Cinema,
História Pública
e Educação:
Circularidade do conhecimento
histórico em Xica da Silva (1976)
e Chico Rei (1985)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Cinema, História Pública e Educação:
Circularidade do conhecimento histórico
em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985)
RODRIGO DE ALMEIDA FERREIRA
Belo Horizonte
2014
RODRIGO DE ALMEIDA FERREIRA
Cinema, História Pública e Educação:
Circularidade do conhecimento histórico
em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985)
Tese
apresentada
à
Faculdade
de
Educação da Universidade Federal de
Minas
Gerais,
Programa
de
PósGraduação em Educação, como requisito
para obtenção de título de Doutor em
Educação.
Orientadora Profª. Drª. Thais Nívia de
Lima e Fonseca
Coorientador Profº. Dr. Eduardo Victório
Morettin
Belo Horizonte
2014
F383c
T
Ferreira, Rodrigo de Almeida.
Cinema, história pública e educação: circularidade do
conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) /
Rodrigo de Almeida Ferreira. - Belo Horizonte, 2014.
398 f., enc., il..
Tese - (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Educação.
Orientador: Thais Nívia de Lima e Fonseca.
Coorientador: Eduardo Victório Morettin.
Bibliografia: f. 375-398.
1. Educação -- Teses. 2. Cinema na educação -- Teses. 3. Cinema
-- Teses. 4. História -- Teses. 5. Filmes historicos -- Teses. 6. Xica da
Silva (Filme : 1976). 7. Chico Rei (Filme : 1985).
I. Título. II. Lima e Fonseca, Thais Nívia de. III. Morettin, Eduardo
Victório. IV. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de
Educação.
CDD- 371.33523
Catalogação da Fonte: Biblioteca da FaE/UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação
Doutorado em Educação
Tese intitulada
Cinema, História Pública e Educação : circularidade do
conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985),
de autoria do doutorando Rodrigo de Almeida Ferreira , avaliada pela
banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
Profª. Drª. Thais N. de Lima e Fonseca – UFMG – Orientadora
Profº Dr. Eduardo Victório Morettin – USP - Coorientador
Profª. Drª. Ana Maria Mauad Essus – UFF – Avaliador
Profº Dr. Bernardo Jefferson de Oliveira – UFMG – Avaliador
Profº Dr. João Pinto Furtado - UFMG – Avaliador
Profº Dr. Marcos Francisco Napolitano de Eugênio – USP - Avaliador
Profª. Drª. Lana Mara de Castro Siman – UEMG - Suplente
Profª. Drª. Maria Cristina Soares de Gouvea – UFMG - Suplente
Belo Horizonte, 21 de fevereiro de 2014
Av. Antônio Carlos, 6627 – Belo Horizonte, MG – 31.270 -901 – Brasil
AGRADECIMENTOS
Para o desenvolvimento dessa tese, contei com a colaboração de
muitas pessoas. Ao recu perar parte dessa história, espero não cometer
injustiças, deixando de nomear alguém; mas adianto -me, porém, e peço
desculpas pelos possíveis esquecimentos.
Sou sinceramente agradecido à professora Thais Nívia de Lima e
Fonseca pelo trabalho de orientação. Nesses anos, Thais esteve
sempre
aberta
ao
debate,
ouvindo,
ponderando,
instigando
e
compartilhando com generosidade ímpar. Além das questões práticas
para a pesquisa, aprendi muito com sua conduta ética e profissional.
Muito obrigado pelo acolhimento, pe lo programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da UFMG.
Por se tratar de uma pesquisa que transita pelos campos da
educação,
da
história
e
do
cinema,
consideramos
pertinente
a
coorientação de um especialista em história do cinema. Foi uma honra
o aceite de coorientação do professor Eduardo Victório Morettin
(Escola de Comuniação e Artes da USP). Sou profundamente grato pela
sua atenta leitura e franca interlocução.
Agradeço ao CNPq pela concessão da bolsa de estudos, na
modalidade bolsa sanduíche, r ealizado na ECA/USP, sob supervisão do
professor Morettin.
Aos professores Ana Maria Mauad (UFF), Bernardo Jefferson de
Oliveira (UFMG), João Pinto Furtado (UFMG), Marcos Napolitano
(USP), Lana Mara de Castro Siman (UEMG) e Maria Cristina Soares de
Gouvea (UFMG), por aceitarem participar da banca examinadora desta
tese.
A experiência como orientando da professora Júnia Furtado, no
Mestrado em História da UFMG, foi essencial para a constituição do
projeto. Graças ao trabalho com ela realizado, sobre o desca minho de
diamantes no século XVIII, foi possível dimensionar a historiografia
sobre as Minas setecentistas e substanciar a reflexão sobre os filmes
Xica da Silva e Chico Rei. Ao deslocar minha ênfase para o cinema e a
educação, considerei todo aprendizado decorrente de suas orientações.
Obrigado, Júnia.
Sou muito agradecido ao cineasta W alter Lima Júnior, diretor de
Chico Rei. Mesmo atribulado com compromissos ligados ao X Festival
de Cinema de Ouro Preto – CineOP –, em junho de 2013, quando era o
homenageado do evento, encontrou espaço em sua agenda para a
realização do trabalho de Historia Oral. A entrevista, no salão do Hotel
do Rosário, trouxe informações significativas para o desenvolvimento
da pesquisa.
Também agradeço ao cineasta Cacá Diegues, diret or de Xica da
Silva. Embora não tenha sido possível realizar uma entrevista de
história oral, foi solícito e gentil em uma conversa informal, quando
participou de um evento na Academia Mineira de Letras, em Belo
Horizonte. Agradeço ao crítico de cinema Mig uel Serpa Pereira pelo
empenho e prestatividade em ajudar a promover o contato com os
referidos cineastas.
Desenvolver a pesquisa junto ao qualificado grupo de docentes e
discentes
da
pós-graduação
da
FaE/UFMG
foi
uma
excelente
oportunidade. Os debates e seminários promovidos pela linha de
pesquisa
foram
muito
construtivos.
Em
especial,
professores Cynthia Veiga e Luciano Faria Filho,
observações críticas. Sobretudo,
agradeço
aos
pelas valiosas
agradeço ao professor Bernardo
Jefferson de Oliveira, que aco mpanhou o trabalho em momentos
distintos, tendo sido parecerista do projeto; participado do exame de
qualificação e, por fim, como membro da banca de defesa da tese.
No Centro de Pesquisa em História da Educação (GEPHE FaE/UFMG), tive contato com a variada produção de seus integrantes,
a quem agradeço pelas trocas estabelecidas. Pela cumplicidade, aos
colegas: Cássia Lima, Eduardo Maia, Flávia Gontijo, Juliana Goretti
Viega, Leonardo Palhares. Lucas Pereira, Maria Clara Ruiz, Solyane
Lima. E também aos cole gas de orientação, especialmente Aline
Choucair Vaz, Ana Cristina Lage, Henrique Fonseca, Hércules Santos,
Ismael Neiva, Sílvia Vartuli.
Durante o doutoramento, tive a oportunidade de integrar a equipe
radiofônica do projeto Pensar a Educação, Pensar o B rasil, veiculado
pela Rádio Educativa UFMG, 104,5 FM. Preparar um programa de rádio
sobre Educação e Cinema , veiculado mensalmente, foi uma grande
experiência. Além de aprofundar questões sobre o potencial educativo
não-escolar do filme, tomei contato com essa estimulante linguagem
que é o rádio. Agradeço a todos os que integraram a equipe em
2011/12, pela receptividade e aprendizado que me proporcionaram. O
abraço que registro ao professor Tarcísio Vago, coordenador que
contagia a todos, é extensivo aos co legas que levam o programa ao ar
nas noites de segundas -feiras.
Ressalto a importância dos colegas do corpo docente dos cursos
de Pedagogia e História, do Centro Universitário UNA, pela convivência
e aprendizado constante . E, claro, aos alunos com os qu ais tenho
estabelecido,
desde
2007,
diálogos
quanto
à
relação
cinema
e
educação, em especial, às orientandas de graduação Maria Aparecida
Silva, Fátima Eloísa Giarola e Tatianne Souza que trabalharam a
temática.
Na coordenação do projeto de Pesquisa e Extensão Lu z, Câmera
e História, no Centro Universitário UNA, foi possível desenvolver
reflexões
sobre
cinema,
história
e
educação
junto
aos
alunos
voluntários dos cursos de Pedagogia e História. Agradeço com carinho
a todos os que passaram pelo projeto, d esde 2009, e ao público que
pôde participar das sessões comentadas. Muito obrigado a Natália
Alves, coordenadora da Extensão da UNA, sempre atenta às demandas
do Luz, Câmera e História e à equipe da Casa UNA de Cultura, por
viabilizar nossos encontros aos sábados, especialmente ao Hebert
Moreira e Izabela Consenza.
Nesses anos, tomei contato com a discussão relativa à História
Pública, que se tornou central na proposição da tese. Passei, então, a
integrar o grupo que constituiu a Rede Brasileira de História Pública e
que tem levado o debate adiante. Dentre os muitos nomes desse grupo,
agradeço, especialmente a: Ricardo Santiago, Juniele de Almeida,
Marta Rovai, José Newton Meneses, Ana Mauad, Anita Luchesi. Ainda,
nos ares da história pública, agradeço as pr ofessoras Adriane Vidal
Costa e Miriam Hermeto, pelas oportunidades de diálogos junto aos
seus trabalhos desenvolvidos na FAFICH/UFMG.
Aos funcionários
trabalham
no
da
Programa
FaE/UFMG,
de
sobretudo
Pós -Gradução
em
às
pessoas que
Educação,
sempre
atenciosos: Daniele Cristina Carneiro de Souza, Ernane Oliveira, Gilson
Mathias, Rosemary Madeira. Aos funcionários das bibliotecas das:
Faculdade
de
(EBA/UFMG)
Educação
e
(FaE/UFMG),
Faculdade
de
Escola
Filosofia
e
de
Belas
Ciências
Artes
Humanas
(FAFICH/UFMG).
Em Belo Horizonte, a pesquisa documental se concentrou na
Hemeroteca Histórica Pública Estadual. Agradeço, especialmente, a
Laizeline Aragão e Pollyanna Souza pelo auxílio nessa etapa do
trabalho.
Meu obrigado também a Discoteca Pública, na pessoa de Ed u
Pampani, pela atenção às solicitações e seu trabalho para preservar e
divulgar a história da música brasileira registrada em vinis.
São Paulo foi um importante espaço para o desenvolvimento da
pesquisa. Meu primeiro contato com Eduardo Morettin ocorreu em
2010, quando fui acolhido na disciplina Cinema, Memória e História,
como aluno-ouvinte, na Pós-Graduação da ECA-USP, ministrada em
parceria com o professor Ismail Xavier, a quem também agradeço a
generosidade.
Na ECA/USP, pude integrar o g rupo de pesquisa História e
Audiovisual: circularidades e formas de comunicação , cujos seminários
promovidos foram de grande valia para as reflexões acerca da relação
cinema
e
história.
Em
especial,
agradeço
ao
professor
Marcos
Napolitano, pela interlocução no grupo e pertinentes sugestões dadas
ao trabalho no exame de qualificação e, por fim, por participar como
membro da banca de defesa de tese.
Nas estadias em São Paulo, agradeço à equipe da Cinemateca
Brasileira por suavizar o árduo trabalho de pesquisa ao seu acerv o,
sobretudo, ao apoio de Daniel Shinzato e Alexandre Miyazato pela
atenção em orientar, localizar e fotocopiar vasta documentação. Um
obrigado especial a Gabriela Queiroz, que viabilizou o acesso parcial
ao acervo da Embrafilme, cuja consulta estava restr ita por se encontrar
em processamento técnico.
Agradeço a atenção de Maria José Fagundes, bibliotecária da
Faculdade de Educação da USP, responsável pelo acervo do LIVRES/
Biblioteca do Livro Didático. A exaustiva pesquisa nesse acervo teve
um contratempo decorrente da mudança de prédio e substituição do
instrumento de pesquisa. Sem sua pronta intervenção, a terceira e
última parte da pesquisa referente aos livros didáticos teria ficado
comprometida.
Lembro-me com carinho de professores que marcaram minha
formação. Na PUC -Minas, onde me graduei em História: Carla Ferreti
Santiago, Virgínia Trindade Valadares, Eliana Fonseca Stefani, Liana
Reis, Lucília de Almeida Neves, Rui Edmar Ribas. No Mestrado em
História na UFMG, Carla Anastasia, Eduardo França Paiva, Douglas
Cole Libby.
Aos
grandes
amigos,
sempre
presentes
e
atentos:
Adriano
Guerra, Larissa Agostini, Luiz Otávio Côrrea, Pablo Camargo, Cristiano
Heráclito, Juliana Zocrato, Márcio Amaral, Karine Silvestre. A Frederico
Assis Cardoso, amigo generoso com q uem compartilhei diálogos sobre
trabalho, educação e utopias. E as inesquecíveis turmas do Bosque,
Geraldinho e Rock Bar.
A mãezinha, Luzinete, responsável pela formação, cuidados e
apoio. Aos avós Jacy e Isa, pela juventude aos noventa anos. Abraços
ao pai e ao irmão. Agradeço o acolhimento do meu sogrão Dorival, do
cunhado Juliender e sua esposa Karine. Ao cão Chicão, o quatro patas
peludas sempre disposto a brincar.
Ressalto a gratidão que tenho por Juniele, pelo companheirismo,
incentivo, atenção, compr eensão, sugestões, leitura, enfim... Minha
amada, cobri-la de beijinhos é pouco. Muito obrigado, Juju.
À minha mãe,
que na infância me mostrou a magia
das palavras e das imagens
RESUMO
A tese Cinema, história pública e educa ção: circularidade do
conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985)
propõe compreender o filme de gênero histórico no que tange a
mediação, divulgação e produção do conhecimento histórico, tanto em
espaço escolar, quanto não -escolar. Problematiza-se esse gênero
fílmico para o saber histórico a partir da análise dos imaginários sociais
presentes nos filmes, construídas na interface entre a historiografia e
outros campos narrativos como a literatura, a música e o carnaval. A
discussão assinala as dimensões da história pública, considerada como
produção e divulgação do conhecimento histórico em diálogo com
outras áreas, não necessariamente acadêmicas.
Tais reflexões são desenvolvidas a partir da análise dos filmes
Xica da Silva (dir. Cacá Diegues, 1976) e Chico Rei (dir. W alter Lima
Júnior, 1985). No imaginário social, a trajetória desses ex -escravos é
emblemática na história mineira, tendo sido representada em variados
suportes narrativos. Os personagens das películas são motes para a
narrativa fílmica abordar aspectos sócio -históricos do período da
América Portuguesa, sobretudo, de Minas Gerais no século XVIII. O
filme de gênero histórico permite, ainda, observar o contexto temporal
de sua produção e veiculação. No caso, ambos os filmes fora m
realizados durante a ditadura civil -militar brasileira, abordando o
período por meio de alegorias, metáforas, sugestões e/ou chistes.
A pesquisa está inscrita em um cenário transdisciplinar: áreas da
educação, da história e do cinema. A análise fílmica, sob o prisma da
relação entre a produção acadêmica e a educação para além do espaço
escolar, foi estruturada nos seguintes pontos: 1º) a construção das
narrativas
cinematográficas
em
diálogo
com
as
formas
de
representações históricas como expressão de his tória pública; 2º) o
papel do filme de gênero histórico e suas características narrativas
diante de políticas de Estado para educação e cultura, enfatizando a
relação entre os projetos dos referidos filmes e a Embrafilme; 3º) a
análise de Xica da Silva (1976) e de Chico Rei (1985) destacando a
apropriação, circularidade e ressignificação de imaginários sociais
sobre a história do Brasil que perscrutam a temporalidade passado presente, e; 4º) a repercussão educativa dos filmes via cobertura da
imprensa e sua inserção nos espaços escolares, por meio de livros
didáticos e capacitação docente. Considerando -se, a partir desses
pontos, a problematização de filmes de gênero histórico e educação,
evidenciam-se possibilidades metodológicas da história pública.
Palavras-chaves: Cinema; História Pública; Educação; Xica da Silva;
Chico Rei.
ABSTR ACT
The dissertation Cinema , public history and education : circularity
of historical knowledge in Xica da Silva (1976) and Chico Rei (1985)
investigates the historical mov ie genre from the viewpoint of mediation,
divulgation and production of historical knowledge in both school and
non-school spaces . This analysis of historical movies was based on the
social imaginaries in the movies built at the interface between
historiog raphy and other narrative fields such as literature, music and
carnival. It points to the dimensions of public history as a means of
production and divulgation of historical knowledge in dialogue with
other not necessarily academic areas.
These reflections were based on the analysis of the movies Xica
da Silva (directed by Cacá Diegues, 1976) and Chico Rei (directed by
W alter Lima Júnior, 1985). In the social imaginary, the paths of the
former slaves, the main characters, are emblematic in the history of
Minas Gerais and have been presented in various narrative supports.
These characters afford an opportunity for the movies to deal with
social historical aspects of the Portuguese America Period, mainly in
Minas Gerais during the 18th century. Historical movi es also allow
observing the temporal context of their production and divulgation. Both
of these movies were made during the Brazilian civil -military
dictatorship and dealt with this period through allegories, metaphors,
suggestions and/or jokes.
This stud y is transdisciplinary in nature, delving into the areas of
education, history and cinema. The analysis of the relationship between
academic production and education beyond the school space through
the movies was structured as follows: 1) the construction of the movie
narratives in a dialogue with the forms of historical representation as a
means of expression of public history, 2) the role of historical movies
and their narrative characteristics in relation to the State educational
and cultural policies wi th emphasis on the relationship between these
movie projects and Embrafilme, the Brazilian State movies agency, 3)
the analysis of Xica da Silva (1976) and Chico Rei (1976) with
emphasis on the appropriation, circularity and resignification of social
imaginaries of Brazilian history that run through the past -present
timeline, and 4) the educational impact of these movies as covered b y
the press and their introduction to school spaces through didactic books
and teacher training. This approach of historical m ovies and education
reveals methodological possibilities within public history.
Keywords: Cinema, Movies, Public History, Education, Xica da Silva,
Chico Rei
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1.
Figuras
Figura 1 – Navio de Chica da Silva (Yara Tupinambá, 1966 )..............78
Figura 2 – Carro alegórico do Salgueiro, carnaval 1963. ....................84
Figura 3 – Inovadora coreografia da comissão de frente do Salgueiro,
carnaval 1963.......................................................... .................... ..84
Figura 4 – Capa e Contracapa do disco Trilha Sonora Chico
Rei.............................................................................. ..................95
Figura 5 – Mina do Chico Rei/Encadideira , entrada....................... ..103
Figura 6 – Folder Mina do Chico Rei........................................ ......104
Figura 7 – A soberba (Marcial Ávila, 2000)............................. ........109
Figura 8 – Um jantar brasileiro (J.B.Debret, 1827)................... ........120
Figura 9 – Negros no porão do navio (J.M.Rugendas, c.1825) ..........122
Figura 10 – Anúncio de estreia d e Xica da Silva em Minas Gerais ....272
Figura 11 – Ordem de retorno à Corte dada a João Fernandes de
Oliveira, emitida pelo reino em 1769................................. .............293
Figura 12 - Capa e interior de livro que reproduz frame do filme Xica da
Silva............................................................................................310
Figura 13a – Chica da Silva: entre a ficção e a história......... ..........314
Figura 13b – Chica da Silva: entre a ficção e a história...................314
Figura 14: Manual do professor: Chico Rei como tema para
reflexão.......................................................................................316
Figura 15: Sugestões de filmes como seção didática.......................321
2.
Frames
Frame 1 – Plano da inauguração do navio de Chica da Silva
(Xica da Silva )................................................................... ...........79
Frame 2 – Plano do jantar de recepção ao governador
(Xica da Silva)............................................................................. 120
Frame 3 – Escravas no porão do Navio Negreiro
(Chico Rei)............................................................ ......................122
Frame 4 – Cartela de abertura, plano de Xica da Silva
(Xica da Silva ).............................................................................135
Frame 5 – Abertura de Chico Rei, cartela explicativa sobre o tráfico de
escravos (Chico Rei)....................................................................137
Frame 6 – Plano de Chico Rei, fontes de inspiração para roteiro
(Chico Rei)............................................................ ......................13 8
Frame 7 – Fontes bibliográficas de consulta, cartela final
(Chico Rei)............................................................ ......................140
Frame 8 – Plano do pátio de africanos recém -escravizados
(Chico Rei)....................... ...........................................................199
Frame 9 – Plano em que africana resiste ao embranquecimento
(Chico Rei).................................................................................. 200
Frame 10 – Primeiro plano de Chica da S ilva com o rosto maquiado de
branco durante jantar com o governador (Xica da Silva)..................201
Frame 11 – Plano de quilombolas fortificando e vigiando quilombo
(Chico Rei)........................................................................... .......205
Frame 12 – Plano geral do quilombo de Teodoro ( Xica da Silva)......208
Frame 13 – Plano de Chica da Silva nas ruas do Tejuco com sua carta
de alforria (Xica da Silva).............................................................. 214
Frame 14 - Chica da Silva é proibida de entra r na igreja
(Xica da Silva )..................................................... .........................215
Frame 15 – Plano da Santa Efigênia a indicar o ouro na galeria
descoberta por Chico Rei (Chico Rei)................................. ............218
Frame 16 – Primeiro plano de Chico Rei que grita por liberdade após
achar ouro na mina (Chico Rei).....................................................2 19
Frame 17 – Plano de Chico Rei recebendo a carta de alforri a
(Chico Rei)..................................................................................220
Frame 18 – Plano de Chico Rei preso, conduzido por militares
(Chico Rei)................................................................................. .221
Frame 19 – Plano de Chico Rei como rei da congada , ladeado pela
rainha e o chefe da irmandade do Rosário (Chico Rei)....................223
Frame 20 – Plano do enforcamento de Filipe dos Santos
(Chico Rei)..................................................................................227
Frame 21 – Plano de José Rolim discursando par a Chica da Silva
contra as autoridades coloniais (Xica da Silva)............................... 231
Frame 22 – Plano do camarote do teatro onde o governador transmite
ordens ao capitão Vasconcelos (Chico Rei).................................... 233
Frame 23 – Plano do alferes Felipe recebendo impostos na Intendência
do Ouro (Chico Rei)......................................................................236
Frame 24 – Plano em que intendente conversa com o contratador sobre
denúncias contra sua administração (Xica da Silva)........................239
Frame 25 – Plano em que Teodoro é torturado pelo governador e seu
assistente militar ( Xica da Silva)....................................................243
Frame 26 – Chico Rei é torturado na sede do governo
(Chico Rei)..................................................................................245
Frame 27 – Plano da confusão contra a prisão de Chico Rei, observad a
pelo governador (Chico Rei)..........................................................246
Frame 28 – Plano da conversa na prisão entre Seixas, o governador e o
capitão Vasconcelos (Chico Rei)....................................................248
Frame 29 – Plano do sargento -mor de ceroulas jurando fidelidade ao
rei (Xica da Silva ).........................................................................251
Frame 30 – Plano geral da fazenda do major Seixas
(Chico Rei)..................................................................................253
Frame 31 – Plano do comboio de escravos s endo vendido nas ruas de
Vila Rica (Chico Rei)....................................................................255
Frame 32 – Plano do padre, na igreja, lavando a cabeça dos negros
para recolher o ouro extraviado (Chico Rei)............................ ........258
Frame 33 – Plano do serviço de extração diamantina
(Xica da Silva )..............................................................................260
Frame 34 – Plano geral do serviço de extração diamantina
(Xica da Silva ).................... ..........................................................261
3.
Gráficos
Gráfico 1 – Categorias temáticas dos projetos apresentados ............158
Gráfico 2 – Temporalidades nos projetos apresentados .................. 160
Gráfico 3 - Temporalidades para filmes históricos ........................... 161
Gráfico 4 – Categoria temáticas para filmes históricos .....................162
Gráfico 5 – Filmes com temáticas históricas em processo de pesquisa:
temporalidades ..................................... ........................................165
Gráfico 6 – Projetos fílmicos com temáticas históricas inscritos e
aprovados.............................................................................. ......166
TABELAS
Tabela 1 - Referências a Chica da S ilva e Chico Rei nos livros didáticos
(1978-2006).................................................................................308
Tabela 2 - Categorias temáticas referentes a Chica da Silva nos livros
didáticos (1978-2006).............................. .................................... .311
Tabela 3 - Categorias temáticas referentes a Chic o Rei nos livros
didáticos (1978-2006).................................................................. .317
SIGLAS
Agência Nacional de Cinema – ANCI NE
Centro Popular de Cultura – CPC
Comissão Nacional do Livr o Didát ico – CNLD
Conselho Federal de Cultur a – CFC
Departamento de Análises de Projetos da Embraf ilme – DAPRO
Departamento de Or dem Política e Social – DOPS
Divisão de Censura e Diversões Públicas da Polí tica Federal – DCDP/PF
Doutr ina de Segurança Nacional – DSN
Empresa Br asileira de Filmes S/ A – EMBRAFILME
Faculdade de Educação/ Universidade Federal de Minas Ger ais – FaE/ UFMG
Faculdade de Educação/Universidade de São Paulo – FE/USP
Fundação de Desenvolvi mento da Educação de São Paulo – FDE/SP
Instituto de Patrimônio Histór ico e Artístico Nacional – IPHAN
Instituto Nacional de Cinema – INC
Instituto Nacional de Cinema Educat ivo – INCE
La Union Cinematográf ica Educativa – LUCE
Leis de Diretr izes e Bases do Ensino – LDBEN
Livros Escolares – Biblioteca do Livro Didático – LIVRES – FE/USP
Museu da Imagem e do Som/SP – MI S/SP
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s
Ser viço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN
União Nacional dos Estudantes – UNE
Universidade do Est ado de São Paulo – USP
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Universidade Federal Fluminense – UFF
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................ 20
1. A CONSTRUÇÃO DA TEMÁTIC A HISTÓRICA:
REPRESENTAÇÕES DE XICA DA S ILV A E CHICO REI........ ........56
1.1. Chica da Silva e Chico Rei:
múltiplas representações narrativa s............................... .60
1.1.1.
No campo literário.................. ................................... 61
1.1.2.
