próxima destes operários, pois que muitos que ingressaram no mundo de trabalho ferroviário eram escravos, ou ex-escravos: “É bem provável que muitos negros livres, libertos ou escravos, juntamente com os estrangeiros, trabalhassem na construção e no funcionamento de estradas de ferro na Bahia”. 106 Isso se justifica, pois o cotidiano de trabalho ferroviário era marcado pelo sofrimento e pela exploração. Essa comparação com os escravos demonstra com clareza como os operários sentiam-se no trabalho da estrada de ferro, e como tinham consciência da exploração a qual eram submetidos, o que justificava a comparação com o trabalho no regime compulsório embora esses trabalhadores tenham consciência que naquele momento estavam submetidos a outro estatuto: A era de reivindicações que caracterizou, singularmente, a revolução de outubro, não aproveitou e não podia aproveitar a determinadas classes num exclusivismo odioso e injustificável. Muito ao contrário ela espargiu os raios fulgurantes da sua mentalidade sadis, sobre todas as classes [trabalhadoras] até então escravizadas ao tronco infame do cativeiro a liberdade tolhida e conspurcados os seus mais legítimos direitos.107 O estudo de Robério Santos Souza destaca que o chefe de turma dos ferroviários era chamado de feitor, deixando evidente a memória da escravidão presente no 104 Os Ferroviários em greve. O Imparcial, Salvador, 14 out. 1932, p. 8. O Alarma, Alagoinhas, 26 set. 1932. 106 SOUZA, Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em Historia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p. 42 - 43. 107 Os Ferroviários em greve. O Imparcial, Salvador, 14 out. 1932, p. 8. 105 52 cotidiano de trabalho. “O feitor constituía-se no instrumento patronal de exercício do poder e repressão direta da força de trabalho, aplicando punições aos trabalhadores supostamente insubordinados”.108 Na entrevista realizada com o ferroviário aposentado João Ferreira de Souza, em Alagoinhas, o mesmo citou qual era a sua função dentro da ferrovia e como foi o seu ingresso na estrada de ferro: “(...) Sempre que tinha precisão botava gente, naquele tempo o chefe, o feitor de lá que me colocou na linha, já morreu”.109 Referências à memória da escravidão foram encontradas nas fontes, e mostram a importância dessa mão-de-obra no contexto baiano, numa ordem econômica que exigia mudanças. A seguir segue a imagem do Diário de Notícias de 26 de março de 1935 que demonstra a aparência física de um grupo dos ferroviários baianos, onde se percebe a cor desses operários: Figura 2. Comissão de ferroviários em Aramari (1935) Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 26 mar. 1935, p. 01. O conteúdo da notícia referente a essa matéria destacou a pressão realizada pelos ferroviários para que o governo federal fizesse cumprir o mandato de rescisão do contrato da empresa francesa vencido desde 1934 e assumisse a posse das ferrovias baianas. A esperança era que a transferência de patrões trouxesse melhorias nas condições de vida dos operários. 108 SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p. 68. 109 Entrevista realizada com João Ferreira de Souza, ferroviário aposentado da Leste Brasileiro com 80 anos de idade em Alagoinhas no dia 23 de agosto de 2010. 53 CAPÍTULO II: OS FERROVIÁRIOS BAIANOS E A EXPERIÊNCIA DE EXPLORAÇÃO NO TRABALHO Esse capítulo dedicou-se à análise do momento posterior à encampação da empresa ferroviária por compreender que houve mudanças políticas relacionadas a novas medidas impostas por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. A passagem dos ferroviários a funcionários públicos trouxe diferenças no modo como o Estado, agora já detentor de grande parte das ferrovias baianas antes em posse dos franceses, percebeu a categoria ferroviária na Bahia e tentou se relacionar com a mesma. As condições de vida e trabalho dos ferroviários foram destacadas neste capítulo apontando que, apesar da mudança de patrões, a situação destes continuou precária. O objetivo da exposição de tais aspectos da experiência destes trabalhadores é apontar as condições em que eles se encontraram no período e o lugar ocupado pelos mesmos na sociedade. O período intitulado de Estado Novo trouxe uma série de medidas ainda mais repressivas no que tange ao relacionamento do Estado com a classe operária no Brasil, e de modo mais específico na Bahia. Ângela de Castro Gomes compreende que 1937 parece ter sido o momento de conclusão do projeto político de Vargas iniciado em 1930 quando se exacerbaria uma série de medidas que vinham sendo implementadas desde o início do governo como intensa propaganda política do regime e valorização excessiva do Estado Nacional elaborada por intelectuais como Oliveira Viana e Azevedo Amaral, além de comemorações de datas festivas como o 1º de maio e o aniversário do presidente, numa clara tentativa de aproximação entre o mesmo e o povo.110 Durante o período do Estado Novo algumas medidas foram colocadas em prática visando a proibição de greves e “perturbações” da ordem de toda espécie. Além disto, o cerceamento da liberdade de expressão dos meios de comunicação, bem como o envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, fariam desse período um momento particular para se compreender atitudes e medidas dos trabalhadores, em especial dos ferroviários baianos. Impedidos de realizar greves após o Estado Novo os ferroviários baianos se organizaram em torno de entidades com caráter assistencialista e se envolveram na formação de comitês junto aos locais de trabalho onde puderam organizar-se em busca 110 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do Trabalhismo, Rio de Janeiro: FGV, 2005, p. 216. 54 do atendimento das suas reivindicações. Somam-se a isso as ações judiciais movimentadas na justiça visando adquirir as indenizações a que tinham direito pelos acidentes ocorridos no trabalho. 2.1. O Trabalho na Leste: Mudanças e resistência operária A greve dos ferroviários ocorrida em 1935 teve como objetivo pressionar o governo para tomar posse das ferrovias baianas arrendadas a estrangeiros. E após o fim da greve foi grande a expectativa desses trabalhadores em perceber melhorias em suas condições de vida e trabalho. A visão do próprio diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de Freitas em um relatório logo após a greve de 1935 estabelece como é o dever destes documentos destinados ao Ministro da Viação, João Marques dos Reis, informar as condições na ferrovia em todos os seus aspectos. Corroborando o que foi dito anteriormente sobre ferroviários terem tornado-se funcionários públicos neste relatório referente ao ano de 1936 lê-se: Em 1936 fora pelo governo solucionado em uma grande e justa aspiração dos empregados desta Estrada, qual o quadro do seu pessoal, que, após a ocupação da rede, permanecia sem estabilidade, e outras garantias de que gozam os funcionários públicos. (...) Na tarde de 21 de novembro, sob alegrias e entusiasmos da classe agradecida, sancionar a Lei 312-A, que estabelecera o quadro do funcionalismo da Léste Brasileiro. 111 De acordo com esta Lei nº 312 de 21 de novembro de 1936 ficaram estabelecidos de acordo com os seus artigos que Art. 1º A Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, directamente subordinada ao Ministerio da Viação e Obras Publicas, será dirigida por um engenheiro nacional da confiança das Leis de 1936 Governo, e o quadro do seu pessoal organizado de conformidade com a lei n. 284, de 28 de outubro do corrente anno, será o constante do quadro annexo. Art. 2º As primeiras nomeações para o provimento dos cargos constantes do quadro, a que se refere o artigo anterior recahirão nos actuaes serventuarios da estrada e independerão de concurso ou de provas de habilitação. Art. 3º Aos actuaes serventuarios, fica assegurado pagamento da differença entre a remuneração, que estiverem effectivamente 111 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do exercício de 1936 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1937, p. 9. 55 percebendo, na data da publicação desta lei, e o vencimento do cargo para que forem nomeados. Art. 4º As despesas resultantes da presente lei correrão no exercicio de 1937, pela verba 1ª, 6ª parte, sub-consignação n. 8, e verba 15ª, subconsignação n. 1, n. III. "Serviços e encargos diversos", do orçamento do Ministerio da Viação e Obras Publicas, de accôrdo com o decreto numero 24.321 de 1 de junho de 1934. Art. 5º O director da estrada deverá submeter á approvação do ministro da Viação e Obras Publicas, dentro do prazo de tres mezes, a partir da data desta lei, o regulamento da estrada. Art. 6º A presente lei entrará em vigor ao dia 1 de janeiro de 1937. Art. 7º º Revogam-se as disposições em contrario. 112 Após a publicação desta lei aparece outro regulamento onde consta um quadro do pessoal da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro com as denominações das carreiras e algumas observações pontuais que permitem inferir que havia subclassificações em determinadas funções, maquinista de tipo B, C, D, E, F o que também alterava os salários. Algumas funções desaparecem. “4 classe M 1 vago a ser preenchido quando fôr extincto cargo de subdiretor.”113 A extinção de cargos também pode ter sido um outro modo de proporcionar o desemprego de trabalhadores na ferrovia. Em estudo que tratou da reforma de 1942 na VFRGS, Silvana Grunewaldt compreendeu que o processo de racionalização ocorrido na empresa proporcionou que novas tecnologias ocupassem o espaço de trabalho dispensando a atividade dos operários antes empregados nessas funções. “Essa modificação no processo de frenar o trem fez com que os graxeiros ficassem isolados nas máquinas e, com o tempo, tiveram sua função extinta”.114 Analisam-se estas leis ao lado de outra citada em 28 de outubro de 1936115 onde foram regulados os vencimentos do funcionalismo público civil da União e outras providências. Nessa aparecem os salários anuais e mensais de alguns dos empregados, a exemplo da função de maquinista que possuía subclassificações que foram de B a F com os salários variando a partir disso. 112 Lei nº. 284 de 21 de novembro de 1936. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em: 10/11/2010. 113 Lei nº. 312, de 21 de Novembro de 1936. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em: 10/11/2010. 114 GRUNEWALD. Silvana. A Reforma de 1942 na VFRGS e o estabelecimento de uma nova cultura de trabalho. IV Jornadas do GT Mundos do Trabalho – RS. A Pesquisa do Trabalho – 1917, Noventa anos da Revolução Russa e das Greves Gerais no Brasil. Pelotas, 08 a 11 de outubro de 2007. 115 Lei nº. 284 de 28 de outubro de 1936. Disponível em http://www2.camara.gov.br. Acessado em: 10/11/2010. 56 Ocorreram mudanças a partir da nova administração, contudo velhos problemas permaneceram mesmo após essa passagem. É o que se evidencia no relato de Lauro Farani que deixa explícito que as condições em que as estradas foram entregues ao governo em 1935 eram muito precárias 116 . Nos relatórios da Leste a visão que Lauro Farani transmitiu foi de dificuldades enfrentadas pela empresa e de precarização desse meio de transporte na Bahia, combinando deficiência de materiais e salários irrisórios aos trabalhadores em conseqüência da crise. As greves ocorridas no início de 1930 comprovaram o quão desfavorável eram percebidos os movimentos grevistas, queixas na ferrovia e contestações de qualquer espécie. Lauro Farani destacou em 1938 que “no tocante à manutenção da ordem, apenas ligeiros surtos de indisciplina quebraram o ritmo em que se vêem coordenando os serviços ferroviários. 117 Fabiana Machado da Silva em estudo sobre a Leste Brasileiro em Jacobina endossa esta informação a respeito da percepção negativa dos movimentos de contestação dos trabalhadores pelo diretor da empresa. 118 A Constituição de 1937 estabeleceu a greve enquanto um recurso “nocivo” e prejudicial ao trabalho. Soma-se a isso a impossibilidade dos funcionários públicos realizarem greves. As fontes encontradas não permitiram conhecer de modo específico como foram esses surtos de indisciplina em 1938, contudo, devido às normas e a rigorosa disciplina vigentes no ambiente ferroviário se pode relativizar estes “surtos” para além das greves. Provavelmente estariam relacionados à compreensão de descumprimento das regras impostas pela empresa a estes trabalhadores. Além disto, em 1939 foi criado para assegurar os “princípios hierárquicos de ordem, de respeito e de disciplina” 119 o Departamento e Serviço de Pessoal que mantém em organização crescente os boletins de pessoal atestando as atividades “subversivas” de alguns operários, negligenciando o que havia sido imposto pela Leste Brasileiro. Robério Souza analisou a questão da disciplina imposta pela empresa aos ferroviários baianos: 116 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do exercício de 1937 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1938, p. 3. 117 Idem, ibidem, p. 4. 118 SILVA, Fabiana. SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2009. 119 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do exercício de 1937 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1938, p. 2. 57 Desobedecer as determinações dos superiores hierárquicos, não comparecer religiosamente ao local de trabalho no horário estabelecido, chegar embriagado na empresa, atraso com os trens e erros técnicos, dormir no local de trabalho, não praticar a “boa moral e disciplina na repartição” ou mesmo não usar o uniforme da empresa adequadamente (como, por exemplo, o bonet) eram motivos suficientes e inquestionáveis para suspensões vigorosas, inclusive, com a divulgação pública para toda comunidade por meio dos boletins da VFFLB.120 Souza analisou esta rigorosa fiscalização presente na empresa desde a implantação do regulamento de 1893 das estradas de ferro que regulou os casos passíveis de punição, bem como estabeleceu o comportamento “adequado” que deveria ser exercido no ambiente de trabalho. 121 As normas impostas visaram disciplinar estes trabalhadores para conseguir uma maior produtividade, bem como para evitar contestações de toda espécie. Dentro de um dos processos de acidentes de trabalho foi encontrado um boletim de pessoal, no qual estavam relatadas as situações em que os ferroviários foram repreendidos e responsabilizados pela empresa, envolvendo os mais diversos motivos. “José da Silva Cabral (...) repreendido pelo seu desinteresse e falta de zelo pelo patrimônio nacional permitindo que três pedaços de trilho pertencentes a essa ferrovia e próximo a sua casa ficassem ao abandono”. 122 O ideal difundido pela Companhia era de que os operários deveriam ser ordeiros e obedientes, logo, descuido e desinteresse já mereciam uma recriminação. O mundo de trabalho envolveu uma série de regras que deveriam ser seguidas dentro e muitas vezes fora da empresa e quando desvirtuadas geraram punições a esses trabalhadores. A estas informações se soma a entrevista com o ferroviário aposentado Leopoldo Cardoso de Jesus em Alagoinhas que também deu exemplos do modo como a disciplina foi estabelecida. “(...) e que vê outra quem quiser que fosse para lá de cabelo grande para ver, vá para casa corte o cabelo e volte para trabalhar não vou cortar seu dia não, agora corte o cabelo e volte”123. Como se depreende, uma série de normas foram impostas a estes trabalhadores pelos seus superiores e nem sempre eram acatadas de 120 SOUZA, Robério Santos. Dimensões do Labor Ferroviário na Bahia: Trabalho, Disciplina e Educação Profissional (1939-1942). Artigo publicado no encontro da ANPUH/Bahia: UESB. 2010, p. 3. 121 Idem, ibidem. 122 Boletim do Pessoal, Salvador, SRP5. Baía. 11 mar. 1943. Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. APEB. In: APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos. Cx: 142/141/16. 123 Entrevista com o ferroviário aposentado Leopoldo Cardoso de Jesus no dia 23 de Agosto de 2010 em Alagoinhas na Bahia. 58 modo “pacífico”, o que deve ter proporcionado os “surtos” de indisciplina destacados por Farani. Fabiana Machado chega a conclusões semelhantes através de entrevistas com trabalhadores da Leste no espaço de Jacobina: Na sua entrevista, Antônio F. Rego deixa claro como era feito o cumprimento do horário de trabalho, sendo segundo ele, destinada somente uma hora para almoço, o que representa a necessidade dessa empresa seguir as exigências de uma ótica capitalista de mercado, onde não se pode perder tempo, deve-se primar pelo trabalho e pelos lucros.124 Uma observação a respeito dos relatórios demonstra que nesta seção referente à disciplina na ferrovia nos anos posteriores a encampação governamental Farani representou como um período de “calmaria” que teria tido lugar após a seqüência de greves a partir de 1930. Mas a partir das entrevistas com os ferroviários da Leste e os boletins atestaram que uma série de atitudes eram passíveis de punição, a exemplo de Paulo Caetano que “manobrou a agulha dessa estação, para a passagem do trem S.23 (...) sem que se fizesse o necessário troncamento dessa agulha.” 125 Segundo este documento a atitude do trabalhador teria proporcionado “avarias no material rodante, além dos riscos a que expôs os passageiros do trem.”126 A disseminação das normas disciplinares também foi realizada a partir da construção da Escola Normal de Alagoinhas destinada a atender a grande demanda dos filhos de trabalhadores na cidade e a reproduzir grande quantidade de mão-de-obra disciplinada visando o máximo de rendimento e de lucro pela empresa. Inicialmente, foi construída uma em Cachoeira “Diffundindo a instrucção no interior do estado o Syndicato dos ferroviários inaugura: mais uma escola, em Cachoeira: E outra, ainda, será installada, nestes dias, em Alagoinhas”. 127A escola também era uma forte garantia de reprodução da mão-de-obra disciplinada. 124 SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2009, p. 84. 125 Boletim do Pessoal. SRP5. Baía. 11 de março de 1943. Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. APEB. Salvador. In: APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos. Cx: 142/141/16. 126 Idem, ibidem, p. 445. 127 Diffundindo a instrução no interior do Estado. Diário de Notícias, Salvador, 25 mar. 1935, p. 8. 59 Simultaneamente, Ludmila Brasileiro Guirra Couto128 em seu estudo sobre a formação profissional das mulheres ferroviárias em Alagoinhas comprova a presença feminina no universo do mundo do trabalho ferroviário. O silêncio relegado às mulheres na história da ferrovia não quer dizer que elas estivessem ausentes das lutas, mas reforçava a divisão sexual de papéis que relegava a mulher a função de cuidar do lar, enquanto que ao homem deveria caber o sustento da família. Apesar disso, Flávio Dantas em seu estudo sobre a greve ferroviária de 1927129 destacou a presença feminina na mesma, através de uma foto publicada no periódico Diário da Bahia comprovando que as mulheres não assistiram passivas as greves, uma vez que também deveriam estar reivindicando por conta da própria subsistência da família. É válido salientar, que as mulheres não estiveram presentes, apenas, exercendo o papel de esposa de ferroviários, mas muitas mulheres adentraram no trabalho na ferrovia, constituindo uma mão-de-obra que assumiu funções ligadas ao escritório. A formação escolar destas mulheres teve importância fundamental, pois: (...) a escola enquanto a instituição que formava as mulheres que seriam mais tarde escriturarias, auxiliares de almoxarifado, agentes de estação e telefonistas, era uma instituição compromissada com a ideologia dominante, que utilizava todo seu instrumental pedagógico a favor de uma educação que imprimia sua disciplina nos corpos e mentes, sempre na perspectiva de assegurar papéis sociais, além de formar uma mão-de-obra disciplinada e produtiva130. Ao que tudo indica, fazia parte do programa do sindicato a construção dessas instituições que tinham como objetivos garantir emprego para os filhos dos ferroviários, bem como a reprodução da mão-de-obra desenvolvida a partir de uma rígida disciplina. “(...) Está assim de parabéns o Syndicato ferroviário que bem orientado pela sua áctual Directoria; ao que nos informam, cumpre o seu programa sem desfallecimentos”131. Concomitante, o Estado também apresentou propostas de instrução para a classe operária que eram as escolas noturnas e profissionais.132 128 COUTO, Ludmila Brasileiro Guirra. A formação escolar das mulheres ferroviárias de Alagoinhas BA (1950-1970). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007. 129 MARTINS, Flávio. Na madrugada seremos livres: Paralisações e Movimentos Ferroviários na Bahia (1909-1927). (Relatório de Pesquisa em Iniciação Cientifica - FAPESB). Feira de Santana: UEFS, 2007. 130 COUTO, Ludmila Brasileiro Guirra. A formação escolar das mulheres ferroviárias de Alagoinhas BA (1950-1970). 2007. Dissertação (Mestrado em História). UFBA, Salvador, 2007, p. 52. 131 Diffundindo a instrucção no interior do Estado. Diário de Notícias, Salvador, 25 mar. 1935, p. 8. 132 DECCA, Maria. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo. (1920- 1934). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 44. 60 Importa ressaltar que além da rígida disciplina imposta pela Leste uma série de direitos já garantidos por lei desapareceu frente ao chamado esforço de guerra, conforme atestou o operário Almiro de Carvalho Conceição “o descanso semanal remunerado ainda não é observado na Leste, depois de dois meses e tanto de promulgada a constituição”133. Concomitantemente, trabalhadores de outros setores nesse período também tiveram extintas o pagamento das horas extraordinárias, bem como o restabelecimento da jornada de 10 horas de trabalho ao invés das 8 horas já regulamentadas. 134 Nesse sentido, a guerra foi o motivo alegado pelos patrões para que os trabalhadores “apertassem os cintos”135 nesse período. Edinaldo Souza destacou em sua pesquisa sobre as relações de trabalho no interior da Bahia que algumas categorias de trabalhadores entre eles operários das Minas de Manganês não receberam pelas horas extraordinárias. “Mas a insatisfação maior encontrava-se no fato de que as empresas, em geral, não pagavam as horas extraordinárias e mesmo quando faziam não acresciam os vinte e cinco por cento (...)”.136 Souza também destacou que os operários da Leste segundo denúncias do periódico O Momento são obrigados a fazer horas extras quando existem problemas nas linhas do trem e que nada recebem por esse serviço. 137 Essas notícias foram comuns nesse jornal onde os ferroviários denunciaram que os foguistas morriam antes do tempo e que os funcionários não recebem pelas horas extras e que os provisórios eram contratados para assumir o trabalho dos efetivos138 visando minimizar os lucros. O discurso de crise econômica atravessada pela empresa era a justificativa para corte no abatimento de passagens, para o não pagamento do abono de natal, entre outras reivindicações. Do mesmo modo que diversas queixas dos operários foram publicadas nos jornais, também foram noticiadas a construção de obras públicas com o objetivo de 133 Vitório Pita, defenderá na Câmara, as reivindicações dos ferroviários: O Momento, Salvador, 29 nov. 1946, p. 2. 134 NEGRO, Antonio L. e SILVA, Fernando T. da. Trabalhadores, Sindicato e Política (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge e NEVES, Lucília de Almeida. O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. V. 03. 2003, p. 47-95. 135 Idem. 136 SOUZA. Edinaldo. Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008, p. 52. 137 Idem, ibidem, p. 53. 138 Os ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 3. 61 propaganda do regime e visando apontar a política de “benefícios” implantados pelo governo de Getúlio Vargas. Essas medidas taxadas de “grandes melhoramentos” e divulgadas pelos representantes da empresa se opunham ao difícil cotidiano de vida e de trabalho dos ferroviários, pois que essas medidas não foram acompanhadas de melhorias na situação de vida destes trabalhadores. Assim foi que no dia 28 de outubro de 1941 às 17 horas em comemoração à festa do funcionário público “em um trem especial saíram da Capital até Periperi o Dr. Lauro Farani de Freitas, exma. Esposa, altos funcionários da empresa e numerosos convidados (...)”139 para inaugurar importante melhoramento na empresa, o bar da estação. Datas como o dia do funcionário público, o aniversário de Getúlio Vargas, entre outras, foram utilizadas de modo representativo para ‘mostrar ao povo’ os benefícios provenientes do governo de Getúlio Vargas em um momento em que a propaganda política do seu governo pretendeu justificar a ditadura imposta pelo presidente. Uma observação da análise desta fonte se refere às pessoas que participaram destas celebrações, ‘os altos funcionários da empresa’, isto é aqueles que provavelmente não construíram o ‘Bar da estação’... Os relatórios trazem imagens mostrando o êxito dos carros restaurantes da empresa Ferroviária em 1938140, e anúncios da construção da tipografia da Calçada em 1939. (cf. figura 3 a seguir). Em contrapartida, em 1945, podemos acompanhar notícias de denúncias do periódico O Momento a respeito de alguns serviços prestados pela empresa: “Os carros restaurantes da Leste uma permanente sugestão à abstinência! Tudo falta nesses refeitórios ambulantes (...)” 141 . Esta dificuldade estaria sendo enfrentada no ramal Bahia a Sergipe e a matéria denuncia que estes serviços estariam arrendados a particulares minimizando um pouco a responsabilidade da direção da empresa, o governo Federal. Contudo, a Companhia teria que fiscalizar o desempenho destes serviços e ao que parece isto não ocorria, haja vista a grande quantidade de problemas relatados. Esta reportagem destacou as dificuldades pela qual passou o repórter responsável pela elaboração da matéria ao conhecer os serviços prestados pelos carros restaurantes 139 A Leste Brasileiro no progresso suburbano. Diário de Notícias, Salvador, 29 dez. 1941, p.2. Os carros restaurantes da Leste presente no Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro referente a 1938. 141 Os carros restaurantes da Leste. O Momento, Salvador, 27 mar. 1945, p. 2. 140 62 da Leste, onde o mesmo atestou a precarização deste serviço e a ausência de diversos itens. “A palestra entre o jornalista e os empregados do carro restaurante prolongou-se por muito ouvindo o repórter as queixas de todos eles, imaginem os leitores que as leis trabalhistas até hoje não foram conhecidas dos pobres.” 142 Ao que tudo indica estes “grandes melhoramentos” na Leste não foram acompanhados de solução de problemas pelos quais passaram os trabalhadores da empresa, pois as queixas foram freqüentes. Figura 3. Carros restaurantes da Leste (1938) Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro referente ao ano de 1938, Salvador. Outro aspecto que necessita ser relativizado tem a ver com o fato de o repórter enfatizar que as leis trabalhistas não chegaram aos “pobres”. Pois que na análise dos documentos, como dos processos de acidentes de trabalho e através da fala de operários publicadas nesse mesmo periódico, muitos reclamaram direitos já vigentes no governo Vargas e que não estavam sendo cumpridos na empresa como, por exemplo, as horas extras e o direito à assistência médica. “Foi precisamente quando eu adoeci e solicitei recursos médicos da Leste, pois não podia fazer despesas com médicos.”143 Mas, apesar 142 143 Idem. Falta transporte no interior. O Momento. Salvador, 13 ago. 1945, p. 5. 63 das reclamações não se pode perder de vista a intensa propaganda no período varguista no sentido de difundir as leis criadas e reformuladas durante o seu governo. O descumprimento das leis gerou descontentamento dos trabalhadores contra a empresa e a estas queixas somavam-se as dos comerciantes e da população no período. Os comerciantes pela impossibilidade de transportar os seus produtos. “Os negociantes desta praça tem mais de vinte vagões requisitados a Leste; mas até agora os mesmos não apareceram por aqui” 144 . A falta de transporte do açúcar, arroz, querosene entre outros produtos aparece como uma situação de emergência a ser resolvida neste período de carestia. Essa situação de crise na Bahia que gerou um aumento nos preços também foi motivo de matérias em jornais do Recôncavo como O Palladio, conforme atestou Edinaldo Souza.145 A população se queixou das mudanças de horários nos trens pela empresa, que prejudicou os trabalhadores e suas famílias desacostumados ao novo horário imposto pela Companhia. Existia um ritmo de trabalho responsável pelo estabelecimento da rotina seguido pelos operários dos trens que montavam sua jornada baseando-se nos horários já estabelecidos. Uma mudança nesse sentido acarretaria total confusão nos seus hábitos, impondo sacrifícios a esses ferroviários e outros tantos trabalhadores que necessitavam deste meio de transporte para chegar aos seus destinos. Um leitor publicou no Momento: (...) trem popular chamado “pirolito” que, todos os domingos faz o percurso de ida e volta ate Alagoinhas alias sempre superlotado devido justamente ao grande movimento de passageiros, acaba de ser supresso pelo atual diretor da Leste, ficando assim a população da Capital sem meios de visitar suas famílias (...).146 As denúncias não se restringiram apenas à mudança nos horários, mas trazia à tona a supressão de alguns benefícios já estipulados pela empresa aos ferroviários, como o desaparecimento do abatimento de 75% das passagens nos trens. 147 Como compreender que numa conjuntura onde a criação de direitos era propagada, haveria a suspensão de benefícios já garantidos pelo Estado? Parece um paradoxo o choque entre 144 Idem, ibidem. p. 1. SOUZA. Edinaldo. Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008, p. 50. 146 Um apelo a Leste. O Momento. Salvador, 29 ago.1946, p. 3. 147 É aflitiva a situação dos ferroviários da Leste Brasileiro, O Momento, Salvador, 14 jul. 1946, p. 3. 145 64 estas notícias, contudo um olhar atento às medidas que a empresa ferroviária vinha implementando em todas as esferas da vida dos trabalhadores não se sintonizavam com as “garantias” de direitos do governo de Getúlio Vargas. Supressão dos horários dos trens, extinção no desconto nas passagens dos ferroviários, não pagamento das horas extras foram algumas das combinações que proporcionaram as queixas amplamente divulgadas pelo jornal O Momento. As queixas giraram em torno de medidas que só visavam minimizar a exploração dos trabalhadores. As oito horas de trabalho já estavam presentes na pauta de discussão do governo desde a década anterior, só ocorrendo uma implementação efetiva em 1930.148 Mas a implantação foi seguida de não cumprimento, haja vista, as denúncias nesse periódico. A categoria ferroviária vivenciou de modo particular o período de repressão do governo de Getúlio Vargas com depreciação das suas condições de trabalho assentadas em um discurso de crise nos transportes por conta da Segunda Guerra Mundial pelo diretor da empresa. Contudo, os ferroviários ao publicarem queixas nos periódicos, e acionarem a justiça, demonstraram que não assistiram ‘passivos’ o rebaixamento das suas condições de trabalho em uma atmosfera que proporcionou que ‘direitos’ fossem reivindicados e que a experiência de exploração fosse questionada de outras formas. A greve foi considerada um recurso nocivo ao trabalho ditada pela Constituição de 1937149. Isto caminhou lado a lado a uma política de incorporação destes trabalhadores à esfera estatal, pois que eram funcionários públicos sendo regidos pelo seu próprio Estatuto, o que outras categorias não dispunham. Contudo, ser funcionário público trazia como conseqüência imposições que talvez os ferroviários não estivessem dispostos a se sujeitar. “Parágrafo único. É proibida, no entanto, a fundação de sindicatos de funcionários” 150 . As notícias publicadas no O Momento151 a respeito de pedidos da categoria dos ferroviários pela sindicalização apontou o quanto esta era uma reivindicação sentida por estes trabalhadores. A análise das mudanças no trabalho na Leste neste período indicou que o Estado buscou uma política de colaboração entre as classes sociais visando valorizar o trabalhador, sem descuidar do seu controle. Esse discurso atuou no sentido de incentivar uma maior produtividade dos ferroviários para superar as dificuldades da empresa, e 148 GOMES, Burguesia e Trabalho. Política e legislação social no Brasil. 1917-1937. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1979. 149 Ver Constituição de 1937. Disponível em www.camara.gov.br. art. 139. Acessado em: 15/01/2011. 150 Dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. Lei. 1.713 de 28 de outubro de 1939. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em: 15/01/2011. 151 Os ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 3. 65 sanar o congestionamento de materiais impedidos, muitas vezes, de serem exportados devido à ausência de trens. “(...) esta situação difícil só tem sido vencida graças a disposição e o patriotismo dos operários e técnicos da rede”152. Lauro de Freitas através dessa afirmação visou representar os ferroviários da Leste como ordeiros, disciplinados e patrióticos. A luta de classes era permanentemente mascarada nos relatórios que difundiram notícias onde os operários demonstravam confiança incondicional nos poderes públicos. 