UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA
RAFAELA GONZAGA MATOS
EXPERIÊNCIAS DE FERROVIÁRIOS E LEGISLAÇÃO
TRABALHISTA NA BAHIA (1932-1952)
Feira de Santana
2011
RAFAELA GONZAGA MATOS
EXPERIÊNCIAS DE FERROVIÁRIOS E LEGISLAÇÃO
TRABALHISTA NA BAHIA (1932-1952)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós–
Graduação em História, Mestrado em História da
Universidade Estadual de Feira de Santana, como
requisito para obtenção do grau de Mestre em
História Social.
Orientador: Profº Dr. Iraneidson Costa.
Feira de Santana
2011
RAFAELA GONZAGA MATOS
EXPERIÊNCIAS DE FERROVIÁRIOS E LEGISLAÇÃO
TRABALHISTA NA BAHIA (1932-1952)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós– Graduação em História, Mestrado em
História da Universidade Estadual de Feira de Santana.
Aprovada em 31 de agosto de 2011.
Banca Examinadora
Iraneidson Costa – Orientador______________________________________________
Doutor em História Social pela Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal da Bahia
Aldrin A. S. Castellucci___________________________________________________
Doutor em História Social pela Universidade Federal da Bahia
Universidade do Estado da Bahia
Maria Elisa Lemos_______________________________________________________
Doutora em História Social pela Universidade Federal de Pernambuco
Universidade do Estado da Bahia
À minha avó Antônia Barros Gonzaga, pelo amor e dedicação de uma vida.
AGRADECIMENTOS
Expressar em palavras todo o apoio e ajuda que recebi durante este tempo é
difícil. Sem o apoio e solidariedade que recebi não seria possível terminar este trabalho.
Essa dissertação é dedicada a minha querida avó e mãe Antônia Barros Gonzaga que
infelizmente não está fisicamente presente para partilhar as conclusões desse estudo.
Aos meus pais, em especial à minha mãe, Joselita Gonzaga Matos, reconheço todo o
esforço que fez e faz pela minha realização. Obrigada pelo apoio incondicional. Ao meu
irmão Mateus pela paciência e pelo auxílio nas transcrições de algumas entrevistas.
Muito Obrigada!
Agradeço às contribuições de Iraneidson que, além de ser meu orientador, tornouse um amigo. À professora Elizete da Silva, minha eterna orientadora. Sua dedicação e
compromisso são admiráveis. A Eurelino Coelho, pelo empréstimo de livros, pelas
dicas e pela disposição em ajudar sempre.
Agradeço também ao professor Francisco Antônio Zorzo pelos textos,
documentos e fichamentos que me disponibilizou. Ao professor José Camelo Filho,
mais conhecido como Zuza, que com carinho e atenção, se dispôs a discutir meus textos
e pesquisas. No tirocínio que realizei com a professora Maria Aparecida Sanches pude
trocar experiências e eu agradeço as contribuições e sugestões de leitura.
Ao professor e amigo Robério Souza, sempre disponível à leitura dos meus
textos. À professora Maria Elisa Lemos pelas informações acerca dos processos. A
Emmanuel Oguri que se dispôs a conhecer essa pesquisa e a dar sugestões.
Aos sujeitos dessa pesquisa, os ferroviários, que me concederam entrevistas,
Leopoldo Cardoso de Jesus e João Ferreira da Silva. Não tenho como expressar a
satisfação em ter ouvido as suas histórias.
Às minhas tias Antônia e Raimunda, e especialmente às suas famílias em Salvador
que, além de me acolherem por longos períodos em suas casas, cuidaram de mim como
uma filha. Muito obrigada!
À minha tia em Alagoinhas, Celiane, dedicada e amorosa, que me ajudou até na
busca dos meus entrevistados. E nesta procura foi de fundamental importância a ajuda
de Maria, também conhecida como Maroca. Maria dispôs do seu dia para ir comigo até
a casa de vários ferroviários em Alagoinhas, bem como até a Associação dos
Ferroviários.
Aos meus amigos/as pelas palavras de incentivo. Aos funcionários dos arquivos,
em especial, Seu Luís da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, pela gentileza e ajuda
constante em todas as minhas visitas a essa instituição. Aos funcionários do Arquivo
Público do Estado da Bahia, em especial a Djalma, por me auxiliar na busca dos
documentos. Aos amigos/as do Laboratório de Memória da Esquerda e das Lutas
Sociais (LABELU), apesar de ter estado freqüentemente “ausente”, esse trabalho tem a
essência de vocês por terem me ensinado o valor da solidariedade e das discussões em
grupo.
Preciso agradecer individualmente ao meu amigo David pelas indicações de
leitura, pela digitalização de documentos, pela leitura e pelas palavras amigas nas horas
difíceis. A Luciane, Darliton, Ludymilla, Manuela, Flaviane, Mayara e Leonardo pelas
contribuições e disponibilidade. Agradeço a Ísis, especialmente: sem sua ajuda nas
digitalizações dos processos de acidentes de trabalho eu não conseguiria fazer o
levantamento no tempo necessário. Obrigada pela sua disposição e solidariedade. A Ana
Patrícia, pelo auxílio em todo o percurso dessa trajetória.
Agradeço aos funcionários do mestrado, em especial, a Julival que, com paciência
e atenção, sempre me ajudou a resolver os meus diversos problemas de ordem
burocrática.
Agradeço à FAPESB e à CAPES, instituições de pesquisa que possibilitaram que
este estudo pudesse se concretizar.
RESUMO
A dissertação visa discutir a legislação trabalhista na Bahia e a experiência ferroviária
entre os anos de 1932 e 1952. Com base em estudos realizados sobre as greves
ferroviárias na Bahia durante a década de 1930 pode-se destacar as lutas que estes
operários travaram contra os patrões da estrada de ferro Bahia ao São Francisco. O
período denominado de Estado Novo e de ditadura varguista, somado ao fato destes
trabalhadores terem se tornado funcionários públicos, acarretaram modificações no
modo de se mobilizarem, pois os ferroviários entraram na justiça diversas vezes
reivindicando indenizações por conta de acidentes ocorridos no trabalho. Esses
ferroviários buscaram reclamar, na justiça, as condições precárias de trabalho
encontradas na referida estrada. As leis e decretos que regularam a matéria relacionada
aos acidentes de trabalho, como o decreto–lei 7.036, representaram de fato ganhos aos
operários? Analisar-se-ão as leis e a sua eficácia na vida destes ferroviários que lutaram
por melhores condições de trabalho e de vida.
Palavras- chave: Ferroviários; Lutas Operárias; Legislação Trabalhista.
ABSTRACT
The paper aims to discuss the labor legislation and railway experience in Bahia between
1932 and 1952. Based on the study concerning railway strikes in Bahia in 1930, it is
possible to highlight the struggles waged by the workers against the bosses of the San
Francisco railroad. The period named as the new state and Vargas dictatorship added to
the fact that these workers had become civil servants, brought about changes in the
way of
mobilizing when the
railroad
courts several times claiming damages due
employees
to accidents at
started
appealing
work. This
to
workforce
sought justice to complain about the poor working conditions found in that road.
The laws and decrees that regulated the matter related to accidents at work, as the
act 7.036, represented, indeed, the workers actual benefit? The research sought to
examine the laws and their effectiveness in the life of those who fought for better
working conditions and life.
Keywords: Railroad; workers' struggles; Labor Legislation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Operários trabalhando na obra de remodelação do Pátio da Calçada (1935)..35
Figura 2. Comissão de ferroviários em Aramari (1935) ............................................... 53
Figura 3. Carros restaurantes da Leste (1938).............................................................. 63
Figura 4. Trabalhadores da Leste fazendo as refeições (1945) ..................................... 67
Figura 5. Acidente Ferroviário ocorrido em 1917 ........................................................ 96
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Demonstrativo das despesas na Estrada de Ferro (1910 - 1911)............... Erro!
Indicador não definido.
Tabela 2: Carga horária dos encarregados na conservação das linhas (1935).................37
Tabela 3: Receitas da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (1931-1935).............................38
Tabela 4: Ferroviários vítimas de acidentes segundo a cor (1926-1952).....................................49
Tabela 5:Motivações das requisições da V.F.F.L.B (1942-1948) ................................. 49
Tabela 6: Resultado dos Processos movidos pelos ferroviários da Viação Férrea Federal
Leste Brasileiro ......................................................................................................... 112
Tabela 7: Instância Jurídica dos Processos de Acidentes de Trabalho (1926- 1952) ... 145
Tabela 8: Concessão de Indenizações segundo a instância jurídica do processo (1926 1952)..............................................................................................................................148
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO __________________________________________________ 13
CAPÍTULO I: MUNDO DE TRABALHO FERROVIÁRIO____________________21
1.1.O impacto da implantação dos trilhos na Bahia e a construção da Estrada de Ferro
Leste Brasileiro _____________________________________________________ 21
1.2.Ainda outros estrangeiros __________________________________________ 25
1.3.Entre estrangeiros e brasileiros: O caso da Leste _________________________ 33
1.4.Características do trabalho na ferrovia: a encampação e problemas ___________ 43
1.5.Ferroviários pobres e negros: o caso baiano _____________________________ 48
CAPÍTULO II - OS FERROVIÁRIOS BAIANOS E A EXPERIÊNCIA DE
EXPLORAÇÃO NO TRABALHO ______________________________________ 53
2.1.O Trabalho na Leste: mudanças e resistência operária _____________________ 55
2.2. Alimentação e Salários ___________________________________________ 566
2.3.Saúde: Ferroviários doentes, acidentados e mortos _______________________ 76
2.4.Organizações dos Ferroviários_______________________________________ 82
CAPÍTULO III - ACIDENTES DE TRABALHO E LEIS TRABALHISTAS: UM
DESENCONTRO ___________________________________________________ 89
3.1.Lei de Acidentes de Trabalho: processos antes de 1930 ___________________ 900
CAPÍTULO IV - PROCESSOS TRABALHISTAS EM 1940: BENEFÍCIOS
ATRELADOS A UMA LEI AMBÍGUA_________________________________ 115
4.1. Acidentes ferroviários: o palco das tragédias __________________________ 118
4.2. No campo dos conflitos __________________________________________ 124
4.3. Resultados das ações ____________________________________________ 140
CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________ 157
FONTES _________________________________________________________ 160
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________ 162
Anexo 1 – Causa e consequências dos Acidentes de Trabalho dos Ferroviários (19261957). ______________________________________ Erro! Indicador não definido.
Anexo 2 - Resultados dos Processos movidos pelos Ferroviários da Viação Férrea
Federal Leste Brasileiro (1926-1972) ______________ Erro! Indicador não definido.
INTRODUÇÃO
No dia 3 de outubro de 1947, às 16h 40min, no km 442 da Ferroviária Leste
Brasileiro, entre a estação de Iramaia e Lapinha, faleceu, em conseqüência das
queimaduras sofridas durante o exercício do trabalho, o ferroviário Crispim Alves dos
Santos. Em virtude do falecimento do seu esposo, Maria de São Pedro Batista dos
Santos entrou na justiça na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em 30 de agosto de
19481. Esse e inúmeros outros casos foram movimentados na justiça durante meados da
década de 1940 e início de 1950 visando adquirir as indenizações pelas fatalidades no
desempenho do serviço.
Este estudo pretende apresentar os ferroviários acidentados, reconstituindo os
acidentes desses trabalhadores e o modo como entraram na justiça visando adquirir
indenizações. Através da análise das ações também se pode conhecer as esposas desses
operários, bem como seus pais e familiares que, em diversos momentos, recorreram à
justiça solicitando a indenização a que tinham direito. Conforme se pode observar
através da análise de processos anteriores a 1930, a movimentação de processos
antecedeu o período do governo de Getúlio Vargas e houve uma continuidade e
aumento nas ações em 1940 e meados da década seguinte. Esse aumento foi atestado
não somente na Bahia, como também em São Paulo, conforme análise de John French2.
Edinaldo Souza, em sua pesquisa sobre experiências de trabalhadores do
Recôncavo Baiano na arena judicial, também destacou ações movimentadas antes de
1930, referindo-se a esses episódios como fenômenos isolados, mas a pesquisa acerca
dos ferroviários baianos possibilita compreender que muitas outras ações ocorreram
nesse período, não se tratando de processos estanques, uma vez que diversos sujeitos
acessaram a justiça em busca dos seus direitos:
Ainda que se tratem de episódios isolados, tais iniciativas, ao menos,
sugerem possíveis continuidades históricas na relação dos
trabalhadores com a justiça no início do século XX. Contudo, essa
1
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos. Cx:
142/141/16.
2
FRENCH. John. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.
13
hipótese ainda precisa ser testada em futuros estudos sobre a história
do trabalho no início da República.3
A presente dissertação pretende analisar a experiência ferroviária baiana entre
os anos de 1932 e 1952, na ferrovia Bahia ao São Francisco, posteriormente
denominada de Leste Brasileiro. O recorte temporal corresponde ao início das
manifestações grevistas pós 1930 e se encerra na análise dos processos de acidentes de
trabalho utilizados nesta pesquisa. A opção pelo tema esbarrou nas dificuldades em se
definir uma única localidade, haja vista a variação dos espaços dos acidentes. Por conta
disso, o enfoque da pesquisa centrou-se nas ações judiciais e seus meandros sem, porém,
concentrar-se na análise de cada espaço, optando por relacionar o contexto de entrada na
justiça com o que ocorria na Bahia da época.
Com base em estudo4 realizado sobre as greves ferroviárias ocorridas durante a
década de 1930 foi possível elaborar uma análise da ação desta categoria englobando as
relações estabelecidas entre os ferroviários, com os patrões e com o governo. A partir do
estudo acerca destas mobilizações, pode-se reconstituir a atuação coletiva dos
ferroviários durante as greves e suas lutas por melhores salários e condições de trabalho.
A atuação e demonstração de luta e participação ativa destes operários nas greves
de 1932, 1935 e 1937 nos levam a reconhecer uma espécie de ruptura nas mobilizações
grevistas a partir de 1938.
Contudo, não se pode perder de vista que 1938 já
corresponde a vigência do Estado Novo deflagrado por Getúlio Vargas e todo o
“silenciamento” que este golpe provocou na imprensa. Buscamos compreender a
experiência de tais sujeitos para além das mobilizações grevistas, tentando captar sua
atuação através do acesso à justiça.
De acordo com as fontes5, parece haver um descenso nas lutas operárias após um
período de ascenso e este estudo pretende problematizar as formas de luta colocadas em
prática pelos ferroviários nesta conjuntura marcada por inúmeras particularidades,
3
SOUZA. Edinaldo. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do trabalho (Recôncavo Sul,
Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008, p. 19.
4
MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves
Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana,
2008.
5
Os materiais utilizados são periódicos do Setor dos Jornais Raros da Biblioteca Pública do Estado da
Bahia (BPEB), além de Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro referente ao período em
estudo. Além desses periódicos, outros documentos, como Autos Cíveis da seção Judiciária, foram
identificados no (APEB).
14
abarcando o início do governo de Getúlio Vargas, passando pelo golpe de 1937 até o
governo de Eurico Gaspar Dutra.
Os processos trabalhistas encontrados no Arquivo Público do Estado da Bahia
(APEB) dando notícias de ações judiciais encaminhadas pelos ferroviários baianos
comprovaram o quanto estes operários continuaram atuantes e sofrendo a exploração e
os riscos do mundo do trabalho na empresa Ferroviária Leste Brasileiro.
Os processos esclarecem sobre aspectos da mão-de-obra que trabalhava nesta
estrada de ferro e permitem a discussão sobre a legislação trabalhista na Bahia. As ações
impetradas na justiça eram densas e permitem reconstituir o cenário onde se
desenvolveram as lutas entre a categoria ferroviária e seus patrões. Conflito, contradição
e ambigüidade são palavras que descrevem com precisão os casos de acidentes
movimentados na justiça. Estas ações foram analisadas partindo-se da premissa de que
representaram mais uma das formas de luta destes operários para adquirir direitos e
garantir a sua sobrevivência.
Assim, o problema que se estabelece é desvendar estas ações ferroviárias
“obscurecidas” após o Estado Novo, discutindo a própria legislação no período através
dos processos trabalhistas interpostos pelos trabalhadores da Leste. As leis criadas e
reformuladas no governo de Getúlio Vargas teriam sido capazes de dissipar as lutas
travadas anteriormente? Teriam se colocado passivamente ao lado do Estado detentor
das ferrovias baianas e parado de se mobilizar? A estas perguntas a análise das fontes
atestou que este momento não se constituiu em tranqüilidade, apesar de representar um
descenso nas mobilizações grevistas observadas anteriormente.
Denúncias foram feitas em meados da década de 1940 nos jornais da época, em
especial no periódico O Momento, órgão vinculado ao Partido Comunista, que em
inúmeras matérias trouxe queixas relatadas pelos próprios ferroviários, suas entrevistas
apontaram as precárias condições de trabalho, jornadas, salários, condições de saúde,
higiene e alimentação oferecidas pela empresa ferroviária.
As notícias do O Momento6 também atestaram a participação dos ferroviários em
comícios organizados pelo Partido Comunista levantando pistas para a análise do
envolvimento da bancada nas lutas ferroviárias travadas neste período. As ações para
que as leis fossem cumpridas aparecem em inúmeras falas de ferroviários, o que retrata
6
Este periódico foi analisado de 1945-1948 e se encontra localizado na Seção de Jornais Raros da
Biblioteca Pública do Estado da Bahia. O jornal foi criado em 1945 no período de término do Estado
Novo.
15
que muitos possuíam conhecimento dos seus direitos. As queixas no jornal foram
seguidas, muitas vezes, de comentários a respeito da legislação trabalhista,
reivindicando leis já vigentes no governo de Getúlio Vargas e que no governo de Eurico
Gaspar Dutra permaneceram sem cumprimento.
O governo, ao encampar as ferrovias, teria resolvido os “problemas” deixados
pela administração francesa? Como procedeu a administração do Governo? E os
ferroviários, como se relacionaram com os novos patrões? Os documentos indicaram
que uma série de mudanças foi desencadeada com a transferência de patrões, mas o
modo como estas medidas se relacionaram com as condições de vida dos trabalhadores
aparece nos relatórios de modo muito peculiar.
Além disto, entrevistas com aposentados ferroviários da Leste foram realizadas
em Alagoinhas, permitindo esboçar aspectos do mundo do trabalho destes ferroviários
representantes desta categoria ampla que engloba sujeitos nas mais distintas funções.
Concomitantemente, analisam-se as lutas na arena do judiciário através do uso da
legislação trabalhista, tratando-se de investigar como ocorreu este processo na Bahia,
entrecruzando informações de estudos que se debruçaram sobre este tema em outros
espaços do Brasil.
A análise de Ângela Gomes centrada nas ações dos representantes do governo e
de Getúlio Vargas nesse período avança por compreender que as relações entre Estado e
classe trabalhadora não eram relações de submissão, mas baseavam-se na reciprocidade
e no jogo de interesses de cada lado envolvido na situação.
7
Sem questionar a
originalidade com que Gomes tratou do tema das relações entre Estado, patrões e classe
trabalhadora desde a Primeira República, se faz necessário destacar que a atuação e
reação dos operários às medidas do governo ainda ficou à margem do seu estudo.
Uma série de manifestações grevistas de distintas categorias em várias partes do
Brasil, suas repercussões, a forma como os próprios trabalhadores interagiram com as
medidas impostas pelo Estado poderiam ter ênfase em sua pesquisa o que não ocorre
sendo que nas palavras da própria autora seria objetivo do seu estudo. “A maneira pela
qual este processo histórico de constituição da classe trabalhadora como ator político
teve curso no Brasil é o que se deseja estudar neste trabalho.”8
O período abordado por essa pesquisa foi investigado por vários historiadores/as
que elaboraram as suas análises tomando como referência, às vezes, a postura do Estado
7
8
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
GOMES, A. C. A invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 18.
16
e das classes dominantes, ou a partir dos trabalhadores. Este estudo privilegiou e tentou
fazer uma leitura a partir dos trabalhadores ferroviários baianos através da análise das
suas condições de vida e formas de luta que englobou ações na arena judicial.
A metodologia constou do levantamento de dados em diferentes Instituições de
pesquisa, com a elaboração de fichamentos, e posterior análise dos materiais, entre os
quais se destacam os seguintes periódicos do setor dos jornais raros da Biblioteca
Pública do Estado da Bahia (BPEB): O Diário de Notícias, o Diário da Bahia, O Estado
da Bahia, O Correio de Alagoinhas, O Imparcial e O Momento que dava notícias das
mobilizações destes trabalhadores e que possibilitou a montagem do palco onde se
desenvolveram as lutas operárias.
Somam-se a estas fontes os Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro e
Documentos Ministeriais e os Relatórios do Ministério de Viação e Obras Públicas
encontrados em Center For Research Libraries (CRL). Brazilian Government Document
Digitization Project disponíveis para consulta em http: //www.crl. Edu/contet.asp.
O leque de processos judiciais disponíveis para a pesquisa foram 57 ações judiciais
encontradas no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB) sendo relacionadas a
pedidos de indenização por causa de acidentes de trabalho e uma destas ações referente
a esposa de um passageiro que viajava na locomotiva da Leste que sofreu o acidente. O
estudo destaca as estratégias intentadas pelos sujeitos dentro dos processos visando
garantir os seus interesses.
Grande parte das pesquisas que trataram do direito e das leis na História seguiram
os passos e as orientações teórico-metodológicas do historiador inglês Edward Palmer
Thompson acerca do uso das leis e do costume para assegurar direitos aos trabalhadores
ingleses. Uma série de pesquisas vem florescendo neste campo, englobando uma gama
de estudos que tratam das mais diversas temáticas como a escravidão, questões de
gênero entre outras e que tem como cerne para sua elaboração o uso de documentos da
justiça.
As possibilidades que estas fontes permitem são inúmeras e as contribuições para
a História Social vão desde a reconstituição das representações e à compreensão de
mundo tanto dos agentes responsáveis pela elaboração e desenrolar do processo como
dos sujeitos que também atuavam dentro dos limites possíveis através de suas práticas
cotidianas para que houvesse uma efetiva implantação das leis.
No bojo das discussões acerca do acionamento das leis sociais nos processos
movimentados pelos trabalhadores junto à Justiça do Trabalho tem sido demonstrado
17
como os operários reconheciam as relações de poder que envolviam a ativação da
legislação na busca do reconhecimento dos seus direitos. Em sua pesquisa acerca da Lei
Negra de 1723 Thompson discute o uso das leis e do direito e as possíveis motivações e
relações de poder que envolveram a sua elaboração.
De acordo com ele, em Senhores e caçadores 9, que retrata a criminalidade no
século XVIII na Inglaterra, havia por parte das autoridades uma preocupação no que
tange à propriedade por conta da invasão dos chamados negros em partes da floresta de
Windsor consideradas propriedades dos nobres. Os caçadores ilícitos sempre foram
tolerados pelos guardas florestais mantendo uma negligência salutar ou saudável que
tolerava dentro de alguns limites a caça aos cervos, sendo inaceitável a caça destes em
espaços que não fossem previamente delimitados e de acordo também com os dias já
estipulados.
Contudo, a lei negra estudada por Thompson visava mudar a relação costumeira
estabelecida e estabilizar a caça, combatendo os ataques à propriedade. De acordo com
o autor, a nova lei foi motivada pela preocupação dos juízes com o deslocamento do
poder, haja vista o apoio crescente da comunidade da floresta apoiando a caça
clandestina. Sendo assim, Thompson analisou do ponto de vista do conflito as leis e o
direito:
A lei negra só podia ter sido formulada e decretada por homens que
tinham formado hábitos de distância mental e frivolidade moral em
relação à vida humana – ou, mais especificamente, em relação às
vidas do “tipo de gente desregrada e desordeira”. Precisamos explicar
não só uma emergência que agia sobre a sensibilidade desses homens,
para quem a propriedade e o status privilegiado dos proprietários
vinham assumindo, a cada ano, um maior peso nas escaladas da
justiça, até que a própria justiça não passava, aos seus olhos, das
fortificações e defesas da propriedade e seu concomitante status.10
Por isto, os estudos deste autor têm servido de referência para muitas pesquisas
que tratam das leis e do direito na busca de perceber a lei como um campo de conflito e
as motivações que teriam proporcionado o seu surgimento.
Alexandre Fortes11 faz uma ampla discussão a partir das noções de direito, lei e
costume especialmente a partir da obra Senhores e Caçadores. Fortes compreende que
9
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: a origem da lei negra, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987,
p.254.
11
FORTES, Alexandre. O Direito na Obra de Thompson. Dados - Revista História Social. Vol. Nº 2,
Campinas: 1995, p. 89-111.
10
18
Thompson contribuiu para os estudos em História Social ao analisar do ponto de vista
do conflito entre as classes sociais as leis e o direito investigando as motivações que
estavam por trás das atitudes dos sujeitos. Pesquisadores(as) das mais diversas áreas das
ciências humanas têm bebido na interpretação elaborada por Thompson da luta pela
manutenção do “direito costumeiro” e das formas tradicionais de sobrevivência em
contraposição ao que foi imposto pela classe dominante no final do século XVIII.
Apropriando-se da interpretação thompsoniana e das suas concepções acerca dos
códigos costumeiros e da lei como uma definição da efetiva prática, existe a pesquisa de
Edinaldo Antonio Oliveira Souza12. O autor discute em um dos capítulos da sua
dissertação de que forma os trabalhadores do Recôncavo baiano, seus sujeitos de
pesquisa, empregados nos mais diversos estabelecimentos, fizeram uso da justiça de
trabalho criada em 1939 e dos decretos publicados posteriormente, dando ênfase a
algumas leis que regularam os acidentes de trabalho durante o período.
Edinaldo Souza se dedica ao estudo dos processos trabalhistas movidos por
distintos operários (as) que recorreram à justiça por conta de questões relacionadas ao
trabalho, a exemplo de dispensa injustificada, remoção de função ou de localidade de
trabalho, ou até por conflitos envolvendo agressões físicas entre empregados e patrões.
O autor destaca que as lutas se desenrolavam de um modo conflituoso a partir da
entrada do processo judicial, por isso que inicialmente se tentava a conciliação entre as
partes, o que era o mais aconselhado aos envolvidos no processo, pelos advogados,
juízes, reclamantes e reclamados. Contudo, nem sempre a solução por conciliação
resolvia as questões e quando isso ocorria era necessário recorrer à decisão arbitral.
Não se pode perder de vista que o autor chama atenção para as incompletudes da
legislação trabalhista e ambigüidades que permitiam uma interpretação dúbia dos casos.
Souza cita diversos exemplos onde a Comarca declarou-se incompetente para julgar tais
questões inicialmente, mas, passados alguns anos, acabou resolvendo o caso. Além de
destacar artimanhas patronais e dos trabalhadores para conseguirem que as questões
fossem solucionadas cada parte em seu favor.
O estudo sobre os ferroviários baianos problematizou, a partir da análise dos
processos encontrados no APEB, como as ações judiciais movidas por estes
12
SOUZA. Edinaldo. Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do
trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
19
trabalhadores foram tratadas pela justiça, evidenciando a luta desses sujeitos para
garantir seus direitos na esfera jurídica.
O primeiro capítulo toma como referência a formação da empresa ferroviária e
seu processo de implantação quando se situam as mudanças ocorridas com o processo
de encampação da empresa pelo governo federal e a posterior passagem dos ferroviários
a funcionários públicos.
Posteriormente, no segundo capítulo, busca-se fazer uma análise das condições de
vida e trabalho destes operários, não enquanto algo externo ou separado das outras
esferas da vida destes operários, mas compreendendo suas condições de moradia,
salários e trabalho na própria ferrovia no período, o que foi imprescindível para que se
pudesse ter uma visão dos acidentes ocorridos e situar os operários neste mundo de
trabalho cheio de riscos.
O terceiro capítulo apresenta a legislação trabalhista desde 1919 e a regulação dos
acidentes de trabalho. Percebe-se que a análise de algumas ações judiciais do período ao
lado desta legislação facilitou a compreensão das mudanças que se processaram
posteriormente. Buscou-se uma discussão bibliográfica acerca do entendimento dos
autores no que tange à implantação das primeiras leis do trabalho em 1919 e seus
desdobramentos posteriores na vida dos operários.
No quarto capítulo, discute-se o período em que estas ações judiciais foram
movimentadas (isto é, pós-1940) na visão de alguns autores, na perspectiva de possíveis
encontros interpretativos ou análises particulares sobre o caso da Bahia e seus processos
de acidentes. Para tanto, destaca-se a análise de alguns estudos que se debruçaram sobre
esta conjuntura ao lado das ações judiciais. Foi possível reconstituir os acidentes de
trabalho e apresentar algumas histórias destes operários e de suas famílias no campo da
justiça.
O texto produzido foi o resultado de um trabalho de investigação em fontes pouco
exploradas visando entender a História dos ferroviários como parte de toda uma
conjuntura histórica com suas singularidades e movimentos próprios.
20
CAPÍTULO I: MUNDO DE TRABALHO FERROVIÁRIO
O impacto da implantação dos trilhos na Bahia e a construção da Estrada de Ferro
Leste Brasileiro.
As estradas de ferro no Brasil datam da segunda metade do século XIX, quando o
Brasil passava por profundas modificações em diversos setores da sociedade. A
economia era ancorada na exportação do café, com a utilização da mão-de-obra livre
coexistindo com o trabalho escravo.
As ferrovias brasileiras tiveram importância política, econômica e geográfica e
representaram um dos maiores acontecimentos ocorridos no Brasil no decorrer da
segunda metade do século XIX. As estradas de ferro foram construídas para transportar
matérias-primas, desenvolver o comércio e dinamizar a economia, além de permitir a
interiorização do território. Nas palavras de José Camelo Filho,
A construção das primeiras estradas de ferro no Brasil está
diretamente ligada ao setor agrário exportador, tanto nas províncias do
Centro Sul quanto no Nordeste, onde as estradas foram projetadas
para estabelecer a integração e ocupação do território brasileiro, cujas
primeiras seções também tinham relações com o setor agrário.13
A ferrovia é originária da Inglaterra e contribuiu para integrar o seu território. Este
invento se espalhou pelo mundo e contribuiu com a integração dos territórios dos
Estados Unidos, França para depois serem implantadas no Brasil, uma vez que era visto
como símbolo de modernização e progresso.
Francisco Foot-Hardman em sua obra “Trem-Fantasma: a modernidade na Selva”
14
trata da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, localizada em Rondônia e
que teve funções políticas e estratégicas de povoamento. Hardman destaca que entre as
novidades que chegaram ao Brasil estavam as estradas de ferro. E sua análise combina
13
CAMELO FILHO, José V. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste
Brasileiro. 2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2000, p. 31.
14
HARDMAN, Francisco Foot. Trem-Fantasma. A ferrovia Madeira - Mamoré e a modernidade na
selva, São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 89.
21
aspectos do impacto exercido por esta ferrovia em Rondônia, bem como as condições de
trabalho dos ferroviários.
É válido ressaltar, a importância e a influência que este meio de transporte teve
no Brasil promovendo a integração de várias áreas do País e o impacto provocado por
este meio de transporte nas regiões onde atravessou modificando paisagens e
interligando diferentes espaços. O estudo de Fabiana Machado da Silva 15 sobre a
Ferrovia Leste Brasileiro em Jacobina entre 1920 e 1950 destacou que a expectativa era
de que as ferrovias foram símbolo da modernização e do progresso das nações. Na
compreensão da autora, a implantação dos trilhos somou-se a uma série de outros
serviços instalados em Jacobina visando trazer para a cidade uma era de avanço, o que
significou para as elites um intenso combate às velhas práticas existentes na cidade.
As estradas de ferro foram construídas tendo como objetivos o controle do
território brasileiro e a circulação dos mais variados tipos de mercadorias, além de ter
sido sinônimo de modernidade. De acordo com o historiador Douglas Apratto Tenório
a perspectiva era de que as ferrovias trariam o progresso e a civilidade para o Brasil
“(...), pois que a esperança era de que as vias férreas eram a varinha de condão, que nos
tiraria da pobreza e nos colocaria em um plano de nação rica e poderosa, ao lado da
Europa e dos Estados Unidos” 16. Mas, não pode se perder de vista que as condições em
que as ferrovias foram implantadas no Brasil diferiam em muitos aspectos do modo
como ocorreu em outras regiões do mundo.
Francisco Antônio Zorzo destaca o fenômeno do ferroviarismo periférico
brasileiro e o seu desenvolvimento na Bahia explicitando que elas foram construídas na
periferia do centro do capitalismo mundial e dependentes do núcleo industrial que
fornecia os equipamentos necessários para a sua constituição e distante dos centros de
decisão 17. Ao analisarmos a construção da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco
podemos concluir o estado de dependência do capital estrangeiro em algumas ferrovias
implantadas no Brasil.
No que tange a discussão sobre o capital estrangeiro não se pode perder de vista
que os investimentos dos capitalistas ingleses foram imprescindíveis para a implantação
das estradas de ferro no Brasil
15
SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A Ferrovia Leste Brasileiro e seu impacto social em
Jacobina (1920-1945). 2009. Dissertação (Mestrado em História). Departamento de Ciências Humanas.
Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2009.
16
TENÓRIO, Douglas Apratto. Capitalismo e Ferrovias no Brasil. Maceió: EDUFAL, 1979, p.55.
17
ZORZO, Francisco Antônio. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia. Feira de Santana: UEFS, 2001, p.72.
22
(...) a participação da Inglaterra suplantava de longe a de qualquer
outro país. A sua liderança, no advento do capitalismo, e os laços
históricos de dependência que uniam o Brasil a ela desde a época
colonial de Portugal, explicam porque o capital britânico predominou
mais intensamente nesses investimentos externos 18.
A Inglaterra possuía uma relação estreita com o Brasil e os ingleses dispunham de
tecnologia, capital e interesses econômicos na construção das ferrovias. Na Bahia, as
ferrovias contaram com o capital inglês, a exemplo da Estrada de Ferro Bahia ao São
Francisco que ligava Salvador a Alagoinhas, e que promoveu a exportação de diversos
produtos como açúcar, fumo, couros, entre outros.
Os interesses ingleses no Brasil estiveram ligados à especulação financeira,
garantindo assim a expansão do capital, através de investimentos em diferentes setores a
exemplo das ferrovias, portos e dos bancos. Todavia, para que os ingleses se
interessassem pelo investimento nas ferrovias foram articuladas leis nacionais que
garantissem de 6% a 7% de juros sobre o capital investido para assegurar os lucros dos
capitalistas, em detrimento do esvaziamento dos cofres públicos, caso as estradas de
ferro não lograssem êxito.
A Estrada de Ferro inglesa Bahia and São Francisco Railway foi um
empreendimento capitalista e seu funcionamento envolveu uma diversidade de sujeitos
históricos. Etelvina Rebouças Fernandes destaca em seu estudo “Duas Ferrovias para
ligar o Mar da Bahia ao Rio do Sertão” 19 a construção da E. F. Bahia ao São Francisco
e do prolongamento chamado Estrada do São Francisco a partir de Alagoinhas pela
União que juntas fizeram a ligação da Bahia ao Porto de Juazeiro trazendo
transformações pelos espaços por onde atravessou. A História destas estradas de ferro
foi marcada por diferentes administrações e com constantes encampações do governo,
seguidas posteriormente por arrendamentos a diferentes sujeitos e empresas. José
Camelo Filho destaca que
A E. F. Bahia ao São Francisco (inglesa) teve esta denominação até
1896, quando o governo federal alterou seu nome para E. F. São
18
TENÓRIO, Douglas. Capitalismo e Ferrovias no Brasil. Maceió: EDUFAL, 1979, p.25.
FERNANDES, Etelvina Rebouças. Do Mar da Bahia ao Rio do Sertão: Bahia Ao São Francisco
Railway, Salvador: Secretaria de Turismo, 2006.
19
23
Francisco, com isso o percurso Salvador - Juazeiro) continuou com
duas administrações (inglesa e da União) e uma só denominação.20
A pesquisa de Robério Santos Souza21 reconstitui a implantação destas estradas a
partir de 1852 quando alguns membros da Junta da Lavoura conseguiram a concessão
do governo para construir a Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco sendo eles: Muniz
Barreto, Luiz Francisco Junqueira e Justino de Sento Sé. Em seguida, devido à renúncia
dos outros sócios, Muniz Barreto assinou um contrato que garantiu a exploração desta
estrada de ferro por 90 anos, somados à garantia de juros do Governo Imperial, para
depois entregá-la nas mãos dos ingleses, que iniciaram a sua construção em 1858,
chegando a Alagoinhas somente em 1863. Na compreensão de Cunha os interesses que
movimentaram os ingleses para construir e explorar estradas de ferro na Bahia, e em
especial o trecho de Salvador- Alagoinhas- Timbó, proporcionou a estes empresários
assegurar por meio da garantia de juros o capital investido e os lucros deste
empreendimento.22
Em 1901, a estrada de Salvador a Alagoinhas foi arrendada aos engenheiros
brasileiros Jeronymo Teixeira Alencar Lima e Austricliano Honório de Carvalho. De
acordo com Souza este trecho funcionou com déficits nos primeiros anos de sua
implantação quando Alencar Lima e outros empresários mantiveram o domínio da
empresa até 1909. Os principais produtos de exportação foram: o açúcar, o fumo, o
tabaco, bem como algodão, mel e uma pequena quantidade de café e borracha. 23
A construção do prolongamento da estrada de ferro até as margens do São
Francisco ficou a cargo da União sendo Alagoinhas o ponto de partida até Juazeiro. Este
prolongamento foi construído pela iniciativa privada de Miguel de Teive e Argollo. E
em 1909 um acordo foi firmado para administração das duas estradas quando Alencar
Lima e Honório de Carvalho desistiram dos direitos provisórios de exploração do trecho
de Salvador a Alagoinhas e passaram as duas estradas de ferro ao monopólio do Grupo
Teive e Argollo & C. De acordo com a análise empreendida por Souza
20
CAMELO FILHO, José. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro.
2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências humanas. Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2000, p.145.
21
SOUZA, Robério Santos. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007.
22
CUNHA. Joaci. A Dominação do Imperialismo na Bahia. Caderno do CEAS. Vol. nº. 204. Salvador:
editora, jan./fev. 2003, p. 25-50.
23
SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p.31.
24
tanto a trajetória da estrada da Bahia ao São Francisco, quanto de seu
prolongamento, assim como a conseqüente organização do CVGBa24,
constituiu-se em componente histórico importante, seja para analisar
as forças políticas e econômicas e a questão ferroviária na Bahia, seja
para se compreender as circunstâncias históricas, específicas, em que
os trabalhadores ferroviários viveriam suas experiências de classe.25
De acordo com o exposto acima se pode perceber como foi imprescindível a
presença dos ingleses para a construção desta ferrovia que através dos investimentos em
serviços públicos a exemplo dos transportes desejavam expandir o seu capital, bem
como impor sua tecnologia na Bahia.
Contudo, após o fim do domínio inglês, esta estrada de ferro foi transferida para o
Grupo Teive e Argollo, depois passou para o capital francês da Companhia Chemins de
Fer Federaux Du L'est Bresilien. As fontes que permitem analisar o domínio desta
companhia ainda são escassas, mas vale a pena ressaltar que os Relatórios do Ministério
de Viação e Obras públicas trazem informações que permitem caracterizar a
administração francesa no que tange ao movimento do transporte de passageiros,
mercadorias, saldos e déficits das estradas de ferro sob o domínio da Companhia
francesa de 1911 até 1935.
1.1.
Ainda outros estrangeiros
Em 1910, compunham a Viação Geral da Bahia as seguintes estradas de ferro:
Estrada de ferro da Bahia ao São Francisco, Ramal do Timbó, Estrada de ferro do São
Francisco e a estrada de ferro Central da Bahia com seus ramais. Em 1911, as estradas
de ferro da Bahia foram arrendadas para outro grupo.
(...) pelo decreto n.9.029, de 11 de outubro de 1911, foi transferida
para a actual companhia arrendataria Compagnie des Chemins de Fer
L’ste Bresilien o contracto celebrado com a Companhia Viação da
Bahia, em virtude do decreto 8.648, de 31 de março de 1911.26
Ao assumir as ferrovias da Bahia a Companhia de capital francês e belga tinha um
contrato com o governo que estabelecia uma série de obrigações e deveres como:
24
A empresa a que o autor se reporta é a Compacnhia Geral de Viação da Bahia (CVGBA).
Idem, ibidem, p.39.
26
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911, p. 138. Disponível em
http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010.
25
25
construção de ramais e unificação das linhas (bitolas) e outros melhoramentos previstos
no contrato de arrendamento explícito nos relatórios dos ministros de Viação e Obras
Públicas ao presidente da República. 27 Os decretos citados no destaque acima foram
colocados em vigor em 1911, com a transferência do contrato da Companhia Viação
Geral da Bahia para a Chemins de Fer L’ste Brésilien e estabelecendo as tarifas e
instruções a serem seguidas desde então.28
Com relação à empresa francesa, Joaci Cunha formula inúmeras questões acerca
da presença e dos investimentos estrangeiros na Bahia. Que fatores condicionaram a
dinâmica dos investimentos ferroviários na Bahia? O que realmente justificava as
intervenções públicas nas administrações das ferrovias? 29 Para sistematizar o estudo da
experiência operária na referida estrada de ferro do São Francisco é necessário
compreender a dinâmica e o gerenciamento da Companhia, bem como os interesses que
movimentaram seus dirigentes, destacando as principais características da administração
ferroviária no período de 1911 a 1935.
Inúmeras transformações foram encetadas quando ocorreu a mudança na
administração das ferrovias baianas relacionadas ao movimento financeiro da empresa e
a variação no número de queixas dos trabalhadores e da população contra esta
administração. Durante 1911 a 1935 as estradas de ferro da Bahia estiveram sob a
administração francesa, quando finalmente a empresa foi encampada pelo governo
federal, pondo fim ao longo período entre arrendamentos e encampação estatal, quando
mudou o seu nome para Viação Férrea Federal Leste Brasileiro – V.F.F.L.B. Recebeu
este nome “Por ordem do Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas a rede reformada das
estradas de Bahia, Sergipe e Norte de Minas (...)”.30
No início do século XX, ocorreram inúmeras mudanças no cenário ferroviário, o
que proporcionou à Estrada de Ferro Bahia do São Francisco incorporar outras
Companhias Férreas entre elas a Estrada de Ferro Bahia a Minas a partir de 1912, como
27
Neste Relatório destacaram-se os decretos que regiam o contrato com esta empresa revistos em 1911.
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1917. Disponível em
http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010.
28
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1917, p. 111. Disponível em
http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010.
29
CUNHA. Joaci. A Dominação do Imperialismo na Bahia, Caderno do CEAS. Vol. nº. 204. Salvador:
jan./fev. 2003.p. 44.
30
Agora é Viação Férrea Federal Leste Brazileiro. Diário de Notícias, Salvador, 23 mar. 1935, p.1.
26
se verifica no relatório do ministro da Viação e Obras Públicas de 191331. Esta medida
ocorreu após o contrato de arrendamento de 1911 com os franceses.
Além disso, não se pode perder de vista a crescente rede de investimentos
estrangeiros, a exemplo do francês, no período compreendido por esta pesquisa. Estudos
e pesquisas sobre o tema ainda são insuficientes para dar conta da importância destes
investimentos na Bahia, mas a bibliografia disponível aponta para investimentos de
franceses em portos, bancos e ferrovias. Ainda assim, tendo este capital uma
participação relativamente menor que o britânico. É válido salientar, que a Companhia
Chemins de Fer Federaux Du L'est Brésilien fazia parte de uma rede muito maior de
investimentos franceses no Brasil.
Flávio Saes32 destaca que no Brasil em fins do século XIX estava instalada uma
crise econômica devido a uma série de fatores, entre eles a falência de diversas
empresas e o declínio do preço do café no mercado internacional, levando a
instabilidade na balança comercial brasileira. Diante desse cenário, a penetração do
capital estrangeiro atingiu diversos setores como as estradas de ferro, portos e outras
empresas. A Brazil Railway Company foi uma empresa que manteve ações e influência
em diversos setores no Brasil, controlando significativa parcela das estradas de ferro no
Sul do Brasil. “A Brazil Railway tinha as características do que se entende por uma
empresa "Holding” “33. Ou seja, por meio de participação acionária, ela controlava
amplo conjunto de outras empresas.” A respeito do estudo destes investimentos, Saes
conclui:
Em primeiro lugar, eles se dirigiram para os setores "clássicos" da
economia brasileira, isto é, setores ligados essencialmente à agroexportação. Nesse sentido, vieram reiterar o caráter da economia
brasileira não sendo, nesse sentido, um elemento de transformação de
suas características. Isto não quer dizer que a maciça entrada de
recursos externos não tenha nenhum impacto sobre a economia (por
exemplo, no sentido da industrialização), mas simplesmente de que
não se trata de um efeito claro e direto nesse rumo.34
Uma hipótese que pode ser levada em conta neste estudo, parte da análise de
Fréderic Mauro em seu estudo sobre as empresas francesas e o financiamento da
31
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1913, p. 85. Disponível em
http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010.