No campo carnavalesco......................... ....................80
1.1.3.
No campo musica l..................................................... .88
1.1.4.
No campo turístico.......................... ...........................99
1.1.5.
O campo historiográfico
e a iconog rafia sobre o escravismo. ..........................110
2. CINEMA E CONHECIMENTO HISTÓRICO........................ ..........125
2.1.
História do cinema:
a narrativa fílmica se apropria da História................... ..125
2.2.
Cinema e educação no Brasil: do Ince à Em brafilme......147
2.3.
Os projetos fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei..........171
2.3.1.
Xica da Silva ........................................... ..............173
2.3.2.
Chico Rei ........................................ ......................183
3. XICA DA SILVA E CHICO REI: ANÁLISE FÍLMICA. ....................195
3.1.
Imaginários de liberdade e resistência ...........................195
3.1.1.
Quilombo: da resistência clássica à integração..... .....203
3.1.2.
Alforria: a liberdade dentro das regras ..................... 212
3.2.
Ponte temporal: da ditadura à colônia........ ....................224
3.2.1.
Liberdade, ainda que tardia .................... .................. 226
3.2.2.
Administração política: jeitinho luso-brasileiro...........234
3.2.3.
Militares, sem continência........... ................... ..........242
3.3.
Lições cinematográficas de história ...............................252
4. REVERBERAÇÕES DE XICA DA SILVA
E CHICO REI: HISTÓRI A PÚBLICA...........................................2 65
4.1.
Repercussão: debates pela imprensa......................... ....266
4.1.1.
4.2.
Das patrulhas ideológicas à ampla audiência .............287
Apropriação filmográfica para fins educativos ............. ..301
4.2.1.
Xica da Silva e Chico Rei na escola:
livros didáticos e capacitação docente. ................. ....303
4.2.2.
Problematizando com Xica da Silva e Chico Rei.........325
CONSIDERAÇÕES FINAIS................... .....................................338
FONTES .................................................................................347
Filmográficas............................................ .....................347
Ficha técnica dos filmes ...............................................347
Roteiro........................................................................348
Músicas......................................................... ................349
Fundo Embrafilme (Acervo Cinemateca Brasileira).........350
Legislação......................................................... ............351
Livros didáticos ......................................................... ....356
Periódicos........................................................ .............360
Chico Rei....................................................................360
Xica da Silva...............................................................363
Sites......................... ................................ .....................371
FILMES CITADOS.......................................................... ..........373
REFERÊNCI AS.................................................................. ......375
20
INTRODUÇÃO
O trabalho Cinema, História Pública e Educação: circularidade do
conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985)
almeja compreender o filme de gênero histórico 1 no que tange à
mediação, divulgação e produção do conhecimento histórico, tanto na
educação em espaço escolar, quanto não-escolar 2. Problematiza -se
esse gênero fílmico e sua perspectiva educativa a partir da análise dos
imaginários sociais 3 presentes nos filmes, construídas na interface
entre a historiografia e outros campos narrativos, com o a literatura, a
música e o carnaval.
Tais reflexões são desenvolvidas a partir da análise dos filmes
Xica da Silva (dir. Cacá Diegues, 1976) e Chico Rei (dir. W alter Lima
Júnior, 1985) 4. Ambos recorrem à narrativa sobre os personagens -título
para estrutu rar seus enredos, que transcorrem no contexto da América
Portuguesa, no período da exploração de ouro e pedras preciosas em
Minas Gerais, no século XVIII.
O primeiro filme enfatiza a vida da ex -escrava Chica da Silva, que
teve um longo caso amoroso com o contratador dos diamantes , João
1
O s f i lm es X ic a d a S i l v a e C hic o R e i s ão e nt e nd i dos aq u i c om o f i lm es d e g ê ner o
h is t ór ic o , c o nf or m e c o ns id er aç õ es a s e g u ir s obr e es s e g ê ner o f í lm i c o.
2
A ed uc aç ã o n ã o - e s c o lar é, a i n da , i nc i p ie nt e n a pr o duç ã o em his tór i a d a
ed uc aç ã o . Mar i a G o hn a pr es e nt a três m oda l i da d es ed uc at i v as : a f orm al , a i nf orm a l
e a nã o- f or m a l, p e l a s q ua is o c in em a é c ons i d era d o c om o e d uc aç ã o i nf orm al .
Co nt u do , bus c a - s e r e c on h ec e r n es t a p es q u is a o f i lm e d e gê n e ro h is t óric o c om o
um a pr át ic a e duc at i v a , t a nt o f orm a l, q ua n to nã o - f orm a l, p o is a pro duç ã o f í lm ic a e o
es p ec ta d or po d em es ta b el ec er d iá l o gos qu e v i a bi l i zem s ua ed uc aç ã o p ar a o
c on h ec im ent o h is tór ic o. Pa r a ed uc aç ã o n ã o - f orm al; c f .: G O HN , M ar ia da G l ór ia . A
ed uc aç ã o n ã o - f or m al e a r e laç ã o es c ol a - c o m uni da d e. I n. : Ec c os : rev is t a c i e nt íf ic a ,
S ão Pa u l o, v . 6, n. 2, p. 3 9 - 6 5, de z. 2 00 4; G O HN , M ari a d a G l ór i a . Ed uc aç ão n ã o for m a l e c u lt ur a p ol ít ic a . 3 . ed . S ão P au l o: C o rte z, 2 00 5.
3
Par a o c o nc e i to d e i m agi nár i o s oc i a l; B AC ZKO , Bro n is la w. Im ag i naç ã o S oc i a l. I n:
E nc ic l o pé d i a E i na u di . L is b o a: Im pre ns a Nac i on a l; C as a d a M oe d a; E d . P ort u gu es a,
19 8 5, v. 5: An tr op os - H om em .
4
Q ua n do o t ex t o s e r ef er ir a os f i lm es X ic a d a S ilv a e C h ic o Re i , a d ot o u - s e a gr af i a
em itá l ic o . Q u a nd o s e r ef er ir a os p ers on a ge ns C hic a d a Si l v a e C h ic o R e i, t a nt o n o
c on t ex t o f í lm ic o o u em o utr o s u p ort e n arr at i v o, m ant e v e - s e a gr af i a s em d es t a qu e .
21
Fernandes de Oliveira, um dos homens mais poderosos do Império
Português. O romance demonstra inversões na ordem social vigente na
sociedade escravocrata do arraial do Tejuco (atual Diamantina/MG),
centro da exploração diama ntina; aspecto bastante explorado no filme,
que representa uma ex-escrava a exercer poder sobre os brancos. Já
Chico Rei narra a história sustentada na tradição popular de Galanga,
rei tribal africano que foi escravizado e vendido para um proprietário
em Vila Rica (atual Ouro Preto/MG). Rebatizado como Francisco, seu
proprietário concedeu -lhe a alforria em reconhecimento ao trabalho
realizado na mina de ouro da Encardideira. Com a ajuda da irmandade
religiosa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, C hico Rei
adquiriu a Mina da Encardideira e, com o ouro explorado , pôde comprar
a carta de alforria de muitos escravos, estabelecendo liderança junto
aos negros.
Embora ambos os filmes procurem ressaltar uma inversão social
ao destacarem a liberdade e auton omia vivenciadas por Chica da Silva
e Chico Rei, a sociedade mineira no século XVIII se caracterizou pelo
considerável número de negros livres, muitos dos quais ex -escravos
que conseguiram sua alforria. Atribui -se essa opção narrativa como
finalidade dramá tica para o enredo, provocando o espectador e seu
conhecimento histórico referente ao escravismo corrente no senso
comum, pelo qual era inviável a mobilidade social para os negros.
As direções fílmicas de Cacá Diegues e de W alter Lima Júnior
diferem. Enquanto Chico Rei é desenvolvido em uma linguagem
dramática, Diegues optou pelas marcas da comédia para representar
Chica da Silva. Apesar da diferença de estilos, há muitas interseções
nos sentidos produzidos pelas narrativas de Xica da Silva e Chico Rei,
sendo estas estimulantes para a reflexão histórica .
Em
parte,
as
proximidades
podem
ser
reconhecidas
como
heranças da formação dos diretores em suas inserções na história do
cinema nacional. Contemporâneos, W alter Lima Júnior nasceu em
Niterói, em 1938, enqua nto o alagoano Diegues, dois anos mais novo,
mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na infância. Como ressaltam em
22
suas biografias 5, o tornar-se diretor decorreu da paixão pela sétima
arte
desenvolvida
em
cineclubes
cariocas,
onde
as
discussões
estabelecidas os incentivaram a pegar em câmeras e realizar seus
próprios filmes. Ambos foram partícipes do Cinema Novo, que se
destacou
na
cinematografia
por
procurar
desenvolver
o
cinema
brasileiro em perspectiva inovadora, como uma maneira de pensar o
Brasil a parti r da estética e da abordagem de temas sociais 6.
Mesmo que Xica da Silva e Chico Rei não se configurem
essencialmente em exemplos da estética cinemanovista, ao abordar a
história desses ex-escravos como mote para representar a sociedade
escravocrata, os di retores afirmavam que se tratava de filmes sobre a
liberdade e a resistência, e que ajudavam a compreender o Brasil. No
contexto da ditadura militar, abordaram o passado para problematizar o
presente; e o fizeram pela perspectiva do tema marginal. As artim anhas
e táticas usadas pela ex-escrava do Tejuco e pelo líder negro de Vila
Rica exaltavam a história de oprimidos, ao mesmo tempo ressaltavam a
esperança
no
próprio
povo
para
reverter
o
quadro
histórico
desfavorável de opressões e injustiças.
A proposta desta pesquisa é analisar o papel do cinema -história
como articulador de narrativas históricas 7, bem como perscrutar a
conexão
5
entre
produção
historiográfica
e
educação
para
o
Par a b i o gr af ia d e W alt er L im a J ú n ior , c f .: M AT T O S, C ar los A lb e rto . W alt er Li m a
J ún i or, v iv e r c in e m a . R io de J a n e iro : Cas a da P al a vr a, 2 0 02 . Em bor a n ão s ej a
pro pr i am ent e um a b i o gr af ia , Cac á D ie g ues a na l is a s u a f orm aç ã o prof is s io n al em
DI EG U ES , C ar los ; C A M ARG O , M ar i a S íl v i a. O que é s er d ir et or de c in e m a : C ac á
Di e gu es . R i o de J a n e ir o : R ec or d, 2 00 4. V er, a i nd a, os v er b et es : O RO Z , Sí l v i a.
Di e gu es , Cac á . In .: R A MO S, F er nã o; MI R A ND A, Lu i z F e li p e. (O r gs ). Enc ic l o pé d ia
do c i ne m a br as i l eir o . 2. ed . S ã o Pa u lo : E d. S EN A C, 20 0 4, p. 17 0 - 1 71 ; S A L E M,
He l en a . L im a J r , W alt er ; I n. : R A MO S , F e rnã o ; M IR A ND A , Lu i z Fe l ip e . (O r gs ).
E nc ic l o pé d i a do c in e m a br as i l e ir o . 2 . e d. Sã o P au l o: E d. S E N AC , 20 0 4, 3 2 7 - 32 8.
6
Par a o C i nem a N o v o; c f .: X AV I ER , Is m ai l. Al e g ori as d o s u b d es e nv o lv i m e nt o:
c i nem a n o v o, t r o p ic a lis m o, c i nem a m arg in a l. S ão P au l o: B ras il i e ns e , 1 9 93 ;
B ER N AR D ET , J e a n - C l au d e. Br as i l e m t em p o d e c i ne m a: e ns ai os s ob re o c i nem a
bras i l e ir o . 3. e d. R i o d e J an e ir o: P a z e T err a, 1 97 8 ; VI A N Y, A l ex ; A V E LL A R, J os é
Car l os . O pr oc es s o d o c i ne m a n ov o . R i o d e J a ne ir o, RJ : A er op l an o E d i tor a, 19 9 9;
RO C H A, G la u ber ; X A V IE R, Is m a il . R ev o l uç ã o do c in e m a nov o. Sã o P au l o: C os ac &
Na if y, 2 0 04 .
7
O c onc e it o d e n ar r at i v a h is t ór ic a e s ua c on s truç ã o na c on ex ão e n tre a im ag in aç ão
e a r ea l i da d e, pe ns ad o p or Pa u l R ic ou er , es ti m u lo u as r ef l ex ões a res p e it o d o f i lm e
de gê n er o h is t ór ic o/ h i s tór i a p úb l ic a/ e duc aç ão des e n vo l v i d as n es ta pes q uis a ; c f .:
RI CO U E R, P a ul . T e mp o e Na rra t iv a . S ã o P au l o: W MF Mar t i ns F o nt es , 2 01 0 ;
RI CO U E R, Pa u l. A m e mó r i a , a h is t ór i a, o es qu ec i me n to . Cam p in as : U n ic am p, 2 00 7.
23
conhecimento histórico 8. Os pontos de tangência entre os filmes –
liberdade/resistência – orientaram a escolha por Xica da Silva e Chico
Rei para serem analisados: narrativas que abordassem a sociedade
mineira setecentista a partir da história da escravidão e liberdade.
Soma-se a esse aspecto o fato d e as narrativas estarem inseridas
em terrenos distintos, já que a trajetória de Chica da Silva é tratada
como biografia histórica por estar devidamente documentada. Enquanto
Chico Rei se circunscreve ao campo da lenda, sustentado pela tradição
popular. Não obstante, ambos revelam -se presentes e significados no
imaginário social,
especialmente aquele relacionado à resistência
negra mineira.
As
informações
existentes
sobre
os
referidos
personagens
constituem outro f ator a ser destacado. Há muitas coincidências nos
registros relativos à Chic a da Silva e ao Chico Rei. Correntes na
tradição popular, a história da ex -escrava do Tejuco foi registrada
ainda no século XIX por um memorialista da região diamantina 9,
enquanto o rei negro recebeu menção em livro sobre a história de
Minas, em 1904 10. Na década de 1950, a poetisa Cecília Meireles
dedicou a Chica da Silva e ao Chico Rei alguns cantos em seu
Romanceiro da Inconfidência , poema sobre a Inconfidência Mineira,
reconhecendo -os na cultura popular mineira e, ao mesmo tempo,
alçando
suas
histórias
p ara
todo
o
território
nacional 11.
Aproximadamente uma década depois, em 1966, foi a vez do literato
8
As s um e- s e n es te tr a ba l h o a i de i a d e e du c aç ã o p ar a o c o nh ec i me n to h is tó ric o ,
te n do em vis t a a pr e o c up aç ão em pro b lem a ti za r o p ot e nc ia l ed uc at i v o d o f i lm e d e
gê n er o h is tó r ic o p ar a a lém d o es p aç o es c o lar . E n ão o c o nc e it o de e d uc aç ã o
h is t ór ic a dec or r en t e das pr o p os iç õ es d e J örn R üs e n e P et er Le e . No Bras i l , o
La b or at ór io d e P es q u is a em E d uc aç ã o His t óric a d a Un i v ers i da d e F e der a l d o
P ara n á ( LA P E DU H) , p or m ei o da pr od uç ão de M ar ia A ux i l ia d or a Sc hm idt , r ef orç a
ta l d is c us s ã o c om ênf as e às pr át ic as d oc en tes . Par a a d is c us s ão s obr e e duc aç ão
h is t ór ic a ; c f .: LE E , P et er . Em dir eç ão a u m c onc ei t o d e l i ter ac i a h is t ór ic a . I n .:
Rev is ta E duc ar : D os s i ê E d uc aç ã o H is t ór ic a, Cur i t ib a: UF PR , 2 00 6 ; L E E, P et er .
His t or y i n th e c las s r o om . In. : Ho w S t ud e nt s . W as hin gt on : T he n at i on a l ac a dem ies
pres s , 2 0 05 ; R U SE N, J or n . R a zã o his t ór ic a . Bras í l ia : U n B, 2 0 0 1; SC H MI DT , M ar ia
A ux i l i a dor a; B AR CA , I s ab e l. Apr e nd er h is t or i a : p ers p ec ti v as d a ed uc aç ã o his t ór ic a .
Ij u í: l n ij u i , 2 00 9.
9
S A NT O S , J oa q u im Fe líc i o dos . Me m ór i as do D is tr i t o Di a m an t in o da c om arc a do
S erro Fr i o. 6 . ed . B e lo Hor i zo n t e: I ta t ia i a, 19 76 .
10
V A S CO N C EL O S , D io go d e. H is tór i a A nt i g a de Mi n as G era is . B el o H or i zo nt e :
It at i a ia , 1 99 9.
11
M E IR E L E S, C ec í l i a. Ro m anc e ir o da I nc o nf i dê nc i a . R i o de J an e ir o : Le tr as e Ar tes ,
19 6 5.
24
Agripa Vasconcelos dedicar um volume para cada um deles, compondo
a coleção de seis títulos de romances históricos que integram a Saga
do País das Gerais 12. Por fim, a escola de samba carioca Acadêmicos
do Salgueiro desenvolveu seu enredo carnavalesco em cima das
histórias de Chica da Silva (1963) e de Chico Rei (1964), quando se
sagrou campeã e vice -campeã, respectivamente. Após o lançamento
dos filmes, as nar rativas continuaram a despertar interesse: houve a
telenovela Xica da Silva (1996), exibida com bastante sucesso pela
Rede Manchete 13, e Chico Rei foi tema de um episódio da série
televisiva
Cidades
Secretas:
Ouro
Preto ,
exibido
pela
rede
internacional Hist ory Channel (2009).
A produção dos referidos filmes e a política governamental
voltada para o cinema nacional também merece m destaques. Conforme
se analisará, programas governamentais associavam o cinema e a
educação. No Brasil, a maior expressão dessa pr ática foi o Instituto
Nacional do Cinema Educativo (INCE) 14, constituído meses antes da
implantação do golpe do Estado Novo. A ideia do INCE perdurou
mesmo após o golpe civil -militar de 1964, que instituiu uma nova
ditatura. O órgão foi suprimido pela refor ma administrativa, mas a
Embrafilme 15 – empresa voltada para organizar o cinema nacional –
12
V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic a q u e m an d a . B el o H or i zo n te : It at i a i a, 1 9 66 .
V A SCO NC E LO S , A gr i pa . C hic o R e i . Be l o H or i zo nt e : It at i a ia , 1 96 6 .
13
En tr e 1 9 96 - 9 7, a ex t i nt a R e de M anc h et e d e T ele v is ã o pr o du zi u a te l en o v e la X ic a
da S i lv a, di r i g i da p or W alter A va nc i n i e r ed i g id a p or W alc yr C arr a s c o. Res s a lt a - s e
qu e o v i és pr ed om in a nt e n es s a pr od uç ão e x p lor a um a re pr es e n t aç ã o d e C h ic a d a
S i l va s e ns u a l i za d a e vo l u pt u os a , in a ug ura d a pe l o f i lm e d e C ac á D i eg u es ,
c on tr ib u i nd o par a o s u c es s o p op u l ar d a no v e l a. A pro t ag o nis t a f o i i nt er pre t ad a pe l a
i nic i a nt e T ha ís Ar a új o, qu e t e ve s ua c arr e ira de atr i z p roj et a d a d e v id o a o s e u
des em pe n ho , as s im c om o oc or re u c om Ze z é Mo tt a, s u a i nt ér pre t e no c i n em a e qu e
te v e p ar t ic i paç ã o es pe c i al na n o v e la c om o m ãe de C h ic a da S il v a .
14
RO S A , C r is ti n a So u z a d a. Im a ge ns qu e e duc a m: o c i n em a ed u c at i v o n os a n os
19 3 0- 19 4 0. 20 0 2. D i s s er t aç ão ( M es t ra d o em His t ór i a) – U n i v ers id a de Fe d er al
Fl um in ens e . Ni t er ó i ; CA R V AL H A L, F ern a n da C ar o l in e d e A lm ei da . L u z, c â m er a,
ed uc aç ã o ! O I ns t it u to Nac i on a l d e Ci n em a E duc a ti v o e a f orm aç ã o d a c u lt ur a áu d i o im ag ét ic a es c o l ar . 2 00 8 . D is s ert aç ão ( M es tr a do em Ed uc aç ã o) – U n i vers i d ad e
Es t ác i o d e S á, F ac u l da d e d e E d uc aç ã o. Ri o d e J a n e iro ; MO RET T IN, E du ar d o
V ic t ór i o. H u mb er t o Ma ur o , c i n em a , h is t ór ia . S ão Pa u l o: A l am ed a, 20 1 3 .
15
S obr e a Em br af i lm e; c f .: A M ÂN CIO , T un i c o. Ar tes e ma n has da E m bra f i lm e :
c i nem a es ta ta l br as i l e i r o em s ua é p oc a de o uro ( 1 97 7 - 19 8 1). Ni t er ó i: Ed UFF , 2 0 00 ;
G AT T I, An dr é P ier o . E mbr a fi l m e e o c i n em a b ras i l ei ro . Sã o P a ul o: Ce n tro C u lt ur al
S ão Pa u l o, 2 0 07 .
25
incorporou em seu estatuto a preocupação com o aspecto educativo do
filme, ainda que não pensado mais exclusivamente no espaço escolar.
O
objetivo
maior
da
Embrafilm e
era
estimular
a
produção
brasileira e divulgá -la no exterior. Cacá Diegues e W alter Lima Júnior
estabeleceram importantes parcerias com a empresa para viabilizarem
seus filmes, ainda que em circunstâncias distintas. O diretor de Xica da
Silva
obteve
sobretudo,
apoio
na
da
Embrafilme
divulgação
e
como
distribuição
produtora,
das cópias
que
em
atuou,
território
nacional e no exterior. Certamente, a atuação da parceira ajuda a
explicar o sucesso de público e de bilheteria alcançado pelo filme.
Já Chico Rei apresenta uma complexa história de produção, que
pode ser dividida em dois momentos. O primeiro foi a política de
incentivo financeiro lançada pela Embrafilme para filmes históricos , em
1977 16. Uma associação entre produtores alemão e brasileiro propôs o
projeto para filmar a história em dois formatos: filme e série televisiva.
O segundo momento se efetivou após a aprovação do projeto, quando o
desenvolvimento da produção apresentou contratempos, levando à
ruptura entre os parceiros estrangeiros e nacionais. Uma longa disputa
foi estabelecida pelos direitos do material já filmado, levando a
Embrafilme a se associar como produtora para garantir a finalização do
filme: montagem e sonorização. Observa -se, ainda, que o momento da
distribuição e divulgação de Chico Rei, diferentemente da quela década
anterior, encontrou a empresa em dificuldades políticas e financeiras,
haja
vista
a
transição
para
a
democracia
e
a
crise
econômica
vivenciada no país em 1985, prejudicando a exibição do filme.
As políticas governament ais para filmes de gênero histórico
reiteram a importância desse tipo de filme no que concerne às
proposições
educativas.
Pensá -la
permite
vislumbrar
como
a
representação fílmica potencializa a educação para o conhecimento
histórico mesmo em espaços não -escolares.
16
O proj e to v is a va es tim u lar pro d uç ã o c om tem át ic as h is tó ric as ; c f .: O f íc io nº
12 7 /7 7, em it i d o p e l a D ir et or i a G er al , em 04 de m ai o d e 19 7 7. F u nd o :
A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P.
26
O registro do tempo presente é inerente à produção fílmica,
revelando aspectos conflituosos do contexto em que foram produzidos,
exemplificado pelas pressões da censura política e cultural vigentes
durante
as
filmagens
Reconhece -se
que
o
de
Cacá
cinema
Diegues
de
gênero
e
W alter
histórico
Li ma
se
Júnior.
propõe
a
apresentar ao público uma leitura do passado. Entretanto, é, também,
um importante documento da época em que foi produzido, podendo
revelar no filme, por meio de metáforas, sugestões ou c histes, aspectos
da sociedade contemporânea.
Os personagens de Xica da Silva e Chico Rei funcionam como
mote para a narrativa fílmica abordar aspectos sócio -históricos do
período da América Portuguesa , sobretudo relativos ao escravismo e à
administração do poder, com suas estruturas e implicações sobre a
população. No entanto, seus planos, por vezes, sugerem aspectos mais
do momento de sua filmagem do que propriamente as representações
setecentistas filmadas. Os contextos de Chica da Silva e Chico Rei
distam,
aproximadamente,
dois séculos da
época
em
que
foram
lançados. Contudo, a representação filmada por Cacá Diegues e W alter
Lima Júnior dos militares do século XVIII, praticando autoritarismo e
violência, soa como denúncia à opressão vivenciada na ditadur a militar.
A análise, portanto, assume duas vias temporais em estreito
diálogo.
A
primeira
diz
respeito
ao
passado
histórico
e
ao
conhecimento produzido sobre essa temporalidade , no caso específico,
as minas setecentistas. Por esse percurso se buscou perc eber as
apropriações e ressignificações de imaginários sociais que dizem
respeito à história. A segunda perspectiva analítica se voltou ao tempo
presente da construção do filme como uma expressão do contexto
político, social, econômico e cultural do Brasil ditatorial, ou seja,
tensões do momento que podem ser refletidas/expressas na produção
cultural.
A
questão
do
sentido
histórico
decorrente
da
versão
cinematográfica referente aos contextos de Xica da Silva e Chico Rei
indica a percepção que se pode ter d o filme como produtor de reflexões
históricas. Esse processo pode ser mensurado em duas principais
27
situações. A primeira, pela repercussão desencadeada pelo filme,
avaliada pelo debate provocado pelas críticas publicadas na imprensa.
A segunda, pelo impac to do filme no cotidiano escolar por meio dos
materiais didáticos produzidos para o aluno, o que permite dimensionar
a inserção do filme como prática metodológica de ensino, bem como
assinala o diálogo com a orientação historiográfica do livro.
Por
todo
o
exposto,
ao
pensar
histórico/história
pública/circularidade
alguns
se
passos
fizeram
a
do
tríade
filme
de
conhecimento
necessários.