2.2. Alimentação e Salários Isto aqui é uma maneira de nos matar aos poucos, aproveitando a nossa última gota de sangue. Nós não recebemos pelo salário mínimo como acontece em outras empresas. Os nossos salários mais comuns são de 10.00 por dia, o que constitui um abuso. Imagine que eu sou pai de cinco filhos e ganho 12, 00 por dia. Como posso dar comida a toda família e ainda vesti-la? 153 Esta seção se dedica a analisar os salários dos trabalhadores da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro e suas implicações na sobrevivência dos mesmos. As condições materiais de subsistência destes operários foram destacadas no sentido de demonstrar as condições oferecidas pelo Estado aos seus trabalhadores, haja vista os ferroviários serem funcionários públicos submetidos ao governo e adeptos da política de colaboração entre as classes sociais. Todas as dificuldades enfrentadas pela Companhia e que se refletiram na vivência dos ferroviários foram enfrentadas neste período graças à “dedicação do nosso pessoal, e onde ainda muito se poderá obter, se com patriotismo e dedicação, prosseguiremos sobre o mesmo amparo indispensável do governo da União.”154 Destaque para o discurso de valorização do trabalhador reconhecido enquanto peça indispensável para o bom andamento dos serviços da empresa. Em contrapartida, a difusão dessas idéias visava a política de harmonia social e prevenir a indisciplina, bem como as greves. Trabalhar na Leste, uma repartição federal, como se pode constatar, não garantiu privilégios a toda categoria. Ao que tudo indica apenas alguns dos que trabalharam na empresa e que ocuparam cargos de chefia ou se situavam em alguns setores 152 Afirma o Eng. Lauro Farani, diretor da Leste Brasileiro. O Momento. Salvador, 27 jul. 1945. p. 3. Os Ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 6. 154 FREITAS, Lauro Farani Pedreira de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, Cia do Comércio, Salvador, p.60. 153 66 considerados privilegiados por exigirem uma maior qualificação profissional, a exemplo dos que trabalharam no escritório, auferiram algumas garantias da empresa como o fato de possuírem carteira profissional, e de receberem um salário superior em relação aos que trabalhavam nas oficinas, depósitos, no conserto e reparação das linhas. Para a grande parte da categoria que se distribuía em distintas funções, sendo muitos operários diaristas ou provisórios e que tinham seus salários mais baixos que o restante do pessoal, a carteira profissional e o salário em dia ainda eram metas distantes a serem perseguidas como se compreende da análise documental. O ferroviário denunciante parece fazer parte do pessoal que se encaixava sob a denominação de operários, sendo aqueles que desempenhavam trabalhos braçais e que recebiam vencimentos irrisórios. O jornal O Momento denunciou que o operário recebia CR$ 12,00 cruzeiros ao dia quando o preço do pão custava CR$ 18,00 cruzeiros 155. De acordo com o jornal dessa forma esse trabalhador estaria passando fome, pois não teria condições de comprar os gêneros alimentícios necessários e básicos a sua subsistência. A angústia do suplicante representou o clamor de uma categoria sujeita as péssimas condições de trabalho, com a empresa operando com a ausência de materiais fundamentais para execução dos serviços, bem como a baixos salários e ao descumprimento de leis já anteriormente garantidas como o direito a férias e o pagamento das horas extraordinárias. Sendo assim, essas denúncias representaram apenas o início de uma série de outras relatadas no jornal O Momento. “Acusam os jornalistas que comem mal em marmitas carne seca, farinha, eis as condições do operariado da Leste” 156 . “Os operários comem em latas pequenas, imundas, como 157 porcos” . Além da alimentação deficiente, as condições da saúde também foram precárias. (Cf. figura 4 a seguir). Figura 4. Trabalhadores da Leste fazendo as refeições 155 Ganham salários baixíssimos os operários de Alagoinhas. O Momento. Salvador, 03 out. 1946, p. 2. Os Ferroviários reivindicam o direito de sindicalização, O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 6. 157 Idem. 156 67 Fonte: O Momento, Ferroviários reivindicam o direito de sindicalização, Salvador, 31 dez.1945, p.03. A hierarquia que minimizou a importância dos operários responsáveis pelas obras da empresa como se os mesmos não fossem trabalhadores da Companhia e não estivessem amparados pelas leis propagadas e difundidas pelo governo de Getúlio Vargas são evidências de que as mesmas não atingiram a toda a categoria. Robério Souza em sua pesquisa sobre os ferroviários baianos e suas greves na Primeira República destacou os setores existentes dentro do trabalho na ferrovia permitindo conhecer algumas das várias funções desempenhadas por esses trabalhadores no seu cotidiano. A seção de tráfego era composta pelos condutores de trens, ajudantes de trens, bagageiros, guarda-freios, agentes e era responsável pela “emissão de bilhetes, recebimento de encomendas e mercadorias envio e acompanhamento da disposição de sinais para o pessoal da linha” 158 . A seção de locomoção englobava maquinistas, foguistas, encarregado de depósito, o apontador, chefes de depósito e pessoal das oficinas. 159 E a seção de linha onde havia condutores, armazenistas, encarregados de obras, guardas, feitores, turmas de trabalhadores, entre outros. 160 Nos processos que foram analisados percebeu-se que os trabalhadores diaristas, ou trabalhadores de turma não eram considerados funcionários públicos sendo esses casos julgados de outro modo na justiça. De fato, como destaca Souza161 a ferrovia comportava distintos sujeitos que recebiam seus vencimentos também de acordo com a tarefa que executavam. Havia uma gama de ofícios diversos com diferentes necessidades e identidades que não recebiam os 158 SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p. 59. 159 Idem, ibidem. p.51. 160 Idem, p. 64. 161 Idem. 68 mesmos salários, o que gerou uma hierarquização entre os trabalhadores. Glaucia Cristina Candian Fraccaro162 compreende que existiam variações salariais dentro de uma mesma categoria desde que pertencessem a classes diferentes. A hierarquia presente no trabalho da ferrovia foi o que permitiu que o pessoal considerado mais qualificado fosse chamado de ferroviários, enquanto os trabalhadores braçais que provavelmente ganhavam salários mais baixos que os demais fossem chamados de operários. Esta classificação possibilitou diferenças no julgamento dos casos de acidentes de trabalho, pois foi a justificativa patronal empregada de que os funcionários públicos eram assistidos pelo Estado, deste modo não poderiam entrar na justiça. Os salários dos operários eram muito baixos e essa situação foi agravada pelo aumento de preços dos alimentos e pelas condições precárias de assistência médica e moradia desses ferroviários baianos. Mirian Tereza M. G. de Freitas163 apontou uma visão geral da cidade de Salvador destacando o crescimento populacional da cidade de uma década para outra a partir de 1930. Para a autora este crescimento não foi acompanhado de melhorias nas condições de existência da população, haja vista a série de queixas que a mesma destaca em jornais da época que relataram as condições de transporte, e a ausência de casas para todos. De acordo com ela a série de invasões de terrenos por parte da população para construção de casas faz parte deste contexto de carestia na cidade de Salvador. A mesma destacou a ação da polícia contendo estas ações depois de 1930 o que indicaria uma permanente “questão de polícia” e não a ação policial apenas durante o período da Primeira República. A polícia continuou a ser acionada na década que se inicia em 1930 para garantir a “ordem”, utilizando distintas formas de pressão junto aos operários conforme análise das greves ocorridas em 1930. A fome e a miséria dos operários não foram solucionadas com a criação das novas leis e muito menos com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, aspecto já discutido quando da greve ferroviária de 1932, quando os ferroviários enviaram um memorial ao presidente da República explicando que os benefícios da Revolução de 162 FRACCARO, Glaucia Cristiana Candian. Morigerados e Revoltados Trabalho e organização de ferroviários da Central do Brasil e da Leopoldina (1889-1920). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008, p. 20. 163 FREITAS. Miriam Tereza M. G. de. Populismo e Carestia: 1951/1954. 1985. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1985. 69 outubro ainda não os tinham atingido. 164 Não era ausência de leis que impedia que houvesse melhorias na vida e trabalho dos ferroviários, pois conforme se percebeu as leis já existiam, porém muitas delas não eram cumpridas e muitas vezes quando o foram geraram ganhos aos ferroviários, parcialmente, segundo a análise dos processos de acidente de trabalho. Isto não quer dizer que as leis criadas e reformuladas durante o período Varguista foram inócuas em todos os seus aspectos, mas que a sua aplicabilidade real na experiência dos ferroviários ocorreu por meio de lutas que nem sempre geraram os resultados esperados. A alimentação foi precária, pois combinou salários baixos e preços elevados dos alimentos o que proporcionou reclamações constantes. De acordo com a leitura dos processos pode-se perceber que alguns ferroviários recebiam o salário diário, caso do guarda – servente Belarmino Ferreira da Silva que recebia CR$ 48,00 diários165, enquanto Durval Assis Magalhães, maquinista recebia CR$ 150,00 mensais166. E esses salários variaram bastante conforme as funções e suas mudanças dentro do espaço de trabalho. Estes operários também não receberam pelo salário mínimo, estipulado desde 1940. Ao analisar as queixas dos ferroviários nos jornais a respeito dos seus salários e da alimentação de sua família depreende-se que o custo dos alimentos na Bahia no período da guerra e mesmo após o seu término foi alto quando houve dificuldades para a compra do que era fundamental para alimentação dos trabalhadores. E em muitos casos a família de um ferroviário necessitava quase que exclusivamente do trabalho deste membro da família na Rede Ferroviária para garantir sua sobrevivência. Estas notícias corroboram a análise desenvolvida por José Alberto Nascimento de Jesus sobre os ferroviários da Leste no espaço de São Félix. “A alegação do salário baixo foi algo recorrente na narrativa dos ferroviários entrevistados.” 167 Por isto, podese concluir que os trabalhadores de São Félix e Salvador, e, possivelmente, de outros espaços atravessados pela Leste passaram muitas dificuldades no período. Não se pode perder de vista, a situação de outras categorias no Brasil e na Bahia diante do cenário de repressão governamental no Estado Novo e a conjuntura que a deu 164 Ferroviários em greve. O Momento, Salvador, 14 out. 1932, p.8. APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Processo: Acidente de Trabalho de Belarmino Ferreira da Silva. Cx: 143/ 49/ 61. 166 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx: 152/ 04/ 01. 167 JESUS, Alberto. Trabalhadores da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro entre percursos e percalços na cidade de São Félix-Bahia décadas de 1940/1950. 2009. Dissertação (Mestrado em História), p. 115. Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus. 2009. 165 70 lugar. Fernando Teixeira da Silva 168 ao analisar a situação dos trabalhadores portuários em Santos destacou que o congestionamento do porto com diversas mercadorias sem conseguirem ser embarcadas marcou o período. Os trabalhadores sentiram o rebaixamento dos seus salários e a diminuição do emprego, haja vista o contexto de guerra internacional. A isto os operários reagiram com queixas e denúncias de todos os aspectos relacionados ao seu trabalho. E uma série de greves começou a ser deflagrada em 1942 em São Paulo que tiveram seu início com a ação dos operários no universo da fábrica. Na Bahia, José Raimundo Fontes em sua tese analisou algumas manifestações de trabalhadores de distintas categorias no período de 1930- 1947 e ressaltou que a questão salarial motivou inúmeras paralisações neste período. Em 1945 têm-se as greves dos ferroviários da Estrada Ilhéus – Conquista, têxteis da Companhia Valença Industrial, tecelões da Fábrica de São João, entre outros trabalhadores com o objetivo de aumento salarial. E em 1946 novas greves de bancários, tecelões, portuários, ferroviários da Estrada de Ferro Ilhéus – Conquista169, e de outras categorias na Bahia demonstrando que após o término da guerra a carestia tornava a vida destes operários insustentável, sendo o recurso à greve um modo de conseguirem a própria sobrevivência e de suas famílias. Mas onde estavam em 1940 os ferroviários que desencadearam greves na Leste durante a década de 1930? Joel Lage nos dá pistas para explicar esta aparente “desmobilização”: “Nós éramos funcionário publico federal e não tínhamos o direito de fazer greve porque funcionário público não faz greve (...)” 170 . Esta informação é reafirmada pelo Decreto 1.713 de 1939 no seu artigo 226 que rege as proibições das atividades desenvolvidas pelos funcionários públicos. “VII – Incitar greves ou a elas aderir, ou praticar atos de sabotagem contra o regime ou o serviço público (...)” 171 é terminantemente proibido. Contudo, seria ingenuidade pensar que estas medidas teriam 168 SILVA, Fernando Teixeira da. A Carga e a Culpa: Os operários das Docas de Santos: Direitos e Cultura de Solidariedade 1937-1968. Santos: Hucitec. 1995. 169 FONTES, J. Raimundo. A Bahia de todos os trabalhadores (1930-1947). 1997. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997, p. 165. 170 Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS. 171 Art. 226 do decreto 1.713 de 1939. Disponível em http://www2.camara.gov.br/. Acessado em: 15/01/2011. 71 impedido o desenvolvimento de lutas operárias em outras frentes, haja vista a situação de penúria que enfrentaram. É válido salientar que os salários variaram muito conforme as atividades desenvolvidas pelos ferroviários. E que o termo ferroviário englobou uma série de atividades desenvolvidas por diferentes sujeitos divididos em setores como o de locomoção, de tráfego, de linha, etc, sendo analisados detalhadamente em suas determinadas funções a partir do estudo de Robério Souza sobre a categoria ferroviária no pós-abolição. 172 Leopoldo Cardoso de Jesus, 80 anos de idade, filho de maquinista conforme o seu relato declarou o modo como ingressou na empresa ferroviária “(...) Depois entrei como aprendiz, passei como ajudante para ser oficial, soldador e depois estudei no SENAI fui pro escritório” 173 . Pode-se inferir a partir das declarações de Leopoldo que havia mobilidade nos cargos dentro da referida empresa e que a passagem do mesmo da função de soldador para o escritório trouxe novas relações no trabalho e de sociabilidade com os colegas com os quais ele se relacionou. A respeito do trabalho que desempenhou como ajudante e depois soldador afirmou que “era bom, agora era muito chato, cansei de entrar nos tanques de água, dentro do tanque, soldar de cabeça para cima (...)” 174 . A natureza das tarefas desenvolvidas por estes trabalhadores foi muito árdua envolvendo os serviços na calderaria. A respeito dos salários que recebia, Leopoldo atestou em dois momentos distintos da entrevista, onde primeiro destacou que recebia “(...) eu ganhava 20 mil, 20 conto né?” e em outro momento novamente seus salários foram destacados “De CR$ 222 passou pra 227”175. Estas informações atestaram a memória que construiu a respeito do seu ordenado. Contudo, Leopoldo na entrevista não fez comentários avaliando o salário que recebia, apenas apresentou esses valores. O mesmo foi relatado por João Ferreira de Souza, 80 anos de idade a respeito do ingresso na ferrovia “eu entrei, eu entrei como trabalhador (...) eu fazia, eu entrei na linha empurrando trole, mudando dormente, ajeitando a linha, ajeitando a terra (pausa) 172 SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007. 173 Entrevista com o ferroviário aposentado Leopoldo Cardoso de Jesus da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro realizada em 23 de agosto de 2010. Alagoinhas. Bahia. 174 Idem. 175 Idem. 72 consertando, quando quebrava a gente colocava outro trilho, empurrava trole (...)”176. Os serviços mais pesados ficaram a cargo dos trabalhadores de turma que perceberam vencimentos baixíssimos em comparação com outros operários. A mudança de função dentro da empresa, novamente foi destacada por João que entrou como trabalhador passando depois nas suas próprias palavras a “tomar conta de gente (...)”177, o modo de informar que o mesmo passou a ser o supervisor de turma, ou seja, o feitor que estava lá para garantir a efetividade dos serviços e a disciplina de todos aqueles envolvidos no processo de trabalho. Ao que parece a mudança de funções não era incomum dentro da Companhia. Quando interrogado sobre os salários o mesmo destacou que “naquela época era muito (...)” 178 , mas, não chega a dizer de modo exato como Leopoldo o valor que recebia pelo trabalho realizado. Quando se compara estas entrevistas com as realizadas por Fabiana Machado no espaço de Jacobina atenta-se para as possíveis conexões entre as mesmas. Ao atentar para a entrevista com o Sr. Valdir Sena atestou que “(...) no tempo em que trabalhou na ferrovia, no período de Getúlio Vargas, (...) os trabalhadores eram bem tratados e bem remunerados, recebiam um salário que dava para sobreviver”.179 Outros operários poderiam, no entanto, ter visões distintas de João Ferreira, a exemplo de Joel Lage que relatou que naquele tempo se “(...) passava necessidade, a gente trabalhava não tinha direito a extraordinário, não tinha direito a acidente de trabalho (...)”.180 Pistas para investigar as condições na cidade de Alagoinhas foram dadas pela análise da fala de José Faro Teles, líder ferroviário em Alagoinhas que apontou aspectos vivenciados na cidade no período: Em Alagoinhas os gêneros alimentícios sobem de preço cada dia, sem que os responsáveis pela administração tomem providencia alguma. A farinha de trigo tem chegado em Alagoinhas, mas os proprietários de Padarias em vez de empregá-la na fabricação de pão para ser vendido ao povo, fabricam com ela bolachas, que são vendidas a razão de 18 e 176 Entrevista com o ferroviário aposentado da Leste, Leopoldo Cardoso de Jesus realizada no dia 23 de agosto de 2010 em Alagoinhas. Bahia. 177 Idem. 178 Idem. 179 SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2009, p.80-81. 180 Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS. 73 20 cruzeiros o quilo, privando assim o povo de uma alimentação indispensável.181 A entrevista de Joel Domingos Lage, 85 anos de idade, trabalhador do depósito, também relatou aspectos do seu trabalho na empresa nos serviços de “consertar máquinas e vagões, eu era mecânico de máquinas.” 182 Mais um aspecto revelador a ser analisado nas falas dos operários entrevistados é o caráter de mobilização por salários, o que aponta que muitos trabalhadores não estavam satisfeitos com os vencimentos que recebiam. Quando interrogado sobre a participação dos ferroviários na Associação Joel afirmou que Porque quando vinham as reivindicações em dinheiro, porque nós reivindicávamos o dinheiro quase duas vezes quase no ano, aumento de salário. E o pessoal quando entrava aqui só era perguntar. Quando é que vem mais? Quando é que vem mais? Então eles só vinha aqui mais por causa do dinheiro. Se você chegar aqui e disser hoje, você chega aqui não vê quase ninguém, mas se disser vai ter uma reivindicação aqui de dinheiro, ô negocio aqui, ah! Isso enche (...).183 A compreensão de Joel Lage aponta para uma postura utilitarista dos seus colegas para com a Associação dos ferroviários que perpassava questões salariais, especialmente, e de reivindicações sentidas para minimizar o sofrimento dos trabalhadores. Esta informação se soma a de Leopoldo Cardoso, citado anteriormente que também declarou “(...) Eu ganhava 20 mil, 20 conto né? Passava um ano nunca se lembraram de dar, fazia greve davam o dinheiro (...)”.184 Estas informações foram destacadas no período correspondente ao pós-guerra levantando hipóteses a respeito de possíveis manifestações de ferroviários da Leste que não foram noticiadas pelos jornais de grande circulação da época. Afinal, os ferroviários não podiam fazer greves por serem funcionários públicos, então ações outras tiveram que ser desencadeadas. O salário de Durval Assis Magalhães como maquinista da Leste era de CR$ 150,00 cruzeiros mensais 185 e diante dos colocadores de trilho, por exemplo, o deixava 181 Ganham salários baixíssimos os operários de Alagoinhas, O Momento, 03 out.1946, p. 2. Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS. 183 Idem. 184 Entrevista com o ferroviário aposentado da Leste, Leopoldo Cardoso de Jesus realizada no dia 23 de agosto de 2010 em Alagoinhas. Bahia. 185 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx: 152/ 04/ 01. 182 74 mais bem colocado na hierarquia social da empresa, pois tinha carteira profissional e sua atividade necessitava de qualificação. Apesar disso, teve que executar viagens exaustivas, e esteve sujeito às transferências de localidade, bem como aos constantes acidentes de trabalho. É possível salientar que o mesmo não recebia o correspondente ao esforço material depreendido, bem como a situações em que teria que ficar afastado de sua família em conseqüência do trabalho que desempenhava na empresa, uma vez que maquinista praticamente não tinha residência fixa. Ao comparar os salários percebidos por Durval com o salário de Benjamin Libório dos Santos, ajudante de fundidor que foi de CR$ 32, 00 cruzeiros186, e de Manoel Rodrigues, diarista que foi de CR$ 9,00 cruzeiros187 cabe destacar que estas funções citadas geraram diferenças salariais. Os que ganhavam mais ficaram no topo da hierarquia o que certamente influenciava no modo como a categoria percebia a si mesma e as relações de solidariedade e sociabilidade que desenvolveram na empresa, bem como os conflitos por conta dessa classificação. O custo de vida na Bahia em especial em Salvador e em Alagoinhas foi destacada pelo O Momento que apontou que os gêneros de primeira necessidade custavam muito caro. 188 Até a Cooperativa dos Ferroviários foi denunciada nesse período por vender alimentos acima do custo no comércio.189 Sendo assim, o operário que denunciou que não tinha como dar comida a cinco filhos estava correto, pois que com os alimentos a preços elevados não dava para alimentar cinco bocas, sem contar com a sua e a de sua esposa. O próprio diretor da Leste, Lauro de Freitas destacou “(...) pobres serventuários do interior, que vencem míseros salários (...)”.190 Depreende-se da fala do diretor que não há problemas em assumir que os salários dos operários eram muito baixos o que os impelia a uma vida com privações de todas as ordens. As declarações do diretor parecem um paradoxo, como pode o responsável pelos serviços da Companhia fazer estas afirmações? Esta seria uma estratégia para livrar-se da responsabilidade? Ao que tudo indica apontar a existência do problema, além de demonstrar conhecimento da categoria, representou o modo de eximir-se do encargo, conferindo-o a outrem. 186 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Benjamin Libório dos Santos. Cx: 152/ 6/ 23. 187 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx: 152/06/ 26. 188 Não obedece à lei a Caixa de Aposentadoria dos Ferroviários da Leste Brasileiro. Salvador, O Momento, 09 fev.1947, p. 2. 189 Irregularidades na Cooperativa dos Ferroviários. O Momento. Salvador, 03 set.1946, p. 1. 190 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Tipografia da Leste, 1940, p. 94. 75 Como resolver esta situação de precarização nos salários? Queixas no "O Momento" com pedidos de sindicalização e de cumprimento das leis foram recorrentes neste periódico. O sindicato dos ferroviários atuou na década de 1930, mas a partir da deflagração do Estado Novo deixou de existir, permanecendo, no entanto a Associação dos Ferroviários da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, pois possuiu outra orientação. É válido salientar, que outras associações puderam exercer um papel ativo como o Centro Operário Beneficente de Alagoinhas e a Sociedade 8 de maio criada com o intuito de auxilio mútuo, visando minimizar as dificuldades enfrentadas por estes operários. 2.3. Saúde: Ferroviários doentes, acidentados e mortos. Na Bahia as condições sanitárias no Estado Novo foram analisadas por Elisa Lemos: “Quanto às condições sanitárias e de saúde da população essas eram precárias. Os serviços de abastecimento de água, canalização de dejetos e limpeza pública eram prestados de forma insatisfatória.”191 As informações sobre a saúde dos ferroviários analisados corroboram esta interpretação de que as condições sanitárias na Bahia eram insatisfatórias, a contar pelas notícias reivindicando “melhores serviços de água, esgoto, (...)”192. Almiro Carvalho destacou “a água que os operários bebem no local de trabalho é água de bomba armezenada em 4 porroes, para mais de 300 operários. Além de escassa é de má qualidade.”193 Notícias sobre os trabalhadores curtidores da fábrica São Paulo atestaram que operários diversos sentiram o agravamento das suas condições de vida e suas queixas são “(...) luz, escolas, assistência médica a população, saneamento no rio Catu (...)” 194 sendo outros trabalhadores de Alagoinhas contemplados pelas mesmas reivindicações de acordo com este periódico. Como os ferroviários foram, e são, presença marcante na cidade se pode levantar a hipótese de que estas queixas englobavam esta categoria e outras existentes neste espaço: 191 SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da. O Estado Novo e a Ofensiva Médica contra a tuberculose, p. 169. In: SILVA, Paulo Santos e JÚNIOR, Carlos Zacarias F. de Sena (org). O Estado Novo: as múltiplas faces de uma experiência autoritária. Salvador. EDUNEB. 2008, p. 169. 192 Melhores condições de vida, O Momento. Salvador, 03 dez. 1945, p. 2. 193 Vitório Pita, defenderá na Câmara, as reivindicações dos ferroviários. O Momento, 29 nov. 1946. e p.2. 194 Idem, Ibidem. 76 As oficinas de Peri-peri são dirigidas pelo Sr. Jaques Muti Verde, e se destinam ao concerto de vagões, locomotivas, e etc. Nela trabalham cerca de 300 operários, a maioria dos quais diaristas, e muitos deles provisórios. As condições de trabalho são as piores: sujos de óleo, as oficinas também sujas, os quartos sanitários pouco higiênicos, etc. 195 Uma série de operários da Leste tornaram-se funcionários públicos, mas outros tantos ficaram como extranumerários, de acordo com o relatório da empresa de 1937196. Um gesto do presidente da República na lei 312 de 1/1/1937 colocou 862 funcionários da Leste como funcionários públicos, enquanto os outros 4.200 serventuários ficaram apenas com respeito “às garantias de estabilidade” funcional. Vale ressaltar, as mudanças percebidas pelos que se tornaram funcionários públicos e de que forma estas garantias de estabilidade foram percebidas pelos trabalhadores. No que tange às informações sobre a saúde dos ferroviários baianos, as notícias não são melhores do que as em relação aos salários. Os riscos do mundo do trabalho se evidenciaram pela quantidade de acidentes de trabalho relatados pelos jornais consultados, pelos auto - cíveis e pelas requisições encaminhadas atestando pedidos de pagamento de salários por familiares de ferroviários mortos. “O infeliz foi esmagado tendo morte instantânea” 197 . A ocorrência de acidentes envolvendo transeuntes, operários e membros da empresa eram comuns no dia-a-dia da ferrovia, representando marca das tragédias. No dia 08 de outubro de 1947 um desastre de trem ocorreu na antiga Central da Bahia, agora pertencente a Leste Brasileiro quando uma peça do freio se partiu provocando o tombamento da locomotiva que virou a caldeira de água fervente em Crispim Santos, foguista da Leste, e vitimou os passageiros José Burgos e Sebastião Santos198. Quando o acidente envolvia mortes devia-se abrir inquérito policial para investigar as causas destas tragédias. A esposa de Crispim Santos, Maria Santos entrou na justiça um ano depois visando indenização pela morte de seu marido, mas teve que batalhar na justiça para consegui-lo, além de ter que provar a identidade de Crispim, haja vista o seu nome constar no boletim da empresa como Crispiniano Santos e não como Crispim havendo uma batalha judicial para o recebimento da indenização. 195 Repercutiram profundamente entre os ferroviários, as palavras de Marighela na Constituinte O Momento, 28 nov. 1946, p. 2. 196 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1938. Salvador: Cia do Comércio, 1939, p.3. 197 A locomotiva matou o operário. Diário de Notícias, Salvador, 27 mar. 1945, p. 2. 198 . Três mortos no desastre. Diário de Notícias, Salvador, 09 out. 1947, p. 3. 77 Os ferroviários não sofreram apenas por conta dos acidentes, mas muitos com salários baixos e mal alimentados possuíam “assistência médica precária, pois os trabalhadores não têm dinheiro para comprar os remédios” 199. Os relatos publicados no O Momento apontam pistas para a análise das condições de saúde destes trabalhadores. Um mais desenvolvido falou por todos: – Aqui neste armazém passam coisas de arrepiar cabelo, para não citar todos os casos direi apenas um. Havia aqui na estrada um velho funcionário, que de tanto trabalhar, mal alimentado e sem conforto ficou tuberculoso. A Companhia em vez de aposentá-lo, deu – lhe o lugar de vigia do armazém. Pois bem o velho com a doença em estado bastante adiantado vivia em cima dos sacos de farinha e demais gêneros como tossia muito escarrava em cima dos sacos e às vezes no chão sendo nos obrigados a engulir toda aquela poeira. O melhor é que o proposto da Saúde Pública tem sua mesinha ao lado do velho via tudo e ficava calado. Como o velho Pedro Elias existem outros no mesmo estado trabalhando. 200 A fala do trabalhador retratou que ele conhecia a legislação que regia os casos em que os operários doentes seriam aposentados. Pois, que “Art. 168. O funcionário atacado de tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra ou paralisia, será compulsoriamente licenciado, com vencimento ou remuneração.”201 Em caso de decisão da Junta médica de que o operário não poderia retornar aos serviços, o mesmo deveria ser aposentado de acordo com o parágrafo único do mesmo decreto. Maria Elisa Lemos em estudo sobre a ofensiva médica na Bahia constatou que a mortalidade infantil e a tuberculose foram problemas enfrentados pelo Governo de 1937-1947, sendo a tuberculose um dos maiores problemas médicos e sociais no Brasil. Portanto, além dos acidentes ocorridos, havia ainda o risco das doenças devido às condições de trabalho oferecidas pela empresa e no caso da tuberculose pelo contato com os colegas contaminados e que não se tratavam. Mas não comparecer ao trabalho poderia ocasionar sanções das mais diversas, pois que isto interferia na produtividade destes operários. Outro aspecto relacionado à vivência desses ferroviários foi a inexistência de uma eficaz assistência médica aos trabalhadores devido a um baixo número de médicos. “(...) praticamente não a temos, apenas há 5 médicos para toda rede de 5000 ferroviários da 199 Além de receberem salários de fome, os trabalhadores da Leste são vítimas da mais brutal opressão. O Momento, Salvador, 12 mai. 1946, p. 2. 200 Os operários reivindicam o direito de sindicalização, O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 3. 201 Decreto - Lei nº 1.713 de 28 de outubro de 1939. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em: 15/01/2011. 78 Leste”202. Presente no documento como uma informação qualquer entre tantas outras destacando números e tabelas a respeito do funcionamento da empresa, a mesma poderia passar despercebida pelo leitor, não fosse o pequeno destaque dado a informações relativas à saúde dos operários da Companhia. Com esta quantidade de doutores, não foi possível dar conta da demanda de ferroviários doentes e acidentados, haja vista a natureza insalubre dos serviços que combinavam riscos do trabalho, materiais precários, e o cansaço devido a rotinas exaustivas. Diversas requisições foram movimentadas na justiça evitando assim o “mal maior” que seria a abertura de longos processos para pleitear salários não pagos aos operários acidentados. Esses documentos constituíram-se em outro modo de conhecer alguns dos que trabalharam na Leste e seus familiares. As requisições foram sucintas informando apenas o que se desejava pleitear sem muitos detalhes como nos processos, mesmo assim se pode conhecer Cícero Monteiro203, guarda-freio da Leste e que sofreu acidente em Camaçari. O que interessa salientar na análise desta requisição individual movimentada por mãe de ferroviário é que se constitui em mais uma prova de que as frentes em que se colocaram tanto os ferroviários quanto suas famílias para garantir condições de sobrevivência foram muitas e que passaram não apenas pelas greves em um contexto de carestia. As conseqüências da guerra, bem como a política de sucateamento das ferrovias baianas com oficinas e depósitos em péssimas condições, se refletiam na vida destes trabalhadores. Vale salientar que a deficiência nas oficinas e nas máquinas se constitui em possíveis explicações para a ocorrência dos acidentes. Em contrapartida, a mudança de operários para funções as quais não possuíam experiência eram o outro lado da moeda no momento de explicar a ocorrência destes incidentes. “Os operários reclamaram, pois acostumados no serviço de armazém nada conheciam da profissão de guarda-freio (...)” 