32
SAES, Flávio A. M. de. Os investimentos franceses no Brasil: o caso da Brazil Railway Company
(1900-1930). Rev. Hist. Vol. nº.119. São Paulo, dezembro de 1988.
33
Idem, ibden, p. 26.
34
Idem, ibden, p. 41.
27
industrialização no Brasil.35 O autor atesta que parecia haver certa negligência em
relação à administração das ferrovias por parte destes arrendatários por esta ter sido
feita de uma forma bastante independente pelos seus funcionários responsáveis diretos
por esta administração, o que não teria proporcionado uma preocupação constante com
os compromissos firmados de expansão da malha e de melhorias neste meio de
transporte.
As fontes indicam que existiu certo “desleixo” em relação à administração das
ferrovias quando esteve sob a responsabilidade desta empresa francesa. Isto se
comprova pela quantidade de reclamações feitas à Companhia e pela ausência no
cumprimento das tarefas, a exemplo do término da construção de novos trechos.
“No que tange ao movimento financeiro da empresa, a E. F. do São Francisco
continuou apresentando saldos positivos, oscilando entre 2% e 17% no qüinqüênio de
1907 a 1911, quando novamente esta via férrea foi transferida para L’ est Brésilien.” 36.
É importante salientar a entrada de capitais estrangeiros no Brasil e especialmente na
Bahia a partir dos investimentos britânicos e franceses.
O movimento financeiro da empresa atestou um aumento no seu déficit em relação
ao ano de 1910. O relatório do Ministério de Viação e Obras públicas de 1922 apresenta
detalhadamente o movimento de todas as linhas que compõem a empresa, apresentando
dados como receitas e discriminação dos ganhos com passageiros, bagagens, animais, e
mercadorias em geral. Concomitantemente, destaca as condições das ferrovias quando
da posse dos franceses “A situação desta Rede-Ferroviária é bastante precária”. 37
Soma-se a estas informações notícias relacionadas a reparos nos trens e nas
oficinas nas referidas estradas de ferro. A tabela abaixo referente à Estrada de Ferro da
Bahia ao São Francisco 38 demonstra como era feita a divisão de trabalho no interior da
ferrovia, e discrimina as despesas tidas com o pessoal da administração geral, do
tráfego, da locomoção e das linhas e telégrafos, atestando que estas foram maiores no
ano de 1910.
35
MAURO, Fréderic. As empresas francesas e o financiamento da industrialização no Brasil. In: Revista
de Economia Política. São Paulo, Vol. 19, nº. 3, s/l, julho-setembro de 1999, p.75.
36
CAMELO FILHO, José. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro.
2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências humanas. Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2000, p. 144.
37
Relatório do Ministério de Viação e Obras públicas referente ao ano de 1922, p.183.
www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 17/05/2010.
38
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911, p.140.
www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010.
28
Tabela 1. Demonstrativo de Despesas na Estrada de Ferro (1910-1911)
Despezas de
1911
1910
Custeio
Administração
96:430$196
114:515$505
Geral
314:490$737
360:125$636
Trafego
467:487$475
482:029$615
Locomoção
Linha e
182:132$849
189:134$226
telegrapho
1.060:531$257 1.145:804$982
Total
Diferença
18:095$309
45:634$899
14:542$140
7:001$377
85:273$725
Fonte: Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911. Disponível em
www.crl.edu/content.asp.
Robério Souza em seu estudo sobre a experiência ferroviária pontua como era a
divisão do trabalho no interior da ferrovia e como eram hierarquizadas as relações
dentro deste espaço, dividindo-se numa gama de tarefas em cada setor.
O termo ferroviário também cria a idéia de que havia uma homogeneidade nos
serviços, o que não ocorria. Havia o setor de locomoção que agregou maquinistas,
foguistas, encarregados de depósito e apontadores, enfim, distintos sujeitos sociais com
diferentes necessidades e identidades que não recebiam os mesmos salários. Ao mesmo
tempo, “a seção de tráfego ainda contava com o trabalho dos agentes, fiéis (auxiliares
imediatos), telegrafistas, conferentes, guarda-chaves, serventes, guardas e bombeiros.”39
Na compreensão de Souza a seção de linha foi constituída por “condutores,
mestres de linha, armazenistas, encarregados de obras, guarda-raios, guardas, feitores e
turmas de trabalhadores (...)”.40 Cabe destacar que os turmeiros eram os operários
responsáveis pela manutenção das condições do tráfego e dos trechos ferroviários tendo
que possuir residência próxima às linhas de trem.
Com base na leitura dos relatórios do Ministério de Viação e Obras Públicas
redigido pelo ministro José Barboza Gonçalves no ano de 191141 percebeu-se que
grande parte das ferrovias que compunham a Companhia francesa funcionou durante
39
SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p.60.
40
Idem, ibidem, p. 64.
41
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1911. Disponível em:
www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010.
29
este ano com déficits comparados ao saldo total da receita disponível, excetuando-se a
estrada de ferro Central da Bahia que conseguiu obter saldo.
De acordo com a leitura dos relatórios concluiu-se que em 1913 a situação de
déficits se repetiu no que tange à maioria das ferrovias baianas, excetuando-se a E.F.
Bahia a Minas que apresentou saldo neste ano. Depreende-se que o governo continuou
garantindo os juros dos empréstimos adquiridos para realizar as construções e
melhoramentos das estradas de ferro baianas. “A extensão total a construir (1º período)
é de cerca de 2.601 quilômetros, dos quaes estão estudados 2.373,556 (...) a
responsabilidade do governo quanto aos novos empréstimos é de 5.260:573$350”
42
.
Convém mencionar as obras previstas para serem realizadas pela empresa às custas do
governo.
Uma das características que marcou a administração francesa na Bahia foram as
reclamações divulgadas no período de sua concessão destas ferrovias. Inicialmente, no
relatório referente ao ano de 1914 se destaca que,
destruídas pelo abandono em que se acham, entregues a ação do
tempo, as oficinas de Periperi são um amontoado de ruínas onde mal
se abrigam os machinismos que ainda produzem mal que uma casa de
trabalho, onde as condições hygienicas devem ser atendidas, de onde
as prescripções technicas se não devem afastar. As coberturas de
zinco, sobretudo a de ferraria, destruída pela oxydação, impedem o
trabalho por completo, obrigam-no a paralisação absoluta nos dias
chuvosos, por maiores e mais precisos que sejam: além do attentado
que se comette contra a saúde e a vida do operário, embora humilde,
mas indispensável e caro à sociedade.43
O relatório do ministro da Viação e Obras Públicas em 1914 atestou as condições
da E’ste, situação que se agravou em 1930. Queixas contra a Companhia foram
constantes nos jornais durante a administração da Chemins de Fer feitas pelos
trabalhadores, pelos comerciantes e pela população a forma como esta empresa era
gerenciada. “(...) Várias pessoas vieram queixar-se do mau estado em que se acha a sala
da Estação de São Francisco. Bancos velhíssimos, paredes sujas e outros inconvenientes
(...)” 44.
42
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1913, P. 82. Disponível em
www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 09/05/2010.
43
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1914, p. 121. Disponível em
www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 13/05/2010.
44
Nossos Dias, Alagoinhas. s/d.
30
A insatisfação dos operários com a administração pode ser evidenciada através das
greves deflagradas durante a Primeira República, a exemplo das greves de 1919 e a de
1927 e posteriormente as de 1932 e 1935.
45
As queixas de que a administração era
deficiente e as reclamações constantes destes ferroviários estavam embasadas em
condições concretas de sobrevivência no período.
Contudo, compreende-se a partir dos relatórios dos ministros de Viação e Obras
Públicas que as queixas contra a E’ste foram recorrentes e que muito provavelmente
contribuíram para motivar as greves dos trabalhadores. Devido à ausência de solução
para os problemas relacionados ao tráfego de passageiros e ao transporte de
mercadorias. “Tanto o serviço de tráfego como o de mercadorias correram durante o
anno com bastante irregularidade, provocando, sempre, reclamações por parte do
público, fazendo-se sentir com maior intensidade nas mercadorias (...)” 46.
Estes relatórios do Ministério de Viação e Obras Públicas estavam repletos de
informações relacionadas às condições das estradas de ferro que formavam a
Companhia E’ste e as principais mercadorias que transportavam os trechos que ainda
deviam ser construídos, materiais reparados e despesas com as recuperações de estradas,
trens, oficinas e dos custos com o pessoal, sempre discriminados para mostrar que a
empresa ferroviária era extremamente hierarquizada em suas funções. Como se percebe
inúmeras foram as reclamações contra a administração dessa empresa.
(...) O trem da “E’ste”, que parte da Estação da Calçada às 17:17, para
Camassary e que o povo baptisou de “Pirolito”, vai sempre super
lotado, causando isso sérios embaraços aos passageiros (...) Agora,
porém, a “E’ste” aboliu o trem daquelle horário, que passou a
regressar pela tarde.47
Nenhuma novidade se apresenta no que tange às queixas dos ferroviários, dos
comerciantes e dos passageiros durante a década de 1930 em relação aos serviços
prestados pela empresa arrendatária L’ ste Brésilien. Problemas como os descritos
acima, de trens lotados e de supressão de horários, foram constantes e os jornais
noticiavam estes acontecimentos e como isto prejudicava a população.
45
MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves
Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana,
2008.
46
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1917, p.115. Disponível em
www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 13/05/2010.
47
O Pirulito superlotado e a supressão de um horário. Diário de Notícias, Salvador, 26 dez. 1932, p. 1.
31
O atraso dos trens lesando as atividades da população e afetando os negócios dos
comerciantes também foi atestado por Fabiana Machado em seu estudo sobre a ferrovia
Leste em Jacobina durante 1920 a 1940. “Segundo relatam estas reportagens, os atrasos
dificultavam a vida dos passageiros e dos comerciantes locais, atrasando o transporte de
mercadorias”.48
No que se refere ao preço das tarifas, os periódicos também deixavam claro esta
insatisfação. “Outra promessa das que o Sr. Interventor Federal fez ao povo bahiano,
por ocasião do seu regresso do Rio, acaba de ter execução. Dessa vez é com a E’ste,
cujas tarifas extorsivas são reduzidas (...)”49.
Ainda sobre as tarifas da Leste destacou-se que “alliviará o commercio e a lavoura
dadas as tarifas elevadíssimas da Ferroviaria, que asphyxiam o commercio e a lavoura
das regiões servidas por esta Companhia”
50
. Através desta notícia depreende-se que
havia conflitos entre comerciantes e a empresa ferroviária por causa do preço das tarifas
do transporte. Comerciantes que precisavam transportar os seus produtos reclamavam
dos preços dos fretes.
José Camelo Vieira Filho aborda a administração da empresa arrendatária em
seção de um dos capítulos da sua tese sobre a implantação das ferrovias na Brasil e traz
informações sobre a L’ste que contribuem para o nosso estudo, afirmando que “(...) a
Cia arrendatária apresentara já em 1930 uma série de reclamações avultando-a do
pagamento de obras e fornecimento de materiais, no valor de 20.000.000$000 e
procurou apoiar na falta desse pagamento para justificar a deficiência do desempenho de
suas obrigações”
51
. Em 1930, representantes da empresa arrendatária propagandearam
nos jornais que a mesma passava por uma crise financeira como modo de justificar
tantas queixas e reclamações contra a mesma. Como o cenário foi marcado pela crise
econômica de 1929 os patrões alegavam os reflexos desta conjuntura na Bahia.
Além disto, o grupo francês ao investir no setor de transporte visava auferir lucros
mediante a garantia de juros e da expansão das linhas através dos empréstimos do
governo. Contudo, não se pode perder de vista que grande parte das ferrovias baianas
48
SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em
Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2009, p. 111- 112.
49
Estão sendo cumpridas as promessas do Senhor Interventor. Reduzidas as tarifas da E’ste, Diário de
Notícias, Salvador, 08 jan. 1932, p. 1.
50
Uma estrada que se impõe. Desta capital até a cidade de Alagoinhas. Falta, apenas, a ligação de 60
kilômetros. Diário de Notícias, Salvador, 15 ago. 1931, p.1.
51
CAMELO FILHO, José. A Implantação e Consolidação das Estradas de Ferro no Nordeste Brasileiro.
2000. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências humanas. Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2000, p.153.
32
sob domínio da arrendatária funcionou na maior parte do tempo de forma deficitária,
tendo o governo garantido o lucro destes financistas. As greves deflagradas durante a
Primeira República estudadas por Flávio Martins52 abordam a situação precária da
ferrovia Bahia ao São Francisco e como as condições de trabalho dos operários eram
difíceis.
A pesquisa de Flávio Dantas Martins53 ressalta as greves de 1919 e o contexto
geral de paralisação da classe trabalhadora, bem como a greve de 1927, que aparece em
seu estudo como um movimento extremamente complexo e importante de luta operária
contra o domínio estrangeiro francês.
1.2.
Entre estrangeiros e brasileiros: o caso da Leste
Nas palavras de Lauro Farani Pereira de Freitas, engenheiro e diretor da empresa,
o caso da Leste foi marcado pelas
(...) dificuldades advindas dos serviços, em todo o primeiro semestre,
em conseqüência do conhecido Caso da Leste, como das cheias que
tanto damnificaram as linhas desta ferrovia, sem que não se deva
esquecer, também, que os dois primeiros mezes do anno foram de
completo abandono por parte da Companhia arrendatária.54
Após uma onda de manifestações grevistas, entre elas a greve de 1927, que incluía
entre suas reivindicações que a L’ste fosse encampada pelo governo, tanto que por meio
do Decreto Lei 24.321, de 1º de junho de 1934, pôs fim ao período de domínio
estrangeiro na direção das ferrovias baianas. Tal período ainda carece de uma maior
investigação a respeito o controle francês na direção deste meio de transporte. Contudo,
podemos afirmar que houve mobilizações intensas dos ferroviários por melhores
condições de trabalho e de vida, isso deu pistas sobre o tratamento dispensado a estes
trabalhadores pelos franceses, a exemplo da greve de 1927, estudada por Flávio Dantas
Martins e das paralisações em 1932, 1935 e 1937.
52
MARTINS, Flávio Dantas. Na madrugada seremos livres: Paralisações e Movimentos Ferroviários na
Bahia (1909-1927). (Relatório de Pesquisa em Iniciação Cientifica - FAPESB). Feira de Santana:
Universidade Estadual de Feira de Santana, 2007.
53
MARTINS, Flávio. Legislação Trabalhista e Greves Ferroviárias na Bahia (1927 – 1936). (Relatório
de Pesquisa em Iniciação Científica – FAPESB). Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de
Santana, 2008.
54
FREITAS, Lauro Farani Pedreira de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro, Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 20.
33
O ministro da Viação Marques dos Reis em visita à Bahia em 1934 foi procurado
por inúmeros periódicos para dar entrevista e a sua posição foi descrita pelo redator do
jornal. “Depois de troca de saudações, o dr. Marques dos Reis, com aquella affabilidade
e requinte de polidez do causídico insinuante que sempre fôra, acolheu o jornalista
visitante (...)”55. Nesta entrevista, o ministro também comentou sobre a rescisão do
contrato da Este Brasileiro. Sobre este assunto o ministro declarou:
A referida rescisão foi proposta e decretada ao tempo ainda da gestão
do meu antecessor na Viação, mas, em verdade o acto oficial da
occupação das ferrovias por parte do Governo não foi feito até hoje,
de sorte que, confiantes certamente, na viabilidade de um acordo, os
arrendatários por via diplomática e mesmo directamente estão
trabalhando neste sentido, junto ao Ministério. A propósito, de minha
parte nenhuma má vontade résta, para desprezar uma justa conciliação
de interesses, na hypotese vertente. Empenhando no estudo dos
direitos de cada uma das partes, de um lado o Governo e do outro os
arrendatários franceses, tenho que apurar e reservar os interesses do
País, sem desconhecer os daquelles e resta analyse e deste confronto
tudo farei para obter uma fórmula conciliatória, (...) Ademais, é de
mister que attentemos nos effeitos resultantes de medidas, ou actos,
que possam prejudicar a entrada de capitais estrangeiros em nosso
País, contra o qual se formará lá fora, então um ambiente de
desconfiança que dificilmente cessará, para infelicidade nossa. A
política brazileira, no particular, terá de orientar-se, através de rumos
seguros, cuja finalidade consista em attrair o ouro de que muito
estamos a carecer, para o nosso engrandecimento econômico e para
libertação de nossas finanças.56
É perceptível a preocupação do Marques dos Reis com a manutenção da entrada
de capitais externos no Brasil e na Bahia. Contudo, a entrada deste capital aumentou a
dependência do país, além de contribuir com a transferência das riquezas geradas no
país para o exterior.57 O capital excedente dos países centrais foi exportado para o Brasil
através de investimento em diversos setores da economia. A presença do capital
estrangeiro foi expressiva para a economia do País, pois a Inglaterra financiou o seu
processo de independência, visto que saldou a dívida cobrada por Portugal devido a
emancipação brasileira.
Os relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro entre outras coisas servem
para reconstituir o balanço financeiro da empresa no período, além de trazer
55
A Bahia pode esperar pelos benefícios do Ministério da Viação. Diário de Notícias, Salvador, 10 set.
1934, p. 1.
56
Idem, ibidem.
57
A saída de capitais do Brasil para os outros países foi mais freqüente que a entrada deste capital.
34
informações relativas a todas as esferas da ferrovia, como armazéns, oficinas, aquisição
de materiais, déficits, quantidade de trabalhadores empregados no período, condições
adversas existentes no referido ano a que se referia ao relatório. Também destaca
imagens da presença de operários na sua labuta diária no cenário da empresa e a busca
de melhores condições para si e suas famílias no período posterior à tomada de posse
pelo Governo Federal. A seguir imagem da obra de reconstrução do Pátio da Calçada no
decorrer do ano de 1935.58
Figura 1. Operários trabalhando na obra de remodelação do Pátio da Calçada (1935)
Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro referente ao ano de 1935, Salvador, 1936.
Em contrapartida, os relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro permitem
analisar a visão de Lauro Farani de Freitas, engenheiro e diretor dessa empresa desde
administração anterior, acerca da empresa ferroviária e dos ferroviários após o fim do
contrato de arrendamento.
Lauro Farani tinha sido o diretor interino da L’est antes da sua encampação quando
foi deflagrada a greve de 1935. As fontes atestaram que a posição assumida por Freitas
foi vacilante, parece que ele percebeu o curso dos acontecimentos os quais levaram a
pedir demissão da empresa francesa para posteriormente ser reconduzido ao cargo da
administração brasileira. Lauro Farani de Freitas era um político da bancada pessedista
58
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936.
35
da Bahia e sua influência em diversos momentos foi decisiva para promover as
mediações que possibilitaram o final da greve dos ferroviários ocorrida em 1935. Como
mostra o destaque abaixo:
Esta administração, que de início, teve ao seu lado a maioria
esmagadora da classe, entretanto, apesar do seu absoluto espírito de
tolerância, foi forçada como uma medida prophilactica, a reprimir uns
tantos abusos de caracter administrativo, promovidos por meia dúzia
de agitadores a soldo da Companhia Francesa, com o objetivo de
perturbar a ordem, a disciplina do meio e a boa marcha dos trabalhos
ferroviários; e assim removeu e demitiu cerca de uma dezena de maus
elementos.59
A citação acima deixa claro que houve demissões de ferroviários por parte da
empresa, após esta já estar em poder do governo. E 1935 foi um ano decisivo no que
tange à greve dos ferroviários encabeçada para “impedir” que a empresa voltasse às
mãos dos antigos patrões. A greve na visão dos jornais era assim anunciada: “Promptos
ao trabalho pelo Brasil com brasileiros, os ferroviários estarão sempre dispostos a reagir
contra o domínio estrangeiro explorador.” 60
Segundo o diretor da empresa outro problema que teria prejudicado o transporte
da ferrovia seriam as fortes chuvas que teriam dificultado a circulação na via, já em
estado deplorável devido à má conservação dos ex-arrendatários. Vale ressaltar e se faz
importante para efeito deste estudo que a empresa ferroviária Leste Brasileiro, como foi
posteriormente nomeada, englobou a Estrada de Ferro Bahia a Minas e a Central da
Bahia para além da Bahia ao São Francisco e seus ramais. A leitura dos relatórios
mostra que a empresa tem um grande papel no desenvolvimento da economia baiana e
suas rendas giraram em torno do transporte de “café, álcool e aguardente, cereais, fumo,
sal, toucinho, açúcar e diversas. 61 Os relatórios da Viação Férrea destacam que a mesma
possuía 116 locomotivas em 1935 e os gastos com os operários de acordo com as suas
funções, como conferimos a seguir:
59
Idem, ibidem, p. 4.
Promptos ao trabalho pelo Brasil com brasileiros, os ferroviários estarão sempre dispostos a reagir
contra o domínio do estrangeiro explorador. Era Nova. Salvador, 30 mar. 1935, p. 1.
61
Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas referente ao ano de 1927, p. 177. Disponível em
http://www.crl.edu/content.asp. Acessado em: 20/05/2010.
60
36
Tabela 2. Carga horária dos encarregados na conservação de linhas (1935)
Pessoal – Em conservação de Linhas:
--------
Dias de trabalho durante o anno
433.966
Media mensal
36.1641
Numero médio mensal de trabalhadores
1.446,5
Percentagem media de homem - kilômetro
0,8
Fonte: Relatório da Viação Férrea referente a 1935, Salvador, 1936, p.55.
Sobre o movimento financeiro percebe-se na leitura do relatório de 1935 que o
movimento financeiro da Leste apresentou um pequeno superávit no segundo semestre.
Neste ano o transporte de mercadorias, passageiros, bagagens e animais foi crescente
em relação ao ano anterior, 1934.
Destaca a distribuição dos gastos com o pessoal que trabalhava na empresa, e
ressalta que há um esforço do diretor da Leste em mostrar que em 1935 houve gastos
extensos com o pessoal da administração central, do tráfego, da locomoção e das linhas,
em relação ao ano de 1934, quando a ferrovia ainda se encontrava nas mãos dos
estrangeiros e essa medida contribuiu para reduzir os gastos da administração central,
tanto que eles foram menores do que os realizados no ano anterior. Portanto, o saldo
cresceu no período seguinte.
Lauro Farani de Freitas ainda declarou que é possível constatar dois momentos em
1935: um refere-se ao período entre meados de março, isto é, antes da encampação, e o
segundo após março. Os números referentes ao saldo também se apresentam maiores no
relatório no segundo período. No ano seguinte relatório destaca a urgente necessidade
de modernizar os serviços ferroviários, adquirindo-se “novas locomotivas a vapor e
locomotivas Diezel - elétricas ou pneumáticas. 62 Trata-se de uma medida urgente, pois é
fundamental para o processo de modernização dessa ferrovia.
Outro aspecto comentado no relatório diz respeito à iluminação, pois, “enquanto
antes da occupação os trens viajavam, quando muito, iluminados pela luz oscillante e
mortiça dos acetilenos, e em 31 dez.1935 o aspecto era diverso: iluminação firme e mais
ou menos profusa.” 63
O relatório de 1935 foi o primeiro realizado pela administração brasileira. Ele
relata o “sofrimento da lavoura, do comércio, do público e das indústrias devido às
62
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 25.
63
Idem, ibidem. p.32.
37
péssimas condições da ferrovia.” Uma soma de reclamações relacionadas à deficiência
dos equipamentos, bem como das verbas para adquirir novos materiais necessários para
dinamizar os serviços de transporte. Em contrapartida, a ausência de ligação entre
algumas estradas de ferro também representou um problema e aumento nos custos do
transporte.
De acordo com o relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro de 1935, o
seu déficit foi bem menor neste ano, mas segundo um quadro do movimento financeiro
presente neste mesmo documento a estrada vinha funcionando com baixos lucros, pois a
despesa era um pouco menor do que a receita, de acordo com o relato do engenheiro
diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de Freitas. Esta informação soma-se à dos
relatórios dos Ministros de Viação e Obras Públicas nos anos de administração francesa,
atestando que a Companhia foi deficitária na maior parte do tempo. A seguir tabela
referente à receita da empresa obtida com os transportes.64
Tabela 3. Receitas da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (1931-1935)
VERBAS
1931
1932
1933
1934
1935
Passageiros
Bagagens e
encommendas
Mercadorias
3.188:078$985
3.050:106$590
2.794:386$055
3.065:810$375
3.452:953$795
575:265$895
473:508$355
421:214$780
470:404$665
551:902$125
8.236:821$900
6.898:444$901
7.171:337$070
7.909:879$865
9.513:967$413
193:231$840
316:884$590
275:759$990
174:386$875
291:984$630
1.717:501$873
1.515:054$614
1.687:951$415
1.660:305$365
1.943:877$520
Animaes
Rendas
diversas
TOTAL
13.910:900$493 12.253:999$050 12.350:649$310 13.280:787$145 15.754:685$481
Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro de 1935, Salvador, 1936.
A tabela mostra que houve uma queda na receita bruta em 1932 e uma pequena
recuperação e uma significativa elevação em 1935 tanto que Freitas indica que isso
contribuiu para certo aumento na produção das oficinas65. Todo o documento mostra
certa melhoria a partir da sua encampação pelo governo em 1935, como exemplo
destaca a boa situação das reparações dos materiais e das locomotivas.66
O que acarretou na vida dos ferroviários empregados na Leste esse propalado
incremento de reparações? E o aumento do transporte de mercadorias e passageiros?
Como estes operários vivenciaram a administração do governo? Para responder estas
64
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p.14.
65
Idem, ibidem, p. 14.
66
Idem, ibidem, p. 15.
38
questões tem que se levar em conta a conjuntura baiana após o fim do contrato de
arrendamento, bem como as mudanças que foram encetadas a partir da administração do
governo. É importante destacar que o estudo dos ferroviários baianos no período de
1932 a 1952 demonstrou que estes trabalhadores foram atuantes e não deixaram de se
mobilizar na luta por melhores condições de trabalho.
A greve em 1935 visava transferir esta estrada para as mãos do governo, ao que a
arrendatária reagiu na justiça. Se a estrada não dava lucros porque os estrangeiros não
queriam perder o controle da mesma? Não se pode perder de vista que o governo
concedia alguns subsídios para as empresas férreas, sendo fator preponderante para que
não desejassem perder a administração destas estradas, somadas a empréstimos do
governo para a construção de novas obras.
Depreende-se da leitura dos relatórios que houve exploração e a opressão não
somente dos trabalhadores, mas do próprio espaço ocupado pela ferrovia atestado no
relatório de 1935, conforme uma nota interessante sobre o problema da falta de material
como dormentes e a lenha: “a exploração por mais de 60 anos, das nossas matas, de
natureza pouco densas, não replantadas, há motivado, indubitavelmente, a escassez de
material (para dormentes e lenha).”67
Como o corte ou a extração do magno (madeira) era considerado problema então a
proposta é usar óleo combustível para “evitar a devastação de nossas florestas por certa
temporada”68. Quando faltou lenha, usou-se o “carvão Cardiff” na Calçada durante 3
meses no período de maio a julho 1935 69. Repetidas vezes o engenheiro destacou que a
administração federal adquiriu as ferrovias baianas em condições deploráveis de
conservação. No entendimento de Zorzo
na Bahia, em matéria de ferrovia, houve uma modernização
conservadora e periférica, agressiva ao meio ambiente. No caso da
Leste a estrada de ferro consumiu muitos hectares de mata para
fornecimento de lenha combustível. Convém notar que, mesmo o
problema sendo explicitado tecnicamente nos relatórios da empresa,
pouco recuperou em termos de medidas mitigadoras de
reflorestamento.70
67
Idem, p. 9.
Idem, p.24.
69
Idem, p.24.
70
ZORZO, Francisco Antonio. História de um Impacto Ambiental (1935-1949): o caso da Empresa
Ferroviária Leste Brasileiro e do Corte de Madeira para Combustível na Tração à Vapor. Comunicação
apresentada no III Encontro Estadual da ANPUH. Caetité, 2005.
68
39
A falta de transporte fez com que surgissem queixas. “(...) Não foram poucas e
sem razão as centenas de reclamações do público sobre a falta de transportes de suas
mercadorias do interior para esta Capital”.71 Os jornais propagandearam que não havia
mais condições de transportar as mercadorias. A explicação para tamanha crise seriam
os anos de exploração e usufruto pelos arrendatários das rendas das ferrovias sem a
contrapartida da implantação de melhoramentos na empresa. Concomitantemente, os
trabalhadores sentiram esta precarização dos serviços de transporte, haja vista as
permanentes queixas feitas por eles no Jornal O Momento durante a década de 1940 e as
entrevistas realizadas com os ferroviários de Alagoinhas.72
Frente às queixas apontadas acima o diretor da empresa teve que reconhecer a
carência nos serviços, o que faz jus às reclamações da população nos jornais do período.
Lauro de Freitas chamou atenção para a importância do capital internacional nas
ferrovias baianas, quando destacou a emergência de materiais e equipamentos
importados para dinamizar o sistema ferroviário. “A reação da economia e a exigência
sempre crescente dos transportes esbarra na falta de recursos para conservar e ampliar
os equipamentos cujos custos de aquisição via importação era muito alto”
73
. Ainda
sobre o problema da importação de materiais do exterior para serem implantados nas
ferrovias, Zorzo destaca que
A modernização dos transportes teve um custo muito alto perante os
objetivos pretendidos, além de ter se efetuado num plano tecnológico
muito restritivo. A engenharia ferroviária, no Brasil e na Bahia,
desenvolveu-se segundo uma política de dominar somente o processo
construtivo das vias. Devido ao fato de que os equipamentos eram
importados na sua maioria, duas conseqüências se fizeram sentir no
tocante aos problemas de engenharia. Como primeira conseqüência,
cabe dizer que os projetos de estradas de ferro brasileiras sempre eram
obrigados a atender às especificações e normas relativas aos
equipamentos que eram vindas do estrangeiro. Isso significava que,
em última instância, a fonte do conhecimento era gerada no
estrangeiro e simplesmente reproduzida no país. E, segunda
conseqüência, ainda mais desvantajosa, a baixa qualidade e
produtividade das ferrovias brasileiras esteve ligada às dificuldades de
renovação tecnológica (e muitas vezes, literalmente, à não-renovação)
71
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 10.
72
Entrevista com Leopoldo Cardoso de Jesus com 80 anos de idade, ferroviário aposentado da Viação
Férrea Federal Leste Brasileiro e João Ferreira de Souza também com 80 anos de idade e aposentado da
empresa.
73
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 10.
40
dos veículos, máquinas e outros artefatos das vias que eram
dependentes da produção no estrangeiro. 74
O relatório da empresa referente ao ano de 1935 também explicita uma centena de
necessidades da empresa ferroviária para atender a demanda do transporte de
passageiros e carga, mas o diretor alegava a falta de recursos. Ainda com relação aos
problemas da administração francesa verifica-se a existência de “uma curva descendente
nas verbas destinadas à Locomoção”75, uma “política de absoluta restrição, imposta pela
ex-arrendatária, com sacrifícios incalculáveis do material e dos transportes”76. A
culpabilidade da arrendatária francesa era destacada a todo o momento neste relatório e
em outros posteriores a 193577. Lauro de Freitas destacava os aumentos de gastos com
reparação e conservação das máquinas, que, apesar disso, encontravam-se em estado
deplorável. A ferrovia precisava, conforme o relatório de “novas e modernas unidades
de tração”, para evitar congestionamentos, desafogar o tráfego.78
O destaque das informações do relatório revela como o representante da V.F.F.L.
B desejava mostrar que a falta de recursos para a compra de novos materiais e a crise da
empresa tem estreita ligação com os ex-arrendatários franceses. Os relatórios referem-se
ao policiamento nas linhas férreas para evitar roubos e, atropelos, entre outras coisas.
Simultaneamente, destaca o número elevado de descarrilamentos durante o ano de 1935.
O Diário de Notícias apresentou uma matéria sobre roubo na Leste. “A direção da Leste
Brasileiro, segundo colhemos ontem, acaba de levar ao conhecimento da polícia a
descoberta de vultuoso furto nos seus depósitos a Calçada (...)”.79 Ao mesmo tempo,
foram movidos processos pela empresa contra ferroviários e outros operários
responsáveis por estes delitos, isso justificou a necessidade de policiamento nas linhas
da ferrovia, para o referido diretor.
A representação do diretor foi analisada nos relatórios, chamando-se atenção para
os argumentos que pretendia defender através da ênfase em determinados assuntos ou
repetição e constante ataque à antiga administração, da qual inclusive o próprio fez
74
ZORZO, Francisco Antonio. História de um Impacto Ambiental (1935-1949): o caso da Empresa
Ferroviária Leste Brasileiro e do Corte de Madeira para Combustível na Tração à Vapor. Comunicação
apresentada no III Encontro Estadual da ANPUH. Caetité, 2005, p.116-117.
75
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 10.
76
Idem, ibidem. p. 12.
77
Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro dos anos de 1935, 1936, 1937, 1938, 1939, 1940,
1941, 1942, 1943, 1944, 1948.
78
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1936, p. 31.
79
Vultuoso furto nos depósitos da Leste à Calçada. Diário de Notícias, Salvador, 14 jul. 1942, p.8.
41
parte, pois já trabalhava na ferrovia, anteriormente. Curioso o fato dele aparecer
constantemente nas fontes jornalísticas no que tange às greves de 1930 como um
“amigo” dos operários em alguns momentos, como negociador em outros, como diretor,
engenheiro e político influente do período.
Estudos sobre Lauro de Freitas que abordem a sua atuação na direção da Viação
Férrea Federal Leste Brasileiro ainda são escassos, isso é notado em todas as pesquisas
que trataram da Leste, visto que ele foi seu diretor e engenheiro por um longo período.
Contudo, o papel desempenhado por ele ainda permanece “ignoto” pela História das
ferrovias baianas e dos trabalhadores de maneira geral.
O mundo do trabalho na Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco foi palco de
lutas em diferentes momentos, destaca-se o exemplo dos movimentos grevistas em
1909, mobilizações que continuaram ocorrendo na Primeira República e se estenderam
até a década de 1930. A leitura dos relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro
atesta que a companhia ferroviária havia deixado as ferrovias baianas em condições
precárias, ao mesmo tempo procurava mostrar as melhorias introduzidas pela
administração federal.
A partir do que foi exposto pelas fontes, concluiu-se que, de fato, a Companhia
francesa administrou as ferrovias com dificuldade, o que se confirmou pelos números de
déficits registrados nos Relatórios do Ministério da Viação e aqueles elaborados por
Lauro de Freitas, incluindo as queixas nos jornais e as greves deflagradas pelos
ferroviários. Consuelo Novais Sampaio analisa que em relação ao cotidiano do
trabalhador, uma comparação entre a conjuntura de 1919 e a de 1930 afasta qualquer
hipótese que aponte para uma melhoria de suas condições de trabalho e de vida, como
querem os apologistas de Vargas. 80
Grande parte dos problemas permaneceu durante a administração federal embora
Lauro de Freitas tenha romantizado essa questão em seus relatórios. Mas a análise das
matérias do jornal O Momento e as entrevistas com os ferroviários de Alagoinhas
atestaram que o trabalho era excessivo e que o salário não atendia as necessidades dos
operários e de suas famílias que continuou precária no fim da administração de Getúlio
Vargas.
80
SAMPAIO, Consuelo Novais. Poder e Representação: O Legislativo da Bahia na Segunda República,
1930-1937. Salvador: Assembléia Legislativa. Assessoria de Comunicação Social, 1992, p. 47.
42
1.3.
Características do trabalho na ferrovia: A encampação e problemas
Mas o que estes dados a respeito do movimento financeiro da empresa podem
destacar a respeito da experiência ferroviária? Ora, basicamente Lauro Farani em todos
os relatórios elaborados após a tomada das estradas de ferro pelo governo demonstra
que um período de relativas melhorias foi introduzido com a encampação,
exemplificando isto a partir das melhorias implantadas no período que se estende da
segunda metade do ano de 1935 até fins do da década de 1940, quando o transporte
ferroviário declina em detrimento do rodoviário.
Os dados a que se referem à crise das ferrovias e que dizem respeito à receitadespesa afetaram diretamente a vida e o mundo de trabalho destes ferroviários, pois, na
greve de 1932, a empresa demitiu centenas de trabalhadores em decorrência da crise
econômica por ela enfrentada. A partir disto, concluiu-se que as condições da empresa
afetaram diretamente nas relações de trabalho dos ferroviários que foram demitidos por
causa das suas medidas econômicas.
A transferência de patrões franceses para brasileiros a partir da rescisão do
contrato de arrendamento com a L’est representou um momento de acirradas disputas
judiciais para que fosse cumprido o decreto de 1934, o qual postulou que cabia ao
governo a posse da estrada de Ferro L’ste Brasileiro. Cumpre destacar que os
ferroviários participaram deste processo de mudança de patrões se posicionando a favor
do Estado. E esse processo não representou uma atitude de subserviência, mas de
compreensão de que esta mudança poderia lhes beneficiar de algum modo.
O ano de 1935 é um marco, pois agrupou uma grande mobilização que foi
seguida por outra em 1937 provocada pela repulsa à um engenheiro ligado a companhia
francesa que foi readmitido apesar da sua encampação pelo governo. Isso mostra que a
greve de 1937 foi um sinal de que os ferroviários não ficaram subordinados às
imposições governamentais.
Após as mobilizações que exigiam o atendimento das suas reivindicações iniciouse um período denominado por Lauro de Freitas como “harmônico” entre patrões e
operários no ambiente de trabalho ferroviário. No entanto, outras fontes, entre elas os
processos judiciais movidos pelos ferroviários e o jornal O Momento, ressaltam que este
período não foi tão “calmo” assim.
43
No que concerne à leitura dos relatórios elaborados pelo Diretor da Viação Férrea
Federal Leste Brasileiro, durante o ano de 1938, verificou-se que havia ordem e
disciplina na estrada. Pois, de acordo com o engenheiro “os pequenos surtos de
desordens até então existentes provindos desse próprio estado de coisas, após os dois
primeiros anos da ocupação, desapareceram inteiramente, ante as medidas de justiça
postas (...)”81. O documento faz questão de destacar um período tranqüilo após 1935,
quando não havia “tumultos” por conta da administração do governo.
No ano de 1939, volta a chamar-se atenção para a questão da atuação destes
operários, cuja indisciplina sempre mereceu uma seção no início dos relatórios
posteriores a 1935, como um modo de informar sobre possíveis “perturbações” no
mundo de trabalho, em particular as greves, paralisações e todas as formas possíveis de
reivindicações operárias:
Quanto a disciplina acha-se inteiramente restabelecida. Os repetidos
surtos de desordem que durante o primeiro biênio, tanto
movimentaram a Estrada, – efeitos naturais das infiltrações de alguns
elementos indesejáveis, esparsos no meio, a soldo dos ex-arrendatários
(...).82
Supõe-se que o diretor refere-se às greves ocorridas anteriormente, contudo pode
ter havido outros tipos de movimentos de contestação aos patrões, não divulgados pelos
jornais de grande circulação da época. Além disto, destaca-se o que ele intitulou como
“efeitos naturais de infiltrações”, culpabilizando o elemento estrangeiro como os
“incitadores” das manifestações e provocadores da desordem. O estudo de Cláudia
Monteiro compreende que “(...) por muito tempo persistiria a idéia de que os
trabalhadores brasileiros eram contaminados pelos ‘maus elementos estrangeiros’”.83
Em outra seção dos relatórios da Viação Férrea, intitulada de “Serviços
jurídicos”, frisou-se que no ano de 1939 o assistente jurídico da viação cuidou de 312
processos, porém este número continuou aumentando em relação aos acidentes
ocorridos no trabalho, ou desapropriação de terrenos para utilização da empresa, além
da existência de processos crime em decorrência de roubos, violência ou indisciplina. É
81
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia Gráfica da Bahia, 1939, p.3.
82
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1935 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Salvador, 1936, p. 5.
83
MONTEIRO, Cláudia. “Fora dos trilhos”. As experiências da militância comunista na rede de Viação
Paraná- Santa Catarina (1934-1945). 2007. Dissertação. (Mestrado em História). Porto Alegre, 2007,
p.37.
44
válido destacar a pretensão de Lauro de Freitas em mostrar nos relatórios uma relação
harmônica de ferroviários, e de solidariedade dos serventuários da estrada com o
Estado.
Neste contexto há um pedido de policiamento das linhas fato que decorre segundo
Lauro Farani, de uma maior quantidade de acidentes por causa da reforma pela qual
passou as linhas, isso proporcionou uma maior velocidade dos trens, agravado pelo
“desrespeito e inabilidade com que andam os transeuntes sobre as linhas...”
84
. A
culpabilidade dos pedestres pelos acidentes ocorridos também foi algo premente pela
direção da empresa.
As ações judiciais movidas por ferroviários devido aos acidentes ocorridos no
trabalho permitem compreender as condições insalubres e difíceis de trabalho que fazia
parte do cotidiano dos ferroviários. Além disso, ficou explícito a precariedade de
assistência médica oferecida pela empresa aos seus trabalhadores acidentados ou que
ficassem doentes.
Para Lauro de Freitas, este fato era um absurdo, pois quanto melhor for o bemestar dos trabalhadores, maiores serão os lucros. “melhor abrigado o pessoal, residindo
em local salubre e higiênico, os seus serviços seriam melhor aproveitados, subindo, por
certo, o índice de rendimento, em benefício da estrada”.85 E essa medida visava o
controle dos trabalhadores.
Dentre alguns aspectos que aparecem nos relatórios destacaram-se as solicitações
para a construção de casas de turmas para os operários: no ano de 1938, 10 grupos de
casas foram construídas, 6 no estado de Sergipe e 5 na Calçada.86 Outras informações
que apareceram nos relatórios diz respeito aos turmeiros, operários que tinham que
morar próximos às linhas de trem, porque eles eram os responsáveis diretos pela
manutenção dos trens e dos trilhos.
Por outro lado, tem-se que analisar as afirmações do diretor da empresa no período
inicial da administração brasileira deste transporte público:
Medidas diversas de amparo aos nossos trabalhadores foram iniciadas
depois de 1930, com o novo regime, medidas profundamente humanas
84
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Salvador, 1939, p. 71.
85
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Gráfica Comercial, Salvador, 1939, p. 76.
86
Idem, ibidem, p.76.
45
e de extensão cada vez maior, medidas que honram a nossa civilização
e a nossa cultura. 87
As inúmeras queixas dos ferroviários durante a década de 1930 nos periódicos
baianos demonstraram que essas medidas do presidente Gétulio Vargas para com os
trabalhadores foram ineficazes. Os ferroviários tiveram um auxílio importante nesse
momento para legitimar suas ações que foi o apoio de alguns jornais onde fica evidente
uma inclinação mais ou menos favorável aos trabalhadores grevistas. “(...) A cidade já
está inteirada do movimento dos ferroviários, em greve pacífica (...)”.88
Os periódicos se posicionaram relatando os movimentos grevistas de acordo com
determinados aspectos por conta da sua orientação política. O Imparcial, por exemplo,
registrou um dos momentos da greve de 1932, em que um operário atinge o outro por
este não desejar aderir à greve. Não se pode perder de vista, também o interesse do
Imparcial em registrar a violência de alguns trabalhadores para pressionar outros a
aderir a greve. Isso revela a complexidade da teia de relações que envolveram os
interesses das classes dirigentes baianas à época na direção desses jornais.
Altamirando Requião à frente, o Diário de Notícias foi o único jornal
local que apoiou a interventoria de Juracy Magalhães na Bahia. Os
outros órgãos de imprensa de Salvador daquele período, o Imparcial, o
Diário da Bahia e A Tarde, não admitiram o processo intervencionista.
A Tarde se postou como uma tribuna para o movimento Autonomista,
formado por políticos locais que não digeriram um interventor
cearense. Sobre este, tratava-se de uma discordância meramente
regional e sem nenhum teor ideológico.89
Além dos jornais mencionados, durante a década de 1940 O jornal O Momento
analisou as condições dos trabalhadores da Leste e apontou grandes dificuldades de
sobrevivência enfrentadas por estes ferroviários. Paralelamente, a leitura do relatório da
V.F.F.L. B demonstrou que a despesa aumentou muito após 1944, quando a receita
passou a ser apenas a metade das despesas. O que proporcionou isto? E como os
ferroviários perceberam as mudanças na importância e utilização das ferrovias? Cabe
87
FREITAS, Lauro F. P. de. Relatório do exercício de 1942 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Tipografia da Leste, 1943, p.18.
88
O Grande movimento grevista na E’ste. Diário de Notícias, Salvador, 14 de outubro de 1932, p.01.
89
JÚNIOR. José Carlos Peixoto. O Caso Diário de Notícias da Bahia. A quinta coluna Baiana (19351941). 2003. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003, p.39.
46
destacar que as condições de trabalho não se alteraram significativamente com a
mudança de administração a partir de 1935, não se perdendo de vista as especificidades
que caracterizavam cada gerência.
A greve de 1937, bem como os processos movimentados contra a Leste e os
depoimentos de ex- ferroviários90, comprovaram que as reclamações contra a empresa
continuaram ocorrendo, cobrando atenção para o trabalho pesado desempenhado pelos
ferroviários e pelos baixos salários que recebiam.