Embora
gênero
histórico,
apresentados
separadamente, são interdependentes. Assim, ao eleger os filmes Xica
da Silva e Chico Rei para analisar o papel do cinema -história na
educação escolar e não -escolar, procurou -se: 1. a relação cinema história e as dimensões do filme de gênero histórico; 2. a história da
educação e a história do cinema considerando projetos políticos
relativos à utilização de filmes para fins políticos -educativos; 3. as
produções fílmicas Xica da Silva e Chico Rei, ao identificarem nas
fontes a apropriação e ressignificação, a circularidade de referências
relativas ao passado histórico brasileiro, indicando pe rmanências e/ou
rupturas nas representações referentes às narrativas sobre a temática;
4. imagens canônicas correntes nas representações da sociedade
brasileira, e como imagens não -canônicas podem ser usadas de forma
a ressignificar es sas representações; 5. aspectos internos e externos
das
produções
repercussão,
fílmicas
destacando
em
seu
processo
pontos de
tensão
de
criação
entre
e
também
as informações
fílmicas e o saber historiográfico; 6. aproximações e distanciamentos
entre os filmes, a historiografia e a educação escolar e não -escolar.
Acredita-se que percorrer esses pontos de investigação – da
identificação das fontes que construíram o tema abordado no filme até
maneira como foi apropriado pelo roteiro fílmico, passando pela
reflexão acerca da dimensã o do filme de gênero histórico e analisando
a repercussão dos filmes na imprensa e na educação escolarizada –
favorece a compreensão da relação entre cinema e história pública e o
consequente impacto na educação para o conhecimento histórico.
28
A organização do texto segue esses passos diretivos, tendo sido
estabelecidos quatro capítulos. No primeiro, A construção da temática
histórica: representações de Chica da Silva e Chico Rei se propõe
identificar e analisar suportes narrativos sobre esses personagens. A
partir da tradição popular, buscou -se avaliar sua inserção na literatura,
na poesia, no teatro, no carnaval, na música. Além das produções
nesses campos, direcionadas à Chica da Silva e ao Chico Rei,
abordagens historiográficas e iconográficas relativas ao escravismo
também foram analisadas. Por meio desse procedimento , foi possível
problematizar
as
formas
de
construção
das
representações
dos
protagonistas negros e seu contexto e a circularidade do conhecimento
histórico como prática de história pública.
O segundo capítulo, Cinema e conhecimento histórico, trabalha a
relação entre o cinema e a história, analisando as nuances das
estruturas
narrativas
cinematográficas
e
historiográficas
que
aproximam esses campos.
A relação entre o cinema e educação é obs ervada com o intuito
de reconhecer o potencial educativo do cinema conforme avaliado por
políticas estatais, destacando -se as ações do INCE e da Embrafilme.
Por estar diretamente ligada aos filmes Xica da Silva e Chico Rei, a
atuação
da
Embrafilme
recebeu
atenção
especial
quanto
ao
desenvolvimento do projeto filmes históricos, lançado em 1977. Por
meio de documentação produzida pela Embrafilme – sob guarda da
Cinemateca Brasileira, mas ainda pouco trabalhada por se encontrar
em
processamento
técnico
–,
foi
possível
analisar
as
diretrizes
estabelecidas ao setor cinematográfico para se adequar à linha de
financiamento. A partir des se material, infere-se a concepção da
empresa para o filme com temática histórica e seu papel na educação
não-escolar.
Por fim, segue-se a análise dos projetos fílmicos de Cacá
Diegues e W alter Lima Júnior, enfatizando as fontes utilizadas, as
apropriações e as escolhas para a construção de suas narrativas
cinematográficas. As entrevistas à imprensa, as negociações com os
censores e a comunicação com a Embrafilme foram fontes essenciais
29
para essa análise. No caso de Chico Rei, que se desenvolveu dentro da
linha
especial
de
fomentos
filmes
históricos
da
Embrafilme
e
apresentou sérios contratempos em sua produção, uma entrevista de
história
oral
realizada
com
o
diretor 17
contribuiu
para
maiores
esclarecimentos sobre a história des se filme.
Uma vez estabelecidos o mapeamento da construção temática
referente à Chica da Silva e ao Chico Rei, o aspecto educativo do
cinema pensado propos to pelo governo e os projetos fílmicos de Cacá
Diegues e W alter Lima Júnior, segue -se o terceiro capítulo: Xica da
Silva e Chico Rei: análise fílmica. A partir do entendimento do filme de
gênero histórico, algumas categorias temáticas foram estabelecidas
para direcionar as análises que lançassem luzes à problemática
estabelecida entre o filme/história pública/educação. Essas categorias
estão estruturadas em três eixos: 1 . o imaginário de liberdade e
resistência inerente à sociedade escravista, destacando o quilombo e a
alforria como formas d e o escravo se tornar livre; 2 . a ponte temporal
entre
passado -presente
estabelecida
no
filme,
pela
qual
as
representações sobre o passado instigam reflexões pertinentes ao
contexto da produção fílmica; 3 . as lições histó ricas propiciadas pelos
filmes, que indicam o cuidado didático -pedagógico em apresentar ao
espectador situações e conceitos do saber histórico.
Fechando a percepção da circularidade do conhecimento histórico
viabilizada
pelo
filme
de
gênero
histórico,
o
quarto
capítulo:
Reverberações de Xica da Silva e Chico Rei: história pública , se dedica
a avaliar o impacto proporcionado por Xica da Silva e Chico Rei. O
debate
estabelecido
na
imprensa,
por
ocasião
dos
lançamentos
fílmicos, indica não apenas a avaliação qualitativa do produto filme. As
redações
dos
jornais
abriram
uma
arena
na
qual
as
críticas
desempenharam, juntamente com o filme, o papel de educadoras
históricas.
17
E nt re v is ta d e h is t ór i a or a l t em át ic a (s e m i dir et a) c om W alter L im a J ú n i or –
c onc e d id a ao au t or d a tes e, em 13 d e j u n h o de 2 01 3, n a c i d ad e de O uro Pr e to /M G .
T rans c r iç ã o a ut or i za d a. Ac er v o d o a ut or .
30
Um vasto material foi produzido sobre Xica da Silva e Chico Rei e
suas representações refe rentes à história do escravismo e das Minas
setecentistas. Ao todo, cerca de 210 periódicos, entre jornais e
revistas, foram consultados nos acervos da Cinemateca Brasileira (São
Paulo) e da Hemeroteca Histórica Pública do Estado de Minas Gerais
(Belo Horizonte). Desse material, 57 volumes eram referentes a Chico
Rei e os demais a Xica da Silva. O desequilíbrio entre a cobertura da
imprensa sobre os filmes se explica por dois motivos: 1 . o maior
sucesso alcançado pelo filme de Cacá Diegues, levando grande p úblico
aos cinemas de todo o país. Observa -se que o filme de W alter Lima
Júnior não obteve da Embrafilme a mesma estrutura de divulgação e
exibição usufruída por Xica da Silva; 2. diante das críticas e cobranças
de fundo político ao seu trabalho, o diretor Cacá Diegues estabeleceu
uma polêmica ao denunciar a existência de patrulhas ideológicas . Sua
entrevista concedida à jornalista Pola Vartuck 18 repercutiu e um intenso
debate se abriu nos jornais envolvendo intelectuais, artistas e críticos
de cinema que se posicionavam acerca do tema.
Ainda no campo da repercussão fílmica, voltou -se o olhar para o
impacto na produção do conhecimento histórico em pesquisas que
dialogam, direta ou indiretamente, com as obras cinematográficas e
seus temas. O âmbito escolar reg ular mereceu atenção especial dada
sua relevância para a educação histórica. Uma ampla análise sobre a
incorporação ou não dos filmes, bem como dos temas atrelados às
histórias de Chica da Silva e de Chico Rei, foi desenvolvida em livros
didáticos para o e nsino de História.
O acervo consultado foi o da Biblioteca do Livro Didático da
Faculdade de Educação da USP, que integra o projeto LIVRES. O
recorte
temporal
tem
como
datas -limites
1978
(um
ano
após
o
lançamento nacional do filme Xica da Silva) e 2006 (data final do
acervo). No primeiro momento , foram levantados 1 .248 títulos. Três
momentos foram estabelecidos para organizar a análise: 1º) 1978 1985; 2º) 1986-1996; 3º) 1997-2006; abarcando livros do ensino básico
18
V ART UC K , Po l a. Ca c á D i eg u es c o ntr a a c ens ur a d as pa tr ul h a s id e o ló g ic as . O
Es t a do de Sã o Pa u lo , S ão Pa u l o, p .1 6 - 1 8, 3 1 a go . 1 97 8.
31
e médio – ou 1º e 2º graus, como denominad o até a promulgação da
atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação ( Lei n. 9394/96). Dentro
desses novos parâmetros – temporalidade e níveis de ensino –, foram
analisados 83 livros didáticos para o 1º período , 113 para o 2º período ,
e 118 para o 3º período .
***
O processo analítico desenvolvido nos quatro capítulos ultrapassa
o reconhecimento do trânsito da informação – seja ela oriunda da
tradição oral, literária, musical ou acadêmica –, pois favorece a
percepção dos conhecimentos históricos existentes sobre a temática
abordada: apropriações, significações e ressignificações. Ou seja, ao
operar o diálogo entre as fontes, a produção fílmica pode, então,
validar,
invalidar
ou
recriar
aspectos
do
conhecimento
histórico,
promovendo, assim, sua circularidade 19. Considera-se que o filme de
gênero histórico funciona, nesse sentido, como interlocutor de fontes e
produtor de uma narrativa que estimula a reflexão sobre a História.
Trata-se,
portanto,
de
um
procedimento
metodológico
que
identifique e perscrute os par adigmas indiciários, ou seja, uma análise
das fontes considerando o maior número de ângulos possíveis. Como
metaforiza Ginzburg: o trabalho do pesquisador deve se assemelhar à
ação de um caçador que, na procura por indícios coerentes que o
levem ao seu objetivo, precisa identificar e ler pistas silenciosas
deixadas
pela
tipologias
de
presa 20.
fontes,
Dessa
podem -se
maneira,
pelos
identificar
diálogos
pontos
de:
entre
as
tangência,
complementaridade, divergência e contradições.
19
A id e ia d e c i r c u l ar id ad e c ul t ura l d ec orr er das e la b or aç õ es de C ar los G i n zb ur g ,
es tr ut ur a das q ua n do s e d e br uç o u s ob re a an á l is e d o pr oc es s o enf r en t ad o por
Me n oc c h i o , qu e r es p o nd i a à I n qu is iç ão c at ó l ic a por s uas c on v ic ç õ es c os m ol ó gic as
her é tic as . O a ut or r e c on h ec e n o tr ab a lh o de M ik h ai l B ak ht i n a i ns p ir aç ão p ar a
des e n vo l v er o c onc e it o. Cf . : G I NZ BU RG , Ca rl o. O q u ei j o e os v er mes : o c ot i di a n o e
as i d e ias de um m ol e ir o pe r s e g ui d o p e l a In q uis iç ã o. S ão P au l o : C om pan h i a d as
Le tr as , 2 0 0 6; B A KHT I N, Mik h a il . A C ul t ura na Id a de Mé d i a e no Re n as c i m e nt o – o
Co nt ex to d e Fr anç o i s Rab e l a is . S ã o P a u lo : HU CIT E C; Br as íl i a: E di t ora da
Un i v ers id a de de Br as í l i a, 1 9 87 .
20
G I NZ BU RG , Car l o. M it os , em b l em as e s in a is . 2. ed . S ã o P au l o: Com pa n h ia d as
Le tr as , 1 9 89 , p. 1 5 2.
32
O uso pela produção fílmica de uma ou mais fontes com pontos
de identificação histórica, dela se apropriando e/ou a ressignificando,
permite uma construção narrativa que estimule a reflexão, ou mesmo ,
que crie novos significados. Essa dinâmica termina por estabelecer a
circularidade de conhecimentos, que podem ou não ser corroborados
pela produção acadêmica. Nesse processo, deve -se considerar que, às
vezes, os parâmetros científicos são influenciados pelo conhecimento
popular corrente, estimulando acadêmicos a se voltarem para temas
colocados pelo conhecimento social circulante – naturalmente, munidos
dos procedimentos inerentes à pesquisa científica. Os exemplos sobre
Chica da Silva e Chico Rei ilustram essa relação dialógica, já que
ambos circularam desde as tradições populares e por d iversos suportes
de registros para , então, receberem a atenção de historiadores em
produções universitárias.
Por isso, a circularidade é entendida, nesta pesquisa, em uma
perspectiva mais ampla do que a circulação. Es sa pressupõe o trânsito
das informações, enquanto aquela implica transformação de sentidos
decorrentes desse trânsito. Ou seja, a circularidade do conhecimento
histórico
diz
respeito ,
não
somente
à
existência
das
narrativas
históricas (acadêmicas ou não) , mas, fundamentalmente, na influência
que uma narrativa possa exercer sobre uma nova abordagem que, além
de revalidar o conhecimento corrente, possa promover uma redefinição
pontual
ou
profunda,
ressignificando
conhecimentos
sobre
um
determinado fato histórico 21.
Essa circularidade é fundamenta l para o estabelecimento da
história
pública
e,
consequentemente,
da
educação
para
o
conhecimento histórico – dentro e f ora do espaço escolar. A história
pública é comumente associada: ao acesso franqueado de informações
de interesse histórico e público; à s publicações de divulgação de
pesquisas
acadêmicas
conhecimento
21
histórico
na
sob
área
de
formatos
história;
diversos,
à
divulgação
como
do
romances
O bs er v a- s e q ue as r ef l ex õ es d es e n vo l v i d as p or R og er C h art i er a p ar t ir d os
c onc e it os d e a pr op r i aç ã o e r es s ig n if ic aç ã o c u l tu ra is c orr ob or a m o s ent i d o d e
c irc ul ar i da d e a q ui tr a ba l h ad o; c f . : CH A RT I ER , R o ger . A h is t ór i a c u lt ur a l e ntr e
prá t ic as e r e pr es e nt aç ões . L is bo a: D if e l , 1 99 0.
33
históricos,
filmes
documentários,
programas
televisivos,
livros
22
didáticos .
Desenvolvendo-se na Inglaterra e nos Estados Unidos, nos anos
de 1970, no contexto de renovação das metodologias das pesquisas
historiográficas, a história pública foi influenciada, sobremaneira, pela
História Social. Na Europa, emergiu como prática do uso público da
História com fins nitidamente político -ideológicos, influenciados pela
ideia de uma história capaz de interferir nas relações políticas e
sociais, como exemplificam os filmes produzidos por um grupo de
cineastas-historiadores
composto
por
Bárbara
Abrash
e
Daniel
W alkowitz, atrelados ao discurso militante de grupos sociais como
feministas e trabalhadores sindicalizados 23. Nos Estados Unidos, por
outra via, tem -se associado a história pública ao uso público da
história, por exemplo , espaços museológicos e arquivísticos , logo,
menos ligada ao âmbito das políticas públicas e sociais.
Uma das premissas fundamentais nos momentos iniciais da
história pública era levar o conhecimento histórico para além dos
limites dos portões universitários, atingindo um público mais amplo e
não especialista. A Universidade de Oxford, sob os esforços do
professor Raphael Samuel, fundou, em 1976, o History Workshop
Journal 24, sendo pioneira nesse processo. Nos Estados Unidos, Robert
Kelley, docente na Universidade da California (Santa Bárbara), institui u
um curso de pós -graduação pensando na atuação de historiadores nos
setores público e privado para além do ensino. Na mesma universidade
californiana, lançou, em 1978, a revista The Public Historian 25.
Sidney Chalhoub e Paulo Fontes 26, atribuem o desenvolvi mento da
ideia de história pública no Brasil ao mesmo contexto inglês, quando se
22
A L BI E RI , Sar a . H is tó r i a p ú b l ic a e c o ns c iê nc ia h is t ór ic a. I n. : AL M EI D A, J u ni e l e
Ra b êl o d e; RO V A I, M ar t a G o u ve i a d e O l i v e ir a (O r g) . I n tro d uç ã o à h is t ór ia p ú b lic a .
S ão Pa u l o: L et r a e v o z, 20 1 1.
23
A B R A SH , B ar b ar a; W A L KO W IT Z, D an i e l J . S ub / ve rs i o ns of his t or y: a m ed i ta t io n
of a f ilm a nd h is tor ic a l , n ar r at i v e. H is tory W o rk s ho p J o urn a l , n . 38 , 19 9 4. D is p o ní v e l
em : < h tt p: // h wj .ox f or dj ou n a ls . or g > Ac es s o e m : 6 f e v . 20 1 1.
24
É p os s í v e l ac es s ar p el a i nt er n et a pr od uç ão d es de os a nos i n ic i ais d a
pu b l ic aç ã o. D is p on í ve l em : < ht tp :/ /h wj . ox f or d j our n a ls . org / >
25
D is po ní v e l em : < ht tp :/ /uc pr es s j o ur na ls .c om /j our n a l. p hp ?j =t p h >
26
CH A LHO U B, Si d ne y; FO NT E S, P a ul o . H is t ór i a Soc i a l do T r a ba l h o, H is t ór ia
P úb l ic a. Per s e u, Sã o P au l o: Pers e u A br am o, n. 4, a n o 3 , p. 2 19 - 2 2 8, 2 0 09 .
34
ampliaram questões relativas às temáticas inerentes à história social do
trabalho. Os autores reconhecem o papel do History Workshop Journal
e a criação de cursos voltados par a a formação de trabalhadores,
aproveitando as possibilidades do desenvolvimento da metodologia em
história oral como caminho para que os trabalhadores contassem por si
mesmos suas histórias.
O cenário em que segmentos sociais como trabalhadores, negros,
mulheres ganhavam voz para escreverem suas histórias, fortaleciam -se
os laços entre a história social do trabalho, realizada por acadêmicos, e
os
movimentos
sociais.
Chalhoub
organização e disponibilização de
e
Fontes
destacam,
ainda,
a
arquivos, cujos con teúdos têm
favorecido o estabelecimento de políticas públicas como um dos
aspectos que mais se desenvolveu na história pública brasileira. Algo
que tende a se expandir em decorrência dos avanços tecnológicos que
potencializam a variação de suportes, amplia ção da capacidade e
acessibilidade quanto a conjuntos documentais de natureza s pública e
privada.
O conceito de história pública, portanto, não é novo. No entanto,
no Brasil, é recente a reflexão mais atenta sobre o conceito e sua
prática. Assinala -se o século XXI como o momento em que a academia
e profissionais de outras áreas têm se dedicado com maior atenção ao
tema 27.
27
Des t ac am - s e n es s e p r oc es s o o C urs o d e I ntr o duç ã o à H is tó ri a P úb l ic a, oc or ri d o
na U n i v er s id a de d e S ão Pa u l o ( U S P) em f e ver e ir o d e 20 1 1 . Em j u l ho d e 2 0 12 , o
De p art am ent o d e H i s tór i a/ U S P re a l i zo u o Si m p ós i o In t ern ac i on a l de H is t ór ia
P úb l ic a: a h is t ór i a e s eus pú b l ic os . Em j ane ir o d e 2 0 13 f o i la nç ad a n a re d e i nt er n et
a p á g in a da R ed e Br as il e ir a d e H is t ór ia P ú bl ic a ( R BH P) , d is po n í ve l em :
< ww w. h is t or ia p ub l ic a. c om >. Em 201 3, f or am apro v a dos o S i mp ós i o Te m át ic o
His t óri a P úb l ic a, pe l a As s oc i aç ão Nac i o na l dos Pr of es s ores d e His t óri a ( A NP UH ),
por oc as iã o do s e u X X VI I C o ngr es s o, r ea l i za d o em Nat a l/ R N; e o G r u p o d e
Tra ba l h o H is t ór i a Pú b l ic a e O r a l id a de , pe l a As s oc i aç ã o B ras i l ei ra de H is t ór i a O ra l
(A BH O ), p or oc as i ã o do s e u Enc o ntr o R e g io n al Su d es t e , re a l i za d o em
Cam pi n as / S P . Ai n da , em 201 3 , f oi r e a l i za d o o e nc o ntr o His t ór ia : v ár ios pú b l ic os ,
v ár ias na r r a t iv as , pr o m ovi d o p e los pr ogr a m as de p ós - gra d uaç ã o em His tór i a d a
UF MG , UFF e UF R G S , n o M us e u H is t ó ric o Ab í l io B arr et o ( MH A B) , em Be l o
Hor i zo n t e. Em a g os t o d e 20 1 4, oc orr er á o II Si m p ós i o I nt ern ac i on a l e m His t óri a
P úb l ic a, na UF F . N o c am po d e pu b l ic aç õ es , a R ev is t a de Es tu d os H is t ór ic os ,
Fu nd aç ão G e t úl i o V ar gas ( FG V) , pr o gr am ou p ara s u a ed iç ã o n º 5 4, em 20 1 4/ 1 5, o
dos s i ê H is t ór i a P ú bl ic a. Me nc io n a - s e, t am bém , a pu b l ic aç ã o n ac i on a l d o l i vr o s o br e
35
Concorda -se com a pertinência do viés ligado à informação
histórica e aos modos de divulgá -la. Todavia, defende -se a ampliação
do entendimento da história pública. Do contrário, seria reduzi -la a
mecanismos de divulgação dos trabalhos realizados pelos historiadores
acadêmicos,
sobretudo
pela
publicação
de
revistas;
nesse
caso,
devem-se incluir também produções não -acadêmicas ligadas aos tem as
da História 28
A
proposição
aqui
apresentada
é
que
a
história
pública
problematiza o conhecimento histórico, mesmo que a narrativa histórica
não seja realizada por um historiador de ofício. Isso não significa abrir
mão do rigor da produção historiográf ica , mas, considerar a produção
do
conhecimento
histórico
em
diálogo
com
outras
áreas,
não
necessariamente acadêmicas. Ou seja, pensar na perspectiva de
coprodução, algo como uma autoridade compartilhada 29.
Nesse sentido, reivindica -se o papel do filme de gên ero histórico
como articulador de elementos de uma equação que configura a cultura
histórica, qual seja: saber histórico acadêmico , conhecimento histórico
social (circulante na oralidade, literatura, iconografia, livros didáticos
etc.) e a narrativa cinema tográfica, propriamente dita, sobre o tema
o t em a; c f : A LM E ID A , J un i e le R ab ê l o d e ; R O V AI , Ma rt a G ou v e i a de O l i v e ir a (O r g).
In tro d uç ã o à his t ór i a p úb l ic a . Sã o P a u lo : L et ra e v o z, 20 1 1.
28
Pu b l ic aç õ es d e p er ió d ic os s obr e H is tór i a, ta nt o a q ue l as d e m ed i aç ã o c i e nt íf ic a,
qu a nt o pr od uç ões e d it o r i ais s em l i gaç õ es ac ad êm ic as , oc orr e m há t em pos em
gra n d e p ar t e da E ur o pa . D at a de 1 90 9 a p ub l ic aç ã o da r e v is t a H is t or i a, de gr an d e
pú b l ic o n a F r a nç a. A par t ir da d éc ad a d e 1 97 0 , t ít u los s e a l as tr a ram pe l as b a nc as ,
i nc l u i nd o pu b l ic aç õ es c om diá l o go ac ad ê m ic o. N o Bras i l , re g is tr a - s e, nes s e
per í od o, a p ub l ic aç ã o G r a nd es Ac o nt ec i me nt os d a H is t ór ia ( 19 6 9) , por ém c om vi da
c urt a. No i níc i o d o s éc u l o X X I, p od e - s e c ons i der ar um f enô m eno n es s a l i nh a
ed i tor i a l: p as s ar am a s er p ub l ic a das a N o s s a His t ór ia (2 0 03) , qu e d eu o ri g em à
Rev is ta d e H is t ór i a d a B i bl i o tec a N ac i o na l (20 05) , c o nc om i ta nt e a ou tros t ít u lo s
c om o, p or ex em pl o, a His t ór ia V iv a e Av e n t uras n a His t ór ia – am bas d e 20 0 3; c f . :
CA RD O SO , O ld im ar . Co nc epç õ es s obr e f u nç ã o s oc i al d a H is t ór i a em rev is t as d e
d i vu l gaç ã o c i e nt íf ic a. An a is A N PU H – X X V S i m pós i o N ac i o na l d e H is tór i a,
For ta l e za , 2 0 09 ; FO NS E C A, T h ais Ní v i a de L im a e. Mí d i as e d i vu l gaç ã o d o
c on h ec im ent o h is t ór ic o. R ev is t a A ed os , P ort o A l egr e, n . 1 1, vo l . 4 , p. 12 9 - 1 40 , s et .,
20 1 2.
29
C onc e it o e nt e nd i d o p ar a a pr od uç ão h is tó ri c a r e al i za d a nã o ex c l us i vam en t e por
h is t or ia d or , m as qu e t em aut or i da d e r ec o n h ec id a e c om p art i lh a d a . A l g uns c am pos
s e d es t ac am nes s a per s p ec t i v a, c om o a his t ór ia or al . C o ns i der a - s e, a qu i , a
op er aç ão d o c o nc ei t o de au tor i d ad e c om par t i lh a d a par a c am po d o f i lm e d e g ên er o
h is t ór ic o d e v i do a os m últ i p los d i á lo g os en tr e as n arra t i vas qu e s u bs id i am a
pro d uç ão f í lm ic a – c o- au t or i d a de ; c f . : F RI S C H, M ic ha e l . A s h ar ed au t hor i ty : es s a ys
on th e c r af t a nd m ea n i ng of or al an d pu b l ic h is t or y. A l b an y: S t at e U n i vers i t y of N e w
Yo rk . 1 9 90 .
36
histórico. Por isso, vale ressaltar a discussão sobre a maneira de
execução de trabalhos em história pública.
Conforme indicado, não se trata de um trabalho exclusivo de
historiadores. Isso não implica, contudo, a desqualificação da ciência
histórica em favor da emergência da história pública. Antes o contrário,
quanto maior o leque de áreas pesquisando de modo reflexivo o
passado e promovendo a divulgação dessas pesquisas, mais ampla
será a circularidade do saber histórico, favorecendo o desenvolvimento
da cultura histórica entre não acadêmicos. Sob es se prisma, reitera -se
a assertiva de Jill Liddington de que
[.. .] a hi s t ór ia p ú b lic a é m en os s o br e “ qu em ” ou o “ qu e” , e
m uito m a is s o br e “ c om o” . N em ta nt o um s ubs t a nt i v o,
pr inc i p alm en t e um ve rbo . A h is tór i a p ú b lic a t em im portâ nc i a
r ea l e ur g en t e, d ad a a c r es c en t e po p u lar i d ad e d as
r ep r es e nt aç õ es d o p a s s ad o n os d ias d e h oj e. Em um c o nt ex t o
de s egm en t aç ã o ac a dêm ic a e pr of is s i o na l i za ç ã o res tr it a, os
ag e nt es d a h is t ór i a p ú b l ic a po d em f orn e c er um a m ed i aç ã o
nec es s ár ia , ins p ir ad or a e r e v ig or an t e e ntr e o p as s ad o e s e us
30
pú b l ic os .