204 . "Morte de Manoel Vitorino, colocado para trabalhar como guarda-freios” 205 . O reaproveitamento de um funcionário era mais vantajoso do que ter que contratar mais trabalhadores para o desempenho de determinado serviço. Portanto, ferroviários em 202 FREITAS, L. F. P. de. Relatório referente ao Exercício de 1939, Salvador: Tipografia da Leste, 1940, p. 9. 203 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Requisição de Maria Monteiro da Silva. Cx: 03/ 100/ 37. 204 Os ferroviários debatem suas reivindicações. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 6. 205 Idem. 79 muitos momentos desenvolveram serviços que não eram sua especialidade e para os quais não tinham a devida qualificação. Sendo assim, muitas vezes a responsabilidade recaiu nas costas dos trabalhadores quando se alegava cansaço, falta de atenção ao serviço, ou mesmo embriaguez. Outro acidente registrado envolveu a morte do carregador Pedro Pantaleão de Moura de 46 anos, que morava em Santa Luzia próximo ao Lobato. Ao voltar para casa depois de um dia de trabalho, o operário teve que atravessar uma grande plataforma existente no local sobre o leito da estrada de ferro da Este quando um dos chinelos do operário ficou preso num dormente do pontilhão, e ele despencou de mais de cinco metros de altura. O periódico vinculou informações de que o trabalhador poderia estar embriagado para ter sofrido o acidente. 206 Conclui-se, desse modo, que o cotidiano de trabalho na referida ferrovia era perigoso, e colocava constantemente em risco a vida desses trabalhadores que recebiam vencimentos muito baixos para os riscos a que estavam sujeitos. Operários acidentados, doentes ou mortos compuseram o mundo de trabalho na empresa que não conseguiu atender com a quantidade de médicos disponíveis o número de ocorrências. Os ferroviários acionaram a justiça visando adquirir indenizações, ao mesmo tempo em que se organizaram em entidades, como a Sociedade 8 de maio e denunciaram nos jornais a precariedade da assistência a que tinham direito. Como Joel Lage destacou: “(...) Por isso, nós criamos a Sociedade 8 de maio para atender aos nossos colegas, porque o Estado não atendia (...)”207. Os ferroviários entraram na justiça com base no decreto-lei 7.036 visando receber indenização pelos acidentes de trabalho e tiveram que lidar com o argumento do Estado de que não tinham direito, por serem funcionários públicos regidos por outro estatuto. No que tange às condições de trabalho destes operários o próprio Lauro Farani já deixara claro os problemas que eles enfrentavam: “(...) Sem recursos que permitam a construção de casinhas modestas, mas higiênicas, de modo a abrigarem esses pobres serventuários (...)”.208 Depreende-se da fala do diretor que não há problema em destacar que não havia recursos para a construção das casas dos operários. Farani manteve contatos com o Ministro da Viação e com Getúlio Vargas sobre os problemas 206 Despenhou-se do pontilhão da E’ste. Diário de Notícias, Salvador, 18 mar. 1935, p. 8. Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS. 208 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Tipografia da Leste, 1940, p. 94. 207 80 enfrentados pela empresa e fez viagens ao Rio de Janeiro para informar sobre as condições da mesma no sentido de resolver as dificuldades. 209 Mas suas entrevistas ao periódico O Momento, bem como os relatórios da Leste elaborados por esse diretor apontou o quanto o mesmo pretendeu isentar-se da responsabilidade por essa situação da empresa na qual era diretor. Com salários baixos que impeliam os ferroviários a viverem em permanente economia não foi surpreendente que não houvesse dinheiro para estes operários construírem suas casas. Sendo assim iniciativas foram movimentadas pelo Centro Operário Beneficente de Alagoinhas que continuou atuante durante 1940 visando atender esses trabalhadores. “Nestes dias serão iniciadas as obras da Casa do Operário, em Alagoinhas, pelo que a Diretoria do Centro Operário pede o apoio de todos os operários desta cidade para a obra de vulto que ora encetamos”.210 Através destas notícias percebe-se que as condições de moradia de alguns operários também não eram satisfatórias. Nos relatórios da empresa atenta-se para o fato da necessidade de construção de casas para os operários que tivessem que morar próximos as linhas. Mas estas construções também ocorriam muito lentamente na Leste. “Além disso, poucas casas existem para a residência do pessoal das estações e depósitos, cuja permanência nas proximidades do serviço é indiscutivelmente necessária” 211 . Os trabalhadores responsáveis pelo conserto dos trilhos e vagões seriam aqueles que teriam que morar próximos às linhas, nesse caso os trabalhadores de turma, ou turmeiros. De acordo com José Alberto Nascimento de Jesus a questão da moradia em São Félix constituiu uma demanda fundamental dos trabalhadores da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, haja vista que a parte que compunha a diretoria da empresa possuía casa.212 Estas informações são evidências das relações hierárquicas estabelecidas dentro da empresa com base na especialização do trabalho quando somente alguns tinham acesso a determinados benefícios. Próximo às imediações da Calçada o relatório da Leste atesta que “em 1938, apenas nos foi possível construir uma casa para o agente da estação de Calçada (...)”.213 A construção das casas era uma necessidade, haja vista os 209 Regressou o diretor da Leste. Diário de notícias. Salvador, 29 nov. 1944, p.3. Casa do Operário. Correio de Alagoinhas. Salvador, 24 fev. 1942, p.2. 211 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1938, Salvador: Cia do Comércio, 1939, p. 76. 212 JESUS, José Alberto Nascimento de. Trabalhadores da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro entre percursos e percalços na cidade de São Félix - Bahia décadas de 1940/1950. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2009, p. 50 e 51. 213 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1938, Salvador: Cia do Comércio, 1939, p. 76. 210 81 problemas de habitação na Bahia percebidos pelo estudo de Mário Augusto Silva Santos sobre o problema habitacional em Salvador com diversos movimentos de luta pela moradia em 1940 e 1950.214 Casa e melhores salários - como vimos - atingiram apenas alguns, mas a grande maioria dos trabalhadores continuou a passar necessidade na ausência de direitos fundamentais que já estavam garantidos no papel por Getúlio Vargas. 2.4. Organizações dos Ferroviários O fato de não poderem realizar greves não impediu a luta dos ferroviários em outras frentes e sua organização em espaços assistencialistas, na busca de minimizar a exploração que sofriam no trabalho. As queixas foram inúmeras como demissões, questões salariais, de moradia, de saúde que comprovaram que a categoria não percebeu os “melhoramentos” tão anunciados pelo Governo. Os pedidos de sindicalização relatados pelas notícias do jornal O Momento apontaram que a reivindicação pelo direito a um sindicato da categoria foi compreendida como uma solução para todos os problemas enfrentados na empresa, como se a partir da existência desta entidade todas as dificuldades seriam dissipadas. Contudo, o decreto – lei n. 240 de 04 de fevereiro de 1938 – proíbe a sindicalização para funcionários públicos, mas os marítimos a partir do decreto 7.889 de 1945 apontaram que nos serviços descentralizados do Estado poderia se conceber a sindicalização e conseguiram a obtenção do seu sindicato quando os ferroviários ainda não haviam obtido.215 Somente a criação do sindicato dos ferroviários não seria a garantia imediata de que os problemas enfrentados pela categoria seriam resolvidos. No entanto, ao que tudo indica os operários compreenderam que este seria um dos passos necessários para isto. (...) Só mesmo com um sindicato é que podemos lutar contra tudo o que há de ruim por aqui 216. Nós também temos que organizar o nosso sindicato, unindo os ferroviários porque todos sofremos, brancos, 214 SANTOS. Mário Augusto Silva. Crescimento Urbano e habitação. Revista de Urbanismo e Arquitetura. Vol. 3. n º1., 1990. 215 Participação dos empregados nos Lucros das empresas. Sindicalização dos Servidores Públicos. Aposentadoria dos ferroviários. O Tempo, Salvador, 20 jun. 1949, p. 4. 216 Os ferroviários reivindicam direito de sindicalização, O Momento, Salvador, 31 dez. 1945. p. 3. 82 comunistas ou não, católicos, pretos ou protestantes, todos sofremos os mesmos. 217 O sindicato existiu até 1937 quando foi extinto a partir da vigência do Estado Novo. Mas durante o seu período de existência atuou nas greves ocorridas durante a década de 1930 na defesa dos ferroviários, apesar de nem sempre cúpula e base possuírem os mesmos interesses na deflagração das paredes conforme o ensaio de greve ocorrido em 1934, na qual o sindicato foi contra a organização de alguns trabalhadores para entrarem em greve. 218 As queixas dos ferroviários englobaram demissões que não foram comuns apenas por “questões de economia” da empresa como ocorreu na greve de 1932219, mas também por outra ordem de causas, como perseguições de funcionários considerados “subversivos” ou daqueles dos quais se podia queixar da produtividade como o caso de Ezequias Gonçalves de Oliveira, agente da Leste Brasileiro que solicitou afastamento da empresa ao Inspetor para cuidar da sua saúde. O referido pedido de acordo com o jornal O Momento foi negado pelo Inspetor que havia afirmado que somente considerava doentes os operários “acamados”: A demissão desse funcionário da Leste, no entanto não decorreu de nenhum inquérito administrativo, não encontrando o Sr. Ezequias outro motivo para justificá-lo senão o de ter enviado um documento de queixa ao citado inspetor, circunstanciado as perseguições de que estava sendo vítima. 220 Do caso exposto acima se depreende que o Sr. Ezequias Gonçalves ao ausentar-se do serviço por causa de uma licença médica deixaria de produzir e de gerar ganhos à empresa, sendo a sua dispensa posterior uma maneira de puni-lo pela sua ausência no trabalho. Não se nega a possibilidade de existência de outras razões diversas para a demissão deste agente da Leste, contudo a ausência de produtividade deste operário afastado parece ter motivado a demissão. Em artigo intitulado “Dimensões do Labor” 217 Os ferroviários reivindicam o direito a sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 6. MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana, 2008, p. 47. 219 Idem, ibidem, p. 24. 220 Despedido injustamente da Leste. O Momento, Salvador, 06 jul. 1946, p. 4. 218 83 ferroviário Robério Souza já havia destacado de que modo a disciplina no trabalho estava intimamente relacionada à produtividade.221 Ainda no âmbito das demissões faz-se necessário ressaltar que os ferroviários haviam adquirido a estabilidade só podendo ser demitidos após 10 anos de serviço mediante inquérito administrativo de acordo com a Lei Eloy Chaves que já havia estabelecido fundos de aposentadorias e pensões para os ferroviários. “Estes trabalhadores, portanto, somente poderiam ser demitidos por “falta grave”, comprovada a partir de inquérito administrativo”. 222 O fato é que de acordo com o periódico a demissão do agente não decorreu de nenhum inquérito administrativo podendo ser um indício de que este funcionário teria direito ao já estabelecido pela lei em 1923. Beneficiário ou não através do exposto na lei verifica-se, no entanto, que as demissões poderiam acontecer não havendo uma fiscalização efetiva do governo do que ocorria no interior dos locais de trabalho sendo constantes as queixas e reclamações de medidas injustas da empresa para com os ferroviários. A este fato somam-se as inúmeras denúncias dos ferroviários no O Momento de que outras leis não eram cumpridas na empresa. A questão das horas extraordinárias de trabalho era uma das queixas dos ferroviários atestando que era recebido um dia de folga apenas para compensar isto. Sujeitos a privações e a ausência de proteção das muitas leis, haja vista, o seu descumprimento, os ferroviários baianos tiveram que se organizar para garantir a resolução das suas reivindicações. Para tanto, existiu o Centro Operário Beneficente de Alagoinhas que atuou de maneira singular nesta cidade durante as décadas de 1930 e 1940. O Centro Operário Beneficente de Alagoinhas desempenhou funções assistencialistas, beneficentes, reivindicativa, e instrucional, pois mantinha uma escola para trabalhadores e filhos dos operários. Soma-se a essas funções o fato de ter agido em determinados momentos como mediador de greves ferroviárias como atesta o caso 221 Dimensões do Labor Ferroviário na Bahia: Trabalho, Disciplina e Educação Profissional (1939-1942). Artigo publicado no encontro da ANPUH/Bahia: UESB. 2010, p.5. 222 SOUZA, Samuel Santos. Coagidos ou Subornados: trabalhadores, Sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos 1930. 2007. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, 2007, p. 29. 84 da paralisação ocorrida em 1932, que contou com a interferência do Centro meses antes da deflagração da parede. 223 O estudo de Maria Conceição Barbosa da Costa e Silva224 analisou as origens do mutualismo na Bahia. Investigou a atuação e as funções exercidas pela Sociedade Montepio dos Artistas, composta por trabalhadores de diversos ofícios existindo entre eles muitos artistas, escultores, pintores, entre outros. Durante todo o século XIX ocorreu uma proliferação dessas entidades que prestaram socorro mútuo entre os sócios através do recebimento de donativos. Enfim, as entidades nesse período foram criadas para promover uma "certa segurança" no trabalho, já que inexistiam preocupações do poder político com essa questão. É necessário compreender que era comum, em alguns casos, não haver uma nítida separação de funções, entre mutualistas e sindicais, o que vai depender do tipo, e do caráter que assumia durante o tempo de sua vigência. Também não há uma seqüência evolutiva para o desenvolvimento dessas organizações. Ao contrário, o surgimento de uma, não levou à extinção de outra. As múltiplas funções assumidas pelo Centro Operário durante a década de 1930 não permitiu enquadrá-lo, somente, como sendo de caráter assistencialista. E a inexistência de um sindicato da categoria ferroviária em 1940 pode ter proporcionado que este Centro atuasse na busca de melhorias para estes trabalhadores o que se comprova pelo seu apoio na construção de casas de operários em Alagoinhas 225 e pela orientação difundida pelo seu diretor Vitório Pita – ferroviário e secretário político do Comitê Municipal do PCB em Alagoinhas. Nas suas palavras percebe-se a orientação do Centro. “O Sr. Vitório Rocha Pita sentiu na necessidade de fortalecimento da União Nacional, da União do Proletariado com todas as forças democráticas e progressistas no Brasil, para a solução pacífica de problemas políticos e econômicos da Nação”.226 É necessário investigar a partir desta ‘União de todas as forças democráticas do Brasil’ com quem os ferroviários deveriam unir-se de acordo com a orientação do líder ferroviário e se essa postura teve um caráter colaboracionista. E ainda que tivesse essa orientação conciliacionista o Centro constitui-se num outro espaço de luta para os 223 MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana, 2008, p. 22. 224 SILVA, Maria C. B. da Costa e. Sociedade Montepio dos Artistas na Bahia. Elo dos trabalhadores em Salvador. Salvador: EGBA, 1998. 225 Casa do Operário. Correio de Alagoinhas. Salvador, 24 fev. 1942, p. 2. 226 Despedido injustamente da Leste. O Momento. Salvador, 03 dez.1945, p. 1. 85 trabalhadores minimizarem a sua condição de exploração. Sem direito a possuir um sindicato, a categoria soube organizar-se de outras maneiras através do Centro e da Sociedade 8 de maio. Em pesquisa realizada sobre experiências de militantes ferroviários em Santa Catarina Cláudia Monteiro destaca a atuação de diversos operários em lutas pela defesa da categoria, entre eles o maquinista Claudemiro Batista, militante do Partido Comunista. Na compreensão de Monteiro, com o fim da Segunda Guerra o PCB legalizado voltou a atuar publicamente, mas a mesma destaca que apesar disso “(...) é importante observar o fato de que era aceito entre os trabalhadores o militante operário e não propriamente o militante comunista”227. Isto significava que a pauta era regida por reivindicações dos trabalhadores que incluíam aumentos salariais, abono de Natal, entre outras. Em relação à Bahia também se pode perceber a atuação de militantes do PCB junto aos ferroviários, os quais organizaram a categoria para solicitar as demandas mais sentidas da classe. Comícios do partido ocorreram em Alagoinhas, reduto ferroviário e quartel de greves desses trabalhadores desde a Primeira República onde foram destacados os problemas sentidos pelos operários da cidade, e pelos ferroviários da Leste Brasileiro que se relacionavam com melhorias nas condições de vida e trabalho. “Entre essas reivindicações pedem os trabalhadores o direito a férias, pagamento dos salários normalmente, melhoria na assistência médica, facilidades dentro da cidade”.228 Através dos comícios foi dada ênfase às necessidades dos operários, bem como através da instalação de um comitê distrital na Calçada o Partido Comunista atuou com o objetivo de acolher as reivindicações dos ferroviários e buscar soluções para as mesmas. Essa pesquisa abre margem para o estudo dessa atuação do partido junto aos ferroviários, bem como para a reconstituição de trajetórias de líderes como Vitório Pita, entre outros. No que tange à função do Centro o mesmo proporcionava aos seus membros momentos diversos de sociabilidade mantendo contato com a sociedade Alagoinhense. Isso ocorreu quando a entidade posicionou-se na organização de eventos para festejar 227 MONTEIRO, Cláudia. Fora dos trilhos As experiências da militância comunista na rede de Viação Paraná – Santa Catarina (1934-1945). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2007, p. 28. 228 Fazemos promessas, nos orientamos o povo – Fala-nos Vitório Pita. O Momento, Salvador, 29 nov. 1946, p. 2. 86 “certas datas que forneciam às sociedades operárias a oportunidade para celebrações rituais”. 229 Datas como o 2 de julho, dia da independência da Bahia, o 7 de setembro, aniversário da fundação, e até o aniversário de Getúlio Vargas eram comemoradas pelo Centro, o qual fazia questão de demonstrar não apenas para os trabalhadores, mas também para a população a necessidade de tais comemorações. A agenda de festividades do Centro permaneceu atuante em 1940, pois proporcionou uma longa agenda de festividades para o 1º maio com passeata cívica que contou com a participação da Escola Profissional de Alagoinhas e de várias escolas particulares e da rede municipal de Alagoinhas. Não se pode perder de vista a existência de outra entidade atuante junto à categoria ferroviária em 1940, a Sociedade 8 de maio. Fundada na data do término da guerra de acordo com o Sr. Joel Lage, possuiu funções assistencialistas e que visaram atender a algumas demandas dos operários da Leste. Este ferroviário apresenta as motivações que conduziram a criação desta beneficente, a 8 de maio: (...) Depois criamos no próprio deposito entre os ferroviários, porque quando morria um dos nossos colegas, nós tínhamos de fazer vaquinhas, dá 50 reais de um, 50 centavos de um, 2 cruzeiros porque era cruzeiro de outros e assim enterrava o colega, então achamos que aquilo era um absurdo não podia existir não é? Então criamos uma sociedade beneficente, Sociedade 8 de maio em memória, em comemoração ao termino da guerra, data do termino da guerra e dessa sociedade nós fomos avançando, avançando, ela se incorporou, congregou que foi toda rede ferroviária, Sociedade 8 de maio tinha entrada, depois disso da 8 de maio, nós vínhamos lutando (...)”. (...) Por isso, nós criamos a Sociedade 8 de maio para atender aos nossos colegas, porque o Estado não atendia (...).230 Com salários precários e sem a garantia de que as leis trabalhistas seriam cumpridas no seu espaço de trabalho os ferroviários da Leste demonstraram solidariedade aos seus colegas de trabalho que vivenciaram experiências semelhantes de exploração. A entidade beneficente também se constituiu em outro espaço de união dos trabalhadores pela defesa dos seus interesses: 229 BATALHA, Cláudio et al. Culturas de classe. Campinas: Editora da UNICAMP/ CECULT, 2004, p.103. 230 Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS. 87 (...) trabalhar pelo desenvolvimento da classe operária moralmente e intelectualmente, fundando aulas noturnas de português, matemática e geografia na sua própria sede; criação de uma biblioteca circulante, de obras instrutivas; realizar conferências que proporcionem ilustrações aos seus associados, após um ano de fundada a sociedade e seis meses de sócio, proteger os seus associados quando coagidos na sua liberdade civil. 231 Os ferroviários vivenciaram condições deploráveis de trabalho durante o período analisado. Esta situação foi justificada pelo Diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de Freitas por conta de uma ausência de recursos para investir na melhoria dos serviços e para renovação dos materiais. A análise das fontes apontou que a passagem das estradas de ferro para as mãos do governo brasileiro não representou garantias de mudanças efetivas nas condições de vida destes trabalhadores que continuaram a publicar suas queixas nos jornais da época, entre eles, O Momento. Ações judiciais foram movimentadas pelos ferroviários buscando fazer uso das leis e decretos existentes sobre a matéria relacionada a acidentes de trabalho visando a garantia do direito de indenização e da própria sobrevivência em um período considerado de crise econômica. A premissa que orienta este estudo compreende que as leis não podem ser analisadas olhando-se apenas as intenções estatais sem perceber como as mesmas foram recepcionadas pelos trabalhadores. Conclui-se que os ferroviários baianos se constituíram numa parcela ativa do movimento operário do período de 1932-1952 buscando organizar-se pelas suas reivindicações e direitos tanto nas ruas por meio de greves quanto na justiça através das ações de acidentes de trabalho. 231 Fundado pelos ferroviários a Sociedade 8 de aio – Nova diretoria do Sindicato dos curtidores em Alagoinhas. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 5. 88 CAPÍTULO III - ACIDENTES DE TRABALHO E LEIS TRABALHISTAS: UM DESENCONTRO Este capítulo tem como objetivo discutir as leis e os decretos referentes aos acidentes de trabalho ao lado da análise da experiência dos ferroviários baianos visando apontar como foi difícil lutar pelas indenizações decorrentes dos acidentes de trabalho. Estratégias de ambas as partes foram analisadas nesta seção, bem como os trâmites judiciais e os interstícios das leis que muitas vezes, possibilitaram uma análise ambígua dos casos em questão. No bojo das discussões acerca do acionamento das leis sociais nos processos impetrados pelos trabalhadores junto à Justiça do Trabalho tem sido demonstrado como os operários reconheciam as relações de poder que envolviam a ativação da legislação na busca do reconhecimento dos seus direitos. Contudo, é válido ressaltar que estas disputas judiciais são anteriores a 1930 e tinham como cerne reclamações a respeito do pagamento de indenização referente aos acidentes de trabalho envolvendo operários da Companhia Ferroviária Chemins de Fer. No dia 8 de janeiro de 1917 na locomotiva 403 estavam Leopoldo dos Santos Reis e mais dois companheiros quando na descida de Malômbe na Variante de Pedras no kilometro 77, a locomotiva com 8 vagões virou causando a morte dos mesmos. A Companhia Ferroviária Este Brasileiro foi responsabilizada pelo acidente, segundo relato de Salustiana Josephina dos Santos Reis, mãe de Leopoldo em ação ordinária movida contra a empresa.232 Esta ação apontou que os acidentes de trabalho e as reclamações judiciais antecederam o período abordado neste estudo, desta forma é possível verificar semelhanças na análise dos casos ao serem estabelecidas as comparações. Não se pode perder de vista, a historicidade das leis e decretos criados, situando as modificações na legislação e as particularidades dos processos encontrados no final da década de 1940 e início de 1950, apontando a ambigüidade das leis sociais presente na análise dos processos. 232 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josefina dos Reis. Cx: 38/ 1336/16. 89 3.1. Lei de Acidentes de Trabalho: processos antes de 1930 Cabe destacar que antes do citado acidente em 1917 ainda nem estava em vigor o “(...) decreto n. 3724, de 15 de janeiro de 1919 e que foi regulamentado pelo decreto n.13.498, de 12 de março de 1919”.233 Combinados, estes dispositivos judiciais foram as ferramentas utilizadas pelos trabalhadores e seus dependentes para requerer a indenização nos casos de acidentes de trabalho. No que tange às leis na Primeira República, a de acidentes de trabalho (1919), a de férias (1926), e a que regulava o trabalho do menor (1926) são as primeiras medidas que visaram atender aos operários nesta conjuntura. A respeito das mesmas, o estudo de Marcos Alberto Lima intitulado Legislação e Trabalho em Controvérsias Historiográficas: O Projeto Político dos Industriais Brasileiros (1919-1930) tratou das leis criadas antes de 1930 para regular as relações de trabalho e a interferência dos industriais nestas leis, entre elas a de 1919, que regulou a matéria relacionada aos acidentes de trabalho que passou a vigorar em 1919. O projeto de lei que inicialmente propôs a responsabilidade dos empregadores para com os seus operários datou de 1910 e foi elaborado pelo Senador da República Adolfo Gordo. De acordo com Lima o patronato não se opôs à criação desta lei porque antes da mesma ser criada cada processo era julgado de uma maneira distinta sem que existisse uma padronização, apesar das lutas para se garantir as reivindicações. “O tratamento individual dado pelo Código Civil aos operários vítimas de acidentes de trabalho – cada acidente, um processo – tornou-se inviável (...)”234. Sendo assim, a criação das primeiras leis interferindo nas relações de trabalho foi acompanhada de perto pelos industriais. O estudo de Marcos Lima destacou aspectos do projeto político dos industriais de conceder benefícios aos trabalhadores como habitação, assistência médica, lazer, além da prestação de serviços de um modo geral. Na compreensão do autor, os patrões acreditavam que se fossem colocadas em prática medidas para proporcionar um mundo de trabalho menos penoso para os operários haveria uma diminuição das contestações e 233 FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3, janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 224. 234 LIMA, Marcos Alberto Horta. Legislação e Trabalho em controvérsias historiográficas: o projeto político dos industriais brasileiros (1919-1930). 2005. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005, p. 76-77. 90 dos problemas com indisciplina. Assim, percebe-se que o projeto político dos industriais, elaborado ainda durante a Primeira República, se ajustou ao que ocorreu em 1930 quando houve a gestação da ideologia do trabalhismo com a propagação da concessão de direitos. Apesar do autor citado acima fazer referências ao projeto político dos industriais não há nenhuma menção a como os operários reagiram a isto, nem a existência de manifestações de trabalhadores numa conjuntura de ascenso destas lutas. O estudo de Vânia Ribeiro intitulado A armadilha do leviatã também apontou a intervenção dos industriais na elaboração destas leis no espaço do Rio de Janeiro, visando a garantia dos seus interesses empresariais em detrimento dos benefícios requeridos pelos trabalhadores em inúmeras lutas travadas durante o período. A Primeira República foi marcada pela ação operária em diversas frentes como greves deflagradas em várias partes do Brasil e na Bahia, onde categorias de trabalhadores batalharam para garantir sua sobrevivência de diversos modos. Vale a pena salientar a compreensão de Luís Werneck Viana a respeito das leis trabalhistas criadas entre 1891 e 1919: (...) a classe operária brasileira se viu como força isolada no mercado, ausente da vida legal. Em grande medida, além do caráter imediato das suas reivindicações no plano econômico, boa parte de sua movimentação organizada esteve localizada no esforço de romper com o estatuto da ortodoxia liberal da ordem inclusiva.235 Viana aponta que a Constituição de 1891 e o Código Civil de 1º de janeiro de 1916 garantiram que os contratos de trabalho fossem compreendidos de modo individual236, sem interferência estatal nestas relações, estando por isto os operários ausentes da vida legal, haja vista, não existirem leis de proteção a estes sujeitos. O único dispositivo que teve como objeto os operários foi o decreto n. 1.637 de 5 de fevereiro de 1907 que regulou a associação das profissões. Neste sentido, na compreensão do autor as pressões dos trabalhadores exigiram que o Estado garantisse leis sociais que viessem a protegê-los no mercado de trabalho quando os operários ampliaram suas ‘reivindicações econômicas’ através das mobilizações de 1917 a 1919. Portanto, as leis sociais criadas teriam sido fruto da agitação operária na Primeira República quando os trabalhadores estenderam suas 235 VIANA, Luis Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999, p. 79. 236 Idem, ibidem, p. 79. 91 exigências para jornada de 8 horas, aposentadoria, regulamentação do trabalho do menor, da mulher, direito a férias e horas extras, bem como seguro contra acidentes. 237 Com esta movimentação o autor mostra o rompimento da ambigüidade que proporcionava choque da Constituição de 1891 com as leis criadas a partir de 1919 de proteção ao trabalho. Isto foi resolvido por uma emenda constitucional, segundo a qual a responsabilidade de sancionar as questões trabalhistas foi transferida para o Congresso Nacional e, posteriormente, quando o Código Civil cedeu passagem à criação do Direito do Trabalho. O acidente de 1917 com a locomotiva 403 e que foi movimentado na justiça em 1926 atentou para o fato de que quando o mesmo havia ocorrido a lei de 1919 ainda não existia. “(...) Na época do sinistro, não tinha aplicação a lei de acidentes de trabalho, que é de janeiro de 1919, que a lei vigente era de responsabilidade das estradas de ferro, lei especial aplicável ao caso”.238 A lei de responsabilidade das estradas de ferro datou de 1912 e regulou a responsabilidade civil das estradas em caso de perda, furto, roubo de mercadorias e também em casos de acidentes.239 Esta lei não tratava de modo específico a questão dos acidentes de trabalho, sendo necessária a criação de outros dispositivos que dessem conta desta questão. Como se percebe, antes da criação da lei de 1919 não havia uma padronização no modo de julgar os processos relacionados à fatalidades no exercício do trabalho. A lei 3. 724, de 15 de janeiro de 1919 tratou de regular o modo como os acidentes seriam julgados com destaque para “o fato do trabalho” que conferia a indenização pela própria existência do trabalho ou durante a realização do mesmo, independente de aferição de culpa por parte do patrão.240 O fato do trabalho representou uma conquista aos operários, haja vista, considerar a natureza do exercício da atividade como capaz de provocar os acidentes. Além disto, de acordo com o art. 2º da referida lei também estavam cobertas as situações de “b) a molestia contrahida exclusivamente pelo exercicio do trabalho, quando este fôr de natureza a só por si causal-a, e desde que determine a morte do 237 VIANA, Luiz. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999, p, 52. APEB. Seção Judiciária. Cível II. Ação Ordinária: Salustiana Josephina dos Reis. Cx: 38/1336/ 16. 239 Art. 17 da Lei nº. 2.681 de 1912. “As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas succederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corporal”. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2010. 240 Art. 2 do decreto nº 3.724, de 15 de Janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/ 2010. 