Concomitantemente, as remoções de local de trabalho era uma medida constante
da Leste Brasileiro, isso evidencia a vivência destes ferroviários marcada pela mudança
e permanente adaptação em outras localidades. Outro aspecto que chama atenção referese ao fato de os acidentes de trabalho e o local de procedência do operário ser diferente
de onde este sofria o acidente:
Para a cidade de Santa Luzia, em dia desta semana, viajou,
acompanhado de S. exma. família o Sr. João Quintino de Souza,
funcionário do depósito de máquinas da “Leste Brasileiro” nesta
cidade. S.S que vai para ali removido, por determinação da diretoria
da “Leste”.91
Apesar da encampação das ferrovias pelo governo continuaram havendo queixas
e reclamações dos seus trabalhadores a respeito do tratamento dado a eles. Contudo,
devido ao Estado Novo imposto por Getúlio Vargas que intensificou a repressão aos
meios de comunicação e às reivindicações operárias as notícias referentes a estas
mobilizações foram mais difíceis de serem divulgadas.
Outro fator que deve ser levado em consideração é a passagem dos operários a
funcionários públicos em 1936, segundo nota do relatório do Ministério de Viação e
Obras públicas de 1920, que trouxe mudanças no relacionamento com os representantes
do governo. Outras notícias presentes nos relatórios da Leste e nos jornais apenas
apontam melhoramentos que foram implementados pelo governo como a eletrificação
da Leste feita em 1942, bem como a instalação de carros restaurantes na empresa, entre
outras medidas propagadoras de “avanço” e “modernidade”.
Contudo, nem tudo é harmônico, como quer transparecer os relatórios elaborados
por Lauro de Freitas. As notícias veiculadas no jornal O Momento apresentam as
90
Entrevista realizada com os ferroviários aposentados Leopoldo Cardoso de Jesus e João Ferreira da
Silva em Alagoinhas no dia 23 de agosto de 2010.
91
Da Leste. Correio de Alagoinhas, Salvador, 30 mai. 1942, p. 4.
47
queixas dos ferroviários aos serviços e às condições de atendimento a estes
trabalhadores pela empresa. “Enquanto corremos as seções da Leste, ouvimos da boca
de quase todos os operários, queixas idênticas, contra o salário e os eternos
protegidos”92. Informações relacionadas a queixas contra a Companhia Ferroviária
Leste Brasileiro também foram atestadas pelo estudo de Fabiana Machado sobre a
ferrovia em Jacobina no percurso entre Iaçu e Bonfim.93
1.4.
Ferroviários pobres e negros: O caso baiano
A bibliografia que trata das ferrovias e dos ferroviários é unânime em destacar a
primazia desta categoria nas mobilizações grevistas. E, no que tange ao estudo da mãode-obra empregada nas construções das estradas de ferro, Cláudia Monteiro enfatiza, no
caso da Viação Paraná Santa Catarina, que os trilhos foram construídos, quase
exclusivamente, por operários livres.
Monteiro pontua que a existência da Lei nº 641 de 1852, garantia que o braço
escravo não seria utilizado nos trabalhos de implantação das ferrovias. De um modo
tímido, a autora compreende que os “operários livres” em uma sociedade escravista,
construíram os trilhos em todo o Brasil94. Chega a citar a construção da Bahia E.F ao
São Francisco e de outras no Estado Nordestino, mas não esclarece as diferenças
existentes entre os trabalhadores empregados no Sul e no Nordeste do Brasil.
Na compreensão de Monteiro, “no entanto, talvez seria ilusão pensar que as
condições de vida e trabalho eram muito melhores do que a dos escravos.”95E o estudo
dos ferroviários baianos permite concluir que as condições de trabalho e de vida foram
de fato, precárias.
O estudo de Marco Henrique Zambello96 sobre a Companhia Mogyana e a
Paulista em São Paulo destacou a lei imperial de 1852 que proibia que escravos fossem
empregados nas ferrovias. Mas, o autor ressalta que isso continuou ocorrendo apesar da
existência da lei ao lado da utilização do trabalho dos imigrantes. Nesse sentido, o
92
Os ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 3.
SILVA, Fabiana Machado da. O trem das grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em
Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual da Bahia, 2009.
94
MONTEIRO, Cláudia. Fora dos trilhos As experiências da militância comunista na rede de Viação
Paraná – Santa Catarina (1934-1945). 2007. Dissertação. (Mestrado em História). Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2007, p.32.
95
Idem, ibidem. p.32.
96
ZAMBELLO, Marco Henrique. Ferrovia e Memória: Estudo sobre o Trabalho e a Categoria dos
Antigos Ferroviários da Vila Industrial de Campinas. 2005. Dissertação. (Mestrado em História).
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 52.
93
48
trabalho escravo e o livre teriam coexistido na sociedade substituindo a idéia de que a
partir da entrada dos imigrantes isso teria cessado.
Mais uma vez, é importante observar que havia presença majoritária de
afrodescendente no trabalho nas ferrovias baianas. A historiografia sulista que se
ocupou do estudo de operários que trabalharam em ferrovias, abordou o quanto essa
mão-de-obra foi proveniente de outras partes do mundo, entrando como imigrantes no
Brasil e que trouxeram suas formas de organização e seus modos de reivindicação dos
países de origem.
Estudos mais recentes que se ocuparam da realidade baiana têm comprovado a
imigração na Bahia foi quase nula, sendo os escravos, libertos, enfim, os negros, os
responsáveis pela construção das estradas e pelo transporte nas estações ferroviárias.
Então, na Bahia, o estudo da própria formação da classe operária não irá se ocupar da
imigração e sim da escravidão como uma experiência vivenciada anteriormente. A
seguir tabela elaborada a partir da análise dos processos de acidentes de trabalho.
Tabela 4. Ferroviários vítimas de acidentes segundo a cor (1926-1952)
Cor Declarada
Vítimas/Ferroviários
%
Branco
Faioderma
Leucoderma
Melanoderma
06
16
03
04
10,53
28,07
5,26
7,02
Mestiço
01
Moreno
Pardo
Preto
Não Informado
Total
02
03
03
19
57
1,75
3,51
5,26
5,26
33,33
100,00
Fonte: Processos de Acidente de Trabalho, APEB. Tabela elaborada a partir de dados da pesquisa.
A tabela apresenta um quadro resumo acerca da cor das vítimas dos acidentes de
trabalho ocorridos na empresa ferroviária e apontou a predominância da denominação
faiodermas (16) entre outras variações como a leucoderma (03) e melanoderma (04).
Além dessas também constavam termos como mestiço, moreno, pardo e preto. O estudo
de Maria Aparecida Sanches ao identificar o perfil da sociedade baiana destacou que:
49
a cor foi um importante demarcador social para a Bahia, que para
além de brancos e pretos, a miscigenação da população baiana
construiu um leque de gradações cromáticas que determinavam a
aproximação e a distância desses dois níveis cromáticos básicos,
quanto mais próximos dos fenótipos brancos, maiores eram as chances
ascensionais para os indivíduos.97
Nesse sentido, estas denominações foram utilizadas pelos médicos legistas nos
processos de acidente de trabalho para classificar as vítimas. Ao que tudo indica essa
denominação marcou o lugar social ocupado por esses trabalhadores reclamantes dando
uma idéia do perfil dos trabalhadores da Leste. Na análise da tabela percebe-se que há
uma predominância de indivíduos não brancos agrupados em torno das definições
melanoderma e faioderma designando operários negros e pardos em sua maioria,
havendo uma menor porcentagem de leucodermas, isto é, brancos. Não se pode perder
de vista, a subjetividade presente nessa classificação realizada pelos médicos em termos
do julgamento dos critérios a serem utilizados para elaborar esse quadro, mas corrobora
o fato dos ferroviários baianos serem afro- descendentes em sua maioria.98
No seu estudo sobre as Ferrovias Inglesas no Nordeste, José Camilo Neto dedica
um capítulo à formação da classe trabalhadora a partir do mundo de trabalho ferroviário.
Na compreensão deste autor, a utilização da mão-de-obra escrava no trabalho das
ferrovias dificultou a formação de uma classe trabalhadora, destacando a entrada de
imigrantes em Pernambuco em meados de 1850 para realizar este tipo de atividade.
A influência de trabalhadores estrangeiros especializados sobre o
crescimento da consciência de classe foi importante, mas a existência
da escravidão impediu o desenvolvimento da classe trabalhadora.99
Ao fazer esta análise o autor acaba reforçando o “mito” de que a classe operária no
Brasil inteiro era composta por brancos, estrangeiros e anarquistas e que trouxeram a
sua experiência de organização de outras partes do mundo. Essas generalizações não
levam em conta as peculiaridades de cada localidade, a exemplo da Bahia. No estudo de
97
SANCHES. Maria Aparecida. As razões do coração: namoro, escolhas conjugais, relações raciais e
sexo- afetivas em Salvador 1889/1950. 2010. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2010, p.123.
98
Com relação à cor e essa multiplicidade de sentidos implicados nas várias denominações cromáticas,
como leucoderma, faioderma, etc., precisam ser melhor aprofundados em estudos posteriores sobre o
assunto. Ver: SANCHES, Maria A. As razões do coração: namoro, escolhas conjugais, relações raciais e
sexo- afetivas em Salvador 1889/1950. 2010. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2010.
99
MELO. Josemir Camilo de. Ferrovias Inglesas e mobilidade social no Nordeste. Campina Grande:
EDUFCG: 2007, p. 96.
50
Robério Santos Souza sobre as experiências de ferroviários nos trilhos da Bahia, o autor
destaca que a classe operária baiana foi constituída, isto é, formou-se a partir da
experiência da escravidão e os ferroviários eram negros e mestiços.
Inicialmente, é preciso atentar para as particularidades da composição da classe
operária baiana, bem como da mão-de-obra ferroviária. Segundo Decca “a cidade de
São Paulo nos fins dos anos 20 e início dos 30 mostra-se como um centro industrial,
operário e ‘estrangeiro’” 100. É preciso chamar atenção para a heterogeneidade da classe
trabalhadora a depender da sua localização. Na Bahia, espaço onde se concentra este
estudo segundo atestam os trabalhos de Castellucci101e Robério Souza, a classe operária
era composta de negros, pardos, enfim, era majoritariamente negra enquanto a
imigração teve uma importância quase nula.
As formas de organização foram esboçadas com elementos que dispunham no seu
dia-a-dia e marcada pela experiência da escravidão, haja vista que grande parte dos
operários que trabalharam na construção das ferrovias na Bahia eram escravos ou
recém-libertos. Sendo assim, não foi trazida previamente uma forma de organização de
outros países do mundo o que serviria para propagar uma idéia de dependência e
homogeneidade dos operários, quando se sabe que cada localidade possui suas
peculiaridades e dinâmica própria.
No que tange à presença negra de escravos e libertos na formação da classe
trabalhadora na Bahia e no trabalho nas ferrovias baianas Jailton Brito compreende que
tanto a construção de ferrovias como o trabalho em garimpo eram
atividades em que um escravo fugido poderia, sem dificuldades,
camuflar sua verdadeira condição, fazendo-se passar por homem livre
ou liberto, pois não devia haver muitas exigências na admissão de
novos empregados, além do que eram atividades exercidas, em sua
maioria, por negros, o que facilitaria sua camuflagem.102
Flávio Dantas Martins em seu estudo sobre a greve ferroviária ocorrida em 1927
destaca que esta foi definida como o dia da “libertação dos ferroviários” e reivindicou a
memória da libertação dos escravos
103
. A memória da escravidão esteve presente na
100
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo
(1920/1934). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.17.
101
CASTELLUCCI, Aldrin. Industriais e Operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921).
Salvador: Fieb, 2004.
102
BRITO. Jailton. A abolição na Bahia: 1870- 1888. Salvador: CEB- UFBA, 2003, p.37.
103
DANTAS, Flávio apude MARTINS, Flávio D. Legislação Trabalhista e Greves Ferroviárias na Bahia
(1927 – 1936). (Relatório de Pesquisa em Iniciação Científica – FAPESB), Feira de Santana: UEFS,
2008, p.15.
51
mentalidade de alguns dos ferroviários que, em diversos momentos na elaboração de
seus boletins e manifestos comparavam as difíceis condições de vida que a empresa
ferroviária proporcionava aos trabalhadores, à experiência da escravidão.
As comparações entre o trabalho ferroviário e a escravidão apareceram
constantemente nas fontes durante a década de 1930. “Os assalariados da Companhia
vão para exercerem as funções de servidores da coletividade num serviço público,
porém, arvorados em chefes onipotentes para manter-se o regime de cativeiro (...)”.104
De acordo com o jornal O Alarma, a Companhia Francesa tratava o operário
brasileiro como: “(...) aqueles míseros africanos que raptados de sua pátria vinham nos
porões dos navios, destinados a feudaes donos de engenhos e que estava sujeitos a todas
as penalidades bárbaras daquelles tempos”
105
. A escravidão era uma realidade muito
próxima destes operários, pois que muitos que ingressaram no mundo de trabalho
ferroviário eram escravos, ou ex-escravos: “É bem provável que muitos negros livres,
libertos ou escravos, juntamente com os estrangeiros, trabalhassem na construção e no
funcionamento de estradas de ferro na Bahia”. 106
Isso se justifica, pois o cotidiano de trabalho ferroviário era marcado pelo
sofrimento e pela exploração. Essa comparação com os escravos demonstra com clareza
como os operários sentiam-se no trabalho da estrada de ferro, e como tinham
consciência da exploração a qual eram submetidos, o que justificava a comparação com
o trabalho no regime compulsório embora esses trabalhadores tenham consciência que
naquele momento estavam submetidos a outro estatuto:
A era de reivindicações que caracterizou, singularmente, a revolução
de outubro, não aproveitou e não podia aproveitar a determinadas
classes num exclusivismo odioso e injustificável. Muito ao contrário
ela espargiu os raios fulgurantes da sua mentalidade sadis, sobre todas
as classes [trabalhadoras] até então escravizadas ao tronco infame do
cativeiro a liberdade tolhida e conspurcados os seus mais legítimos
direitos.107
O estudo de Robério Santos Souza destaca que o chefe de turma dos ferroviários
era chamado de feitor, deixando evidente a memória da escravidão presente no
104
Os Ferroviários em greve. O Imparcial, Salvador, 14 out. 1932, p. 8.
O Alarma, Alagoinhas, 26 set. 1932.
106
SOUZA, Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho, Solidariedade e
conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em Historia). Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p. 42 - 43.
107
Os Ferroviários em greve. O Imparcial, Salvador, 14 out. 1932, p. 8.
105
52
cotidiano de trabalho. “O feitor constituía-se no instrumento patronal de exercício do
poder e repressão direta da força de trabalho, aplicando punições aos trabalhadores
supostamente insubordinados”.108
Na entrevista realizada com o ferroviário aposentado João Ferreira de Souza, em
Alagoinhas, o mesmo citou qual era a sua função dentro da ferrovia e como foi o seu
ingresso na estrada de ferro: “(...) Sempre que tinha precisão botava gente, naquele
tempo o chefe, o feitor de lá que me colocou na linha, já morreu”.109 Referências à
memória da escravidão foram encontradas nas fontes, e mostram a importância dessa
mão-de-obra no contexto baiano, numa ordem econômica que exigia mudanças.
A seguir segue a imagem do Diário de Notícias de 26 de março de 1935 que
demonstra a aparência física de um grupo dos ferroviários baianos, onde se percebe a
cor desses operários:
Figura 2. Comissão de ferroviários em Aramari (1935)
Fonte: Diário de Notícias, Salvador, 26 mar. 1935, p. 01.
O conteúdo da notícia referente a essa matéria destacou a pressão realizada pelos
ferroviários para que o governo federal fizesse cumprir o mandato de rescisão do
contrato da empresa francesa vencido desde 1934 e assumisse a posse das ferrovias
baianas. A esperança era que a transferência de patrões trouxesse melhorias nas
condições de vida dos operários.
108
SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p. 68.
109
Entrevista realizada com João Ferreira de Souza, ferroviário aposentado da Leste Brasileiro com 80
anos de idade em Alagoinhas no dia 23 de agosto de 2010.
53
CAPÍTULO II: OS FERROVIÁRIOS BAIANOS E A EXPERIÊNCIA
DE EXPLORAÇÃO NO TRABALHO
Esse capítulo dedicou-se à análise do momento posterior à encampação da
empresa ferroviária por compreender que houve mudanças políticas relacionadas a
novas medidas impostas por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. A passagem dos
ferroviários a funcionários públicos trouxe diferenças no modo como o Estado, agora já
detentor de grande parte das ferrovias baianas antes em posse dos franceses, percebeu a
categoria ferroviária na Bahia e tentou se relacionar com a mesma.
As condições de vida e trabalho dos ferroviários foram destacadas neste capítulo
apontando que, apesar da mudança de patrões, a situação destes continuou precária. O
objetivo da exposição de tais aspectos da experiência destes trabalhadores é apontar as
condições em que eles se encontraram no período e o lugar ocupado pelos mesmos na
sociedade.
O período intitulado de Estado Novo trouxe uma série de medidas ainda mais
repressivas no que tange ao relacionamento do Estado com a classe operária no Brasil, e
de modo mais específico na Bahia. Ângela de Castro Gomes compreende que 1937
parece ter sido o momento de conclusão do projeto político de Vargas iniciado em 1930
quando se exacerbaria uma série de medidas que vinham sendo implementadas desde o
início do governo como intensa propaganda política do regime e valorização excessiva
do Estado Nacional elaborada por intelectuais como Oliveira Viana e Azevedo Amaral,
além de comemorações de datas festivas como o 1º de maio e o aniversário do
presidente, numa clara tentativa de aproximação entre o mesmo e o povo.110
Durante o período do Estado Novo algumas medidas foram colocadas em prática
visando a proibição de greves e “perturbações” da ordem de toda espécie. Além disto, o
cerceamento da liberdade de expressão dos meios de comunicação, bem como o
envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, fariam desse período um momento
particular para se compreender atitudes e medidas dos trabalhadores, em especial dos
ferroviários baianos.
Impedidos de realizar greves após o Estado Novo os ferroviários baianos se
organizaram em torno de entidades com caráter assistencialista e se envolveram na
formação de comitês junto aos locais de trabalho onde puderam organizar-se em busca
110
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do Trabalhismo, Rio de Janeiro: FGV, 2005, p. 216.
54
do atendimento das suas reivindicações. Somam-se a isso as ações judiciais
movimentadas na justiça visando adquirir as indenizações a que tinham direito pelos
acidentes ocorridos no trabalho.
2.1. O Trabalho na Leste: Mudanças e resistência operária
A greve dos ferroviários ocorrida em 1935 teve como objetivo pressionar o
governo para tomar posse das ferrovias baianas arrendadas a estrangeiros. E após o fim
da greve foi grande a expectativa desses trabalhadores em perceber melhorias em suas
condições de vida e trabalho.
A visão do próprio diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de Freitas em um
relatório logo após a greve de 1935 estabelece como é o dever destes documentos
destinados ao Ministro da Viação, João Marques dos Reis, informar as condições na
ferrovia em todos os seus aspectos. Corroborando o que foi dito anteriormente sobre
ferroviários terem tornado-se funcionários públicos neste relatório referente ao ano de
1936 lê-se:
Em 1936 fora pelo governo solucionado em uma grande e justa
aspiração dos empregados desta Estrada, qual o quadro do seu pessoal,
que, após a ocupação da rede, permanecia sem estabilidade, e outras
garantias de que gozam os funcionários públicos. (...) Na tarde de 21
de novembro, sob alegrias e entusiasmos da classe agradecida,
sancionar a Lei 312-A, que estabelecera o quadro do funcionalismo da
Léste Brasileiro. 111
De acordo com esta Lei nº 312 de 21 de novembro de 1936 ficaram estabelecidos
de acordo com os seus artigos que
Art. 1º A Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, directamente
subordinada ao Ministerio da Viação e Obras Publicas, será dirigida
por um engenheiro nacional da confiança das Leis de 1936 Governo, e
o quadro do seu pessoal organizado de conformidade com a lei n. 284,
de 28 de outubro do corrente anno, será o constante do quadro annexo.
Art. 2º As primeiras nomeações para o provimento dos cargos
constantes do quadro, a que se refere o artigo anterior recahirão nos
actuaes serventuarios da estrada e independerão de concurso ou de
provas de habilitação.
Art. 3º Aos actuaes serventuarios, fica assegurado pagamento da
differença entre a remuneração, que estiverem effectivamente
111
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do exercício de 1936 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1937, p. 9.
55
percebendo, na data da publicação desta lei, e o vencimento do cargo
para que forem nomeados.
Art. 4º As despesas resultantes da presente lei correrão no exercicio de
1937, pela verba 1ª, 6ª parte, sub-consignação n. 8, e verba 15ª, subconsignação n. 1, n. III. "Serviços e encargos diversos", do orçamento
do Ministerio da Viação e Obras Publicas, de accôrdo com o decreto
numero 24.321 de 1 de junho de 1934.
Art. 5º O director da estrada deverá submeter á approvação do
ministro da Viação e Obras Publicas, dentro do prazo de tres mezes, a
partir da data desta lei, o regulamento da estrada.
Art. 6º A presente lei entrará em vigor ao dia 1 de janeiro de 1937.
Art. 7º º Revogam-se as disposições em contrario. 112
Após a publicação desta lei aparece outro regulamento onde consta um quadro do
pessoal da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro com as denominações das carreiras e
algumas observações pontuais que permitem inferir que havia subclassificações em
determinadas funções, maquinista de tipo B, C, D, E, F o que também alterava os
salários. Algumas funções desaparecem. “4 classe M 1 vago a ser preenchido quando
fôr extincto cargo de subdiretor.”113
A extinção de cargos também pode ter sido um outro modo de proporcionar o
desemprego de trabalhadores na ferrovia. Em estudo que tratou da reforma de 1942 na
VFRGS, Silvana Grunewaldt compreendeu que o processo de racionalização ocorrido
na empresa proporcionou que novas tecnologias ocupassem o espaço de trabalho
dispensando a atividade dos operários antes empregados nessas funções. “Essa
modificação no processo de frenar o trem fez com que os graxeiros ficassem isolados
nas máquinas e, com o tempo, tiveram sua função extinta”.114
Analisam-se estas leis ao lado de outra citada em 28 de outubro de 1936115 onde
foram regulados os vencimentos do funcionalismo público civil da União e outras
providências. Nessa aparecem os salários anuais e mensais de alguns dos empregados, a
exemplo da função de maquinista que possuía subclassificações que foram de B a F
com os salários variando a partir disso.
112
Lei nº. 284 de 21 de novembro de 1936. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em:
10/11/2010.
113
Lei nº. 312, de 21 de Novembro de 1936. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em:
10/11/2010.
114
GRUNEWALD. Silvana. A Reforma de 1942 na VFRGS e o estabelecimento de uma nova cultura de
trabalho. IV Jornadas do GT Mundos do Trabalho – RS. A Pesquisa do Trabalho – 1917, Noventa anos
da Revolução Russa e das Greves Gerais no Brasil. Pelotas, 08 a 11 de outubro de 2007.
115
Lei nº. 284 de 28 de outubro de 1936. Disponível em http://www2.camara.gov.br. Acessado em:
10/11/2010.
56
Ocorreram mudanças a partir da nova administração, contudo velhos problemas
permaneceram mesmo após essa passagem. É o que se evidencia no relato de Lauro
Farani que deixa explícito que as condições em que as estradas foram entregues ao
governo em 1935 eram muito precárias
116
. Nos relatórios da Leste a visão que Lauro
Farani transmitiu foi de dificuldades enfrentadas pela empresa e de precarização desse
meio de transporte na Bahia, combinando deficiência de materiais e salários irrisórios
aos trabalhadores em conseqüência da crise.
As greves ocorridas no início de 1930 comprovaram o quão desfavorável eram
percebidos os movimentos grevistas, queixas na ferrovia e contestações de qualquer
espécie. Lauro Farani destacou em 1938 que “no tocante à manutenção da ordem,
apenas ligeiros surtos de indisciplina quebraram o ritmo em que se vêem coordenando
os serviços ferroviários.
117
Fabiana Machado da Silva em estudo sobre a Leste
Brasileiro em Jacobina endossa esta informação a respeito da percepção negativa dos
movimentos de contestação dos trabalhadores pelo diretor da empresa. 118
A Constituição de 1937 estabeleceu a greve enquanto um recurso “nocivo” e
prejudicial ao trabalho. Soma-se a isso a impossibilidade dos funcionários públicos
realizarem greves.
As fontes encontradas não permitiram conhecer de modo específico como foram
esses surtos de indisciplina em 1938, contudo, devido às normas e a rigorosa disciplina
vigentes no ambiente ferroviário se pode relativizar estes “surtos” para além das greves.
Provavelmente estariam relacionados à compreensão de descumprimento das regras
impostas pela empresa a estes trabalhadores. Além disto, em 1939 foi criado para
assegurar os “princípios hierárquicos de ordem, de respeito e de disciplina”
119
o
Departamento e Serviço de Pessoal que mantém em organização crescente os boletins
de pessoal atestando as atividades “subversivas” de alguns operários, negligenciando o
que havia sido imposto pela Leste Brasileiro. Robério Souza analisou a questão da
disciplina imposta pela empresa aos ferroviários baianos:
116
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do exercício de 1937 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1938, p. 3.
117
Idem, ibidem, p. 4.
118
SILVA, Fabiana. SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu
impacto social em Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia,
2009.
119
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do exercício de 1937 da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
Salvador: Cia. Editora Gráfica da Bahia, 1938, p. 2.
57
Desobedecer as determinações dos superiores hierárquicos, não
comparecer religiosamente ao local de trabalho no horário
estabelecido, chegar embriagado na empresa, atraso com os trens e
erros técnicos, dormir no local de trabalho, não praticar a “boa moral e
disciplina na repartição” ou mesmo não usar o uniforme da empresa
adequadamente (como, por exemplo, o bonet) eram motivos
suficientes e inquestionáveis para suspensões vigorosas, inclusive,
com a divulgação pública para toda comunidade por meio dos boletins
da VFFLB.120
Souza analisou esta rigorosa fiscalização presente na empresa desde a implantação
do regulamento de 1893 das estradas de ferro que regulou os casos passíveis de punição,
bem como estabeleceu o comportamento “adequado” que deveria ser exercido no
ambiente de trabalho.
121
As normas impostas visaram disciplinar estes trabalhadores
para conseguir uma maior produtividade, bem como para evitar contestações de toda
espécie.
Dentro de um dos processos de acidentes de trabalho foi encontrado um boletim
de pessoal, no qual estavam relatadas as situações em que os ferroviários foram
repreendidos e responsabilizados pela empresa, envolvendo os mais diversos motivos.
“José da Silva Cabral (...) repreendido pelo seu desinteresse e falta de zelo pelo
patrimônio nacional permitindo que três pedaços de trilho pertencentes a essa ferrovia e
próximo a sua casa ficassem ao abandono”. 122
O ideal difundido pela Companhia era de que os operários deveriam ser ordeiros e
obedientes, logo, descuido e desinteresse já mereciam uma recriminação. O mundo de
trabalho envolveu uma série de regras que deveriam ser seguidas dentro e muitas vezes
fora da empresa e quando desvirtuadas geraram punições a esses trabalhadores.
A estas informações se soma a entrevista com o ferroviário aposentado Leopoldo
Cardoso de Jesus em Alagoinhas que também deu exemplos do modo como a disciplina
foi estabelecida. “(...) e que vê outra quem quiser que fosse para lá de cabelo grande
para ver, vá para casa corte o cabelo e volte para trabalhar não vou cortar seu dia não,
agora corte o cabelo e volte”123. Como se depreende, uma série de normas foram
impostas a estes trabalhadores pelos seus superiores e nem sempre eram acatadas de
120
SOUZA, Robério Santos. Dimensões do Labor Ferroviário na Bahia: Trabalho, Disciplina e Educação
Profissional (1939-1942). Artigo publicado no encontro da ANPUH/Bahia: UESB. 2010, p. 3.
121
Idem, ibidem.
122
Boletim do Pessoal, Salvador, SRP5. Baía. 11 mar. 1943. Viação Férrea Federal Leste Brasileiro.
APEB. In: APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos
Santos. Cx: 142/141/16.
123
Entrevista com o ferroviário aposentado Leopoldo Cardoso de Jesus no dia 23 de Agosto de 2010 em
Alagoinhas na Bahia.
58
modo “pacífico”, o que deve ter proporcionado os “surtos” de indisciplina destacados
por Farani. Fabiana Machado chega a conclusões semelhantes através de entrevistas
com trabalhadores da Leste no espaço de Jacobina:
Na sua entrevista, Antônio F. Rego deixa claro como era feito o
cumprimento do horário de trabalho, sendo segundo ele, destinada
somente uma hora para almoço, o que representa a necessidade dessa
empresa seguir as exigências de uma ótica capitalista de mercado,
onde não se pode perder tempo, deve-se primar pelo trabalho e pelos
lucros.124
Uma observação a respeito dos relatórios demonstra que nesta seção referente à
disciplina na ferrovia nos anos posteriores a encampação governamental Farani
representou como um período de “calmaria” que teria tido lugar após a seqüência de
greves a partir de 1930. Mas a partir das entrevistas com os ferroviários da Leste e os
boletins atestaram que uma série de atitudes eram passíveis de punição, a exemplo de
Paulo Caetano que “manobrou a agulha dessa estação, para a passagem do trem S.23
(...) sem que se fizesse o necessário troncamento dessa agulha.” 125 Segundo este
documento a atitude do trabalhador teria proporcionado “avarias no material rodante,
além dos riscos a que expôs os passageiros do trem.”126
A disseminação das normas disciplinares também foi realizada a partir da
construção da Escola Normal de Alagoinhas destinada a atender a grande demanda dos
filhos de trabalhadores na cidade e a reproduzir grande quantidade de mão-de-obra
disciplinada visando o máximo de rendimento e de lucro pela empresa. Inicialmente, foi
construída uma em Cachoeira “Diffundindo a instrucção no interior do estado o
Syndicato dos ferroviários inaugura: mais uma escola, em Cachoeira: E outra, ainda,
será installada, nestes dias, em Alagoinhas”. 127A escola também era uma forte garantia
de reprodução da mão-de-obra disciplinada.
124
SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em
Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2009, p. 84.
125
Boletim do Pessoal. SRP5. Baía. 11 de março de 1943. Viação Férrea Federal Leste Brasileiro. APEB.
Salvador. In: APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos
Santos. Cx: 142/141/16.
126
Idem, ibidem, p. 445.
127
Diffundindo a instrução no interior do Estado. Diário de Notícias, Salvador, 25 mar. 1935, p. 8.
59
Simultaneamente, Ludmila Brasileiro Guirra Couto128 em seu estudo sobre a
formação profissional das mulheres ferroviárias em Alagoinhas comprova a presença
feminina no universo do mundo do trabalho ferroviário. O silêncio relegado às mulheres
na história da ferrovia não quer dizer que elas estivessem ausentes das lutas, mas
reforçava a divisão sexual de papéis que relegava a mulher a função de cuidar do lar,
enquanto que ao homem deveria caber o sustento da família. Apesar disso, Flávio
Dantas em seu estudo sobre a greve ferroviária de 1927129 destacou a presença feminina
na mesma, através de uma foto publicada no periódico Diário da Bahia comprovando
que as mulheres não assistiram passivas as greves, uma vez que também deveriam estar
reivindicando por conta da própria subsistência da família.
É válido salientar, que as mulheres não estiveram presentes, apenas, exercendo o
papel de esposa de ferroviários, mas muitas mulheres adentraram no trabalho na
ferrovia, constituindo uma mão-de-obra que assumiu funções ligadas ao escritório. A
formação escolar destas mulheres teve importância fundamental, pois:
(...) a escola enquanto a instituição que formava as mulheres que
seriam mais tarde escriturarias, auxiliares de almoxarifado, agentes de
estação e telefonistas, era uma instituição compromissada com a
ideologia dominante, que utilizava todo seu instrumental pedagógico a
favor de uma educação que imprimia sua disciplina nos corpos e
mentes, sempre na perspectiva de assegurar papéis sociais, além de
formar uma mão-de-obra disciplinada e produtiva130.
Ao que tudo indica, fazia parte do programa do sindicato a construção dessas
instituições que tinham como objetivos garantir emprego para os filhos dos ferroviários,
bem como a reprodução da mão-de-obra desenvolvida a partir de uma rígida disciplina.
“(...) Está assim de parabéns o Syndicato ferroviário que bem orientado pela sua áctual
Directoria; ao que nos informam, cumpre o seu programa sem desfallecimentos”131.
Concomitante, o Estado também apresentou propostas de instrução para a classe
operária que eram as escolas noturnas e profissionais.132
128
COUTO, Ludmila Brasileiro Guirra. A formação escolar das mulheres ferroviárias de Alagoinhas BA (1950-1970). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
129
MARTINS, Flávio. Na madrugada seremos livres: Paralisações e Movimentos Ferroviários na Bahia
(1909-1927). (Relatório de Pesquisa em Iniciação Cientifica - FAPESB). Feira de Santana: UEFS, 2007.
130
COUTO, Ludmila Brasileiro Guirra. A formação escolar das mulheres ferroviárias de Alagoinhas BA (1950-1970). 2007. Dissertação (Mestrado em História). UFBA, Salvador, 2007, p. 52.
131
Diffundindo a instrucção no interior do Estado. Diário de Notícias, Salvador, 25 mar. 1935, p. 8.
132
DECCA, Maria. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo. (1920- 1934). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 44.
60
Importa ressaltar que além da rígida disciplina imposta pela Leste uma série de
direitos já garantidos por lei desapareceu frente ao chamado esforço de guerra,
conforme atestou o operário Almiro de Carvalho Conceição “o descanso semanal
remunerado ainda não é observado na Leste, depois de dois meses e tanto de
promulgada a constituição”133.
Concomitantemente, trabalhadores de outros setores nesse período também
tiveram extintas o pagamento das horas extraordinárias, bem como o restabelecimento
da jornada de 10 horas de trabalho ao invés das 8 horas já regulamentadas.
134
Nesse
sentido, a guerra foi o motivo alegado pelos patrões para que os trabalhadores
“apertassem os cintos”135 nesse período.
Edinaldo Souza destacou em sua pesquisa sobre as relações de trabalho no
interior da Bahia que algumas categorias de trabalhadores entre eles operários das
Minas de Manganês não receberam pelas horas extraordinárias. “Mas a insatisfação
maior encontrava-se no fato de que as empresas, em geral, não pagavam as horas
extraordinárias e mesmo quando faziam não acresciam os vinte e cinco por cento
(...)”.136
Souza também destacou que os operários da Leste segundo denúncias do
periódico O Momento são obrigados a fazer horas extras quando existem problemas nas
linhas do trem e que nada recebem por esse serviço.
137
Essas notícias foram comuns
nesse jornal onde os ferroviários denunciaram que os foguistas morriam antes do tempo
e que os funcionários não recebem pelas horas extras e que os provisórios eram
contratados para assumir o trabalho dos efetivos138 visando minimizar os lucros. O
discurso de crise econômica atravessada pela empresa era a justificativa para corte no
abatimento de passagens, para o não pagamento do abono de natal, entre outras
reivindicações.
Do mesmo modo que diversas queixas dos operários foram publicadas nos
jornais, também foram noticiadas a construção de obras públicas com o objetivo de
133
Vitório Pita, defenderá na Câmara, as reivindicações dos ferroviários: O Momento, Salvador, 29 nov.
1946, p. 2.
134
NEGRO, Antonio L. e SILVA, Fernando T. da. Trabalhadores, Sindicato e Política (1945-1964). In:
FERREIRA, Jorge e NEVES, Lucília de Almeida. O Brasil Republicano: o tempo da experiência
democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. V. 03. 2003, p. 47-95.
135
Idem.
136
SOUZA. Edinaldo. Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do
trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008, p. 52.
137
Idem, ibidem, p. 53.
138
Os ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 3.
61
propaganda do regime e visando apontar a política de “benefícios” implantados pelo
governo de Getúlio Vargas.
Essas medidas taxadas de “grandes melhoramentos” e divulgadas pelos
representantes da empresa se opunham ao difícil cotidiano de vida e de trabalho dos
ferroviários, pois que essas medidas não foram acompanhadas de melhorias na situação
de vida destes trabalhadores.
Assim foi que no dia 28 de outubro de 1941 às 17 horas em comemoração à festa
do funcionário público “em um trem especial saíram da Capital até Periperi o Dr. Lauro
Farani de Freitas, exma. Esposa, altos funcionários da empresa e numerosos convidados
(...)”139 para inaugurar importante melhoramento na empresa, o bar da estação.
Datas como o dia do funcionário público, o aniversário de Getúlio Vargas, entre
outras, foram utilizadas de modo representativo para ‘mostrar ao povo’ os benefícios
provenientes do governo de Getúlio Vargas em um momento em que a propaganda
política do seu governo pretendeu justificar a ditadura imposta pelo presidente. Uma
observação da análise desta fonte se refere às pessoas que participaram destas
celebrações, ‘os altos funcionários da empresa’, isto é aqueles que provavelmente não
construíram o ‘Bar da estação’...
Os relatórios trazem imagens mostrando o êxito dos carros restaurantes da
empresa Ferroviária em 1938140, e anúncios da construção da tipografia da Calçada em
1939. (cf. figura 3 a seguir).
Em contrapartida, em 1945, podemos acompanhar notícias de denúncias do
periódico O Momento a respeito de alguns serviços prestados pela empresa: “Os carros
restaurantes da Leste uma permanente sugestão à abstinência! Tudo falta nesses
refeitórios ambulantes (...)”
141
. Esta dificuldade estaria sendo enfrentada no ramal
Bahia a Sergipe e a matéria denuncia que estes serviços estariam arrendados a
particulares minimizando um pouco a responsabilidade da direção da empresa, o
governo Federal. Contudo, a Companhia teria que fiscalizar o desempenho destes
serviços e ao que parece isto não ocorria, haja vista a grande quantidade de problemas
relatados.
Esta reportagem destacou as dificuldades pela qual passou o repórter responsável
pela elaboração da matéria ao conhecer os serviços prestados pelos carros restaurantes
139
A Leste Brasileiro no progresso suburbano. Diário de Notícias, Salvador, 29 dez. 1941, p.2.
Os carros restaurantes da Leste presente no Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro
referente a 1938.
141
Os carros restaurantes da Leste. O Momento, Salvador, 27 mar. 1945, p. 2.
140
62
da Leste, onde o mesmo atestou a precarização deste serviço e a ausência de diversos
itens. “A palestra entre o jornalista e os empregados do carro restaurante prolongou-se
por muito ouvindo o repórter as queixas de todos eles, imaginem os leitores que as leis
trabalhistas até hoje não foram conhecidas dos pobres.”
142
Ao que tudo indica estes
“grandes melhoramentos” na Leste não foram acompanhados de solução de problemas
pelos quais passaram os trabalhadores da empresa, pois as queixas foram freqüentes.
Figura 3. Carros restaurantes da Leste (1938)
Fonte: Relatório da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro referente ao ano de 1938, Salvador.
Outro aspecto que necessita ser relativizado tem a ver com o fato de o repórter
enfatizar que as leis trabalhistas não chegaram aos “pobres”. Pois que na análise dos
documentos, como dos processos de acidentes de trabalho e através da fala de operários
publicadas nesse mesmo periódico, muitos reclamaram direitos já vigentes no governo
Vargas e que não estavam sendo cumpridos na empresa como, por exemplo, as horas
extras e o direito à assistência médica. “Foi precisamente quando eu adoeci e solicitei
recursos médicos da Leste, pois não podia fazer despesas com médicos.”143 Mas, apesar
142
143
Idem.
Falta transporte no interior. O Momento. Salvador, 13 ago. 1945, p. 5.
63
das reclamações não se pode perder de vista a intensa propaganda no período varguista
no sentido de difundir as leis criadas e reformuladas durante o seu governo.
O descumprimento das leis gerou descontentamento dos trabalhadores contra a
empresa e a estas queixas somavam-se as dos comerciantes e da população no período.
Os comerciantes pela impossibilidade de transportar os seus produtos. “Os negociantes
desta praça tem mais de vinte vagões requisitados a Leste; mas até agora os mesmos não
apareceram por aqui”
144
. A falta de transporte do açúcar, arroz, querosene entre outros
produtos aparece como uma situação de emergência a ser resolvida neste período de
carestia. Essa situação de crise na Bahia que gerou um aumento nos preços também foi
motivo de matérias em jornais do Recôncavo como O Palladio, conforme atestou
Edinaldo Souza.145
A população se queixou das mudanças de horários nos trens pela empresa, que
prejudicou os trabalhadores e suas famílias desacostumados ao novo horário imposto
pela Companhia. Existia um ritmo de trabalho responsável pelo estabelecimento da
rotina seguido pelos operários dos trens que montavam sua jornada baseando-se nos
horários já estabelecidos. Uma mudança nesse sentido acarretaria total confusão nos
seus hábitos, impondo sacrifícios a esses ferroviários e outros tantos trabalhadores que
necessitavam deste meio de transporte para chegar aos seus destinos. Um leitor publicou
no Momento:
(...) trem popular chamado “pirolito” que, todos os domingos faz o
percurso de ida e volta ate Alagoinhas alias sempre superlotado
devido justamente ao grande movimento de passageiros, acaba de ser
supresso pelo atual diretor da Leste, ficando assim a população da
Capital sem meios de visitar suas famílias (...).146
As denúncias não se restringiram apenas à mudança nos horários, mas trazia à
tona a supressão de alguns benefícios já estipulados pela empresa aos ferroviários, como
o desaparecimento do abatimento de 75% das passagens nos trens.
147
Como
compreender que numa conjuntura onde a criação de direitos era propagada, haveria a
suspensão de benefícios já garantidos pelo Estado? Parece um paradoxo o choque entre
144
Idem, ibidem. p. 1.
SOUZA. Edinaldo. Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do
trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008, p. 50.
146
Um apelo a Leste. O Momento. Salvador, 29 ago.1946, p. 3.
147
É aflitiva a situação dos ferroviários da Leste Brasileiro, O Momento, Salvador, 14 jul. 1946, p. 3.
145
64
estas notícias, contudo um olhar atento às medidas que a empresa ferroviária vinha
implementando em todas as esferas da vida dos trabalhadores não se sintonizavam com
as “garantias” de direitos do governo de Getúlio Vargas.
Supressão dos horários dos trens, extinção no desconto nas passagens dos
ferroviários, não pagamento das horas extras foram algumas das combinações que
proporcionaram as queixas amplamente divulgadas pelo jornal O Momento. As queixas
giraram em torno de medidas que só visavam minimizar a exploração dos trabalhadores.
As oito horas de trabalho já estavam presentes na pauta de discussão do governo desde a
década anterior, só ocorrendo uma implementação efetiva em 1930.148 Mas a
implantação foi seguida de não cumprimento, haja vista, as denúncias nesse periódico.
A categoria ferroviária vivenciou de modo particular o período de repressão do
governo de Getúlio Vargas com depreciação das suas condições de trabalho assentadas
em um discurso de crise nos transportes por conta da Segunda Guerra Mundial pelo
diretor da empresa. Contudo, os ferroviários ao publicarem queixas nos periódicos, e
acionarem a justiça, demonstraram que não assistiram ‘passivos’ o rebaixamento das
suas condições de trabalho em uma atmosfera que proporcionou que ‘direitos’ fossem
reivindicados e que a experiência de exploração fosse questionada de outras formas.
A greve foi considerada um recurso nocivo ao trabalho ditada pela Constituição
de 1937149. Isto caminhou lado a lado a uma política de incorporação destes
trabalhadores à esfera estatal, pois que eram funcionários públicos sendo regidos pelo
seu próprio Estatuto, o que outras categorias não dispunham. Contudo, ser funcionário
público trazia como conseqüência imposições que talvez os ferroviários não estivessem
dispostos a se sujeitar. “Parágrafo único. É proibida, no entanto, a fundação de
sindicatos de funcionários”
150
. As notícias publicadas no O Momento151 a respeito de
pedidos da categoria dos ferroviários pela sindicalização apontou o quanto esta era uma
reivindicação sentida por estes trabalhadores.
A análise das mudanças no trabalho na Leste neste período indicou que o Estado
buscou uma política de colaboração entre as classes sociais visando valorizar o
trabalhador, sem descuidar do seu controle. Esse discurso atuou no sentido de incentivar
uma maior produtividade dos ferroviários para superar as dificuldades da empresa, e
148
GOMES, Burguesia e Trabalho. Política e legislação social no Brasil. 1917-1937. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1979.
149
Ver Constituição de 1937. Disponível em www.camara.gov.br. art. 139. Acessado em: 15/01/2011.
150
Dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. Lei. 1.713 de 28 de outubro de
1939. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em: 15/01/2011.
151
Os ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 3.
65
sanar o congestionamento de materiais impedidos, muitas vezes, de serem exportados
devido à ausência de trens. “(...) esta situação difícil só tem sido vencida graças a
disposição e o patriotismo dos operários e técnicos da rede”152. Lauro de Freitas através
dessa afirmação visou representar os ferroviários da Leste como ordeiros, disciplinados
e patrióticos. A luta de classes era permanentemente mascarada nos relatórios que
difundiram notícias onde os operários demonstravam confiança incondicional nos
poderes públicos.