O
fundamental
é,
portanto,
estabelecer
uma
ponte
entre
a
reflexão sobre as narrativas históricas produzidas na academia, e ,
também, pelos não acadê micos e as maneiras de divulgação dessas
pesquisas. As reflexões sobre história pública se fortalecem em meio
ao
desenvolvimento
das
formas
de
comunicação
cada
vez
mais
efetivas, rápidas e acessíveis a um maior número de pessoas. Nesse
sentido,
“o
impacto
da
produção
histórica
e
sua
ampla
difusão
influenciam, naturalmente, no processo de educação da sociedade” 31.
As
nuances
do
filme
com
temática
histórica
evidenciam
o
dinamismo da sua produção, quando conhecimentos históricos em
variadas
narrativas
são
reto mados
e
estabelecem
construções
narrativas. Somado à amplitude de alcance do filme, o cinema de
gênero histórico como um vetor da história pública já era reconhecido
no início da década de 1980:
30
LI DD IN G T O N, J i l l. O q ue é h is t ór ia p ú bl ic a? O s p ú b l ic os e s e u s p as s a d os . In .:
A LM E ID A , J u n ie l e R a bê l o d e ; RO V AI , M ar t a G o u v e ia de O l i v ei ra (O rg). In tr od uç ão
à h is t ór i a pú b l ic a .. . o p .c i t. , p. 5 0.
31
FE RR E IR A , R o dr ig o de A lm e i d a. C i nem a, e duc aç ão e h is t ór i a p ú b lic a : d im ens õ es
do f i lm e Xic a d a S i lv a . I n. : AL M E ID A , J un i e l e Ra b êl o d e; RO V A I, Ma rt a G o u ve i a d e
O l i v eir a ( O r g) . I ntr o d u ç ão à h is t ór ia pú b l ic a . .. op .c it ., p .2 0 8.
37
Des d e o i níc i o o c i n e m a tem s e f av or ec id o de ac on t ec im e nt os
h is t ór ic os e a d ap t aç õ e s d e c l ás s ic os d a l it er at ur a e c on t in u a a
f a zer . N os a n os m ais rec e n tes um nov o g ên ero de f i lm es tem
em er g id o , qu e c o ns is t e c om o p o nt o d e p art i da o pro b l em a d e
32
r ec u p er ar o p as s a d o a p art ir do pr es e nt e .
A intercomunicação entre o film e de gênero histórico e a história
pública
não
se
restringe
a
recriar
acontecimentos
passados
na
linguagem audiovisual. É essencial considerar que, ao se debruçarem
sobre o passado, o diretor e roteirista, bem como o elenco, partem de
um saber existente – que pode ser da história ou do campo ficcional,
como, por exemplo, o caso do lendário Chico Rei. Ao estabelecer o
diálogo com outras narrativas – históricas ou ficcionais – sobre o tema
a ser filmado, ocorre a ressignificação de inúmeros aspectos. O filme,
portanto, não apenas retomará o conhecimento já circulante, mas
produzirá uma versão narrativa sobre os acontecimentos passados.
Por essa via, o debate sobre história pública se aproxima do
cinema de gênero histórico como uma prática da educação não -escolar,
já que o cinema com temática histórica se edifica a partir dos diálogos
entre a historiografia e o conhecimento histórico disseminado entre a
população – cuja circularidade ocorre por diversos mediadores – do
mesmo modo que podem influenciar na represe ntação sociocultural. Há
influência mútua, portanto, entre o cinema-história e o imaginário
social. Nesse sentido, pontos de
referência
são reforçados e/ou
recolocados pela filmografia .
O s r e al i za d or es d e c i nem a – q ue t am bém f orm am part e da
s oc ie d ad e - s e “ a l i m entam ” des t a p ar a ex tr a ir t em as p ara
s eus n o vos f i lm es e c om tais i nf l u enc i am – s e n do , p or s u a
v e z, i nf l ue nc i ad os p e l o c o nt ex t o – e c o nf orm am , de a l g um
33
m odo, a s oc i e d ad e .
Ao analisar Xica da Silva e Chico Rei, assume-se nesta pesquisa
a proposta de problematizar o cinema de gênero histórico e a educação
para
o
conhecimento
histórico
deles
decorrente.
Contudo,
esse
processo só será perceptível se forem avaliados aspectos de suas
32
S A MU E L, R a ph a el . His t or y an d te l e v is io n . H is tory W ork s h op J our n a l, O x f ord ,
19 8 1, pp . 17 2 - 17 6 ; p . 17 2 . D is p o ní v e l em : < ht tp :/ /h wj . ox f or dj our n a ls . org / > Ac es s o
em : 6 f e v. 2 0 11 . T r a d u ç ão l i vr e .
33
LE R A, J os é Mar i a Ca p ar r ós . G u i a d e l es p ec ta d or d e c i n e . Ma dr i d. A l ia n za
E di t or ia l , 20 0 7, p . 30 . T r aduç ã o l i vr e.
38
produções, pelos quais a circularidade de representações possa ser
identificada. Sob esse prisma, além de viabilizar a continuidade da
circularidade do conhecimento histórico, a narrativa fílmica permite a
reflexão da narrativa histórica referente ao tema filmado.
A conformação dos sentidos produzidos pelos planos de Xica da
Silva ou Chico Rei sobre seus personagens e sobre a história permite
vislumbrar, reflexivamente, a circularidade de conhecimentos históricos
em distintos suportes, indo das tradições populares à poesia e ao
carnaval, validando -os ou ressignificando -os. Como salienta Elias
Saliba:
A o c on tr ár io d o q ue s e c os t um a d i ze r, a “ i m agem nã o f a l a. ..
por s i s ó ” . Pe ns o a qu i , n as im a ge ns c r uas , s em ne n hum
c om ent ár i o o u le g en da . T ais im ag e ns p od em in ter es s ar,
im pr es s i on ar , s e d u zir , c om ov er e a pa ix o nar , m as nã o po d em
34
i nf or m ar . O qu e n os i n f orm a s ã o as p al a vr as .
A
complexa
relação
entre
conhecimento
produzido
pelas
pesquisas históricas, as fontes históricas (documentos, iconografia e
literatura) e o argumento construído para o filme de gênero histórico,
estabelecem a circularidade do conhecimento, cujo dinamismo termina
por influenciar a reflexão sobre o passado. Na realidade, ao considerar
que a educação para o conhecimento histórico ocorre por diversas
formas, além dos muros da escola, pressupõe -se que tal conhecimento
seja vivenciado pela população.
Uma
preocupação
pertinente,
portanto,
é
perceber
como
o
conhecimento elaborado academicamente e o saber de outras áreas
dialogam, criam/recriam o saber histórico. Por isso, julga -se relevante
perscrutar
a
inter-relação
entre
os
conceitos
história
pública/circularidade/imaginário social, necessária à produção fílmica
de
gênero
histórico
e,
então,
dimensionar
o
potencial
papel
socioeducativo que pode ser exercido pelo cinema , tanto no espaço
não-escolar, quanto escolar. Em amb os os casos, deve -se dimensionar
o diálogo estabelecido com a historiografia e os instrumentos de apoio
34
S AL I B A, E l ias T . As Im age ns C a nô n ic as e a H is t ór i a. I n .: MO R ET T IN, Ed u ar do
V ic t ór i o; S A LI B A , E li as T hom é; e t. a l. (O rgs ). H is t ór i a e C i n em a : d i m ens õ es
h is t ór ic as do a u d iov is ua l . S ão P au l o: A lam e da , 2 00 7 , p. 9 4.
39
para educação
escolar de
História,
resultando em
processos de
construção de um imaginário social no caso dos filmes Xica da Silva e
Chico Rei, para a história brasileira do período colonial.
Contudo, essa coprodução entre o conhecimento histórico e
equipe cinematográfica (diretor, roteirista, elenco, equipe técnica,
produtores, distribuidores, financiadores) nem sempre é simples. O
aspecto comercial press iona a produção fílmica a gerar lucros e , para
isso, muitas vezes, apela -se a receitas de sucesso para a elaboração
do roteiro. Para as produções de Xica da Silva e Chico Rei, deve-se
considerar, ainda, o papel do Estado, via Embrafilme, como outro
elemento dessa equação. Nesse caso, não são incomuns deturpações
interpretativas
do
processo
histórico,
contradizendo
a
produção
historiográfica. Algo que, naturalmente, irrita os profissionais da área
acadêmica, podendo indignar , até mesmo, os espectadores do fi lme.
Muitas vezes, os filmes e séries televisivas de gênero histórico
sequer tem um historiador como consultor. Como exemplo, cita-se o
caso da série televisiva Peoples’s History (2000), sobre a história do
Canadá 35. Embora um lastro acadêmico tenha sido r eivindicado, já que
a produção histórica ficou a cargo de um jornalista com doutorado em
história
canadense,
coordenando
uma
equipe
de
especialistas,
a
produção estabeleceu que os historiadores não tivessem poder de
decisão. Em outras palavras, os historia dores estavam afastados das
filmagens, mesmo quando os planos contradiziam suas pesquisas.
Questionado sobre o fato, Gordon Henderson, produtor da série,
ratificou a decisão, concordando que a história “de fato, era mais
complexa do que nós a representamos , mas se nós desejamos falar
sobre uma história, eu não quero dizer ‘por um lado’ e ‘por outro
lado’” 36, criticando abertamente o formalismo da linguagem corrente
entre historiadores acadêmicos.
O conflito entre as formas narrativas e o interesse comercial
explicita -se no exemplo da série canadense. O historiador Robert
35
FR I E SE N, J oe . Ca n a dá : a p eo p l e ’s s tor y a s j o urn a l is t h is to r y. H i s tory W ork s h o p
J our n a l,
O x f or d,
n. 5 6,
p .1 8 4 - 20 3 ,
2 0 0 3.
D is po ní v e l
em :
< ht tp :/ /h wj . ox f or dj our n a ls . or g / > Ac es s o em : 6 f e v . 2 01 1 .
36
I b id em , p .1 9 6. T r a duç ão l i vr e .
40
Rosenstone, que não se identifica com as correntes subjetivista ou
objetivista para abordagens cinematográficas sobre temas históricos 37,
reforça que considera esse tipo de filme relevante pa ra a compreensão
do passado. Ao contrário, defende que mesmo os equívocos presentes
nas representações favorecem a reflexão histórica 38. Ainda assim, o
historiador
questiona
a
superficialidade
da
linguagem
jornalística
muitas vezes predominante nos filmes c om temáticas históricas, pois,
conforme assinala Friesen :
Ros e ns t on e s u g ere qu e n arr at i v as hi s t ór ic as , d es s as c om
i níc i o, m e io e f im , c o nt em um im pera t i vo d ram át ic o q ue d e ix a
a h is t ór ia c om o um a m ens a gem m ora l, h is tór i a c om um s ent i d o
de ex a lt aç ão , h is t ór i a qu e é a his t ór ia d o p ro gr es s o : ‘ a
m ens ag em pas s a da p e lo f i lm e é s o bre c om o as c o is as es tã o
39
m elh or o u s e to rn ar ão m elh or, o u am bas .
Dimensionar a existência dessas tensões quanto ao tipo de
representação histórica construída por um filme é importante, pois,
quando o cinema é o artefato onde se desenvolve o processo de
história
pública,
percebe -se
aí,
não
apenas
a
significação
do
conhecimento histórico, mas também os processos de negociação e
sua ampla difusão.
Por essa perspectiva, além de reconhecer re ferências sobre
temas históricos que fundamentaram a roteirização e filmagem das
películas, evidencia -se a circularidade do conhecimento histórico e a
apropriação/ressignificação de representações e imaginários sociais
sobre o período narrado. Ratifica -se, nesse sentido, a premissa de que
o filme de gênero histórico pode exercer relevante papel para a
educação do conhecimento histórico.
37
Du as im por t an tes c o nc e pç ões c r ít ic as s o b re os f i lm es d e g ê ner o h is t ór ic o d i zem
res p e it o à d ic ot om ia r ea l is ta / obj et i v is t a x s ubj et i v is ta . A q u el a c obr a da na rra t i va
f ílm ic a p ar âm etr os de r ec r iaç ã o his t óric a ; en q ua n to a s ubj et i v is ta é qu es t i o na d a
pe l a l ic enç a p oé t ic a d as r ep res e nt aç õ es f ílm ic as , o q ue p od e r es tr in g ir a
i nt erp re taç ã o h is tór ic a; N A PO L IT ANO , M a rc os . F o nt es Au d io v i s ua is : a his t ór ia
de p o is d o p ap e l. I n. : P IN S K Y, C ar la B as s an e zi ; L UC A , T ân i a d e. ( O rgs ) . F o nt es
h is t ór ic as . S ã o P au l o: Co nt ex to , 2 00 5.
38
RO S E N ST O NE , R o be r t. A. I n v en t an d o l a v e rda d h is t óric a e n la gr an pa n ta l l a. I n:
CA M A R ERO , G ló r i a ; HE R A S, B e atr i z d e l as ; CR UZ , Va n es s a de . (O r gs ) . U na
v en t an a i n dis c r e ta : l a h is t or ia des d e e l c i ne . M a dr id : E d ic io n es J C, 2 0 08 .
39
FR I E S EN , J oe . C an a d á : a p e op l e ’s s tor y. . . op .c it ., p . 19 5. T ra duç ã o l i vr e.
41
***
O procedimento analítico considera questões relativas à relação
história -filme-educação. No caso dos filmes Xica da Silva e Chico Rei
procurou -se
identificar
as
temáticas
sócio -históricas
a
partir
dos
diálogos com a historiografia sobre a América Portuguesa . Além de
analisar aspectos inerentes à história das produções fílmicas, foram
consideradas, quando possível, as r elações com as políticas culturais e
educacionais do momento para dimensionar o filme de gênero histórico
nessa engrenagem. Desenvolver tais procedimentos metodológicos
favorece a construção de um repertório de informações que podem
subsidiar uma análise f ílmica qualificada.
Ao
estabelecer
os
critérios
para
o
processo
analítico
dos
referidos filmes considerou -se aspectos a respeito do cinema -história.
Como não se intenciona aqui reconstruir o longo debate em torno do
tema, destacam-se alguns aspectos.
Observa-se que a apropriação da história pelo filme remete à
invenção
do
cinema
e
ao
desenvolvimento
da
linguagem
cinematográfica. Contudo, a relação entre historiadores e o filme não
se estabeleceu com a mesma naturalidade, pois tardou a ser valorizada
pela ciência histórica. Em síntese, a desconfiança dos historiadores
quanto ao uso do filme como fonte histórica remonta ao princípio da
representação fílmica e a verdade histórica 40. Embora reflexões sobre a
montagem e intencionalidade da produção de um filme te nham ocorrido
ainda na década de 1920 41, essa percepção perdurou.
A tensão decorrente do filme de gênero histórico entre a verdade
objetiva x subjetividade, ou seja, como um testemunho imparcial ou a
40
A lc id es R am os a pr es en t a um a d et a l ha d a d i s c us s ã o s obr e o pr oc es s o d a re l aç ão
c i nem a- h is tó r i a ; c f .: R A MO S, A lc i des . C a n ib a lis m o dos fr ac os : c in em a e his t ór ia d o
Br as il . B a ur u : E DU S C, 2 0 02 , p. 1 5 - 48 .
41
Des t ac a - s e n es s a d i s c us s ã o , s o bre t ud o, o gru p o d e c i n eas tas r us s os c om pos t o
por , en tr e ou tr os , Le v Ku l ec h o v , S erg e i E is ens te i n, D i zi g a V ert o v ; c f .:
EI S E N ST EI N, S er g e i. A f or m a do f i l m e . Ri o d e J an e ir o: J or ge Z a har , 2 0 02 ;
AU MO NT , J ac qu es . As t e or i as dos c i n e a s tas . 3 .e d. Cam p in as : P a pir us , 2 00 4 ;
S AR A I V A, L ea n dr o. Mo n ta g em s ov i ét ic a. In .: M A S CA R E LLO , F ern a n do . (O r gs ) .
His t óri a d o c i n em a m u nd i a l. 3 . ed . Cam p in as : P a p irus , 2 00 8 .
42
recriação
ficcional
do
passado 42,
os
historiadores
demons traram
hesitação em incorporar o filme em suas pesquisas. Somente a partir
da década de 1960 aproximações mais consistentes ocorreram.
Atribui-se a Marc Ferro o mérito pel a abertura do diálogo entre
historiadores e o cinema, devido ao seu artigo O filme: uma contraanálise da sociedade? 43 para a coleção História: novos problemas,
novas abordagens, novos objetos, dirigida por Jacques Le Goff e Pierre
Nora, lançada originalmente em 1974 44. Ferro defende a construção de
uma metodologia para explorar a relação c inema-história, já que o
filme, independente mente do gênero, pode ser lido como uma contra análise da sociedade, uma vez que a imagem -objeto ultrapassa os
significados cinematográficos. Assim, o cinema se torna um documento
do tempo presente, sendo possíve l ao historiador identificar no filme
elementos
para
compreender
a
sociedade
para
além
das
representações operadas pelos grupos dominantes, já que o filme pode
romper os controles existentes à sua produção, tanto externo s, quanto
internos 45.
Desde então, o cinema ganhou espaço entre os historiadores no
exercício de seu ofício. Novas perspectivas revisaram uma série de
posicionamentos inicialmente assinalados por Ferro.
Intepretações
alicerçadas nas discussões da semiótica, por exemplo, ganharam
destaque a partir das proposições de Pierre Sorlin 46. Entretanto, como
observa Alcides Ramos, apesar da influência junto aos pesquisadores
42
N A PO LIT A NO , Ma r c o s . F o nt es A u di o v is ua is ... o p.c i t.
Pos ter i or m en te o ar ti g o f oi la nç ad o em c om pi l aç ã o c om outr os tra b a lh os d o
au t or, c f .: F ER RO , Ma r c . Ci n e ma e his t ór ia . S ão Pa u l o: P a z e T err a, 1 9 92 .
44
L E G O FF , J ac q u es ; NO RA , P i err e. ( O rg s ). H is to ri a : nov os p rob l e mas , n ov as
ab or d ag e ns , n ov os ob j et os . R i o d e J a ne ir o: Fra nc is c o Al v es , 1 97 6 (3 v).
45
“O f ilm e d es tr ó i a im ag em d o d up l o qu e c a d a i ns t it u iç ão , c a d a i nd i v íd u o
c ons e gu i u c o ns tr u ir d i an te da s oc i e da d e. A c âm era r e ve l a o f u nc io n am ent o re a l,
d i z m ais s o br e c ad a um do q u e s er ia d es ej á v el d e m os tr ar . E l a des v e nd a o
s egr e d o, a pr es e n ta o av es s o de um a s oc i ed a de , s e us “l a ps os ” . El a a t in g e s uas
es tr ut ur as . ( .. .) A id e i a d e q ue um ges t o p od er i a s er um a f ras e , ou um ol h ar, um
l on g o d is c u r s o , é c om p le tam e nt e i ns up ort á v e l: is s o n ã o s i g n if ic ari a q ue a im ag em ,
as im ag e ns ( . ..) c o ns t i tu em a m atér i a d e um a o utr a h is tó ri a q u e n ã o a H is tór i a, um a
c on tr a- a n á lis e d a s oc i ed a de ?” F ER RO , Ma rc . C i n em a e h is t óri a .. . op .c it . , p . 86 .
46
Cf .: SO RL IN , P ier r e . La s t or ia n e i f i l m: i nt erp re ta zi o n e d e l p as s at o. F ire n ze : L a
Nu v o a I tá l i a, 1 98 4; S O RL IN , P ier re . Soc i o l og i a de l c i ne : la a p ert ura p ar a la h is t or i a
de m an ãn a . Méx ic o: F on d o d e Cu l tur a Ec o n ôm ic a, 19 8 5.
43
43
que se voltam para a relação entre o cinema e a história, Sorlin reviu
seus trabalhos, minimizando os limites da semiótica neste p rocesso 47.
Outro nicho analítico ultrapassa a percepção do filme como fonte
para os estudos históricos, procurando entender o filme a partir dele
mesmo e as implicações que as representações nele realizadas t êm
para
a
sociedade 48.
ascendência
sobre
Michele
es se
Lagny,
corpo
de
talvez
o
no me
pesquisadores,
tem
de
maior
promovido
reflexões reconstituindo o cinema como um objeto na historiografia,
imprimindo análises sob perspectiva teórica, em diálogo , tanto no
campo da história, quanto no campo dos estudos de cinema e da
história do cinema 49. Para a autora, a defesa do uso do filme como
fonte histórica – posição tão cara aos pioneiros desse debate e
adotada de forma estratégica para atrair os historiadores a essa seara
– se encontra consolidada. Cabe, então, ab ordar o cinema como
história -problema.
Robert
Rosenstone
também
apresenta
um
ponto
dessa
interpretação ao destacar a historicidade que tem o filme. Assim, o
considera para além da cinefília, reconhecendo no filme de gênero
histórico uma destacada maneira de se representar o passado.
Fi lm es , m in is s ér i es , doc um en tár i os e doc udr am as h is tó ric os
de gr a nd e b i l he ter i a s ão g ê ner os c a d a v e z m a is im port a nt es
em nos s a r e laç ã o c om o p as s a d o e p ar a o n os s o en t en d im ent o
da h is t ór ia . D e ix á - l os f ora d a e q uaç ã o q u an d o p e n s am os o
s en t id o d o p as s ad o s i gn if ic a n os c o n d en ar a ig n ora r a m an e ir a
c om o um s egm e nt o e norm e da p o pu l aç ão pas s o u a en te n de r
50
os ac on tec im en t os e a s p es s oas q u e c o ns t it uem a h is tó ri a .
O autor não subestima a tradição histórica escrita, mas se propõe
a pensar a escrita da história por meio de outros suportes – um
movimento
47
que
acompanha
a
transformação
social
e
suas
“A s em io l o g ia es go t o u - s e ( . ..) . E l a c r io u f e rram ent as b as t a nt e út e is , q ue j á n ão
bas t am ou s e t or nar am inú t eis ”; SO R L IN , P ierr e ap u d R A MO S , A lc i des Fr e ir e.
Ca n ib a l is mo .. . o p.c it ., p. 3 2.
48
P ara um ba l a nç o d as p r i nc i pa is p ers p ec ti v as do f i lm e e s ua re laç ã o c om a
pro d uç ão h is tor i o gr á f ic a ; c f .: S ANT I AG O J Ú NIO R, Fr anc is c o das C h ag as
Fer na n des . Ci n em a e h is t or io gr af i a: tr aj e tó ri a d e um obj et o h is t or io gr áf ic o ( 19 7 1 20 1 0). H is tór i a d a H is t or io gr af i a, O uro Pr et o, n .8 , p. 1 5 1 - 1 7 3, a br .2 01 2 .
49
LAG N Y, M ic h è l e. C i ne e h is t or i a : Pr ob l e m as y m éto d os e n l a i n v es t i gac i ón
h is t ór ic a . B ar c e lo n a: B os c h , 1 99 7.
50
RO S E N ST O N E, Ro b e r t A . A h is tór i a n os fi l mes . O s f i l m es n a H is t ór ia . Sã o Pa u l o :
P a z e T er r a , 20 1 0, p . 1 7.
44
representações, cada vez mais audiovisual, em processo com curva
ascendente e acelerada desde o quarto final do século XX 51.
Ciente de que o sentido histórico da sociedade não é produzido
mais exclusivamente pelas páginas escritas, Rosenstone reconhece
que
o
significado
histórico
de
um
filme
é
distinto
do
saber
historiográfico e, por isso, as análises sobre as narrativas históricas
impressas
e
cinematográficas
precisam
levar
em
conta
suas
peculiaridades. Aliás, reservadas as particularidades existentes entre
autores/escolas referentes ao cinema -história, tem-se como princípio
que um filme é um filme, uma produção artística e comercial e , não, um
trabalho produzido segundo os ditames acadêmicos.
Quase meio século após as primeiras reflexões mais elaboradas
sobre a relação entre a história e o cinema, o panorama da produção
no Brasil comporta duas grandes tendências. Conforme Santiago
Júnior 52, um primeiro grupo seria representado por trabalhos inscritos
na perspectiva da história social, sendo caracterizado por maio r
flexibilidade quanto aos métodos e menos fechado nas questões
teóricas. O autor destaca que as problemáticas dessas pesquisas
relacionam a produção do cinema com questões sociais, políticas e
econômicas, além de se preocuparem com a circulação dos filmes. O
outro território dialoga mais proximamente com a prática da história
cultural, destacando as apropriações e representações sociais n o
cinema. Os autores que desenvolvem trabalhos sob esse viés t êm,
segundo Santiago Jr., procurado estreitar suas análises a uma carga
teórica e conceitual, em especial às reflexões de Roger Chartier 53.
Ressalva -se que essa classificação proposta para as pe squisas
em história-cinema é entendida com finalidade didática e operacional, o
51
A es c r it a v i d eo gr áf ic a ex em pl if ic a a di v ers if i c aç ã o d a es c ri t a da H i s tór i a por m ei o
da l in g ua g em aud i o vis ua l ; c f .: M AU A D, An a Ma ri a . Fo nt es d e m em ór ia e o c o nc e i to
de es c r it a v id e ogr áf ic a: a pr o pós i to da f a t ur a d o t ex t o v id e ogr áf ic o M i lt o n G u ra n em
três t em pos . Rev is ta de H is tór i a O ra l , R io de J an e ir o, v. 1, n º 13 , . 14 1 - 15 1 , 2 01 0;
M AU A D, An a Mar i a; DU MA S , F ern a nd o . Fon t es or a is e v is ua is na pes q u is a
h is t ór ic a : n o vos m éto dos e pos s i b i li d a des nar ra t i vas . In : J u n ie l e A lm e id a R eb e lo ;
Ma rt a G ou v e ia d e O l i v e ir a R o va i . (O r g). In t rod uç ã o à H is t ór ia P ú b lic a . Sã o P au l o:
Le tr a e V o z, 20 1 1.