238 92 operario, ou perda total, ou parcial, permanente ou temporaria, da capacidade para o trabalho.”241 Para o período anterior a 1930 não se encontrou processos que abordassem a aquisição das doenças profissionais, contudo, pela natureza de muitos dos ofícios distribuídos dentro da ferrovia, pode-se concluir que existissem muitos casos assim. As únicas situações em que não caberia pedido indenizatório seriam “(...) apenas os casos de força maior ou dolo da propria victima ou de estranhos”242. Os casos de força maior se referem a acontecimentos imprevisíveis não efetivamente ligados ao exercício do trabalho, ou a atos praticados com a finalidade de receber a indenização. O art. 2º do decreto complementou a lei de 15 de janeiro, atestando em seu parágrafo único: “Não constitue força maior a acção das forças naturaes, quando occasionada ou aggravada pela installação do estabelecimento, pela natureza do serviço ou pelas circumstancias que effectivamente o cercaram”.243 Além disto, todo acidente de trabalho deveria ser comunicado à polícia de acordo com o art. 19 da referida lei de 1919 e art. 41 do decreto do mesmo ano. Através destes dispositivos foi possível que os acidentes fossem comunicados às autoridades pelos próprios operários, por qualquer pessoa que presenciasse os acidentes, ou pelos patrões no momento em que tomassem conhecimento do fato. Tal comunicação gerou a abertura de inquéritos com a presença de informações do acidentado (exceto em casos de morte) e das testemunhas, o que proporcionou um amplo conhecimento acerca dos envolvidos nas tragédias. O decreto 13.498 de 12 de março de 1919244 viria complementar a regulamentação anterior com a descrição de todas as atividades a serem regidas por estes dispositivos, e contou com uma tabela onde havia as porcentagens referentes às incapacidades provenientes das conseqüências dos acidentes e que serviu de referência para o cálculo das indenizações. Outro estudo que traz informações a respeito das leis trabalhistas encontra-se no livro de Ângela de Casto Gomes Burguesia e Trabalho: Política e Legislação Social no Brasil 1917-1937. A pesquisa de Gomes destaca que, no que tange às leis que regularam os acidentes de trabalho, a apresentação de um projeto de lei estabelecendo a 241 Idem. Extraído de art. 2º do decreto n. 3.724 de 15 de janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2010. 243 Extraído de art. 2º do decreto nº 13. 498 de 12 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2010. 244 Decreto nº 13.498 de 12 de Março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2010. 242 93 reparação obrigatória do empregador data de 1915, sendo anterior ao Código de Trabalho. A autora também compreende que o patronato não se opôs ao decreto lei n.3.724 de 15.01.1919 que passou a regular os acidentes no trabalho, mas que os mesmos agiram no sentido de restringir ao máximo o alcance destes regulamentos. Gomes ainda destaca que desde 1917 existiram questionamentos dos patrões acerca do modo como as pensões seriam pagas aos operários, ocorrendo a defesa do sistema privado de seguros em contraponto às sociedades de socorro mútuo. A estas questões se somava o fato dos empregadores se queixarem por conta da elaboração de um inquérito policial que poderia desencadear um processo judicial quando aconteciam os acidentes de trabalho.245 Como vimos o artigo 19 da lei referente à declaração do acidente impunha que “todo o accidente de trabalho que obrigue o operario a suspender o serviço ou se ausentar, deverá ser immediatamente communicado à autoridade policial do logar, pelo patrão, pelo proprio operario, ou qualquer outro”.246 Concomitantemente, cabe salientar que em relação à participação da burguesia urbana, Ângela Gomes compreende que “(...) no que se refere ao campo da política social, não consistirá mais tanto em impedir a implementação das leis sociais, mas em continuar a “corrigir” e “adaptar” os projetos em discussão, conforme seus interesses.247 Esta compreensão corrobora a análise de Marcos Alberto Lima a respeito da interferência dos industriais na implantação das primeiras leis do trabalho, visando ampliar ao máximo seu nível de participação na elaboração das leis de regulamentação do mundo do trabalho. Para efeito de análise das mudanças relacionadas às leis que regeram os acidentes de trabalho foram consultados processos anteriores a 1930 e existem exemplos de ações onde ficaram estabelecidos os termos para se evitar o prolongamento dos mesmos. A tentativa de estabelecer o acordo era o primeiro passo para se tentar resolver estas questões, pois através do mesmo podia-se evitar que o processo permanecesse na justiça por longos anos, trazendo prejuízos para os que dependiam destes vencimentos. Das ações analisadas encontram-se exemplos de acordos em que valores abaixo do que de fato teriam direito a receber encerraram os conflitos judiciais. 245 FERRAZ, Eduardo Luís Leite. Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 173. 246 Art. 19 do decreto nº 3.724 de 15 de Janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/ 2011. 247 GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e Trabalho. Política e legislação social no Brasil. 1917-1937. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1979, p. 129. 94 As possíveis semelhanças encontradas no discurso dos sujeitos nos referidos casos serão mencionadas ao longo do capítulo que pretende analisar algumas leis sociais que regularam os acidentes de trabalho e as garantias jurídicas sustentadas por estes, ao lado das reivindicações dos ferroviários baianos. No dia 11 de março de 1924 Manoel Rufino da Silva, guarda-freio da Companhia Ferroviária Este Brasileiro, teve sua mão esquerda esmagada com fratura exposta dos dedos polegar, indicador e médio em um acidente de trabalho.248 O médico da referida Companhia elaborou um certificado alegando as fraturas e o tratamento a que foi submetido este operário, expondo que “o mutilado em serviço apresentou depois de definitivamente restabelecido em suas lesões as seguintes características: incapacidade total dos dedos (...) ou, diga-se, incapacidade parcial permanente da mão esquerda.”249 Certamente, que os operários expostos aos riscos de acidente na empresa estavam sempre sujeitos a tornar-se incapacitados nos diferentes níveis de trabalho. Segundo Robério Souza esses não eram casos incomuns no trabalho ferroviário. A estrada de ferro foi cenário de acidentes que resultaram desde a simples destruição ou desgaste de máquinas até vítimas fatais, trabalhadores e/ou transeuntes250. Trabalhadores diversos, bem como passageiros, foram vítimas das tragédias que mutilavam e levaram à morte milhares de operários que ganhavam a vida de modo arriscado no exercício do seu trabalho na Companhia. A lei de 1919 estabelece que o patrão deve encaminhar no quinto dia à autoridade policial “um attestado medico sobre o estado da victima, as consequencias verificadas ou provaveis do accidente, e a época em que será possivel conhecer-lhe o resultado definitivo”251. Este atestado foi elaborado pelo médico que conferiu um diagnóstico acerca da gravidade da lesão de Manoel Rufino expondo as condições do mesmo após o acidente. Uma das queixas dos patrões a respeito da implantação da lei e do respectivo decreto foi que eles foram contrários a que se fizesse comunicado às autoridades policiais quando os acidentes ocorriam. O estudo elaborado por Eduardo Luís sobre 248 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Manoel Rufino. Cx: 09/ 294/ 19. Idem, ibidem, p. 8. 250 SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007, p. 56. 251 Art. 2 do decreto nº 3.724 de 15 de Janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 249 95 acidentes de trabalho no espaço de Piracicaba atestou que o patronato visava camuflar a ocorrência dos acidentes nas fábricas impedindo que fosse aberto inquérito policial. 252 Na Bahia, descarrilamentos e acidentes de trem eram amplamente noticiados pela imprensa local desde a Primeira República o que facilitou que os desastres fossem de conhecimento da população. Mas não se pode desconsiderar a possibilidade de acidentes ocorridos no interior das oficinas e não notificados à polícia, apesar de não se ter encontrado referências mencionando a existência de omissões. Em um dos processos foram encontradas matérias de jornais anteriores a 1930 relacionadas a descarrilamentos e mortes de operários que foram amplamente divulgadas pelos meios de comunicação como grandes tragédias é o caso ocorrido em 1916 na “Estrada de Ferro Timbó a Própria. O último desastre; A Chemins foi multada em 15 contos por falta de conservação da linha obras d’arte e etc; O desastre do kilometro 7 uma ação de indemnização; O desastre da Chemins”.253 Como se percebe, a ocorrência dos acidentes era comum e serviu para agravar a situação de miséria e pobreza dos ferroviários durante o período mencionado. Figura 5. Acidente Ferroviário ocorrido em 1917 Fonte: A Tarde, Salvador, APEB, ano, p. 252 FERRAZ, Eduardo Luís Leite. Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 215. 253 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/ 16. Fol. 16. 96 Eduardo Ferraz reforça que a polícia poderia abafar os inquéritos, haja vista que o poder local historicamente não era um aliado dos trabalhadores.254 Pistas acerca deste relacionamento na Bahia podem ser encontradas nas greves ferroviárias da Primeira República que contaram com a ação policial visando mantê-las dentro da “ordem” atestando como foi o relacionamento entre as autoridades e os operários. Durante a greve de 1932 de acordo com o acompanhamento das notícias pode-se notar que a presença da polícia foi usada claramente com o efeito de intimidar, e de provocar receio aos grevistas numa decisão articulada entre os representantes das autoridades constituídas e da empresa Chemins de Fer. Para possíveis omissões acerca dos incidentes se faz necessário a realização de estudos mais detidos a este período, de maneira a ratificar tal hipótese. No caso de Manoel Rufino a indenização pleiteada pelo operário foi de “(...) um conto e trezentos e oitenta e seis mil e seis centos (1: 386 $ 600) quantia que representou 60% sobre a diária de três mil reis (3.000), em três anos, abatidos 233, 400 (...) que já recebeu.” 255 De acordo com Luís Eduardo, “em caso de morte, o patrão deveria pagar o equivalente a três anos de salário da vítima, além das despesas com o funeral art. 7º da lei e 18 do decreto” 256 . Como Manoel Rufino ficou parcialmente (e não completamente) incapacitado, o direito à indenização variava entre “5% a 60 % daquela a que teria direito caso fosse total e permanente”. 257 No artigo 14 da lei de 1919 e segundo o decreto que regulamentou a lei anterior em seu “Art. 24. A indemnização e diarias recebidas pela victima em virtude de qualquer incapacidade serão deduzidas da indemnização que for devida por motivo de seu fallecimento ou por tornar permanente a incapacidade temporaria”. A incapacidade temporária cedeu lugar a uma incapacidade permanente, onde foram reduzidos os valores já pagos ao mesmo. Certamente, o guarda-freio Manoel Rufino a partir da perda dos movimentos da mão esquerda deve ter enfrentado dificuldades para sobreviver na Bahia na conjuntura 254 FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 215. 255 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Manoel Rufino. Cx: 38/ 1336/ 16. 256 FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 21. 257 Art. 10 da lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919. E art. 21 do Decreto 13. 498 de março de 1919 art. 21. Disponíveis em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 97 de 1924. De acordo com o estudo realizado por Aldrin Castellucci em seu livro Industriais e Operários Baianos em uma conjuntura de crise, o período mencionado foi marcado por uma intensa elevação no custo de vida, haja vista a população baiana continuava sofrendo os efeitos da Primeira Guerra Mundial. O ascenso das greves na Bahia, bem como o surgimento de diversos tipos de organizações operárias de socorro mútuo e reivindicativas, atestaram as estratégias de sobrevivência dos trabalhadores. Concomitantemente, o termo de acordo contou com a presença do operário Manoel Rufino da Silva e de um representante da empresa, Alfred Jassaud, que assinou o documento concordando com o valor a ser pago. Para finalizar o acordo firmado entre ambas as partes, Manoel Rufino assinou um termo de quitação em que tanto o curador de acidentes de trabalho neste período, Durval Trindade, bem como duas testemunhas Raul Guimarães e Zacharias Gomes, além do próprio trabalhador, assinaram o documento. Quando os processos terminavam em acordos as ações foram rápidas, enxutas e visavam por parte dos patrões impedirem que o conflito desencadeasse um processo judicial que pudesse onerar ainda mais a empresa com a elevação dos custos despendidos em indenizações. Em contrapartida, os trabalhadores e os seus familiares quando entraram na justiça conheciam os riscos de que aquelas ações poderiam passar anos sem que houvesse uma resolução, o que pode ter facilitado, ou mesmo estimulado a aceitação dos acordos. Com o encerramento do caso de Manoel não se obteve nas fontes nenhuma referência a seu respeito nem de sua família. A lei de acidentes de trabalho proporcionou a normatização nos casos de ocorrência de acidentes e impôs que regras fossem cumpridas pelo patronato acerca do quantum a ser pago aos trabalhadores e das condições em que isto deveria ser feito. Os acordos propostos finalizavam as possibilidades de longos processos judiciais que poderia gerar ganho de causa pelos operários, devido algumas imposições da lei. Assim, para que a lei continuasse a ser acionada pelos requerentes, teria que provar o mínimo de aplicabilidade real nas situações concretas de acidentes de trabalho. Nesse sentido, o campo do direito pode ser acionado para se conseguir o acordo igualando operários e patrões na disputa em uma situação socialmente desigual. Em contrapartida, em 14 de janeiro de 1927 Júlio Pereira Moitinho, maquinista, conduzia a locomotiva de número 204258 que descarrilou em Alagoinhas provocando a 258 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Euclides Mariano Moitinho, Cx: 38./1336/ 16. 98 morte deste trabalhador da Companhia Ferroviária. Em função deste acidente de trabalho seu pai Euclides Mariano Moitinho requereu junto à empresa a indenização a que fazia jus, devido à morte do seu filho. Diferente do caso anterior em que a própria vítima foi quem solicitou a indenização, neste caso os seus beneficiários eram os requerentes. De acordo com o artigo 7º da lei de 1919 em caso de morte do operário a indenização corresponderia a três anos de salário da vítima a serem pagos de uma só vez.259 A questão foi resolvida com base em um acordo estabelecido entre as partes com base no decreto de março de 1919 e de alguns artigos do Código Civil de 1916260, conforme atestou o documento. Euclides e Salustiana Moitinho, respectivamente pai e mãe da vítima, solicitaram a indenização de dois anos de trabalho do referido 4: 800$000 (no limite máximo de 2:400 $000 por ano) e a quantia dispensada no enterro da vítima de 100$000, de acordo com a lei de 1919.261 O pai da vítima alegou que seu filho era solteiro e por isto eles se tornaram os únicos beneficiários. Em procuração emitida pelos requerentes eles concederam todos os poderes aos advogados Diocleciano Portela e Nestor Duarte para fazer jus ao pagamento da indenização pela Companhia. 262 Contudo, o que a lei garantia aos beneficiários de Júlio Pereira para efeito de cálculo de indenização era uma “soma igual ao salário de três anos da vítima” 263 e não de dois anos, conforme ficou acertado no acordo estabelecido entre as partes. Porque então Euclides e Salustiana teriam aceitado um valor abaixo do que de fato eles deveriam receber? Uma hipótese referente a esta questão tem a ver com a incerteza do ganho de causa que também pode ter motivado o consentimento dos beneficiários pelo acordo. A demora que uma ação como essa envolvendo indenização por morte poderia levar no judiciário naquela época também pode ter sido uma das motivações, somadas à ausência de agilidade do judiciário e à imprevisibilidade das sentenças. Os dados da empresa a respeito do acordo mostram que o salário de Júlio Pereira era de R$. 235,000 mensais, sendo assim, a partir do cálculo de três anos do salário da vítima os beneficiários do mesmo deveriam receber R$ 7: 200$00 ao invés dos 259 Lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919 no art. 07. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 260 Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 261 Art. 07 da Lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919. E art. 18 do decreto 13. 498 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 262 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Euclides Mariano Moitinho. Cx: 38/ 1336/ 16. 263 Art. 07 da lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919. E art. 18 do decreto 13. 498 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/ 2011. 99 4:800$000 acertados. Ao analisar os processos de acidentes de trabalho no espaço de Piracicaba entre 1919 e 1930, Eduardo Luís Leite Ferraz atestou que R$ 7:200,00 era um valor que quase nunca era atingido264. Dos processos encontrados e analisados na Bahia antes de 1930 também não se chegou a esta quantia. Em seu estudo, Ferraz “Diz que a lei de acidente no trabalho é lei de ordem pública, e que é nula de pleno direito qualquer convenção contrária e tendente a evitar sua aplicação ou a alterar seu modo de execução.” 265 Em contrapartida, eis o que diz o decreto de março de 1919 acerca do que poderia ficar consentido no acordo: “art. 45 § 2º Si, no correr do processo judicial, houver accôrdo entre as partes sobre o quantun da indemnização, observadas as disposições da lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919, e deste regulamento, será considerado findo o processo, desde que o mesmo accôrdo seja homologado pelo juiz. O estabelecimento do citado acordo consiste na alteração da execução na letra da lei. Por isto, a lei estabelece o valor de três anos a ser pago aos beneficiários do acidentado, contudo, isto fica invalidado quando um juiz acata que um valor abaixo do pré-determinado seja pago aos requerentes. O acordo que permitiu que os pais de Júlio recebessem dois anos do salário da vítima e não de três, conforme prega a legislação, garantiu a indenização, mas, vale salientar, com perdas salariais para os solicitantes. No que tange ao mencionado no acordo, o limite máximo a ser pago seria R$ 2:400 $000 por ano, esse foi um dos pontos abordados pela lei de 1919 em seu art. 6º, que estabeleceu um limite indenizatório por ano, e proporcional aos salários das vítimas. Trata-se de uma restrição que prédeterminava um valor fixo e imutável que não poderia exceder este limite, mesmo que a vítima recebesse um salário superior ao cálculo para indenização, excedendo a R$ 2:400 $000. Acordos e, imposição de algumas normas nos termos legais foram apenas alguns obstáculos encontrados pelas vítimas e os beneficiários para garantir os seus direitos. Maria Elisa Lemos em sua dissertação de mestrado a respeito dos acidentes de trabalho em 1930 e 1940 destacou que “os decretos anteriores a 1944 estipulavam um teto máximo a ser pago ao trabalhador anualmente, bem como procediam ao desconto 264 FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 221. 265 Idem, ibidem. p. 22. 100 de diárias pagas ao trabalhador antes da conclusão do processo”.266 Isto é, se a lei poderia conceder benefícios, eles estiverem inseridos em uma lógica que impunha restrições de muitas ordens para que o patronato não sofresse redução de seus lucros. Como a empresa não se negou a pagar o valor solicitado as partes estabeleceram acordo que assegurou o pagamento do vencimento solicitado por Euclides. Em ofício encaminhado pela Companhia Este Brasileiro foi dito que “está de acordo com a indenização, indicada na aludida petição, que é de R$ 4. 800$000 e mais R$ 100$000, dando assim e mais uma vez uma prova de respeito e obediência a lei.”267 Este valor de R$ 100$000 se refere às despesas com o enterro, conforme art. 7º da lei e 18º do decreto. A Companhia demonstrou a partir do estabelecimento do acordo obedecer a lei, desde que a mesma não lhe cause muitos prejuízos. Este pagamento, contudo, esteve subordinado ao cumprimento de algumas obrigações, como por exemplo, a apresentação de documentos indispensáveis como certidão de óbito, de casamento quando a requerente era a esposa, e certidão de nascimento dos filhos (as) deixados pelo ferroviário acidentado, para que acordos e ações fossem validados na justiça. Neste caso, o pai de Júlio Moitinho apresentou “alem da caderneta da vítima, uma certidão de casamento da suplicante, uma certidão do registro de nascimento e uma certidão de óbito.”268 Estes foram documentos obrigatórios e mencionados no decreto de março de 1919 e que impunha no seu “art. 26. Em caso de morte, o pagamento aos beneficiarios será feito após a apresentação de certidões de obito, casamento (si a victima não era solteira) e filiação, além de outros documentos que forem julgados necessarios pelo juiz”269. A apresentação destes dados e das suas respectivas comprovações, bem como os testemunhos prestados, eram as garantias para o andamento dos processos. Mas nem sempre estas ações geraram acordos, como se pode constatar no caso de Salustiana Josephina dos Reis já mencionado anteriormente, quando as dificuldades encontradas por esta requerente foram muitas e o final do processo não foi claro quanto aos seus desdobramentos. De acordo com a ação ordinária movida por ela em 1926 seu 266 SILVA, Maria Elisa L. N da. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de trabalho em Salvador (1934-1944). 1998. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998, p. 38. 267 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Euclides Mariani Moitinho. Cx: 04/ 134/ 19. 268 Idem, ibidem. p. 6. 269 Decreto de 13. 498 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 101 filho Leopoldo dos Santos Reis sofreu um acidente quando uma locomotiva com oito vagões virou, causando a morte do mesmo e de mais dois companheiros. Este acidente havia ocorrido em 1917, mas somente havia a lei de responsabilidade das estradas de ferro de 1912 e o Código Civil de 1916 mencionados no processo. As dificuldades de sobrevivência de Salustiana, bem como o conhecimento da possibilidade de reparação pela empresa através da difusão das leis criadas, pode ser a explicação para a entrada na justiça nove anos depois. Uma das dificuldades encontradas pela requerente para continuar com a ação na justiça perpassava a questão da comprovação da maternidade através da exigência de registro de nascimento de Leopoldo. Este registro era um dos documentos necessários para o prosseguimento da ação, conforme atesta o art. 16 da lei e art. 26 do decreto de 1919. A ação movimentada pelos pais de Júlio Moitinho foi considerada procedente somente após a apresentação destes documentos acerca da filiação do maquinista. Esta necessidade, no entanto, dificultou que Salustiana Reis conseguisse a indenização, porque não obteve a documentação no cartório em que afirmou ter registrado seu filho. De acordo com a análise do processo, Salustiana Reis recorreu a algumas medidas extremas para que a ação de indenização tivesse continuidade na justiça, mesmo sem obtenção do registro de nascimento de seu filho, conforme veremos a seguir. A partir da análise da ação de Salustiana se infere que a apresentação dos documentos para a garantia da efetividade do cumprimento das leis, aliada à dificuldade em alguns casos de acesso a estes registros de nascimento, impediram o prosseguimento de processos, impossibilitando que as leis fossem impendidas. No processo referente a Leopoldo uma certidão negativa foi emitida pelo cartório alegando que não havia sido encontrado o registro do mesmo após a solicitação encaminhada pela sua madrinha, Ana Florentina de Freitas. A análise da ação apontou que, ao não ser encontrada a certidão da vítima solicitada por sua madrinha, encaminhou-se uma nova requisição fazendo parte desta documentação. Desta vez, a requisição aparece redigida e assinada por Leopoldo dos Santos Reis em 29 de setembro de 1920.270 A atitude de forjar uma solicitação escrita por seu próprio filho agravou a situação da requerente no processo. A aquisição do documento que deveria servir de garantia para que a mesma conseguisse a indenização, 270 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josefina Reis. Cx: 38/ 1336/ 16. 102 serviu como justificativa para a empresa alegar que a vítima e o filho de Salustiana não eram a mesma pessoa. Nos autos do processo consta documento enviado pela Companhia ferroviária onde a empresa fez uso desta justificativa de que trabalhador não podia solicitar em 1920 registro de nascimento tendo se acidentado em 1917: (...) que a autora não tem autoridade para propor a presente ação, porquanto não exibiu documento que prove ser a genitora de Leopoldo Santos Reis, a victima, podendo talvez ser, sim, a genitora daquelle individuo de igual nome que fez e assignou a petição de fls. 8., porque não póde se admittir que Leopoldo falecido em 08 de janeiro de 1917, seja o mesmo Leopoldo, filho da autora, que requereu a sua certidão de idade em 22 de setembro de 1920; (...)271 A conduta de Salustiana Reis de providenciar que seu filho acidentado redigisse um documento na busca de provar a sua maternidade foi interpretada dentro do processo como um comportamento com o único intuito de conseguir a indenização “que não tinha direito” e, sendo assim, tirar vantagem da reparação a ser concedida pela Companhia Ferroviária. Soma-se a este outro argumento, presente nos autos do processo, de que Leopoldo não era operário da empresa, mas um sujeito que viajava na locomotiva porque conhecia o maquinista, também morto no acidente: “(...) que Leopoldo dos Santos Reis não era empregado da Companhia R. e viajava na locomotiva nº 403, em 08 de janeiro de 1917 em caracter particular e por convite do respectivo machinista Carlos de Barros Leite.”272 Tais declarações de que o mesmo não era trabalhador da empresa foram novamente alegadas pelo chefe de locomoção em uma declaração nos autos. Alegar que o operário não era funcionário da empresa pode ter sido uma saída para evitar que a indenização fosse paga nos casos, evitando assim o desenrolar do processo. Esta idéia também foi defendida por Eduardo Ferraz, em sua análise para os casos ocorridos em São Paulo. Na compreensão do autor, além dessa justificativa somaram-se argumentos de que o operário não era mais empregado à época do ocorrido, além da alegação de acidente em desempenho de uma tarefa que não era o seu ofício.273 271 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/ 16. 272 Idem, ibidem, p. 20. 273 FERRAZ, Eduardo Luís Leite. Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3, janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 224. 103 Enfim, justificativas distintas para fugir à responsabilidade de arcar com o ônus da indenização. Apesar da possibilidade disto ter sido uma mera desculpa da empresa para não pagar a indenização a Salustiana Reis, há que se considerar que na análise desta ação não ficou comprovado se o mesmo Leopoldo acidentado em 1917 era de fato o filho da requerente. Essa ação iniciada ainda durante a Primeira República só foi concluída em 1936, comprovando a morosidade da justiça em emitir as decisões para os conflitos. Outro argumento utilizado pela Companhia neste caso foi isentar-se da culpa pelo desastre: “que o desastre ocorrido no km 77 no dia 08 de janeiro de 1917 em que morreu Leopoldo dos Santos Reis, foi occasionado única e exclusivamente por culpa do machinista (...)” 274 . Isso ocorreu porque foi antes da lei de 1919 nesse momento o empregado tinha que mostrar que não tinha culpa no acidente quando entrava na justiça para poder receber a indenização. A Companhia alegou não poder ser penalizada por acidente provocado por culpa de terceiros e fez uso do Código Civil para justificar este argumento em seu art. 1523.275 Neste período já havia sido criada a legislação específica que regulou os acidentes de trabalho, mesmo assim pode-se encontrar casos julgados através do uso de outros dispositivos, como se comprova nesta ação. Nessa época, as relações de trabalho ainda eram tratadas como relações de direito privado, daí a utilização do Código Civil. Uma série de fragmentos de jornais acompanhava o referido processo e reafirmava a ocorrência de acidentes em que foram vítimas maquinista, foguista e mais dois companheiros que estavam na composição acidentada. De acordo com as alegações de Salustiana, o acidente havia ocorrido, devido à negligência da empresa para com o estado de conservação de suas linhas. As alegações da requerente nos autos do processo encontraram respaldo no contexto vivenciado na segunda metade da década de 1920, quando houve inúmeras manifestações de trabalhadores para expressar as suas insatisfações decorrentes das péssimas condições de trabalho da ferrovia e pela difícil situação de vida que motivou greves no período, com destaque para a greve de 1927.276 274 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/ 16. 275 Art. 1.523 do Código Civil. "Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte." 276 Esta greve teve como um de seus objetivos adquirir a nacionalização da Companhia Ferroviária que estava arrendada a franceses desde 1910. 104 A mãe da vítima culpou a empresa pela ocorrência da tragédia querendo demonstrar a sua culpabilidade como uma das justificativas para que a ação fosse procedente. Conforme alegou a lei e o decreto no Art. 2º, “O accidente, nas condições do artigo anterior, quando occorrido pelo facto do trabalho ou durante este, obriga o patrão a pagar a indemnização ao operario ou á sua familia, exceptuados apenas os casos de força maior ou dolo da propria victima ou de estranho.”277 Nesse sentido, o “fato do trabalho” bastaria para que a indenização fosse paga, no entanto, a requerente apontou como uma das questões a que vem pleitear em juízo que a culpa da empresa fosse comprovada. Possivelmente a ausência de clareza e as mudanças constantes no que tange à legislação do trabalho podem ter dificultado o reconhecimento destes direitos, haja vista as inúmeras modificações perpetradas na legislação. Diferente dos casos analisados por Ferraz278 onde demonstra que os processos eram enxutos e sem a necessidade de verificação de culpa nem de extensos depoimentos das testemunhas. A ação ordinária movida por Salustiana contém depoimentos de algumas testemunhas a respeito do fato e sobre o papel que estaria desempenhando um trabalhador de nome Leopoldo Reis no momento do acidente. As declarações do chefe de trem Alfredo Viana destacaram que o referido trem vinha com velocidade baixa quando o maquinista pediu para que o mesmo afrouxasse os freios, isso proporcionou que a locomotiva ganhasse muita velocidade, ocorrendo posteriormente o acidente.279 Após a exposição das testemunhas juntou-se aos autos o certificado de batismo de Leopoldo Reis que constava na Câmara Eclesiástica do Arcebispado da Bahia. Salustiana deveria comprovar que seu filho era trabalhador da empresa para continuar com o processo indenizatório, pois que declarações de engenheiros da empresa alegaram que não existia registro de que o mesmo fosse trabalhador da Companhia. 280 Contudo, o decreto de 1919 destacou que Art. 5º Operario é o individuo que, sem distincção de sexo ou idade, presta seus serviços a outrem, a titulo oneroso, gratuito ou de aprendizagem, permanente ou provisorio, fóra de sua habitação, nas 277 Decreto 13. 498 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/ 2011. FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 223. 279 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária: Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/ 16. 280 Idem, Ibidem. 278 105 indústrias e serviços mencionados no titulo III, salvo o disposto no art. 18 da lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919.281 A requerente deveria provar que seu filho trabalhava para a empresa ainda que não recebesse remuneração pelo desempenho do trabalho, na medida em que nestes casos também seria aplicado o título de indenização à Companhia Chemins de Fer. Se conseguisse superar este obstáculo poderia aferir o pagamento da indenização da empresa pela perda do seu filho. Dos telegramas enviados às estações para comunicar o acidente consta somente, que o trem virou com oito locomotivas, e a morte do maquinista Carlos Leite. O inquérito policial apresentou a tragédia que resultou na “(...) morte do foguista Euclides Murtinho e o ajudante Leopoldo Santos Reis, sahindo gravemente ferido o machinista Carlos Leite que veio a fallecer horas depois, já com a assistência do medico.”282 O depoimento do chefe de trem Alfredo Viana alegou que o mesmo mantinha velocidade normal quando a pedido de Carlos afrouxou os freios e com isso a locomotiva ganhou velocidade no km 77, quando apesar do esforço dos foguistas a locomotiva virou. Os guardas - freio Leão de Melo e Laurentino de Souza confirmaram em linhas gerais o depoimento anterior. Por sua vez, o mestre de linha Thomaz Mutti Verde disse que, na posição de observador em que estava na ponte, acompanhado de pedreiros no momento da tragédia, observou que o trem vinha com muita velocidade, verificando o desastre em seguida. Com estes depoimentos encerrou-se o inquérito que compôs os autos do processo judicial. Nenhum dos trabalhadores da empresa alegou explicitamente a inexistência de freios na locomotiva, conforme denunciado pela mãe da vítima. As declarações foram muito semelhantes e tiveram um caráter informativo alegando apenas que após o afrouxamento dos freios e o aumento de velocidade, foi impossível evitar a tragédia. Cabe salientar que os mesmos eram trabalhadores da empresa, estando sujeitos a possíveis punições na empresa, caso suas declarações pudessem culpabilizar os patrões. A declaração de Alfredo Viana de que o trem vinha com velocidade baixa, quando, a pedido do referido Carlos Leite, promoveu o afrouxamento dos freios, o que teria provocado o acidente, sugere que o aumento de velocidade do trem decorreu da ordem expressa pelo maquinista. 