2.2. Alimentação e Salários
Isto aqui é uma maneira de nos matar aos poucos, aproveitando a
nossa última gota de sangue. Nós não recebemos pelo salário mínimo
como acontece em outras empresas. Os nossos salários mais comuns
são de 10.00 por dia, o que constitui um abuso. Imagine que eu sou
pai de cinco filhos e ganho 12, 00 por dia. Como posso dar comida a
toda família e ainda vesti-la? 153
Esta seção se dedica a analisar os salários dos trabalhadores da Viação Férrea
Federal Leste Brasileiro e suas implicações na sobrevivência dos mesmos. As condições
materiais de subsistência destes operários foram destacadas no sentido de demonstrar as
condições oferecidas pelo Estado aos seus trabalhadores, haja vista os ferroviários
serem funcionários públicos submetidos ao governo e adeptos da política de
colaboração entre as classes sociais.
Todas as dificuldades enfrentadas pela Companhia e que se refletiram na vivência
dos ferroviários foram enfrentadas neste período graças à “dedicação do nosso pessoal,
e onde ainda muito se poderá obter, se com patriotismo e dedicação, prosseguiremos
sobre o mesmo amparo indispensável do governo da União.”154 Destaque para o
discurso de valorização do trabalhador reconhecido enquanto peça indispensável para o
bom andamento dos serviços da empresa. Em contrapartida, a difusão dessas idéias
visava a política de harmonia social e prevenir a indisciplina, bem como as greves.
Trabalhar na Leste, uma repartição federal, como se pode constatar, não garantiu
privilégios a toda categoria. Ao que tudo indica apenas alguns dos que trabalharam na
empresa e que ocuparam cargos de chefia ou se situavam em alguns setores
152
Afirma o Eng. Lauro Farani, diretor da Leste Brasileiro. O Momento. Salvador, 27 jul. 1945. p. 3.
Os Ferroviários reivindicam o direito de sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 6.
154
FREITAS, Lauro Farani Pedreira de. Relatório do exercício de 1938 da Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro, Cia do Comércio, Salvador, p.60.
153
66
considerados privilegiados por exigirem uma maior qualificação profissional, a exemplo
dos que trabalharam no escritório, auferiram algumas garantias da empresa como o fato
de possuírem carteira profissional, e de receberem um salário superior em relação aos
que trabalhavam nas oficinas, depósitos, no conserto e reparação das linhas.
Para a grande parte da categoria que se distribuía em distintas funções, sendo
muitos operários diaristas ou provisórios e que tinham seus salários mais baixos que o
restante do pessoal, a carteira profissional e o salário em dia ainda eram metas distantes
a serem perseguidas como se compreende da análise documental.
O ferroviário denunciante parece fazer parte do pessoal que se encaixava sob a
denominação de operários, sendo aqueles que desempenhavam trabalhos braçais e que
recebiam vencimentos irrisórios. O jornal O Momento denunciou que o operário recebia
CR$ 12,00 cruzeiros ao dia quando o preço do pão custava CR$ 18,00 cruzeiros 155. De
acordo com o jornal dessa forma esse trabalhador estaria passando fome, pois não teria
condições de comprar os gêneros alimentícios necessários e básicos a sua subsistência.
A angústia do suplicante representou o clamor de uma categoria sujeita as
péssimas condições de trabalho, com a empresa operando com a ausência de materiais
fundamentais para execução dos serviços, bem como a baixos salários e ao
descumprimento de leis já anteriormente garantidas como o direito a férias e o
pagamento das horas extraordinárias. Sendo assim, essas denúncias representaram
apenas o início de uma série de outras relatadas no jornal O Momento. “Acusam os
jornalistas que comem mal em marmitas carne seca, farinha, eis as condições do
operariado da Leste”
156
. “Os operários comem em latas pequenas, imundas, como
157
porcos” . Além da alimentação deficiente, as condições da saúde também foram
precárias. (Cf. figura 4 a seguir).
Figura 4. Trabalhadores da Leste fazendo as refeições
155
Ganham salários baixíssimos os operários de Alagoinhas. O Momento. Salvador, 03 out. 1946, p. 2.
Os Ferroviários reivindicam o direito de sindicalização, O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 6.
157
Idem.
156
67
Fonte: O Momento, Ferroviários reivindicam o direito de sindicalização, Salvador, 31 dez.1945, p.03.
A hierarquia que minimizou a importância dos operários responsáveis pelas obras
da empresa como se os mesmos não fossem trabalhadores da Companhia e não
estivessem amparados pelas leis propagadas e difundidas pelo governo de Getúlio
Vargas são evidências de que as mesmas não atingiram a toda a categoria. Robério
Souza em sua pesquisa sobre os ferroviários baianos e suas greves na Primeira
República destacou os setores existentes dentro do trabalho na ferrovia permitindo
conhecer algumas das várias funções desempenhadas por esses trabalhadores no seu
cotidiano.
A seção de tráfego era composta pelos condutores de trens, ajudantes de trens,
bagageiros, guarda-freios, agentes e era responsável pela “emissão de bilhetes,
recebimento de encomendas e mercadorias envio e acompanhamento da disposição de
sinais para o pessoal da linha”
158
. A seção de locomoção englobava maquinistas,
foguistas, encarregado de depósito, o apontador, chefes de depósito e pessoal das
oficinas.
159
E a seção de linha onde havia condutores, armazenistas, encarregados de
obras, guardas, feitores, turmas de trabalhadores, entre outros. 160
Nos processos que foram analisados percebeu-se que os trabalhadores diaristas, ou
trabalhadores de turma não eram considerados funcionários públicos sendo esses casos
julgados de outro modo na justiça.
De fato, como destaca Souza161 a ferrovia comportava distintos sujeitos que
recebiam seus vencimentos também de acordo com a tarefa que executavam. Havia uma
gama de ofícios diversos com diferentes necessidades e identidades que não recebiam os
158
SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007, p. 59.
159
Idem, ibidem. p.51.
160
Idem, p. 64.
161
Idem.
68
mesmos salários, o que gerou uma hierarquização entre os trabalhadores. Glaucia
Cristina Candian Fraccaro162 compreende que existiam variações salariais dentro de
uma mesma categoria desde que pertencessem a classes diferentes.
A hierarquia presente no trabalho da ferrovia foi o que permitiu que o pessoal
considerado mais qualificado fosse chamado de ferroviários, enquanto os trabalhadores
braçais que provavelmente ganhavam salários mais baixos que os demais fossem
chamados de operários. Esta classificação possibilitou diferenças no julgamento dos
casos de acidentes de trabalho, pois foi a justificativa patronal empregada de que os
funcionários públicos eram assistidos pelo Estado, deste modo não poderiam entrar na
justiça.
Os salários dos operários eram muito baixos e essa situação foi agravada pelo
aumento de preços dos alimentos e pelas condições precárias de assistência médica e
moradia desses ferroviários baianos. Mirian Tereza M. G. de Freitas163 apontou uma
visão geral da cidade de Salvador destacando o crescimento populacional da cidade de
uma década para outra a partir de 1930.
Para a autora este crescimento não foi acompanhado de melhorias nas condições
de existência da população, haja vista a série de queixas que a mesma destaca em
jornais da época que relataram as condições de transporte, e a ausência de casas para
todos. De acordo com ela a série de invasões de terrenos por parte da população para
construção de casas faz parte deste contexto de carestia na cidade de Salvador. A
mesma destacou a ação da polícia contendo estas ações depois de 1930 o que indicaria
uma permanente “questão de polícia” e não a ação policial apenas durante o período da
Primeira República. A polícia continuou a ser acionada na década que se inicia em 1930
para garantir a “ordem”, utilizando distintas formas de pressão junto aos operários
conforme análise das greves ocorridas em 1930.
A fome e a miséria dos operários não foram solucionadas com a criação das
novas leis e muito menos com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, aspecto já
discutido quando da greve ferroviária de 1932, quando os ferroviários enviaram um
memorial ao presidente da República explicando que os benefícios da Revolução de
162
FRACCARO, Glaucia Cristiana Candian. Morigerados e Revoltados Trabalho e organização de
ferroviários da Central do Brasil e da Leopoldina (1889-1920). 2008. Dissertação (Mestrado em História).
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008, p. 20.
163
FREITAS. Miriam Tereza M. G. de. Populismo e Carestia: 1951/1954. 1985. Dissertação (Mestrado
em Ciências Humanas). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1985.
69
outubro ainda não os tinham atingido.
164
Não era ausência de leis que impedia que
houvesse melhorias na vida e trabalho dos ferroviários, pois conforme se percebeu as
leis já existiam, porém muitas delas não eram cumpridas e muitas vezes quando o foram
geraram ganhos aos ferroviários, parcialmente, segundo a análise dos processos de
acidente de trabalho.
Isto não quer dizer que as leis criadas e reformuladas durante o período Varguista
foram inócuas em todos os seus aspectos, mas que a sua aplicabilidade real na
experiência dos ferroviários ocorreu por meio de lutas que nem sempre geraram os
resultados esperados. A alimentação foi precária, pois combinou salários baixos e
preços elevados dos alimentos o que proporcionou reclamações constantes. De acordo
com a leitura dos processos pode-se perceber que alguns ferroviários recebiam o salário
diário, caso do guarda – servente Belarmino Ferreira da Silva que recebia CR$ 48,00
diários165, enquanto Durval Assis Magalhães, maquinista recebia CR$ 150,00
mensais166. E esses salários variaram bastante conforme as funções e suas mudanças
dentro do espaço de trabalho.
Estes operários também não receberam pelo salário mínimo, estipulado desde
1940. Ao analisar as queixas dos ferroviários nos jornais a respeito dos seus salários e
da alimentação de sua família depreende-se que o custo dos alimentos na Bahia no
período da guerra e mesmo após o seu término foi alto quando houve dificuldades para
a compra do que era fundamental para alimentação dos trabalhadores. E em muitos
casos a família de um ferroviário necessitava quase que exclusivamente do trabalho
deste membro da família na Rede Ferroviária para garantir sua sobrevivência.
Estas notícias corroboram a análise desenvolvida por José Alberto Nascimento de
Jesus sobre os ferroviários da Leste no espaço de São Félix. “A alegação do salário
baixo foi algo recorrente na narrativa dos ferroviários entrevistados.” 167 Por isto, podese concluir que os trabalhadores de São Félix e Salvador, e, possivelmente, de outros
espaços atravessados pela Leste passaram muitas dificuldades no período.
Não se pode perder de vista, a situação de outras categorias no Brasil e na Bahia
diante do cenário de repressão governamental no Estado Novo e a conjuntura que a deu
164
Ferroviários em greve. O Momento, Salvador, 14 out. 1932, p.8.
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Processo: Acidente de Trabalho de Belarmino Ferreira da Silva.
Cx: 143/ 49/ 61.
166
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx:
152/ 04/ 01.
167
JESUS, Alberto. Trabalhadores da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro entre percursos e
percalços na cidade de São Félix-Bahia décadas de 1940/1950. 2009. Dissertação (Mestrado em História),
p. 115. Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus. 2009.
165
70
lugar. Fernando Teixeira da Silva
168
ao analisar a situação dos trabalhadores portuários
em Santos destacou que o congestionamento do porto com diversas mercadorias sem
conseguirem ser embarcadas marcou o período. Os trabalhadores sentiram o
rebaixamento dos seus salários e a diminuição do emprego, haja vista o contexto de
guerra internacional. A isto os operários reagiram com queixas e denúncias de todos os
aspectos relacionados ao seu trabalho. E uma série de greves começou a ser deflagrada
em 1942 em São Paulo que tiveram seu início com a ação dos operários no universo da
fábrica.
Na Bahia, José Raimundo Fontes em sua tese analisou algumas manifestações de
trabalhadores de distintas categorias no período de 1930- 1947 e ressaltou que a questão
salarial motivou inúmeras paralisações neste período. Em 1945 têm-se as greves dos
ferroviários da Estrada Ilhéus – Conquista, têxteis da Companhia Valença Industrial,
tecelões da Fábrica de São João, entre outros trabalhadores com o objetivo de aumento
salarial. E em 1946 novas greves de bancários, tecelões, portuários, ferroviários da
Estrada de Ferro Ilhéus – Conquista169, e de outras categorias na Bahia demonstrando
que após o término da guerra a carestia tornava a vida destes operários insustentável,
sendo o recurso à greve um modo de conseguirem a própria sobrevivência e de suas
famílias.
Mas onde estavam em 1940 os ferroviários que desencadearam greves na Leste
durante a década de 1930? Joel Lage nos dá pistas para explicar esta aparente
“desmobilização”: “Nós éramos funcionário publico federal e não tínhamos o direito de
fazer greve porque funcionário público não faz greve (...)”
170
. Esta informação é
reafirmada pelo Decreto 1.713 de 1939 no seu artigo 226 que rege as proibições das
atividades desenvolvidas pelos funcionários públicos. “VII – Incitar greves ou a elas
aderir, ou praticar atos de sabotagem contra o regime ou o serviço público (...)”
171
é
terminantemente proibido. Contudo, seria ingenuidade pensar que estas medidas teriam
168
SILVA, Fernando Teixeira da. A Carga e a Culpa: Os operários das Docas de Santos: Direitos e
Cultura de Solidariedade 1937-1968. Santos: Hucitec. 1995.
169
FONTES, J. Raimundo. A Bahia de todos os trabalhadores (1930-1947). 1997. Tese (Doutorado em
História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997, p.
165.
170
Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal
Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa
Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS.
171
Art. 226 do decreto 1.713 de 1939. Disponível em http://www2.camara.gov.br/. Acessado em:
15/01/2011.
71
impedido o desenvolvimento de lutas operárias em outras frentes, haja vista a situação
de penúria que enfrentaram.
É válido salientar que os salários variaram muito conforme as atividades
desenvolvidas pelos ferroviários. E que o termo ferroviário englobou uma série de
atividades desenvolvidas por diferentes sujeitos divididos em setores como o de
locomoção, de tráfego, de linha, etc, sendo analisados detalhadamente em suas
determinadas funções a partir do estudo de Robério Souza sobre a categoria ferroviária
no pós-abolição. 172
Leopoldo Cardoso de Jesus, 80 anos de idade, filho de maquinista conforme o seu
relato declarou o modo como ingressou na empresa ferroviária “(...) Depois entrei como
aprendiz, passei como ajudante para ser oficial, soldador e depois estudei no SENAI fui
pro escritório”
173
. Pode-se inferir a partir das declarações de Leopoldo que havia
mobilidade nos cargos dentro da referida empresa e que a passagem do mesmo da
função de soldador para o escritório trouxe novas relações no trabalho e de
sociabilidade com os colegas com os quais ele se relacionou.
A respeito do trabalho que desempenhou como ajudante e depois soldador
afirmou que “era bom, agora era muito chato, cansei de entrar nos tanques de água,
dentro do tanque, soldar de cabeça para cima (...)”
174
. A natureza das tarefas
desenvolvidas por estes trabalhadores foi muito árdua envolvendo os serviços na
calderaria.
A respeito dos salários que recebia, Leopoldo atestou em dois momentos distintos
da entrevista, onde primeiro destacou que recebia “(...) eu ganhava 20 mil, 20 conto
né?” e em outro momento novamente seus salários foram destacados “De CR$ 222
passou pra 227”175. Estas informações atestaram a memória que construiu a respeito do
seu ordenado. Contudo, Leopoldo na entrevista não fez comentários avaliando o salário
que recebia, apenas apresentou esses valores.
O mesmo foi relatado por João Ferreira de Souza, 80 anos de idade a respeito do
ingresso na ferrovia “eu entrei, eu entrei como trabalhador (...) eu fazia, eu entrei na
linha empurrando trole, mudando dormente, ajeitando a linha, ajeitando a terra (pausa)
172
SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2007.
173
Entrevista com o ferroviário aposentado Leopoldo Cardoso de Jesus da Rede Férrea Federal Leste
Brasileiro realizada em 23 de agosto de 2010. Alagoinhas. Bahia.
174
Idem.
175
Idem.
72
consertando, quando quebrava a gente colocava outro trilho, empurrava trole (...)”176.
Os serviços mais pesados ficaram a cargo dos trabalhadores de turma que perceberam
vencimentos baixíssimos em comparação com outros operários.
A mudança de função dentro da empresa, novamente foi destacada por João que
entrou como trabalhador passando depois nas suas próprias palavras a “tomar conta de
gente (...)”177, o modo de informar que o mesmo passou a ser o supervisor de turma, ou
seja, o feitor que estava lá para garantir a efetividade dos serviços e a disciplina de todos
aqueles envolvidos no processo de trabalho. Ao que parece a mudança de funções não
era incomum dentro da Companhia.
Quando interrogado sobre os salários o mesmo destacou que “naquela época era
muito (...)”
178
, mas, não chega a dizer de modo exato como Leopoldo o valor que
recebia pelo trabalho realizado. Quando se compara estas entrevistas com as realizadas
por Fabiana Machado no espaço de Jacobina atenta-se para as possíveis conexões entre
as mesmas. Ao atentar para a entrevista com o Sr. Valdir Sena atestou que “(...) no
tempo em que trabalhou na ferrovia, no período de Getúlio Vargas, (...) os trabalhadores
eram bem tratados e bem remunerados, recebiam um salário que dava para
sobreviver”.179
Outros operários poderiam, no entanto, ter visões distintas de João Ferreira, a
exemplo de Joel Lage que relatou que naquele tempo se “(...) passava necessidade, a
gente trabalhava não tinha direito a extraordinário, não tinha direito a acidente de
trabalho (...)”.180
Pistas para investigar as condições na cidade de Alagoinhas foram dadas pela
análise da fala de José Faro Teles, líder ferroviário em Alagoinhas que apontou aspectos
vivenciados na cidade no período:
Em Alagoinhas os gêneros alimentícios sobem de preço cada dia, sem
que os responsáveis pela administração tomem providencia alguma. A
farinha de trigo tem chegado em Alagoinhas, mas os proprietários de
Padarias em vez de empregá-la na fabricação de pão para ser vendido
ao povo, fabricam com ela bolachas, que são vendidas a razão de 18 e
176
Entrevista com o ferroviário aposentado da Leste, Leopoldo Cardoso de Jesus realizada no dia 23 de
agosto de 2010 em Alagoinhas. Bahia.
177
Idem.
178
Idem.
179
SILVA, Fabiana Machado da. O Trem das Grotas: A ferrovia leste brasileiro e seu impacto social em
Jacobina. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2009, p.80-81.
180
Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal
Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa
Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS.
73
20 cruzeiros o quilo, privando assim o povo de uma alimentação
indispensável.181
A entrevista de Joel Domingos Lage, 85 anos de idade, trabalhador do depósito,
também relatou aspectos do seu trabalho na empresa nos serviços de “consertar
máquinas e vagões, eu era mecânico de máquinas.” 182 Mais um aspecto revelador a ser
analisado nas falas dos operários entrevistados é o caráter de mobilização por salários, o
que aponta que muitos trabalhadores não estavam satisfeitos com os vencimentos que
recebiam. Quando interrogado sobre a participação dos ferroviários na Associação Joel
afirmou que
Porque quando vinham as reivindicações em dinheiro, porque nós
reivindicávamos o dinheiro quase duas vezes quase no ano, aumento
de salário. E o pessoal quando entrava aqui só era perguntar. Quando é
que vem mais? Quando é que vem mais? Então eles só vinha aqui
mais por causa do dinheiro. Se você chegar aqui e disser hoje, você
chega aqui não vê quase ninguém, mas se disser vai ter uma
reivindicação aqui de dinheiro, ô negocio aqui, ah! Isso enche (...).183
A compreensão de Joel Lage aponta para uma postura utilitarista dos seus colegas
para com a Associação dos ferroviários que perpassava questões salariais,
especialmente, e de reivindicações sentidas para minimizar o sofrimento dos
trabalhadores.
Esta informação se soma a de Leopoldo Cardoso, citado anteriormente que
também declarou “(...) Eu ganhava 20 mil, 20 conto né? Passava um ano nunca se
lembraram de dar, fazia greve davam o dinheiro (...)”.184 Estas informações foram
destacadas no período correspondente ao pós-guerra levantando hipóteses a respeito de
possíveis manifestações de ferroviários da Leste que não foram noticiadas pelos jornais
de grande circulação da época. Afinal, os ferroviários não podiam fazer greves por
serem funcionários públicos, então ações outras tiveram que ser desencadeadas.
O salário de Durval Assis Magalhães como maquinista da Leste era de CR$
150,00 cruzeiros mensais 185 e diante dos colocadores de trilho, por exemplo, o deixava
181
Ganham salários baixíssimos os operários de Alagoinhas, O Momento, 03 out.1946, p. 2.
Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage da Rede Férrea Federal Leste Brasileiro realizada
em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa Auge e Declínio dos
Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS.
183
Idem.
184
Entrevista com o ferroviário aposentado da Leste, Leopoldo Cardoso de Jesus realizada no dia 23 de
agosto de 2010 em Alagoinhas. Bahia.
185
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx:
152/ 04/ 01.
182
74
mais bem colocado na hierarquia social da empresa, pois tinha carteira profissional e
sua atividade necessitava de qualificação. Apesar disso, teve que executar viagens
exaustivas, e esteve sujeito às transferências de localidade, bem como aos constantes
acidentes de trabalho. É possível salientar que o mesmo não recebia o correspondente ao
esforço material depreendido, bem como a situações em que teria que ficar afastado de
sua família em conseqüência do trabalho que desempenhava na empresa, uma vez que
maquinista praticamente não tinha residência fixa.
Ao comparar os salários percebidos por Durval com o salário de Benjamin
Libório dos Santos, ajudante de fundidor que foi de CR$ 32, 00 cruzeiros186, e de
Manoel Rodrigues, diarista que foi de CR$ 9,00 cruzeiros187 cabe destacar que estas
funções citadas geraram diferenças salariais. Os que ganhavam mais ficaram no topo da
hierarquia o que certamente influenciava no modo como a categoria percebia a si
mesma e as relações de solidariedade e sociabilidade que desenvolveram na empresa,
bem como os conflitos por conta dessa classificação.
O custo de vida na Bahia em especial em Salvador e em Alagoinhas foi destacada
pelo O Momento que apontou que os gêneros de primeira necessidade custavam muito
caro.
188
Até a Cooperativa dos Ferroviários foi denunciada nesse período por vender
alimentos acima do custo no comércio.189 Sendo assim, o operário que denunciou que
não tinha como dar comida a cinco filhos estava correto, pois que com os alimentos a
preços elevados não dava para alimentar cinco bocas, sem contar com a sua e a de sua
esposa.
O próprio diretor da Leste, Lauro de Freitas destacou “(...) pobres serventuários
do interior, que vencem míseros salários (...)”.190 Depreende-se da fala do diretor que
não há problemas em assumir que os salários dos operários eram muito baixos o que os
impelia a uma vida com privações de todas as ordens. As declarações do diretor
parecem um paradoxo, como pode o responsável pelos serviços da Companhia fazer
estas afirmações? Esta seria uma estratégia para livrar-se da responsabilidade? Ao que
tudo indica apontar a existência do problema, além de demonstrar conhecimento da
categoria, representou o modo de eximir-se do encargo, conferindo-o a outrem.
186
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Benjamin Libório dos
Santos. Cx: 152/ 6/ 23.
187
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx:
152/06/ 26.
188
Não obedece à lei a Caixa de Aposentadoria dos Ferroviários da Leste Brasileiro. Salvador, O
Momento, 09 fev.1947, p. 2.
189
Irregularidades na Cooperativa dos Ferroviários. O Momento. Salvador, 03 set.1946, p. 1.
190
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Tipografia da Leste, 1940, p. 94.
75
Como resolver esta situação de precarização nos salários?
Queixas no "O
Momento" com pedidos de sindicalização e de cumprimento das leis foram recorrentes
neste periódico. O sindicato dos ferroviários atuou na década de 1930, mas a partir da
deflagração do Estado Novo deixou de existir, permanecendo, no entanto a Associação
dos Ferroviários da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, pois possuiu outra
orientação. É válido salientar, que outras associações puderam exercer um papel ativo
como o Centro Operário Beneficente de Alagoinhas e a Sociedade 8 de maio criada com
o intuito de auxilio mútuo, visando minimizar as dificuldades enfrentadas por estes
operários.
2.3.
Saúde: Ferroviários doentes, acidentados e mortos.
Na Bahia as condições sanitárias no Estado Novo foram analisadas por Elisa
Lemos: “Quanto às condições sanitárias e de saúde da população essas eram precárias.
Os serviços de abastecimento de água, canalização de dejetos e limpeza pública eram
prestados de forma insatisfatória.”191
As informações sobre a saúde dos ferroviários analisados corroboram esta
interpretação de que as condições sanitárias na Bahia eram insatisfatórias, a contar
pelas notícias reivindicando “melhores serviços de água, esgoto, (...)”192. Almiro
Carvalho destacou “a água que os operários bebem no local de trabalho é água de
bomba armezenada em 4 porroes, para mais de 300 operários. Além de escassa é de
má qualidade.”193
Notícias sobre os trabalhadores curtidores da fábrica São Paulo atestaram que
operários diversos sentiram o agravamento das suas condições de vida e suas queixas
são “(...) luz, escolas, assistência médica a população, saneamento no rio Catu (...)” 194
sendo outros trabalhadores de Alagoinhas contemplados pelas mesmas reivindicações
de acordo com este periódico. Como os ferroviários foram, e são, presença marcante
na cidade se pode levantar a hipótese de que estas queixas englobavam esta categoria e
outras existentes neste espaço:
191
SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da. O Estado Novo e a Ofensiva Médica contra a tuberculose, p.
169. In: SILVA, Paulo Santos e JÚNIOR, Carlos Zacarias F. de Sena (org). O Estado Novo: as múltiplas
faces de uma experiência autoritária. Salvador. EDUNEB. 2008, p. 169.
192
Melhores condições de vida, O Momento. Salvador, 03 dez. 1945, p. 2.
193
Vitório Pita, defenderá na Câmara, as reivindicações dos ferroviários. O Momento, 29 nov. 1946. e p.2.
194
Idem, Ibidem.
76
As oficinas de Peri-peri são dirigidas pelo Sr. Jaques Muti Verde, e se
destinam ao concerto de vagões, locomotivas, e etc. Nela trabalham
cerca de 300 operários, a maioria dos quais diaristas, e muitos deles
provisórios. As condições de trabalho são as piores: sujos de óleo, as
oficinas também sujas, os quartos sanitários pouco higiênicos, etc. 195
Uma série de operários da Leste tornaram-se funcionários públicos, mas outros
tantos ficaram como extranumerários, de acordo com o relatório da empresa de 1937196.
Um gesto do presidente da República na lei 312 de 1/1/1937 colocou 862 funcionários
da Leste como funcionários públicos, enquanto os outros 4.200 serventuários ficaram
apenas com respeito “às garantias de estabilidade” funcional. Vale ressaltar, as
mudanças percebidas pelos que se tornaram funcionários públicos e de que forma estas
garantias de estabilidade foram percebidas pelos trabalhadores.
No que tange às informações sobre a saúde dos ferroviários baianos, as notícias
não são melhores do que as em relação aos salários. Os riscos do mundo do trabalho se
evidenciaram pela quantidade de acidentes de trabalho relatados pelos jornais
consultados, pelos auto - cíveis e pelas requisições encaminhadas atestando pedidos de
pagamento de salários por familiares de ferroviários mortos. “O infeliz foi esmagado
tendo morte instantânea”
197
. A ocorrência de acidentes envolvendo transeuntes,
operários e membros da empresa eram comuns no dia-a-dia da ferrovia, representando
marca das tragédias.
No dia 08 de outubro de 1947 um desastre de trem ocorreu na antiga Central da
Bahia, agora pertencente a Leste Brasileiro quando uma peça do freio se partiu
provocando o tombamento da locomotiva que virou a caldeira de água fervente em
Crispim Santos, foguista da Leste, e vitimou os passageiros José Burgos e Sebastião
Santos198. Quando o acidente envolvia mortes devia-se abrir inquérito policial para
investigar as causas destas tragédias. A esposa de Crispim Santos, Maria Santos entrou
na justiça um ano depois visando indenização pela morte de seu marido, mas teve que
batalhar na justiça para consegui-lo, além de ter que provar a identidade de Crispim,
haja vista o seu nome constar no boletim da empresa como Crispiniano Santos e não
como Crispim havendo uma batalha judicial para o recebimento da indenização.
195
Repercutiram profundamente entre os ferroviários, as palavras de Marighela na Constituinte
O Momento, 28 nov. 1946, p. 2.
196
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1938. Salvador: Cia do Comércio, 1939, p.3.
197
A locomotiva matou o operário. Diário de Notícias, Salvador, 27 mar. 1945, p. 2.
198
. Três mortos no desastre. Diário de Notícias, Salvador, 09 out. 1947, p. 3.
77
Os ferroviários não sofreram apenas por conta dos acidentes, mas muitos com
salários baixos e mal alimentados possuíam “assistência médica precária, pois os
trabalhadores não têm dinheiro para comprar os remédios” 199. Os relatos publicados no
O Momento apontam pistas para a análise das condições de saúde destes trabalhadores.
Um mais desenvolvido falou por todos: – Aqui neste armazém passam
coisas de arrepiar cabelo, para não citar todos os casos direi apenas
um. Havia aqui na estrada um velho funcionário, que de tanto
trabalhar, mal alimentado e sem conforto ficou tuberculoso. A
Companhia em vez de aposentá-lo, deu – lhe o lugar de vigia do
armazém. Pois bem o velho com a doença em estado bastante
adiantado vivia em cima dos sacos de farinha e demais gêneros como
tossia muito escarrava em cima dos sacos e às vezes no chão sendo
nos obrigados a engulir toda aquela poeira. O melhor é que o proposto
da Saúde Pública tem sua mesinha ao lado do velho via tudo e ficava
calado. Como o velho Pedro Elias existem outros no mesmo estado
trabalhando. 200
A fala do trabalhador retratou que ele conhecia a legislação que regia os casos em
que os operários doentes seriam aposentados. Pois, que “Art. 168. O funcionário
atacado de tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra ou
paralisia, será compulsoriamente licenciado, com vencimento ou remuneração.”201 Em
caso de decisão da Junta médica de que o operário não poderia retornar aos serviços, o
mesmo deveria ser aposentado de acordo com o parágrafo único do mesmo decreto.
Maria Elisa Lemos em estudo sobre a ofensiva médica na Bahia constatou que a
mortalidade infantil e a tuberculose foram problemas enfrentados pelo Governo de
1937-1947, sendo a tuberculose um dos maiores problemas médicos e sociais no Brasil.
Portanto, além dos acidentes ocorridos, havia ainda o risco das doenças devido às
condições de trabalho oferecidas pela empresa e no caso da tuberculose pelo contato
com os colegas contaminados e que não se tratavam. Mas não comparecer ao trabalho
poderia ocasionar sanções das mais diversas, pois que isto interferia na produtividade
destes operários.
Outro aspecto relacionado à vivência desses ferroviários foi a inexistência de uma
eficaz assistência médica aos trabalhadores devido a um baixo número de médicos. “(...)
praticamente não a temos, apenas há 5 médicos para toda rede de 5000 ferroviários da
199
Além de receberem salários de fome, os trabalhadores da Leste são vítimas da mais brutal opressão. O
Momento, Salvador, 12 mai. 1946, p. 2.
200
Os operários reivindicam o direito de sindicalização, O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 3.
201
Decreto - Lei nº 1.713 de 28 de outubro de 1939. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado
em: 15/01/2011.
78
Leste”202. Presente no documento como uma informação qualquer entre tantas outras
destacando números e tabelas a respeito do funcionamento da empresa, a mesma
poderia passar despercebida pelo leitor, não fosse o pequeno destaque dado a
informações relativas à saúde dos operários da Companhia. Com esta quantidade de
doutores, não foi possível dar conta da demanda de ferroviários doentes e acidentados,
haja vista a natureza insalubre dos serviços que combinavam riscos do trabalho,
materiais precários, e o cansaço devido a rotinas exaustivas.
Diversas requisições foram movimentadas na justiça evitando assim o “mal
maior” que seria a abertura de longos processos para pleitear salários não pagos aos
operários acidentados. Esses documentos constituíram-se em outro modo de conhecer
alguns dos que trabalharam na Leste e seus familiares. As requisições foram sucintas
informando apenas o que se desejava pleitear sem muitos detalhes como nos processos,
mesmo assim se pode conhecer Cícero Monteiro203, guarda-freio da Leste e que sofreu
acidente em Camaçari.
O que interessa salientar na análise desta requisição individual movimentada por
mãe de ferroviário é que se constitui em mais uma prova de que as frentes em que se
colocaram tanto os ferroviários quanto suas famílias para garantir condições de
sobrevivência foram muitas e que passaram não apenas pelas greves em um contexto de
carestia. As conseqüências da guerra, bem como a política de sucateamento das
ferrovias baianas com oficinas e depósitos em péssimas condições, se refletiam na vida
destes trabalhadores.
Vale salientar que a deficiência nas oficinas e nas máquinas se constitui em
possíveis explicações para a ocorrência dos acidentes. Em contrapartida, a mudança de
operários para funções as quais não possuíam experiência eram o outro lado da moeda
no momento de explicar a ocorrência destes incidentes. “Os operários reclamaram, pois
acostumados no serviço de armazém nada conheciam da profissão de guarda-freio (...)”
204
. "Morte de Manoel Vitorino, colocado para trabalhar como guarda-freios”
205
. O
reaproveitamento de um funcionário era mais vantajoso do que ter que contratar mais
trabalhadores para o desempenho de determinado serviço. Portanto, ferroviários em
202
FREITAS, L. F. P. de. Relatório referente ao Exercício de 1939, Salvador: Tipografia da Leste, 1940,
p. 9.
203
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Requisição de Maria Monteiro da Silva. Cx: 03/ 100/ 37.
204
Os ferroviários debatem suas reivindicações. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 6.
205
Idem.
79
muitos momentos desenvolveram serviços que não eram sua especialidade e para os
quais não tinham a devida qualificação.
Sendo assim, muitas vezes a responsabilidade recaiu nas costas dos trabalhadores
quando se alegava cansaço, falta de atenção ao serviço, ou mesmo embriaguez. Outro
acidente registrado envolveu a morte do carregador Pedro Pantaleão de Moura de 46
anos, que morava em Santa Luzia próximo ao Lobato. Ao voltar para casa depois de um
dia de trabalho, o operário teve que atravessar uma grande plataforma existente no local
sobre o leito da estrada de ferro da Este quando um dos chinelos do operário ficou preso
num dormente do pontilhão, e ele despencou de mais de cinco metros de altura. O
periódico vinculou informações de que o trabalhador poderia estar embriagado para ter
sofrido o acidente. 206
Conclui-se, desse modo, que o cotidiano de trabalho na referida ferrovia era
perigoso, e colocava constantemente em risco a vida desses trabalhadores que recebiam
vencimentos muito baixos para os riscos a que estavam sujeitos.
Operários acidentados, doentes ou mortos compuseram o mundo de trabalho na
empresa que não conseguiu atender com a quantidade de médicos disponíveis o número
de ocorrências. Os ferroviários acionaram a justiça visando adquirir indenizações, ao
mesmo tempo em que se organizaram em entidades, como a Sociedade 8 de maio e
denunciaram nos jornais a precariedade da assistência a que tinham direito. Como Joel
Lage destacou: “(...) Por isso, nós criamos a Sociedade 8 de maio para atender aos
nossos colegas, porque o Estado não atendia (...)”207. Os ferroviários entraram na justiça
com base no decreto-lei 7.036 visando receber indenização pelos acidentes de trabalho e
tiveram que lidar com o argumento do Estado de que não tinham direito, por serem
funcionários públicos regidos por outro estatuto.
No que tange às condições de trabalho destes operários o próprio Lauro Farani já
deixara claro os problemas que eles enfrentavam: “(...) Sem recursos que permitam a
construção de casinhas modestas, mas higiênicas, de modo a abrigarem esses pobres
serventuários (...)”.208 Depreende-se da fala do diretor que não há problema em destacar
que não havia recursos para a construção das casas dos operários. Farani manteve
contatos com o Ministro da Viação e com Getúlio Vargas sobre os problemas
206
Despenhou-se do pontilhão da E’ste. Diário de Notícias, Salvador, 18 mar. 1935, p. 8.
Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal
Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa
Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS.
208
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Tipografia da Leste, 1940, p. 94.
207
80
enfrentados pela empresa e fez viagens ao Rio de Janeiro para informar sobre as
condições da mesma no sentido de resolver as dificuldades.
209
Mas suas entrevistas ao
periódico O Momento, bem como os relatórios da Leste elaborados por esse diretor
apontou o quanto o mesmo pretendeu isentar-se da responsabilidade por essa situação
da empresa na qual era diretor.
Com salários baixos que impeliam os ferroviários a viverem em permanente
economia não foi surpreendente que não houvesse dinheiro para estes operários
construírem suas casas. Sendo assim iniciativas foram movimentadas pelo Centro
Operário Beneficente de Alagoinhas que continuou atuante durante 1940 visando
atender esses trabalhadores. “Nestes dias serão iniciadas as obras da Casa do Operário,
em Alagoinhas, pelo que a Diretoria do Centro Operário pede o apoio de todos os
operários desta cidade para a obra de vulto que ora encetamos”.210
Através destas notícias percebe-se que as condições de moradia de alguns
operários também não eram satisfatórias. Nos relatórios da empresa atenta-se para o fato
da necessidade de construção de casas para os operários que tivessem que morar
próximos as linhas. Mas estas construções também ocorriam muito lentamente na Leste.
“Além disso, poucas casas existem para a residência do pessoal das estações e
depósitos, cuja permanência nas proximidades do serviço é indiscutivelmente
necessária”
211
. Os trabalhadores responsáveis pelo conserto dos trilhos e vagões seriam
aqueles que teriam que morar próximos às linhas, nesse caso os trabalhadores de turma,
ou turmeiros.
De acordo com José Alberto Nascimento de Jesus a questão da moradia em São
Félix constituiu uma demanda fundamental dos trabalhadores da Viação Férrea Federal
Leste Brasileiro, haja vista que a parte que compunha a diretoria da empresa possuía
casa.212 Estas informações são evidências das relações hierárquicas estabelecidas dentro
da empresa com base na especialização do trabalho quando somente alguns tinham
acesso a determinados benefícios. Próximo às imediações da Calçada o relatório da
Leste atesta que “em 1938, apenas nos foi possível construir uma casa para o agente da
estação de Calçada (...)”.213 A construção das casas era uma necessidade, haja vista os
209
Regressou o diretor da Leste. Diário de notícias. Salvador, 29 nov. 1944, p.3.
Casa do Operário. Correio de Alagoinhas. Salvador, 24 fev. 1942, p.2.
211
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1938, Salvador: Cia do Comércio, 1939, p. 76.
212
JESUS, José Alberto Nascimento de. Trabalhadores da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro entre
percursos e percalços na cidade de São Félix - Bahia décadas de 1940/1950. 2009. Dissertação
(Mestrado em História). Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2009, p. 50 e 51.
213
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1938, Salvador: Cia do Comércio, 1939, p. 76.
210
81
problemas de habitação na Bahia percebidos pelo estudo de Mário Augusto Silva Santos
sobre o problema habitacional em Salvador com diversos movimentos de luta pela
moradia em 1940 e 1950.214
Casa e melhores salários - como vimos - atingiram apenas alguns, mas a grande
maioria dos trabalhadores continuou a passar necessidade na ausência de direitos
fundamentais que já estavam garantidos no papel por Getúlio Vargas.
2.4.
Organizações dos Ferroviários
O fato de não poderem realizar greves não impediu a luta dos ferroviários em
outras frentes e sua organização em espaços assistencialistas, na busca de minimizar a
exploração que sofriam no trabalho. As queixas foram inúmeras como demissões,
questões salariais, de moradia, de saúde que comprovaram que a categoria não percebeu
os “melhoramentos” tão anunciados pelo Governo.
Os pedidos de sindicalização relatados pelas notícias do jornal O Momento
apontaram que a reivindicação pelo direito a um sindicato da categoria foi
compreendida como uma solução para todos os problemas enfrentados na empresa,
como se a partir da existência desta entidade todas as dificuldades seriam dissipadas.
Contudo, o decreto – lei n. 240 de 04 de fevereiro de 1938 – proíbe a
sindicalização para funcionários públicos, mas os marítimos a partir do decreto 7.889 de
1945 apontaram que nos serviços descentralizados do Estado poderia se conceber a
sindicalização e conseguiram a obtenção do seu sindicato quando os ferroviários ainda
não haviam obtido.215
Somente a criação do sindicato dos ferroviários não seria a garantia imediata de
que os problemas enfrentados pela categoria seriam resolvidos. No entanto, ao que tudo
indica os operários compreenderam que este seria um dos passos necessários para isto.
(...) Só mesmo com um sindicato é que podemos lutar contra tudo o
que há de ruim por aqui 216. Nós também temos que organizar o nosso
sindicato, unindo os ferroviários porque todos sofremos, brancos,
214
SANTOS. Mário Augusto Silva. Crescimento Urbano e habitação. Revista de Urbanismo e
Arquitetura. Vol. 3. n º1., 1990.
215
Participação dos empregados nos Lucros das empresas. Sindicalização dos Servidores Públicos.
Aposentadoria dos ferroviários. O Tempo, Salvador, 20 jun. 1949, p. 4.
216
Os ferroviários reivindicam direito de sindicalização, O Momento, Salvador, 31 dez. 1945. p. 3.
82
comunistas ou não, católicos, pretos ou protestantes, todos sofremos
os mesmos. 217
O sindicato existiu até 1937 quando foi extinto a partir da vigência do Estado
Novo. Mas durante o seu período de existência atuou nas greves ocorridas durante a
década de 1930 na defesa dos ferroviários, apesar de nem sempre cúpula e base
possuírem os mesmos interesses na deflagração das paredes conforme o ensaio de greve
ocorrido em 1934, na qual o sindicato foi contra a organização de alguns trabalhadores
para entrarem em greve. 218
As queixas dos ferroviários englobaram demissões que não foram comuns apenas
por “questões de economia” da empresa como ocorreu na greve de 1932219, mas
também por outra ordem de causas, como perseguições de funcionários considerados
“subversivos” ou daqueles dos quais se podia queixar da produtividade como o caso de
Ezequias Gonçalves de Oliveira, agente da Leste Brasileiro que solicitou afastamento da
empresa ao Inspetor para cuidar da sua saúde. O referido pedido de acordo com o jornal
O Momento foi negado pelo Inspetor que havia afirmado que somente considerava
doentes os operários “acamados”:
A demissão desse funcionário da Leste, no entanto não decorreu de
nenhum inquérito administrativo, não encontrando o Sr. Ezequias
outro motivo para justificá-lo senão o de ter enviado um documento
de queixa ao citado inspetor, circunstanciado as perseguições de que
estava sendo vítima. 220
Do caso exposto acima se depreende que o Sr. Ezequias Gonçalves ao ausentar-se
do serviço por causa de uma licença médica deixaria de produzir e de gerar ganhos à
empresa, sendo a sua dispensa posterior uma maneira de puni-lo pela sua ausência no
trabalho. Não se nega a possibilidade de existência de outras razões diversas para a
demissão deste agente da Leste, contudo a ausência de produtividade deste operário
afastado parece ter motivado a demissão. Em artigo intitulado “Dimensões do Labor”
217
Os ferroviários reivindicam o direito a sindicalização. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945, p. 6.
MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves
Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana,
2008, p. 47.
219
Idem, ibidem, p. 24.
220
Despedido injustamente da Leste. O Momento, Salvador, 06 jul. 1946, p. 4.
218
83
ferroviário Robério Souza já havia destacado de que modo a disciplina no trabalho
estava intimamente relacionada à produtividade.221
Ainda no âmbito das demissões faz-se necessário ressaltar que os ferroviários
haviam adquirido a estabilidade só podendo ser demitidos após 10 anos de serviço
mediante inquérito administrativo de acordo com a Lei Eloy Chaves que já havia
estabelecido fundos de aposentadorias e pensões para os ferroviários. “Estes
trabalhadores, portanto, somente poderiam ser demitidos por “falta grave”, comprovada
a partir de inquérito administrativo”. 222
O fato é que de acordo com o periódico a demissão do agente não decorreu de
nenhum inquérito administrativo podendo ser um indício de que este funcionário teria
direito ao já estabelecido pela lei em 1923. Beneficiário ou não através do exposto na lei
verifica-se, no entanto, que as demissões poderiam acontecer não havendo uma
fiscalização efetiva do governo do que ocorria no interior dos locais de trabalho sendo
constantes as queixas e reclamações de medidas injustas da empresa para com os
ferroviários.
A este fato somam-se as inúmeras denúncias dos ferroviários no O Momento de
que outras leis não eram cumpridas na empresa. A questão das horas extraordinárias de
trabalho era uma das queixas dos ferroviários atestando que era recebido um dia de
folga apenas para compensar isto.