52
S ANT I AG O
J Ú NI O R,
Fr a nc is c o
d as
Ch a gas
Fe rn a nd e s .
C i nem a
e
h is t or io gr af i a. .. o p.c it .
53
I b id em , p .1 6 4 - 16 5.
45
que nem sempre é qualitativo. De forma alguma se deve entender que
tais produções são excludentes: ou se enquadram no cenário da
história
social
ou
da
história
cultural.
Os
diá logos
entre
os
procedimentos de pesquisa desses trabalhos (metodologias, escopo
conceitual, problematizações) são intensos e reforçam a concepção
aqui seguida de abordar o cinema como uma construção histórico social, bem como entender o filme como objeto e specífico ao qual se
desenvolvem a interpretação e crítica histórica.
A
presente
tese
–
Cinema,
História
Pública
e
Educação:
circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e
Chico Rei (1985) – exemplifica o entrelaçamento desses campos. A
proposição metodológica desta tese considera as interseções entre
aspectos da história social (como problematizar o cinema de temática
histórica e a educação não -escolar; perscrutar as relações entre
política e educação no momento de realização dos filmes ; analisar o
processo de produção dos filmes; identificar o circuito de circulação e
dimensionar o impacto socioeducativo das películas) e da história
cultural (passando da preocupação em atrelar a análise fílmica a
parâmetros conceituais como aspectos da narrativa, representação
cultural, circularidade cultural à representação cinematográfica da
história e à produção do sentido histórico decorrente do filme).
Embora a relação entre história e cinema seja contemplada pela
bibliografia especializada, o mesmo não se pode dizer sobre a precisão
das características dos filmes inspirados pela história 54. Se o binômio
cinema-história delineia o campo do estudo, entretanto, permanecem
imprecisões quanto ao tipo de filme que se propõe abordar a história. O
uso de expressões variadas reflete a compreensão difusa em torno
desse tipo de produção. Robert Rosenstone, por exemplo, opta por
usar o termo filme histórico para toda produção que se propõe a recriar
54
J os é N or ie g a p r o p ôs , no I Co n gres s o In te r nac i o n a l d e H is t ór i a e Ci n e, r e a li za d o
em 20 07 , em Ma dr i, o c onc e it o d e c in e ma - m em ór i a c om o s u bs t it u to a o c i nem a h is t ór ia . N ão o bs ta nt e , es s a t es e n ão s eg u e ta l p ro p os iç ã o; N O RI EG A, J os é Lu i z
S ánc h e z. De l a “ pe l íc u la h is t ór ic a” a l c i ne de l a m em ória . I n .: C A M AR E RO , G l or i a;
HE R A S, B e atr i z d e l as ; CR UZ , Va n es s a de . (O r gs ) . U n a v e n t an a i nd is c r et a : la
h is t or ia des d e de l c in e . Ma dr i d: Ed ic i on es J C , 20 0 8.
46
de forma consciente o passado 55. Opção que comporta ressalvas, já
que temas da história do tempo presente podem motivar enredos e
roteiros de filme ficcionais.
O que se percebe necessário, portanto, é o estabelecimento de
um olhar mais preciso para os tipos de produção fílmica que dialogam
com a história. Nesse sentido , a categoria gênero se apresenta como
um caminho coerente. Reflexões sobre gêneros narrativos, realizadas
primeiramente
no
campo
da
teoria
da
literatura 56,
permitiram
correspondências para o gênero cinematográfico.
O gênero cinematográfico constrói arquétipos e representações
cuja circulação dentro do público consumidor daquele gênero facilita o
reconhecimento da mensagem, estabelecendo padrões compartilhados.
De modo geral, os gêneros são organizados pela própria indústria
cinematográfica.
Um
gênero
torna -se
reconhecível
pelos
seus
elementos estéticos, de elenco e narrativos. Assim, a partir de uma
iconografia, fotografia, cenário, atores e tipo de história, se estabelece
um lugar específico que espera ser o do filme em sua comunicação com
o
público.
Dessa
maneira,
o
gênero
fílmico
reforça
a
própria
engrenagem da economia em torno da indústria do cinema. Por outro
lado, é preciso considerar que alguns gêneros não tiveram seu
estabelecimento atrelado à indústria, como exemplifica o filme noir 57.
Compreendido por esses ângulos, o cinema tem variados gêneros
que agrupam filmes pela estrutura narrativa, linguagem audiovisual,
formato como os gêneros comédia, drama, histórico, faroeste, terror,
policial etc. Assim, parece legítimo reconhecer como um gênero o filme
histórico,
55
afinal
há
uma
temática
específica
e
cuidados
RO S E NST O N E , Ro b e r t A. A h is t ór i a n os fi l mes .. . o p.c i t. , p. 1 5.
“Um gên er o c om pr ee nd e um a c l as s e d e e v en t os c om un ic at i v os , c uj os ex em pl are s
c om part i l ham os m es m os pr o pós i tos . Es t e s pr op ós it os s ão rec on h ec id os pe l os
m em bros es p ec ia l is ta s da c om un i d ad e dis c urs i va d e o ri g em e, po rta nt o , c o ns ti t uem
o c o nj u n to d e r a zõ e s par a o g ê ner o . Es t as r a zõ es m ol d am a es tr u tur a es q u e m átic a
do d is c ur s o e inf lu e n c i am e l im it am a es c o l ha d e c on t eú d o e de es t i l o”; tr a duç ã o
l i vre , c f .: SW ALE S, J oh n M . G e nr e an a l y s is . N e w Yo rk : Ca m brid ge U n i v ers it y
Pr es s , 1 9 90 , p .5 8.
57
Cf .: S IL V E R A la i n; UR S IN I J am es . Fi l m no ir . N e w York : Lam e l ig ht , 20 0 4;
NO G U E IR A , L uís . Man u a is d e C in e ma II : G é ner os C i n em ato g ráf ic os . C o v i l hã :
L i vros L a bc om , 2 01 0.
56
47
supervalorizados
pela
produção
e
pelo
público,
como
detalhada
pesquisa para caracterizar o período temporal representado.
A reconstituição visual do passado onera consideravelmente es se
tipo de produção, tanto que uma das justificativas dadas, em 1977, pela
direção da Embrafilme em abrir vultosa linha de crédito de fomento a
produções do gênero era viabilizá -la, já que o mercado nacional
cinematográfico praticamente não tinha condições para encarar a
empreitada. Uma das consequências dos elevados custos era restringir
a produção, além de prejudicar produtores que tentavam, pois o
orçamento insuficiente exigia improvisações constantes.
O esmero inerente à reconstituição temporal cenográfica, dos
costumes, figurinos, gestos são importantes características do filme de
gênero histórico, entretanto, também o são dos demais gêneros. Por
isso, apenas a reconstituição temporal não é suficiente para definir o
filme histórico. Além disso, ainda que no campo da imaginação, filmes
sobre o futuro e de ficção científica exigem a mesma atenção de
produção. Então, quais outros elementos podem ser elencados para
definir o filme de gênero histórico?
Ciente dos riscos e sem pretender uma resposta definitiva para a
questão, é possível sugerir algumas proposições sobre o filme de
gênero histórico. Entre elas, acredita -se que quatro aspectos inerentes
a qualquer produção fílmica, do faroeste à ficção científica, adquirem
outra dimensão no filme de gênero histórico.
O primeiro aspecto diz respeito à percepção do recorte temporal
em que se desenvolve a narrativa fílmica, podendo ser um passado
distante, recente ou mesmo imediato. Os filmes se desenvolvem dentro
de uma temporalidade específica . Contudo, a problematização dessa
temporalidade é singular ao projeto do filme de gênero histórico, já que
a narrativa é significada na abordagem do tema nessa temporalidade.
Assim, pode-se considerar a representação temporal no filme de
gênero
histórico
o
elemento
desencadeador
da
constr ução
argumentativa e de elaboração do roteiro.
O segundo se refere ao cuidado com a observação dos elementos
audiovisuais
da
narrativa
fílmica
(figurino,
cenário,
fotografia,
48
mobiliário). Este cuidado não deve ser entendido, porém, como uma
camisa de força, pela qual, se houver alguma incongruência , o filme
deixa de ser considerado de gênero histórico. Mesmo porque muitos
diretores recorrem à licença artística e inserem elementos anacrônicos
ao
período
temporal
narrado,
muitas
vezes ,
com
o
intuito
de
problematizar a relação passado -presente 58.
Terceiro, a compreensão da intencionalidade explicativa sobre o
objeto histórico narrado. Mesmo que o filme não se proponha a ser uma
aula de História, o diretor tem a consciência de que seu filme
representa a oportun idade de apresentar uma versão sobre a história,
que pode ser inédita para muitos ou, ao menos, se colocar diante do
saber histórico, de modo complementar ou conflituoso.
Em quarto, considera -se que todo filme se inicia com uma
pesquisa para seu desenvolv imento. Mas a pesquisa temática para uma
produção histórica possui dimensões relevantes, como o diálogo com a
historiografia e, quando houver, outras narrativas referentes ao assunto
abordado. Talvez seja essa a premissa fundamental do filme de gênero
histórico, pois é a pesquisa que permitirá estabelecer elementos para
construir a narrativa sobre o tema e a temporalidade recortados. A esse
respeito, duas breves observações: a) a pesquisa para elaboração do
roteiro não implica transpor as informações recolh idas em arquivos,
bibliotecas e outros suportes para o filme, afinal não se trata de filmar
a produção anterior, mas criar uma narrativa cinematográfica para a
temática; b) uma vez filmado, o trabalho de investigação promove , não
apenas a recuperação de um evento histórico, passado ou atual, mas
termina por favorecer a circularidade do conhecimento sobre o objeto
fílmico, validando, refutando e/ou ressignificando esse saber junto ao
público que toma contato com o filme.
A partir dessas considerações, ratifi ca-se a compreensão do filme
de gênero histórico como produtor de história pública. Ao abordar um
58
C it am - s e, c om o ex e m plo, os s o l d ad os r o m anos arm ad os c om m etra lh a dor a o u
ta n qu es no d es er t o p er s e g u in d o J ud as , e m J es us Cr is t o S up er s tar ( 1 9 73) ; ou a
pres e nç a d e um par d e t ê n is d e gr if e na c o l eç ã o d e c a lç a dos d a r a in h a d a F ra nç a,
em ple n o s éc u lo X VI II, no f i lm e Mar ia A nt o ni e ta ( 20 0 6); c f .: J ES U S C RI ST O
SU P E R ST AR . J EW ISO N, N or m an. U ni v ers a l, 1 97 3, 1 0 8 m in .; M AR I A ANT O N I ET A.
CO P PO L A , S of i a. C o l um bi a P ic t ur es , 20 0 6, 12 7 m in.
49
tema
histórico,
esse
tipo
de
filme
desenvolve
ampla
pesquisa,
ressignifica e contribui para a construção e a difusão de conhecimentos
históricos.
Embora o entendimento dess e gênero fílmico ajude a delimita r
sua abordagem dentro do campo cinema -história, ainda persistem
alguns pontos que precisam ser dimensionados. Is so porque um filme
com essa rubrica pode ter especificidades, sobretudo em relação à
intencionalidade da produção.
Segundo o historiador do cinema José Caparrós Lera, há três
tipos de filmes no campo cinema -história 59: 1º) Com valor histórico ou
sociológico , mas que não tem intenção de ser uma representação
histórica,
quer
dizer,
são
contextuali zados
em
determinadas
temporalidades sem que is so imprima uma marca explicativa sobre o
período. Nesse tipo de filme, a estrutura narrativa não tem foco no
acontecimento
passado,
mas
a
ambientação
temporal
permite
inferências históricas e sociológicas 60; 2º) Histórico, que se sustenta
em personagens, acontecimentos e conjunturas, construído a partir de
ampla pesquisa em variadas fontes, porém sem se ater a uma rigorosa
reconstituição. Destaca -se nessa proposta fílmica a problematização
histórica sem a premis sa de recriar o passado conforme o princípio
objetivista, logo, nesse tipo de filme se permite a incoerências e
anacronismos, às vezes , de maneira explícita e provocativa 61; 3º) Co m
intencionalidade
histórica ,
cujo
objetivo
é
representar
um
acontecimento co m o intuito de reconstruir o passado em uma produção
que se propõe a recriar o mais próximo possível à temporalidade
representada. Predomina nesse tipo de superprodução a perspectiva de
59
L ER A , J os é M ar i a Ca p ar r ós . E l c i ne c om o d oc um ent o h is t ór ic o , R ev is t a
A nt hr op os , nº 17 5, 19 97 .
60
O ov o d a s e r p e nt e ( 1 97 7) , p o de s er pe ns ad o c om o ex em pl o des t a ti p o lo g ia , po is
re ve l a as p ec tos d a s oc ie d ad e a lem ã q u e c u lm i nar am c om os par âm etr os do
na zi s m o, en tr et an t o, s em enf oc ar a p o l ít ic a n a zi s t a em s i; c f .: O O VO D A
S ER P E NT E. B E RG M A N, I ngm ar. Pa ram ou n t, 1 9 77 , 1 20 m in .
61
C om o ex em pl o d es t a s u bc a te g or ia , a l ém os f i lm es Xic a d a S i lv a ( de C ac á
Di e gu es , 1 97 6) e C h ic o Re i ( d e W alter L im a J r., 1 9 85) ; c f .: J E SU S C RI ST O
SU P E R ST AR . J EW ISO N, N or m an. .. o p.c i t.
50
que o audiovisual fílmico funcione como uma janela temporal para o
espectador 62.
Percebe-se
propostas,
o
pontos
que
é
de
tangência
compreensível
por
entre
as
estarem
subcategorias
inscritas
a
uma
categoria maior: cinema -história. As tipologias podem, muitas vezes,
iluminar processos analíticos a partir das características da pesquisa.
Para a tese aqui desenvolvid a, considera -se pertinente a proposição
metodológica
de
José
Maria
Caparrós
Lera,
especialmente
as
referentes ao tipo de filme histórico, pois compreende -se Xica da Silva
e Chico Rei nessa subcategoria, já que esses f ilmes se sustentam na
História de Minas Gerais e do escravismo, inclusive recriando cenários
e figurinos, porém com ampla liberdade na construção de seus roteiros.
A análise fílmica é um processo complexo e com variações de
procedimentos.
Um
dos
pontos
ba silares
das
análises
aqui
empreendidas é procurar ultrapassar o aspecto realista frequentemente
enfrentado pelos filmes de gênero histórico. Como filmes ficcionais
inspirados e orientados pela História, entende -se lícito que o produto
desse gênero utilize dos dados histórico -acadêmicos e de outros
formatos narrativos para criar livremente sua narrativa fílmica. Por
outra via, também se procurou reconhecer a subjetividade excessiva ao
delinear parâmetros decorrentes das narrativas que trabalharam a s
histórias de Chica da Silva e de Chico Rei. Ou seja, a análise
empreendida visa escapar das limitações decorrentes das cobranças
polarizadas entre
realismo/subjetividade,
valorizando ,
na
estrutura
fílmica, elementos que permitam a reflexão da construção da narrati va
histórico -cinematográfica como história pública , posto que o filme
dialoga com a história, e não a substitui .
T r a zer f i lm e, tex tos f ic c i on a is e o utr os pr o du tos ar tís t ic os par a
a c e na da P es q u is a e do Ens i no de His t óri a , po rt an t o, é f a zê l os d i a l og ar em c om o tr ab a lh o d os h is t or ia dor es , ao i n v és de
os tr a tar c om o parc e iros m e nor es e i gn ora n tes , a s erem
c or r ig i d os p e la c i ênc i a. E d es c ob ri r q ue m u it as s ã o as v o ze s
62
In de p en d ênc i a o u Mo r te , d e C ar lo s Co im br a , é um ex em p lo de f ilm e n ac io n a l c uj a
pro p os t a f o i es t a b e l ec er um a repr es en taç ã o f id e di g na do pas s ad o ; c f .:
IN DE P E ND Ê NC I A O U MO RT E . CO IM B R A, C ar los . Em braf i lm e, 19 7 2, 1 0 8 m in .
51
c om dir e it o à f a l a r ef l ex i va ( n o p l an o do c o nc e i to o u n o p la n o
63
do s ens í ve l) s obr e H is tór i a .
Desde as primeiras considerações de Marc Ferro sobre o cinema história, os procedimentos metodológicos inerentes à análise têm
recebido os devidos cuidados. Apesar de variáveis, em síntese , a
análise contempla duas dimensões interdependentes: externa e int erna.
Assumem-se aqui quatro etapas analíticas 64. 1ª) contextualização:
tanto
histórica,
em
que
se
abordam
as referências históricas
e
sociopolíticas do período representado , quanto fílmica, analisando o
momento da produção do filme; 2ª) produção artística e comercial: que
procura
entender
o
processo
de
criação,
composição
artística,
financiamento e distribuição; 3ª) análise do filme: o pesquisador deve
atentar para desvendar as proposições ideológicas, os elementos
estéticos, as mensagens e a recepção públi ca do filme; 4ª) o impacto
do filme: avaliar a repercussão sociocultural, tanto no momento do seu
lançamento, quanto ao médio e longo prazo s.
Considerando tais diretrizes, as análises dos filmes Xica da Silva
e Chico Rei são estabelecidas a partir das prob lematizações referentes
à circularidade do conhecimento histórico e da educação escolar e não escolar.
Etapas
analíticas
de
fundo
externo
foram
abordadas
considerando as construções de representações sobre os personagens protagonistas em variados suportes , dos seus projetos fílmicos e da
repercussão via imprensa .
Quanto à análise interna do filme, é corrente o uso da decupagem
fílmica como procedimento metodológico. Conforme Ismail Xavier, esse
processo de desmontagem do filme permite entendê -lo constituído
[.. .] d e s e qu ê nc ias – u n id a des m enor es d e nt ro de l e, m arc a das
por s u a f u nç ão dr am átic a e/ o u pe l a s ua p o s iç ão n a narr a ti v a .
Ca d a s eq u ê nc i a s er i a c ons t i tu í da d e c e n as – c ad a um a das
par t es d o ta d as d e u n id a de es paç o - tem po ra l. P art i n do d aí ,
def in am os po r en q u a nt o a d ec up a ge m c o m o proc es s o d e
dec om pos iç ão d o f i lm e (e p ort a nt o d as s e qu ê nc ias e c e n as )
63
SI L V A, M ar c o A nt ô n io . A c a ric a tur a c o m o pens am ent o : a C ar lo ta de Car l a.
Rev is ta
O
Olho
da
H is t ór ia ,
n .1 0,
2 00 8,
p .8 .
Dis p on í v el
em :
< ht tp :/ /o o l ho d ah is to r i a .or g/ ar t ig os / I M AG EN S - c ar ic a t ura - c ar l ot a- c ar l a - m arc os s i l va . pdf > Ac es s o em : 27 ag o. 20 0 8.
64
L E R A, J os é M ar ia C a par r ós . A ná l is is h is tór i c o d e l os f i lm s d e f ic c i on . Cu a de rn os
Ci n em a to gr áf ic os , n º 10 , 1 99 6 .
52
em pla n os . O p l an o c orr es p o nd e a c a d a t o m ada d e c e na , o u
s ej a , à ex t ens ã o de f i lm e c om pre e nd i d a en tre d o is c ort es , o
qu e s ig n if ic a d i ze r q u e o pl a no é um s egm en t o c o nt ín u o d a
65
im ag em .
Ao realizar o exercício de decupagem dos filmes Xica da Silva e
Chico Rei, foi possível reconhecer aspectos temáticos e estéticos em
suas estruturas. Entretanto, apesar da reconhecida validade deste
procedimento, optou -se por não aprofundá-lo diante dos objetivos
centrais da tese, que ultrapassam os aspectos estéticos dos planos do
filme 66.
O fato é que a análise fílmica implica escolhas e olhares
específicos que atendam ao propósito do empreendimento analítico.
Não por acaso o filme t ermina por ser revisto várias vezes, a fim de
viabilizar
o
cruzamento
problematizado
dos
elementos
fílmicos
representados com informações coletadas em pesquisas nos âmbitos
interno e externo da produção. Nesse sentido, a análise de um filme ou
de seu fragmento implica
[.. .] d es pe d aç ar, d e s c os t ur ar, d es un ir , ex tr a ir, s e p ara r,
des t ac ar e d en om in ar m ater i a is q ue n ão s e p erc eb em
is ol a dam e nt e “a o l ho nu” , um a v e z q u e o f i l m e é tom ad o pe l a
to ta l i da d e.
Par t e - s e ,
p ort a nt o,
do
t ex to
f ílm ic o
pa ra
“ des c o ns tr u í - lo” e o b t er um c onj u nt o d e el e m entos d is t i nt os d o
pr ó pr i o f i lm e. Atr a v é s des s a et a pa , o a n a lis t a a d qu ir e um
c er t o d is t a nc iam en t o d o f ilm e.
[.. .] Um a s eg u nd a f as e c o ns is t e, em s egu i d a, em es ta be l ec er
e los en tr e es s es e l e m entos is o la d os , em c om pre en d er c om o
e les s e as s oc iam e s e t or n am c úm pl ic es p ara f a ze r s urg ir um
67
to d o s i gn if ic a nt e: r ec o ns tr u ir o f i lm e o u o f ra gm ent o .
É
estabelecido,
portanto,
um
processo
de
desconstrução
e
reconstrução, no qual se descreve o filme para , então, interpretá-lo.
Deve-se
atentar
procedimentos
65
para
não
incorrer
complementares
e
em
desequilíbrio
interligados .
Quer
entre
dizer
esses
que
o
X A VI E R, Is m a il . O d i s c ur s o c i n e m at o gr áf ic o . 3. e d. Sã o P au l o: P a z e T err a, 20 0 5,
p. 2 7.
66
“A de s c r iç ã o pl a n o p or p la n o apr es e nt a o inc o n ve n ie n te de pr i v i le g i ar
prec is am en te o p la n o c om o u ni d ad e ( e is s o em vár i os ní v e is : n arr at i v o, dr am át ic o ,
p lás t ic o , a n a lí t ic o) . O r a, um f ilm e t am bém s e a pr es en ta c om o um c onj u n to d e
c onj u nt os d e p la n os , agr u p ad os d e ac o rd o c om c rit ér i os nar ra t i vo s , pl ás tic os e tc .” ;
NO YE , Fr a nc is ; G O L IO T - L ÉT É, A nn e . E n s a io s o bre a an á l is e f íl m ic a. 7. e d.
Cam pi n as : Pa p ir us , 2 0 12 , p .7 9.
67
I b id em , p .1 4 - 1 5
53
exercício descritivo não seja confundido com o trabalho interpretativo,
ou, ainda, que a interpretação se sustente em uma frágil descrição.
Ressalva-se o aspecto interdependente deste processo, afinal tais
etapas fazem parte de um mesmo movimento, já que se interpreta ao
descrever
e
vice -vesa,
ou
seja,
a
distinção
em
etapas
é
uma
formalidade operacional. Dessa maneira, minimizam -se os riscos de se
realizar uma análise que extrapole o próprio filme – que deve ser o
ponto de partida e chegada do trabalho analítico 68.
De acordo com a natureza da presente pesquisa – que objetiva
compreender o filme de gênero histórico como produto/produtor de
história pública –, procura -se analisar os elementos fílmicos em
diálogos
com
questões
tematizadas
que
permitem
reconhecer
o
intercâmbio entre as narrativas realizadas sobre Chica da Silva e Chico
Rei
e
as
narrativas
cinematográficas,
vislumbrando
tanto
a
circularidade do conhecimento histórico , quanto a ressignificações
desse conhecimento. Assim, a análise ocorre por meio de eixos
norteadores definidos a partir da própria estrutura fílmica e atrelados à
produção historiográfica sobre a sociedade mineira setecentista, com
destaque para as relações escravistas.
O
período
desenvolvem
histórico
ambos
os
da
América
filmes
Portuguesa
favorece
a
no
qual
se
representação
e
problematização de temas inerentes àquela sociedade como relações
escravistas, religiosidade e papel da Igreja, atividades de trabalho
tanto escravo quanto livre , aspectos da administração colonial. Esse
conjunto de representações construídas a partir dos protagonistas
Chica
da
Silva
e
Chico
Rei
é
analisado
por
meio
do
diálogo
estabelecido com referências hi stóricas e sociopolíticas do período
abordado pelos filmes, em consonância com outras fontes que serviram
de subsídio para a realização dos filmes.
Ambas
as
películas
apresentam
uma
estrutura
narrativa
construída em torno de representações sobre liberdade e resistência –
68
Par a pr oc e d im ent os d e a ná l is e f ílm ic a, c f .: AU MO NT , J ac qu es ; M AR I E, M ic h e l. A
an á l is e do f i lm e. 2 .e d . L is b o a: T ex t o & G r a f ia , 20 0 4; V ANO YE , F ranc is ; G O L IO T L ÉT É, A n n e. E ns ai o s obr e a a ná l is e fí l m ic a. .. o p.c it .; X A V I ER , I s m ail . O d is c urs o
c i ne m at o gr á f ic o .. . o p. c it .
54
binômio por excelência inerente à dinâmica social do período. É em
torno desse eixo que os títulos fílmicos serão anal isados. Ressalta -se
que, como o filme de gênero histórico diz muito sobre o período em que
foi realizado, essa temática tam bém estava em voga a partir da
segunda metade da década de 1970, quando foram produzidos alguns
títulos fílmicos concomitantemente ao processo de abertura política
com a gradativa reorganização da sociedade civil durante a ditadura
militar 69.
Sob o prisma da ideia de liberdade, optou -se por estabelecer três
eixos condutores para a análise de Xica da Silva e Chico Rei. O
primeiro aborda as representações de liberdade nos filmes, abarcando
suas variadas matizes para a dinâmica da sociedade setecentista
mineira idealizada pelos diretores – da intrínseca submissão escrava
às liberdades social, política e econômica. Já o segundo recorte diz
respeito
à
meta -história,
ou
seja,
“[...]
o
recurso
de
filmar
um
determinado período histórico e atribuir nas suas cenas ele mentos do
momento contemporâneo” 70, que intenta trabalhar temas inerentes aos
contextos das filmagens deslocados para temporalidade apresentada
na narrativa fílmica. Enquanto o terceiro segmento analítico se volta ao
viés didático e pedagógico, uma vez que muitas sequências dos filmes
assinalam a preocupação em explicar ao espectador fatos e conceitos
históricos.