281 Decreto nº 13.498 de 12 de Março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 282 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/ 16. 106 Tal alegação pode ter servido de brecha para que a culpa recaísse sobre o condutor da locomotiva. Mas outra questão levantada poderia ser a ausência de freios, uma das causas possíveis do acidente, ainda que não mencionada de modo explícito pelas testemunhas. No caso acima citado vale citar as artimanhas de que lançou mão a mãe da vítima. A certidão de batismo da Câmara Eclesiástica do Estado da Bahia comprovou que Salustiana Reis batizou um filho chamado Leopoldo Reis no dia 02 de janeiro de 1893, quando o mesmo tinha três meses de vida.283 Contudo, no termo em que se encontram os depoimentos, foi mencionado o fato de o acidente ter vitimado o maquinista Carlos Leite, o foguista Euclides Murtinho e o ajudante Leopoldo Santos Reis. Mas mesmo assim não consta no processo o reconhecimento de que o acidentado e o filho de Salustiana eram a mesma pessoa. A mãe da vítima ainda solicitou um abono de família baseado no regulamento das estradas de ferro federais, de acordo com a função que supostamente seu filho desempenhava na Companhia que, segundo a mesma, era de “ajudante de machina, machinista” 284 . E o engenheiro responsável pelos serviços voltou a afirmar que nos quadros da empresa não constava que Leopoldo Reis tivesse sido empregado da mesma.285 O processo de pedido de indenização de Salustiana Reis apontou os discursos envolvidos no caso e como estes foram articulados, impedindo que a requerente conseguisse a indenização. A mãe da vítima enfrentou dificuldades para provar a responsabilidade da Companhia no acidente ocorrido, bem como a função de trabalhador da empresa. O fato para o qual se chama atenção são as dificuldades para que o desfecho fosse favorável aos trabalhadores e seus beneficiários. Conforme comprovado no episódio analisado, existiu uma dificuldade em alguns casos para conseguir os documentos necessários como o registro de nascimento, casamento, e outros, que, o juiz julgasse imprescindíveis para esclarecimento de algumas questões e que, muitas vezes, não foram encontrados nos Arcebispados. Outra barreira imposta pelos patrões consistiu na alegação de que algumas vítimas não eram funcionários da empresa, e, sendo assim, não lhe caberia indenização por acidente de trabalho. 283 Idem, Ibidem. Idem, ibidem. 285 Idem. ibidem. 284 107 Como se pode observar, a existência de leis e regulamentos que regessem a matéria dos acidentes de trabalho não impediu a existência de casos não previstos pela lei, bem como o uso de argumentos e artimanhas de ambas as partes que vieram a impedir que alguns processos de indenização tivessem um desfecho favorável aos trabalhadores. Não obstante, em outro caso, a seguir exposto, verifica-se pedido de indenização solicitado pela esposa e filhos de um passageiro que estava em uma composição da Chemins de Fer e que virou. Em 1927 temos uma ação ordinária movimentada por Laura Silveira Lins contra a Companhia Ferroviária Este Brasileiro no Juízo de Direito da Vara Cível pela morte de seu marido Cid Lins. No dia 19 de março de 1925 a locomotiva 316 que comboiava o trem de passageiros partiu da Estação da Calçada em direção a Propriá quando no dia 20 tombou e vários carros que compunham a composição descarrilaram e muitos ficaram destruídos. A alegação de Laura para pedido de indenização baseia-se no fato de Que, victima desse desastre, falleceu, horrivelmente esmagado, o Dr. Cid Lins (...) homem sadio, vigoroso, intelligente, e trabalhador pertinaz, marido e pai dos autores (...) os quais ficaram, deste modo, privado do auxílio que aquelle lhes prestava, único arrimo de sua família, a quem, como seu exclusivo trabalho, proporcionava os meios 286 de subsistência . A culpa do acidente segundo Laura Lins foi do maquinista Vicente Gonzaga que não agiu com prudência em diminuir a grande velocidade que o trem possuía e de não haver alavanca de freio de mão, o que, de acordo com a esposa de Cid, foi agravado pela descida perigosa e pelo mau tempo, provocando o acidente que vitimou o seu marido. A beneficiária da vítima e seus dependentes solicitaram indenização conforme artigos do Código Civil citados no processo, haja vista, terem atribuído exclusivamente a culpa do ocorrido a um funcionário da ré em questão. Cid Lins era promotor público da Capital do Estado de Sergipe e ganhava pelo desempenho deste ofício e pelo próprio exercício da advocacia, segundo sua esposa. Laura solicitou da empresa custos com funeral, alimentos para a mesma e para os seus três filhos e juros da mora com as despesas judiciais de advogados até o final da ação. 286 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Laura Lins. Cx: 07/ 221/ 15. 108 A diferença da natureza dos casos de Salustiana Reis e de Laura Lins baseou-se nos termos da lei que regia os acidentes de trabalho. Mas no caso da morte de Cid Lins esta questão a priori estava bem definida. Não se tratava de ação de indenização por acidente de trabalho, mas de reparação por um ‘mal’ supostamente causado por um funcionário da Companhia ré e que foi “negligente” segundo os autos do processo.287 A ação ordinária cível foi provocada por terceiro, funcionário da empresa. No processo consta o inquérito policial atestando a culpabilidade do maquinista, bem como a descida perigosa como os fatores para a ocorrência do acidente baseado no depoimento das testemunhas. De acordo com o que foi apurado no inquérito o operário Vicente Gonzaga desejava chegar com dez minutos de antecedência à estação de Salgado, por isto imprimiu grande velocidade no trem. Não se pode comprovar que seja o caso em questão, mas transpor a culpa para os empregados ao invés de admitir problemas de manutenção das máquinas seria uma saída para que a Chemins de Fer não fosse responsabilizada negativamente pelos diversos acidentes ocorridos no mesmo período nas suas estradas de ferro. Neste caso chamou a atenção o fato de haver disputa entre a Justiça Federal e Local para o julgamento da questão por conta das estradas de ferro pertencerem à União, mas estarem arrendadas a particulares. Sendo assim, foi atestado na ação que se julgava necessário que a Justiça federal arbitrasse o caso, e não a justiça local. O que a requerente visou evitar era a nulidade do processo em vista de ausência na uniformidade nestas questões de julgamento de casos. Antes de 1930 processos já movimentavam a justiça quando os trabalhadores e seus beneficiários tentaram adquirir a indenização e minimizar as suas condições precárias de sobrevivência. Dificuldades foram encontradas na apresentação de alguns documentos quando os mesmos não eram localizados, bem como os requerentes tiveram que lidar com os argumentos patronais de diversas ordens, dificultando o recebimento da indenização. Contudo, a existência da lei e as ações movimentadas na justiça são exemplos de que, ainda que a lei possuísse suas restrições, foi um modo de garantir minimamente alguns benefícios aos trabalhadores, ao regularem os acidentes de trabalho e possibilitar algum tipo de reparação para as tragédias que ocorreram nas estradas de ferro ainda antes de 1930. 287 Idem, ibidem, p. 6. 109 Maria Elisa Lemos arrolou 1.254 processos de acidentes de trabalho para o período de 1930 a 1945 e destacou 52 para efeito de análise, estando os mesmos distribuídos em diversas atividades em Salvador no período. A autora já havia destacado a carência de documentação que trouxesse informações provenientes da experiência desses trabalhadores no período de 1934 a 1944. “(...) é importante ressaltar dificuldades em relação à documentação, principalmente à ausência de fontes que retratem a temática a partir da ótica do trabalhador. Não há arquivos de sindicatos, pois houve devassa com o golpe de 1964” 288 . E tanto no Sindicato dos ferroviários de Alagoinhas (SINDIFERRO) como na Associação dos Ferroviários na Bahia (AFERBA) a documentação é quase inexistente. Como já se chamou atenção anteriormente, as condições de trabalho dos ferroviários eram precárias devido a uma soma de fatores, entre eles a carência do período pós-guerra “ferro-velhos é o que tem adquirido a estrada”.289 A mudança de patrões tão aguardada em 1935 não correspondeu às expectativas criadas. Enquanto empresa da União, a V.F.F.L.B. permaneceu enfrentado problemas de diversos tipos no período pós 1940, conforme atestado nos relatórios da empresa. Os acidentes ocorridos no trabalho foram uma constante, como se pode observar desde os primeiros processos visando indenização e das notícias freqüentes nos jornais noticiando as tragédias. No período abordado nesta pesquisa, pode-se constatar a partir do relato do próprio diretor da empresa que a quantidade de médicos era baixa para atender a demanda, além do fato de muitas vezes a assistência médica demorar muito para chegar aos locais dos acidentes. Quanto à assistência médica, o diretor da empresa declarou que “praticamente, não a temos, nem a poderemos ter, com o número de médicos de que dispomos e com os salários que rercebem”290. A posição que ocupou não explica as críticas que fez à empresa da qual era diretor. Lauro Farani era conhecido da categoria ferroviária como um político que assumiu uma postura vacilante na greve de 1935.291 A questão das dificuldades de assistência médica poderia agravar ainda mais a situação, pois nem sempre a assistência necessária foi fornecida, sendo obrigação do 288 SILVA, Maria Elisa L. N. da. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de trabalho em Salvador (1934-1944). 1998. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998, p. 9. 289 Está realmente em crise os transportes. O Momento, Salvador, 27 jul.1945, p. 3. 290 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Cia do Comércio, 1940, p.9. 291 Ver: monografia de MATOS, Rafaela G.. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana, 2008. 110 empregador o atendimento médico de seus operários desde o primeiro momento do acidente, de acordo com o decreto 7.036 de 1944 em seu art. 12. Como se pode constatar na análise das fontes, muitas requisições foram encaminhadas pelos ferroviários e seus beneficiários para solicitarem pagamentos de salários que deixaram de receber em função da interrupção do trabalho. Inúmeras requisições também foram solicitadas à empresa neste período. Desta feita, Georgina Mariani Attuá Negrão remete requisição aos vinte e seis dias do mês de julho de 1946 na cidade de Salvador. Requisição encaminhada ao Sr. Dr. Pretor da Vara Cível. As requisições foram enxutas em termos de informações, dando enfoque ao direito dos beneficiários de receberem pagamento de salários que deixaram de receber por motivo de falecimento e para receber as despesas tidas com o velório. No documento não consta o motivo de falecimento do seu marido, o que não exclui a hipótese de ter sido provocada por acidente ou doença do trabalho. Diz Georgina Mariani Attuá Negrão, brasileira, maior, viúva, professora jubilada, residente na rua Pires de Carvalho (antiga da Pereira, nº 70 que tendo falecido seu marido Jacob Negrão no dia 16 de junho deste ano no Hospital São Jorge como prova da certidão de óbito anexa, que sendo o decujus funcionário da VFFLB vem requerer a V. Exc. que se digne de mandar oficial a requerida repartição para que seja paga a peticionaria quinze dias dos vencimentos do decujus, e também pede a V. Exc. uma vez feita este requerimento, se digne de mandar entregar a peticionaria a certidão de óbito, por ter necessidade para outros fins, mediante recibo.292 Outro exemplo de requisição partiu de Maria Monteiro da Silva em três de junho de 1947 em Salvador pela morte do seu filho Cícero Monteiro, guarda-freio da Leste Brasileiro e que faleceu devido a um acidente de trem noturno no dia quatorze de março de 1947. A sua mãe solicitou por meio da requisição que lhe fosse pago “a importância correspondente a um mês de vencimentos do decujus, na forma da lei, a fim de possa a suplicante ser indenizada do que despendeu com o funeral do mesmo.”293 Foi destacado na requisição que o valor gasto com o enterro do operário foi de CR$ 411, 00 cruzeiros. O decreto lei 7.036 já havia assegurado em seu art. 25 o valor estipulado para o auxílio funeral nestes casos. “art. 25. Além da indenização prevista no art. 21, o 292 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Requisição de Georgiana Mariani Atuá Negrão. Cx: 187/ 09/ 23. 293 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Requisição de Maria Monteiro da Silva. Cx: 238/ 54/ 09. 111 empregador pagará imediatamente aos herdeiros ou beneficiários, do acidentado, a título de auxílio-funeral, a importância de quinhentos cruzeiros (Cr.$ 500,00)” 294. Este valor aos poucos foi aumentado desde a primeira lei de 1919, que estipulou Cr.$100, 00 cruzeiro. As requisições e os processos de acidentes de trabalho foram freqüentes no período, visando garantir a sobrevivência, mesmo que temporária, dos acidentados impossibilitados de trabalhar, e de suas famílias, que muitas vezes dependiam exclusivamente do trabalho destes ferroviários, como sugere o quadro a seguinte: Tabela 5. Motivações de Requisições solicitando pagamentos a V.F.F.L. B (1942-1948) Requerentes Antônio Rego Santos Georgina Mariani Attuá Negrão Maria Monteiro da Silva Maria Rosa Santana Motivações Período Salários de sua irmã falecida (Zelahy Rego) Salários do seu marido falecido (Jacob Negrão) Salários do seu filho falecido (Cícero Monteiro) 20.06.1942 Salários de seu companheiro (João Batista) 09.03.1948 26.07.1946 03.06.1947 Fonte: Requisições (1942- 1948), Salvador. Tabela elaborada a partir dos dados da pesquisa. Os processos movimentados no período visando indenização baseados nas leis e decretos demonstraram a constância dos acidentes e as possibilidades de reparação intentadas, como já analisado desde a Primeira República. A prática de entrar com ações na justiça não foi uma novidade para os trabalhadores, apesar da propagação de uma série de benefícios aos operários no final do governo de Getúlio Vargas. Os ferroviários e seus beneficiários já haviam realizado esta prática, conforme os casos de Euclides Moitinho e Salustiana Reis atestaram. O que se acentuou, no entanto, foi o aumento de ações intentadas a partir de 1940. John French concluiu que houve um aumento no número de ações judiciais em São Paulo a partir de 1944 e que depois desta década continuou havendo crescimento.295 De acordo com o depoimento do ferroviário Joel Lage, os operários fundaram uma associação com funções beneficentes visando minimizar os efeitos de não ter 294 Art. 25. Decreto 7.036 de 1944. Disponível em www. camara. gov.br. Acessado em: 18/03/ 2011. 295 FRENCH. John. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 62. 112 garantidos direitos estabelecidos em lei, entre eles a questão da assistência médica296. Os jornais também atestaram a existência desta beneficente e suas funções assistencialistas.297 É válido destacar que foram constantes os registros de acidentes de trabalho noticiados pelo periódico da imprensa comunista O Momento entre os anos consultados e mencionados ao longo desta dissertação. Além disto, outros periódicos como O Diário de Notícias nos anos anteriores a 1940 também registraram casos em que ocorreram estas fatalidades. Somam-se a estes documentos os relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro que, além de informar eventualmente a cifra de acidentes, também atestaram o ritmo crescente ou decrescente em que eles ocorreram a partir de 1940. Estes documentos também relataram os processos judiciais motivados por acidentes de trabalho. Em alguns relatórios aparecem as quantidades anuais de processos movimentados na empresa relacionados a assuntos diversos, entre eles os acidentes de trabalho, demonstrando o quanto eram freqüentes estas ações judiciais. Um exemplo disto é o número de 312 processos movimentados durante o exercício de 1939, segundo atestou Lauro Farani Pedreira de Freitas.298 “O número de processos no ano de 1940 elevou-se a 951 contra 312 em 1939.”299 E em 1948, ainda segundo o relatório, teriam sido encaminhadas 32 ações solicitando indenização.300 Como se depreende da análise destes dados, os processos de acidentes de trabalho possuíram um acentuado acréscimo em 1940, chegando ao final da década com um decréscimo, apontando que o acionamento dos mesmos não deixou de ocorrer, variando apenas a quantidade durante os anos abarcados pelos relatórios. O número de médicos era baixo para atender à quantidade de trabalhadores da empresa e os acidentes eram comuns e demonstraram os riscos cotidianos que estes operários estiveram sujeitos no trabalho na referida ferrovia no período de 1932 a 1952. 296 Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS. 297 Fundado pelos ferroviários a Sociedade 8 de maio. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 5 298 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939, Salvador: Cia de comércio, 1940, p. 10. 299 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1940, Salvador: Tipografia da Leste, 1941, p. 7. 300 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1948, Salvador: Tipografia da Leste, 1949, p. 37. 113 “A assistência social ainda não está organizada porque ainda não temos o efetivo de médicos suficiente” 301 . “(...) Apenas há cinco médicos para 5.000 ferroviários. Um, com 400$00 e os demais, com 350$000” 302. Nesse sentido, analisamos-se as modificações na legislação relacionada aos acidentes de trabalho ao lado dos processos que foram movimentados na justiça pelos ferroviários baianos e seus respectivos desdobramentos judiciais, para reconstituir as experiências desses trabalhadores, bem como das estratégias que lançaram mão para conseguir a indenização pleiteada. As ações movimentadas em 1940 tiveram seu início antes mesmo da década de 1930 iniciando-se na Primeira República. As ações judiciais possuem uma vastidão de informações acerca da legislação do período e permitem reconstituir o modo como os acidentes ocorreram neste período, possibilitando conhecer as vítimas, os sujeitos a serviço da empresa, e a postura dos magistrados e curadores neste período. A documentação prezou pela análise minuciosa de alguns casos considerados particulares visando apontar as soluções encontradas pelos trabalhadores para lutar pela sua sobrevivência, ou nas palavras dos autores que se debruçaram sobre o tema da legislação trabalhista do período, lutar pelos seus direitos. Muitas vezes, fazer valer este direito na prática foi uma tarefa árdua, e que nem sempre se concretizou. A lei existente no papel foi interpretada pelos sujeitos ligados aos processos de acidentes de trabalho de acordo com os seus interesses, fazendo vigorar seus argumentos. O trabalho dos sujeitos envolvidos nos processos abarcou uma tarefa de convencimento utilizando a lei de modo ambíguo. Em diversos casos esta interpretação impediu que os ferroviários conseguissem a indenização a que pleiteavam, tornando nula a letra da lei de acidentes, isto é, impedindo que a mesma tivesse uma aplicabilidade prática nos casos reais que visou regular. 301 302 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1940, Salvador: Tipografia da Leste, 1941, p. 6. FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939, Salvador: Cia de Comércio, 1940, p. 9. 114 CAPÍTULO IV - PROCESSOS TRABALHISTAS EM 1940: BENEFÍCIOS ATRELADOS A UMA LEI AMBÍGUA A partir de 1940 houve um aumento na quantidade de ações movimentadas na justiça o que pode representar que a lei não era de todo ineficaz e possibilitou eventualmente que os ferroviários conseguissem minimamente algum tipo de reparação pelos prejuízos a sua saúde. Na análise dos documentos pode-se constatar que muitos ferroviários conseguiram a indenização a que pleiteavam, o que ressaltaremos na seção que aborda os resultados. Em contrapartida, em outros a assistência alcançou os familiares das vítimas, haja vista, a morte dos requerentes ao longo dos processos. O estudo "Justiça e Trabalho: Os processos Trabalhistas de Fortaleza nos anos de 1930 e 1940" 303 de Maria Sângela de Souza Santos Silva relatou a pesquisa realizada acerca de distintas categorias de trabalhadores urbanos, como têxteis entre as décadas de 1930 e 1940. A autora compulsou 12 processos, um de 1939 e todos os demais da década de 1940. A hipótese para essa similitude foi a intensa propaganda das leis e benefícios atrelados ao governo de Getúlio Vargas. Mas isso por si só não explica as motivações que proporcionaram o acionamento da justiça nos casos em análise e o imaginário criado em torno da ativação das ações neste campo. Essa pesquisa levanta pistas para analise da experiência ferroviária no campo da justiça destacando as ações dos sujeitos e suas condições de vida. Para tanto, é fundamental não perder de vista, as leis e suas reformulações pós 1940 e as garantias proporcionadas por estas mudanças. Afinal, elas ampliaram as possibilidades dos ferroviários conseguirem a reparação pelos acidentes, ou só atuaram enquanto paliativos? Quais foram as leis em vigência no período? Como elas regularam os casos reais de acidentes de trabalho? “No fim, as leis trabalhistas tornaram-se “reais” nos locais de trabalho somente na medida em que os trabalhadores lutaram para transformar a lei de um imaginário em uma realidade futura possível”. Na perspectiva de John French a legislação trabalhista é um campo de disputa onde somente através do exercício da luta pela sua efetivação poderia haver alguma aplicabilidade real. 303 SILVA, Maria Sângela de S. S. Justiça e Trabalho: os processos trabalhistas de Fortaleza nas décadas de 1930 e 1940. Rev. Humanidades, v. 21, n. 1, Fortaleza: jan./jun., 2006, p. 39- 50. . 115 Na compreensão do autor somente a criação das leis não garantia a melhoria de vida dos trabalhadores, o que só foi possível com a permanente luta para que as mesmas fossem respeitadas na justiça. Partilho desta interpretação, posto que as lutas no campo judicial através das ações dos ferroviários baianos serviram para anular os argumentos movimentados na justiça pelos patrões da empresa. Para discutir a justiça e ações movimentadas neste período não se pode perder de vista as leis criadas e reformuladas, e os benefícios relacionados ao governo varguista insistentemente mencionados por seus apologistas como uma antecipação do presidente as demandas sociais dos trabalhadores. Amplamente estudado por historiadores (as) o fenômeno trabalhista e suas repercussões estão longe de produzir um consenso no campo historiográfico, mas apontam caminhos de análise para a interpretação do governo de Getúlio Vargas e os efeitos da sua política. A década de 1940 foi caracterizada como o momento de consolidação das leis do trabalho (CLT) enquanto uma ferramenta que possibilitou a reunião das leis pré existentes somadas as suas alterações. Além disso, tem-se a criação da justiça do trabalho e uma série de leis sucessivas que regularam os acidentes de trabalho. Conforme a interpretação dos casos de acidente analisa-se as leis buscando a utilidade do direito para os sujeitos envolvidos nos casos. Após a lei de 1919 e o decreto lei que a regulou, outras leis reformularam estes dispositivos alterando uma série de artigos e adequando-os para a mudança do período. O decreto 24.637 de 10 de julho de 1934 manteve a divisão estabelecida desde a primeira lei de acidentes de trabalho e isto só foi modificado a partir do decreto lei 7.036 de 1944. Freqüentemente mencionado nos processos pós 1940 este decreto regulou junto a outras leis os casos de acidentes de trabalho listados a seguir e suas modificações foram analisadas ao lado das situações concretas em que ocorreram as fatalidades. Os casos nos quais se verificaram os acidentes de trabalho são os mais diversos e eram freqüentes no cotidiano de trabalho na ferrovia como já destacado por Robério Souza no fim do século XIX. Segundo Souza304 esses não eram casos incomuns no trabalho ferroviário. A estrada de ferro foi cenário de acidentes que tinham como 304 SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007, p. 56. 116 conseqüência desde a destruição de máquinas, até vítimas fatais entre trabalhadores e transeuntes. Com base na análise de processos trabalhistas movidos por funcionários da Leste na década de 1940 pode-se perceber como estes operários procuraram reagir de várias formas à exploração patronal fazendo uso da legislação para adquirir seus direitos sociais. Concomitantemente, um fato preponderante e que necessita ser destacado são as condições da ferrovia que poderia ser um agravante para desencadear os acidentes o que também fica evidente nos Relatórios da empresa como uma “preocupação” do diretor em vista dos descarrilamentos ocorridos. “(...) cresce a cifra de descarrilamentos quando devia descer. Explica-se esse fato pela grande extensão da linha que ainda existe com trilhos fracos e lastro ruim (...)”.305 Soma-se a isso a ausência de equipamentos de proteção para os operários, conforme se atestou em um dos processos analisados.306 Matérias de jornais também destacaram que as condições das ferrovias que compunham a Leste eram muito ruins podendo surgir como uma hipótese, de que as condições das estradas de ferro e dos materiais seriam a causa de muitos dos acidentes ocorridos. “A deficiência de transporte sempre foi um dos pontos mais vulneráveis de nossa economia, um motivo de atrazo, ao lado de outros fatores, da produção nacional (...)” 307. A lei e o decreto de 1919 já tratavam de isentar os patrões da averiguação de culpa apontando como já mencionado anteriormente o “fato do trabalho” como o responsável pela ocorrência dos acidentes. Desta forma, nem sempre as causas dos acidentes foram investigadas e nem sempre foram abertos inquéritos policiais. Assim, caso houvesse culpa dos patrões esta não precisava ser apurada, haja vista, que eles teriam que ser responsabilizados de qualquer forma pelos acidentes. Se isto representou um ganho, porque em todo e qualquer caso poderia ser válido o pedido de indenização, por outro a apuração de possíveis causas para a ocorrência dos acidentes, a exemplo das condições defasadas das estradas ou dos materiais ficaram a margem das investigações. O diretor Lauro Farani, atestou nos documentos as condições da empresa em todas as esferas e níveis, trazendo dados para análise a respeito da quantidade de processos movimentados no período em questão. Através dos Relatórios escritos por 305 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1940, Salvador: Tipografia da Leste, 1941, p. 67. APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Filonídio Vieira dos Santos. Cx: 151/98/14. 307 Estão realmente em crise os transportes. O Momento, Salvador, 23 jul. 1945, p.3. 306 117 Freitas se pode conhecer a assistência médica prestada aos trabalhadores da Leste Brasileiro e o número de médicos disponíveis para atender à demanda. No que tange as ações judiciais movimentadas por trabalhadores de diferentes ofícios no período em estudo na Bahia, a dissertação de Elisa Lemos enfocou os processos de acidentes de trabalho, e destacou os aspectos da legislação e acidentes de diversas categorias. Também tratando com fontes da justiça encontra-se o estudo de Edinaldo Souza sobre reclamações trabalhistas de diferentes tipos de operários nas Comarcas de Santo Antônio de Jesus, Cachoeira e Nazaré dando ênfase a uma série de queixas realizadas por homens e mulheres aos seus patrões dentro da conjuntura analisada. Estes e outros estudos que trataram com processos judiciais foram analisados ao lado dos casos de acidentes dos ferroviários da Leste em busca de encontrar similaridades, contradições, visando apontar possíveis novos resultados obtidos a partir da reconstituição das ações destes sujeitos e de suas lutas. 4.1. Acidentes ferroviários: o palco das tragédias Para analisar estas ações na justiça foi preciso conhecer os decretos e leis mencionadas durante os casos analisados nesta pesquisa. Para tanto foram destacados o decreto 7.036 de 1944, o 7.527 de 07 de maio de 1945, e a lei nº 599 A de 26 de dezembro de 1948 com suas alterações e complementações. Ainda durante a década de 1930 tem-se o decreto lei número 24. 637 de 10 de julho de 1934 que estabeleceu sobre novos moldes as bases para julgamento de casos de acidente de trabalho já sob o governo de Getúlio Vargas. De acordo com este regulamento no art.14 continua em vigência a classificação da gravidade do acidente em: incapacidade permanente e total, permanente e parcial, incapacidade temporária e total, incapacidade temporária e parcial.308 Ainda de acordo com este regulamento de 1934 no art. 19 qualquer que seja o salário da vítima também não poderá exceder para efeito do cálculo da indenização um salário superior a Cr. 3:6000$000 mantendo um teto máximo para os trabalhadores receberem a compensação. Ainda que o valor seja superior ao estabelecido, anteriormente, pelo decreto de 1919 que era de Cr. 2: 400 anuais mantêm-se um valor máximo a ser pago aos operários acidentados, evitando que os cálculos fizessem com 308 Decreto nº 24.637 de 10 de julho de 1934. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. 118 que os trabalhadores recebessem além de um limite já pré-estipulado. Esta restrição que não correspondia ao valor real do salário em vista de muitos trabalhadores receberem salários que proporcionavam que o valor indenizatório fosse bem superior a este proposto era uma das formas de ao mesmo tempo em que o direito criado concedia benefícios impunha limites objetivos para evitar o “excesso” de pagamento a estes sujeitos. Este decreto de 1934 também difere dos anteriores, pois fixa em seu art. 20 “que em caso de morte a indenização consistirá, em uma soma calculada entre o máximo de três anos e o mínimo de um ano de salário da vítima” 309. No decreto de 1919 que regulamentou a lei de acidentes do trabalho este aspecto era bem objetivo quanto ao cálculo de três anos de salário da vítima para efeito do pagamento da indenização. Notase a partir da análise do decreto de 1934 que algumas modificações foram introduzidas no art. 22 como a soma de 200$ 000 (duzentos mil reis) para despesas com o enterramento da vítima, antes o valor era de 100 $ 000 nos decretos regulados em 1919. No decreto de 1934 se mantém a dedução estabelecida nos anteriores do Art. 30 As indenizações recebidas pela vítima em virtude de qualquer incapacidade, inclusive a do art. 27, serão deduzidas da indenização final devida por se ter agravado a incapacidade permanente, por se tornar permanente a incapacidade, ou por motivo de falecimento.310 Deste modo, o que os operários receberiam no final dos processos judiciais já era um valor descontado do que já haviam recebido anteriormente. Assim, limitação de salário para cálculo de indenização, limitação do valor final a ser recebido, e dedução foram as combinações que regularam os trâmites judiciais envolvendo ferroviários acidentados. Ao que parece a reparação ao acidente de trabalho não garantiu tantos benefícios assim, os ferroviários tiveram que lidar com uma série de argumentos e imposições baseados na legislação para então afinal, conseguirem a indenização pleiteada o que nem sempre ocorreu e quando aconteceu foi com base no estabelecimento de acordos que geralmente lesavam o trabalhador concedendo valores muito abaixo do que teriam direito. 309 310 Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011. Idem, ibidem. 