Sujeitos a privações e a ausência de proteção das muitas leis, haja vista, o seu
descumprimento, os ferroviários baianos tiveram que se organizar para garantir a
resolução das suas reivindicações. Para tanto, existiu o Centro Operário Beneficente de
Alagoinhas que atuou de maneira singular nesta cidade durante as décadas de 1930 e
1940. O Centro Operário Beneficente de Alagoinhas desempenhou funções
assistencialistas, beneficentes, reivindicativa, e instrucional, pois mantinha uma escola
para trabalhadores e filhos dos operários. Soma-se a essas funções o fato de ter agido
em determinados momentos como mediador de greves ferroviárias como atesta o caso
221
Dimensões do Labor Ferroviário na Bahia: Trabalho, Disciplina e Educação Profissional (1939-1942).
Artigo publicado no encontro da ANPUH/Bahia: UESB. 2010, p.5.
222
SOUZA, Samuel Santos. Coagidos ou Subornados: trabalhadores, Sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. 2007. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Campinas, 2007, p. 29.
84
da paralisação ocorrida em 1932, que contou com a interferência do Centro meses antes
da deflagração da parede. 223
O estudo de Maria Conceição Barbosa da Costa e Silva224 analisou as origens do
mutualismo na Bahia. Investigou a atuação e as funções exercidas pela Sociedade
Montepio dos Artistas, composta por trabalhadores de diversos ofícios existindo entre
eles muitos artistas, escultores, pintores, entre outros. Durante todo o século XIX
ocorreu uma proliferação dessas entidades que prestaram socorro mútuo entre os sócios
através do recebimento de donativos. Enfim, as entidades nesse período foram criadas
para promover uma "certa segurança" no trabalho, já que inexistiam preocupações do
poder político com essa questão.
É necessário compreender que era comum, em alguns casos, não haver uma nítida
separação de funções, entre mutualistas e sindicais, o que vai depender do tipo, e do
caráter que assumia durante o tempo de sua vigência. Também não há uma seqüência
evolutiva para o desenvolvimento dessas organizações. Ao contrário, o surgimento de
uma, não levou à extinção de outra.
As múltiplas funções assumidas pelo Centro Operário durante a década de 1930
não permitiu enquadrá-lo, somente, como sendo de caráter assistencialista. E a
inexistência de um sindicato da categoria ferroviária em 1940 pode ter proporcionado
que este Centro atuasse na busca de melhorias para estes trabalhadores o que se
comprova pelo seu apoio na construção de casas de operários em Alagoinhas 225 e pela
orientação difundida pelo seu diretor Vitório Pita – ferroviário e secretário político do
Comitê Municipal do PCB em Alagoinhas. Nas suas palavras percebe-se a orientação
do Centro. “O Sr. Vitório Rocha Pita sentiu na necessidade de fortalecimento da União
Nacional, da União do Proletariado com todas as forças democráticas e progressistas no
Brasil, para a solução pacífica de problemas políticos e econômicos da Nação”.226
É necessário investigar a partir desta ‘União de todas as forças democráticas do
Brasil’ com quem os ferroviários deveriam unir-se de acordo com a orientação do líder
ferroviário e se essa postura teve um caráter colaboracionista. E ainda que tivesse essa
orientação conciliacionista o Centro constitui-se num outro espaço de luta para os
223
MATOS, Rafaela Gonzaga. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de 1930. Greves
Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de Feira de Santana,
2008, p. 22.
224
SILVA, Maria C. B. da Costa e. Sociedade Montepio dos Artistas na Bahia. Elo dos trabalhadores em
Salvador. Salvador: EGBA, 1998.
225
Casa do Operário. Correio de Alagoinhas. Salvador, 24 fev. 1942, p. 2.
226
Despedido injustamente da Leste. O Momento. Salvador, 03 dez.1945, p. 1.
85
trabalhadores minimizarem a sua condição de exploração. Sem direito a possuir um
sindicato, a categoria soube organizar-se de outras maneiras através do Centro e da
Sociedade 8 de maio.
Em pesquisa realizada sobre experiências de militantes ferroviários em Santa
Catarina Cláudia Monteiro destaca a atuação de diversos operários em lutas pela defesa
da categoria, entre eles o maquinista Claudemiro Batista, militante do Partido
Comunista. Na compreensão de Monteiro, com o fim da Segunda Guerra o PCB
legalizado voltou a atuar publicamente, mas a mesma destaca que apesar disso “(...) é
importante observar o fato de que era aceito entre os trabalhadores o militante operário e
não propriamente o militante comunista”227. Isto significava que a pauta era regida por
reivindicações dos trabalhadores que incluíam aumentos salariais, abono de Natal, entre
outras.
Em relação à Bahia também se pode perceber a atuação de militantes do PCB
junto aos ferroviários, os quais organizaram a categoria para solicitar as demandas mais
sentidas da classe. Comícios do partido ocorreram em Alagoinhas, reduto ferroviário e
quartel de greves desses trabalhadores desde a Primeira República onde foram
destacados os problemas sentidos pelos operários da cidade, e pelos ferroviários da
Leste Brasileiro que se relacionavam com melhorias nas condições de vida e trabalho.
“Entre essas reivindicações pedem os trabalhadores o direito a férias, pagamento dos
salários normalmente, melhoria na assistência médica, facilidades dentro da cidade”.228
Através dos comícios foi dada ênfase às necessidades dos operários, bem como
através da instalação de um comitê distrital na Calçada o Partido Comunista atuou com
o objetivo de acolher as reivindicações dos ferroviários e buscar soluções para as
mesmas. Essa pesquisa abre margem para o estudo dessa atuação do partido junto aos
ferroviários, bem como para a reconstituição de trajetórias de líderes como Vitório Pita,
entre outros.
No que tange à função do Centro o mesmo proporcionava aos seus membros
momentos diversos de sociabilidade mantendo contato com a sociedade Alagoinhense.
Isso ocorreu quando a entidade posicionou-se na organização de eventos para festejar
227
MONTEIRO, Cláudia. Fora dos trilhos As experiências da militância comunista na rede de Viação
Paraná – Santa Catarina (1934-1945). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2007, p. 28.
228
Fazemos promessas, nos orientamos o povo – Fala-nos Vitório Pita. O Momento, Salvador, 29 nov.
1946, p. 2.
86
“certas datas que forneciam às sociedades operárias a oportunidade para celebrações
rituais”. 229
Datas como o 2 de julho, dia da independência da Bahia, o 7 de setembro,
aniversário da fundação, e até o aniversário de Getúlio Vargas eram comemoradas pelo
Centro, o qual fazia questão de demonstrar não apenas para os trabalhadores, mas
também para a população a necessidade de tais comemorações. A agenda de
festividades do Centro permaneceu atuante em 1940, pois proporcionou uma longa
agenda de festividades para o 1º maio com passeata cívica que contou com a
participação da Escola Profissional de Alagoinhas e de várias escolas particulares e da
rede municipal de Alagoinhas.
Não se pode perder de vista a existência de outra entidade atuante junto à
categoria ferroviária em 1940, a Sociedade 8 de maio. Fundada na data do término da
guerra de acordo com o Sr. Joel Lage, possuiu funções assistencialistas e que visaram
atender a algumas demandas dos operários da Leste. Este ferroviário apresenta as
motivações que conduziram a criação desta beneficente, a 8 de maio:
(...) Depois criamos no próprio deposito entre os ferroviários, porque
quando morria um dos nossos colegas, nós tínhamos de fazer
vaquinhas, dá 50 reais de um, 50 centavos de um, 2 cruzeiros porque
era cruzeiro de outros e assim enterrava o colega, então achamos que
aquilo era um absurdo não podia existir não é? Então criamos uma
sociedade beneficente, Sociedade 8 de maio em memória, em
comemoração ao termino da guerra, data do termino da guerra e dessa
sociedade nós fomos avançando, avançando, ela se incorporou,
congregou que foi toda rede ferroviária, Sociedade 8 de maio tinha
entrada, depois disso da 8 de maio, nós vínhamos lutando (...)”. (...)
Por isso, nós criamos a Sociedade 8 de maio para atender aos nossos
colegas, porque o Estado não atendia (...).230
Com salários precários e sem a garantia de que as leis trabalhistas seriam
cumpridas no seu espaço de trabalho os ferroviários da Leste demonstraram
solidariedade aos seus colegas de trabalho que vivenciaram experiências semelhantes de
exploração. A entidade beneficente também se constituiu em outro espaço de união dos
trabalhadores pela defesa dos seus interesses:
229
BATALHA, Cláudio et al. Culturas de classe. Campinas: Editora da UNICAMP/ CECULT, 2004,
p.103.
230
Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal
Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa
Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS.
87
(...) trabalhar pelo desenvolvimento da classe operária moralmente e
intelectualmente, fundando aulas noturnas de português, matemática e
geografia na sua própria sede; criação de uma biblioteca circulante, de
obras instrutivas; realizar conferências que proporcionem ilustrações
aos seus associados, após um ano de fundada a sociedade e seis meses
de sócio, proteger os seus associados quando coagidos na sua
liberdade civil. 231
Os ferroviários vivenciaram condições deploráveis de trabalho durante o período
analisado. Esta situação foi justificada pelo Diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de
Freitas por conta de uma ausência de recursos para investir na melhoria dos serviços e
para renovação dos materiais.
A análise das fontes apontou que a passagem das estradas de ferro para as mãos
do governo brasileiro não representou garantias de mudanças efetivas nas condições de
vida destes trabalhadores que continuaram a publicar suas queixas nos jornais da época,
entre eles, O Momento. Ações judiciais foram movimentadas pelos ferroviários
buscando fazer uso das leis e decretos existentes sobre a matéria relacionada a acidentes
de trabalho visando a garantia do direito de indenização e da própria sobrevivência em
um período considerado de crise econômica.
A premissa que orienta este estudo compreende que as leis não podem ser
analisadas olhando-se apenas as intenções estatais sem perceber como as mesmas foram
recepcionadas pelos trabalhadores. Conclui-se que os ferroviários baianos se
constituíram numa parcela ativa do movimento operário do período de 1932-1952
buscando organizar-se pelas suas reivindicações e direitos tanto nas ruas por meio de
greves quanto na justiça através das ações de acidentes de trabalho.
231
Fundado pelos ferroviários a Sociedade 8 de aio – Nova diretoria do Sindicato dos curtidores em
Alagoinhas. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 5.
88
CAPÍTULO III - ACIDENTES DE TRABALHO E LEIS
TRABALHISTAS: UM DESENCONTRO
Este capítulo tem como objetivo discutir as leis e os decretos referentes aos
acidentes de trabalho ao lado da análise da experiência dos ferroviários baianos visando
apontar como foi difícil lutar pelas indenizações decorrentes dos acidentes de trabalho.
Estratégias de ambas as partes foram analisadas nesta seção, bem como os trâmites
judiciais e os interstícios das leis que muitas vezes, possibilitaram uma análise ambígua
dos casos em questão.
No bojo das discussões acerca do acionamento das leis sociais nos processos
impetrados pelos trabalhadores junto à Justiça do Trabalho tem sido demonstrado como
os operários reconheciam as relações de poder que envolviam a ativação da legislação
na busca do reconhecimento dos seus direitos. Contudo, é válido ressaltar que estas
disputas judiciais são anteriores a 1930 e tinham como cerne reclamações a respeito do
pagamento de indenização referente aos acidentes de trabalho envolvendo operários da
Companhia Ferroviária Chemins de Fer.
No dia 8 de janeiro de 1917 na locomotiva 403 estavam Leopoldo dos Santos Reis
e mais dois companheiros quando na descida de Malômbe na Variante de Pedras no
kilometro 77, a locomotiva com 8 vagões virou causando a morte dos mesmos. A
Companhia Ferroviária Este Brasileiro foi responsabilizada pelo acidente, segundo
relato de Salustiana Josephina dos Santos Reis, mãe de Leopoldo em ação ordinária
movida contra a empresa.232
Esta ação apontou que os acidentes de trabalho e as reclamações judiciais
antecederam o período abordado neste estudo, desta forma é possível verificar
semelhanças na análise dos casos ao serem estabelecidas as comparações. Não se pode
perder de vista, a historicidade das leis e decretos criados, situando as modificações na
legislação e as particularidades dos processos encontrados no final da década de 1940 e
início de 1950, apontando a ambigüidade das leis sociais presente na análise dos
processos.
232
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josefina dos Reis. Cx: 38/
1336/16.
89
3.1.
Lei de Acidentes de Trabalho: processos antes de 1930
Cabe destacar que antes do citado acidente em 1917 ainda nem estava em vigor o
“(...) decreto n. 3724, de 15 de janeiro de 1919 e que foi regulamentado pelo decreto
n.13.498, de 12 de março de 1919”.233 Combinados, estes dispositivos judiciais foram as
ferramentas utilizadas pelos trabalhadores e seus dependentes para requerer a
indenização nos casos de acidentes de trabalho. No que tange às leis na Primeira
República, a de acidentes de trabalho (1919), a de férias (1926), e a que regulava o
trabalho do menor (1926) são as primeiras medidas que visaram atender aos operários
nesta conjuntura.
A respeito das mesmas, o estudo de Marcos Alberto Lima intitulado Legislação e
Trabalho em Controvérsias Historiográficas: O Projeto Político dos Industriais
Brasileiros (1919-1930) tratou das leis criadas antes de 1930 para regular as relações de
trabalho e a interferência dos industriais nestas leis, entre elas a de 1919, que regulou a
matéria relacionada aos acidentes de trabalho que passou a vigorar em 1919. O projeto
de lei que inicialmente propôs a responsabilidade dos empregadores para com os seus
operários datou de 1910 e foi elaborado pelo Senador da República Adolfo Gordo.
De acordo com Lima o patronato não se opôs à criação desta lei porque antes da
mesma ser criada cada processo era julgado de uma maneira distinta sem que existisse
uma padronização, apesar das lutas para se garantir as reivindicações. “O tratamento
individual dado pelo Código Civil aos operários vítimas de acidentes de trabalho – cada
acidente, um processo – tornou-se inviável (...)”234.
Sendo assim, a criação das
primeiras leis interferindo nas relações de trabalho foi acompanhada de perto pelos
industriais.
O estudo de Marcos Lima destacou aspectos do projeto político dos industriais de
conceder benefícios aos trabalhadores como habitação, assistência médica, lazer, além
da prestação de serviços de um modo geral. Na compreensão do autor, os patrões
acreditavam que se fossem colocadas em prática medidas para proporcionar um mundo
de trabalho menos penoso para os operários haveria uma diminuição das contestações e
233
FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3, janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 224.
234
LIMA, Marcos Alberto Horta. Legislação e Trabalho em controvérsias historiográficas: o projeto
político dos industriais brasileiros (1919-1930). 2005. Tese (Doutorado em História). Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005, p. 76-77.
90
dos problemas com indisciplina. Assim, percebe-se que o projeto político dos
industriais, elaborado ainda durante a Primeira República, se ajustou ao que ocorreu em
1930 quando houve a gestação da ideologia do trabalhismo com a propagação da
concessão de direitos. Apesar do autor citado acima fazer referências ao projeto político
dos industriais não há nenhuma menção a como os operários reagiram a isto, nem a
existência de manifestações de trabalhadores numa conjuntura de ascenso destas lutas.
O estudo de Vânia Ribeiro intitulado A armadilha do leviatã também apontou a
intervenção dos industriais na elaboração destas leis no espaço do Rio de Janeiro,
visando a garantia dos seus interesses empresariais em detrimento dos benefícios
requeridos pelos trabalhadores em inúmeras lutas travadas durante o período. A
Primeira República foi marcada pela ação operária em diversas frentes como greves
deflagradas em várias partes do Brasil e na Bahia, onde categorias de trabalhadores
batalharam para garantir sua sobrevivência de diversos modos.
Vale a pena salientar a compreensão de Luís Werneck Viana a respeito das leis
trabalhistas criadas entre 1891 e 1919:
(...) a classe operária brasileira se viu como força isolada no mercado,
ausente da vida legal. Em grande medida, além do caráter imediato
das suas reivindicações no plano econômico, boa parte de sua
movimentação organizada esteve localizada no esforço de romper com
o estatuto da ortodoxia liberal da ordem inclusiva.235
Viana aponta que a Constituição de 1891 e o Código Civil de 1º de janeiro de
1916 garantiram que os contratos de trabalho fossem compreendidos de modo
individual236, sem interferência estatal nestas relações, estando por isto os operários
ausentes da vida legal, haja vista, não existirem leis de proteção a estes sujeitos. O único
dispositivo que teve como objeto os operários foi o decreto n. 1.637 de 5 de fevereiro de
1907 que regulou a associação das profissões.
Neste sentido, na compreensão do autor as pressões dos trabalhadores exigiram
que o Estado garantisse leis sociais que viessem a protegê-los no mercado de trabalho
quando os operários ampliaram suas ‘reivindicações econômicas’ através das
mobilizações de 1917 a 1919. Portanto, as leis sociais criadas teriam sido fruto da
agitação operária na Primeira República quando os trabalhadores estenderam suas
235
VIANA, Luis Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999,
p. 79.
236
Idem, ibidem, p. 79.
91
exigências para jornada de 8 horas, aposentadoria, regulamentação do trabalho do
menor, da mulher, direito a férias e horas extras, bem como seguro contra acidentes. 237
Com esta movimentação o autor mostra o rompimento da ambigüidade que
proporcionava choque da Constituição de 1891 com as leis criadas a partir de 1919 de
proteção ao trabalho. Isto foi resolvido por uma emenda constitucional, segundo a qual
a responsabilidade de sancionar as questões trabalhistas foi transferida para o Congresso
Nacional e, posteriormente, quando o Código Civil cedeu passagem à criação do Direito
do Trabalho.
O acidente de 1917 com a locomotiva 403 e que foi movimentado na justiça em
1926 atentou para o fato de que quando o mesmo havia ocorrido a lei de 1919 ainda não
existia. “(...) Na época do sinistro, não tinha aplicação a lei de acidentes de trabalho, que
é de janeiro de 1919, que a lei vigente era de responsabilidade das estradas de ferro, lei
especial aplicável ao caso”.238
A lei de responsabilidade das estradas de ferro datou de 1912 e regulou a
responsabilidade civil das estradas em caso de perda, furto, roubo de mercadorias e
também em casos de acidentes.239 Esta lei não tratava de modo específico a questão dos
acidentes de trabalho, sendo necessária a criação de outros dispositivos que dessem
conta desta questão.
Como se percebe, antes da criação da lei de 1919 não havia uma padronização no
modo de julgar os processos relacionados à fatalidades no exercício do trabalho. A lei 3.
724, de 15 de janeiro de 1919 tratou de regular o modo como os acidentes seriam
julgados com destaque para “o fato do trabalho” que conferia a indenização pela própria
existência do trabalho ou durante a realização do mesmo, independente de aferição de
culpa por parte do patrão.240 O fato do trabalho representou uma conquista aos
operários, haja vista, considerar a natureza do exercício da atividade como capaz de
provocar os acidentes.
Além disto, de acordo com o art. 2º da referida lei também estavam cobertas as
situações de “b) a molestia contrahida exclusivamente pelo exercicio do trabalho,
quando este fôr de natureza a só por si causal-a, e desde que determine a morte do
237
VIANA, Luiz. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999, p, 52.
APEB. Seção Judiciária. Cível II. Ação Ordinária: Salustiana Josephina dos Reis. Cx: 38/1336/ 16.
239
Art. 17 da Lei nº. 2.681 de 1912. “As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas
succederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corporal”. Disponível em
www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2010.
240
Art. 2 do decreto nº 3.724, de 15 de Janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado
em: 18/03/ 2010.
238
92
operario, ou perda total, ou parcial, permanente ou temporaria, da capacidade para o
trabalho.”241 Para o período anterior a 1930 não se encontrou processos que abordassem
a aquisição das doenças profissionais, contudo, pela natureza de muitos dos ofícios
distribuídos dentro da ferrovia, pode-se concluir que existissem muitos casos assim.
As únicas situações em que não caberia pedido indenizatório seriam “(...) apenas
os casos de força maior ou dolo da propria victima ou de estranhos”242. Os casos de
força maior se referem a acontecimentos imprevisíveis não efetivamente ligados ao
exercício do trabalho, ou a atos praticados com a finalidade de receber a indenização. O
art. 2º do decreto complementou a lei de 15 de janeiro, atestando em seu parágrafo
único: “Não constitue força maior a acção das forças naturaes, quando occasionada ou
aggravada pela installação do estabelecimento, pela natureza do serviço ou pelas
circumstancias que effectivamente o cercaram”.243
Além disto, todo acidente de trabalho deveria ser comunicado à polícia de acordo
com o art. 19 da referida lei de 1919 e art. 41 do decreto do mesmo ano. Através destes
dispositivos foi possível que os acidentes fossem comunicados às autoridades pelos
próprios operários, por qualquer pessoa que presenciasse os acidentes, ou pelos patrões
no momento em que tomassem conhecimento do fato. Tal comunicação gerou a
abertura de inquéritos com a presença de informações do acidentado (exceto em casos
de morte) e das testemunhas, o que proporcionou um amplo conhecimento acerca dos
envolvidos nas tragédias.
O decreto 13.498 de 12 de março de 1919244 viria complementar a regulamentação
anterior com a descrição de todas as atividades a serem regidas por estes dispositivos, e
contou com uma tabela onde havia as porcentagens referentes às incapacidades
provenientes das conseqüências dos acidentes e que serviu de referência para o cálculo
das indenizações.
Outro estudo que traz informações a respeito das leis trabalhistas encontra-se no
livro de Ângela de Casto Gomes Burguesia e Trabalho: Política e Legislação Social no
Brasil 1917-1937. A pesquisa de Gomes destaca que, no que tange às leis que
regularam os acidentes de trabalho, a apresentação de um projeto de lei estabelecendo a
241
Idem.
Extraído de art. 2º do decreto n. 3.724 de 15 de janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br.
Acessado em: 18/03/2010.
243
Extraído de art. 2º do decreto nº 13. 498 de 12 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br.
Acessado em: 18/03/2010.
244
Decreto nº 13.498 de 12 de Março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em:
18/03/2010.
242
93
reparação obrigatória do empregador data de 1915, sendo anterior ao Código de
Trabalho. A autora também compreende que o patronato não se opôs ao decreto lei
n.3.724 de 15.01.1919 que passou a regular os acidentes no trabalho, mas que os
mesmos agiram no sentido de restringir ao máximo o alcance destes regulamentos.
Gomes ainda destaca que desde 1917 existiram questionamentos dos patrões
acerca do modo como as pensões seriam pagas aos operários, ocorrendo a defesa do
sistema privado de seguros em contraponto às sociedades de socorro mútuo. A estas
questões se somava o fato dos empregadores se queixarem por conta da elaboração de
um inquérito policial que poderia desencadear um processo judicial quando aconteciam
os acidentes de trabalho.245 Como vimos o artigo 19 da lei referente à declaração do
acidente impunha que “todo o accidente de trabalho que obrigue o operario a suspender
o serviço ou se ausentar, deverá ser immediatamente communicado à autoridade policial
do logar, pelo patrão, pelo proprio operario, ou qualquer outro”.246
Concomitantemente, cabe salientar que em relação à participação da burguesia
urbana, Ângela Gomes compreende que “(...) no que se refere ao campo da política
social, não consistirá mais tanto em impedir a implementação das leis sociais, mas em
continuar a “corrigir” e “adaptar” os projetos em discussão, conforme seus interesses.247
Esta compreensão corrobora a análise de Marcos Alberto Lima a respeito da
interferência dos industriais na implantação das primeiras leis do trabalho, visando
ampliar ao máximo seu nível de participação na elaboração das leis de regulamentação
do mundo do trabalho.
Para efeito de análise das mudanças relacionadas às leis que regeram os acidentes
de trabalho foram consultados processos anteriores a 1930 e existem exemplos de ações
onde ficaram estabelecidos os termos para se evitar o prolongamento dos mesmos. A
tentativa de estabelecer o acordo era o primeiro passo para se tentar resolver estas
questões, pois através do mesmo podia-se evitar que o processo permanecesse na justiça
por longos anos, trazendo prejuízos para os que dependiam destes vencimentos. Das
ações analisadas encontram-se exemplos de acordos em que valores abaixo do que de
fato teriam direito a receber encerraram os conflitos judiciais.
245
FERRAZ, Eduardo Luís Leite. Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 173.
246
Art. 19 do decreto nº 3.724 de 15 de Janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado
em: 18/03/ 2011.
247
GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e Trabalho. Política e legislação social no Brasil. 1917-1937.
Rio de Janeiro: Editora Campus, 1979, p. 129.
94
As possíveis semelhanças encontradas no discurso dos sujeitos nos referidos casos
serão mencionadas ao longo do capítulo que pretende analisar algumas leis sociais que
regularam os acidentes de trabalho e as garantias jurídicas sustentadas por estes, ao lado
das reivindicações dos ferroviários baianos.
No dia 11 de março de 1924 Manoel Rufino da Silva, guarda-freio da Companhia
Ferroviária Este Brasileiro, teve sua mão esquerda esmagada com fratura exposta dos
dedos polegar, indicador e médio em um acidente de trabalho.248 O médico da referida
Companhia elaborou um certificado alegando as fraturas e o tratamento a que foi
submetido este operário, expondo que “o mutilado em serviço apresentou depois de
definitivamente restabelecido em suas lesões as seguintes características: incapacidade
total dos dedos (...) ou, diga-se, incapacidade parcial permanente da mão esquerda.”249
Certamente, que os operários expostos aos riscos de acidente na empresa estavam
sempre sujeitos a tornar-se incapacitados nos diferentes níveis de trabalho.
Segundo Robério Souza esses não eram casos incomuns no trabalho ferroviário. A
estrada de ferro foi cenário de acidentes que resultaram desde a simples destruição ou
desgaste
de máquinas até
vítimas fatais,
trabalhadores e/ou
transeuntes250.
Trabalhadores diversos, bem como passageiros, foram vítimas das tragédias que
mutilavam e levaram à morte milhares de operários que ganhavam a vida de modo
arriscado no exercício do seu trabalho na Companhia.
A lei de 1919 estabelece que o patrão deve encaminhar no quinto dia à autoridade
policial “um attestado medico sobre o estado da victima, as consequencias verificadas
ou provaveis do accidente, e a época em que será possivel conhecer-lhe o resultado
definitivo”251. Este atestado foi elaborado pelo médico que conferiu um diagnóstico
acerca da gravidade da lesão de Manoel Rufino expondo as condições do mesmo após o
acidente.
Uma das queixas dos patrões a respeito da implantação da lei e do respectivo
decreto foi que eles foram contrários a que se fizesse comunicado às autoridades
policiais quando os acidentes ocorriam. O estudo elaborado por Eduardo Luís sobre
248
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Manoel Rufino. Cx: 09/ 294/ 19.
Idem, ibidem, p. 8.
250
SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007, p. 56.
251
Art. 2 do decreto nº 3.724 de 15 de Janeiro de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado
em: 18/03/2011.
249
95
acidentes de trabalho no espaço de Piracicaba atestou que o patronato visava camuflar a
ocorrência dos acidentes nas fábricas impedindo que fosse aberto inquérito policial. 252
Na Bahia, descarrilamentos e acidentes de trem eram amplamente noticiados pela
imprensa local desde a Primeira República o que facilitou que os desastres fossem de
conhecimento da população. Mas não se pode desconsiderar a possibilidade de
acidentes ocorridos no interior das oficinas e não notificados à polícia, apesar de não se
ter encontrado referências mencionando a existência de omissões.
Em um dos processos foram encontradas matérias de jornais anteriores a 1930
relacionadas a descarrilamentos e mortes de operários que foram amplamente
divulgadas pelos meios de comunicação como grandes tragédias é o caso ocorrido em
1916 na “Estrada de Ferro Timbó a Própria. O último desastre; A Chemins foi multada
em 15 contos por falta de conservação da linha obras d’arte e etc; O desastre do
kilometro 7 uma ação de indemnização; O desastre da Chemins”.253
Como se percebe, a ocorrência dos acidentes era comum e serviu para agravar a
situação de miséria e pobreza dos ferroviários durante o período mencionado.
Figura 5. Acidente Ferroviário ocorrido em 1917
Fonte: A Tarde, Salvador, APEB, ano, p.
252
FERRAZ, Eduardo Luís Leite. Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 215.
253
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/
16. Fol. 16.
96
Eduardo Ferraz reforça que a polícia poderia abafar os inquéritos, haja vista que o
poder local historicamente não era um aliado dos trabalhadores.254 Pistas acerca deste
relacionamento na Bahia podem ser encontradas nas greves ferroviárias da Primeira
República que contaram com a ação policial visando mantê-las dentro da “ordem”
atestando como foi o relacionamento entre as autoridades e os operários. Durante a
greve de 1932 de acordo com o acompanhamento das notícias pode-se notar que a
presença da polícia foi usada claramente com o efeito de intimidar, e de provocar receio
aos grevistas numa decisão articulada entre os representantes das autoridades
constituídas e da empresa Chemins de Fer. Para possíveis omissões acerca dos
incidentes se faz necessário a realização de estudos mais detidos a este período, de
maneira a ratificar tal hipótese.
No caso de Manoel Rufino a indenização pleiteada pelo operário foi de “(...) um
conto e trezentos e oitenta e seis mil e seis centos (1: 386 $ 600) quantia que
representou 60% sobre a diária de três mil reis (3.000), em três anos, abatidos 233, 400
(...) que já recebeu.”
255
De acordo com Luís Eduardo, “em caso de morte, o patrão
deveria pagar o equivalente a três anos de salário da vítima, além das despesas com o
funeral art. 7º da lei e 18 do decreto”
256
. Como Manoel Rufino ficou parcialmente (e
não completamente) incapacitado, o direito à indenização variava entre “5% a 60 %
daquela a que teria direito caso fosse total e permanente”. 257
No artigo 14 da lei de 1919 e segundo o decreto que regulamentou a lei anterior
em seu “Art. 24. A indemnização e diarias recebidas pela victima em virtude de
qualquer incapacidade serão deduzidas da indemnização que for devida por motivo de
seu fallecimento ou por tornar permanente a incapacidade temporaria”. A incapacidade
temporária cedeu lugar a uma incapacidade permanente, onde foram reduzidos os
valores já pagos ao mesmo.
Certamente, o guarda-freio Manoel Rufino a partir da perda dos movimentos da
mão esquerda deve ter enfrentado dificuldades para sobreviver na Bahia na conjuntura
254
FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 215.
255
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Manoel Rufino. Cx: 38/ 1336/ 16.
256
FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 21.
257
Art. 10 da lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919. E art. 21 do Decreto 13. 498 de março de 1919 art. 21.
Disponíveis em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011.
97
de 1924. De acordo com o estudo realizado por Aldrin Castellucci em seu livro
Industriais e Operários Baianos em uma conjuntura de crise, o período mencionado foi
marcado por uma intensa elevação no custo de vida, haja vista a população baiana
continuava sofrendo os efeitos da Primeira Guerra Mundial. O ascenso das greves na
Bahia, bem como o surgimento de diversos tipos de organizações operárias de socorro
mútuo e reivindicativas, atestaram as estratégias de sobrevivência dos trabalhadores.
Concomitantemente, o termo de acordo contou com a presença do operário
Manoel Rufino da Silva e de um representante da empresa, Alfred Jassaud, que assinou
o documento concordando com o valor a ser pago. Para finalizar o acordo firmado entre
ambas as partes, Manoel Rufino assinou um termo de quitação em que tanto o curador
de acidentes de trabalho neste período, Durval Trindade, bem como duas testemunhas
Raul Guimarães e Zacharias Gomes, além do próprio trabalhador, assinaram o
documento.
Quando os processos terminavam em acordos as ações foram rápidas, enxutas e
visavam por parte dos patrões impedirem que o conflito desencadeasse um processo
judicial que pudesse onerar ainda mais a empresa com a elevação dos custos
despendidos em indenizações. Em contrapartida, os trabalhadores e os seus familiares
quando entraram na justiça conheciam os riscos de que aquelas ações poderiam passar
anos sem que houvesse uma resolução, o que pode ter facilitado, ou mesmo estimulado
a aceitação dos acordos. Com o encerramento do caso de Manoel não se obteve nas
fontes nenhuma referência a seu respeito nem de sua família.
A lei de acidentes de trabalho proporcionou a normatização nos casos de
ocorrência de acidentes e impôs que regras fossem cumpridas pelo patronato acerca do
quantum a ser pago aos trabalhadores e das condições em que isto deveria ser feito. Os
acordos propostos finalizavam as possibilidades de longos processos judiciais que
poderia gerar ganho de causa pelos operários, devido algumas imposições da lei. Assim,
para que a lei continuasse a ser acionada pelos requerentes, teria que provar o mínimo
de aplicabilidade real nas situações concretas de acidentes de trabalho. Nesse sentido, o
campo do direito pode ser acionado para se conseguir o acordo igualando operários e
patrões na disputa em uma situação socialmente desigual.
Em contrapartida, em 14 de janeiro de 1927 Júlio Pereira Moitinho, maquinista,
conduzia a locomotiva de número 204258 que descarrilou em Alagoinhas provocando a
258
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Euclides Mariano Moitinho, Cx: 38./1336/ 16.
98
morte deste trabalhador da Companhia Ferroviária. Em função deste acidente de
trabalho seu pai Euclides Mariano Moitinho requereu junto à empresa a indenização a
que fazia jus, devido à morte do seu filho.
Diferente do caso anterior em que a própria vítima foi quem solicitou a
indenização, neste caso os seus beneficiários eram os requerentes. De acordo com o
artigo 7º da lei de 1919 em caso de morte do operário a indenização corresponderia a
três anos de salário da vítima a serem pagos de uma só vez.259 A questão foi resolvida
com base em um acordo estabelecido entre as partes com base no decreto de março de
1919 e de alguns artigos do Código Civil de 1916260, conforme atestou o documento.
Euclides e Salustiana Moitinho, respectivamente pai e mãe da vítima, solicitaram a
indenização de dois anos de trabalho do referido 4: 800$000 (no limite máximo de
2:400 $000 por ano) e a quantia dispensada no enterro da vítima de 100$000, de acordo
com a lei de 1919.261 O pai da vítima alegou que seu filho era solteiro e por isto eles se
tornaram os únicos beneficiários. Em procuração emitida pelos requerentes eles
concederam todos os poderes aos advogados Diocleciano Portela e Nestor Duarte para
fazer jus ao pagamento da indenização pela Companhia. 262
Contudo, o que a lei garantia aos beneficiários de Júlio Pereira para efeito de
cálculo de indenização era uma “soma igual ao salário de três anos da vítima” 263 e não
de dois anos, conforme ficou acertado no acordo estabelecido entre as partes. Porque
então Euclides e Salustiana teriam aceitado um valor abaixo do que de fato eles
deveriam receber? Uma hipótese referente a esta questão tem a ver com a incerteza do
ganho de causa que também pode ter motivado o consentimento dos beneficiários pelo
acordo. A demora que uma ação como essa envolvendo indenização por morte poderia
levar no judiciário naquela época também pode ter sido uma das motivações, somadas à
ausência de agilidade do judiciário e à imprevisibilidade das sentenças.
Os dados da empresa a respeito do acordo mostram que o salário de Júlio Pereira
era de R$. 235,000 mensais, sendo assim, a partir do cálculo de três anos do salário da
vítima os beneficiários do mesmo deveriam receber R$ 7: 200$00 ao invés dos
259
Lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919 no art. 07. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em:
18/03/2011.
260
Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011.
261
Art. 07 da Lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919. E art. 18 do decreto 13. 498 de março de 1919.
Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011.
262
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Euclides Mariano Moitinho. Cx: 38/ 1336/ 16.
263
Art. 07 da lei 3.724 de 15 de janeiro de 1919. E art. 18 do decreto 13. 498 de março de 1919.
Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/ 2011.
99
4:800$000 acertados. Ao analisar os processos de acidentes de trabalho no espaço de
Piracicaba entre 1919 e 1930, Eduardo Luís Leite Ferraz atestou que R$ 7:200,00 era
um valor que quase nunca era atingido264. Dos processos encontrados e analisados na
Bahia antes de 1930 também não se chegou a esta quantia.
Em seu estudo, Ferraz “Diz que a lei de acidente no trabalho é lei de ordem
pública, e que é nula de pleno direito qualquer convenção contrária e tendente a evitar
sua aplicação ou a alterar seu modo de execução.” 265 Em contrapartida, eis o que diz o
decreto de março de 1919 acerca do que poderia ficar consentido no acordo: “art. 45 §
2º Si, no correr do processo judicial, houver accôrdo entre as partes sobre o quantun da
indemnização, observadas as disposições da lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919, e
deste regulamento, será considerado findo o processo, desde que o mesmo accôrdo seja
homologado pelo juiz.
O estabelecimento do citado acordo consiste na alteração da execução na letra da
lei. Por isto, a lei estabelece o valor de três anos a ser pago aos beneficiários do
acidentado, contudo, isto fica invalidado quando um juiz acata que um valor abaixo do
pré-determinado seja pago aos requerentes.
O acordo que permitiu que os pais de Júlio recebessem dois anos do salário da
vítima e não de três, conforme prega a legislação, garantiu a indenização, mas, vale
salientar, com perdas salariais para os solicitantes. No que tange ao mencionado no
acordo, o limite máximo a ser pago seria R$ 2:400 $000 por ano, esse foi um dos pontos
abordados pela lei de 1919 em seu art. 6º, que estabeleceu um limite indenizatório por
ano, e proporcional aos salários das vítimas. Trata-se de uma restrição que prédeterminava um valor fixo e imutável que não poderia exceder este limite, mesmo que a
vítima recebesse um salário superior ao cálculo para indenização, excedendo a R$ 2:400
$000. Acordos e, imposição de algumas normas nos termos legais foram apenas alguns
obstáculos encontrados pelas vítimas e os beneficiários para garantir os seus direitos.
Maria Elisa Lemos em sua dissertação de mestrado a respeito dos acidentes de
trabalho em 1930 e 1940 destacou que “os decretos anteriores a 1944 estipulavam um
teto máximo a ser pago ao trabalhador anualmente, bem como procediam ao desconto
264
FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e Remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 221.
265
Idem, ibidem. p. 22.
100
de diárias pagas ao trabalhador antes da conclusão do processo”.266 Isto é, se a lei
poderia conceder benefícios, eles estiverem inseridos em uma lógica que impunha
restrições de muitas ordens para que o patronato não sofresse redução de seus lucros.
Como a empresa não se negou a pagar o valor solicitado as partes estabeleceram
acordo que assegurou o pagamento do vencimento solicitado por Euclides. Em ofício
encaminhado pela Companhia Este Brasileiro foi dito que “está de acordo com a
indenização, indicada na aludida petição, que é de R$ 4. 800$000 e mais R$ 100$000,
dando assim e mais uma vez uma prova de respeito e obediência a lei.”267 Este valor de
R$ 100$000 se refere às despesas com o enterro, conforme art. 7º da lei e 18º do
decreto. A Companhia demonstrou a partir do estabelecimento do acordo obedecer a lei,
desde que a mesma não lhe cause muitos prejuízos.
Este pagamento, contudo, esteve subordinado ao cumprimento de algumas
obrigações, como por exemplo, a apresentação de documentos indispensáveis como
certidão de óbito, de casamento quando a requerente era a esposa, e certidão de
nascimento dos filhos (as) deixados pelo ferroviário acidentado, para que acordos e
ações fossem validados na justiça. Neste caso, o pai de Júlio Moitinho apresentou “alem
da caderneta da vítima, uma certidão de casamento da suplicante, uma certidão do
registro de nascimento e uma certidão de óbito.”268
Estes foram documentos obrigatórios e mencionados no decreto de março de 1919
e que impunha no seu “art. 26. Em caso de morte, o pagamento aos beneficiarios será
feito após a apresentação de certidões de obito, casamento (si a victima não era solteira)
e filiação, além de outros documentos que forem julgados necessarios pelo juiz”269. A
apresentação destes dados e das suas respectivas comprovações, bem como os
testemunhos prestados, eram as garantias para o andamento dos processos.
Mas nem sempre estas ações geraram acordos, como se pode constatar no caso de
Salustiana Josephina dos Reis já mencionado anteriormente, quando as dificuldades
encontradas por esta requerente foram muitas e o final do processo não foi claro quanto
aos seus desdobramentos. De acordo com a ação ordinária movida por ela em 1926 seu
266
SILVA, Maria Elisa L. N da. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de trabalho em Salvador
(1934-1944). 1998. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998, p. 38.
267
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Acordo de Euclides Mariani Moitinho. Cx: 04/ 134/ 19.
268
Idem, ibidem. p. 6.
269
Decreto de 13. 498 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011.
101
filho Leopoldo dos Santos Reis sofreu um acidente quando uma locomotiva com oito
vagões virou, causando a morte do mesmo e de mais dois companheiros.
Este acidente havia ocorrido em 1917, mas somente havia a lei de
responsabilidade das estradas de ferro de 1912 e o Código Civil de 1916 mencionados
no processo. As dificuldades de sobrevivência de Salustiana, bem como o conhecimento
da possibilidade de reparação pela empresa através da difusão das leis criadas, pode ser
a explicação para a entrada na justiça nove anos depois.
Uma das dificuldades encontradas pela requerente para continuar com a ação na
justiça perpassava a questão da comprovação da maternidade através da exigência de
registro de nascimento de Leopoldo. Este registro era um dos documentos necessários
para o prosseguimento da ação, conforme atesta o art. 16 da lei e art. 26 do decreto de
1919.
A ação movimentada pelos pais de Júlio Moitinho foi considerada procedente
somente após a apresentação destes documentos acerca da filiação do maquinista. Esta
necessidade, no entanto, dificultou que Salustiana Reis conseguisse a indenização,
porque não obteve a documentação no cartório em que afirmou ter registrado seu filho.
De acordo com a análise do processo, Salustiana Reis recorreu a algumas medidas
extremas para que a ação de indenização tivesse continuidade na justiça, mesmo sem
obtenção do registro de nascimento de seu filho, conforme veremos a seguir.
A partir da análise da ação de Salustiana se infere que a apresentação dos
documentos para a garantia da efetividade do cumprimento das leis, aliada à dificuldade
em alguns casos de acesso a estes registros de nascimento, impediram o prosseguimento
de processos, impossibilitando que as leis fossem impendidas. No processo referente a
Leopoldo uma certidão negativa foi emitida pelo cartório alegando que não havia sido
encontrado o registro do mesmo após a solicitação encaminhada pela sua madrinha, Ana
Florentina de Freitas.
A análise da ação apontou que, ao não ser encontrada a certidão da vítima
solicitada por sua madrinha, encaminhou-se uma nova requisição fazendo parte desta
documentação. Desta vez, a requisição aparece redigida e assinada por Leopoldo dos
Santos Reis em 29 de setembro de 1920.270 A atitude de forjar uma solicitação escrita
por seu próprio filho agravou a situação da requerente no processo. A aquisição do
documento que deveria servir de garantia para que a mesma conseguisse a indenização,
270
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josefina Reis. Cx: 38/ 1336/
16.
102
serviu como justificativa para a empresa alegar que a vítima e o filho de Salustiana não
eram a mesma pessoa.
Nos autos do processo consta documento enviado pela Companhia ferroviária onde
a empresa fez uso desta justificativa de que trabalhador não podia solicitar em 1920
registro de nascimento tendo se acidentado em 1917:
(...) que a autora não tem autoridade para propor a presente ação,
porquanto não exibiu documento que prove ser a genitora de Leopoldo
Santos Reis, a victima, podendo talvez ser, sim, a genitora daquelle
individuo de igual nome que fez e assignou a petição de fls. 8., porque
não póde se admittir que Leopoldo falecido em 08 de janeiro de 1917,
seja o mesmo Leopoldo, filho da autora, que requereu a sua certidão
de idade em 22 de setembro de 1920; (...)271
A conduta de Salustiana Reis de providenciar que seu filho acidentado redigisse
um documento na busca de provar a sua maternidade foi interpretada dentro do processo
como um comportamento com o único intuito de conseguir a indenização “que não
tinha direito” e, sendo assim, tirar vantagem da reparação a ser concedida pela
Companhia Ferroviária.
Soma-se a este outro argumento, presente nos autos do processo, de que Leopoldo
não era operário da empresa, mas um sujeito que viajava na locomotiva porque conhecia
o maquinista, também morto no acidente: “(...) que Leopoldo dos Santos Reis não era
empregado da Companhia R. e viajava na locomotiva nº 403, em 08 de janeiro de 1917
em caracter particular e por convite do respectivo machinista Carlos de Barros Leite.”272
Tais declarações de que o mesmo não era trabalhador da empresa foram novamente
alegadas pelo chefe de locomoção em uma declaração nos autos.
Alegar que o operário não era funcionário da empresa pode ter sido uma saída
para evitar que a indenização fosse paga nos casos, evitando assim o desenrolar do
processo. Esta idéia também foi defendida por Eduardo Ferraz, em sua análise para os
casos ocorridos em São Paulo. Na compreensão do autor, além dessa justificativa
somaram-se argumentos de que o operário não era mais empregado à época do ocorrido,
além da alegação de acidente em desempenho de uma tarefa que não era o seu ofício.273
271
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/
16.