Ressalva-se que os eixos recortados são parâmetros analíticos ,
que assumem a função balizadora . Deve-se, assim, evitar considerá -los
de modo estanque e segmentado, pois se articulam com toda a
69
Al g uns tí t u l os pr o du zi d os nes s e p er ío d o c on t in h am c rític as v e l ad as , o u m esm o
d ire tas , à d it a dur a m ili ta r , e nf re nt an d o, p or is s o, pr ob l em as c om a c ens ur a
go v er n am ent a l; c f .: I RA C E M A, U M A T R AN S A AM A ZÔ N IC A . B O DA N SC K Y, J or g e.
St o pF i lm . 19 7 4, 9 0 m in.; E L E S N ÃO U S A M BL A C K TI E . H IRZ S M AN , Le o n.
Em braf i lm e. 1 9 81 , 12 3 m in .; P R Á F R ENT E BR A S IL . F A RI A S , R o b ert o. Em braf i lm e.
19 8 2, 1 10 m in .. S o br e a a ber t ura p o lí tic a ; c f .: Z AV E RU CH A , J org e . R u mor d e
S abr es . Tu te l a m i l i tar ou c o ntr o le c iv i l? S ão P au l o: E d it ora Á t ic a , 1 99 4 ; D´ AR A ÚJ O ,
Ma ri a C e l in a; C A ST R O , Ce ls o; et .a l . De m o c rac ia e Forç as Ar m a das no C o ne S ul .
Ri o d e J an e ir o: E d it or a FG V , 20 0 0; S I LV A , Fra nc is c o C ar los T eix e ira d a. Cr is e da
d it ad ur a m il i tar e o pr oc es s o d e ab ert u ra p o lí t ic a n o B ras i l , 1 97 4 - 1 98 5. In .:
FE RR E IR A , J or g e & D E LG A DO , L uc íl i a d e A lm ei d a Ne v es . O Br as il R e pu b l ic a n o,
v o l. 4 . R io d e J a n ei r o , E d . Ci v i l i za ç ã o B ras i l e ira , 2 00 3 .
70
En tr e vis t a d e J e an - Cl a u de Be rn ar de t g ra va d a p ar a o ex tr a d o D VD O s
Inc o nf i de nt es ; c f .: O S IN CO N FI D ENT E S . A ND RA D E, J o a qu im P e dro d e . F i lm es d o
S erro / Em br af i lm e. 1 9 7 2 ( 2 00 7) , 82 m in .
55
estrutura fílmica. Como dito, o conceito principal de ambos os filmes é
a liberdade, sendo que as categorias propostas – imaginários de
liberdade, meta-história e o aspecto pedagógico do filme – interagem
com esse conceito por toda a narrativa cinematográfica.
Destarte, procurou -se desenvolver as análises da pesquisa, que
se localizam na interface cinema, educação e história, a partir do s
possíveis significados produzido s pelas representações fílmicas. Dessa
maneira, buscou-se evitar considerar os planos do filme com uma
expressão que confirmasse o saber histórico existente. Para tanto,
estabeleceram-se
diálogos
entre
as
variadas
fontes
narrativas
a
respeito de Chica da Silva e Chico Rei e seus contextos sócio históricos, o conhecimento historiográfico referente à temática e o
sentido produzido pela narrativa cinematográfica na perspectiva da
história pública.
A
preocupação
representações
central,
f ílmicas
portanto,
sobre
não
determinado
foi
conferir
se
acont ecimento
as
ou
personagem histórico ratificam a produção historiográfica ou são
recriações artísticas apartadas da pesquisa acadêmica , mas, sim,
reconhecer no processo de construção da narrativa cinematográfica
com temática histórica a circularidade de fontes que serviram para
elaborar
a
produção
fílmica
e
a
reflexão
histórica
que
pode m
proporcionar, delineando cenários favoráveis , a educação para o
conhecimento histórico.
56
1. A CONSTRUÇÃO DA TEMÁTICA HISTÓRICA:
REPRESENTAÇÕES DE CHICA DA SILV A E CHICO RE I
Os enredos sobre os escravos Chica da Silva e Chico Rei, que
conquistaram a liberdade e obtiveram destaque na sociedade do século
XVIII, têm sido apresentados em múltiplas possibilidades narrativas. A
literatura, a música, o carnaval, o cinema são algun s dos meios de
expressão que contribuíram para construir o imaginário social 71 em
torno desses protagonistas e seus contextos sócio -históricos. As
narrativas
realizadas
nessas
linguagens
revelam
um
movimento
essencial para a sociedade: a construção da memór ia.
A narrativa não é um encadeamento aleatório de acontecimentos.
A escolha do que narrar e por qual perspectiva o fazer são complexas e
estão atreladas à relação temporal passado -presente. A negociação
presente na disputa pela construção e ressignificaç ão da história, por
meio da recuperação, produção e organização de narrativas sobre os
acontecimentos, incorre na elaboração também dos referenciais de
pertencimento, cuja leitura produz sentido. Narrativa esta que, também,
passará a ser objeto de análise das gerações de historiadores, bem
como das demais pessoas que procuram ressignificá -la.
Para analisar o processo de construção de narrativas, recorre -se
a Paul Ricouer e suas reflexões relativas à temporalidade histórica.
Segundo o autor, a história se ap roxima da imaginação. Dela, porém,
se distingue dada a sua determinação temporal e intencionalidade em
71
“O im ag i nár i o s oc i a l é um as pec t o d a v id a s oc ia l , d a at i v id a de g l o ba l d os a g en tes
s oc ia is , c uj as p ar t ic u l ar id a des s e m anif es t a m na d i v ers id a de dos s eus pr od ut os . O s
im ag i nár i os s oc i ais c o ns t i tu em ou tr os ta n tos p o nt os d e r ef er ênc i a no v as t o s is tem a
s im bó l ic o qu e q u a lq u e r c ol et i v i d ad e pr o du z e a tra v és d o q u a l, c o m o dis s e Ma us s ,
e la s e per c e pc io n a, di v i de e e la b ora o s s eus pr ó pr ios o bj et i v os ”; B ACZ K O ,
Br on is l a w. Im ag in aç ão S oc i al .. . op .c it ., p .3 0 9 .
57
recuperar o passado, enquanto a imaginação é imprecisa e se encontra
no campo ficcional 72.
Para Paul Ricouer, a memória se localiza no nível intermediári o
entre a experiência temporal humana e a operação narrativa, que
procura
dar
sentido
à
experiência
vivida.
Nes se
ponto,
o
autor
distingue a narrativa ficcional da narrativa histórica. Enquanto a
primeira está inscrita no campo da imaginação, a segunda alm eja o
conhecimento do passado, pautando -se pelos vestígios localizados e
datados, sendo o uso de documentação uma das linhas divisórias entre
história e ficção 73.
A construção da narrativa histórica, entre quase ficcional e quase
realidade, não é mera suce ssão de episódios dispersos. Na tentativa
de atribuir sentidos à experiência vivida, opera -se o encadeamento de
eventos que são significados/interpretados em narrativas temporais.
Por meio dessa ação, “ [...] o tempo torna-se tempo humano na medida
em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a
narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da
experiência temporal” 74.
São necessários, portanto, pontos de reconhecimento para que as
narrativas permitam sentidos interpretativos do passa do-presente. O
escritor/narrador está imbuído dos valores do seu tempo presente,
porém não pode se furtar aos acontecimentos do período histórico
abordado, seus personagens, datas. Por outra via, o leitor/espectador
72
Pa u l R ic o u er , em tr a ba l h os c om o Tem p o e Narr at iv a (2 01 0) , en t en d e a n arr at i v a
h is t ór ic a c om o um ex er c íc i o de f ic ç ão e at re l ad o a m et o do l og i a d a p es q uis a
h is t ór ic a . Par a o a ut o r , p or t a nt o, a es c r i ta h is t or io gr áf ic a d ec orr e da r e laç ã o e ntr e
im ag i naç ã o e r e a l i da de . Ric o u er r e c o n hec e a n arr a ti v a h is t ór ic a en tr e o q u as e
fic c i o na l e o q uas e r ea l i da d e , m as s u a po s iç ão re v e l a p os s í ve i s c o ntr a po nt os a o
d is c urs o h is t ór ic o c o m o nar r a ti v a l i ter ár i a, l i vr e e f ic c io n al , c o nf orm e pr o pos t o por
H yd e n W hite em s e u tex to Me t ah is tór i a p ub l ic a d o em 1 9 73 ; RI CO U ER , P au l .
Te mp o .. . o p.c i t. ; W HITE, Ha yd e n . Me ta- h is t or ia : a im ag i naç ã o h i s tór ic a d o s éc u l o
X IX . 2. e d. Sã o Pa u lo : ED U S P, 1 9 9 5.
73
Pa u l R ic o u er r es s a l v a n ão c om pree n d er o d oc um en t o c om o s en t id o d e re a l,
c om o ver d ad e ; um a p er s pec t i va c orre n t e d ura nt e a es tr ut u raç ã o d a c i ê nc ia
h is t ór ic a n o s éc u l o X I X , m as qu e a in d a h oj e ec o a, s o bre t ud o, n a es f er a d o s ens o
c om um . O d oc um en t o a pr es e nt a im ens o v a l or e é im pres c i nd í ve l p ara a r ef l ex ã o
h is t ór ic a , m as de v e s er d e v id am en te pr ob l em ati za d o , af in a l a e l ab o r aç ã o d e um
doc um en to - m o num en t o ou a i n ter pr et aç ão d e um ves tí g i o c om o d oc um en t o prec is a
l e var em c on ta a i nt enc i o na l i da d e e m s ua e la b or aç ã o; RI CO U E R, P a ul .
Te mp o .. . o p.c i t. P ar a a r el aç ã o e ntr e h is tó ri a , m em ória e d oc um en t o, c f .: L E G O F F,
J ac q u es . H is tór i a e Mem ór i a . 5 . ed . Cam p in a s : Un ic am p, 2 00 3.
74
RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it ., p .8 5 .
58
precisa transitar por esse cenário e tem poralidade contando com
repertório
que
lhe
propicie
o
reconhecimento
ou,
então,
o
estranhamento.
As narrativas fílmicas Xica da Silva e Chico Rei são, nesse
sentido, emblemáticas, ainda que distintas – já que Cacá Diegues
optou pelo viés da comédia para re presentar, em sua visão, a doidice
brasileira; enquanto W alter Lima, ao se afastar do estilo samba do
crioulo doido, desenvolveu um drama que valorizasse a objetividaderealidade. Entretanto, é notória, em ambos os diretores, a preocupação
com a forma narrativa a ser construída, cientes de que os espectadores
poderiam ser levados à reflexão sobre as histórias contadas em seus
filmes. Percebe-se, portanto, a ideia do cinema -história como mediador
do conhecimento histórico, em um processo de construção de his tória
pública – ainda que esse conceito não lhes fosse familiar, tampouco
corrente no Brasil ao período em que produziram os filmes.
A pluralidade de registros, nos mais variados formatos, sobre
Chica da Silva e Chico Rei, endossa a ideia de que os filme s sobre
suas vidas decorrem das escolhas realizadas pela equipe de produção.
Essas representações estão sujeitas a interpretações distintas e , até
mesmo, contraditórias, dentro do próprio filme. Compreender como são
construídas,
seus
sentidos
e
sua
signifi cação,
é
essencial
para
entender o filme e seu potencial educativo, escolar e/ou não -escolar.
Afinal, a realização de um filme com temática histórica se desenvolve a
partir de intenso diálogo com as narrativas sobre o período a ser
representado.
Em pr im eir o lu g ar, os in te l ec t u a is e c o ns u l tor es f or nec em ao
d ir e to r o q u ad ro g er a l – a le i tu ra d o tem a or i un d a j á d e um
r ec o r t e b i bl i o gráf ic o , as f ont es es c ri t as e v is u ais a s er em
c ons u lt a das e r ep ro d u zi d as , o m at er i al m us i c a l a s er ut i l i za d o
e a p os iç ã o d a ob ra de n tro d e um c o nj u nt o de in ic i at i v as d e
75
ép oc a .
Todavia, a análise dessas representações inerentes aos filmes ,
seja composta por image ns canônicas, quer dizer, aquelas que “[...]
constituem
75
pontos
de
referência
inconscientes,
sendo,
MO R ET T IN, E d uar d o V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . o p.c i t. , p .2 2.
portanto,
59
decisivas em seus efeitos subliminares de identificação coletiva” 76, seja
a sua contraposição não -canônica, deve ser realizada considerando os
referenciais com os quais dialogam. Sobretudo porque, conforme
pensado por Bronislaw Baczko, o imaginário social se constitui c omo
um aspecto da organização sociopolítica 77.
A sociedade é, assim, significada a partir de narrativas histórica s
e/ou ficcionais que lhe permite m se identificar nesse passado -presente.
A construção dessas narrativas estabelece, inclusive, a demarcação de
posições entre os grupos sociais. Por isso, sua relevância não deve ser
considerada secundária dentro das relações políticas .
Es s e im ag i n ár io , d o q ua l f a zem p art e as i d e ias de l i ber d ad e ,
c or a g em , a bn e gaç ã o , s ac rif íc i o, p a tri o ti s m o,
tem
um a
ex is t ênc i a h is t ór ic a ef et i v a, n ão p o de n do s e r c o ns id er ad os n o
s en t id o do irr e a l, do f an t as i os o e d o i l us ór i o e , m ui to m en os ,
c om o um a m era d ef o rm aç ão do r e al . O im ag i n ár io e o m i to
po l ít ic o
s ão
r ec o n hec i d os
s oc ia lm en te
e
p erc eb i dos
s ubj et i v am en te , o q u e t or na p os s í v e l s u a ut i l i zaç ã o c om o
i ns tr um ent os de l eg i ti m aç ão. É o q ue p er m ite q u e o po d er
po l ít ic o – q ue par e c e ter s em pre a pr eoc u paç ã o d e s e
apr o pr ia r d e a lg um as das m ais c aras re pr es en t aç õ es c o le t i vas
– pr oc ur e d om in ar o im ag i n ár io s oc i a l e um c o nj u nt o d e
s ím bol os ,
t r a ba l h an do - os
no
s en t id o
de
f ort a l ec ê - l os ,
78
ar t ic u la n do - os às prá t i c as p ol ít ic as d o pr es e nt e .
Bronislaw
Baczko,
portanto,
amplia
a
lente
de
análise 79
destacando o processo de articulação entre representações e seu papel
na conformação social, a partir do c onceito de imaginários sociais. O
poder
simbólico,
decorrente
do
imaginário
social,
contribui
para
divulgar e reforçar a legitimidade de ações políticas e culturais de
grupos específicos; ressalvando que não se deve desconsiderar as
relações
76
já
estabelecid as
e
validadas
entre
o
imaginário
e
as
S AL I B A, E l ias T . As Im age ns C a nô n ic as e a H is t ór i a. I n .: MO R ET T IN, Ed u ar do
V ic t ór i o. S A LI B A , E li as T h om é. (e t. a l). ( O rgs ) . H is tór i a e C i ne m a: d i me ns õ es
h is t ór ic as do a u d iov is ua l . S ão P au l o: A lam e da , 2 00 7 , p. 8 8.
77
B A CZ KO , Br o nis l a w. I m agi naç ã o S oc ia l .. .o p .c i t.
78
FO N S EC A , T ha ís N . d e L im a e . D a i nf âm ia ao a lt ar da p á tri a : m em ória e
rep res e nt aç õ es d a I n c onf i d ê nc ia M i ne ir a e d e T ir ad e nt es . 2 0 01 . T es e ( Do ut or a do
em His t ór ia) – F ac u l d ad e d e F i l os of ia e C i ênc i as H um an as , U n i v ers id a de de S ão
P au l o, Sã o P a u lo , p .1 3.
79
J ac qu es R e ve l r e f le te s o br e a pers pec t i va a n a lí tic a p a ra a pes q u is a
h is t or io gr áf ic a, des ta c an d o a im port â nc i a na def in iç ã o d o o bj e t o d e es t u d o e a
m ane ira c om o s er á ab or d a d o: “ Var i ar a o bj e ti v a n ã o s i g n if ic a a pe nas aum e nt ar (o u
d im in uir ) o t am an ho d o o bj e to no v is or, s ig n if ic a m od if ic ar s u a f or m a e s ua tr am a”;
RE V E L, J ac q u es . Mic r oa n á lis e e c ons tru ç ã o do s oc i a l. I n: R E V E L , J ac q u es (O rg) .
J og os d e Es c a l as : a e x per i ê nc ia d a m ic r o an á lis e . Ri o d e J a ne ir o : FG V , 1 99 8 , p. 2 0.
60
experiências sociais 80. Além disso, o imaginário social pode, também,
deslegitimar
determinada
realidade,
favorecendo
a
ruptura
e
a
inauguração de um novo projeto político, pois
o im ag in ár i o s oc i a l e la b ora d o e c o ns o li d ad o p or um a
c o le t i vi d ad e é um a das res p os t as q ue e s ta d á a os s eus
c onf l it os , d i vis õ es e v i ol ê nc ias r e ais o u p ot enc i a is . T o das a s
c o le t i vi d ad es
t êm
os
s eus
m od os
de
f u nc io n am ent o
81
es p ec íf ic os a es t e t i po d e r e pr es e nt aç ões .
As representações que compõem e sse imaginário social, portanto,
podem estabelecer pontos de reconhecimento, de pertencimento. Uma
análise contrária também é pertinente, ou seja, uma leitura às avessas
dos cânones imagéticos ajuda a identificar ideologias e interesses de
grupos.
1.1.
Xica da Silva e Chico Rei:
múltiplas representações narrativas
Os personagens Chica da Silva e Chico Rei foram construídos,
significados,
apropriados
e
ressignficados 82
pelos
suportes
da
literatura, da música e do carnaval. A análise, aqui proposta, destaca
aquelas produzidas até o momento em que esses registros se tornaram
fontes
para
os
desenvolverem
cineastas
suas
Cacá
narrativas
Diegues
fílmicas
e
–
W alter
em
Lima
1976
e
Júnior
1979,
respectivamente. Isto se explica porque se almeja trabalhar com os
materiais disponíveis para a equipe cinematográfica quando o filme foi
produzido,
logo,
com
os
quais
foi
possível
estabelecer
diálogo.
Contudo, como os temas continuaram a ser reapropriad os após as
produções fílmicas, por exemplo, nos campos da música, do turismo e
da educação escolar, foram realizadas an álises visando reconhecer a
80
T ha is Fo ns ec a c h a m a a at enç ã o p ara a pr eoc u paç ã o de B ron is l a w Bac zk o
c on tr ap or s ua c o nc ep ç ão d e im ag in ár i o s oc i al a o c o nc e it o de i de o lo g ia , po is es t e
c om pre en d e o im a gi n ár io n o c am po do irr ea l , da i l us ã o ; FO NS EC A , T h ais N . d e
L im a e . Da in f âm i a. .. o p.c i t. p .1 3 .
81
B A CZ KO , Br o nis l a w. I ma g i naç ã o S oc ia l .. .o p .c i t. , p. 3 0 9.
82
T rab a lh a - s e, a qu i , n a pers p ec t i v a d e R o g er C h art i er, par a q uem as
rep res e nt aç õ es c ul t ur a is têm um va lor i m pres c i nd í v el n a c o nf orm aç ã o s oc i a l,
de v e nd o s er an a l is ad as c om rig or q u e p rim e pe l as s ua s es p ec if ic i d ad es
de v i d am ent e h is t or ic i z ad as ; CH A RT IE R, R o g er. A h is t ór ia .. . op .c it .
61
circularidade do conhecimento histórico em torno de Chica da Silva e
Chico Rei e seus contextos 83.
1.1.1.
No campo literário
As histórias de Chica da Silva e Chico Rei – este considerado
pela historiografia uma lenda – são conhecidas pela tradição popular
oral. Na década de 1970, os cineastas Cacá Diegues e W alter Lima
Júnior declararam que os trabalhos do memorialista Joaquim Felício
dos
Santos,
da
poetisa
Cecília
Meireles
e
do
literato
Ag ripa
Vasconcelos foram essenciais como fontes para elaborarem os roteiros
de seus filmes. Ao perscrutar como esses registros foram construídos,
objetivando reconhecer reapropriações e ressignificações, constata -se
o intenso diálogo entre eles.
Desde o século XVIII, memórias relacionadas ao escandaloso
romance entre a escrava Francisca e o contratador dos diamantes , bem
como sobre a esperança de liberdade envolta no mito de Chico Rei,
circulavam pelas regiões mineiras. A literatura, ao narrar as trajetórias
de
vida
desses
consolidação
de
ex-escravos,
uma
versão
representou
importante
histórica/ficcional,
cujos
papel
na
elementos
principais se mantiveram à medida que eram ressignificadas por outros
registros.
Sob essa perspectiva, a vida de Franscisca da Silv a recebeu um
tratamento literário ainda no século XIX. Reconhece -se no memorialista
Joaquim Felício dos Santos a primeira notícia a respeito da negra do
arraial do Tejuco. O autor publicava as histórias do Distrito Diamantino
no jornal diamantinense O Jequitinhonha, a partir de 1862. Anos
depois, seus textos foram compilados no livro Memórias do Distrito
Diamantino e do Serro Frio, cuja primeira edição foi lançada em 1868 84.
Republicano atuante, Joaquim Felício dos Santos, em suas
Memórias..., matizava negativamente personagens ligados à monarquia
83
A a n á lis e da i ns er ç ã o d os t em as Ch ic a d a S i l v a e Ch ic o R e i na e duc aç ão f o i
rea l i za d a no c ap ít u lo 4 – R e v erb er aç õ es d e X ic a d a S i lv a e C h i c o R ei ; i t em 4.2.
A pro pr i aç ã o f i lm ogr áf i c a p ar a f i ns e duc a ti v o s .
84
S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias d o .. . op .c it .
62
portuguesa e sua descendência brasileira, como o contratador João
Fernandes de Oliveira. Por outro lado, valorizava aqueles que, de certo
modo, contestaram a política metropolitana, como o caso de Felisberto
Caldeira Brant, que também arrematou o Contrato de Extração dos
Diamantes 85.
Nota-se, ainda, na narrativa de Joaquim Felício, o pouco espaço
ocupado pelas mulheres. Apesar dessa característica, compreensível,
em certa medida, pela baixa representação pública fem inina no século
XVIII, Francisca da Silva recebeu sua atenção. A passagem referente à
ex-escrava
não
é
extensa,
porém
o
memorialista
a
retratou
pejorativamente.
Fo i c é l e br e es t a m ul h er, ú nic a pes s o a a nt e qu em s e c ur v a va o
or g u l hos o c o ntr at a dor ; s u a vo nt a d e er a c e ga m ente o be d ec id a ,
s eus m ais l e ves o u f rív o los c apr ic h os pr o nt am ent e s a t is f e it os .
Dom in a d or a n o T ij uc o , c om a i nf l uê nc i a e po d er do am an te ,
f a zi a a l ar d e d e um l ux o e gr an d e za , q u e des l um bra vam as
f am íli as m ais r ic as e im por ta nt es [. .. ]. F ra n c is c a d a S i l va er a
um a m ulat a d e b a ix o n as c im ent o. [. .. ] T inh a as f eiç õ es
gr os s e ir as , a lt a , c or p u le nt a , tr a zi a a c a beç a r ap a da e c ob er ta
c om um a c a be l e ir a an e la d a em c ac h os p en d en t es , c om o en t ão
s e us a v a; n ã o p os s uí a graç a , n ã o pos s uí a be l e za , n ão
pos s u ía es p ír it o, n ã o t i v era e d uc aç ã o, en f im , nã o p os s uí a
86
atr at i v o a l gum , qu e p u des s e j us tif ic a r um a f o rte p a ix ão .
Reflexos
da
sociedade
escravista
e
de
desqualificação
da
população negra corrente nos oitocentos? Pelo visto, o abolicionismo
republicano deste diamantin ense se limitava ao ato político e , não, ao
social. Ressalta -se, ainda, que as duras críticas dirigidas por Joaquim
Felício dos Santos à Chica da Silva atingiam, também, o contratador
85
Fe lis b er t o C a ld e ir a B r an t f o i o t erc e iro c o n tr at a dor dos d iam a nt es , en tre 17 4 8 - 52 .
S ua a dm in is tr aç ã o f o i c er c ad a d e p o l êm ic as e ac us aç ões d e d es c am i nh o d e
pe dr as , ao po n to de s er pr es o e rem et i do a L is bo a p ar a pr es t ar c on tas à j us t iç a
rea l . J oã o Fer n an d e s d e O l i ve ir a, f i l ho h om ôn im o d o p rim e iro c o nt r a ta d or
d iam an t in o , ar r em ato u o 4 º c o nt ra to e o ren o vo u a t é 1 77 1, qu a nd o a C or o a
as s um i u d ir et am ent e o m ono pó l i o d a ex tra ç ão d iam an tíf e ra . P ar a a h is tór i a d a
s oc ie d ad e d i am ant i n a c om ênf as e n o d es c am in ho de d i am an tes s ob o re g im e de
c on tr at os : F ER R EI R A, R o dr i g o de A lm ei da . O d es c am i n ho d e d i a ma n tes : r e laç õ es
de p o de r e s oc i a b il i d ad e n a Dem arc aç ã o Di am an t in a n o per í od o dos c o n tra t os
(17 4 0- 17 7 1) . B e l o H or i zo n te : F um arc ; S ã o P au l o: L e tra e V o z, 20 0 9. P ar a a v i da d o
c on tr at ad or J o ã o F er n an d es de O l i ve ir a, c o m ê nf as e em s u a r e l a ç ão c om C h ic a d a
S i l va : FU RT AD O , J ún i a Fer r e ir a. Ch ic a d a S i lv a e o c on tra t ad or dos d iam an t es : o
ou tr o l ad o d o m it o . S ã o P au l o: C i a . das Le tr as , 2 0 03 .
86
S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias .. . op .c it . , p . 12 3- 12 4 .
63
João
Fernandes,
pois
sua
submissão
aos
caprichos
da
amásia
terminava por desqualificá -lo.