119 As ações foram movidas quase exclusivamente por acidentes ocorridos durante o desempenho do trabalho. Casimiro Fagundes caiu do vagão do trem em que viajava em 1941 em Serrinha311, Manoel Francisco de Oliveira também sofreu queda de cima de um vagão no km 532 em Bonfim em 1943312, Manoel Ferreira Batista também caiu do vagão M – 307 um ano depois313 em Serrinha. José Rodrigues de Freitas também despencou de um vagão em 1949314 quando desempenhava a função de guarda-freio e por não ter recebido assistência imediata já que o acidente ocorreu a noite e morreu horas depois. Os casos que envolveram queda de trabalhadores da Leste nos vagões de trem foram comuns no período. Contudo, se pode elencar diversos outros fatores. As explosões no local do trabalho e no exercício do mesmo vitimaram Eraldino Pereira dos Santos315, João Atanázio de Souza316 e Cosme Damião de Jesus317. Os dois primeiros em 1951 e o último em 1952. João Atanázio de Souza desempenhava sua função como manobreiro da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, na “loco” nº 500, quando, nas proximidades da Estação de Serrinha, ocorreu a explosão da referida máquina e o trabalhador morreu vítima das inúmeras queimaduras sofridas. As causas que envolveram os acidentes de trabalho foram as mais diversas e estavam atreladas a situações presentes no cotidiano. No dia 24 de abril de 1942 em Santa Terezinha, Januário Agripino de Jesus se acidentou quando retirava um pulsometro de uma cisterna, na tomada d’água da Estação Ferroviária, quando se partiu a corda da talha com que trabalhava, sendo obrigado a um esforço exagerado com o braço esquerdo resultando-lhe distensão muscular.318 José Catarino sofreu um acidente quando carregava trilhos do lugar denominado de Cabeça de Cavalo e por isso perdeu a 311 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Cassimiro Fagundes. Cx: 143/51/03. 312 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Francisco de Oliveira. Cx: 143/59/23. 313 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Ferreira Batista. Cx: 143/51/15. 314 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: José Rodrigues de Freitas. Cx: 152/10/13. 315 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Eraldino Pereira dos Santos. Cx: 151/81/22. 316 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: João Atanázio de Souza. Cx: 142/124/32. 317 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Cosme Damião de Jesus. Cx: 142/124/48. 318 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Januário Agripino de Jesus. Cx: 143/71/19. 120 falangeta do dedo médio da mão esquerda quando o trilho lhe esmagou a cabeça do dedo319. Existiram situações provocadas por fatores externos como o caso de descarrilamento de trole provocado pela presença de um jumento na linha em 1945 e que vitimou Manuel Vieira de Moura, José Severo dos Santos e Eliezer Joaquim dos Santos. De acordo com as declarações de Manuel Vieira de Moura acerca do acidente foi destacado que: (...) vinha com sua turma no trole quando este se chocou com um jumento que estava na linha, mas que nada o trabalhador Alfredo pode fazer em razão da proximidade e que o declarante saiu ferido com corte na palma da mão esquerda e pancada na caixa torácica, José Severo com uma forte pancada no pé esquerdo, digo direito e Eliezer Joaquim que recebeu um corte no dorso do pé esquerdo, e que o mesmo recebe 14,00 diários e que apesar de não ser casado, tem seis filhos, todos vivendo as suas custas. 320 Os fatores externos poderiam incluir diferentes ocasiões em que os ferroviários não teriam responsabilidade sobre aqueles acontecimentos. Vale salientar que os ferroviários geralmente não tinham responsabilidade nos acidentes, o empregador é que escolhia colocá-lo como negligente e imprudente. Manoel Mendes da Silva quando trabalhava como truqueiro em 1950 teve um vazamento no olho provocado por uma ferramenta que lhe saltou os olhos. Filonídio Vieira dos Santos, ajustador mecânico da ferrovia quando trabalhava esmerilhando uma peça de ferro nas oficinas da Viação teve o infortúnio quando uma limalha de ferro saltou-lhe o olho esquerdo durante a execução do serviço. Os acidentes nas oficinas também foram freqüentes, como no caso de José Domingos dos Santos que “(...) auxiliava um carpinteiro da Leste Brasileiro nas oficinas de São Francisco, quando ao serrar uma peça, teve a mão direita atingida, gravemente, pela serra elétrica (...)”321. Gade Lima dos Anjos em 1953 também se acidentou quando trabalhava na Oficina de Aramary e teve parte do pé mutilado pelo carretão322. 319 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: José Catarino. Cx: 152/12/15. 320 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manuel Vieira de Moura. Cx: 142/117/12. 321 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: José Domingos dos Santos. Cx. 142/139/14. 322 APEB, Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Gade Lima dos Anjos, Cx. 150/144/05. 121 As situações de acidente envolveram as mais distintas situações. João dos Santos Reis no dia 05 de abril de 1950 estava abastecendo a composição da locomotiva nº. 4 e ao pular de um carro para o outro, segurando uma borracha destinada ao serviço de água, esta se prendeu em alguma coisa, e em conseqüência o declarante perdeu o equilíbrio, caindo de costas entre um e outro carro, batendo-se de encontro ao fuso do freio e em seguida ao solo, ficando sem sentido, e com derramamento de sangue na boca em virtude de um corte na língua323. Outro caso refere-se a Simão Ângelo Macedo acidentado em 1948 em São Félix quando descarrilou um carro no meio da composição em que o mesmo se encontrava324. Eliezer Joaquim dos Santos também foi vítima de descarrilamento de trole em 1945325, José Carlos dos Santos em 1942326, José Severo dos Santos327, Manoel Rodrigues328 e Manuel Vieira de Moura329 se acidentaram em 1945. Como se vê os descarrilamentos também foram muito freqüentes na ferrovia. Acidentes também ocorreram nas situações em que aparentemente não existiriam riscos ao desenvolvimento daquela tarefa. Este foi o caso de João José Loureiro que no dia 20 de junho de 1941 quando exercia sua função de oficial administrativo da classe na ferrovia teve uma pancada na rótula da perna direita ao bater esta região em uma das gavetas que se achava aberta330. Como se depreende da exposição dos casos, os riscos do mundo do trabalho na ferrovia estiveram distribuídos nos distintos espaços e nos mais variados ofícios dentro da empresa. Lesões e mortes foram os resultados destes acidentes e através das ações judiciais movimentadas por estes trabalhadores pode-se conhecer estes sujeitos acidentados. (Conferir tabela 1 p. 168). 323 APEB, Seção Judiciária. Auto Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: João dos Santos Reis. Cx. 208/67/09. 324 APEB, Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Simão Ângelo Macedo. Cx. 150/ 147/12. 325 APEB, Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação d Acidente de Trabalho: Simão Ângelo Macedo. Cx. 150/147/12. 326 APEB, Seção Judiciária, Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: José Carlos dos Santos, Cx. 151/02 327 APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Acidente de Trabalho: José Severo dos Santos, Cx. 203/09/08 328 APEB. Seção Judiciária, Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues, Cx. 152/06/26. 329 APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manuel Vieira de Moura, Cx. 142/117/12. 330 APEB. Seção Judiciária, Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: João José Loureiro, Salvador, Cx. 151/98/03. 122 As conseqüências desses acidentes foram diversas e englobavam desde uma distensão dos músculos do braço esquerdo e do tórax331 até as lesões permanentes e mortes. Quando do acidente resultasse uma incapacidade parcial e permanente o cálculo seria estabelecido com base entre três e oitenta centésimos correspondentes a 4 anos de diária, e quando fosse uma incapacidade total e permanente a quantia correspondente seria 4 anos da diária da vítima.332 Já em caso de morte do acidentado o decreto de 1944 regulou os casos com base em quatro, três e dois anos do valor indenizatório de acordo com os requerentes que entraram na justiça. Segue o exemplo: Art. 21. Quando do acidente resultar a morte, a indenização devida aos beneficiários da vítima corresponderá a uma soma calculada entre o máximo de quatro (4) anos e o mínimo de dois (2) anos da diária do acidentado, e será devida aos beneficiários, de acôrdo com as seguintes bases: II - Na base de três (3) anos da diária: a) ao cônjuge sobrevivente nas condições da alínea a do inciso anterior, quando não existirem filhos. b) aos filhos menores ou inválidos e às filhas solteiras que viverem sob a dependência econômica do acidentado, na falta de cônjuge sobrevivente, quando em número igual ou inferior a três (3). c) aos pais da vítima, na falta de cônjuge sobrevivente, de filhos menores ou incapazes, quando ambos existirem e viverem sob a dependência econômica da vítima, em partes iguais. O decreto de 1935 trazia uma tabela regulando as porcentagens equivalentes as lesões sofridas no trabalho. Assim, se o acidente tivesse provocado, por exemplo, surdez de ambos os ouvidos durante o desempenho do trabalho essa lesão corresponderia ao número 47, índice 18 da tabela de acidentes do trabalho. Dessa forma, a depender da gravidade das lesões estas estariam classificadas nesta tabela. Veja-se o caso de Manoel Rodrigues. Citado de modo recorrente nos processos de acidentes de trabalho a partir de 1940 foi o decreto 7.036 de 10 de novembro de 1944, pois foi com base neste regulamento que as indenizações foram calculadas e estabelecidas as garantias jurídicas aos trabalhadores a partir de então, neste caso os 331 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Januário Agripino de Jesus. Cx: 143/71/19. 332 Art. 18 e art. 17. do Decreto n.º 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/04/2011. 123 ferroviários baianos ou seus beneficiários em caso de morte dos ferroviários. Era comum, as esposas entrarem na justiça para requerer o benefício pela morte de seus maridos nos trilhos e nas oficinas da Leste ou terem que assumir posteriormente a responsabilidade dos processos em virtude do falecimento dos mesmos durante o andamento dos casos. Desta forma, é válido salientar o papel desempenhado por estas mulheres que adentraram nas esferas judiciais em busca de sobrevivência. Esse é o caso da esposa de Pedro Celestino Costa, Maria de Lourdes Costa, doméstica e que possuía com Pedro 8 filhos tendo que sustentá-los e criá-los sem a presença do seu marido333. Nesse sentido, a luta pela sobrevivência foi transferida para o âmbito da justiça que poderia igualar sujeitos localizados desigualmente na sociedade através do julgamento destas questões. Os representantes do Estado neste caso e durante o período em análise foram Afonso Maciel Neto, advogado da Leste Brasileiro, bem como Benício Gomes Procurador da República que procuraram dificultar de todas as formas possíveis que as causas fossem ganhas pelos ferroviários e para tanto fizeram uso dos mais variados argumentos, negando as leis criadas para regular os acidentes dos trabalhadores. 4.2. No campo dos conflitos Nesta seção foram elencados os argumentos destacados nos processos pelos sujeitos que compunham o teatro judicial o que influenciava diretamente no resultado das ações beneficiando ou não os ferroviários acidentados. No dia 08 de maio de 1945 no kilometro 173 às 06 horas e 30 minutos houve um descarrilamento de trole em que estava o trabalhador diarista da Leste Brasileiro Manoel Rodrigues ficando com “punhos, mãos e dedos traumatizados, a ponto de não poder articulá-los”334. Com base na quantidade de processos movimentados no período pode-se atestar o quanto eram freqüentes os acidentes de trabalho e os riscos a que tinham que se submeter cotidianamente no desenvolvimento de seus ofícios diários. O processo foi movimentado inicialmente junto a Vara dos Feitos da Fazenda Nacional no mesmo ano do acidente 1945 sendo encaminhado, posteriormente, e com base na lei de organização judiciária nº 175 de 02.07. 1949, para a Vara de Acidentes de 333 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Celestino Costa. Cx: 152/15/12. 334 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Loc: 152/06/26. 124 Trabalho conforme exposto a seguir no inciso VIII referente a competência da Vara de Acidente de Trabalho. 1- exercer as atribuições conferidas pela legislação especial sobre acidentes no trabalho, inclusive o processo e julgamento de todos os feitos desta natureza, administrativos ou contenciosos, ainda que neles seja interessada a fazenda pública, ou qualquer autarquia.335 Esta mudança no que tange ao encaminhamento das ações junto a estes dois Juizados ambos se considerando competentes para julgar as ações de acidentes de trabalho foi algo comum durante a década de 1940 e início de 1950. A legislação do período abria margem para que a dúvida ocorresse ficando processos sem resolução por um longo período de tempo, até que o Tribunal Federal de Recursos procedesse a uma solução definitiva. Ainda no processo de Manoel Rodrigues vale a pena mencionar as particularidades da ação referida. O acidente ocorreu na cidade de Paulistana no Estado do Piauí tendo o mesmo ido para Petrolina em busca de assistência médica. De acordo com a lei vigente decreto 7.036 de 1944, desde o primeiro momento do acidente Manoel Rodrigues já estava assegurado, pois em seu art. 12 fica o patrão responsável por prestar toda a assistência médica, hospitalar e farmacêutica necessária ao acidentado. Mas a assistência foi dificultada em vista de inúmeros motivos como a falta de médicos336, ausência dos mesmos no momento dos acidentes337, deficiência dos materiais necessários para fazer os curativos “os remédios de injeção, como sejam, penicilina e outros foram adquiridos pelo depoente, pois que o posto da Leste só dava pomada e pó, curativos de emergência”338, e em casos mais graves as vítimas foram transferidas para hospitais mais próximos para receber o tratamento adequado. Não há referencias em relação a assistência prestada no primeiro momento do acidente a Manoel Rodrigues. Contudo, as fontes indicaram que o próprio teria se transportado para Petrolina em busca de atendimento médico, o que demonstrou que não ficou incapaz de se locomover em vista do ocorrido. O acidente gerou a abertura de 335 Lei 175/49 | Lei nº 175 de 02 de julho de 1949 da Bahia. Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acessado em: 25/03/2011. 336 FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Cia do Comércio, 1940. 337 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Pedro Lopes. Cx: 152/12/06. 338 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Belarmino Ferreira de Souza. Cx: 143/49/61. E de acordo com o decreto 5. 452 de 1º de maio de 1941 no art. 220. "Em todos os locais de trabalho deverão providenciar os responsáveis para que exista o material médico necessário aos primeiros socorros de urgência em caso de acidente. 125 um inquérito policial e três testemunhas foram convidadas a depor a respeito, entre eles: “(...) Germiniano Cruz, residente no povoado de Afrânio; Francisco Alves Correia, residente no lugar Pau de Ferro; do estado de Pernambuco, e Teodoro Vitor, residente no profalado povoado de Afrânio”339. A abertura dos inquéritos policiais era obrigatória desde que houvesse morte do operário art. 47 do decreto de 1944. Mas em vários processos analisados houve a abertura mesmo sem óbito dos ferroviários. A partir da investigação eram apuradas as possíveis causas dos acidentes com base nos relatos das vítimas e testemunhas. Cabe salientar, que grande parte dos depoimentos analisados beneficiava os acidentados confirmando o acidente e as lesões atestadas. Em contrapartida, poderia haver casos em que o depoimento prejudicava a vítima. No acidente ocorrido com Cassiano Alves do Bonfim 340 no dia 20 de setembro de 1938 quando fiscalizava a linha telefônica da Estrada de Ferro do Santo Amaro, que pertencia na época a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro um dos depoimentos foi o de Hélio Brandão de Siqueira Santos, o mesmo não era ferroviário. Na ação judicial foi descrito como industrial que viajava na locomotiva que atingiu o trole em que vinha Cassiano e outros companheiros. Sua declaração foi a seguinte em vista do que havia presenciado. “(...) agente Franco que dera linha livre a máquina em presença de Horácio Dórea; disse impossível que os troilistas não ouvissem o barulho e o apito da máquina, que estavam os troilistas embriagados”.341 As motivações para que o mesmo culpasse os operários em serviço podem dizer respeito ao fato de ter sido encaminhado documentos para que fosse aberto processo crime contra o maquinista Olimpio Martins que guiou a máquina no momento do acidente a serviço da Usina Passagem. E Hélio Brandão foi descrito nos autos como industrial da Indústria Passagem, sendo assim, suas declarações defendem os seus interesses. O maquinista foi acusado pela promotoria de imprudência em vista da máquina encontrar-se com as luzes apagadas no trecho em que ocorreu o fato. A testemunha culpou os ferroviários, que segundo ele estariam bêbados em horário de serviço. O ataque a moral desses trabalhadores foi a via encontrada pelo industrial para livrar 339 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx: 152/06/26. 340 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Cassiano Alves Bonfim. Cx: 143/71/04. 341 Idem. 126 Olimpio das acusações de negligência. O cansaço diário pela rotina de trabalho, o fato das luzes estarem apagadas segundo alegado, pode ter sido as causas para a tragédia que tirou a vida de Cassiano Alves Bonfim. A respeito do depoimento das testemunhas no caso de Manoel Rodrigues a informação compartilhada pelos depoentes foi que vinha Manoel com mais quatro trabalhadores da Companhia em um trole por eles empurrados quando no kilometro 175 de repente o trole descarrilou e que o único prejudicado foi Manoel que sofreu traumatismos nos punhos e mãos, direitos e esquerdos, ficando a ponto de não poder movê-los342. Francisco Alves Correia alegou “que, em conseqüência da queda, traumatizou os punhos e as mãos” 343.Teodoro Vitor também deu depoimento afirmando o mesmo argumento anterior. Geminiano Cruz o primeiro a prestar depoimento também trabalhador diarista da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, solteiro, jovem de vinte três anos de idade e sabendo ler e escrever. Declarou que vinha Manoel Rodrigues com mais quatro trabalhadores incluindo o depoente quando ao empurrar o trole, o mesmo inesperadamente descarrilou caindo com o choque todos os cinco operários e que os outros nada sofreram, mas que Manoel Rodrigues apresentou “inúmeras escoriações nos punhos e mãos, direitos e esquerdos ficando a ponto de não poder mover, ou, melhor articular esses membros e os dedos das mãos (...)”.344 Maria Elisa Lemos já havia mencionado o fato de que quase sempre os testemunhos dos colegas de trabalho beneficiaram os acidentados. “Mas de um modo geral podemos perceber “(...) que os pareceres das testemunhas mesmo quando empregados do réu, favorecem os acidentados numa clara solidariedade de classe” 345 . As situações de acidente poderiam ocorrer com qualquer um e os operários compartilhavam dos riscos presentes no mundo de trabalho ferroviário. Todos os depoimentos confirmaram o acidente e o traumatismo que havia sofrido apenas Manoel Rodrigues entre os trabalhadores presentes no momento do ocorrido. Os depoimentos das testemunhas geralmente denunciavam o fato confirmando a existência do acidente trazendo à tona detalhes observados por estes sujeitos. As declarações 342 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx: 152/06/26. 343 Idem. 344 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx: 152/06/26. 345 SILVA, Maria Elisa L. N. da. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de trabalho em Salvador (1934-1944). 1998. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998, p. 83. 127 foram utilizadas nos trâmites judiciais e os argumentos foram direcionados tanto pelos representantes da Leste, como pelos curadores e advogados para convencimento do juiz das suas alegações de acordo com os seus interesses na defesa das partes. Portanto, foram peças-chave dessa complexa arena judicial onde a garantia do cumprimento das leis se fez através de lutas travadas por longos anos na justiça. Mas existiram processos de acidentes de trabalho em que as perguntas às testemunhas ultrapassaram a questão do fato do acidente, sendo questionados salários das vítimas, tempo de serviço, bem como outras questões específicas relacionadas ao desenvolvimento das atividades diárias. Estes dados possibilitam o estudo de vários outros aspectos do mundo de trabalho dos ferroviários, permitindo conhecer a mão-deobra ferroviária e as representações que construíram acerca das suas experiências. Um exemplo de outras informações destacadas nos depoimentos apareceu no processo de Belarmino Ferreira da Silva onde foram convocadas três testemunhas que relataram o fato do acidente. Teodoro Alves da Silva e Mário José de Souza os dois últimos a prestar depoimento acrescentaram que a vítima já era empregado da Leste há mais de vinte anos. Estas informações foram utilizadas pelos sujeitos envolvidos nos processos para legitimar as ações e garantir os interesses das vítimas. Curadores e advogados utilizaram essas informações para favorecer os trabalhadores, em contrapartida alegações que pudessem prejudicar as vítimas desabonando sua conduta poderiam ser argumentos utilizados pelos representantes da Leste Brasileiro, isto é do Estado. As perguntas tinham a função de montar um perfil das vítimas investigando sua conduta moral, e possíveis vícios. Esse foi o caso do trabalhador Antônio Rodrigues Carvalho que fazia a ronda na estrada de ferro e no desempenho do ofício foi atropelado por um trem conduzido pelo maquinista Carlos de Freitas Alfâno no dia 26 de fevereiro de 1951. E no auto de perguntas realizadas as testemunhas no inquérito policial constava questões relacionadas a possíveis vícios que o maquinista tivesse que justificasse de alguma forma a ocorrência do acidente. “(...) Perguntas foram feitas a ele a respeito do maquinista se bebia, o mesmo declarou que não sabia. Se já havia atropelado outras pessoas anteriormente o mesmo declarou que não sabia (...)”. 346 Em contrapartida, às perguntas realizadas as testemunhas visavam, por parte da empresa, minimizar ou mesmo liquidar sua responsabilidade, na tentativa de culpar os 346 Auto de perguntas realizado na pessoa de Waldemar Pereira Vasconcelos. APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Antônio Rodrigues Carvalho. Cx: 151/102/20. 128 próprios trabalhadores pelos fatos. Estas informações visaram culpabilizar o operário pelo acidente através da comprovação do depoimento das testemunhas de uma conduta negligente. Apesar da tentativa de “condenação”, desde o decreto regulado em 1919, havendo a ocorrência do acidente a indenização caberia as vitimas independente da apuração de culpa, mas pelo exercício do trabalho. E no decreto 7.036 art. 5º ficou assegurado que também eram considerados acidentes de trabalho “c) qualquer ato de imprudência, de negligência ou brincadeiras de terceiros, inclusive companheiros de trabalho”347. Ainda que no inquérito ficasse comprovada a responsabilidade do maquinista mesmo assim a empresa teria que pagar a indenização. Cabe salientar que a ação de acidente de trabalho atuou simultaneamente ao lado de processos – crime visando incriminar os condutores das locomotivas pelos acidentes e pela morte dos ferroviários. 348 Quando abertos os processos judiciais e não havia morte imediata dos trabalhadores, o juiz solicitava encaminhamento das vítimas ao Instituto médico legal Nina Rodrigues a fim de comprovar as lesões. Em artigo que trata sobre a medicina legal nos anos de 1930 Luís Ferla349 apontou que a medicina abordava as questões a partir do biótipo dos indivíduos classificando-os a partir da sua estrutura física e mental. Essa argumentação explica em parte os laudos e pareceres emitidos pelos médicos a serviço do Instituto acerca das vítimas no período retratado. Destaque para as características informadas nos laudos: cor da pele, temperamento, constituição física e além desses aspectos, uma menção para os aspectos mentais dos indivíduos. Essas características foram analisadas pelos médicos montando um perfil dessas vítimas que constava em seus laudos e que muitas vezes foram utilizados nos processos visando demonstrar a personalidade desses indivíduos. Um exemplo foi o processo de Cassimiro Fagundes acidentado em 21 de abril de 1941 em Serrinha e que recebeu forte pancada na região lombo-sacro350. Depois de realizado o exame médico nada foi encontrado no operário, daí porque as alegações dos pareceristas em vista do seu perfil foram “Cassimiro, não parece simulador, seu raciocínio é lento e tem dificuldade de compreensão, que lhe fizeram regressar da 347 Art. 5 do decreto 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 25/05/2011. APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Cassiano Alves Bonfim. Cx: 143/71/04. 349 FERLA, Eduardo Luís Ferla. O Trabalho como objeto médico legal em São Paulo nos anos 1930. Asclépio, Madrid, v.57, n.1, p. 237-26, 2005. 350 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Cassimiro Fagundes. Cx: 143/51/03. 348 129 primeira vez a Sauípe, sem terminar a perícia”351. De acordo com os processos Cassimiro queixava-se muito de fortes dores devido a pancada que recebeu. Mas nem sempre este exame ocorreu logo após os acidentes, e vários fatores poderiam interferir para isso como morte e dispensa do operário. No caso de Manoel Rodrigues352 através da análise dos autos constatou-se que ainda em 1945 o diretor do Instituto afirmou que o ferroviário não havia retornado aquela localidade para fazer os exames necessários. E as fontes não permitem conhecer o motivo pelo qual Manoel demorou em realizar os exames. Este não comparecimento poderia ser decorrente de inúmeros fatores entre eles a morte desse trabalhador. O pretor na jurisdição plena encaminhou o processo de Manoel Rodrigues para a Vara de Acidentes do Trabalho com base na lei judiciária n.º 175 de 02 -07-1949 que destacou a competência cabível ao Cartório de Acidentes no Trabalho qual seja a de (...) exercer as atribuições conferidas pela legislação especial sobre acidentes no trabalho, inclusive o processo e julgamento de todos os feitos desta natureza, administrativos ou contenciosos, ainda que neles seja interessada a fazenda pública, ou qualquer autarquia. Mas de acordo com esta mesma lei no Art. IX cabe aos Feitos da Fazenda Nacional processar e julgar 1. “a) os feitos em que a União for autora ou ré, assistente ou opoente, bem como aqueles em que o forem as autarquias federais (...)”353. A ambigüidade presente nesta lei torna-se evidente e os processos movimentados no período refletiram a “confusão” possibilitada por este dispositivo. O processo de Manoel Rodrigues inicialmente movimentado junto aos Feitos da Fazenda Nacional foi encaminhado para a Vara de Acidentes do Trabalho para ser julgado. A lei estava em disputa no período, isso justificava a ambigüidade das leis existentes. Portanto, os conflitos de jurisdição compunham o contexto de mudanças o que possibilitou que os sujeitos fizessem uso do discurso jurídico para validar seus interesses na arena judicial. Após a realização do exame em Manoel Rodrigues no Instituto não foi apurada a lesão, o que de acordo com os autos do processo não se teria excluído que a mesma tivesse ocorrido anteriormente à época do acidente. Mas como já ressaltado, grande 351 Idem. APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx: 152/06/26. 353 Lei 175/49 | Lei nº 175 de 02 de julho de 1949 da Bahia. Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acessado em: 25/05/2011. 352 130 parte dos exames foram realizados anos depois da ação ter sido movimentada. De acordo com o art. 20 do decreto-lei de 1944 "Permanecendo por mais de um (1) ano, a incapacidade temporária será automaticamente considerada permanente, total ou parcial, e como tal indenizada (...)".354 O exame ocorreu em 26 de setembro de 1951 conforme atestado no laudo do exame realizado no Instituto, apesar do acidente datar de 08 de maio de 1945. A morosidade para realização dos exames, bem como para o andamento destas ações na justiça contribuíram para que o resultado das ações não fossem favoráveis aos trabalhadores. Ainda de acordo com o que regia o decreto de 1944 em art. 63. “O juiz dirigirá e orientará o processo de acidente, que terminará no prazo máximo de 30 dias (trinta), de seu início, sem, contudo cercear a defesa dos interessados”.355 Nenhum dos processos analisados terminou em 30 dias, mesmo as ações mais concisas, e que foram julgadas procedentes gerando ganho de causa aos trabalhadores ou as inviabilizadas por não comparecimento, morte da vítima sem deixar beneficiários, ou ausência da comprovação das lesões. O modo como os peritos da Instituição estabeleceram seus diagnósticos ainda necessita de uma investigação mais detalhada e essa pesquisa abre margem para isso. Outra ação onde não foi possível comprovar a lesão foi a de Benjamin Libório dos Santos que era ajudante de fundidor e possuía 18 anos de idade, solteiro sendo o mesmo baiano, operário e com instrução primária. O seu processo havia sido encaminhado inicialmente na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em 19 de março de 1946. Mas devido às razões mencionadas de conflito de jurisdição foi direcionado para a Vara de Acidentes. No dia 23 de fevereiro de 1946 Benjamin Libório dos Santos “(...) no exercício de sua função fora acidentado no olho esquerdo com uma limalha de ferro”356. Muitos acidentes tiveram como conseqüência ferimento nos olhos com limalha ou objetos perfurantes. O exame realizado anos depois do fato atestou que o paciente nada sentia no olho acidentado. A morosidade já destacada em casos anteriores para a realização destes exames no Instituto Nina Rodrigues também constituiu um empecilho para que estas ações tivessem um desfecho rápido, além das alegações a respeito das leis. 354 Art. 20 do decreto lei 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 25/03/2011. Art. 63 do decreto 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em 25 356 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Benjamin Libório dos Santos. Cx: 152/06/23. 355 131 Durval Assis Magalhães, maquinista, casado, com 53 anos de idade residente em Periperi, com carteira profissional 17. 108 no dia 7 de agosto de 1949 desempenhava seu serviço na estrada de ferro Leste Brasileiro quando teve uma fratura no terço inferior do braço direito, o que resultou em uma incapacidade parcial permanente segundo os autos do processo. O maquinista era o responsável pela condução das locomotivas e o fato de ser mencionado o número da carteira profissional no processo atesta a diferença da função que desempenhava para as atividades realizadas por diaristas. Cabe salientar que o maquinista dentro da ferrovia deveria trabalhar cerca de 12 horas por dia podendo ser convocado antes das seis da manhã.357 A rotina de trabalho exigiu destes trabalhadores disciplina e rigor na marcação do tempo e os riscos a que estiveram submetidos foram uma constante dentro da ferrovia. Em relação à disciplina e ao cumprimento dos horários pode-se comprovar através dos boletins de pessoal as penalidades impostas aos trabalhadores em cada situação específica. O estudo de Edinaldo Souza demonstrou que a tentativa de conciliação era tida como primeiro passo antes de dar inicio às ações, e que esta medida possibilitava que a partir da conciliação pudesse se encerrar o processo a qualquer tempo. 358 Em art. 58 do decreto de 1944 ficou determinado que “havendo na audiência inicial, acordo entre as partes, observadas as disposições desta lei, será reduzido a termo, para a indispensável homologação, com a qual estará findo o processo”359. Como não se conseguiu chegar a um acordo neste caso em vista da recusa da parte de Durval Assis Magalhães o processo teve andamento na Vara de Acidente de Trabalho. O processo de Durval Assis foi inicialmente, encaminhado junto à Vara de Acidente do Trabalho em 07 de outubro de 1949 e enviado para o Tribunal Federal de Recursos em 1951 na busca de uma solução definitiva para a lide em questão. No termo de audiência foi dito pelo representante da Leste Brasileiro o Dr. Afonso Maciel Neto, que Durval Assis Magalhães não tinha direito à indenização haja vista os ferroviários terem se tornado funcionários públicos. O novo decreto nº 7.527 de 1945 em seu artigo 76 em seu inciso 2 reformulava o anterior de 1944 em seu artigo 76 excluindo em 1945 “c) os funcionários e extranumerários da União, dos Estados, 357 SOUZA, Robério Santos. Organização e disciplina do Trabalho Ferroviário Baiano no Pós- Abolição. Revista Mundos do Trabalho. vol. 02. nº.3, jan - jul. 2010, p.84. 358 SOUZA, Edinaldo. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. 359 Art. 58 do decreto 7.036 de 1944. Disponível em www. camara. gov.br. Acessado em: 15/02011. 