272
Idem, ibidem, p. 20.
273
FERRAZ, Eduardo Luís Leite. Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3, janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 224.
103
Enfim, justificativas distintas para fugir à responsabilidade de arcar com o ônus da
indenização.
Apesar da possibilidade disto ter sido uma mera desculpa da empresa para não
pagar a indenização a Salustiana Reis, há que se considerar que na análise desta ação
não ficou comprovado se o mesmo Leopoldo acidentado em 1917 era de fato o filho da
requerente. Essa ação iniciada ainda durante a Primeira República só foi concluída em
1936, comprovando a morosidade da justiça em emitir as decisões para os conflitos.
Outro argumento utilizado pela Companhia neste caso foi isentar-se da culpa pelo
desastre: “que o desastre ocorrido no km 77 no dia 08 de janeiro de 1917 em que
morreu Leopoldo dos Santos Reis, foi occasionado única e exclusivamente por culpa do
machinista (...)”
274
. Isso ocorreu porque foi antes da lei de 1919 nesse momento o
empregado tinha que mostrar que não tinha culpa no acidente quando entrava na justiça
para poder receber a indenização.
A Companhia alegou não poder ser penalizada por acidente provocado por culpa
de terceiros e fez uso do Código Civil para justificar este argumento em seu art. 1523.275
Neste período já havia sido criada a legislação específica que regulou os acidentes de
trabalho, mesmo assim pode-se encontrar casos julgados através do uso de outros
dispositivos, como se comprova nesta ação. Nessa época, as relações de trabalho ainda
eram tratadas como relações de direito privado, daí a utilização do Código Civil.
Uma série de fragmentos de jornais acompanhava o referido processo e reafirmava
a ocorrência de acidentes em que foram vítimas maquinista, foguista e mais dois
companheiros que estavam na composição acidentada. De acordo com as alegações de
Salustiana, o acidente havia ocorrido, devido à negligência da empresa para com o
estado de conservação de suas linhas.
As alegações da requerente nos autos do processo encontraram respaldo no
contexto vivenciado na segunda metade da década de 1920, quando houve inúmeras
manifestações de trabalhadores para expressar as suas insatisfações decorrentes das
péssimas condições de trabalho da ferrovia e pela difícil situação de vida que motivou
greves no período, com destaque para a greve de 1927.276
274
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/
16.
275
Art. 1.523 do Código Civil. "Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas
enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou
negligência de sua parte."
276
Esta greve teve como um de seus objetivos adquirir a nacionalização da Companhia Ferroviária que
estava arrendada a franceses desde 1910.
104
A mãe da vítima culpou a empresa pela ocorrência da tragédia querendo
demonstrar a sua culpabilidade como uma das justificativas para que a ação fosse
procedente. Conforme alegou a lei e o decreto no Art. 2º, “O accidente, nas condições
do artigo anterior, quando occorrido pelo facto do trabalho ou durante este, obriga o
patrão a pagar a indemnização ao operario ou á sua familia, exceptuados apenas os
casos de força maior ou dolo da propria victima ou de estranho.”277
Nesse sentido, o “fato do trabalho” bastaria para que a indenização fosse paga, no
entanto, a requerente apontou como uma das questões a que vem pleitear em juízo que a
culpa da empresa fosse comprovada. Possivelmente a ausência de clareza e as mudanças
constantes no que tange à legislação do trabalho podem ter dificultado o
reconhecimento destes direitos, haja vista as inúmeras modificações perpetradas na
legislação.
Diferente dos casos analisados por Ferraz278 onde demonstra que os processos
eram enxutos e sem a necessidade de verificação de culpa nem de extensos depoimentos
das testemunhas. A ação ordinária movida por Salustiana contém depoimentos de
algumas testemunhas a respeito do fato e sobre o papel que estaria desempenhando um
trabalhador de nome Leopoldo Reis no momento do acidente. As declarações do chefe
de trem Alfredo Viana destacaram que o referido trem vinha com velocidade baixa
quando o maquinista pediu para que o mesmo afrouxasse os freios, isso proporcionou
que a locomotiva ganhasse muita velocidade, ocorrendo posteriormente o acidente.279
Após a exposição das testemunhas juntou-se aos autos o certificado de batismo
de Leopoldo Reis que constava na Câmara Eclesiástica do Arcebispado da Bahia.
Salustiana deveria comprovar que seu filho era trabalhador da empresa para continuar
com o processo indenizatório, pois que declarações de engenheiros da empresa
alegaram que não existia registro de que o mesmo fosse trabalhador da Companhia. 280
Contudo, o decreto de 1919 destacou que
Art. 5º Operario é o individuo que, sem distincção de sexo ou idade,
presta seus serviços a outrem, a titulo oneroso, gratuito ou de
aprendizagem, permanente ou provisorio, fóra de sua habitação, nas
277
Decreto 13. 498 de março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/ 2011.
FERRAZ, Eduardo Luís Leite Acidentados e remediados: a lei de acidentes no trabalho na Piracicaba
na Primeira República (1919-1930). Revista Mundos do Trabalho, v.2, n.3 janeiro-julho 2010, p. 206235, p. 223.
279
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária: Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/ 16.
280
Idem, Ibidem.
278
105
indústrias e serviços mencionados no titulo III, salvo o disposto no art.
18 da lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919.281
A requerente deveria provar que seu filho trabalhava para a empresa ainda que não
recebesse remuneração pelo desempenho do trabalho, na medida em que nestes casos
também seria aplicado o título de indenização à Companhia Chemins de Fer. Se
conseguisse superar este obstáculo poderia aferir o pagamento da indenização da
empresa pela perda do seu filho.
Dos telegramas enviados às estações para comunicar o acidente consta somente,
que o trem virou com oito locomotivas, e a morte do maquinista Carlos Leite. O
inquérito policial apresentou a tragédia que resultou na “(...) morte do foguista Euclides
Murtinho e o ajudante Leopoldo Santos Reis, sahindo gravemente ferido o machinista
Carlos Leite que veio a fallecer horas depois, já com a assistência do medico.”282
O depoimento do chefe de trem Alfredo Viana alegou que o mesmo mantinha
velocidade normal quando a pedido de Carlos afrouxou os freios e com isso a
locomotiva ganhou velocidade no km 77, quando apesar do esforço dos foguistas a
locomotiva virou. Os guardas - freio Leão de Melo e Laurentino de Souza confirmaram
em linhas gerais o depoimento anterior. Por sua vez, o mestre de linha Thomaz Mutti
Verde disse que, na posição de observador em que estava na ponte, acompanhado de
pedreiros no momento da tragédia, observou que o trem vinha com muita velocidade,
verificando o desastre em seguida.
Com estes depoimentos encerrou-se o inquérito que compôs os autos do processo
judicial. Nenhum dos trabalhadores da empresa alegou explicitamente a inexistência de
freios na locomotiva, conforme denunciado pela mãe da vítima. As declarações foram
muito semelhantes e tiveram um caráter informativo alegando apenas que após o
afrouxamento dos freios e o aumento de velocidade, foi impossível evitar a tragédia.
Cabe salientar que os mesmos eram trabalhadores da empresa, estando sujeitos a
possíveis punições na empresa, caso suas declarações pudessem culpabilizar os patrões.
A declaração de Alfredo Viana de que o trem vinha com velocidade baixa, quando, a
pedido do referido Carlos Leite, promoveu o afrouxamento dos freios, o que teria
provocado o acidente, sugere que o aumento de velocidade do trem decorreu da ordem
expressa pelo maquinista.
281
Decreto nº 13.498 de 12 de Março de 1919. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em:
18/03/2011.
282
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Salustiana Josephina Reis. Cx: 38/ 1336/
16.
106
Tal alegação pode ter servido de brecha para que a culpa recaísse sobre o condutor
da locomotiva. Mas outra questão levantada poderia ser a ausência de freios, uma das
causas possíveis do acidente, ainda que não mencionada de modo explícito pelas
testemunhas.
No caso acima citado vale citar as artimanhas de que lançou mão a mãe da vítima.
A certidão de batismo da Câmara Eclesiástica do Estado da Bahia comprovou que
Salustiana Reis batizou um filho chamado Leopoldo Reis no dia 02 de janeiro de 1893,
quando o mesmo tinha três meses de vida.283
Contudo, no termo em que se encontram os depoimentos, foi mencionado o fato
de o acidente ter vitimado o maquinista Carlos Leite, o foguista Euclides Murtinho e o
ajudante Leopoldo Santos Reis. Mas mesmo assim não consta no processo o
reconhecimento de que o acidentado e o filho de Salustiana eram a mesma pessoa.
A mãe da vítima ainda solicitou um abono de família baseado no regulamento das
estradas de ferro federais, de acordo com a função que supostamente seu filho
desempenhava na Companhia que, segundo a mesma, era de “ajudante de machina,
machinista”
284
. E o engenheiro responsável pelos serviços voltou a afirmar que nos
quadros da empresa não constava que Leopoldo Reis tivesse sido empregado da
mesma.285
O processo de pedido de indenização de Salustiana Reis apontou os discursos
envolvidos no caso e como estes foram articulados, impedindo que a requerente
conseguisse a indenização. A mãe da vítima enfrentou dificuldades para provar a
responsabilidade da Companhia no acidente ocorrido, bem como a função de
trabalhador da empresa. O fato para o qual se chama atenção são as dificuldades para
que o desfecho fosse favorável aos trabalhadores e seus beneficiários.
Conforme comprovado no episódio analisado, existiu uma dificuldade em alguns
casos para conseguir os documentos necessários como o registro de nascimento,
casamento, e outros, que, o juiz julgasse imprescindíveis para esclarecimento de
algumas questões e que, muitas vezes, não foram encontrados nos Arcebispados. Outra
barreira imposta pelos patrões consistiu na alegação de que algumas vítimas não eram
funcionários da empresa, e, sendo assim, não lhe caberia indenização por acidente de
trabalho.
283
Idem, Ibidem.
Idem, ibidem.
285
Idem. ibidem.
284
107
Como se pode observar, a existência de leis e regulamentos que regessem a
matéria dos acidentes de trabalho não impediu a existência de casos não previstos pela
lei, bem como o uso de argumentos e artimanhas de ambas as partes que vieram a
impedir que alguns processos de indenização tivessem um desfecho favorável aos
trabalhadores.
Não obstante, em outro caso, a seguir exposto, verifica-se pedido de indenização
solicitado pela esposa e filhos de um passageiro que estava em uma composição da
Chemins de Fer e que virou. Em 1927 temos uma ação ordinária movimentada por
Laura Silveira Lins contra a Companhia Ferroviária Este Brasileiro no Juízo de Direito
da Vara Cível pela morte de seu marido Cid Lins. No dia 19 de março de 1925 a
locomotiva 316 que comboiava o trem de passageiros partiu da Estação da Calçada em
direção a Propriá quando no dia 20 tombou e vários carros que compunham a
composição descarrilaram e muitos ficaram destruídos. A alegação de Laura para
pedido de indenização baseia-se no fato de
Que, victima desse desastre, falleceu, horrivelmente esmagado, o Dr.
Cid Lins (...) homem sadio, vigoroso, intelligente, e trabalhador
pertinaz, marido e pai dos autores (...) os quais ficaram, deste modo,
privado do auxílio que aquelle lhes prestava, único arrimo de sua
família, a quem, como seu exclusivo trabalho, proporcionava os meios
286
de subsistência .
A culpa do acidente segundo Laura Lins foi do maquinista Vicente Gonzaga que
não agiu com prudência em diminuir a grande velocidade que o trem possuía e de não
haver alavanca de freio de mão, o que, de acordo com a esposa de Cid, foi agravado
pela descida perigosa e pelo mau tempo, provocando o acidente que vitimou o seu
marido.
A beneficiária da vítima e seus dependentes solicitaram indenização conforme
artigos do Código Civil citados no processo, haja vista, terem atribuído exclusivamente
a culpa do ocorrido a um funcionário da ré em questão. Cid Lins era promotor público
da Capital do Estado de Sergipe e ganhava pelo desempenho deste ofício e pelo próprio
exercício da advocacia, segundo sua esposa. Laura solicitou da empresa custos com
funeral, alimentos para a mesma e para os seus três filhos e juros da mora com as
despesas judiciais de advogados até o final da ação.
286
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação Ordinária de Laura Lins. Cx: 07/ 221/ 15.
108
A diferença da natureza dos casos de Salustiana Reis e de Laura Lins baseou-se
nos termos da lei que regia os acidentes de trabalho. Mas no caso da morte de Cid Lins
esta questão a priori estava bem definida. Não se tratava de ação de indenização por
acidente de trabalho, mas de reparação por um ‘mal’ supostamente causado por um
funcionário da Companhia ré e que foi “negligente” segundo os autos do processo.287 A
ação ordinária cível foi provocada por terceiro, funcionário da empresa.
No processo consta o inquérito policial atestando a culpabilidade do maquinista,
bem como a descida perigosa como os fatores para a ocorrência do acidente baseado no
depoimento das testemunhas. De acordo com o que foi apurado no inquérito o operário
Vicente Gonzaga desejava chegar com dez minutos de antecedência à estação de
Salgado, por isto imprimiu grande velocidade no trem. Não se pode comprovar que seja
o caso em questão, mas transpor a culpa para os empregados ao invés de admitir
problemas de manutenção das máquinas seria uma saída para que a Chemins de Fer não
fosse responsabilizada negativamente pelos diversos acidentes ocorridos no mesmo
período nas suas estradas de ferro.
Neste caso chamou a atenção o fato de haver disputa entre a Justiça Federal e
Local para o julgamento da questão por conta das estradas de ferro pertencerem à
União, mas estarem arrendadas a particulares. Sendo assim, foi atestado na ação que se
julgava necessário que a Justiça federal arbitrasse o caso, e não a justiça local. O que a
requerente visou evitar era a nulidade do processo em vista de ausência na uniformidade
nestas questões de julgamento de casos.
Antes de 1930 processos já movimentavam a justiça quando os trabalhadores e
seus beneficiários tentaram adquirir a indenização e minimizar as suas condições
precárias de sobrevivência. Dificuldades foram encontradas na apresentação de alguns
documentos quando os mesmos não eram localizados, bem como os requerentes tiveram
que lidar com os argumentos patronais de diversas ordens, dificultando o recebimento
da indenização.
Contudo, a existência da lei e as ações movimentadas na justiça são exemplos de
que, ainda que a lei possuísse suas restrições, foi um modo de garantir minimamente
alguns benefícios aos trabalhadores, ao regularem os acidentes de trabalho e possibilitar
algum tipo de reparação para as tragédias que ocorreram nas estradas de ferro ainda
antes de 1930.
287
Idem, ibidem, p. 6.
109
Maria Elisa Lemos arrolou 1.254 processos de acidentes de trabalho para o
período de 1930 a 1945 e destacou 52 para efeito de análise, estando os mesmos
distribuídos em diversas atividades em Salvador no período.
A autora já havia destacado a carência de documentação que trouxesse
informações provenientes da experiência desses trabalhadores no período de 1934 a
1944. “(...) é importante ressaltar dificuldades em relação à documentação,
principalmente à ausência de fontes que retratem a temática a partir da ótica do
trabalhador. Não há arquivos de sindicatos, pois houve devassa com o golpe de 1964”
288
. E tanto no Sindicato dos ferroviários de Alagoinhas (SINDIFERRO) como na
Associação dos Ferroviários na Bahia (AFERBA) a documentação é quase inexistente.
Como já se chamou atenção anteriormente, as condições de trabalho dos
ferroviários eram precárias devido a uma soma de fatores, entre eles a carência do
período pós-guerra “ferro-velhos é o que tem adquirido a estrada”.289 A mudança de
patrões tão aguardada em 1935 não correspondeu às expectativas criadas. Enquanto
empresa da União, a V.F.F.L.B. permaneceu enfrentado problemas de diversos tipos no
período pós 1940, conforme atestado nos relatórios da empresa.
Os acidentes ocorridos no trabalho foram uma constante, como se pode observar
desde os primeiros processos visando indenização e das notícias freqüentes nos jornais
noticiando as tragédias. No período abordado nesta pesquisa, pode-se constatar a partir
do relato do próprio diretor da empresa que a quantidade de médicos era baixa para
atender a demanda, além do fato de muitas vezes a assistência médica demorar muito
para chegar aos locais dos acidentes.
Quanto à assistência médica, o diretor da empresa declarou que “praticamente, não
a temos, nem a poderemos ter, com o número de médicos de que dispomos e com os
salários que rercebem”290. A posição que ocupou não explica as críticas que fez à
empresa da qual era diretor. Lauro Farani era conhecido da categoria ferroviária como
um político que assumiu uma postura vacilante na greve de 1935.291
A questão das dificuldades de assistência médica poderia agravar ainda mais a
situação, pois nem sempre a assistência necessária foi fornecida, sendo obrigação do
288
SILVA, Maria Elisa L. N. da. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de trabalho em Salvador
(1934-1944). 1998. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998, p. 9.
289
Está realmente em crise os transportes. O Momento, Salvador, 27 jul.1945, p. 3.
290
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Cia do Comércio, 1940, p.9.
291
Ver: monografia de MATOS, Rafaela G.. Viver para trabalhar e trabalhar para viver na década de
1930. Greves Ferroviárias na Bahia. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual de
Feira de Santana, 2008.
110
empregador o atendimento médico de seus operários desde o primeiro momento do
acidente, de acordo com o decreto 7.036 de 1944 em seu art. 12. Como se pode
constatar na análise das fontes, muitas requisições foram encaminhadas pelos
ferroviários e seus beneficiários para solicitarem pagamentos de salários que deixaram
de receber em função da interrupção do trabalho.
Inúmeras requisições também foram solicitadas à empresa neste período. Desta
feita, Georgina Mariani Attuá Negrão remete requisição aos vinte e seis dias do mês de
julho de 1946 na cidade de Salvador. Requisição encaminhada ao Sr. Dr. Pretor da Vara
Cível.
As requisições foram enxutas em termos de informações, dando enfoque ao
direito dos beneficiários de receberem pagamento de salários que deixaram de receber
por motivo de falecimento e para receber as despesas tidas com o velório. No
documento não consta o motivo de falecimento do seu marido, o que não exclui a
hipótese de ter sido provocada por acidente ou doença do trabalho.
Diz Georgina Mariani Attuá Negrão, brasileira, maior, viúva,
professora jubilada, residente na rua Pires de Carvalho (antiga da
Pereira, nº 70 que tendo falecido seu marido Jacob Negrão no dia 16
de junho deste ano no Hospital São Jorge como prova da certidão de
óbito anexa, que sendo o decujus funcionário da VFFLB vem requerer
a V. Exc. que se digne de mandar oficial a requerida repartição para
que seja paga a peticionaria quinze dias dos vencimentos do decujus, e
também pede a V. Exc. uma vez feita este requerimento, se digne de
mandar entregar a peticionaria a certidão de óbito, por ter necessidade
para outros fins, mediante recibo.292
Outro exemplo de requisição partiu de Maria Monteiro da Silva em três de junho
de 1947 em Salvador pela morte do seu filho Cícero Monteiro, guarda-freio da Leste
Brasileiro e que faleceu devido a um acidente de trem noturno no dia quatorze de março
de 1947.
A sua mãe solicitou por meio da requisição que lhe fosse pago “a importância
correspondente a um mês de vencimentos do decujus, na forma da lei, a fim de possa a
suplicante ser indenizada do que despendeu com o funeral do mesmo.”293 Foi destacado
na requisição que o valor gasto com o enterro do operário foi de CR$ 411, 00 cruzeiros.
O decreto lei 7.036 já havia assegurado em seu art. 25 o valor estipulado para o
auxílio funeral nestes casos. “art. 25. Além da indenização prevista no art. 21, o
292
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Requisição de Georgiana Mariani Atuá Negrão. Cx: 187/ 09/
23.
293
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Requisição de Maria Monteiro da Silva. Cx: 238/ 54/ 09.
111
empregador pagará imediatamente aos herdeiros ou beneficiários, do acidentado, a título
de auxílio-funeral, a importância de quinhentos cruzeiros (Cr.$ 500,00)” 294. Este valor
aos poucos foi aumentado desde a primeira lei de 1919, que estipulou Cr.$100, 00
cruzeiro.
As requisições e os processos de acidentes de trabalho foram freqüentes no
período, visando garantir a sobrevivência, mesmo que temporária, dos acidentados
impossibilitados de trabalhar, e de suas famílias, que muitas vezes dependiam
exclusivamente do trabalho destes ferroviários, como sugere o quadro a seguinte:
Tabela 5. Motivações de Requisições solicitando pagamentos a V.F.F.L. B (1942-1948)
Requerentes
Antônio Rego Santos
Georgina Mariani Attuá
Negrão
Maria Monteiro da Silva
Maria Rosa Santana
Motivações
Período
Salários de sua irmã falecida (Zelahy Rego)
Salários do seu marido falecido (Jacob
Negrão)
Salários do seu filho falecido (Cícero
Monteiro)
20.06.1942
Salários de seu companheiro (João Batista)
09.03.1948
26.07.1946
03.06.1947
Fonte: Requisições (1942- 1948), Salvador. Tabela elaborada a partir dos dados da pesquisa.
Os processos movimentados no período visando indenização baseados nas leis e
decretos demonstraram a constância dos acidentes e as possibilidades de reparação
intentadas, como já analisado desde a Primeira República. A prática de entrar com ações
na justiça não foi uma novidade para os trabalhadores, apesar da propagação de uma
série de benefícios aos operários no final do governo de Getúlio Vargas.
Os ferroviários e seus beneficiários já haviam realizado esta prática, conforme os
casos de Euclides Moitinho e Salustiana Reis atestaram. O que se acentuou, no entanto,
foi o aumento de ações intentadas a partir de 1940. John French concluiu que houve um
aumento no número de ações judiciais em São Paulo a partir de 1944 e que depois desta
década continuou havendo crescimento.295
De acordo com o depoimento do ferroviário Joel Lage, os operários fundaram
uma associação com funções beneficentes visando minimizar os efeitos de não ter
294
Art. 25. Decreto 7.036 de 1944. Disponível em www. camara. gov.br. Acessado em: 18/03/ 2011.
295
FRENCH. John. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 62.
112
garantidos direitos estabelecidos em lei, entre eles a questão da assistência médica296.
Os jornais também atestaram a existência desta beneficente e suas funções
assistencialistas.297
É válido destacar que foram constantes os registros de acidentes de trabalho
noticiados pelo periódico da imprensa comunista O Momento entre os anos consultados
e mencionados ao longo desta dissertação. Além disto, outros periódicos como O Diário
de Notícias nos anos anteriores a 1940 também registraram casos em que ocorreram
estas fatalidades.
Somam-se a estes documentos os relatórios da Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro que, além de informar eventualmente a cifra de acidentes, também atestaram
o ritmo crescente ou decrescente em que eles ocorreram a partir de 1940. Estes
documentos também relataram os processos judiciais motivados por acidentes de
trabalho. Em alguns relatórios aparecem as quantidades anuais de processos
movimentados na empresa relacionados a assuntos diversos, entre eles os acidentes de
trabalho, demonstrando o quanto eram freqüentes estas ações judiciais.
Um exemplo disto é o número de 312 processos movimentados durante o
exercício de 1939, segundo atestou Lauro Farani Pedreira de Freitas.298 “O número de
processos no ano de 1940 elevou-se a 951 contra 312 em 1939.”299 E em 1948, ainda
segundo o relatório, teriam sido encaminhadas 32 ações solicitando indenização.300
Como se depreende da análise destes dados, os processos de acidentes de trabalho
possuíram um acentuado acréscimo em 1940, chegando ao final da década com um
decréscimo, apontando que o acionamento dos mesmos não deixou de ocorrer, variando
apenas a quantidade durante os anos abarcados pelos relatórios.
O número de médicos era baixo para atender à quantidade de trabalhadores da
empresa e os acidentes eram comuns e demonstraram os riscos cotidianos que estes
operários estiveram sujeitos no trabalho na referida ferrovia no período de 1932 a 1952.
296
Entrevista com o ferroviário aposentado Joel Lage (ferroviário aposentado da Rede Férrea Federal
Leste Brasileiro) realizada em Salvador, 2006. A entrevista pertence ao acervo do Projeto de Pesquisa
Auge e Declínio dos Ferroviários na Bahia (1858-1964) desenvolvido na UEFS.
297
Fundado pelos ferroviários a Sociedade 8 de maio. O Momento. Salvador, 31 dez. 1945, p. 5
298
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939, Salvador: Cia de comércio, 1940, p. 10.
299
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1940, Salvador: Tipografia da Leste, 1941, p. 7.
300
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1948, Salvador: Tipografia da Leste, 1949, p. 37.
113
“A assistência social ainda não está organizada porque ainda não temos o efetivo de
médicos suficiente”
301
. “(...) Apenas há cinco médicos para 5.000 ferroviários. Um,
com 400$00 e os demais, com 350$000” 302.
Nesse sentido, analisamos-se as modificações na legislação relacionada aos
acidentes de trabalho ao lado dos processos que foram movimentados na justiça pelos
ferroviários baianos e seus respectivos desdobramentos judiciais, para reconstituir as
experiências desses trabalhadores, bem como das estratégias que lançaram mão para
conseguir a indenização pleiteada. As ações movimentadas em 1940 tiveram seu início
antes mesmo da década de 1930 iniciando-se na Primeira República.
As ações judiciais possuem uma vastidão de informações acerca da legislação do
período e permitem reconstituir o modo como os acidentes ocorreram neste período,
possibilitando conhecer as vítimas, os sujeitos a serviço da empresa, e a postura dos
magistrados e curadores neste período. A documentação prezou pela análise minuciosa
de alguns casos considerados particulares visando apontar as soluções encontradas pelos
trabalhadores para lutar pela sua sobrevivência, ou nas palavras dos autores que se
debruçaram sobre o tema da legislação trabalhista do período, lutar pelos seus direitos.
Muitas vezes, fazer valer este direito na prática foi uma tarefa árdua, e que nem sempre
se concretizou.
A lei existente no papel foi interpretada pelos sujeitos ligados aos processos de
acidentes de trabalho de acordo com os seus interesses, fazendo vigorar seus
argumentos. O trabalho dos sujeitos envolvidos nos processos abarcou uma tarefa de
convencimento utilizando a lei de modo ambíguo. Em diversos casos esta interpretação
impediu que os ferroviários conseguissem a indenização a que pleiteavam, tornando
nula a letra da lei de acidentes, isto é, impedindo que a mesma tivesse uma
aplicabilidade prática nos casos reais que visou regular.
301
302
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1940, Salvador: Tipografia da Leste, 1941, p. 6.
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939, Salvador: Cia de Comércio, 1940, p. 9.
114
CAPÍTULO IV - PROCESSOS TRABALHISTAS EM 1940:
BENEFÍCIOS ATRELADOS A UMA LEI AMBÍGUA
A partir de 1940 houve um aumento na quantidade de ações movimentadas na
justiça o que pode representar que a lei não era de todo ineficaz e possibilitou
eventualmente que os ferroviários conseguissem minimamente algum tipo de reparação
pelos prejuízos a sua saúde. Na análise dos documentos pode-se constatar que muitos
ferroviários conseguiram a indenização a que pleiteavam, o que ressaltaremos na seção
que aborda os resultados. Em contrapartida, em outros a assistência alcançou os
familiares das vítimas, haja vista, a morte dos requerentes ao longo dos processos.
O estudo "Justiça e Trabalho: Os processos Trabalhistas de Fortaleza nos anos de
1930 e 1940"
303
de Maria Sângela de Souza Santos Silva relatou a pesquisa realizada
acerca de distintas categorias de trabalhadores urbanos, como têxteis entre as décadas de
1930 e 1940. A autora compulsou 12 processos, um de 1939 e todos os demais da
década de 1940.
A hipótese para essa similitude foi a intensa propaganda das leis e benefícios
atrelados ao governo de Getúlio Vargas. Mas isso por si só não explica as motivações
que proporcionaram o acionamento da justiça nos casos em análise e o imaginário
criado em torno da ativação das ações neste campo. Essa pesquisa levanta pistas para
analise da experiência ferroviária no campo da justiça destacando as ações dos sujeitos e
suas condições de vida. Para tanto, é fundamental não perder de vista, as leis e suas
reformulações pós 1940 e as garantias proporcionadas por estas mudanças. Afinal, elas
ampliaram as possibilidades dos ferroviários conseguirem a reparação pelos acidentes,
ou só atuaram enquanto paliativos? Quais foram as leis em vigência no período? Como
elas regularam os casos reais de acidentes de trabalho?
“No fim, as leis trabalhistas tornaram-se “reais” nos locais de trabalho somente na
medida em que os trabalhadores lutaram para transformar a lei de um imaginário em
uma realidade futura possível”. Na perspectiva de John French a legislação trabalhista é
um campo de disputa onde somente através do exercício da luta pela sua efetivação
poderia haver alguma aplicabilidade real.
303
SILVA, Maria Sângela de S. S. Justiça e Trabalho: os processos trabalhistas de Fortaleza nas décadas
de 1930 e 1940. Rev. Humanidades, v. 21, n. 1, Fortaleza: jan./jun., 2006, p. 39- 50.
.
115
Na compreensão do autor somente a criação das leis não garantia a melhoria de
vida dos trabalhadores, o que só foi possível com a permanente luta para que as mesmas
fossem respeitadas na justiça. Partilho desta interpretação, posto que as lutas no campo
judicial através das ações dos ferroviários baianos serviram para anular os argumentos
movimentados na justiça pelos patrões da empresa.
Para discutir a justiça e ações movimentadas neste período não se pode perder de
vista as leis criadas e reformuladas, e os benefícios relacionados ao governo varguista
insistentemente mencionados por seus apologistas como uma antecipação do presidente
as demandas sociais dos trabalhadores. Amplamente estudado por historiadores (as) o
fenômeno trabalhista e suas repercussões estão longe de produzir um consenso no
campo historiográfico, mas apontam caminhos de análise para a interpretação do
governo de Getúlio Vargas e os efeitos da sua política.
A década de 1940 foi caracterizada como o momento de consolidação das leis do
trabalho (CLT) enquanto uma ferramenta que possibilitou a reunião das leis pré
existentes somadas as suas alterações. Além disso, tem-se a criação da justiça do
trabalho e uma série de leis sucessivas que regularam os acidentes de trabalho.
Conforme a interpretação dos casos de acidente analisa-se as leis buscando a utilidade
do direito para os sujeitos envolvidos nos casos.
Após a lei de 1919 e o decreto lei que a regulou, outras leis reformularam estes
dispositivos alterando uma série de artigos e adequando-os para a mudança do período.
O decreto 24.637 de 10 de julho de 1934 manteve a divisão estabelecida desde a
primeira lei de acidentes de trabalho e isto só foi modificado a partir do decreto lei
7.036 de 1944. Freqüentemente mencionado nos processos pós 1940 este decreto
regulou junto a outras leis os casos de acidentes de trabalho listados a seguir e suas
modificações foram analisadas ao lado das situações concretas em que ocorreram as
fatalidades.
Os casos nos quais se verificaram os acidentes de trabalho são os mais diversos e
eram freqüentes no cotidiano de trabalho na ferrovia como já destacado por Robério
Souza no fim do século XIX. Segundo Souza304 esses não eram casos incomuns no
trabalho ferroviário. A estrada de ferro foi cenário de acidentes que tinham como
304
SOUZA, Robério. Experiências de Trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: Trabalho,
Solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007, p. 56.
116
conseqüência desde a destruição de máquinas, até vítimas fatais entre trabalhadores e
transeuntes.
Com base na análise de processos trabalhistas movidos por funcionários da Leste
na década de 1940 pode-se perceber como estes operários procuraram reagir de várias
formas à exploração patronal fazendo uso da legislação para adquirir seus direitos
sociais.
Concomitantemente, um fato preponderante e que necessita ser destacado são as
condições da ferrovia que poderia ser um agravante para desencadear os acidentes o
que também fica evidente nos Relatórios da empresa como uma “preocupação” do
diretor em vista dos descarrilamentos ocorridos. “(...) cresce a cifra de descarrilamentos
quando devia descer. Explica-se esse fato pela grande extensão da linha que ainda existe
com trilhos fracos e lastro ruim (...)”.305 Soma-se a isso a ausência de equipamentos de
proteção para os operários, conforme se atestou em um dos processos analisados.306
Matérias de jornais também destacaram que as condições das ferrovias que
compunham a Leste eram muito ruins podendo surgir como uma hipótese, de que as
condições das estradas de ferro e dos materiais seriam a causa de muitos dos acidentes
ocorridos. “A deficiência de transporte sempre foi um dos pontos mais vulneráveis de
nossa economia, um motivo de atrazo, ao lado de outros fatores, da produção nacional
(...)” 307.
A lei e o decreto de 1919 já tratavam de isentar os patrões da averiguação de
culpa apontando como já mencionado anteriormente o “fato do trabalho” como o
responsável pela ocorrência dos acidentes. Desta forma, nem sempre as causas dos
acidentes foram investigadas e nem sempre foram abertos inquéritos policiais. Assim,
caso houvesse culpa dos patrões esta não precisava ser apurada, haja vista, que eles
teriam que ser responsabilizados de qualquer forma pelos acidentes. Se isto representou
um ganho, porque em todo e qualquer caso poderia ser válido o pedido de indenização,
por outro a apuração de possíveis causas para a ocorrência dos acidentes, a exemplo das
condições defasadas das estradas ou dos materiais ficaram a margem das investigações.
O diretor Lauro Farani, atestou nos documentos as condições da empresa em
todas as esferas e níveis, trazendo dados para análise a respeito da quantidade de
processos movimentados no período em questão. Através dos Relatórios escritos por
305
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1940, Salvador: Tipografia da Leste, 1941, p. 67.
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Filonídio Vieira dos Santos. Cx:
151/98/14.
307
Estão realmente em crise os transportes. O Momento, Salvador, 23 jul. 1945, p.3.
306
117
Freitas se pode conhecer a assistência médica prestada aos trabalhadores da Leste
Brasileiro e o número de médicos disponíveis para atender à demanda.
No que tange as ações judiciais movimentadas por trabalhadores de diferentes
ofícios no período em estudo na Bahia, a dissertação de Elisa Lemos enfocou os
processos de acidentes de trabalho, e destacou os aspectos da legislação e acidentes de
diversas categorias. Também tratando com fontes da justiça encontra-se o estudo de
Edinaldo Souza sobre reclamações trabalhistas de diferentes tipos de operários nas
Comarcas de Santo Antônio de Jesus, Cachoeira e Nazaré dando ênfase a uma série de
queixas realizadas por homens e mulheres aos seus patrões dentro da conjuntura
analisada. Estes e outros estudos que trataram com processos judiciais foram analisados
ao lado dos casos de acidentes dos ferroviários da Leste em busca de encontrar
similaridades, contradições, visando apontar possíveis novos resultados obtidos a partir
da reconstituição das ações destes sujeitos e de suas lutas.
4.1. Acidentes ferroviários: o palco das tragédias
Para analisar estas ações na justiça foi preciso conhecer os decretos e leis
mencionadas durante os casos analisados nesta pesquisa. Para tanto foram destacados o
decreto 7.036 de 1944, o 7.527 de 07 de maio de 1945, e a lei nº 599 A de 26 de
dezembro de 1948 com suas alterações e complementações. Ainda durante a década de
1930 tem-se o decreto lei número 24. 637 de 10 de julho de 1934 que estabeleceu sobre
novos moldes as bases para julgamento de casos de acidente de trabalho já sob o
governo de Getúlio Vargas. De acordo com este regulamento no art.14 continua em
vigência a classificação da gravidade do acidente em: incapacidade permanente e total,
permanente e parcial, incapacidade temporária e total, incapacidade temporária e
parcial.308
Ainda de acordo com este regulamento de 1934 no art. 19 qualquer que seja o
salário da vítima também não poderá exceder para efeito do cálculo da indenização um
salário superior a Cr. 3:6000$000 mantendo um teto máximo para os trabalhadores
receberem a compensação. Ainda que o valor seja superior ao estabelecido,
anteriormente, pelo decreto de 1919 que era de Cr. 2: 400 anuais mantêm-se um valor
máximo a ser pago aos operários acidentados, evitando que os cálculos fizessem com
308
Decreto nº 24.637 de 10 de julho de 1934. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em:
18/03/2011.
118
que os trabalhadores recebessem além de um limite já pré-estipulado. Esta restrição que
não correspondia ao valor real do salário em vista de muitos trabalhadores receberem
salários que proporcionavam que o valor indenizatório fosse bem superior a este
proposto era uma das formas de ao mesmo tempo em que o direito criado concedia
benefícios impunha limites objetivos para evitar o “excesso” de pagamento a estes
sujeitos.
Este decreto de 1934 também difere dos anteriores, pois fixa em seu art. 20 “que
em caso de morte a indenização consistirá, em uma soma calculada entre o máximo de
três anos e o mínimo de um ano de salário da vítima” 309. No decreto de 1919 que
regulamentou a lei de acidentes do trabalho este aspecto era bem objetivo quanto ao
cálculo de três anos de salário da vítima para efeito do pagamento da indenização. Notase a partir da análise do decreto de 1934 que algumas modificações foram introduzidas
no art. 22 como a soma de 200$ 000 (duzentos mil reis) para despesas com o
enterramento da vítima, antes o valor era de 100 $ 000 nos decretos regulados em 1919.
No decreto de 1934 se mantém a dedução estabelecida nos anteriores do Art. 30
As indenizações recebidas pela vítima em virtude de qualquer
incapacidade, inclusive a do art. 27, serão deduzidas da indenização
final devida por se ter agravado a incapacidade permanente, por se
tornar permanente a incapacidade, ou por motivo de falecimento.310
Deste modo, o que os operários receberiam no final dos processos judiciais já era
um valor descontado do que já haviam recebido anteriormente. Assim, limitação de
salário para cálculo de indenização, limitação do valor final a ser recebido, e dedução
foram as combinações que regularam os trâmites judiciais envolvendo ferroviários
acidentados.
Ao que parece a reparação ao acidente de trabalho não garantiu tantos benefícios
assim, os ferroviários tiveram que lidar com uma série de argumentos e imposições
baseados na legislação para então afinal, conseguirem a indenização pleiteada o que
nem sempre ocorreu e quando aconteceu foi com base no estabelecimento de acordos
que geralmente lesavam o trabalhador concedendo valores muito abaixo do que teriam
direito.
309
310
Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 18/03/2011.
Idem, ibidem.
119
As ações foram movidas quase exclusivamente por acidentes ocorridos durante o
desempenho do trabalho. Casimiro Fagundes caiu do vagão do trem em que viajava em
1941 em Serrinha311, Manoel Francisco de Oliveira também sofreu queda de cima de
um vagão no km 532 em Bonfim em 1943312, Manoel Ferreira Batista também caiu do
vagão M – 307 um ano depois313 em Serrinha. José Rodrigues de Freitas também
despencou de um vagão em 1949314 quando desempenhava a função de guarda-freio e
por não ter recebido assistência imediata já que o acidente ocorreu a noite e morreu
horas depois. Os casos que envolveram queda de trabalhadores da Leste nos vagões de
trem foram comuns no período. Contudo, se pode elencar diversos outros fatores.
As explosões no local do trabalho e no exercício do mesmo vitimaram Eraldino
Pereira dos Santos315, João Atanázio de Souza316 e Cosme Damião de Jesus317. Os dois
primeiros em 1951 e o último em 1952. João Atanázio de Souza desempenhava sua
função como manobreiro da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, na “loco” nº 500,
quando, nas proximidades da Estação de Serrinha, ocorreu a explosão da referida
máquina e o trabalhador morreu vítima das inúmeras queimaduras sofridas.
As causas que envolveram os acidentes de trabalho foram as mais diversas e
estavam atreladas a situações presentes no cotidiano. No dia 24 de abril de 1942 em
Santa Terezinha, Januário Agripino de Jesus se acidentou quando retirava um
pulsometro de uma cisterna, na tomada d’água da Estação Ferroviária, quando se partiu
a corda da talha com que trabalhava, sendo obrigado a um esforço exagerado com o
braço esquerdo resultando-lhe distensão muscular.318 José Catarino sofreu um acidente
quando carregava trilhos do lugar denominado de Cabeça de Cavalo e por isso perdeu a
311
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Cassimiro Fagundes. Cx:
143/51/03.
312
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Francisco de Oliveira.
Cx: 143/59/23.
313
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Ferreira Batista. Cx:
143/51/15.
314
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: José Rodrigues de Freitas.
Cx: 152/10/13.
315
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Eraldino Pereira dos Santos.
Cx: 151/81/22.
316
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: João Atanázio de Souza. Cx:
142/124/32.
317
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Cosme Damião de Jesus. Cx:
142/124/48.
318
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Januário Agripino de Jesus. Cx:
143/71/19.
120
falangeta do dedo médio da mão esquerda quando o trilho lhe esmagou a cabeça do
dedo319.
Existiram situações provocadas por fatores externos como o caso de
descarrilamento de trole provocado pela presença de um jumento na linha em 1945 e
que vitimou Manuel Vieira de Moura, José Severo dos Santos e Eliezer Joaquim dos
Santos. De acordo com as declarações de Manuel Vieira de Moura acerca do acidente
foi destacado que:
(...) vinha com sua turma no trole quando este se chocou com um
jumento que estava na linha, mas que nada o trabalhador Alfredo pode
fazer em razão da proximidade e que o declarante saiu ferido com
corte na palma da mão esquerda e pancada na caixa torácica, José
Severo com uma forte pancada no pé esquerdo, digo direito e Eliezer
Joaquim que recebeu um corte no dorso do pé esquerdo, e que o
mesmo recebe 14,00 diários e que apesar de não ser casado, tem seis
filhos, todos vivendo as suas custas. 320
Os fatores externos poderiam incluir diferentes ocasiões em que os ferroviários
não teriam responsabilidade sobre aqueles acontecimentos. Vale salientar que os
ferroviários geralmente não tinham responsabilidade nos acidentes, o empregador é que
escolhia colocá-lo como negligente e imprudente. Manoel Mendes da Silva quando
trabalhava como truqueiro em 1950 teve um vazamento no olho provocado por uma
ferramenta que lhe saltou os olhos. Filonídio Vieira dos Santos, ajustador mecânico da
ferrovia quando trabalhava esmerilhando uma peça de ferro nas oficinas da Viação teve
o infortúnio quando uma limalha de ferro saltou-lhe o olho esquerdo durante a execução
do serviço.
Os acidentes nas oficinas também foram freqüentes, como no caso de José
Domingos dos Santos que “(...) auxiliava um carpinteiro da Leste Brasileiro nas oficinas
de São Francisco, quando ao serrar uma peça, teve a mão direita atingida, gravemente,
pela serra elétrica (...)”321. Gade Lima dos Anjos em 1953 também se acidentou quando
trabalhava na Oficina de Aramary e teve parte do pé mutilado pelo carretão322.
319
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: José Catarino. Cx:
152/12/15.
320
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manuel Vieira de Moura. Cx:
142/117/12.
321
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: José Domingos dos Santos. Cx.
142/139/14.
322
APEB, Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Gade Lima dos Anjos, Cx.
150/144/05.
121
As situações de acidente envolveram as mais distintas situações. João dos Santos
Reis no dia 05 de abril de 1950 estava abastecendo a composição da locomotiva nº. 4 e
ao pular de um carro para o outro, segurando uma borracha destinada ao serviço de
água, esta se prendeu em alguma coisa, e em conseqüência o declarante perdeu o
equilíbrio, caindo de costas entre um e outro carro, batendo-se de encontro ao fuso do
freio e em seguida ao solo, ficando sem sentido, e com derramamento de sangue na
boca em virtude de um corte na língua323.
Outro caso refere-se a Simão Ângelo Macedo acidentado em 1948 em São Félix
quando descarrilou um carro no meio da composição em que o mesmo se encontrava324.
Eliezer Joaquim dos Santos também foi vítima de descarrilamento de trole em 1945325,
José Carlos dos Santos em 1942326, José Severo dos Santos327, Manoel Rodrigues328 e
Manuel Vieira de Moura329 se acidentaram em 1945. Como se vê os descarrilamentos
também foram muito freqüentes na ferrovia.
Acidentes também ocorreram nas situações em que aparentemente não existiriam
riscos ao desenvolvimento daquela tarefa. Este foi o caso de João José Loureiro que no
dia 20 de junho de 1941 quando exercia sua função de oficial administrativo da classe
na ferrovia teve uma pancada na rótula da perna direita ao bater esta região em uma das
gavetas que se achava aberta330.
Como se depreende da exposição dos casos, os riscos do mundo do trabalho na
ferrovia estiveram distribuídos nos distintos espaços e nos mais variados ofícios dentro
da empresa. Lesões e mortes foram os resultados destes acidentes e através das ações
judiciais movimentadas por estes trabalhadores pode-se conhecer estes sujeitos
acidentados. (Conferir tabela 1 p. 168).
323
APEB, Seção Judiciária. Auto Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: João dos Santos Reis. Cx.
208/67/09.
324
APEB, Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Simão Ângelo Macedo. Cx.
150/ 147/12.