O fato é que, pelas Memórias do Distrito Diamantino foram
lançadas as bases de representação de Chica da Silva, retirando -a do
anonimato e favorecendo sua posterior consolidação no imaginário
social, que atravessaria o século XIX e ecoa ria no vindouro. As
Memórias... revelam incômodo da sociedade diamantina diante de um
misto de contradição entre a origem africana e o prestígio que Chica
atingiu. Em sua chácara, cuja depredação era lamentada pelo autor,
ocorriam festins suntuosos, que contavam com exclusivas encenações
teatrais. As festas e o luxo em que vivia coroava m a inversão social,
elevando a ex-escrava “[...] à condição das senhoras das famílias mais
distintas!” 87. A indignação do memorialista em sua narrativa sobre o
paradoxal casa l atinge seu auge quando informa que
[.. .] Fr a nc is c a d a Si l v a, qu e nu nc a t i nh a s a íd o d o T ij uc o , p or
um c apr ic h o f em in in o, q u is t er i d ei a d e um nav io ; J o ã o
Fer na n des a pr es s ou - s e em s at is f a zê - l a : m ando u a br ir um
v as t o t a nq u e e c ons t ru ir um na v i o em m in ia tur a , q ue p od i a
c on t er o i to a d e z p es s oas , c om ve l as , m as tr os , c a bos e to d os
88
os m ais ap ar e lh os d as gr a nd es em barc aç ões .
As linhas gerais da Chica das Memórias... estabeleceram um a
consistente representação . Mesmo sendo reapropriadas por outros
registros no decorrer do século XX, como o filme produzido um século
depois, por Cacá Diegues, é perceptível a representação oitocentista
dessa cativa que fugiu aos espaços tradicionalmente ocupados pelos
escravos.
Processo semelhante ocorreu com Chico Rei, especia lmente por
se tratar de um personagem inscrito no campo da ficção. Apesar desta
avaliação,
segundo
os
preceitos
da
academia
histórica,
as
comunidades interioranas de Minas Gerais, sobretudo naquelas onde
se estabeleceu intensa extração de ouro à base do tr abalho escravo,
significam
a
representação
de
Chico
Rei.
Evidencia -se
que
sua
existência transcende sua vida física. O que importa para essas
87
88
S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias .. . op .c it . , p. 1 25 .
I b id em , p .1 2 4.
64
comunidades,
tanto
nos
séculos
do
escravismo
como
na
contemporaneidade, é o significado subjetivo des se rei negro: a
esperança da liberdade àqueles que viviam sob o infortúnio do cativeiro
– e da miséria moderna 89. Uma perspectiva de abordagem, aliás,
apreendida pela direção fílmica de W alter Lima Júnior, como será
analisada no momento oportuno.
O primeiro registro en contrado sobre as histórias em torno de
Chico
Rei data
do
início
do
século
XX ,
no
livro
de
Diogo
de
Vasconcelos em História Antiga de Minas , editado em 1904 90. O
historiador mineiro desenvolv eu seu texto conforme procedimentos da
época, ou seja valorizando a cronologia, recortando acontecimentos
com
destaque
político
e
militar,
devidamente
calcados
pela
comprovação das informações por meio de documentação considerada
legítima. Por essa prática, não provoca surpresa que Chico Rei apareça
em seu texto como uma expressão poética e popular, sendo explicado
em nota de rodapé.
Diogo
Destaca,
de
em
Vasconcelos
seu
texto,
a
se
posicion ou
desumanidade
contra
o
escravismo.
inerente
à
escravidão,
viabilizada pela capturada de negros no continente africano, cujas
péssimas condições do transporte marítimo forçado ceifava boa parte
da
vida
dos
cativos
ainda
em
alto
mar.
Para
exemplificar
seu
argumento, ressalta que poderia citar vários casos, mas prefere aquele
“[...] que deu lugar à legenda tão bizarra, quão verdadeirame nte
89
Cf .: S IL V A , R u b ens A l v es da . Pe rf or ma nc es c o n ga d e iras e at u al i za ç ão d a s
tra d iç õ es " a fr o - br as i l e ir as " e m Mi n as G er ais . 2 00 5 . T es e (d o ut ora d o em
A ntr o po l og i a Soc i a l) – S ão P au l o: FF L CH /U S P; A MO R M INO , L uc i a n a . N arr ar
ex p er i ênc i as : a r e l aç ão e ntr e as n arra t i va s or ais e a m em óri a de P o nt i n ha . X X X
Co n gres s o B r as i l ei r o de C i ê nc i as d a C om u n ic aç ã o. Sa n tos : In t erc om , 2 00 7 .
90
Af o ns o Ar i nos r e g is t r ou a le n da d e Ch ic o Re i n o art i g o At a la i a B an d e ira nt e , em
19 0 4, qu e in t egr o u o l i vr o H is t ór ia e Pa i za ge m , um a c om pi l aç ã o de s eus art i g os ,
l anç a do em 1 92 1. N e s s e s en t id o , c o ns i der a - s e o li vr o d e Di o go d e Vas c o nc el os
(19 0 4) c om o pr im eir o r eg is tr o l it er ár io d o t e m a; V A S CO N C EL O S, Di o go de . H is t ór ia
A nt i ga .. . o p .c i t. Em to d o o c as o , as v ers ões nar ra d as p or Ar i nos e V as c o nc e los n ão
s e c o ntr a d i zem , c om o s e c ons t at a n o ex c er to de At a l ai a Ba n de ir an t e: “ À c us ta de
um tra ba l h o i ns a n o, f e it o nas c urt as h oras res e r va d as ao d es c an s o, o es c r a v o r e i
pa g ou a s u a a lf or r i a. For r o , r es er v o u o f r ut o d o s e u tr ab a l ho par a c om prar a
l ib er d ad e d e um dos da tr i b o; os d o is tr ab a lh ar am j un tos p ar a o terc e ir o; o u tros
par a o q u ar t o , e as s i m , s uc es s i v am ent e, l i ber t ou - s e a tr i b o i nt e i ra. En t ão , er ig ir am
a c ap e l a d e S an ta If i gê n i a, pr i nc es a d a N úb i a. A li , a o l a d o d o c u lt o à p adr o e ira ,
c on t in u ou o c u l to a o r e i n e gr o, q ue , p el os s eus , f o i h on ra d o c om o s o ber a no e le g ou
às g eraç õ es d e a g or a a le n d a s u a ve do C h ic o - R e i”; AR INO S , Af ons o . H is t ór ias e
pa i za g e ns . R i o d e J a n e ir o : Fr a nc is c o A l ves , 19 2 1.
65
poética do Xico Rei (sic), que dominou Vila Rica. Esta figura nobre de
um preto, cuja vida acidentada aqui finalizou, imensa luz derrama aos
painéis daquela sombria época” 91. No parágrafo seguinte, prossegue o
texto abusando de adjetivos para reforçar o sofrimento vivenciado
pelos escravos e a esperança que a lenda representou.
Contudo, é na nota de rodapé que os elementos da “legenda tão
bizarra quanto poética de Xico Rei (sic)” é apresentada 92. O autor
explica
sua
escravização
na
África
e
transporte
p ara
Vila
Rica
(capitania de Minas); como se libertou e conseguiu alforriar outros
cativos; sua relação com a irmandade religiosa; e a apropriação
popular da história pelas festas religiosas. A importância desse registro
reside no fato de ter construído uma representação cultural que
perpassou outras narrativas, incluindo a cinematográfica , ainda que
tenham ocorrido ressignificações próprias a cada período em que a
história era recontada. Dada sua relevância, apesar da sua extensão,
vale citar na íntegra a n ota de rodapé .
Fr a nc is c o f o i a pr is i on ad o c om tod a s u a tr i bo , e v en d i do c om
e la , i nc lu i n do s u a m ul her , f i lh os e s ú d it os . A m ulh er e t od os
os f i lh os m orrer am no m ar, m enos um . V i eram os res ta nt es
par a as m in as d e O uro Pr et o. Res i gn a do à s ort e, t i d a p or
c os t um e n a Áf r ic a, h om em int e l ig e nt e, tr a ba l h ou e f orr ou o
f il h o; am b os tr ab a lh ar am e f orraram um c om patríc i o; os tr ês ,
um quar to , e as s im por d i a nt e a té qu e , l i ber ta a tr i bo ,
pas s ar am a f orr ar ou tr os v i zi n h os da m es m a n aç ã o. F orm aram
as s im em Vil a R ic a u m Es ta d o n o Es ta d o; Fra nc is c o e ra R e i,
s eu f i l ho o Pr í nc i p e, a nor a a Pr i nc es a . P o s s uí a o Re i p ar a a
s ua c o le t i vi d ad e a m ina ri q uís s im a da E nc ar d id e ir a o u P a lác i o
V el h o. A n tec i p ou - s e es t e ne gr o a er a da s c o op er at i v as , e
pr ec ur s o u o s oc ia l is m o c ris tã o . C om o n aq u e le tem po t od a
ir m an da d e es t a va u n i da à i d éi a r e l ig i os a d e um s an to p atr o no ,
tom ou es ta o pa tr on a to d e Sa nt a Ef i g ê ni a , c uj a i nt erc es s ão
f oi- l hes tã o ú t i l; e d es s e ex em pl o n as c eu o c u lt o ar d en te , q u e
s e v o lt a a i n da à m ila g ros a im ag em do A lt o d a Cr u z. O s irm ã os
er ig ir am um bel o t e m plo qu e ex is t e s o b a i n v oc aç ã o d o
Ros ár i o. No d i a 6 d e j an e ir o , o Re i , a Ra i n ha e os Prí nc ip es
v es t i dos c om o t a is eram c o nd u zi d os em ru i dos as f es tas
af r ic an as à i gr ej a par a as s is t ir em à m is s a c an t ad a e d ep o is
per c or r i am em da nç a s c ar ac t erís t ic a s , toc an d o i ns tr um ent os
m ús ic os in dí g e nas da Áf ric a, pe l as r uas . Er a o R e i na d o d o
Ros ár i o, f es t as q u e s e im ita ram em to dos os po v o ad os das
M in as . V em tam bém da í a n om enc l at ur a dos m es ár i os d o
Ros ár i o em to das as i rm and ad es d e pr et os en tr e nós . N o A lt o
da Cr u z a i nd a s e v ê a p ia d e p ed ra n a qu a l as n egr as
91
92
V A S CO N C E LO S, D i o g o de . H is t ór ia An t ig a . .. op .c it , p. 3 44 .
I b id em , p .3 4 4.
66
em poa d as d e o ur o l a v a vam a c a beç a p ar a de ix á - lo na q ue l e
93
d ia p or es m o la o u d o n at i v o .
A partir das Memórias do Distrito Diamantino e da explicação que
reconhecia a tradição oral do escravo rei em História Antiga de Minas
Gerais, esses personagens adquiriram uma nova conformação, cuja
maior contribuição talvez tenha sido a durabilidade e ampliação de
circulação decorrente do suporte livro. É a força do registro escrito que
termina por influenciar a memória, readaptando -a e estabelecendo uma
tradição na maneira de narrá -la.
Como dito, a Chica das Memórias... e o Chico da História
Antiga...
se
abordagens
tornaram
ou
de
referências,
interpretação
mesmo
tenham
que
ocorrido
alterações
no
futuro.
de
Um
momento significativo na revalidação e reapropriação dessas versões
ocorreu em meados do século XX.
A poetisa Cecília Meireles apresentou em um mesmo trabalho
pontos de diálogo para a construção do imaginário social em torno de
Chica da Silva e Chico Rei.
Lançado em 1953, Romanceiro da
Inconfidência recuperava a história do movimento insurrecional mineiro
de 1789, destacando seus personagens e a realidade socioeconômica
do período 94. O livro se destaca pela construção narrativa a partir de
fatos conhecidos d a história de Minas e organizados cronologicamente
em Cantos ou Romance.
Ressalta-se que o poema inspirou outro filme sobre a história: Os
Inconfidentes 95. Dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e lançado em
1972, é provável que a projeção deste filme tenha contribuído para
evidenciar o livro de Cecília Meireles, ao menos entre Cacá Diegues e
W alter Lima Júnior, colegas do diretor.
A lenda de Chico Rei é apresentada no início do livro, logo após
discorrer sobre as duras condições do trabalho escravo. O romance VIII
ou do Chico Rei indica a origem africana e astúcia do monarca negro
93
94
95
V A S CO N C E LO S, D i o go de . H is t ór ia An t ig a . .. op .c it . , p .3 4 4.
M E IR E L E S, C ec í l i a. Ro m anc e ir o . .. op .c it .
O S IN CO N FI DE NT E S . A ND R AD E , J o aq u im P edr o d e. .. o p.c i t.
67
para obter a liberdade do cativeiro escondendo ouro em pó nas
cabeleiras.
O tr o no é de lu a,
de es tr e la e de s ol .
V am os a br ir a l am a, p o vo ,
r em ex er c as c a lh o ,
gu ar d a na c ara p i nh a, ne gr a,
o v é u do our o em p ó!
Mu i to lo n g e, em L ua n d a,
er a bom vi v er .
B at e a e nx a d a c om ig o , po v o ,
des c e p e las gro t as !
- L á n a b an d a em qu e c orr e o Co n go
eu t am bém f ui R e i.
Ma is o ur o, m ais o ur o,
a in d a v êm bus c ar .
Do br a a c a beç a , e es p era , p o vo ,
qu e es te c at i v e i ro
j á nos es c orr e ga dos om bros ,
j á nã o p es a m ais !
Outro
aspecto
que
reafirma
a
conhecida
tradição
popular,
moldada por Diogo Vasconcelos, é a religiosidade, associando Chico
Rei à irmandade e culto a Santa Efigênia – algo reforçado no romance
seguinte.
O l ha a f es ta arm ada :
é v er m el h a e a zu l .
Ca nt a e d a nç a ag or a, m eu p o v o,
l i vr es s om os t od os !
Lo u v ad a a V irg em d o Ros ár i o,
v es t i da de lu z.
E no romance IX ou de Vira -e-Sai.
S an ta If ig ê n ia , pr i nc es a n úb i a,
p is a n a m in a do C h ic o - Re i .
Fo lh a g ens d e o ur o, ra í ze s d e our o
nos s eus ves t id os s e v êm pre n de r.
S an ta If ig ê n ia f ic a i n v i s ív e l ,
en tr e os es c r a vos , d e s o l a s o l.
O u v em - s e os n e gr os c an t ar f e l i ze s .
T oda a m on ta n ha f a z - s e o uro em p ó .
Se, por um lado, Cecília Meireles foi conservadora quanto à
manutenção da linha narrativa de Chico Rei , por outro lado, as
primeiras transformações quanto à representação de Chica da Silva
68
são identificadas em seu poema. Entre os romances XI e XIX, a história
do Arraial do Tejuco é narrada.
O romance XI ou do punhal e da flor retoma a administração de
Caldeira Brant, atribuindo sua desgraça política ao comportamento
desrespeitoso do Ouvidor para com sua sobrinha. Salienta -se que essa
versão passional para as denúncias de fraudes no contrato, que
culminaram com a prisão de Brant, está muito próxima da contada por
Joaquim Felício dos Santos 96 em suas Memórias do Distrito Diamantino .
O romance XII contextualiza o leitor à perspectiva macro das relações
Portugal-Brasil,
descrevendo
o
Marquês
de
Pombal
em
sua
preocupação quase religiosa para aumentar as rendas da Coroa,
alertando que a riqueza vivenciada seria substituída por um período de
violências e condenações: a inconfidência mineira.
Os
romances
seguintes
trazem
como
eixo
narrativo
a
administração da riqueza dos diamantes e cobranças d a Coroa durante
o contrato de João Fernandes. Cecília Meireles mant ém a estrutura do
poema de mostrar os personagens. No caso do romance XII, o
contratador é apresentado já no contexto do seu embaraço com o
governo, representado pelo Conde de Valadares, qu e vai até o Tejuco
para investigá-lo. A apresentação de Chica da Silva é feita pelo
contratador, que a coloca em elevada estima, pois se dispõe a oferecer
todos os mimos ao governador, com exceção da sua amada .
A qu i t en d es m eu pa l ác i o,
os v i nh os d a m i nh a m es a ,
os m eus es p e lh os d o u rad os ,
c am a c o b ert a d e s e da ,
o ar om a d a m i nh a q u i nt a,
a m in h a c a pe l a ac es a ,
e, f or a a Ch ic a d a S i l v a,
m inh as m ul a tas e ne gr as .
Assim como o herói negro de Vila Rica, a poetisa reservou um
romance especial para a negra do Tejuco: romance XIV ou da Chica da
Silva.
Nesse
romance
a
influência
da
Chica
das
Memórias...
é
contundente: sua feiura, autoritarismo e até o episódio do seu barco
são preservados, como se lê nos excertos abaixo .
96
S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias .. . op .c it . , p . 89- 9 7.
69
Q u e an d or s e a ta v i a
na q ue l a v ar a nd a ?
É a C h ic a d a Si l v a:
é a C hic a - q ue- m an d a!
Car a c or d a n o it e
o lh os c or d e es tre l a.
V em ge nt e d e l o ng e
par a c o n hec ê - l a.
( P or b aix o d a c a b el e ir a,
ti n ha a c ab eç a r a pa d a
e at é d i zem qu e er a f e i a.)
Es c r a vas , m or dom os
s eg u em , c om o um ri o,
a d on a d o d on o
do Se r r o d o Fr i o
E em t an q ue d e as s o m bro
v e lej a o n a v io
da do n a do do n o
do Se r r o d o Fr i o.
( De z h om ens o t ri p u la v am ,
par a q u e a n egr a e n te nd es s e
c om o a n dam b arc os n as á gu as .)
Contudo, já no romance seguinte, XV ou das cismas da Chica da
Silva, uma ressignificação se opera. Os versos destacam a inteligência
de Chica que, desconfiada do Conde de Valadares , alerta João
Fernandes. No romance XVI ou da traição do Conde , o contratador dará
razão à sua amásia e suas cismas quando o Conde not icia a ordem de
remetê-lo
ao
reino.
A
fra gilidade
do
contratador
contrapõe-se
à
presença forte de Chica que havia percebido, em vão, as tramas da
Coroa contra sua casa.
Os romances XVI e XVII narram a desgraça de João Fernandes
remetido preso ao reino. Como consequência, a decadência se abate
também sobre Chica da Silva. Na realidade, todo o Tejuco sente o peso
do Estado português. O desfecho, por razões políticas, do inusitado
romance que tanta polêmica provocou na sociedade diamantina, é
trabalhado por Cecília Meireles como um péssimo presságio para a
opressão que se abateria sobre Minas Gerais – retomando o romance
XII. A autora usa o momento da queda de João Fernandes e o
recolhimento de Chica da Silva para finalizar a primeira parte do
70
Romanceiro da Inconfidência, como no romance XIX ou dos maus
presságios.
Ac ab o u- s e aq u e le t em po
do c on tr a t ad or F ern a n des .
O n de es t ais , C hic a d a S i l v a,
c r a vej a da de br i l h an te s ?
Nã o t in h a S a nt a If i gê n i a,
pe dr as tã o b em l ap i d a das ,
por la p i dár i os d e Fl a n dres .. .
S obr e o t em po vem m a is tem po ,
Ma n dam s em pr e os q u e s ã o gra n d es :
e é gr an d e za de m in is tros
r ou b ar h oj e c om o d an t es .
V ão- s e as m in as n os n a v ios .. .
P el a t er r a d es p oj a d a,
f ic am l ág r im as e s a n g ue .
Antes, porém, de apresentar a mudança de rumo na história de
Minas, que viveria tempos difíceis, o poema traz a inqui etação para
quem
perscruta
a
história,
à
busca
de
informações
sobre
os
personagens que lhe fora m apresentados. Os versos do romance XVIII
ou dos velhos do Tejuco , parecem ter inspirado outros que se
debruçaram sobre a história de Chica da Silva, inclusive Cacá Diegues.
A in d a v a i c h eg ar o di a
de nos v ir em p er gu n ta r:
- Q u em f oi a Ch ic a d a S i l va ,
qu e vi v e u n es t e l u gar ?
( Q u e tu d o pas s a .. .
O pr a ze r é um i nt er v a l o
na des gr aç a .. .)
J á v er eis no u tro n a v i o ,
l e va d o po r hom e ns gr an d es ,
i gu a l a um n egr o f u gi d o,
o c o ntr at a dor F er na n d es .
( Q u e tu d o ac a b a!
Q u em di z q u e m on t an ha de o ur o
nã o d es ab a ?)
S e o v e nt o d á n o T ej u c o,
l e va c o l u na e v ara n da ,
l e va a pom pa , l e v a o l ux o
e m ais a Ch ic a - qu e- m an d a.
Em meados do século XX, a representação de Chica da Silva e
Chico Rei em um poema maior sobre a Inconfidência Mineira chama a
71
atenção, visto que eles não foram personagens na trama rebelde 97.
Apesar de não terem participado do movimento inconfidente, Chica da
Silva e Chico Rei circulavam nas tradições populares de Minas Gerais ,
ao ponto serem qualificados ao propósito da autora , de reconhecido
mérito
no
campo
literário ,
valida ndo-os
como
temas
a
serem
registrados. Compreende-se, assim, que os ex -escravos tiveram suas
vidas cantadas pela poetisa como mote para se entender o contex to
colonial, marcado pela exploração e divisão étnico -social.
A abordagem feita por Cecília Meireles permanecia próxima
daquelas realizada s na virada para o século XX, sobretudo , referentes
ao Chico Rei. Não obstante, nota -se a ressignificação da represen tação
de Chica da Silva nos versos do Romanceiro..., já que a poetisa canta
uma
Chica
digna,
diferente
dos
registros
produzidos
pela
tinta
oitocentista de Joaquim Felício dos Santos. Rica, poderosa e astuta
são adjetivos permitidos para qualificar a Chica do Romanceiro...
Tendência que se acentuará nos anos seguintes.
Antônio Callado produziu quatro peças teatrais que ficaram
conhecidas como Teatro Negro, composta por: Pedro Mico (1957), O
tesouro de Chica da Silva (1958), Uma rede para Iemanjá (s.d.) e A
Revolta
da
Cachaça
(ca.1959) 98.
Explorando
a
comédia,
“aparentemente leves, as quatro peças tematizam problemas profundos
da sociedade brasileira, marcada pelo estigma da escravidão e do
preconceito, da discriminação e da marginalização do negro, no
passado e no presente” 99.
Segundo Lígia Chiappini, a peça O tesouro de Chica da Silva foi
encenada no auditório da Escola de Teatro da Universidade da Bahia,
em Salvador, em 1958, havendo outras poucas exibições, porém
97
D en tr e a v as t a pr o du ç ão s obr e a I nc o nf i d ê nc ia M i n e ira , d es t ac a m - s e: M AXW ELL ,
K en n et h. A d ev as s a d a dev as s a : a Inc o nf i d ênc i a M in e ir a: Br as i l e Po rt ug a l 1 75 0 18 0 8. 5 . ed . S ã o P au l o: Pa z e T err a, 2 0 01 ; FO N S E C A, T ha is N í v i a de Lim a e . Da
i nf âm i a. .. o p.c i t. ; FU R T ADO , J o ão P in t o. O ma nt o de P en é l op e : his t óri a , m ito e
m em óri a da I nc onf id ê n c i a M in e ir a de 17 8 8 - 9 . S ã o P a ul o : Ci a . Das Le tr as , 2 0 02 .
98
Em 198 3, la nç ou - s e u m a c om pi l aç ã o c om as qu atr o p eç as : C A LL AD O , An tô n i o. A
rev o l ta da c ac h aç a: t e atr o n eg r o . R io d e J a n e iro : No v a Fr on t eir a , 1 98 3 .
99
CH I A P PI NI , Lí g i a. L e v e za e hum or n a enc e naç ã o d a c at ás tr of e . S ig n ót ic a , v. 1 6 ,
n. 1 , p. 81 - 9 5, j a n. /j un . 20 0 4, p . 88 .
72
sempre com repercussões 100. A narrativa enfoca a pressão sofrida pelo
contratador com a chegada do governador Conde de Valadares ao
Tejuco. Chica da Silva tenta suborná -lo, mas, insatisfeita com os
valores, a autoridade manda prender João Fernandes e recolocá -la na
senzala.
Nesse
momento,
o
dramaturgo
introduz
personagens
e
situações criadas para sua trama, imprimindo o trágico à peça. O filho
do governador, Dom Jorge, se apaixona pela negra, a ponto de
contrariar as ordens do pai e impedir a prisão de Chica da Silva,
chegando ao extremo de assassinar o capitão encarregado da missão.
Sua valentia lhe rendeu a recompensa de passar uma noite de sexo
com a Chica. Diante do escândalo de ver seu filho apaixonado por uma
negra e ainda assassino de um agente da lei, o Conde cede e liberta
João Fernandes, mas não sem antes atender a um último pedido de
Chica: que seu amado passasse mais uma noite na prisão, para
aprender a ser corajoso.
A versão de Antônio Callado apresenta uma Chica forte, que
domina o mundo branco e dá lições aos seus representantes do poder .
O autor cria situações, inclusive personagens, não verificadas no até
então circulante conhecimento sobre Chica da Silva. Para o autor,
porém, narrar uma história aos moldes biográficos não era o objetivo
do trabalho. De fato, como atesta m as demais peças do seu teatro
negro,
Antônio
Callado
instigava
a
reflexão
sobre
os problemas
socioeconômicos atrelando -os às questões raciais e escravistas da
nossa história. Uma discussão emergente durante
o governo de
Juscelino Kubistchek, quando o país vivenciava uma urbanização e
discurso progressista acentuados 101.
Entretanto, foi na década de 1960 que novos enfoques às
histórias de Chica da Silva e Chico Rei se consolidaram. Naqueles
anos, a Editora Itatiaia lançou a coleção A Saga do País das Gerais. O
médico e escritor Agripa Vasconcelos foi convidado pelos editores e
100
C HI A P PI NI , Lí g i a. L e v e za e hum or. .. o p.c i t. , p .8 3 .
“A gr a vi d a de d o t em a c on tr as t a c om a l e v e za d o es t i l o de m od o a t or ná - l a m ais
im pres s i on a nt e. O es p ec t a dor r i, m as ri c u lp ad o , pr inc i p alm e nt e s e e le é br anc o e
bem d e v i d a. O c us t o d o s eu r is o é um c ert o m a l - es t ar q ue d ura par a a l ém do
es p e tác u lo ” ; I b id em , p .8 8.