132 Municípios, Territórios e da Prefeitura do Distrito Federal.” tendo direito a pleitear a indenização somente o pessoal de Obras, e além do mais de acordo com o que afirmou o dito promotor a lei de organização judiciária do Estado era clara quanto a instância onde o processo deveria ser movimentado. Nesse sentido, essa ação deveria ser movimentada junto a Vara dos Feitos da Fazenda Nacional segundo julga a lei no art. 56. nº. 9, I a da vigente lei de organização judiciária. “a) os feitos em que a União for autora ou ré, assistente ou opoente, bem como aqueles em que o forem as autarquias federais” 360. Presente em quase todos os processos esse conflito foi a solução que a empresa encontrou para justificar o não direito a indenização. O Pretor da Vara de Acidentes de Trabalho Manoel da Cunha Catalá Loureiro, declarou competente o referido juizado de acordo com o que dispõe o art. 54 do decreto 7.036 de 1944 que informou que a autoridade judiciária competente para receber de que trata o art. 46, assim como para conhecer as questões e acordos “(...) é o Juiz cível do local onde se verificar o acidente, salvo prescrição em contrário da respectiva organização judiciária.”361 O laudo de exame médico referente ao acidente de 7 de agosto de 1949 destacou que Durval Assis teve sua mão imprensada pela porta da locomotiva, recebendo ademais uma pancada nas costas. Foi lhe dado um prazo de sessenta dias no ambulatório são Jorge, e que mesmo após estes dias não se encontrava curado. O exame constatou que havia “cisto sinovial extra-articular”, além de uma lesão de número 82 no punho, grau médio, índice 13”362 de acordo com a tabela de 1935. De acordo com os autos do processo a lesão de Durval ficou comprovada, pois após aberto o inquérito a vítima foi submetida aos exames de sanidade física no Instituto Nina Rodrigues conforme o estipulado pelo decreto de 1944363. Isto era uma medida obrigatória e estava diretamente vinculada ao resultado das ações, pois era necessário comprovar o prejuízo sofrido pelo acidente para posteriormente poder-se requerer o pagamento da indenização com base nos decretos e leis que regularam a matéria relacionada aos acidentes de trabalho. Alguns casos na 360 Lei 175/49| Lei nº 175 de 02 de julho de 1949 da Bahia. Disponível em www. jusbrasil.com. br. Acessado em: 22/04/2011. 361 Art. 54 do decreto nº 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 22/04/1911. 362 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx: 152/04/01. 363 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx: 152/04/01. 133 justiça não tiveram andamento, pois, depois de realizado os exames não havia a comprovação da lesão ocorrida à época do acidente e os mesmos foram arquivados. Também de acordo com o decreto 7.036 o exame poderia ser realizado por outros peritos para perceber se chegavam as mesmas conclusões. Este foi o caso de Januário Agripino de Jesus, no qual o curador Álvaro Nascimento solicitou um segundo exame por não estar convencido do resultado do primeiro, o que terminou confirmando que o mesmo já estava completamente curado do acidente. No caso do processo de Durval Assis que contou com depoimento de testemunhas entre eles Carolino Moreira do Espírito Santo, carvoeiro, brasileiro, solteiro, 36 anos de idade e residente em Periperi na presença de Agripino Caetano de Oliveira, e do adjunto de promotor na sala de audiências. As declarações de Carolino acerca do ocorrido no dia 07 giraram em torno de relatar o acidente. Disse que no suburbano das 14 horas, quando nas imediações da pedreira de Lobato, verificou a ocorrência de algo, de anormal na locomotiva, que chegando a janela da classe e olhando para a locomotiva notou um certo movimento de pessoas na mesma, e chegando a estação da Calçada, constatou que a causa daquele movimento fora a de ter sido acidentado o maquinista que dirigia a composição, de nome Durval Assis Magalhães, o qual tinha desmentido o pulso e a mão.364 O depoimento de Carolino apresentou o fato que beneficiou Durval comprovando suas lesões. Além disso, através dos autos o recebimento da indenização esteve vinculado a realização dos exames, apesar de não ser suficiente a comprovação da incapacidade permanente ou morte, mas outras etapas foram necessárias para chegar as indenizações. As estratégias que fez uso Benício Gomes, Procurador Geral da República, representante do Estado englobou basicamente a “incompetência” da Vara Especial de Acidente de Trabalho para julgar os casos, considerando a Vara dos Feitos da Fazenda Nacional a única competente para julgar os casos. Esse fator aparece em quase todos os processos do período somados a justificativa de Afonso Maciel Neto, representante da Leste que afirmou que os operários recebiam assistência do Estado não podendo fazer uso do dispositivo 7.036 de 1944 que julgava os casos de trabalhadores não assegurados. Contudo, os trabalhadores declararam que não recebiam essa assistência o que foi mencionado por Filonídio Vieira 364 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx: 152/04/01. 134 dos Santos nos autos do processo “(...) o mesmo respondeu que não existe amparo sobre o trabalho”365. O depoimento de Filonídio somou-se ao de Mário Martins Rocha a respeito do caso de Pedro Celestino da Costa acidentado no dia 18 de janeiro de 1951 quando teve esmagamento da mão e acabou falecendo nove dias depois de tétano. Mário atestou (...) que o acidentado com os demais trabalhadores da Leste, inclusive ele depoente, não tem direito a quaisquer vantagens pelo Estatuto dos Servidores da União, no que diz respeito a pensão e aposentadoria, por isso tais vantagens lhe são concedidas pela Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários, para a qual contribue com uma porcentagem mensal de sete por cento do seu salário.366 As vítimas e as testemunhas denunciaram que a assistência prestada pelo Estado era nula, por isso foi necessário recorrer a justiça para fazer valer os seus direitos e garantir a sobrevivência. As declarações de Afonso Maciel Neto, representante da Leste não encontraram respaldo na fala das vítimas e nem das testemunhas para o período retratado por essa pesquisa, isso também explica a quantidade de ações movimentadas requerendo as indenizações com base na legislação de 1944. Mas além desses argumentos, também havia outros motivos que dificultavam o recebimento das indenizações. No dia 03 de outubro de 1947 as 16h40min min no km 442 da ferroviária Leste Brasileiro entre a estação de Iramaia e Lapinha faleceu em conseqüência das queimaduras sofridas o ferroviário Crispim Alves dos Santos durante o exercício do trabalho367. Em virtude do falecimento do seu esposo Maria de São Pedro Batista dos Santos entrou na justiça na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em 30 de agosto de 1948. Como nas ações já apresentadas, processos de acidente foram movidos junto aos Feitos da Fazenda Nacional por ser a Viação Férrea Federal uma empresa do governo e, posteriormente encaminhadas para a Vara de Acidentes de Trabalho por conta da lei de organização judiciária nº 175 de 02 de julho de 1949 que permitia que este segundo Juízo julgasse as ações. Para resolver estas questões quando havia conflitos em torno de qual juizado era o competente para julgar estes casos, os autos foram conduzidos para o 365 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Processo de Acidente de Trabalho referente a Filonídio Vieira dos Santos. Cx: 151/98/14. 366 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Processo de Acidente de Trabalho referente a Pedro Celestino da Costa.Cx: 152/15/12. 367 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Processo de Acidente de Trabalho referente a Crispim Alves dos Santos .Cx: 152/04/01. 135 Tribunal Federal de Recursos e através da consulta de magistrados era decidido se julgavam ou não procedente a decisão do Pretor da Vara de Acidentes. A viúva solicitou na justiça que fossem intimados para efeito de resolver a ação o Procurador da República, Benício Gomes, e o Diretor da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro Lauro Farani Pedreira de Freitas por conta da morte de seu marido o foguista Crispim Santos. Maria trabalhava de doméstica no período e não tinha filhos e solicitou reparação do ocorrido com base em três anos de salário de acordo com o art. 21 do decreto de 1944. Um dos documentos solicitados no caso de Crispim foi a declaração do Escrivão de Paz do casamento de Chrispim Alves dos Santos e Maria de São Pedro Batista dos Santos, realizado em 13 de fevereiro de 1934, ele com 21 anos e já operário da Leste e ela 17 anos e trabalhando de doméstica. Documentos comprobatórios como certidão de óbito nos casos de morte, de casamento quando a requerente for esposa e carteira de trabalho para aqueles que já possuíam eram as preliminares para garantir o andamento dos processos. No processo movido por Maria Batista houve dificuldade para que a mesma recebesse a indenização. Em 16 de outubro de 1948, após um ano do ocorrido o diretor Lauro Farani encaminhou um ofício afirmando que o acidentado chamava-se Crispiniano Santos. Mas dentro da ação havia uma cópia do telegrama enviado em serviço atestando morte do feitor Sebastião Santos, de Crispim Santos, foguista e do passageiro José Burgos trazendo informações que ficaram vários passageiros e funcionários feridos. Nos autos da ação consta um atestado do médico que atendeu a vítima chamada de Crispiniano Santos que teve esmagamento e morte instantânea no tombamento da locomotiva. Como se chamava então o acidentado, Chrispim Santos ou Crispiniano Santos? Este caso se parece com o de Salustiana Reis que encontrou dificuldades para comprovar o acidente do seu filho. Nestas situações em que havia confusão na comprovação da identidade dos sujeitos, vítimas de acidentes de trabalho, foi preciso recorrer a todo meio de provas. Diferente de Salustiana, Maria conseguiu dar prosseguimento a sua ação e comprovou que Crispiniano era o mesmo Crispim. Maria solicitou a certidão de nascimento e pediu que fosse corrigido o nome do seu esposo, e através da mesma pode confirmar que havia um erro de grafia no documento. A escrivã Joana Batista atestou morte de Crispiniano Santos no dia 03 de outubro de 1947 por tombamento de locomotiva e descreve o operário “(...) que o falecido era 136 brasileiro, de cor preta, foguista da mesma Viação (...)”368. Causa da morte atestada pela escrivã “queimaduras por água fervente e generalizado esmagamento do corpo, produzida no momento em que tombou a loco nº 272, na qual viajava o infeliz operário”. “(...) e em virtude da justificação requerida por Dona Maria São Pedro Batista dos Santos a alteração ao seu nome de Chrispim Alves Santos e não como consta no registro anotado.” 369 Não se pode perder de vista a importância da comprovação da identidade das vitimas para que fosse paga a indenização, mas quando uma falha no registro do nome tal o caso de Chrispim Santos em que todas as outras informações tinham comprovação não podiam esbarrar neste argumento “frágil”. Além disto, destaca-se neste caso a cor do operário, preta apontando a origem da mão-de-obra na Bahia. As outras alegações que impediram que a mesma conseguisse chegar a receber o valor indenizatório têm a ver com casos já mencionados nesta dissertação. A primeira refere-se a incompetência da Vara de Acidentes de Trabalho para onde o processo foi remetido em 1950 e que condenou a Viação Férrea Federal ao pagamento da indenização. E o segundo argumento tem como base o fato do mesmo foguista ser funcionário publico e não estar enquadrado no pessoal de Obras da Viação, estando por isto sujeito a outro estatuto recebendo, portanto uma reparação diferenciada de casos de outros trabalhadores. Outro foguista acidentado foi Estanislau Souza no dia 15 de outubro de 1948. O trabalho de foguista envolvia a tarefa de pegar a lenha e jogar na fornalha nas locomotivas o que atesta as condições de insalubridade e risco a que estavam expostos estes operários. Estanislau deu entrada na ação junto aos Feitos da Fazenda Nacional em 17 nov. 1948. Dentro do processo havia as alegações de Benício Gomes para que as causas fossem julgadas na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional justificando que desde a constituição de 1946 em seu artigo 201 que havia ficado estabelecido que de acordo com as leis de organização judiciárias anteriores a 1944, ficaria estabelecido que caberia ao juízo privativo para julgar as causas em que a União fosse interessada. Estas declarações já eram conhecidas de Benício Gomes e foram mencionadas em quase todos os processos analisados, exceto naqueles em que o desfecho foi rápido. 368 APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos, Cx. 142/141/16. 369 APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos, Cx. 142/141/16. 137 O laudo médico de Estanislau Souza datou de 19 de setembro de 1951 apesar da ocorrência do acidente em 1948. Foi constatado que Estanislau tinha 36 anos de idade era da cor faioderma, pardo, era casado e possuía instrução primária e tinha residência em Senhor do Bonfim. Apesar da função de foguista que constava no documento do Instituto Médico Legal atestando seu posto no relato acerca do seu acidente aparece Estanislau Souza desempenhando outra função. (...) trabalhando de maquinista numa composição que ia para Juazeiro, ao dar extração dagua fervendo, esguinchou-lhe grande porção da mesma no rosto, atingindo, sobretudo, o olho esquerdo. “Conclusão” A lesão do nervo óptico que o paciente conduz tem de fato etrotogia sifilítica; estava, porém latente, isto é, sem manifestar-se. Foi preciso um traumatismo, qual o que sofreu, para deflagrar o mal que sem demora anulou o olho esquerdo, do traumatizado.370 Sendo assim, concluiu-se que o acidente atuou como concausa da perda da visão sendo classificada de acordo com a tabela que estabeleceu em 31, índice 20 a lesão de acordo com o decreto 86 de 14 de março de 1935. Ao termo de audiência em que ficou estabelecido Cr. $ 18. 228 correspondentes a porcentagem de 54, 25 de 1.200 diárias de 28, 00 70% de 40, 00 como reparação de incapacidade parcial permanente como descrito no laudo, ou seja, lesão 31, índice 20 (perda total da visão de um olho). Neste caso levanta-se a hipótese de que por estar desempenhado serviço que não era sua função pudesse ter ocorrido o acidente, sendo a empresa responsável pela utilização do ferroviário em ofício distinto do seu.371 Os casos de perda ou prejuízo na visão foram os mais diversos e o depoimento das testemunhas nos apontam as possíveis causas para esses fatos. Filonídio Vieira dos Santos acidentou-se no dia 13 de outubro de 1945 quando trabalhava nas oficinas de Periperi por causa de uma limalha de ferro que lhe saltou o olho esquerdo e o depoimento das testemunhas aponta pistas para as causas do acidente. 372 A testemunha Pedro Rodrigues Apolônio, ajustador mecânicox declarou que “(...) que nas oficinas, existem óculos, porém, não chegam para todos, e para que não fiquem atrasados ao 370 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Estanislau Souza. Cx: 142/124/37. 371 Idem. 372 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: a Filonídio Vieira dos Santos. Cx: 151/98/14. 138 trabalho arriscam-se a fazer sem esta proteção”373. Havia um problema da falta de assistência e proteção para esses ferroviários no desempenho das suas atividades. No caso Filonídio mesmo com a legislação que previa que os operários deveriam estar protegidos da adversidade do trabalho em seu art. 77 e sofreriam sanções caso não cumprissem as normas o depoimento das testemunhas comprovou que as situações de riscos eram as mais variadas e que por isso os equipamentos de proteção apesar de necessários foram insuficientes, bem como eram ruins as condições proporcionadas aos trabalhadores pela Viação. Por isso, os ferroviários da Leste tiveram que recorrer a justiça, pois não viam na prática os benefícios atrelados ao funcionalismo público, apesar das “supostas” garantias. Ser funcionário público implicou em ter um Estatuto e estar garantido pelo Estado, mas esse amparo foi constantemente desacreditado nas ações judiciais, pois se entraram na justiça para ter direito ao amparo ele não existiu de fato porque o número de ações ao final dos anos de 1940 foi crescente. Além disso, não podiam fazer greves conforme já mencionado e lutaram para ter de volta seu sindicato, como mais uma maneira de lutar por melhorias em suas condições de vida. Apesar da ênfase dada aos acidentes de trabalho ocorridos no momento da realização do ofício, é válido salientar que as condições proporcionadas pela ferrovia poderia ocasionar muitas doenças profissionais. Dos casos analisados houve um único processo encontrado relacionado a doença adquirida quando do desempenho ofício. Pedro de Alcântara de Jesus se acidentou no dia 10 de agosto de 1945. O decreto 7.036 já dava garantias aos operários que adquirissem doença profissional ampliando o fato do trabalho para atividades em decorrência dele. Art. 2º Como doenças, para os efeitos desta lei, entendem-se, além das chamadas profissionais, - inerentes ou peculiares a determinados ramos de atividades -, as resultantes das condições especiais ou excepcionais em que o trabalho fôr realizado. Parágrafo único. A relação das doenças chamadas profissionais será organizada e publicada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e revista trienalmente. O foguista Pedro Alcântara de Jesus desempenhava seu trabalho nas caldeiras das locomotivas quando acabou apanhando umas chuvas e depois de alguns dias de licença 373 Idem, ibidem. 139 foi diagnosticada tuberculose pulmonar374. O exame no instituto Nina Rodrigues confirmou a doença e com base no art. 17 que regulou a passagem para incapacidade permanente tem-se que “as lesões orgânicas ou perturbações funcionais graves e permanentes de qualquer órgão vital, ou quaisquer estados patológicos reputados incuráveis, que determinem idêntica incapacidade para o trabalho.”375 Maria Elisa Lemos já havia destacado que a tuberculose era um dos maiores problemas médicos do Brasil no período e as condições de saúde da população baiana, bem como a moradia era de péssima qualidade. 376 Sem assistência do Estado buscaram na justiça o amparo através das leis, mas tiveram que lidar com os argumentos dos representantes do Estado. 4.3. Resultados das ações Após os tramites judiciais e a comprovação das lesões no Instituto Nina Rodrigues foi o momento de lidar com os argumentos intentados pelos representantes da Leste para conseguir pleitear a indenização. De um modo geral o acionamento das leis não foi ineficaz, pois a justiça proporcionou que 31 das 57 ações (cerca de 54%) fossem deferidas, isto é gerassem ganho de causa aos trabalhadores ou familiares das vítimas permitindo o recebimento das indenizações. (Conferir tabela 2 na p. 172). Segue tabela com o nome dos requerentes que por vezes eram as vítimas dos acidentes, mas quando ocorriam as mortes estes processos foram movidos pela esposa e filhos, ou por outros familiares que comprovassem a dependência financeira desses ferroviários. Muitas vezes, com base em acordos que lesavam os trabalhadores, bem como as suas famílias os processos foram encerrados evitando gastos excessivos do Estado no pagamento destas indenizações. O caso de Simão Ângelo Macedo377 foi encerrado pela aceitação de um acordo proposto pela Viação ao operário acidentado. O acordo nesse e em outros casos visou reduzir os custos que a empresa teria com o operário caso ele ganhasse a causa, beneficiando dessa forma os patrões. O acordo também permite à vítima ou à família 374 APEB. Seção Judiciária. Auto Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Alcântara de Jesus. Cx: 142/24/04. 375 APEB. Seção Judiciária. Auto Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Alcântara de Jesus. Cx: 142/24/04. 376 LEMOS. Maria Elisa. O Estado Novo e a Ofensiva médica contra a tuberculose. In: SILVA. Paulo Santos e JUNIOR. Carlos Zacarias F. de Sena. (org). O Estado Novo as múltiplas faces de uma experiência autoritária. Local: EDUNEB, 2008. 377 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Simão Ângelo Macedo. Cx: 150/147/12. 140 receberem a indenização em tempo hábil, já que a lentidão da justiça não é responsabilidade somente do patronato, há também a morosidade da burocracia estatal. Esse processo foi o que teve a finalização mais rápida em comparação com os outros mencionados nesse estudo. O acordo foi o primeiro passo para impedir o prosseguimento das ações. Em contrapartida, o processo de Manoel Rodrigues durou seis anos na justiça e de acordo com o depoimento do próprio sua incapacidade teria perdurado um mês, tempo em que recebeu seus vencimentos de modo integral sem nenhum desconto, enquanto o que a lei previa era o seguinte: Quando do acidente resultasse uma incapacidade temporária, a indenização devida ao acidentado corresponderá durante todo o período em que perdurar essa incapacidade, a uma diária igual a 70 centésimos de sua remuneração diária, calculada esta conforme o disposto no Capítulo VI, excetuados os domingos e dias feriados, e observado ainda o que dispõe o art. 27. 378. O processo foi julgado pela Vara de Acidentes de Trabalho. O juiz compreendeu que nenhum prejuízo ao operário foi causado pelo acidente de modo permanente, tendo o mesmo recebido o que tinha direito quando incapacitado para voltar a exercer o trabalho. O processo foi julgado pela Vara de Acidentes de Trabalho, mas foi inicialmente movimentado junto a Vara dos Feitos da Fazenda Nacional por conta das mudanças no modo de julgar as causas existentes no período. Diferente de outros casos mencionados não houve nesta situação nenhum questionamento de Benicio Gomes, Procurador Geral da República na época dos acidentes, a respeito da Vara de Acidente de Trabalho, vale ressaltar que tal instancia foi criada especialmente para resolver estes conflitos e que em situações onde havia problemas para interpretação da norma jurídica atuou no sentido de beneficiar os trabalhadores, daí porque grande parte das ações encaminhadas da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional para a Vara de Acidente de Trabalho foi deferida nessa segunda instância. Tanto as despesas hospitalares, como de transporte e quaisquer outras necessidades de Manoel Rodrigues não foram apuradas durante o processo, pois não existe menção ao pagamento destas despesas. No depoimento da vítima ficou apurado 378 Parágrafo único do art. 19 do decreto nº 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 22/04/2011. 141 que após ter movimentado indenização para receber pelo dano causado, foi dito pelo mesmo que recebia integralmente da empresa o salário pelo mês em que ficou acidentado. Parece contradição que depois de ter movimentado o processo tenha dado declarações de que recebia de modo integral seus vencimentos. Esse caso de Manoel Rodrigues se assemelha a outros em que o operário não conseguiu a indenização porque quando se submeteu ao exame já se encontrava curado das lesões. As declarações de Manoel no processo aparentando estar satisfeito com a empresa em vista do atendimento que recebeu da mesma. Com a difusão de ações judiciais tendo como base processos requerendo indenização foi comum que estes ferroviários entrassem na justiça para requerer seus direitos. Estes direitos, contudo, estiveram atrelados a uma série de exigências legais e tramites que poderiam garantir ou não benefícios aos trabalhadores. Estes casos em que os operários não ficaram incapacitados para o trabalho de modo permanente e continuaram acessando a justiça demonstraram que tal estratégia não foi adotada apenas quando ocorriam as mortes, mutilações e perdas de partes do corpo, mas englobou situações em que os prejuízos a saúde tiveram efeitos temporários. O campo do direito neste período foi visto como berço de onde emergiria a igualdade de oportunidades para se conseguir os benefícios tão esperados pela categoria ferroviária e que passava privações no mundo de trabalho baiano. O direito era visto como podendo nivelar estes sujeitos na arena judicial, e apesar das restrições que impôs representou um avanço em termos de formas e modos de luta da categoria ferroviária. A quantidade de ações apontou o trânsito de informações a respeito do acionamento da justiça e a busca dos direitos tão esperados pelos ferroviários. É válido compreender este consenso estabelecido nos autos do processo pondo fim ao “conflito” através do argumento de que uma vez curado não mais havia o que pagar a estas vítimas. Se a indenização estava atrelada a uma incapacidade para a volta ao trabalho, nesse caso então com a cura destes acidentados não haveria mais nenhum compromisso de fato a ser pago. Mas conforme a analise dos acidentes pode-se perceber que o tempo para que o exame nas vítimas fosse estabelecido era tão grande que quando estes se submetiam ao exame já se encontravam curados das lesões, ou já haviam morrido não chegando a receber a indenização. 379 379 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Manoel Alcântara. Cx: 151/12/06. 142 Este foi um dos argumentos dos representantes do Estado e os mesmos encontraram respaldo na visão de Manoel Rodrigues que declarou que continuou recebendo integralmente seus vencimentos após os acidentes. Contudo, é válido ressaltar que de acordo com a lei de 1944 em caso de incapacidade temporária seria válida a indenização de 70 centésimos da diária do acidentado, bem como se excedesse um ano a incapacidade, esta seria considerada permanente. Casimiro Fagundes, Domingos Moreira Guimarães, Filonídio Vieira dos Santos, Januário Agripino de Jesus, Manoel Rodrigues e Manoel Pedro Lopes, todos estes trabalhadores foram considerados curados das lesões que sofreram no exercício do trabalho. E as conseqüências destes acidentes foram desde traumatismo no tórax380 até escoriações e lesões em diversas partes do corpo a perda do dedo grande de um dos pés e ferimento no outro.381 Esta mutilação da qual foi vítima Domingos Guimarães de acordo com o laudo emitido pelo Instituto Nina Rodrigues não o prejudicaria na realização de nenhuma atividade de trabalho, sendo por isso considerada temporária. Mas, a partir do caso de Manoel Rodrigues pode-se perceber que a classificação da indenização não levou em conta as perdas e prejuízos à saúde do ponto de vista dos operários, mas de acordo com laudos médicos que tinham em vista a reprodução da força de trabalho nos espaços da ferrovia. Os trabalhadores ainda que capazes de desenvolver a atividade laborativa novamente, não se sentiram lesados pelas perdas que tiveram? Domingos Moreira Guimarães, por exemplo, teve a perda do dedo grande de um dos pés, mas foi considerado curado quando submetido ao exame. No que tange ao resultado do processo de Manoel Rodrigues que teve acidente que ocorreu no dia 08 de maio de 1945, a vítima não conseguiu a indenização a que pleiteava. As conseqüências do acidente foram escoriações nas mãos em vista do descarrilamento de trole em que vinha. O indeferimento se deu com base no argumento de que em exame realizado em período posterior ao acidente, nenhuma lesão ficou comprovada. Sendo assim, foi salientado no processo que não se excluía que o dano tenha ocorrido temporariamente. Mas que, não havendo mais nenhum dano a ser reparado, a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro nada mais deveria pagar. Outro caso refere-se a Benjamin Libório dos Santos em processo movimentado na Vara de Acidente de Trabalho em 02 de maio de 1950. E Benjamin Libório dos Santos 380 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manuel Pedro Lopes. Cx: 152/12/06. 381 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Domingos Moreira Guimarães. Cx: 151/101/62. 143 também não conseguiu a indenização, haja vista que quando realizou o exame já se encontrava curado da lesão que havia sofrido. Muito parecido com o caso de Manoel Rodrigues em que o ferroviário também ao ser submetido a exame estava curado da lesão e os mesmos motivos foram destacados para que Benjamin não recebesse a indenização. Encaminhado para a Vara de Acidentes de Trabalho o processo foi considerado improcedente e enviado para arquivamento conforme também atestou o Dr. Curador de Acidentes em 1950, Álvaro Nascimento. O Procurador da República – Benício Gomes solicitou vista nos autos, haja vista, com base na lei de organização judiciária de 1949 mais uma vez considerar a Vara de Acidente de Trabalho incompetente para julgar as questões em que o governo fosse interessado. Mas esse argumento tinha como objetivo impedir o pagamento das indenizações e evitar os danos aos cofres públicos. Apesar das alegações constantes do Procurador, não pareceu ter ficado provado que a Vara de Acidente de Trabalho era incapaz de julgar tais casos. O juiz desta, Antônio Oliveira, julgou procedente o arquivamento do processo. Não existe no processo nenhum recibo com a comprovação de que o mesmo teria recebido os seis dias em que ficou em tratamento como prevê o decreto de 1944382. A única menção é a assistência médica também uma obrigatoriedade do empregador, haja vista o que dispõe o art. 12 do decreto lei 7.036 de 1944. 383 Mas não há referencia ao pagamento dos seis dias a que tinha direito, existe um documento do juiz da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em que constou uma solicitação para que fossem anexados os recibos ou a comprovação de que haviam sido pagos os salários do ferroviário. Sendo válido salientar que Benjamin Santos, enquanto operário não deveria possuir um salário alto com base na análise dos salários de outros funcionários nesse período, somado a função que desempenhava dentro da empresa. A contradição presente na Lei de Organização Judiciária de 1949 e que possibilitou que a ação de Manoel fosse encaminhada para a Vara de Acidentes do Trabalho, permitiu que aquele processo fosse finalizado ainda que o mesmo não tenha conseguido angariar o benefício indenizatório e fora do prazo estipulado de 30 dias. 382 Art. 27 do decreto – lei 7.036 de 1944. “Nos casos de incapacidade temporária de duração inferior a quatro (4) dias, a indenização é devida apenas a partir do segundo dia que se seguir àquele em que se verificar o acidente. Quando perdurar por mais de quatro (4) dias, deverá ser paga desde o dia que suceder ao acidente.” Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 25/05/2011. 383 Art. 12 do decreto lei nº 7.036 de 1944. “O empregador. além das indenizações estabelecidas nesta lei, é obrigado, em todos os casos, e, desde o momento do acidente, a prestar ao acidentado a devida assistência médica, farmacêutica e hospitalar, compreendida na primeira a assistência dentária”. 144 Apesar de o processo ser julgado na Vara de Acidente de Trabalho, não houve questionamento por parte de Benício Gomes acerca da incompetência deste juízo para julgar estas questões, o que foi uma constante no período nos outros processos aparecendo de modo recorrente o discurso deste funcionário que atuou a serviço do Estado no sentido de impedir o pagamento das indenizações aos trabalhadores. Diferente dos processos investigados por Eduardo Luís Ferraz na Primeira República, objetivos e com resultados rápidos, os casos analisados nesta pesquisa tiveram seu desfecho depois de anos, tornando as causas lentas gerando, em inúmeros casos que as ações fossem prescritas, isto é, devido ao tempo decorrido do início do processo era como se o processo tivesse perdido sua validade. Isto ocorreu por motivos diversos, a exemplo do caso de Domingos Matos da Silva384 em que constou nos autos da ação que o mesmo não compareceu ao exame. E no caso de Olegário Gaudêncio de Souza385 onde conflito de jurisdição e disputas para julgar sobre a instância competente provocou a morosidade, resultando na proscrição da ação por não se chegar a uma definição. Os processos onde os operários foram considerados curados das lesões foram arquivados após a realização dos exames no Instituto Nina Rodrigues (12); os prescritos foram as ações onde se passaram mais de dez anos após a entrada na justiça e podia ocorrer quando não eram encontrados os beneficiários do acidentado que já teria morrido a época das ações. Nos processos inconclusos aparece o conflito de jurisdição quando teriam que ser solucionados em outra instancia após as argumentações dos autores, mas nestas fontes não constou o pagamento das indenizações e não foi possível chegar ao resultado final. Os deferidos (32) foram a maioria como se pode observar e os pagamentos foram concedidos depois de movimentados no Cartório Privativo de Acidentes de Trabalho, no qual o conflito era decidido com base nos argumentos do curador de acidentes no período Álvaro Nascimento na defesa do benefício aos ferroviários, em vista dos depoimentos de que não recebiam nenhuma outra assistência da empresa do governo. (Cf. a tabela abaixo). 384 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Domingos Matos Silva. Cx: 152/12/08. 385 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Olegário Gaudêncio de Souza. Cx: 152/12/10. 145 Tabela 6. Resultado dos Processos movidos pelos ferroviários da V. F. F. L. B Resultados dos Processos Quantidade % Arquivado 12 21,05 Arquivado/Prescrito 02 3,51 Deferido 32 56,14 Inconcluso 04 7,02 Indeferido 05 8,77 Prescrito 02 3,51 Total 57 100,00 Fonte: Processos de Acidentes de Trabalho (1926-1972), APEB, Elaborado pela autora. No caso de Durval Assis Magalhães, maquinista da Leste e em virtude da Vara de Acidente do Trabalho ter compreendido que estava comprovada a lesão sofrida pelo ferroviário no exame realizado a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro foi condenada pelo juiz da Vara de Acidentes de Trabalho a pagar a indenização de CR$ 15. 