325
APEB, Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação d Acidente de Trabalho: Simão Ângelo Macedo. Cx.
150/147/12.
326
APEB, Seção Judiciária, Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: José Carlos dos Santos, Cx.
151/02
327
APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Acidente de Trabalho: José Severo dos Santos, Cx. 203/09/08
328
APEB. Seção Judiciária, Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues, Cx.
152/06/26.
329
APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Manuel Vieira de Moura, Cx.
142/117/12.
330
APEB. Seção Judiciária, Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: João José Loureiro, Salvador,
Cx. 151/98/03.
122
As conseqüências desses acidentes foram diversas e englobavam desde uma
distensão dos músculos do braço esquerdo e do tórax331 até as lesões permanentes e
mortes. Quando do acidente resultasse uma incapacidade parcial e permanente o cálculo
seria estabelecido com base entre três e oitenta centésimos correspondentes a 4 anos de
diária, e quando fosse uma incapacidade total e permanente a quantia correspondente
seria 4 anos da diária da vítima.332
Já em caso de morte do acidentado o decreto de 1944 regulou os casos com base
em quatro, três e dois anos do valor indenizatório de acordo com os requerentes que
entraram na justiça. Segue o exemplo:
Art. 21. Quando do acidente resultar a morte, a indenização devida aos
beneficiários da vítima corresponderá a uma soma calculada entre o
máximo de quatro (4) anos e o mínimo de dois (2) anos da diária do
acidentado, e será devida aos beneficiários, de acôrdo com as
seguintes bases:
II - Na base de três (3) anos da diária:
a) ao cônjuge sobrevivente nas condições da alínea a do inciso
anterior, quando não existirem filhos.
b) aos filhos menores ou inválidos e às filhas solteiras que viverem
sob a dependência econômica do acidentado, na falta de cônjuge
sobrevivente, quando em número igual ou inferior a três (3).
c) aos pais da vítima, na falta de cônjuge sobrevivente, de filhos
menores ou incapazes, quando ambos existirem e viverem sob a
dependência econômica da vítima, em partes iguais.
O decreto de 1935 trazia uma tabela regulando as porcentagens equivalentes as
lesões sofridas no trabalho. Assim, se o acidente tivesse provocado, por exemplo,
surdez de ambos os ouvidos durante o desempenho do trabalho essa lesão
corresponderia ao número 47, índice 18 da tabela de acidentes do trabalho. Dessa forma,
a depender da gravidade das lesões estas estariam classificadas nesta tabela.
Veja-se o caso de Manoel Rodrigues. Citado de modo recorrente nos processos de
acidentes de trabalho a partir de 1940 foi o decreto 7.036 de 10 de novembro de 1944,
pois foi com base neste regulamento que as indenizações foram calculadas e
estabelecidas as garantias jurídicas aos trabalhadores a partir de então, neste caso os
331
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Januário Agripino de Jesus.
Cx: 143/71/19.
332
Art. 18 e art. 17. do Decreto n.º 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em:
18/04/2011.
123
ferroviários baianos ou seus beneficiários em caso de morte dos ferroviários. Era
comum, as esposas entrarem na justiça para requerer o benefício pela morte de seus
maridos nos trilhos e nas oficinas da Leste ou terem que assumir posteriormente a
responsabilidade dos processos em virtude do falecimento dos mesmos durante o
andamento dos casos.
Desta forma, é válido salientar o papel desempenhado por estas mulheres que
adentraram nas esferas judiciais em busca de sobrevivência. Esse é o caso da esposa de
Pedro Celestino Costa, Maria de Lourdes Costa, doméstica e que possuía com Pedro 8
filhos tendo que sustentá-los e criá-los sem a presença do seu marido333. Nesse sentido,
a luta pela sobrevivência foi transferida para o âmbito da justiça que poderia igualar
sujeitos localizados desigualmente na sociedade através do julgamento destas questões.
Os representantes do Estado neste caso e durante o período em análise foram
Afonso Maciel Neto, advogado da Leste Brasileiro, bem como Benício Gomes
Procurador da República que procuraram dificultar de todas as formas possíveis que as
causas fossem ganhas pelos ferroviários e para tanto fizeram uso dos mais variados
argumentos, negando as leis criadas para regular os acidentes dos trabalhadores.
4.2. No campo dos conflitos
Nesta seção foram elencados os argumentos destacados nos processos pelos
sujeitos que compunham o teatro judicial o que influenciava diretamente no resultado
das ações beneficiando ou não os ferroviários acidentados. No dia 08 de maio de 1945
no kilometro 173 às 06 horas e 30 minutos houve um descarrilamento de trole em que
estava o trabalhador diarista da Leste Brasileiro Manoel Rodrigues ficando com
“punhos, mãos e dedos traumatizados, a ponto de não poder articulá-los”334. Com base
na quantidade de processos movimentados no período pode-se atestar o quanto eram
freqüentes os acidentes de trabalho e os riscos a que tinham que se submeter
cotidianamente no desenvolvimento de seus ofícios diários.
O processo foi movimentado inicialmente junto a Vara dos Feitos da Fazenda
Nacional no mesmo ano do acidente 1945 sendo encaminhado, posteriormente, e com
base na lei de organização judiciária nº 175 de 02.07. 1949, para a Vara de Acidentes de
333
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Celestino Costa. Cx:
152/15/12.
334
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Loc:
152/06/26.
124
Trabalho conforme exposto a seguir no inciso VIII referente a competência da Vara de
Acidente de Trabalho.
1- exercer as atribuições conferidas pela legislação especial sobre
acidentes no trabalho, inclusive o processo e julgamento de todos os
feitos desta natureza, administrativos ou contenciosos, ainda que neles
seja interessada a fazenda pública, ou qualquer autarquia.335
Esta mudança no que tange ao encaminhamento das ações junto a estes dois
Juizados ambos se considerando competentes para julgar as ações de acidentes de
trabalho foi algo comum durante a década de 1940 e início de 1950. A legislação do
período abria margem para que a dúvida ocorresse ficando processos sem resolução por
um longo período de tempo, até que o Tribunal Federal de Recursos procedesse a uma
solução definitiva. Ainda no processo de Manoel Rodrigues vale a pena mencionar as
particularidades da ação referida.
O acidente ocorreu na cidade de Paulistana no Estado do Piauí tendo o mesmo ido
para Petrolina em busca de assistência médica. De acordo com a lei vigente decreto
7.036 de 1944, desde o primeiro momento do acidente Manoel Rodrigues já estava
assegurado, pois em seu art. 12 fica o patrão responsável por prestar toda a assistência
médica, hospitalar e farmacêutica necessária ao acidentado. Mas a assistência foi
dificultada em vista de inúmeros motivos como a falta de médicos336, ausência dos
mesmos no momento dos acidentes337, deficiência dos materiais necessários para fazer
os curativos “os remédios de injeção, como sejam, penicilina e outros foram adquiridos
pelo depoente, pois que o posto da Leste só dava pomada e pó, curativos de
emergência”338, e em casos mais graves as vítimas foram transferidas para hospitais
mais próximos para receber o tratamento adequado.
Não há referencias em relação a assistência prestada no primeiro momento do
acidente a Manoel Rodrigues. Contudo, as fontes indicaram que o próprio teria se
transportado para Petrolina em busca de atendimento médico, o que demonstrou que
não ficou incapaz de se locomover em vista do ocorrido. O acidente gerou a abertura de
335
Lei 175/49 | Lei nº 175 de 02 de julho de 1949 da Bahia. Disponível em www.jusbrasil.com.br.
Acessado em: 25/03/2011.
336
FREITAS, L. F. P. de. Relatório do Exercício de 1939. Salvador: Cia do Comércio, 1940.
337
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Pedro Lopes. Cx:
152/12/06.
338
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Belarmino Ferreira de Souza.
Cx: 143/49/61. E de acordo com o decreto 5. 452 de 1º de maio de 1941 no art. 220. "Em todos os locais
de trabalho deverão providenciar os responsáveis para que exista o material médico necessário aos
primeiros socorros de urgência em caso de acidente.
125
um inquérito policial e três testemunhas foram convidadas a depor a respeito, entre eles:
“(...) Germiniano Cruz, residente no povoado de Afrânio; Francisco Alves Correia,
residente no lugar Pau de Ferro; do estado de Pernambuco, e Teodoro Vitor, residente
no profalado povoado de Afrânio”339.
A abertura dos inquéritos policiais era obrigatória desde que houvesse morte do
operário art. 47 do decreto de 1944. Mas em vários processos analisados houve a
abertura mesmo sem óbito dos ferroviários. A partir da investigação eram apuradas as
possíveis causas dos acidentes com base nos relatos das vítimas e testemunhas. Cabe
salientar, que grande parte dos depoimentos analisados beneficiava os acidentados
confirmando o acidente e as lesões atestadas. Em contrapartida, poderia haver casos em
que o depoimento prejudicava a vítima.
No acidente ocorrido com Cassiano Alves do Bonfim 340 no dia 20 de setembro de
1938 quando fiscalizava a linha telefônica da Estrada de Ferro do Santo Amaro, que
pertencia na época a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro um dos depoimentos foi o
de Hélio Brandão de Siqueira Santos, o mesmo não era ferroviário. Na ação judicial foi
descrito como industrial que viajava na locomotiva que atingiu o trole em que vinha
Cassiano e outros companheiros. Sua declaração foi a seguinte em vista do que havia
presenciado. “(...) agente Franco que dera linha livre a máquina em presença de Horácio
Dórea; disse impossível que os troilistas não ouvissem o barulho e o apito da máquina,
que estavam os troilistas embriagados”.341
As motivações para que o mesmo culpasse os operários em serviço podem dizer
respeito ao fato de ter sido encaminhado documentos para que fosse aberto processo
crime contra o maquinista Olimpio Martins que guiou a máquina no momento do
acidente a serviço da Usina Passagem. E Hélio Brandão foi descrito nos autos como
industrial da Indústria Passagem, sendo assim, suas declarações defendem os seus
interesses.
O maquinista foi acusado pela promotoria de imprudência em vista da máquina
encontrar-se com as luzes apagadas no trecho em que ocorreu o fato. A testemunha
culpou os ferroviários, que segundo ele estariam bêbados em horário de serviço. O
ataque a moral desses trabalhadores foi a via encontrada pelo industrial para livrar
339
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx:
152/06/26.
340
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Cassiano Alves Bonfim. Cx:
143/71/04.
341
Idem.
126
Olimpio das acusações de negligência. O cansaço diário pela rotina de trabalho, o fato
das luzes estarem apagadas segundo alegado, pode ter sido as causas para a tragédia que
tirou a vida de Cassiano Alves Bonfim.
A respeito do depoimento das testemunhas no caso de Manoel Rodrigues a
informação compartilhada pelos depoentes foi que vinha Manoel com mais quatro
trabalhadores da Companhia em um trole por eles empurrados quando no kilometro 175
de repente o trole descarrilou e que o único prejudicado foi Manoel que sofreu
traumatismos nos punhos e mãos, direitos e esquerdos, ficando a ponto de não poder
movê-los342. Francisco Alves Correia alegou “que, em conseqüência da queda,
traumatizou os punhos e as mãos” 343.Teodoro Vitor também deu depoimento afirmando
o mesmo argumento anterior.
Geminiano Cruz o primeiro a prestar depoimento também trabalhador
diarista da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, solteiro, jovem de
vinte três anos de idade e sabendo ler e escrever. Declarou que vinha
Manoel Rodrigues com mais quatro trabalhadores incluindo o
depoente quando ao empurrar o trole, o mesmo inesperadamente
descarrilou caindo com o choque todos os cinco operários e que os
outros nada sofreram, mas que Manoel Rodrigues apresentou
“inúmeras escoriações nos punhos e mãos, direitos e esquerdos
ficando a ponto de não poder mover, ou, melhor articular esses
membros e os dedos das mãos (...)”.344
Maria Elisa Lemos já havia mencionado o fato de que quase sempre os
testemunhos dos colegas de trabalho beneficiaram os acidentados. “Mas de um modo
geral podemos perceber “(...) que os pareceres das testemunhas mesmo quando
empregados do réu, favorecem os acidentados numa clara solidariedade de classe”
345
.
As situações de acidente poderiam ocorrer com qualquer um e os operários
compartilhavam dos riscos presentes no mundo de trabalho ferroviário.
Todos os depoimentos confirmaram o acidente e o traumatismo que havia sofrido
apenas Manoel Rodrigues entre os trabalhadores presentes no momento do ocorrido. Os
depoimentos das testemunhas geralmente denunciavam o fato confirmando a existência
do acidente trazendo à tona detalhes observados por estes sujeitos. As declarações
342
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx:
152/06/26.
343
Idem.
344
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx:
152/06/26.
345
SILVA, Maria Elisa L. N. da. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de trabalho em Salvador
(1934-1944). 1998. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998, p. 83.
127
foram utilizadas nos trâmites judiciais e os argumentos foram direcionados tanto pelos
representantes da Leste, como pelos curadores e advogados para convencimento do juiz
das suas alegações de acordo com os seus interesses na defesa das partes. Portanto,
foram peças-chave dessa complexa arena judicial onde a garantia do cumprimento das
leis se fez através de lutas travadas por longos anos na justiça.
Mas existiram processos de acidentes de trabalho em que as perguntas às
testemunhas ultrapassaram a questão do fato do acidente, sendo questionados salários
das vítimas, tempo de serviço, bem como outras questões específicas relacionadas ao
desenvolvimento das atividades diárias. Estes dados possibilitam o estudo de vários
outros aspectos do mundo de trabalho dos ferroviários, permitindo conhecer a mão-deobra ferroviária e as representações que construíram acerca das suas experiências.
Um exemplo de outras informações destacadas nos depoimentos apareceu no
processo de Belarmino Ferreira da Silva onde foram convocadas três testemunhas que
relataram o fato do acidente. Teodoro Alves da Silva e Mário José de Souza os dois
últimos a prestar depoimento acrescentaram que a vítima já era empregado da Leste há
mais de vinte anos. Estas informações foram utilizadas pelos sujeitos envolvidos nos
processos para legitimar as ações e garantir os interesses das vítimas.
Curadores e advogados utilizaram essas informações para favorecer os
trabalhadores, em contrapartida alegações que pudessem prejudicar as vítimas
desabonando sua conduta poderiam ser argumentos utilizados pelos representantes da
Leste Brasileiro, isto é do Estado. As perguntas tinham a função de montar um perfil
das vítimas investigando sua conduta moral, e possíveis vícios.
Esse foi o caso do trabalhador Antônio Rodrigues Carvalho que fazia a ronda na
estrada de ferro e no desempenho do ofício foi atropelado por um trem conduzido pelo
maquinista Carlos de Freitas Alfâno no dia 26 de fevereiro de 1951. E no auto de
perguntas realizadas as testemunhas no inquérito policial constava questões
relacionadas a possíveis vícios que o maquinista tivesse que justificasse de alguma
forma a ocorrência do acidente. “(...) Perguntas foram feitas a ele a respeito do
maquinista se bebia, o mesmo declarou que não sabia. Se já havia atropelado outras
pessoas anteriormente o mesmo declarou que não sabia (...)”. 346
Em contrapartida, às perguntas realizadas as testemunhas visavam, por parte da
empresa, minimizar ou mesmo liquidar sua responsabilidade, na tentativa de culpar os
346
Auto de perguntas realizado na pessoa de Waldemar Pereira Vasconcelos. APEB. Seção Judiciária.
Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Antônio Rodrigues Carvalho. Cx: 151/102/20.
128
próprios trabalhadores pelos fatos. Estas informações visaram culpabilizar o operário
pelo acidente através da comprovação do depoimento das testemunhas de uma conduta
negligente. Apesar da tentativa de “condenação”, desde o decreto regulado em 1919,
havendo a ocorrência do acidente a indenização caberia as vitimas independente da
apuração de culpa, mas pelo exercício do trabalho.
E no decreto 7.036 art. 5º ficou assegurado que também eram considerados
acidentes de trabalho “c) qualquer ato de imprudência, de negligência ou brincadeiras
de terceiros, inclusive companheiros de trabalho”347. Ainda que no inquérito ficasse
comprovada a responsabilidade do maquinista mesmo assim a empresa teria que pagar a
indenização. Cabe salientar que a ação de acidente de trabalho atuou simultaneamente
ao lado de processos – crime visando incriminar os condutores das locomotivas pelos
acidentes e pela morte dos ferroviários. 348
Quando abertos os processos judiciais e não havia morte imediata dos
trabalhadores, o juiz solicitava encaminhamento das vítimas ao Instituto médico legal
Nina Rodrigues a fim de comprovar as lesões. Em artigo que trata sobre a medicina
legal nos anos de 1930 Luís Ferla349 apontou que a medicina abordava as questões a
partir do biótipo dos indivíduos classificando-os a partir da sua estrutura física e mental.
Essa argumentação explica em parte os laudos e pareceres emitidos pelos médicos a
serviço do Instituto acerca das vítimas no período retratado.
Destaque para as características informadas nos laudos: cor da pele,
temperamento, constituição física e além desses aspectos, uma menção para os aspectos
mentais dos indivíduos. Essas características foram analisadas pelos médicos montando
um perfil dessas vítimas que constava em seus laudos e que muitas vezes foram
utilizados nos processos visando demonstrar a personalidade desses indivíduos.
Um exemplo foi o processo de Cassimiro Fagundes acidentado em 21 de abril de
1941 em Serrinha e que recebeu forte pancada na região lombo-sacro350. Depois de
realizado o exame médico nada foi encontrado no operário, daí porque as alegações dos
pareceristas em vista do seu perfil foram “Cassimiro, não parece simulador, seu
raciocínio é lento e tem dificuldade de compreensão, que lhe fizeram regressar da
347
Art. 5 do decreto 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 25/05/2011.
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Cassiano Alves Bonfim. Cx:
143/71/04.
349
FERLA, Eduardo Luís Ferla. O Trabalho como objeto médico legal em São Paulo nos anos 1930.
Asclépio, Madrid, v.57, n.1, p. 237-26, 2005.
350
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Cassimiro Fagundes. Cx:
143/51/03.
348
129
primeira vez a Sauípe, sem terminar a perícia”351. De acordo com os processos
Cassimiro queixava-se muito de fortes dores devido a pancada que recebeu.
Mas nem sempre este exame ocorreu logo após os acidentes, e vários fatores
poderiam interferir para isso como morte e dispensa do operário. No caso de Manoel
Rodrigues352 através da análise dos autos constatou-se que ainda em 1945 o diretor do
Instituto afirmou que o ferroviário não havia retornado aquela localidade para fazer os
exames necessários. E as fontes não permitem conhecer o motivo pelo qual Manoel
demorou em realizar os exames. Este não comparecimento poderia ser decorrente de
inúmeros fatores entre eles a morte desse trabalhador.
O pretor na jurisdição plena encaminhou o processo de Manoel Rodrigues para a
Vara de Acidentes do Trabalho com base na lei judiciária n.º 175 de 02 -07-1949 que
destacou a competência cabível ao Cartório de Acidentes no Trabalho qual seja a de
(...) exercer as atribuições conferidas pela legislação especial sobre
acidentes no trabalho, inclusive o processo e julgamento de todos os
feitos desta natureza, administrativos ou contenciosos, ainda que neles
seja interessada a fazenda pública, ou qualquer autarquia.
Mas de acordo com esta mesma lei no Art. IX cabe aos Feitos da Fazenda Nacional
processar e julgar 1. “a) os feitos em que a União for autora ou ré, assistente ou opoente,
bem como aqueles em que o forem as autarquias federais (...)”353. A ambigüidade
presente nesta lei torna-se evidente e os processos movimentados no período refletiram
a “confusão” possibilitada por este dispositivo. O processo de Manoel Rodrigues
inicialmente movimentado junto aos Feitos da Fazenda Nacional foi encaminhado para
a Vara de Acidentes do Trabalho para ser julgado. A lei estava em disputa no período,
isso justificava a ambigüidade das leis existentes. Portanto, os conflitos de jurisdição
compunham o contexto de mudanças o que possibilitou que os sujeitos fizessem uso do
discurso jurídico para validar seus interesses na arena judicial.
Após a realização do exame em Manoel Rodrigues no Instituto não foi apurada a
lesão, o que de acordo com os autos do processo não se teria excluído que a mesma
tivesse ocorrido anteriormente à época do acidente. Mas como já ressaltado, grande
351
Idem.
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manoel Rodrigues. Cx:
152/06/26.
353
Lei 175/49 | Lei nº 175 de 02 de julho de 1949 da Bahia. Disponível em www.jusbrasil.com.br.
Acessado em: 25/05/2011.
352
130
parte dos exames foram realizados anos depois da ação ter sido movimentada. De
acordo com o art. 20 do decreto-lei de 1944 "Permanecendo por mais de um (1) ano, a
incapacidade temporária será automaticamente considerada permanente, total ou parcial,
e como tal indenizada (...)".354
O exame ocorreu em 26 de setembro de 1951 conforme atestado no laudo do
exame realizado no Instituto, apesar do acidente datar de 08 de maio de 1945. A
morosidade para realização dos exames, bem como para o andamento destas ações na
justiça contribuíram para que o resultado das ações não fossem favoráveis aos
trabalhadores. Ainda de acordo com o que regia o decreto de 1944 em art. 63. “O juiz
dirigirá e orientará o processo de acidente, que terminará no prazo máximo de 30 dias
(trinta), de seu início, sem, contudo cercear a defesa dos interessados”.355
Nenhum dos processos analisados terminou em 30 dias, mesmo as ações mais
concisas, e que foram julgadas procedentes gerando ganho de causa aos trabalhadores
ou as inviabilizadas por não comparecimento, morte da vítima sem deixar beneficiários,
ou ausência da comprovação das lesões. O modo como os peritos da Instituição
estabeleceram seus diagnósticos ainda necessita de uma investigação mais detalhada e
essa pesquisa abre margem para isso.
Outra ação onde não foi possível comprovar a lesão foi a de Benjamin Libório
dos Santos que era ajudante de fundidor e possuía 18 anos de idade, solteiro sendo o
mesmo baiano, operário e com instrução primária.
O seu processo havia sido
encaminhado inicialmente na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em 19 de março de
1946. Mas devido às razões mencionadas de conflito de jurisdição foi direcionado para
a Vara de Acidentes.
No dia 23 de fevereiro de 1946 Benjamin Libório dos Santos “(...) no exercício de
sua função fora acidentado no olho esquerdo com uma limalha de ferro”356. Muitos
acidentes tiveram como conseqüência ferimento nos olhos com limalha ou objetos
perfurantes. O exame realizado anos depois do fato atestou que o paciente nada sentia
no olho acidentado. A morosidade já destacada em casos anteriores para a realização
destes exames no Instituto Nina Rodrigues também constituiu um empecilho para que
estas ações tivessem um desfecho rápido, além das alegações a respeito das leis.
354
Art. 20 do decreto lei 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 25/03/2011.
Art. 63 do decreto 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em 25
356
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Benjamin Libório dos
Santos. Cx: 152/06/23.
355
131
Durval Assis Magalhães, maquinista, casado, com 53 anos de idade residente em
Periperi, com carteira profissional 17. 108 no dia 7 de agosto de 1949 desempenhava
seu serviço na estrada de ferro Leste Brasileiro quando teve uma fratura no terço
inferior do braço direito, o que resultou em uma incapacidade parcial permanente
segundo os autos do processo. O maquinista era o responsável pela condução das
locomotivas e o fato de ser mencionado o número da carteira profissional no processo
atesta a diferença da função que desempenhava para as atividades realizadas por
diaristas.
Cabe salientar que o maquinista dentro da ferrovia deveria trabalhar cerca de 12
horas por dia podendo ser convocado antes das seis da manhã.357 A rotina de trabalho
exigiu destes trabalhadores disciplina e rigor na marcação do tempo e os riscos a que
estiveram submetidos foram uma constante dentro da ferrovia. Em relação à disciplina e
ao cumprimento dos horários pode-se comprovar através dos boletins de pessoal as
penalidades impostas aos trabalhadores em cada situação específica.
O estudo de Edinaldo Souza demonstrou que a tentativa de conciliação era tida
como primeiro passo antes de dar inicio às ações, e que esta medida possibilitava que a
partir da conciliação pudesse se encerrar o processo a qualquer tempo. 358 Em art. 58 do
decreto de 1944 ficou determinado que “havendo na audiência inicial, acordo entre as
partes, observadas as disposições desta lei, será reduzido a termo, para a indispensável
homologação, com a qual estará findo o processo”359. Como não se conseguiu chegar a
um acordo neste caso em vista da recusa da parte de Durval Assis Magalhães o processo
teve andamento na Vara de Acidente de Trabalho.
O processo de Durval Assis foi inicialmente, encaminhado junto à Vara de
Acidente do Trabalho em 07 de outubro de 1949 e enviado para o Tribunal Federal de
Recursos em 1951 na busca de uma solução definitiva para a lide em questão.
No termo de audiência foi dito pelo representante da Leste Brasileiro o Dr. Afonso
Maciel Neto, que Durval Assis Magalhães não tinha direito à indenização haja vista os
ferroviários terem se tornado funcionários públicos. O novo decreto nº 7.527 de 1945
em seu artigo 76 em seu inciso 2 reformulava o anterior de 1944 em seu artigo 76
excluindo em 1945 “c) os funcionários e extranumerários da União, dos Estados,
357
SOUZA, Robério Santos. Organização e disciplina do Trabalho Ferroviário Baiano no Pós- Abolição.
Revista Mundos do Trabalho. vol. 02. nº.3, jan - jul. 2010, p.84.
358
SOUZA, Edinaldo. Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do trabalho (Recôncavo
Sul, Bahia, 1940-1960). 2008. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
359
Art. 58 do decreto 7.036 de 1944. Disponível em www. camara. gov.br. Acessado em: 15/02011.
132
Municípios, Territórios e da Prefeitura do Distrito Federal.” tendo direito a pleitear a
indenização somente o pessoal de Obras, e além do mais de acordo com o que afirmou o
dito promotor a lei de organização judiciária do Estado era clara quanto a instância onde
o processo deveria ser movimentado.
Nesse sentido, essa ação deveria ser movimentada junto a Vara dos Feitos da
Fazenda Nacional segundo julga a lei no art. 56. nº. 9, I a da vigente lei de organização
judiciária. “a) os feitos em que a União for autora ou ré, assistente ou opoente, bem
como aqueles em que o forem as autarquias federais” 360. Presente em quase todos os
processos esse conflito foi a solução que a empresa encontrou para justificar o não
direito a indenização.
O Pretor da Vara de Acidentes de Trabalho Manoel da Cunha Catalá Loureiro,
declarou competente o referido juizado de acordo com o que dispõe o art. 54 do decreto
7.036 de 1944 que informou que a autoridade judiciária competente para receber de que
trata o art. 46, assim como para conhecer as questões e acordos “(...) é o Juiz cível do
local onde se verificar o acidente, salvo prescrição em contrário da respectiva
organização judiciária.”361
O laudo de exame médico referente ao acidente de 7 de agosto de 1949 destacou
que Durval Assis teve sua mão imprensada pela porta da locomotiva, recebendo
ademais uma pancada nas costas. Foi lhe dado um prazo de sessenta dias no
ambulatório são Jorge, e que mesmo após estes dias não se encontrava curado. O exame
constatou que havia “cisto sinovial extra-articular”, além de uma lesão de número 82 no
punho, grau médio, índice 13”362 de acordo com a tabela de 1935.
De acordo com os autos do processo a lesão de Durval ficou comprovada, pois
após aberto o inquérito a vítima foi submetida aos exames de sanidade física no
Instituto Nina Rodrigues conforme o estipulado pelo decreto de 1944363.
Isto era uma medida obrigatória e estava diretamente vinculada ao resultado das
ações, pois era necessário comprovar o prejuízo sofrido pelo acidente para
posteriormente poder-se requerer o pagamento da indenização com base nos decretos e
leis que regularam a matéria relacionada aos acidentes de trabalho. Alguns casos na
360
Lei 175/49| Lei nº 175 de 02 de julho de 1949 da Bahia. Disponível em www. jusbrasil.com. br.
Acessado em: 22/04/2011.
361
Art. 54 do decreto nº 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 22/04/1911.
362
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx:
152/04/01.
363
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx:
152/04/01.
133
justiça não tiveram andamento, pois, depois de realizado os exames não havia a
comprovação da lesão ocorrida à época do acidente e os mesmos foram arquivados.
Também de acordo com o decreto 7.036 o exame poderia ser realizado por outros
peritos para perceber se chegavam as mesmas conclusões. Este foi o caso de Januário
Agripino de Jesus, no qual o curador Álvaro Nascimento solicitou um segundo exame
por não estar convencido do resultado do primeiro, o que terminou confirmando que o
mesmo já estava completamente curado do acidente.
No caso do processo de Durval Assis que contou com depoimento de testemunhas
entre eles Carolino Moreira do Espírito Santo, carvoeiro, brasileiro, solteiro, 36 anos de
idade e residente em Periperi na presença de Agripino Caetano de Oliveira, e do adjunto
de promotor na sala de audiências. As declarações de Carolino acerca do ocorrido no
dia 07 giraram em torno de relatar o acidente.
Disse que no suburbano das 14 horas, quando nas imediações da
pedreira de Lobato, verificou a ocorrência de algo, de anormal na
locomotiva, que chegando a janela da classe e olhando para a
locomotiva notou um certo movimento de pessoas na mesma, e
chegando a estação da Calçada, constatou que a causa daquele
movimento fora a de ter sido acidentado o maquinista que dirigia a
composição, de nome Durval Assis Magalhães, o qual tinha
desmentido o pulso e a mão.364
O depoimento de Carolino apresentou o fato que beneficiou Durval comprovando
suas lesões. Além disso, através dos autos o recebimento da indenização esteve
vinculado a realização dos exames, apesar de não ser suficiente a comprovação da
incapacidade permanente ou morte, mas outras etapas foram necessárias para chegar as
indenizações. As estratégias que fez uso Benício Gomes, Procurador Geral da
República, representante do Estado englobou basicamente a “incompetência” da Vara
Especial de Acidente de Trabalho para julgar os casos, considerando a Vara dos Feitos
da Fazenda Nacional a única competente para julgar os casos.
Esse fator aparece em quase todos os processos do período somados a
justificativa de Afonso Maciel Neto, representante da Leste que afirmou que os
operários recebiam assistência do Estado não podendo fazer uso do dispositivo 7.036 de
1944 que julgava os casos de trabalhadores não assegurados. Contudo, os trabalhadores
declararam que não recebiam essa assistência o que foi mencionado por Filonídio Vieira
364
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx:
152/04/01.
134
dos Santos nos autos do processo “(...) o mesmo respondeu que não existe amparo sobre
o trabalho”365. O depoimento de Filonídio somou-se ao de Mário Martins Rocha a
respeito do caso de Pedro Celestino da Costa acidentado no dia 18 de janeiro de 1951
quando teve esmagamento da mão e acabou falecendo nove dias depois de tétano. Mário
atestou
(...) que o acidentado com os demais trabalhadores da Leste, inclusive
ele depoente, não tem direito a quaisquer vantagens pelo Estatuto dos
Servidores da União, no que diz respeito a pensão e aposentadoria, por
isso tais vantagens lhe são concedidas pela Caixa de Aposentadorias e
Pensões dos Ferroviários, para a qual contribue com uma porcentagem
mensal de sete por cento do seu salário.366
As vítimas e as testemunhas denunciaram que a assistência prestada pelo Estado
era nula, por isso foi necessário recorrer a justiça para fazer valer os seus direitos e
garantir a sobrevivência. As declarações de Afonso Maciel Neto, representante da Leste
não encontraram respaldo na fala das vítimas e nem das testemunhas para o período
retratado por essa pesquisa, isso também explica a quantidade de ações movimentadas
requerendo as indenizações com base na legislação de 1944.
Mas além desses argumentos, também havia outros motivos que dificultavam o
recebimento das indenizações. No dia 03 de outubro de 1947 as 16h40min min no km
442 da ferroviária Leste Brasileiro entre a estação de Iramaia e Lapinha faleceu em
conseqüência das queimaduras sofridas o ferroviário Crispim Alves dos Santos durante
o exercício do trabalho367. Em virtude do falecimento do seu esposo Maria de São Pedro
Batista dos Santos entrou na justiça na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em 30 de
agosto de 1948.
Como nas ações já apresentadas, processos de acidente foram movidos junto aos
Feitos da Fazenda Nacional por ser a Viação Férrea Federal uma empresa do governo e,
posteriormente encaminhadas para a Vara de Acidentes de Trabalho por conta da lei de
organização judiciária nº 175 de 02 de julho de 1949 que permitia que este segundo
Juízo julgasse as ações. Para resolver estas questões quando havia conflitos em torno de
qual juizado era o competente para julgar estes casos, os autos foram conduzidos para o
365
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Processo de Acidente de Trabalho referente a Filonídio
Vieira dos Santos. Cx: 151/98/14.
366
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Processo de Acidente de Trabalho referente a Pedro
Celestino da Costa.Cx: 152/15/12.
367
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Processo de Acidente de Trabalho referente a Crispim Alves
dos Santos .Cx: 152/04/01.
135
Tribunal Federal de Recursos e através da consulta de magistrados era decidido se
julgavam ou não procedente a decisão do Pretor da Vara de Acidentes.
A viúva solicitou na justiça que fossem intimados para efeito de resolver a ação o
Procurador da República, Benício Gomes, e o Diretor da Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro Lauro Farani Pedreira de Freitas por conta da morte de seu marido o foguista
Crispim Santos. Maria trabalhava de doméstica no período e não tinha filhos e solicitou
reparação do ocorrido com base em três anos de salário de acordo com o art. 21 do
decreto de 1944.
Um dos documentos solicitados no caso de Crispim foi a declaração do Escrivão
de Paz do casamento de Chrispim Alves dos Santos e Maria de São Pedro Batista dos
Santos, realizado em 13 de fevereiro de 1934, ele com 21 anos e já operário da Leste e
ela 17 anos e trabalhando de doméstica. Documentos comprobatórios como certidão de
óbito nos casos de morte, de casamento quando a requerente for esposa e carteira de
trabalho para aqueles que já possuíam eram as preliminares para garantir o andamento
dos processos.
No processo movido por Maria Batista houve dificuldade para que a mesma
recebesse a indenização. Em 16 de outubro de 1948, após um ano do ocorrido o diretor
Lauro Farani encaminhou um ofício afirmando que o acidentado chamava-se
Crispiniano Santos. Mas dentro da ação havia uma cópia do telegrama enviado em
serviço atestando morte do feitor Sebastião Santos, de Crispim Santos, foguista e do
passageiro José Burgos trazendo informações que ficaram vários passageiros e
funcionários feridos. Nos autos da ação consta um atestado do médico que atendeu a
vítima chamada de Crispiniano Santos que teve esmagamento e morte instantânea no
tombamento da locomotiva.
Como se chamava então o acidentado, Chrispim Santos ou Crispiniano Santos?
Este caso se parece com o de Salustiana Reis que encontrou dificuldades para
comprovar o acidente do seu filho. Nestas situações em que havia confusão na
comprovação da identidade dos sujeitos, vítimas de acidentes de trabalho, foi preciso
recorrer a todo meio de provas. Diferente de Salustiana, Maria conseguiu dar
prosseguimento a sua ação e comprovou que Crispiniano era o mesmo Crispim. Maria
solicitou a certidão de nascimento e pediu que fosse corrigido o nome do seu esposo, e
através da mesma pode confirmar que havia um erro de grafia no documento.
A escrivã Joana Batista atestou morte de Crispiniano Santos no dia 03 de outubro
de 1947 por tombamento de locomotiva e descreve o operário “(...) que o falecido era
136
brasileiro, de cor preta, foguista da mesma Viação (...)”368. Causa da morte atestada pela
escrivã “queimaduras por água fervente e generalizado esmagamento do corpo,
produzida no momento em que tombou a loco nº 272, na qual viajava o infeliz
operário”. “(...) e em virtude da justificação requerida por Dona Maria São Pedro
Batista dos Santos a alteração ao seu nome de Chrispim Alves Santos e não como
consta no registro anotado.”
369
Não se pode perder de vista a importância da
comprovação da identidade das vitimas para que fosse paga a indenização, mas quando
uma falha no registro do nome tal o caso de Chrispim Santos em que todas as outras
informações tinham comprovação não podiam esbarrar neste argumento “frágil”. Além
disto, destaca-se neste caso a cor do operário, preta apontando a origem da mão-de-obra
na Bahia.
As outras alegações que impediram que a mesma conseguisse chegar a receber o
valor indenizatório têm a ver com casos já mencionados nesta dissertação. A primeira
refere-se a incompetência da Vara de Acidentes de Trabalho para onde o processo foi
remetido em 1950 e que condenou a Viação Férrea Federal ao pagamento da
indenização. E o segundo argumento tem como base o fato do mesmo foguista ser
funcionário publico e não estar enquadrado no pessoal de Obras da Viação, estando por
isto sujeito a outro estatuto recebendo, portanto uma reparação diferenciada de casos de
outros trabalhadores.
Outro foguista acidentado foi Estanislau Souza no dia 15 de outubro de 1948. O
trabalho de foguista envolvia a tarefa de pegar a lenha e jogar na fornalha nas
locomotivas o que atesta as condições de insalubridade e risco a que estavam expostos
estes operários.
Estanislau deu entrada na ação junto aos Feitos da Fazenda Nacional em 17 nov.
1948. Dentro do processo havia as alegações de Benício Gomes para que as causas
fossem julgadas na Vara dos Feitos da Fazenda Nacional justificando que desde a
constituição de 1946 em seu artigo 201 que havia ficado estabelecido que de acordo
com as leis de organização judiciárias anteriores a 1944, ficaria estabelecido que caberia
ao juízo privativo para julgar as causas em que a União fosse interessada. Estas
declarações já eram conhecidas de Benício Gomes e foram mencionadas em quase todos
os processos analisados, exceto naqueles em que o desfecho foi rápido.
368
APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos, Cx.
142/141/16.
369
APEB. Seção Judiciária, Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Crispim Alves dos Santos, Cx.
142/141/16.
137
O laudo médico de Estanislau Souza datou de 19 de setembro de 1951 apesar da
ocorrência do acidente em 1948. Foi constatado que Estanislau tinha 36 anos de idade
era da cor faioderma, pardo, era casado e possuía instrução primária e tinha residência
em Senhor do Bonfim. Apesar da função de foguista que constava no documento do
Instituto Médico Legal atestando seu posto no relato acerca do seu acidente aparece
Estanislau Souza desempenhando outra função.
(...) trabalhando de maquinista numa composição que ia para Juazeiro,
ao dar extração dagua fervendo, esguinchou-lhe grande porção da
mesma no rosto, atingindo, sobretudo, o olho esquerdo. “Conclusão”
A lesão do nervo óptico que o paciente conduz tem de fato etrotogia
sifilítica; estava, porém latente, isto é, sem manifestar-se. Foi preciso
um traumatismo, qual o que sofreu, para deflagrar o mal que sem
demora anulou o olho esquerdo, do traumatizado.370
Sendo assim, concluiu-se que o acidente atuou como concausa da perda da visão
sendo classificada de acordo com a tabela que estabeleceu em 31, índice 20 a lesão de
acordo com o decreto 86 de 14 de março de 1935. Ao termo de audiência em que ficou
estabelecido Cr. $ 18. 228 correspondentes a porcentagem de 54, 25 de 1.200 diárias de
28, 00 70% de 40, 00 como reparação de incapacidade parcial permanente como
descrito no laudo, ou seja, lesão 31, índice 20 (perda total da visão de um olho). Neste
caso levanta-se a hipótese de que por estar desempenhado serviço que não era sua
função pudesse ter ocorrido o acidente, sendo a empresa responsável pela utilização do
ferroviário em ofício distinto do seu.371
Os casos de perda ou prejuízo na visão foram os mais diversos e o depoimento
das testemunhas nos apontam as possíveis causas para esses fatos. Filonídio Vieira dos
Santos acidentou-se no dia 13 de outubro de 1945 quando trabalhava nas oficinas de
Periperi por causa de uma limalha de ferro que lhe saltou o olho esquerdo e o
depoimento das testemunhas aponta pistas para as causas do acidente.
372
A testemunha
Pedro Rodrigues Apolônio, ajustador mecânicox declarou que “(...) que nas oficinas,
existem óculos, porém, não chegam para todos, e para que não fiquem atrasados ao
370
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Estanislau Souza. Cx:
142/124/37.
371
Idem.
372
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: a Filonídio Vieira dos Santos.
Cx: 151/98/14.
138
trabalho arriscam-se a fazer sem esta proteção”373. Havia um problema da falta de
assistência e proteção para esses ferroviários no desempenho das suas atividades.
No caso Filonídio mesmo com a legislação que previa que os operários deveriam
estar protegidos da adversidade do trabalho em seu art. 77 e sofreriam sanções caso não
cumprissem as normas o depoimento das testemunhas comprovou que as situações de
riscos eram as mais variadas e que por isso os equipamentos de proteção apesar de
necessários foram insuficientes, bem como eram ruins as condições proporcionadas aos
trabalhadores pela Viação.
Por isso, os ferroviários da Leste tiveram que recorrer a justiça, pois não viam na
prática os benefícios atrelados ao funcionalismo público, apesar das “supostas”
garantias. Ser funcionário público implicou em ter um Estatuto e estar garantido pelo
Estado, mas esse amparo foi constantemente desacreditado nas ações judiciais, pois se
entraram na justiça para ter direito ao amparo ele não existiu de fato porque o número
de ações ao final dos anos de 1940 foi crescente. Além disso, não podiam fazer greves
conforme já mencionado e lutaram para ter de volta seu sindicato, como mais uma
maneira de lutar por melhorias em suas condições de vida.
Apesar da ênfase dada aos acidentes de trabalho ocorridos no momento da
realização do ofício, é válido salientar que as condições proporcionadas pela ferrovia
poderia ocasionar muitas doenças profissionais. Dos casos analisados houve um único
processo encontrado relacionado a doença adquirida quando do desempenho ofício.
Pedro de Alcântara de Jesus se acidentou no dia 10 de agosto de 1945. O decreto 7.036
já dava garantias aos operários que adquirissem doença profissional ampliando o fato do
trabalho para atividades em decorrência dele.
Art. 2º Como doenças, para os efeitos desta lei, entendem-se, além das
chamadas profissionais, - inerentes ou peculiares a determinados
ramos de atividades -, as resultantes das condições especiais ou
excepcionais em que o trabalho fôr realizado.
Parágrafo único. A relação das doenças chamadas profissionais será
organizada e publicada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, e revista trienalmente.
O foguista Pedro Alcântara de Jesus desempenhava seu trabalho nas caldeiras das
locomotivas quando acabou apanhando umas chuvas e depois de alguns dias de licença
373
Idem, ibidem.
139
foi diagnosticada tuberculose pulmonar374. O exame no instituto Nina Rodrigues
confirmou a doença e com base no art. 17 que regulou a passagem para incapacidade
permanente tem-se que “as lesões orgânicas ou perturbações funcionais graves e
permanentes de qualquer órgão vital, ou quaisquer estados patológicos reputados
incuráveis, que determinem idêntica incapacidade para o trabalho.”375
Maria Elisa Lemos já havia destacado que a tuberculose era um dos maiores
problemas médicos do Brasil no período e as condições de saúde da população baiana,
bem como a moradia era de péssima qualidade. 376 Sem assistência do Estado buscaram
na justiça o amparo através das leis, mas tiveram que lidar com os argumentos dos
representantes do Estado.
4.3. Resultados das ações
Após os tramites judiciais e a comprovação das lesões no Instituto Nina
Rodrigues foi o momento de lidar com os argumentos intentados pelos representantes
da Leste para conseguir pleitear a indenização. De um modo geral o acionamento das
leis não foi ineficaz, pois a justiça proporcionou que 31 das 57 ações (cerca de 54%)
fossem deferidas, isto é gerassem ganho de causa aos trabalhadores ou familiares das
vítimas permitindo o recebimento das indenizações. (Conferir tabela 2 na p. 172).
Segue tabela com o nome dos requerentes que por vezes eram as vítimas dos
acidentes, mas quando ocorriam as mortes estes processos foram movidos pela esposa e
filhos, ou por outros familiares que comprovassem a dependência financeira desses
ferroviários. Muitas vezes, com base em acordos que lesavam os trabalhadores, bem
como as suas famílias os processos foram encerrados evitando gastos excessivos do
Estado no pagamento destas indenizações.
O caso de Simão Ângelo Macedo377 foi encerrado pela aceitação de um acordo
proposto pela Viação ao operário acidentado. O acordo nesse e em outros casos visou
reduzir os custos que a empresa teria com o operário caso ele ganhasse a causa,
beneficiando dessa forma os patrões. O acordo também permite à vítima ou à família
374
APEB. Seção Judiciária. Auto Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Alcântara de Jesus. Cx:
142/24/04.
375
APEB. Seção Judiciária. Auto Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Alcântara de Jesus. Cx:
142/24/04.
376
LEMOS. Maria Elisa. O Estado Novo e a Ofensiva médica contra a tuberculose. In: SILVA. Paulo
Santos e JUNIOR. Carlos Zacarias F. de Sena. (org). O Estado Novo as múltiplas faces de uma
experiência autoritária. Local: EDUNEB, 2008.