624,00 quinze mil seiscentos e vinte quatro cruzeiros ao maquinista acidentado. De acordo com o decreto de 1944 em seu art. 18 § 1º Quando do acidente resultar uma incapacidade parcial e permanente, a indenização devida ao acidentado variará, em proporção ao grau dessa incapacidade, entre três (3) e oitenta (80) centésimos da quantia correspondente a quatro (4) anos de diária, observado, quanto a esta, o disposto no parágrafo único do artigo 19. No laudo do exame realizado em Durval Assis sua lesão foi classificada de acordo com a gravidade provocada pela mesma. “Temos que tal lesão, a não ser por operação cirúrgica, é irreversível e, portanto permanente.” 386 A publicação do decreto nº 86, de 14 de Março de 1935 estipulou tabelas para classificação das lesões provocadas pelos acidentes de trabalho, para que a partir disto fosse realizado o cálculo da indenização. E a empresa foi condenada a pagar o referido valor pelo acidente de trabalho sofrido pelo ferroviário junto ao cartório dos Feitos de Acidente de Trabalho. Contudo, em um agravo de petição, “cabível das decisões proferidas no processo de execução, sendo apropriado contra qualquer decisão na execução, após julgamento 386 APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães, Cx. 152/04/01. 146 dos embargos do executado”387. Citado no decreto de 1944 em art. 64 e do art. 32 do Código do processo civil foi permitido que nestes casos o Procurador da República recorresse da decisão.388 Nesse sentido, Benício Gomes em uma longa exposição de argumentos justificou os motivos pelos quais aquela instância não poderia ter julgado a ação movimentada por Durval. Os argumentos iam desde os primórdios da Constituição de 1891 até as leis de organização judiciária anteriores a de 1949 vigentes na ocasião do acidente e que foram mencionadas no processo visando embasar os argumentos de invalidez do que havia sido determinado pela Vara de Acidente de Trabalho. Tabela 7. Instância Jurídica dos processos de acidentes de trabalho (1926-1952) Esfera - Entrada dos Processos389 Quantidade % Cartório Privativo dos Feitos de Acidentes de Trabalho 16 28,07% Juízo de Direito da 1º Vara Cível 02 3,51% Juízo Federal do 2º Ofício 01 1,75% Tribunal Federal de Recursos 01 1,75 Vara dos Feitos da Fazenda Nacional 37 64,91% Cartório do 1º Ofício dos Feitos Cíveis e Criminaes 01 1,775 Total 57 100,00 Fonte: Processos de Acidentes de Trabalho, APEB, elaborado pela autora. A tabela abaixo leva em consideração os Processos Deferidos. Inclui-se um processo classificado como prescrito, mas que teve seu pleito concedido anteriormente. 387 Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acessado em: 24/04/2011. Art. 64 do decreto 7.036 de 1944. “Das sentenças finais proferidas nas ações de acidente do trabalho caberá. como único recurso, o agravo de petição, o qual terá preferência no julgamento dos tribunais. Parágrafo único. O prazo para a interposição de recurso será de 5 (cinco) dias e começará a correr do dia da publicação da sentença em audiência, para a qual serão intimadas as partes.”Código do Processo Civil decreto nº 1.608 de 18 de setembro de 1939. Art. 32. “Aos representantes da Fazenda Pública contar-seão em quádruplo os prazos para a contestação e em dobro para a interposição de recurso.” Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 24/04/2011. 389 Consideramos como esfera de entrada dos processos o local onde foi feita a primeira entrada que foi definido com base na data mais antiga. 388 147 Tabela 8. Concessão de Indenizações segundo a Instância Jurídica dos processos Vara - Concessão de Indenização Quantidade % Cartório Privativo dos Feitos de Acidentes de Trabalho 25 75,76% Juízo de Direito da 1º Vara Cível 2 0,06% Vara dos Feitos da Fazenda Nacional 4 12, 12% Não Identificado 2 6,06% Total 33 100,00 Fonte: Processos de Acidentes de Trabalho, APEB, elaborado a partir de dados da pesquisa. De acordo com o decreto de 1944 em seu art. 64, ao agravo de petição apontou que isto tinha que ocorrer em cinco dias, o que não se verificou. Após o prazo legal estipulado, Benício Gomes recorreu da decisão e voltou a ressaltar que a mesma lei de organização judiciária de 1949, em seu inciso IX, alínea a), determinava que na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional caberia “1- processar e julgar: a) os feitos em que a União for autora ou ré, assistente ou opoente, bem como aqueles em que o forem as autarquias federais.”390 Chamou atenção para as leis de organização judiciária anteriores a 1949, e para o que pregou a Constituição Federal de 1946 também em consonância com as constituições anteriores. Por conseqüência, nos casos de acidente em que interessada a União, a competência privativa é da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional e no que a União não tenha interesse, a competência será, em regra, do juiz cível do local onde se verificar. E de outro modo, repita-se, (...) 391. É válido salientar que foi possível elaborar uma lista com alguns dos decretos e leis mencionados por Benício Gomes para atestar que a Vara dos Feitos da Fazenda Nacional era a única que possuía foro privativo para julgar as causas em que a União estivesse interessada. A Constituição de 1937 em seus artigos 108 e 109, a Constituição de 1946 em seu artigo 201 e o Código do Processo Civil Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de Setembro de 1939 respectivamente listados abaixo. 390 Lei de Organização Judiciária de 1949. Disponível em www.jusbrasil.com. br. Exposição do Procurador da República, Benício Gomes, na ação movida por Durval Assis Magalhães. Cx: 152/04/01. 391 148 Art. 108. As causas propostas pela União ou contra ella serão aforadas em um dos juizes da Capital do Estado em que fôr domiciliado o réo ou o autor. Paragrapho unico. As causas propostas perante outros juizes, desde que a União nellas intervenha como assistente ou oppoente, passarão a ser da competencia de um dos juizes da Capital, perante elle continuando o seu processo. Art. 109. Das sentenças proferidas pelos juizes de primeira instancia nas causas em que a União for interessada como autora ou ré, assistente ou oppoente, haverá recurso directamente para o Supremo Tribunal Federal. Art. 201. As causas em que a União, fôr autora serão aforadas na capital do Estado ou Território em que tiver domicílio a outra parte. As intentadas contra a União poderão ser aforadas na capital do Estado ou Território em que fôr domiciliado o autor; na capital do Estado em que se verificou o ato ou fato originador da demanda ou esteja situada a coisa; ou ainda no Distrito Federal. § 1º As causas propostas perante outros juízes, se a União, nelas intervier como assistente ou opoente, passarão a ser da competência de um dos juízos da capital. § 2º A lei poderá permitir que a ação seja proposta noutro fôro, cometendo ao Ministério Público estadual a representação judicial da União. Art. 143. Nas causas propostas pela União ou contra ela, o foro competente será o da capital do Estado em que for domiciliado o réu ou o autor. A tradição foi um dos argumentos intentados por Benício Gomes para evitar o pagamento da indenização ao maquinista. Ele chamou atenção para a questão do costume da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional ser a responsável e competente para julgar os casos de interesse da União. Estas justificativas serviram tão somente para impedir que as causas fossem ganhas pelos trabalhadores, evitando-se assim os prejuízos ao Estado. Benício alegou que de modo costumeiro as ações foram julgados por essa instância não se adequando às mudanças previstas a partir da ambigüidade das leis o que não interessava ao Estado ter despesas com indenizações. A argumentação do Procurador segue abaixo: Qual, pois, desses dois dispositivos da mesma lei 175 cujo choque é evidente, o que prevalecerá: o que, preceitua, na conformidade da tradição jurídica, ser o juízo da Vara da Fazenda Nacional, (que é o da Fazenda Pública Federal), o privativamente competente para processar as causas em que a União seja interessada, inclusive, já que se vê as de acidente de trabalho? Ou o que contrariando aquela tradição, diz caber ao Juiz da Vara de Acidentes a competência para processar e julgar as causas de acidente de trabalho, mesmo as que interessada a Fazenda Pública.392 392 APEB. Salvador. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx: 152/04/01. 149 Até o valor determinado para pagar o ferroviário acidentado foi questionado por Gomes afirmando que não caberia a indenização de CR$ 15. 624, 00 cruzeiros tomando-se como base 24, 00 cruzeiros ao dia, máximo legal permitido pelo decreto de 1944 393 . Com base neste salário Benício Gomes encontrou um valor de CR$ 13. 593, 60 tendo como limite de CR$ 24,00 para cálculo de indenização de acordo com o estabelecido pelo art.44 da lei 7.036. Contudo, o representante da Curadoria da Vara de Acidentes de Trabalho informou que de acordo com a regulamentação de 1948 o valor máximo para cálculo de indenização teria aumentado para CR$ 40, 00 cruzeiros.394 Como supor que o Procurador ciente de toda a legislação de que lançou mão para justificar que o julgamento fosse realizado pela Vara dos Feitos da Fazenda Nacional, desconhecia as alterações na lei especial que regulou os acidentes de trabalho? No caso de Durval Assis chama à atenção a verdadeira disputa judicial para julgar sobre quem era “competente” 395 para julgar a ação movida por este operário. Basicamente, o conflito de jurisdição envolveu a Vara de Acidentes de Trabalho e a Vara dos Feitos da Fazenda Nacional e visou invalidar a decisão do primeiro tribunal com base em diversos argumentos fundamentados nas próprias leis. A decisão do juiz do Cartório de Acidentes de Trabalho foi invalidada pelo Tribunal Federal de Recursos onde os magistrados consultados compreenderam que o maquinista era um funcionário permanente e imprescindível na Viação, portanto, funcionário público que não poderia pleitear indenização com base no decreto 7.036, pois que recebia assistência estatal. Este foi representativo de vários outros como, por exemplo, o de Crispim Santos, foguista, uma vez que a sua esposa também não conseguiu a indenização por conta do seu marido ser considerado já assistido. Mas de acordo com o depoimento das vítimas e das testemunhas esta assistência foi questionável e o número de processos movidos no período comprova isto. Este conflito foi citado diversas vezes nos processos do período que foram analisados neste estudo sendo recorrente o fato do desenrolar impedir ou atrasar o pagamento das pensões aos trabalhadores, em caso de ganho de causa por eles, o que 393 Art. 44 do decreto - lei 7.036 de 1944. “Nenhum salário poderá exceder de quarenta cruzeiros (Cr$24,00) por dia para o efeito do cálculo das indenizações.” Disponível em www.camara.gov.br. 394 Art. 44 do decreto Lei nº 599-A, de 26 de Dezembro de 1948. “Nenhum salário poderá exceder de quarenta cruzeiros (Cr$40,00) por dia para o efeito do cálculo das indenizações.” Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 2 395 Esta competência segundo a leitura do processo refere-se a utilização da maneira correta da legislação que regula os acidentes de trabalho, pois uma série de decretos vinham ratificar algum já existente e dando margem a que houvesse mais de uma possibilidade de julgamento. 150 nem sempre ocorria tal como foi o caso de Durval Assis que ficou sem a indenização devido ao argumento que enquadrava este maquinista como trabalhador da União. O processo de Durval Assis Magalhães apontou os sujeitos que compunham o teatro judicial quando ocorriam os acidentes de trabalho. Para tomar parte na audiência foram intimados o “(...) o diretor da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, do autor, residente em Periperi, ao Dr. Procurador da República e do Dr. Adjunto de Promotor. (...)” 396 . Diretor da Viação, curador, promotor, Procurador da República, vítimas, testemunhas, todos esses sujeitos atuaram dentro dos processos visando atender os seus interesses, mas vale salientar que a postura variava bastante a depender das situações específicas de acidentes de trabalho. Não havia padronização apesar de a lei ser única, cada processo foi julgado de modo distinto por conta da ambigüidade normativa, o que gerou inúmeros conflitos em virtude das diferenças nos casos. Por vezes ações movimentadas após 1948 quando houve retificação da lei de acidentes, tiveram cálculo das indenizações baseado no decreto de 1944. A possibilidade dos casos citados serem julgados tanto por um Tribunal como pelo outro descreve com ênfase a análise do processo de Durval e outros tantos movimentados no período. Durante o desenrolar da ação de Magalhães, o representante da Leste, o Dr. Afonso Maciel Neto afirmou que a Viação Férrea Federal não podia pagar a referida indenização ao operário, pois este era regido por outro Estatuto, o dos funcionários públicos. Sendo assim, não poderia ser julgado pelo Juizado da Vara de Acidentes do Trabalho, e sim pelo Juizado dos Feitos da Fazenda Nacional. O segundo foi considerado o órgão competente para julgar a ação movida pelo ferroviário, segundo o Dr. Afonso Maciel. Esta determinação esteve baseada como já citado anteriormente na modificação presente no decreto de 7.523 de 1945 excluindo da indenização os funcionários e extranumerários da União, mesmo que esses não fossem amparados pelo Estado. E o maquinista da Leste segundo Maciel se encaixava nesse perfil não podendo pleitear receber de duas maneiras a assistência necessária em caso de acidentes já estando o mesmo atendido de acordo com o estatuto dos funcionários públicos. Edinaldo Souza destacou a ambigüidade da legislação e as brechas que possibilitaram 396 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx: 152/04/01. 151 estas dúvidas no que tange a devida competência no julgamento do processo para os casos de conflito trabalhista. 397 No caso de Manoel Rodrigues que não conseguiu a indenização o processo foi curto e não foi necessária uma interferência da natureza do caso de Durval Assis como analisado anteriormente onde após a decisão judicial Benício Gomes recorreu da decisão. Mas Manoel Rodrigues foi considerado curado e não teve incapacidade permanente comprovada como Durval, sendo assim, a ação do primeiro logo foi finalizada, enquanto a do segundo permaneceu desenrolando na justiça até que a Vara de Acidentes de Trabalho procedesse a sentença favorável, ainda que posteriormente invalidada. O processo foi arquivado e nem Manoel Rodrigues e nem Durval Assis Magalhães conseguiram o pagamento que desejavam, além de outros ferroviários e suas famílias conforme pode-se observar nas tabelas. Vale salientar que nos dois casos o Juizado da Vara de Acidentes de Trabalho julgou as questões, apesar da disputa interna na interpretação da jurisprudência no período. Não se pode perder de vista para além deste conflito de jurisdição as motivações para as ações movimentadas por estes trabalhadores para que se fizessem cumprir a lei e para receberem a indenização, conforme era seu direito. Houve disputas na justiça em torno do caso de Durval Assis que se prolongaram por vários anos, mas por ora vale dizer que este ferroviário, bem como os outros sujeitos mencionados ao longo do texto, lutaram pela efetivação do seu direito, tentando obter o pagamento da indenização. A diferença no processo de julgamento dos casos movimentados quase no mesmo período final da década de 1940 por operários da mesma empresa aponta variações de acordo com a ambigüidade e possibilidades de julgamento que prorrogaram na justiça a resolução dos casos e o pagamento da indenização. A luta pelos direitos destes ferroviários foi travada no campo judicial e estava relacionada as dificuldades de sobrevivência daqueles que necessitavam da renda para manter a sua subsistência e da sua família. No caso de Nicolau Santos que perdeu a visão enquanto desempenhava suas funções no dia 13 de agosto de 1948 e em vista disso ficou incapacitado parcial e 397 SOUZA, Edinaldo. SOUZA, Edinaldo Antonio Oliveira. Lei e Costume experiências de trabalhadores na justiça do trabalho 1940-1960. 2008. Dissertação (Mestrado em História). UFBA, Salvador, 2008. 152 permanentemente por ter perdido completamente a visão do olho esquerdo o mesmo conseguiu a indenização a que pleiteava. O Dr. Curador de Acidente Álvaro Nascimento compreendeu que a indenização que Nicolau tinha direito equivalia a “(Cr. $ 12. 899,25), correspondente a 47, 25% de 1.200 diarias de Cr. $ 22, 75 (70% de Cr. $ 32, 50), como indenização pela incapacidade parcial permanente”. O diretor da empresa neste momento Joaquim dos Santos Pereira mais uma vez atestou o caráter de extranumerário do funcionário Nicolau Santos. Somou-se a este argumento o de que desde novembro de 1948 até abril de 1949 o mesmo ficou recebendo seus vencimentos de modo integral pelo acidente que foi vítima. E que se não estivesse encaixado na categoria de extranumerário receberia Cr $ 2.772 cruzeiros pela indenização a que fazia jus. 398 Estes foram os argumentos patronais visando invalidar essa ação. A resposta do curador das vítimas de acidentes de trabalho evidenciou o seu entendimento das leis apesar do que regia o decreto de 1945 que alterava o disposto no decreto de 1944 ao excluir do benefício da indenização os empregados da União e extranumerários em seu art. 76 modificado posteriormente. A compreensão que possuiu a respeito deste processo era de que Não valem porem os textos da lei pela sua frieza, si não pela vitalidade que dimana da sua ação (...) Não basta, portanto, a ré alegar doce e simplesmente que a vítima era seu funcionário ou extranumerário, dado que servia a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, que é um serviço a cargo da União. Não, o que lhe cabe demonstrar, é que esse funcionário, ou extranumerário, está sujeito ao regime estatutário, que lhe assegura aposentadoria e pensão. Não haveria de passar pela mente dos representante da União, que, se ele promove meios de amparar, contra riscos de acidente, os empregados de qualquer empresa, apenas os seus ficassem desamparados.Logo, a alternativa para a União ou a de pagar a indenização, ou assegurar a pensão (...) também o Egrégio Supremo Tribunal Federal decidiu que o ferroviário extranumerário goza do benefício da lei de acidentes.399 A condenação ao pagamento ocorreu em 11 de dezembro de 1951 dois anos após o ocorrido, mas a sentença foi clara quanto ao ganho de causa por Nicolau Santos. Quanto a interferência do Supremo Tribunal Federal este foi requisitado nestes casos em que existiu conflito de jurisdição e decidiu pela competência da Vara de Acidente de Trabalho para julgar estas questões, apesar de ter invalidado o processo de Durval. O 398 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Nicolau Santos. Cx: 152/ 06/50. 399 Idem, ibidem. 153 Procurador da República ainda tentou recorrer da decisão, que foi julgada improcedente nos autos do caso. Como se percebe as situações distintas produziu resultados diferentes, pois eram interpretados e julgados por variados sujeitos. Após, proferida a sentença onde se beneficiou o ferroviário Nicolau Santos o Procurador da República ainda tentou recorrer a Segunda Turma com uma petição de agravo, o que foi negado novamente por unanimidade de votos. Sendo assim, a Viação Férrea Federal ficou obrigada a pagar a indenização pleiteada no valor CR$ 12. 899, 20 cruzeiros somados aos juros contados da data do início do processo e a todas as despesas assumidas durante a ação, num montante final de CR$ 17. 792, 10. No termo de quitação aparece CR$ 10.00 como valor indenizatório deduzidos de 2.899, 20 destinados à Caixa de Aposentadorias e Pensões para efeito de um aumento no recebimento das pensões por este ferroviário. O acréscimo na pensão foi regido pelo art. 22 do decreto de 1944.400 Neste caso em que a Segunda Turma do Superior Egrégio julgou improcedente a ação de nulidade imposta pelo Procurador, e foi mencionada dentro do processo a condição precária vivenciada pelos trabalhadores de turma. Este aspecto foi destacado pelo Juiz que julgou o caso justificando que “a Ré, simplesmente aquela condição de “extranumerário”401, com o qual vem rotulado todos os seus servidores que trabalham na Leste Brasileira, mesmo os de condição mais humilde, como seja o trabalhador de turma (serviço de conserva) tal como acontece na hipótese dos autos. Mas nem todos os magistrados tiveram este entendimento no período o proporcionou as diferenças nos casos mencionados. A exposição do Procurador da República Benício Gomes destacou que Nicolau não fazia parte do pessoal de obras, únicos excluídos das “vantagens” do Estatuto dos Funcionários Públicos de acordo com o decreto de 1944 e sua reformulação de 1945. Em outros casos o Supremo Tribunal considerou que se os operários não possuíam nenhuma outra assistência por este Estatuto caberia a indenização nestes casos, sendo válido o contrário caso fosse comprovado que os operários recebiam assistência. A lei não era de todo ineficaz, pois Nicolau Santos trabalhador de turma recebendo salário em forma de diária consegue a indenização após perder a visão e ficar 400 Art. 22 do decreto – lei 7.036 de 1944. “Uma vez que exceda a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), a indenização que tiver direito o acidentado, nos casos de incapacidade permanente, ou seus beneficiários, no caso de sua morte, será destinada à instituição da previdência social a que êle pertencer, para o fim de ser concedido um acréscimo na aposentadoria ou pensão.” 401 APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Nicolau Santos. Cx: 152/ 06/50. 154 permanentemente incapacitado para o serviço. Apesar das alegações de que o mesmo era funcionário público os magistrados que compuseram o Supremo Tribunal compreenderam que nenhum outro atendimento era prestado a Nicolau e que por isso o mesmo teria direito a receber a indenização. Os argumentos utilizados pela Curadoria de acidentes para que Nicolau tivesse direito a indenização perpassaram o fato do não recebimento da pensão alegada pela Caixa dos Ferroviários, muito menos pensão especial a ser recebida nestes casos. Como o recebimento dos benefícios do ‘regime estatutário do funcionalismo público’ não ficou comprovado para Nicolau Santos ficou determinado o pagamento da indenização a que pleiteava ainda que o operário tivesse esperado anos para que a lei fosse cumprida. Nicolau acidentou-se em 1948, contudo somente em 1954 conseguiu a indenização contestada. Com uma vida de privações dada a ausência de visão no lado esquerdo, e as duras condições do período onde os salários permaneceram congelados, mas, os preços dos alimentos na Bahia aumentaram significativamente devido também ao chamado esforço de guerra que proporcionou que sua possibilidade de voltar a produzir e cuidar da sua subsistência fosse bastante difícil a situação dos ferroviários complicou-se sendo as indenizações uma forma de garantir a sobrevivência. Conforme atestou o laudo médico Nicolau sofreu de “abolição completa da visão esquerda”, prejudicando seu desempenho para outros ofícios na sociedade de Salvador. Prejudicado de modo permanente as condições para sua inserção no mercado de trabalho era provavelmente muito difícil. A indenização só chegava após anos de tramitação na justiça prolongados pelos conflitos gerados para saber quem era competente para julgar as causas de acidente de trabalho. Deste modo, o acidente que provocou inúmeras interrupções no trabalho proporcionou o agravamento das dificuldades de sobrevivência dos trabalhadores, pois os mesmos tiveram que aguardar muito tempo pelos trâmites judiciais e pelo pagamento da indenização que nem sempre conseguiram. A incerteza do resultado dos processos judiciais criou um clima de instabilidade refletindo no campo judicial as tensões entre patrões e empregados no mundo de trabalho. As mudanças nas leis de acidente de trabalho representaram avanços em relação ao período anterior, mas as estratégias utilizadas pelos patrões para impedir que os ferroviários conseguissem a indenização baseavam-se nas próprias leis. A ambiguidade da legislação e a interpretação que fizeram os sujeitos interessados em atender os seus 155 interesses mostraram as lutas no campo judicial para que as leis tivessem uma aplicabilidade real nos casos concretos que visou atender. 156 CONSIDERAÇÕES FINAIS O período compreendido nesse estudo foi marcado por conjunturas diversas e analisado por historiadores (as) distintos, estando muito longe de produzir um consenso. O debate e a amplitude de informações desveladas a partir das investigações recentes que tiveram como enfoque as realidades locais trouxeram aspectos da classe trabalhadora que não eram anteriormente contemplados pela historiografia. Nesse sentido, essa pesquisa pretende dar contribuições para as discussões acerca dos trabalhadores baianos, os ferroviários, no período entre os anos de 1932-1952 tomando como ponto de partida suas experiências enquanto trabalhadores. Os ferroviários vivenciaram condições deploráveis de trabalho durante o período analisado, pois, a mudança da gestão patronal ocorrida após a greve de 1935 não trouxe melhorias significativas, apesar da expectativa criada. Esta situação foi justificada pelo diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de Freitas por conta de uma ausência de recursos para investir na melhoria do tráfego e para renovação das máquinas e equipamentos após a entrada do Brasil na 2º Guerra Mundial. Mas em depoimentos de ferroviários nos jornais da época as queixas foram freqüentes, alegando que a deficiência da empresa já era algo sentido mesmo antes da deflagração da guerra. Nesses relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro Lauro de Freitas tratou de isentar o Estado da responsabilidade por essa carência nos serviços de transporte ao culpabilizar a empresa francesa pela situação. É válido ressaltar, no entanto, que o mesmo também era diretor da Companhia no período da administração francesa. Essa postura vacilante de Lauro de Freitas parece indicar que ele soube atuar visando beneficiar-se após essa mudança no jogo de forças de então. A análise das fontes apontou que a passagem das estradas de ferro para as mãos do governo brasileiro não representou garantias de mudanças efetivas nas condições de vida destes trabalhadores, que continuaram a publicar suas queixas nos jornais da época, entre eles, O Momento. As denúncias giravam em torno de melhorias nas condições de trabalho, alimentação, saúde, moradia, na perspectiva de valer direitos já garantidos, porém desrespeitados durante o Estado Novo deflagrado por Getúlio Vargas como, por exemplo, o pagamento das horas extras, bem como a garantia de assistência médica que 157 muitas vezes foi dificultada pela baixa quantidade de médicos e de materiais disponíveis para a prestação de socorros. Para efeito de exame comparativo foram analisados processos localizados não apenas no período a que se refere este estudo, mas a existência de autos cíveis antes de 1932. Estas comparações foram feitas no sentido de perceber quais as modificações nas leis e decretos relacionados aos acidentes de trabalho, ao lado da análise da ação da experiência dos sujeitos envolvidos nos casos em toda a sua multiplicidade de aspectos. Este recuo no tempo permitiu conhecer os detalhes modificados nos artigos desde a primeira lei 3. 724 de 15 de janeiro de 1919, passando pelo decreto de 1919 com suas alterações introduzidas durante as décadas de 1930 e 1940. Não era a ausência de leis e decretos que regessem a matéria relacionada aos acidentes de trabalho que impossibilitava a indenização, mas a ambigüidade desses regulamentos que prorrogaram por anos na justiça os casos de acidentes. As leis proporcionavam todo um esclarecimento baseado na jurisprudência do período para negar direitos existentes, anteriormente. Desta forma, este estudo apontou para a precariedade da assistência médica e previdenciária a estes trabalhadores acidentados, bem como a morosidade para a resolução desses casos. Conflitos de jurisdição e mudanças nas formas de julgar os casos de acidente marcaram o final dos anos 40 até meados da década de 1950 e este foi um fator recorrente nos processos. Ações judiciais foram movimentadas pelos ferroviários buscando fazer uso das leis e decretos existentes sobre a matéria relacionada a acidentes de trabalho e garantir o direito de indenização e da própria sobrevivência em um período considerado de crise econômica. Na impossibilidade de fazer greves por serem funcionários públicos os ferroviários baianos não deixaram de atuar em outras frentes recorrendo à justiça para garantir seus direitos. Os representantes públicos no poder, muito longe de serem aliados dos trabalhadores, procuraram inviabilizar o pagamento das indenizações com base no argumento de que os mesmos já eram assistidos pelo Estado. Contudo, foram inúmeras as denúncias de trabalhadores de que essa assistência inexistia, por isso as vítimas e suas famílias entravam na justiça para tentar receber algum auxílio por conta das tragédias ocorridas nos trilhos e oficinas da Leste. Nem sempre os ferroviários puderam entrar na justiça para garantir as indenizações, haja vista muitos terem perdido suas vidas no desempenho do trabalho. 158 As leis não podem ser analisadas olhando-se apenas as intenções dos legisladores sem perceber como as mesmas foram recepcionadas pelos trabalhadores. Esta pesquisa abre margem para o estudo acerca das disputas em torno da criação das leis pelos legisladores, apontando como os mesmos elaboraram os seus argumentos visando atender os seus interesses. Vislumbramos, assim, outras possibilidades de pesquisa a partir do trabalho com a História Oral, reconstituindo a trajetória militante desses trabalhadores, bem como analisando a atuação do Partido Comunista junto à organização dos ferroviários baianos. Além disso, as fontes judiciais analisadas são muito ricas e permitem abordar múltiplas questões relacionadas à experiência desses trabalhadores. Além disso, também possibilita a investigação das particularidades da influência do Centro Operário Beneficente de Alagoinhas sob a direção de Vitório Pitta, bem como sobre a atuação da Sociedade 8 de maio durante a década de 1940. Esta pesquisa pretende contribuir com a historiografia do Brasil e da Bahia, enriquecendo o debate sobre o período e trazendo à luz formas de resistência e sociabilidades do operariado baiano. A ampliação das fontes e da bibliografia certamente trará novas contribuições ao tema. Conclui-se que os ferroviários baianos se constituíram numa parcela ativa do movimento operário do período de 1932-1952, buscando organizar-se pelas suas reivindicações e direitos em torno das suas associações e movimentando ações de acidentes de trabalho através da justiça. 159 FONTES Arquivos e Instituições Consultados: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Arquivo Público Municipal de Alagoinhas (APMA). Fundação Iraci Gama (FIGAM). Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Fontes Impressas: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB): Ações de acidentes de trabalho entre 1926 a 1952. Requisições e solicitações de pagamento entre 1942 e 1948. Biblioteca Central do Estado da Bahia (BPEB): Setor de Livros Raros: Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro de 1935 a 1949. Setor de Jornais Raros: O Momento (1945 a 1949) Diário de Notícias (1932 a 1940) Diário da Bahia (1932 a 1940) O Imparcial (1932 a 1940) Correio Trabalhista (1946) Correio de Alagoinhas (1940 a 1946) Nossos Dias (Sem data) O Alarma (1932) 160 Acervo do Projeto: Outros documentos: Memórias BARROS, Salomão A. Vultos e Feitos do Município de Alagoinhas (memórias). Salvador, Ed. Do Autor, 1979. (Acervo do Projeto). Leis e decretos: Código Civil de 1916. Constituição de 1934. Constituição de 1937. Constituição de 1946. Entrevistas: Leopoldo Cardoso de Jesus. Realizada em 23/8/2010; duração: aprox. 72 min. Antônio Ferreira da Silva. Realizada em 23/08/2010; duração: aprox. 45 min. Joel Lage. Realizada em 2006; duração: aprox. 100 min. Acervo do projeto "Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia 1858-1964". Fontes acessadas em meio eletrônico: Site da Câmara Federal: www.camara.gov.br Site do TRT5: www.trt5.jus.br Site do TST: www.tst.jus.br Site do TJ: www.tj.ba.gov.br 161 BIBLIOGRAFIA ARAVANIS, Evangelia. Um olhar sobre os processos de acidentes de trabalho no Rio Grande do Sul (1934-1950). Revista do Corpo Discente do Programa de Pós – Graduação em História da UFRGS. Rio Grande do Sul: Ed. da UFRGS. Número 4. Volume 2. Novembro de 2009. BATALHA, Cláudio et al. Culturas de classe. Campinas: Editora da UNICAMP/ CECULT, 2004. BRITO. Jailton. A abolição na Bahia: 1870- 1888. Salvador: CEB- UFBA, 2003. CAMELO FILHO, J.V. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro. 2000. Tese (Doutorado em Economia). Faculdade de Economia, UNICAMP, Campinas, 2000. CASTELLUCCI, Aldrin. Industriais e Operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921). Salvador: Fieb, 2004. CASTELLUCCI, Aldrin. 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