377
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Simão Ângelo Macedo. Cx:
150/147/12.
140
receberem a indenização em tempo hábil, já que a lentidão da justiça não é
responsabilidade somente do patronato, há também a morosidade da burocracia estatal.
Esse processo foi o que teve a finalização mais rápida em comparação com os outros
mencionados nesse estudo. O acordo foi o primeiro passo para impedir o
prosseguimento das ações.
Em contrapartida, o processo de Manoel Rodrigues durou seis anos na justiça e de
acordo com o depoimento do próprio sua incapacidade teria perdurado um mês, tempo
em que recebeu seus vencimentos de modo integral sem nenhum desconto, enquanto o
que a lei previa era o seguinte:
Quando do acidente resultasse uma incapacidade temporária, a
indenização devida ao acidentado corresponderá durante todo o
período em que perdurar essa incapacidade, a uma diária igual a 70
centésimos de sua remuneração diária, calculada esta conforme o
disposto no Capítulo VI, excetuados os domingos e dias feriados, e
observado ainda o que dispõe o art. 27. 378.
O processo foi julgado pela Vara de Acidentes de Trabalho. O juiz compreendeu
que nenhum prejuízo ao operário foi causado pelo acidente de modo permanente, tendo
o mesmo recebido o que tinha direito quando incapacitado para voltar a exercer o
trabalho. O processo foi julgado pela Vara de Acidentes de Trabalho, mas foi
inicialmente movimentado junto a Vara dos Feitos da Fazenda Nacional por conta das
mudanças no modo de julgar as causas existentes no período.
Diferente de outros casos mencionados não houve nesta situação nenhum
questionamento de Benicio Gomes, Procurador Geral da República na época dos
acidentes, a respeito da Vara de Acidente de Trabalho, vale ressaltar que tal instancia foi
criada especialmente para resolver estes conflitos e que em situações onde havia
problemas para interpretação da norma jurídica atuou no sentido de beneficiar os
trabalhadores, daí porque grande parte das ações encaminhadas da Vara dos Feitos da
Fazenda Nacional para a Vara de Acidente de Trabalho foi deferida nessa segunda
instância.
Tanto as despesas hospitalares, como de transporte e quaisquer outras
necessidades de Manoel Rodrigues não foram apuradas durante o processo, pois não
existe menção ao pagamento destas despesas. No depoimento da vítima ficou apurado
378
Parágrafo único do art. 19 do decreto nº 7.036 de 1944. Disponível em www.camara.gov.br. Acessado
em: 22/04/2011.
141
que após ter movimentado indenização para receber pelo dano causado, foi dito pelo
mesmo que recebia integralmente da empresa o salário pelo mês em que ficou
acidentado.
Parece contradição que depois de ter movimentado o processo tenha dado
declarações de que recebia de modo integral seus vencimentos. Esse caso de Manoel
Rodrigues se assemelha a outros em que o operário não conseguiu a indenização porque
quando se submeteu ao exame já se encontrava curado das lesões. As declarações de
Manoel no processo aparentando estar satisfeito com a empresa em vista do
atendimento que recebeu da mesma.
Com a difusão de ações judiciais tendo como base processos requerendo
indenização foi comum que estes ferroviários entrassem na justiça para requerer seus
direitos. Estes direitos, contudo, estiveram atrelados a uma série de exigências legais e
tramites que poderiam garantir ou não benefícios aos trabalhadores.
Estes casos em que os operários não ficaram incapacitados para o trabalho de
modo permanente e continuaram acessando a justiça demonstraram que tal estratégia
não foi adotada apenas quando ocorriam as mortes, mutilações e perdas de partes do
corpo, mas englobou situações em que os prejuízos a saúde tiveram efeitos temporários.
O campo do direito neste período foi visto como berço de onde emergiria a
igualdade de oportunidades para se conseguir os benefícios tão esperados pela categoria
ferroviária e que passava privações no mundo de trabalho baiano. O direito era visto
como podendo nivelar estes sujeitos na arena judicial, e apesar das restrições que impôs
representou um avanço em termos de formas e modos de luta da categoria ferroviária. A
quantidade de ações apontou o trânsito de informações a respeito do acionamento da
justiça e a busca dos direitos tão esperados pelos ferroviários.
É válido compreender este consenso estabelecido nos autos do processo pondo
fim ao “conflito” através do argumento de que uma vez curado não mais havia o que
pagar a estas vítimas. Se a indenização estava atrelada a uma incapacidade para a volta
ao trabalho, nesse caso então com a cura destes acidentados não haveria mais nenhum
compromisso de fato a ser pago. Mas conforme a analise dos acidentes pode-se perceber
que o tempo para que o exame nas vítimas fosse estabelecido era tão grande que quando
estes se submetiam ao exame já se encontravam curados das lesões, ou já haviam
morrido não chegando a receber a indenização. 379
379
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Pedro Manoel Alcântara. Cx:
151/12/06.
142
Este foi um dos argumentos dos representantes do Estado e os mesmos
encontraram respaldo na visão de Manoel Rodrigues que declarou que continuou
recebendo integralmente seus vencimentos após os acidentes. Contudo, é válido
ressaltar que de acordo com a lei de 1944 em caso de incapacidade temporária seria
válida a indenização de 70 centésimos da diária do acidentado, bem como se excedesse
um ano a incapacidade, esta seria considerada permanente.
Casimiro Fagundes, Domingos Moreira Guimarães, Filonídio Vieira dos Santos,
Januário Agripino de Jesus, Manoel Rodrigues e Manoel Pedro Lopes, todos estes
trabalhadores foram considerados curados das lesões que sofreram no exercício do
trabalho. E as conseqüências destes acidentes foram desde traumatismo no tórax380 até
escoriações e lesões em diversas partes do corpo a perda do dedo grande de um dos pés
e ferimento no outro.381 Esta mutilação da qual foi vítima Domingos Guimarães de
acordo com o laudo emitido pelo Instituto Nina Rodrigues não o prejudicaria na
realização de nenhuma atividade de trabalho, sendo por isso considerada temporária.
Mas, a partir do caso de Manoel Rodrigues pode-se perceber que a classificação
da indenização não levou em conta as perdas e prejuízos à saúde do ponto de vista dos
operários, mas de acordo com laudos médicos que tinham em vista a reprodução da
força de trabalho nos espaços da ferrovia. Os trabalhadores ainda que capazes de
desenvolver a atividade laborativa novamente, não se sentiram lesados pelas perdas que
tiveram? Domingos Moreira Guimarães, por exemplo, teve a perda do dedo grande de
um dos pés, mas foi considerado curado quando submetido ao exame.
No que tange ao resultado do processo de Manoel Rodrigues que teve acidente
que ocorreu no dia 08 de maio de 1945, a vítima não conseguiu a indenização a que
pleiteava. As conseqüências do acidente foram escoriações nas mãos em vista do
descarrilamento de trole em que vinha. O indeferimento se deu com base no argumento
de que em exame realizado em período posterior ao acidente, nenhuma lesão ficou
comprovada. Sendo assim, foi salientado no processo que não se excluía que o dano
tenha ocorrido temporariamente. Mas que, não havendo mais nenhum dano a ser
reparado, a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro nada mais deveria pagar.
Outro caso refere-se a Benjamin Libório dos Santos em processo movimentado na
Vara de Acidente de Trabalho em 02 de maio de 1950. E Benjamin Libório dos Santos
380
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Manuel Pedro Lopes. Cx:
152/12/06.
381
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Domingos Moreira Guimarães.
Cx: 151/101/62.
143
também não conseguiu a indenização, haja vista que quando realizou o exame já se
encontrava curado da lesão que havia sofrido. Muito parecido com o caso de Manoel
Rodrigues em que o ferroviário também ao ser submetido a exame estava curado da
lesão e os mesmos motivos foram destacados para que Benjamin não recebesse a
indenização.
Encaminhado para a Vara de Acidentes de Trabalho o processo foi considerado
improcedente e enviado para arquivamento conforme também atestou o Dr. Curador de
Acidentes em 1950, Álvaro Nascimento. O Procurador da República – Benício Gomes
solicitou vista nos autos, haja vista, com base na lei de organização judiciária de 1949
mais uma vez considerar a Vara de Acidente de Trabalho incompetente para julgar as
questões em que o governo fosse interessado. Mas esse argumento tinha como objetivo
impedir o pagamento das indenizações e evitar os danos aos cofres públicos.
Apesar das alegações constantes do Procurador, não pareceu ter ficado provado
que a Vara de Acidente de Trabalho era incapaz de julgar tais casos. O juiz desta,
Antônio Oliveira, julgou procedente o arquivamento do processo. Não existe no
processo nenhum recibo com a comprovação de que o mesmo teria recebido os seis dias
em que ficou em tratamento como prevê o decreto de 1944382. A única menção é a
assistência médica também uma obrigatoriedade do empregador, haja vista o que dispõe
o art. 12 do decreto lei 7.036 de 1944. 383
Mas não há referencia ao pagamento dos seis dias a que tinha direito, existe um
documento do juiz da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional em que constou uma
solicitação para que fossem anexados os recibos ou a comprovação de que haviam sido
pagos os salários do ferroviário. Sendo válido salientar que Benjamin Santos, enquanto
operário não deveria possuir um salário alto com base na análise dos salários de outros
funcionários nesse período, somado a função que desempenhava dentro da empresa.
A contradição presente na Lei de Organização Judiciária de 1949 e que
possibilitou que a ação de Manoel fosse encaminhada para a Vara de Acidentes do
Trabalho, permitiu que aquele processo fosse finalizado ainda que o mesmo não tenha
conseguido angariar o benefício indenizatório e fora do prazo estipulado de 30 dias.
382
Art. 27 do decreto – lei 7.036 de 1944. “Nos casos de incapacidade temporária de duração inferior a
quatro (4) dias, a indenização é devida apenas a partir do segundo dia que se seguir àquele em que se
verificar o acidente. Quando perdurar por mais de quatro (4) dias, deverá ser paga desde o dia que suceder
ao acidente.” Disponível em www.camara.gov.br. Acessado em: 25/05/2011.
383
Art. 12 do decreto lei nº 7.036 de 1944. “O empregador. além das indenizações estabelecidas nesta lei,
é obrigado, em todos os casos, e, desde o momento do acidente, a prestar ao acidentado a devida
assistência médica, farmacêutica e hospitalar, compreendida na primeira a assistência dentária”.
144
Apesar de o processo ser julgado na Vara de Acidente de Trabalho, não houve
questionamento por parte de Benício Gomes acerca da incompetência deste juízo para
julgar estas questões, o que foi uma constante no período nos outros processos
aparecendo de modo recorrente o discurso deste funcionário que atuou a serviço do
Estado no sentido de impedir o pagamento das indenizações aos trabalhadores.
Diferente dos processos investigados por Eduardo Luís Ferraz na Primeira
República, objetivos e com resultados rápidos, os casos analisados nesta pesquisa
tiveram seu desfecho depois de anos, tornando as causas lentas gerando, em inúmeros
casos que as ações fossem prescritas, isto é, devido ao tempo decorrido do início do
processo era como se o processo tivesse perdido sua validade. Isto ocorreu por motivos
diversos, a exemplo do caso de Domingos Matos da Silva384 em que constou nos autos
da ação que o mesmo não compareceu ao exame. E no caso de Olegário Gaudêncio de
Souza385 onde conflito de jurisdição e disputas para julgar sobre a instância competente
provocou a morosidade, resultando na proscrição da ação por não se chegar a uma
definição.
Os processos onde os operários foram considerados curados das lesões foram
arquivados após a realização dos exames no Instituto Nina Rodrigues (12); os prescritos
foram as ações onde se passaram mais de dez anos após a entrada na justiça e podia
ocorrer quando não eram encontrados os beneficiários do acidentado que já teria
morrido a época das ações. Nos processos inconclusos aparece o conflito de jurisdição
quando teriam que ser solucionados em outra instancia após as argumentações dos
autores, mas nestas fontes não constou o pagamento das indenizações e não foi possível
chegar ao resultado final.
Os deferidos (32) foram a maioria como se pode observar e os pagamentos foram
concedidos depois de movimentados no Cartório Privativo de Acidentes de Trabalho,
no qual o conflito era decidido com base nos argumentos do curador de acidentes no
período Álvaro Nascimento na defesa do benefício aos ferroviários, em vista dos
depoimentos de que não recebiam nenhuma outra assistência da empresa do governo.
(Cf. a tabela abaixo).
384
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Domingos Matos Silva. Cx:
152/12/08.
385
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Olegário Gaudêncio de
Souza. Cx: 152/12/10.
145
Tabela 6. Resultado dos Processos movidos pelos ferroviários da V. F. F. L. B
Resultados dos Processos
Quantidade
%
Arquivado
12
21,05
Arquivado/Prescrito
02
3,51
Deferido
32
56,14
Inconcluso
04
7,02
Indeferido
05
8,77
Prescrito
02
3,51
Total
57
100,00
Fonte: Processos de Acidentes de Trabalho (1926-1972), APEB, Elaborado pela autora.
No caso de Durval Assis Magalhães, maquinista da Leste e em virtude da Vara de
Acidente do Trabalho ter compreendido que estava comprovada a lesão sofrida pelo
ferroviário no exame realizado a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro foi condenada
pelo juiz da Vara de Acidentes de Trabalho a pagar a indenização de CR$ 15. 624,00
quinze mil seiscentos e vinte quatro cruzeiros ao maquinista acidentado. De acordo com
o decreto de 1944 em seu art. 18
§ 1º Quando do acidente resultar uma incapacidade parcial e
permanente, a indenização devida ao acidentado variará, em
proporção ao grau dessa incapacidade, entre três (3) e oitenta (80)
centésimos da quantia correspondente a quatro (4) anos de diária,
observado, quanto a esta, o disposto no parágrafo único do artigo 19.
No laudo do exame realizado em Durval Assis sua lesão foi classificada de
acordo com a gravidade provocada pela mesma. “Temos que tal lesão, a não ser por
operação cirúrgica, é irreversível e, portanto permanente.” 386 A publicação do decreto nº
86, de 14 de Março de 1935 estipulou tabelas para classificação das lesões provocadas
pelos acidentes de trabalho, para que a partir disto fosse realizado o cálculo da
indenização. E a empresa foi condenada a pagar o referido valor pelo acidente de
trabalho sofrido pelo ferroviário junto ao cartório dos Feitos de Acidente de Trabalho.
Contudo, em um agravo de petição, “cabível das decisões proferidas no processo
de execução, sendo apropriado contra qualquer decisão na execução, após julgamento
386
APEB. Seção Judiciária. Auto Cível I. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães, Cx.
152/04/01.
146
dos embargos do executado”387. Citado no decreto de 1944 em art. 64 e do art. 32 do
Código do processo civil foi permitido que nestes casos o Procurador da República
recorresse da decisão.388
Nesse sentido, Benício Gomes em uma longa exposição de argumentos justificou
os motivos pelos quais aquela instância não poderia ter julgado a ação movimentada por
Durval. Os argumentos iam desde os primórdios da Constituição de 1891 até as leis de
organização judiciária anteriores a de 1949 vigentes na ocasião do acidente e que foram
mencionadas no processo visando embasar os argumentos de invalidez do que havia
sido determinado pela Vara de Acidente de Trabalho.
Tabela 7. Instância Jurídica dos processos de acidentes de trabalho (1926-1952)
Esfera - Entrada dos Processos389
Quantidade
%
Cartório Privativo dos Feitos de
Acidentes de Trabalho
16
28,07%
Juízo de Direito da 1º Vara Cível
02
3,51%
Juízo Federal do 2º Ofício
01
1,75%
Tribunal Federal de Recursos
01
1,75
Vara dos Feitos da Fazenda Nacional
37
64,91%
Cartório do 1º Ofício dos Feitos Cíveis e
Criminaes
01
1,775
Total
57
100,00
Fonte: Processos de Acidentes de Trabalho, APEB, elaborado pela autora.
A tabela abaixo leva em consideração os Processos Deferidos.
Inclui-se um processo classificado como prescrito, mas que teve seu pleito
concedido anteriormente.
387
Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acessado em: 24/04/2011.
Art. 64 do decreto 7.036 de 1944. “Das sentenças finais proferidas nas ações de acidente do trabalho
caberá. como único recurso, o agravo de petição, o qual terá preferência no julgamento dos tribunais.
Parágrafo único. O prazo para a interposição de recurso será de 5 (cinco) dias e começará a correr do dia
da publicação da sentença em audiência, para a qual serão intimadas as partes.”Código do Processo Civil
decreto nº 1.608 de 18 de setembro de 1939. Art. 32. “Aos representantes da Fazenda Pública contar-seão em quádruplo os prazos para a contestação e em dobro para a interposição de recurso.” Disponível em
www.camara.gov.br. Acessado em: 24/04/2011.
389
Consideramos como esfera de entrada dos processos o local onde foi feita a primeira entrada que foi
definido com base na data mais antiga.
388
147
Tabela 8. Concessão de Indenizações segundo a Instância Jurídica dos processos
Vara - Concessão de Indenização
Quantidade
%
Cartório Privativo dos Feitos de
Acidentes de Trabalho
25
75,76%
Juízo de Direito da 1º Vara Cível
2
0,06%
Vara dos Feitos da Fazenda Nacional
4
12,
12%
Não Identificado
2
6,06%
Total
33
100,00
Fonte: Processos de Acidentes de Trabalho, APEB, elaborado a partir de dados da pesquisa.
De acordo com o decreto de 1944 em seu art. 64, ao agravo de petição apontou
que isto tinha que ocorrer em cinco dias, o que não se verificou. Após o prazo legal
estipulado, Benício Gomes recorreu da decisão e voltou a ressaltar que a mesma lei de
organização judiciária de 1949, em seu inciso IX, alínea a), determinava que na Vara
dos Feitos da Fazenda Nacional caberia “1- processar e julgar: a) os feitos em que a
União for autora ou ré, assistente ou opoente, bem como aqueles em que o forem as
autarquias federais.”390
Chamou atenção para as leis de organização judiciária anteriores a 1949, e para o
que pregou a Constituição Federal de 1946 também em consonância com as
constituições anteriores.
Por conseqüência, nos casos de acidente em que interessada a União, a
competência privativa é da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional e no
que a União não tenha interesse, a competência será, em regra, do juiz
cível do local onde se verificar. E de outro modo, repita-se, (...) 391.
É válido salientar que foi possível elaborar uma lista com alguns dos decretos e
leis mencionados por Benício Gomes para atestar que a Vara dos Feitos da Fazenda
Nacional era a única que possuía foro privativo para julgar as causas em que a União
estivesse interessada. A Constituição de 1937 em seus artigos 108 e 109, a Constituição
de 1946 em seu artigo 201 e o Código do Processo Civil Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de
Setembro de 1939 respectivamente listados abaixo.
390
Lei de Organização Judiciária de 1949. Disponível em www.jusbrasil.com. br.
Exposição do Procurador da República, Benício Gomes, na ação movida por Durval Assis Magalhães.
Cx: 152/04/01.
391
148
Art. 108. As causas propostas pela União ou contra ella serão aforadas
em um dos juizes da Capital do Estado em que fôr domiciliado o réo
ou o autor. Paragrapho unico. As causas propostas perante outros
juizes, desde que a União nellas intervenha como assistente ou
oppoente, passarão a ser da competencia de um dos juizes da Capital,
perante elle continuando o seu processo.
Art. 109. Das sentenças proferidas pelos juizes de primeira instancia
nas causas em que a União for interessada como autora ou ré,
assistente ou oppoente, haverá recurso directamente para o Supremo
Tribunal Federal.
Art. 201. As causas em que a União, fôr autora serão aforadas na
capital do Estado ou Território em que tiver domicílio a outra parte.
As intentadas contra a União poderão ser aforadas na capital do
Estado ou Território em que fôr domiciliado o autor; na capital do
Estado em que se verificou o ato ou fato originador da demanda ou
esteja situada a coisa; ou ainda no Distrito Federal. § 1º As causas
propostas perante outros juízes, se a União, nelas intervier como
assistente ou opoente, passarão a ser da competência de um dos juízos
da capital.
§ 2º A lei poderá permitir que a ação seja proposta noutro fôro,
cometendo ao Ministério Público estadual a representação judicial da
União.
Art. 143. Nas causas propostas pela União ou contra ela, o foro
competente será o da capital do Estado em que for domiciliado o réu
ou o autor.
A tradição foi um dos argumentos intentados por Benício Gomes para evitar o
pagamento da indenização ao maquinista. Ele chamou atenção para a questão do
costume da Vara dos Feitos da Fazenda Nacional ser a responsável e competente para
julgar os casos de interesse da União. Estas justificativas serviram tão somente para
impedir que as causas fossem ganhas pelos trabalhadores, evitando-se assim os
prejuízos ao Estado. Benício alegou que de modo costumeiro as ações foram julgados
por essa instância não se adequando às mudanças previstas a partir da ambigüidade das
leis o que não interessava ao Estado ter despesas com indenizações. A argumentação do
Procurador segue abaixo:
Qual, pois, desses dois dispositivos da mesma lei 175 cujo choque é
evidente, o que prevalecerá: o que, preceitua, na conformidade da
tradição jurídica, ser o juízo da Vara da Fazenda Nacional, (que é o da
Fazenda Pública Federal), o privativamente competente para processar
as causas em que a União seja interessada, inclusive, já que se vê as de
acidente de trabalho? Ou o que contrariando aquela tradição, diz caber
ao Juiz da Vara de Acidentes a competência para processar e julgar as
causas de acidente de trabalho, mesmo as que interessada a Fazenda
Pública.392
392
APEB. Salvador. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis
Magalhães. Cx: 152/04/01.
149
Até o valor determinado para pagar o ferroviário acidentado foi questionado por
Gomes afirmando que não caberia a indenização de CR$ 15. 624, 00 cruzeiros
tomando-se como base 24, 00 cruzeiros ao dia, máximo legal permitido pelo decreto de
1944
393
. Com base neste salário Benício Gomes encontrou um valor de CR$ 13. 593,
60 tendo como limite de CR$ 24,00 para cálculo de indenização de acordo com o
estabelecido pelo art.44 da lei 7.036. Contudo, o representante da Curadoria da Vara de
Acidentes de Trabalho informou que de acordo com a regulamentação de 1948 o valor
máximo para cálculo de indenização teria aumentado para CR$ 40, 00 cruzeiros.394
Como supor que o Procurador ciente de toda a legislação de que lançou mão para
justificar que o julgamento fosse realizado pela Vara dos Feitos da Fazenda Nacional,
desconhecia as alterações na lei especial que regulou os acidentes de trabalho?
No caso de Durval Assis chama à atenção a verdadeira disputa judicial para julgar
sobre quem era “competente”
395
para julgar a ação movida por este operário.
Basicamente, o conflito de jurisdição envolveu a Vara de Acidentes de Trabalho e a
Vara dos Feitos da Fazenda Nacional e visou invalidar a decisão do primeiro tribunal
com base em diversos argumentos fundamentados nas próprias leis. A decisão do juiz
do Cartório de Acidentes de Trabalho foi invalidada pelo Tribunal Federal de Recursos
onde os magistrados consultados compreenderam que o maquinista era um funcionário
permanente e imprescindível na Viação, portanto, funcionário público que não poderia
pleitear indenização com base no decreto 7.036, pois que recebia assistência estatal.
Este foi representativo de vários outros como, por exemplo, o de Crispim Santos,
foguista, uma vez que a sua esposa também não conseguiu a indenização por conta do
seu marido ser considerado já assistido. Mas de acordo com o depoimento das vítimas e
das testemunhas esta assistência foi questionável e o número de processos movidos no
período comprova isto.
Este conflito foi citado diversas vezes nos processos do período que foram
analisados neste estudo sendo recorrente o fato do desenrolar impedir ou atrasar o
pagamento das pensões aos trabalhadores, em caso de ganho de causa por eles, o que
393
Art. 44 do decreto - lei 7.036 de 1944. “Nenhum salário poderá exceder de quarenta cruzeiros
(Cr$24,00) por dia para o efeito do cálculo das indenizações.” Disponível em www.camara.gov.br.
394
Art. 44 do decreto Lei nº 599-A, de 26 de Dezembro de 1948. “Nenhum salário poderá exceder de
quarenta cruzeiros (Cr$40,00) por dia para o efeito do cálculo das indenizações.” Disponível em
www.camara.gov.br. Acessado em: 2
395
Esta competência segundo a leitura do processo refere-se a utilização da maneira correta da legislação
que regula os acidentes de trabalho, pois uma série de decretos vinham ratificar algum já existente e
dando margem a que houvesse mais de uma possibilidade de julgamento.
150
nem sempre ocorria tal como foi o caso de Durval Assis que ficou sem a indenização
devido ao argumento que enquadrava este maquinista como trabalhador da União.
O processo de Durval Assis Magalhães apontou os sujeitos que compunham o
teatro judicial quando ocorriam os acidentes de trabalho. Para tomar parte na audiência
foram intimados o “(...) o diretor da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, do autor,
residente em Periperi, ao Dr. Procurador da República e do Dr. Adjunto de Promotor.
(...)”
396
. Diretor da Viação, curador, promotor, Procurador da República, vítimas,
testemunhas, todos esses sujeitos atuaram dentro dos processos visando atender os seus
interesses, mas vale salientar que a postura variava bastante a depender das situações
específicas de acidentes de trabalho.
Não havia padronização apesar de a lei ser única, cada processo foi julgado de
modo distinto por conta da ambigüidade normativa, o que gerou inúmeros conflitos em
virtude das diferenças nos casos. Por vezes ações movimentadas após 1948 quando
houve retificação da lei de acidentes, tiveram cálculo das indenizações baseado no
decreto de 1944.
A possibilidade dos casos citados serem julgados tanto por um Tribunal como pelo
outro descreve com ênfase a análise do processo de Durval e outros tantos
movimentados no período. Durante o desenrolar da ação de Magalhães, o representante
da Leste, o Dr. Afonso Maciel Neto afirmou que a Viação Férrea Federal não podia
pagar a referida indenização ao operário, pois este era regido por outro Estatuto, o dos
funcionários públicos. Sendo assim, não poderia ser julgado pelo Juizado da Vara de
Acidentes do Trabalho, e sim pelo Juizado dos Feitos da Fazenda Nacional.
O segundo foi considerado o órgão competente para julgar a ação movida pelo
ferroviário, segundo o Dr. Afonso Maciel. Esta determinação esteve baseada como já
citado anteriormente na modificação presente no decreto de 7.523 de 1945 excluindo da
indenização os funcionários e extranumerários da União, mesmo que esses não fossem
amparados pelo Estado.
E o maquinista da Leste segundo Maciel se encaixava nesse perfil não podendo
pleitear receber de duas maneiras a assistência necessária em caso de acidentes já
estando o mesmo atendido de acordo com o estatuto dos funcionários públicos.
Edinaldo Souza destacou a ambigüidade da legislação e as brechas que possibilitaram
396
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Durval Assis Magalhães. Cx:
152/04/01.
151
estas dúvidas no que tange a devida competência no julgamento do processo para os
casos de conflito trabalhista. 397
No caso de Manoel Rodrigues que não conseguiu a indenização o processo foi
curto e não foi necessária uma interferência da natureza do caso de Durval Assis como
analisado anteriormente onde após a decisão judicial Benício Gomes recorreu da
decisão. Mas Manoel Rodrigues foi considerado curado e não teve incapacidade
permanente comprovada como Durval, sendo assim, a ação do primeiro logo foi
finalizada, enquanto a do segundo permaneceu desenrolando na justiça até que a Vara
de Acidentes de Trabalho procedesse a sentença favorável, ainda que posteriormente
invalidada.
O processo foi arquivado e nem Manoel Rodrigues e nem Durval Assis Magalhães
conseguiram o pagamento que desejavam, além de outros ferroviários e suas famílias
conforme pode-se observar nas tabelas. Vale salientar que nos dois casos o Juizado da
Vara de Acidentes de Trabalho julgou as questões, apesar da disputa interna na
interpretação da jurisprudência no período. Não se pode perder de vista para além deste
conflito de jurisdição as motivações para as ações movimentadas por estes trabalhadores
para que se fizessem cumprir a lei e para receberem a indenização, conforme era seu
direito.
Houve disputas na justiça em torno do caso de Durval Assis que se prolongaram
por vários anos, mas por ora vale dizer que este ferroviário, bem como os outros sujeitos
mencionados ao longo do texto, lutaram pela efetivação do seu direito, tentando obter o
pagamento da indenização.
A diferença no processo de julgamento dos casos movimentados quase no mesmo
período final da década de 1940 por operários da mesma empresa aponta variações de
acordo com a ambigüidade e possibilidades de julgamento que prorrogaram na justiça a
resolução dos casos e o pagamento da indenização. A luta pelos direitos destes
ferroviários foi travada no campo judicial e estava relacionada as dificuldades de
sobrevivência daqueles que necessitavam da renda para manter a sua subsistência e da
sua família.
No caso de Nicolau Santos que perdeu a visão enquanto desempenhava suas
funções no dia 13 de agosto de 1948 e em vista disso ficou incapacitado parcial e
397
SOUZA, Edinaldo. SOUZA, Edinaldo Antonio Oliveira. Lei e Costume experiências de trabalhadores
na justiça do trabalho 1940-1960. 2008. Dissertação (Mestrado em História). UFBA, Salvador, 2008.
152
permanentemente por ter perdido completamente a visão do olho esquerdo o mesmo
conseguiu a indenização a que pleiteava.
O Dr. Curador de Acidente Álvaro Nascimento compreendeu que a indenização
que Nicolau tinha direito equivalia a “(Cr. $ 12. 899,25), correspondente a 47, 25% de
1.200 diarias de Cr. $ 22, 75 (70% de Cr. $ 32, 50), como indenização pela incapacidade
parcial permanente”. O diretor da empresa neste momento Joaquim dos Santos Pereira
mais uma vez atestou o caráter de extranumerário do funcionário Nicolau Santos.
Somou-se a este argumento o de que desde novembro de 1948 até abril de 1949 o
mesmo ficou recebendo seus vencimentos de modo integral pelo acidente que foi
vítima. E que se não estivesse encaixado na categoria de extranumerário receberia Cr $
2.772 cruzeiros pela indenização a que fazia jus. 398 Estes foram os argumentos patronais
visando invalidar essa ação.
A resposta do curador das vítimas de acidentes de trabalho evidenciou o seu
entendimento das leis apesar do que regia o decreto de 1945 que alterava o disposto no
decreto de 1944 ao excluir do benefício da indenização os empregados da União e
extranumerários em seu art. 76 modificado posteriormente. A compreensão que possuiu
a respeito deste processo era de que
Não valem porem os textos da lei pela sua frieza, si não pela
vitalidade que dimana da sua ação (...) Não basta, portanto, a ré alegar
doce e simplesmente que a vítima era seu funcionário ou
extranumerário, dado que servia a Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro, que é um serviço a cargo da União. Não, o que lhe cabe
demonstrar, é que esse funcionário, ou extranumerário, está sujeito ao
regime estatutário, que lhe assegura aposentadoria e pensão. Não
haveria de passar pela mente dos representante da União, que, se ele
promove meios de amparar, contra riscos de acidente, os empregados
de qualquer empresa, apenas os seus ficassem desamparados.Logo, a
alternativa para a União ou a de pagar a indenização, ou assegurar a
pensão (...) também o Egrégio Supremo Tribunal Federal decidiu que
o ferroviário extranumerário goza do benefício da lei de acidentes.399
A condenação ao pagamento ocorreu em 11 de dezembro de 1951 dois anos após
o ocorrido, mas a sentença foi clara quanto ao ganho de causa por Nicolau Santos.
Quanto a interferência do Supremo Tribunal Federal este foi requisitado nestes casos em
que existiu conflito de jurisdição e decidiu pela competência da Vara de Acidente de
Trabalho para julgar estas questões, apesar de ter invalidado o processo de Durval. O
398
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Nicolau Santos. Cx: 152/
06/50.
399
Idem, ibidem.
153
Procurador da República ainda tentou recorrer da decisão, que foi julgada improcedente
nos autos do caso. Como se percebe as situações distintas produziu resultados
diferentes, pois eram interpretados e julgados por variados sujeitos.
Após, proferida a sentença onde se beneficiou o ferroviário Nicolau Santos o
Procurador da República ainda tentou recorrer a Segunda Turma com uma petição de
agravo, o que foi negado novamente por unanimidade de votos. Sendo assim, a Viação
Férrea Federal ficou obrigada a pagar a indenização pleiteada no valor CR$ 12. 899, 20
cruzeiros somados aos juros contados da data do início do processo e a todas as
despesas assumidas durante a ação, num montante final de CR$ 17. 792, 10.
No termo de quitação aparece CR$ 10.00 como valor indenizatório deduzidos de
2.899, 20 destinados à Caixa de Aposentadorias e Pensões para efeito de um aumento
no recebimento das pensões por este ferroviário. O acréscimo na pensão foi regido pelo
art. 22 do decreto de 1944.400
Neste caso em que a Segunda Turma do Superior Egrégio julgou improcedente a
ação de nulidade imposta pelo Procurador, e foi mencionada dentro do processo a
condição precária vivenciada pelos trabalhadores de turma. Este aspecto foi destacado
pelo Juiz que julgou o caso justificando que “a Ré, simplesmente aquela condição de
“extranumerário”401, com o qual vem rotulado todos os seus servidores que trabalham
na Leste Brasileira, mesmo os de condição mais humilde, como seja o trabalhador de
turma (serviço de conserva) tal como acontece na hipótese dos autos. Mas nem todos os
magistrados tiveram este entendimento no período o proporcionou as diferenças nos
casos mencionados.
A exposição do Procurador da República Benício Gomes destacou que Nicolau
não fazia parte do pessoal de obras, únicos excluídos das “vantagens” do Estatuto dos
Funcionários Públicos de acordo com o decreto de 1944 e sua reformulação de 1945.
Em outros casos o Supremo Tribunal considerou que se os operários não possuíam
nenhuma outra assistência por este Estatuto caberia a indenização nestes casos, sendo
válido o contrário caso fosse comprovado que os operários recebiam assistência.
A lei não era de todo ineficaz, pois Nicolau Santos trabalhador de turma
recebendo salário em forma de diária consegue a indenização após perder a visão e ficar
400
Art. 22 do decreto – lei 7.036 de 1944. “Uma vez que exceda a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), a
indenização que tiver direito o acidentado, nos casos de incapacidade permanente, ou seus beneficiários,
no caso de sua morte, será destinada à instituição da previdência social a que êle pertencer, para o fim de
ser concedido um acréscimo na aposentadoria ou pensão.”
401
APEB. Seção Judiciária. Autos Cíveis II. Ação de Acidente de Trabalho: Nicolau Santos. Cx: 152/
06/50.
154
permanentemente incapacitado para o serviço. Apesar das alegações de que o mesmo
era funcionário público os magistrados que compuseram o Supremo Tribunal
compreenderam que nenhum outro atendimento era prestado a Nicolau e que por isso o
mesmo teria direito a receber a indenização.
Os argumentos utilizados pela Curadoria de acidentes para que Nicolau tivesse
direito a indenização perpassaram o fato do não recebimento da pensão alegada pela
Caixa dos Ferroviários, muito menos pensão especial a ser recebida nestes casos. Como
o recebimento dos benefícios do ‘regime estatutário do funcionalismo público’ não
ficou comprovado para Nicolau Santos ficou determinado o pagamento da indenização
a que pleiteava ainda que o operário tivesse esperado anos para que a lei fosse
cumprida.
Nicolau acidentou-se em 1948, contudo somente em 1954 conseguiu a
indenização contestada. Com uma vida de privações dada a ausência de visão no lado
esquerdo, e as duras condições do período onde os salários permaneceram congelados,
mas, os preços dos alimentos na Bahia aumentaram significativamente devido também
ao chamado esforço de guerra que proporcionou que sua possibilidade de voltar a
produzir e cuidar da sua subsistência fosse bastante difícil a situação dos ferroviários
complicou-se sendo as indenizações uma forma de garantir a sobrevivência. Conforme
atestou o laudo médico Nicolau sofreu de “abolição completa da visão esquerda”,
prejudicando seu desempenho para outros ofícios na sociedade de Salvador. Prejudicado
de modo permanente as condições para sua inserção no mercado de trabalho era
provavelmente muito difícil.
A indenização só chegava após anos de tramitação na justiça prolongados pelos
conflitos gerados para saber quem era competente para julgar as causas de acidente de
trabalho. Deste modo, o acidente que provocou inúmeras interrupções no trabalho
proporcionou o agravamento das dificuldades de sobrevivência dos trabalhadores, pois
os mesmos tiveram que aguardar muito tempo pelos trâmites judiciais e pelo pagamento
da indenização que nem sempre conseguiram. A incerteza do resultado dos processos
judiciais criou um clima de instabilidade refletindo no campo judicial as tensões entre
patrões e empregados no mundo de trabalho.
As mudanças nas leis de acidente de trabalho representaram avanços em relação
ao período anterior, mas as estratégias utilizadas pelos patrões para impedir que os
ferroviários conseguissem a indenização baseavam-se nas próprias leis. A ambiguidade
da legislação e a interpretação que fizeram os sujeitos interessados em atender os seus
155
interesses mostraram as lutas no campo judicial para que as leis tivessem uma
aplicabilidade real nos casos concretos que visou atender.
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período compreendido nesse estudo foi marcado por conjunturas diversas e
analisado por historiadores (as) distintos, estando muito longe de produzir um consenso.
O debate e a amplitude de informações desveladas a partir das investigações recentes
que tiveram como enfoque as realidades locais trouxeram aspectos da classe
trabalhadora que não eram anteriormente contemplados pela historiografia.
Nesse sentido, essa pesquisa pretende dar contribuições para as discussões acerca
dos trabalhadores baianos, os ferroviários, no período entre os anos de 1932-1952
tomando como ponto de partida suas experiências enquanto trabalhadores. Os
ferroviários vivenciaram condições deploráveis de trabalho durante o período analisado,
pois, a mudança da gestão patronal ocorrida após a greve de 1935 não trouxe melhorias
significativas, apesar da expectativa criada.
Esta situação foi justificada pelo diretor da empresa Lauro Farani Pedreira de
Freitas por conta de uma ausência de recursos para investir na melhoria do tráfego e
para renovação das máquinas e equipamentos após a entrada do Brasil na 2º Guerra
Mundial. Mas em depoimentos de ferroviários nos jornais da época as queixas foram
freqüentes, alegando que a deficiência da empresa já era algo sentido mesmo antes da
deflagração da guerra.
Nesses relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro Lauro de Freitas tratou
de isentar o Estado da responsabilidade por essa carência nos serviços de transporte ao
culpabilizar a empresa francesa pela situação. É válido ressaltar, no entanto, que o
mesmo também era diretor da Companhia no período da administração francesa. Essa
postura vacilante de Lauro de Freitas parece indicar que ele soube atuar visando
beneficiar-se após essa mudança no jogo de forças de então.
A análise das fontes apontou que a passagem das estradas de ferro para as mãos do
governo brasileiro não representou garantias de mudanças efetivas nas condições de
vida destes trabalhadores, que continuaram a publicar suas queixas nos jornais da época,
entre eles, O Momento. As denúncias giravam em torno de melhorias nas condições de
trabalho, alimentação, saúde, moradia, na perspectiva de valer direitos já garantidos,
porém desrespeitados durante o Estado Novo deflagrado por Getúlio Vargas como, por
exemplo, o pagamento das horas extras, bem como a garantia de assistência médica que
157
muitas vezes foi dificultada pela baixa quantidade de médicos e de materiais disponíveis
para a prestação de socorros.
Para efeito de exame comparativo foram analisados processos localizados não
apenas no período a que se refere este estudo, mas a existência de autos cíveis antes de
1932. Estas comparações foram feitas no sentido de perceber quais as modificações nas
leis e decretos relacionados aos acidentes de trabalho, ao lado da análise da ação da
experiência dos sujeitos envolvidos nos casos em toda a sua multiplicidade de aspectos.
Este recuo no tempo permitiu conhecer os detalhes modificados nos artigos desde a
primeira lei 3. 724 de 15 de janeiro de 1919, passando pelo decreto de 1919 com suas
alterações introduzidas durante as décadas de 1930 e 1940.
Não era a ausência de leis e decretos que regessem a matéria relacionada aos
acidentes de trabalho que impossibilitava a indenização, mas a ambigüidade desses
regulamentos que prorrogaram por anos na justiça os casos de acidentes. As leis
proporcionavam todo um esclarecimento baseado na jurisprudência do período para
negar direitos existentes, anteriormente.
Desta forma, este estudo apontou para a precariedade da assistência médica e
previdenciária a estes trabalhadores acidentados, bem como a morosidade para a
resolução desses casos. Conflitos de jurisdição e mudanças nas formas de julgar os
casos de acidente marcaram o final dos anos 40 até meados da década de 1950 e este foi
um fator recorrente nos processos.
Ações judiciais foram movimentadas pelos ferroviários buscando fazer uso das
leis e decretos existentes sobre a matéria relacionada a acidentes de trabalho e garantir o
direito de indenização e da própria sobrevivência em um período considerado de crise
econômica. Na impossibilidade de fazer greves por serem funcionários públicos os
ferroviários baianos não deixaram de atuar em outras frentes recorrendo à justiça para
garantir seus direitos.
Os representantes públicos no poder, muito longe de serem aliados dos
trabalhadores, procuraram inviabilizar o pagamento das indenizações com base no
argumento de que os mesmos já eram assistidos pelo Estado. Contudo, foram inúmeras
as denúncias de trabalhadores de que essa assistência inexistia, por isso as vítimas e
suas famílias entravam na justiça para tentar receber algum auxílio por conta das
tragédias ocorridas nos trilhos e oficinas da Leste. Nem sempre os ferroviários puderam
entrar na justiça para garantir as indenizações, haja vista muitos terem perdido suas
vidas no desempenho do trabalho.
158
As leis não podem ser analisadas olhando-se apenas as intenções dos legisladores
sem perceber como as mesmas foram recepcionadas pelos trabalhadores. Esta pesquisa
abre margem para o estudo acerca das disputas em torno da criação das leis pelos
legisladores, apontando como os mesmos elaboraram os seus argumentos visando
atender os seus interesses.
Vislumbramos, assim, outras possibilidades de pesquisa a partir do trabalho com a
História Oral, reconstituindo a trajetória militante desses trabalhadores, bem como
analisando a atuação do Partido Comunista junto à organização dos ferroviários
baianos. Além disso, as fontes judiciais analisadas são muito ricas e permitem abordar
múltiplas questões relacionadas à experiência desses trabalhadores.
Além disso, também possibilita a investigação das particularidades da influência
do Centro Operário Beneficente de Alagoinhas sob a direção de Vitório Pitta, bem
como sobre a atuação da Sociedade 8 de maio durante a década de 1940.
Esta pesquisa pretende contribuir com a historiografia do Brasil e da Bahia,
enriquecendo o debate sobre o período e trazendo à luz formas de resistência e
sociabilidades do operariado baiano. A ampliação das fontes e da bibliografia
certamente trará novas contribuições ao tema.
Conclui-se que os ferroviários baianos se constituíram numa parcela ativa do
movimento operário do período de 1932-1952, buscando organizar-se pelas suas
reivindicações e direitos em torno das suas associações e movimentando ações de
acidentes de trabalho através da justiça.
159
FONTES
Arquivos e Instituições Consultados:
Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB).
Arquivo Público Municipal de Alagoinhas (APMA).
Fundação Iraci Gama (FIGAM).
Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
Fontes Impressas:
Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB):
Ações de acidentes de trabalho entre 1926 a 1952.
Requisições e solicitações de pagamento entre 1942 e 1948.
Biblioteca Central do Estado da Bahia (BPEB):
Setor de Livros Raros:
Relatórios da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro de 1935 a 1949.
Setor de Jornais Raros:
O Momento (1945 a 1949)
Diário de Notícias (1932 a 1940)
Diário da Bahia (1932 a 1940)
O Imparcial (1932 a 1940)
Correio Trabalhista (1946)
Correio de Alagoinhas (1940 a 1946)
Nossos Dias (Sem data)
O Alarma (1932)
160
Acervo do Projeto:
Outros documentos: Memórias
BARROS, Salomão A. Vultos e Feitos do Município de Alagoinhas (memórias).
Salvador, Ed. Do Autor, 1979. (Acervo do Projeto).
Leis e decretos:
Código Civil de 1916.
Constituição de 1934.
Constituição de 1937.
Constituição de 1946.
Entrevistas:
Leopoldo Cardoso de Jesus. Realizada em 23/8/2010; duração: aprox. 72 min.
Antônio Ferreira da Silva. Realizada em 23/08/2010; duração: aprox. 45 min.
Joel Lage. Realizada em 2006; duração: aprox. 100 min. Acervo do projeto "Auge e
Declínio dos Ferroviários na Bahia 1858-1964".
Fontes acessadas em meio eletrônico:
Site da Câmara Federal: www.camara.gov.br
Site do TRT5: www.trt5.jus.br
Site do TST: www.tst.jus.br
Site do TJ: www.tj.ba.gov.br
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