101
73
assumiu a responsabilidade pela série, composta por seis volumes ,
cujos títulos versavam sobre a história de Minas, estruturados a partir
de personagens conhecidos da sociedade mineira , dentro de uma
temática específica 102.
O projeto era um empreendimento da editora mineira Itatiaia, que
cuidou para que os títulos fossem ilustrados por Yará Tupinambá,
artista plástica cuja carreira se consolidava naqueles anos e logo
passou a associar suas atividades a rtísticas com o ensino de arte.
Destacam-se em sua obra temas sobre a história e a cultura mineira s,
como exemplificam seus diversos murais e mosaicos 103. Tupinambá
desenvolveu estudos de especialização com o gravurista Oswaldo
Goeldi, sendo bastante percept ível a influência des sa sua fase nas
gravuras que ilustram seu trabalho para a editora Itatiaia. Para o
projeto Saga no País das Gerais, ela realizou, ao todo, 120 desenhos,
que compõem os livros e reforçam, por meio da linguagem visual,
imaginários sobre os períodos das tramas narradas na coleção.
Os
seis
volumes
redigidos
por
Agripa
Vasconcelos
são
apresentados como romance histórico. Por se tratar de uma abordagem
a partir de uma personagem histórica, talvez fosse mais apropriado
considerá-los como biografias romanceadas. A preocupação de Agripa
Vasconcelos em validar seu trabalho o levou a destacar que sua
produção deriva de cuidadosa pesquisa documentada de evidências
históricas. Essa é uma característica imperativa no gênero biográfico
tradicional, ou seja, cabia ao biógrafo recuperar a trajetória de vida do
biografado e apresentá -la de forma organizada. Não obstante, estudos
biográficos
102
atuais
t êm
se
caracterizado
pela
experimentação
na
A c o leç ã o é c om pos ta p or : Fo m e em C an aã ; S in h á Br ab a: D on a J o a q ui n a d e
P om p éu ; A v i d a e m f l or e m D o na B e ja ; G o n go S oc ô : o b arã o d e Ca tas A lt as ; C hic a
qu e m an d a; Ch ic o Re i. A h is t ór i a de c a da um des s es p ers on a g e ns - t ít u lo i n te gr a
um a tem át ic a da Sa g a no P a ís d a G er aes , q ua l if ic a da c om o Ro ma nc e do c ic lo d o .. .
As s im , c a d a tít u l o p er te nc e, r es p ec t i v am ent e, a o R om a nc e do C ic l o do : l at i fú n d io ;
agr o p ec u ár ia ; p ov oa m en t o; o ur o; d i a ma nt es ; es c r av id ã o .
103
Par a a pr es e nt aç ã o b i ogr áf ic a e c urr ic u l ar d a art is t a v a le c ons u lt a r os c an a is d e
c om un ic aç ã o m an ti d o s p or e la e p e la s u a f u n daç ã o na i n ter n et , on d e a lg u ns
tra b al h os t am bém po d em s er v is ua l i za d os : < ht tp :/ / www. ya ra tu p yn a m ba.or g .br / >
< ht tp :/ / ya r a tu p yn am b a .c om .br /s it e/ i nd ex .p h p > e a i n da o I ns ti t ut o It aú C u lt ur a l:
< ht tp :/ / www. i t a uc u l tur a l. o r g . br / a pl ic Ex ter n as /e nc ic lo p ed i a _ic / in d ex .c f m ?f us eac t i o n =
art is tas _ b io gr af i a &c d _ v er b e te = 3 57 2 &c d_ i te m =1&c d _ id i om a= 2 85 5 5 >
Ac es s o em : 2 5 s et . 2 0 13 .
74
construção
narrativa,
levando
o
escritor
a
mesclar
informações
históricas com reflexões sobre motivações e consequências dos fatos
narrados, bem como acrescer personagens a fim de melhor compor a
trama a ser narrada e, ainda, agradar ao leitor 104. Essa é também uma
característica
deste
conjunto
de
livros
do
autor,
tornando
difícil
classificar sua obra, pois
[.. .] Agr i p a Vas c o nc e los , bus c a nd o s e at er à v er d ad e
h is t ór ic a , e, a o m es m o tem po, c om po r u m tex to d e c u nh o
l it er ár io , m ani p u lo u a bi o graf ia tra d ic i on a l e pr od u zi u um a
nar r a t i va h í br id a, qu e es c a pa a c las s if ic aç ões e c on f un d e o
c r ít ic o. Es t as nã o p o dem s er es t ud a das e nq u an t o b io gr af i as
tí p ic as , p o is rom pem c om m uit os d os pr es s u pos t os te ór ic os d o
gê n er o. T am pouc o s ã o rom anc es , ou b io gr af i as f ic c io n ais per
s e ( c om o O rl a nd o, de V ir g i ni a W oolf ), v is t o q u e as
pr o t ag o n is t as ex i s ti ra m de f ato e q u e p ar te do c o nt e úd o é
v er í d ic o . Des s a f orm a , s em s a ber a o c ert o em qu e c at eg or i a
en q ua dr ar os tex t os d o a ut or m in e ir o, s ó n o s c ab e d e tec tar o
105
qu e n e les há d e p ar tic u lar e in o v a dor .
Apesar dos comentários de Lúcia Flórido remeter a pon tos
questionáveis
entre
os
historiadores,
como
verdade
histórica
ou
conteúdo verídico , de fato, o autor da coleção Saga no País das Gerais
intencionou recuperar o passado , mesmo que, muitas vezes, valendo se da imaginação . Com essas características foram p ublicados Chica
que manda (romance do ciclo dos diamantes nas Gerais) 106 e Chico Rei
(romance do ciclo da escravidão nas Gerais) 107, como personagens síntese de uma época . Observa -se que Agripa Vasconcelos imprimiu
uma nova representação a essas histórias, tornando os ex-escravos
protagonistas de um título literário – lembrando que, desde a virada do
século XIX até aquele momento, afora a tradição popular, os registros
escritos sobre ambos se limitaram a algumas notas e cantos poéticos
104
S obr e o g ên er o bi o g r áf ic o e s u a re l aç ão c om a his t ór ia : AV E L AR , A lex a ndr e .
Fi gu raç õ es d a es c r i ta bi o gr áf ic a. R ev is t a A rtC u lt ur a, U b er lâ n d ia , v. 1 3, n. 22 , p .
13 7- 1 55 , j an . - j u n ., 2 01 1 ; L EV I, G i o va n ni . O s us os d a b i ogr a f ia . I n : A M ADO ,
J an a ín a; S CH M IDT , B en i to B is s o. G r af i a da v i da : r ef l ex õ es s obr e a n arr at i v a
b io gr áf ic a. H is t ór i a U n is i n os , v . 8, n. 1 0, p . 13 1 - 1 42 , j u l /d e z. , S ã o Le o po l do , 20 0 4;
FE RR E IR A , Ma r i e ta d e M or a es (O r g). Us os e a bus os d a h is t ór i a o ra l . 6 .e d . R io d e
J an e ir o: FG V, 20 0 5.
105
FLÓ RI DO , L úc ia . A g r i pa V as c onc e l os e a b io gr af i a: um a q u es t ão d e gê n er o.
Rev is ta D is c en t e do C E LL – n º 0 – 1 º s em ., O ur o Pr et o, 2 0 10 , p. 6 0. D is po ní v e l em :
< ht tp :/ / www. i c hs . uf op . br /c e l l/c e l l/ i nd ex . p hp /c e ll / art ic l e/ v i e w/7 > Ac e s s o em : 2 4 s e t.
20 1 3.
106
V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic a q u e m an d a . . .o p.c i t.
107
V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i . .. op .c it .
75
(com exceção da peça teatral do destacado dramaturgo
Callado).
Reside,
nesse
ponto,
uma
primeira
Antônio
transformação
significativa na abordagem desses personagens devido ao fôlego e
consistência do texto apresentado (Chica que manda foi publicado com
390 páginas; Chico Rei com 246).
Agripa Vasconcelos operou, ainda, uma reapropriação da história
de
Chico
Rei
ao
abordá -lo
destacando
sua
existência
histórica ,
minimizando, desse modo, o viés lendário com que era correntemente
abordado. Como em todos os livros da coleção, o autor de stacava a
preocupação em checar as informações para constar da narrativa,
consultando diversos arquivos, inclusive estrangeiros, refutando as
lendas consideradas inverossímeis. No caso de Chico Rei, devido ao
universo
mítico
em
torno
do
personagem,
essa
pr eocupação
foi
ressaltada e vale destacar a apresentação da orelha redigida pelo
editor para a primeira edição .
[.. .] c om o ac on t ec e u c om Don a Bej a, p ers o n ag em qu e o au t or
m ine ir o, p or as s im di ze r, r ed es c ob ri u e re v e lo u a o m un do , e
qu e d es de en t ão t em s id o o bj e t i vo de f re q ue n tes es t ud os , o
l eg e nd ár i o r e i af ric a n o tam bém i rá t or nar - s e tem a o bri g at ór i o
de d is c us s ões , ta n to n a pr o ví nc ia l it erá ri a c om o n o t erre n o
dos h is t or i ad or es . P a ra es c re v er es t e li v r o, o a u tor n ão s e
l im ito u – c om o s eri a perf e i tam en t e l íc i t o ao f ic c i o nis t a – a
im ag i nar s it u aç õ es m ais o u m enos p l aus í v e i s , em que a f i gu ra
de Ch ic o R e i f os s e m u it o m ais s im pl es f ic ç ão , d o q u e, c om o
de f a t o oc orr eu , um a pes s o a q u e re a lm ent e ex is t iu , e , m ais d o
qu e is s o , um a p es s oa q ue f o i m es m o o q u e os m en os
i nf or m ad os af irm av am tra t ar - s e d e pur a l e nd a . Ao c o ntr ár i o,
des c e nd o
“ às
r aí z es
do
as s u nt o” ,
c ons e gu i u
A gri p a
V as c o nc e los re u ni r m at er ia l s uf ic i e nt e p ara d em ons tr ar q ue a
s ua h is t ór i a t em m uit o m ais d e re a l id a de d o q u e de l e nd a: é ,
108
i ne q ui v oc am ent e , His t ór ia , c om m aiús c u la .
Nesse convite ao leitor, é latente o conflito entre a chamada
verdade e a lenda a respeito de Chico Rei. O editor procura reconhecer
no
autor
méritos
por
fazer
conhecer
uma
história
pautada
na
documentação e que as liberdades ficcionais u tilizadas não eram
aleatórias. A editora apostava que, após a leitura do romance histórico,
pesquisas seriam levadas a cabo sobre o tema, tanto no âmbito
108
V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i . .. op .c it ., or e lh a .
76
literário, quanto entre os historiadores. Se o trabalho do autor era
valorizado como “resultado de investigações no curso das quais Agripa
Vasconcelos revolveu ‘tudo, até a Torre do Tombo’” 109, contudo, não há
precisão quanto à identificação das fontes consultadas, prejudicando a
orientação para futuras pesquisas.
Em diversas passagens o autor recorre a Diogo de Vasconcelos,
apresentado como “pai da história mineira” 110 e que parece ser sua
maior referência. Em sua narrativa, numa nota de rodapé, cita que “há
na Torre do Tombo carta datada de Vila Rica d e Ouro Preto, de um
padre Agostinho Cerqueira de Macêdo, acusando Chico [Rei], ao
governador Conde de Bobadela, como arregimentador de homens
contra o colonialismo” 111. A informação poderia acenar para registros
documentais
sobre
Chico
Rei,
ainda
inéditos.
E ntretanto,
não
é
possível precisar temporalmente a emissã o da carta, já que houve dois
governadores da capitania de Minas que ostentavam o título de Conde
de Bobadela, sendo que os mesmos administraram a região por quatro
períodos durante o século XVIII , somando quase 30 anos 112. Também
não foi possível localizar informações sobre o referido padre delator.
Ademais, embora cite o arquivo da Torre do Tombo como guardião do
documento, o autor não fornece nenhuma indicação da localização da
carta naquele vasto acervo .
Em seu intuito de apresentar Chico Rei próximo do que seria a
realidade histórica, revolvendo arquivos e tradições , o autor promoveu
um
significativo
acréscimo
nas
narrativas
literárias
até
então
conhecidas. Trata -se da parte africana da história. Nem Diogo de
Vasconcelos, nem Cecília Meireles se voltaram para esse aspecto,
bastando-lhes indicar que Chico Rei havia sido chefe tribal naquele
continente.
109
V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i . .. op .c it , ore l h a.
I b id em , p .1 9 7.
111
I b id em , p .1 9 7.
112
O s go v er na d or es e s uas r es pec t i vas a dm i nis tr aç õ es f or am : G o m es Freir e de
A ndr a de , 1 º c o n de d e Bo b ad e l a: 1 73 5 - 3 6; 1 73 7 - 52 ; e 17 5 8 - 1 7 63 ; J os é A n tô n i o
Fre ir e de An dr ad e , 2º c on d e de Bo b ad e l a: 1 75 2 - 5 8; c f . : V A SC O N CE LO S , Di o go de .
His t óri a Mé d ia d e Mi n as G er a is . Be l o Ho ri zo nt e: I ta t i ai a , 19 9 9, p . 2 41 - 2 4 6.
110
77
Francisco foi o nome recebido no batismo compulsório quando o
rei negro foi escravizado. Parece ter sido Agripa Vasconcelos quem
grafou primeiramente Galan ga como seu nome africano. Entre os
capítulos I e III do seu livro, apresentou a trajetória de Galanga até se
tornar rei do seu povo, feito realizado após conduzir o exército à vitória
na árdua batalha de Maramara. O cotidiano no continente africano foi
retratado, demonstrando como Galanga era querido na sua tribo, até
ser escravizado pelos portugueses. O capítulo seguinte narra o drama
da travessia marítima 113. A partir daí, o autor prossegue a narrativa
mantendo os elementos já conhecidos, como o trabalho n a Mina da
Encardideira, pelo qual Chico Rei conseguiu se libertar e alforriar
companheiros de cativeiro, a relação com a irmandade religiosa, a
festa negra.
Se na história de Chico Rei Agripa Vasconcelos acrescentou
elementos, na de Chica da Silva ele oper ou ressignificações. O início
desse
movimento,
conforme
visto,
é
perceptível
na
Chica
do
Romanceiro..., mas se consolida na versão de Saga no País das
Gerais.
A começar pelo título do livro: Chica que manda. A expressão
parece ser derivada da leitura popu lar sobre o período em que a ex escrava era uma espécie de primeira dama do arraial do Tejuco, já que
essa inversão na ordem social foi a tônica das queixas de Joaquim
Felício
em
perdurou,
suas
embora
Memórias
numa
do
Distrito
pers pectiva
Diamantino .
positiva,
em
Vertente
que
Romanceiro
da
Inconfidência, como atesta o verso reiteradamente cantado no poema
de
Cecília
Vasconcelos,
Meireles.
Contudo,
depreende -se
o
como
título
destaque
escolhido
para
Chica
por
da
Agripa
Silva
desempenhando um papel social espe cífico de comando e prestígio. O
que é reforçado pelos capítulos do livro.
113
As p ar tes af r ic a na e m ar ít im a da n a rr at i v a d e Agr i p a V as c onc e l os f oram
i nc or p or a d as n o f i lm e Ch ic o R e i, oc u p an d o c erc a d e 2 0% dos m om ent os i n ic ia is
(ap rox im ad am ent e 25 m inut os ) . P os ter i orm ent e, W alter L im a J ú n i or c o nf es s o u q ue
a ex is t ê nc i a d e um n a v i o ne gr e iro na tr am a f o i dec is i v a p ara ac e it ar a d ir eç ão do
proj et o , r e v el a nd o - s e f as c i na d o c om b arc os e f ilm es d e p ira t a; c f .: W ALT ER. DO C –
o tem po é s em pr e pr e s en t e. FO R M AG G IN I, B et h. 4 V e nt os . 20 0 9, 58 m in .
78
A narrativa da vida da ex-escrava também mant ém os elementos
estruturais anteriormente vistos, embora acrescido de detalhes que
serão recorrentemente relembrados em novas abordagens . Um exemplo
é o exótico episódio do barco construído para satisfazer seu desejo. O
fato pitoresco já havia chamado a atenção dos outros autores, mas em
Chica que manda recebeu a ilustração feita por Yará Tupinambá,
favorecendo, assim, a construção imagéti ca em torno do fato (figura 1),
apropriado no filme de Cacá Diegues (frame 1).
Fi gu r a 1 – Na v i o d e C h ic a d a S i l v a ( Ya r a T u p in am bá , 19 6 6)
Fo nt e – V A SCO N CE L O S , Ag ri p a. C h ic a q u e ma n da . B e lo H or i zo nt e:
It at i a ia , 1 96 6.
79
Fra me 1 – P l an o d a i n au g ur aç ã o d o n a vi o d e C h ic a d a S i l v a
( X ic a da S i lv a , 1 97 6)
Além de uma abordagem em que Chica da Silva se torna
protagonista, é relevante a ressignificação no aspecto psicológico da
negra do Tejuco. Uma personalidade forte e caprichosa sobressai nas
histórias
narradas
em
sua
biografia
romanceada.
Nesse
cenário,
emerge uma natureza egoísta e vingativa, por vezes, sádica, contra
aqueles
que
a
desagradavam.
Exemplifica
essa
transformação
o
episódio em que, m otivada por ciúmes pelo elogio do contratador ao
sorriso de uma escrava, Chica ordena que os dentes da cativa fossem
extraídos,
dando-os
de
presente
a
João
Fernandes.
Esse
viés
psicológico influenciará outras versões sobre Chica da Silva, sendo a
tônica do filme de Cacá Diegues.
É possível perceber, nesse sentido, uma originalidade decorrente
do registro impresso por Agripa Vasconcelos. Por exemplo, seu olhar
sobre Chica da Silva a representa com a mesma altivez anteriormente
caracterizada por Cecília Meire les, embora mais descolada da figura do
contratador. O desenvolvimento psicológico da ex-escrava, destacando
a personalidade forte e vingativa, também passa a caracterizá-la. Já,
em Chico Rei, Agripa Vasconcelos minimiza o aspecto lendário e
80
procura recolocar a história do rei negro naquilo que entende por
realidade.
Para
tanto,
valoriza
o
documento
como
prova
dos
acontecimentos – algo há tempos superado na metodologia de pesquisa
histórica. Embora não apresente fontes que corroborem essa sua opção
pela veracidade documental, Vasconcelos inaugura uma abordagem do
passado africano de Galanga/Chico Rei, intencionando, assim, atribuir
maior legitimidade à estrutura narrativa de sua história.
Cecília Meireles insere Chica da Silva e Chico Rei em uma
história maior: a da Inconfidência Mineira. Agripa Vasconcelos os têm
como protagonistas em sua redação, ainda que suas trajetórias se
desenvolvam dentro de contextos mai s amplos: os ciclos dos diamantes
e da escravidão. Se a biografia romanceada – ou romance históric o –
favoreceu uma abordagem de maior fôlego pelo autor da coleção Saga
no País das Gerais, as representações de Chica da Silva e Chico Rei
decorrente s do Romanceiro da Inconfidência (nove romances, de um
total de oitenta e cinco ) também contribuíram para a construção de
imaginários sociais referentes a esses personagens e à sociedade
escravocrata colonial. Ambas as representações circularam, sendo
possível
reconhecê -las
em
vários
planos
das
produções
fílmicas
homônimas, objetos dessa tese.
1.1.2.
As
No campo carnava lesco
manifestações
carnavalescas
têm
sido
analisadas
com
bastante apuro por historiadores, antropólogos, sociólogos, dada a
potencialidade do estudo dessas festas para a compreensão de temas
relativos às relações sociais, culturais e políticas 114. No caso do
carnaval contemporâneo, em especial , a estrutura de desfile das
114
P ar a es t ud os r e l at i v o s a o c a rn a v al e H is t ó ri a; c f . : B A KHT I N, M ik ha i l . A C u lt ur a
na I da d e Mé d ia e n o Re n as c i m e nt o – o Co nt ex t o de Fra nç o is R a be l a is . S ão P a u lo :
HU CIT E C; Br as í l i a: E d it or a d a U n i v ers id a de de Br as í l i a, 19 8 7; M A TT A, R o ber t o d a.
Car n av a is , m a l an dr os e h er ó is : par a um a s o c i ol o g ia d o d i lem a bra s i le ir o. 3 .e d. R io
de J a n eir o : Z ah ar , 1 9 81 ; D A V I S, N at a li e Z em on. C ul t uras d o po v o: s oc i ed a de e
c u lt ura n o i n ic io d a F r anç a mo d er na : o i to ens a i os . R i o d e J an e i ro: P a z e T err a,
19 9 0; SO I H ET , Rac h el . A S u bv ers ã o p e lo r is o : es t ud os s o br e o Ca rna v a l c ar i oc a da
B el l e É po q u e a o tem po d e V ar gas . R i o d e J an e ir o: E d it or a F un d aç ã o G e tú l i o
V arg as , 19 9 8.
81
escolas de samba cariocas, considera -se os sambas-enredo como
destacadas fontes documentais por abordar em temas históricos e
culturais nacionais, construindo representações que, sendo a ceitas
e/ou
rejeitadas,
circulam
para
um
amplo
público,
haja
vista
a
reconhecida inserção da cultura carnavalesca na sociedade brasileira.
Ressalva -se que, mesmo antes do desfile de carnaval carioca das
escolas de samba do Rio de Janeiro passar a ser telev isionado, era
ampla
sua
repercussão
mediante
a
cobertura
da
imprensa
por
periódicos de circulação nacional 115 e também por cinejornais 116.
Antes de terem suas narrativas filmadas, Chica da Silva e Chico
Rei foram temas de samba -enredo na década de 1960. Coub e a uma
mesma agremiação o feito: a escola de samba carioca Acadêmicos do
Salgueiro. Poucos anos depois de fundada (1953), o Salgueiro começou
a inovar ao promover leituras sobre a história do Brasil a partir de
protagonistas negros, como no carnaval de 19 57: Navio Negreiro, sobre
o tráfico de escravos 117.
A
ousadia
logo
lhe
rendeu
louros.
Em
1960,
o
Salgueiro
conseguiu seu primeiro título com o enredo Quilombo dos Palmares,
homenagem a Zumbi, com alegorias representando o quilombo e a
África. Abria-se a década em que o Salgueiro se consolidou como
importante agremiação no carnaval do Rio de Janeiro. Os temas negros
continuaram
a
se
destacar
em
seus
enredos,
muitas
vezes
proporcionando bons desfiles, como Chica da Silva, em 1963, quando
conquistou seu segundo título e, no ano seguinte, obtendo o vice campeonato com Chico Rei.
115
A lém dos j o r n a is im p r es s os , d es tac a v a - s e a c o b ert ur a f ot o - j or n a lís t ic a s o bre o
c arn a v a l, r ea l i za d a por r e v is t as c om o O Cru ze i ro ( p ert e nc en t e a os D iár i os
As s oc i a d os ) , F at os e Fot os e Ma nc he te ( am bas ed i ta d as pe l a B l oc h) .
116
Pr od uç ão s er i ad a d e s en v o l v id a p or pr o du t ores pr i v ad os , em d i v ers os m om en tos
i nc e nt i v a da pe l o Es t a do . O c i n ej or n a l, ex i b i do an t es d as s es s õ es de c in em a, t e v e
v ár ias c ar ac t er ís tic as , de ac or d o c om o per ío d o, pr o du zi n d o d e p eq u en os
doc um en tár i os a um c l ip e de no tíc i as . Na déc a da de 1 97 0 t or no u - s e a n ac rô n ic o
d ia nt e d a po p ul ar i za ç ão d a te l e v is ã o e d o t e lej or na l ; SO U Z A, J os é I n ác io d e Me l o
e. C in ej or n a l. I n. : R A MO S, Fe r n ã o; MI R AN DA , Lu i z Fe l i p e. (O rgs ). Enc ic l op é d ia d o
c i ne m a br as i l e ir o . 2 .e d. Sã o P a u lo : E d. S EN AC , 2 00 4 , p. 1 33 - 1 35 .
117
O s tem as c ar na v a l es c os d o S al g ue ir o n a d éc a d a d e 19 5 0 f or am : 1 9 54 : Ro m ar ia
à B ah i a; 19 5 5: Ep o p e ia d o s a m ba ; 1 95 6 : B ras i l, f o nt e d as ar tes ; 1 95 7: N a v i o
ne gr e iro ; 19 5 8: U m s éc u l o e m e io a s erv i ç o d o Br as i l – f u zi l e i r os n av a is ; 19 5 9:
V ia g e m h is t ór ic a e p it or es c a ao Br as i l – a p in t ura de D e bre t. Dis po ní v e l em :
< ht tp :/ / www. s al g ue ir o . c om .br > Ac es o : 2 1 j u n . 20 0 8.
82
Em 1963, a escola levou para a avenida Presidente Vargas, onde
ocorriam os desfiles, o enredo: Chica da Silva , do carnavalesco Arlindo
Rodrigues, estruturado em três partes .
A or ig em da es c r a v a X ic a ; a l ib er d ad e ap ó s o c as am e nt o c om
o c on tr at a dor J o ã o F ern a n des d e O l i v e ira ; e s e us c a pric h os ,
r ep r es e nt ad os pe l o l a go qu e m an dar a c o ns tru ir par a p as s ea r
de bar c o , o te a tro , a l it e ira par a as s is t ir à s m is s as e t od o o
118
l ux o q u e os t e nt a v a .
A escola desfilou em 24 de fevereiro com 2.300 componentes. O
samba-enredo Chica da Silva, composto por Noel Rosa de Oliveira e
Anescarzinho, reiterava o subjetivo padrão de beleza oitocentista
cunhado por Joaquim Felício dos Santos, principal referência da
direção de carnaval. O samba, cujo trecho segue, caiu no gosto popular
e foi um grande sucesso .
A pes ar d e n ão pos s u ir gr a nd e b e le za
X ic a da S il v a
S ur g i u n o s e io
Da m ais a lt a n o bre za
O c o n tr a ta d or
J oã o Fe r n a nd es d e O l i v e ira
A c om pr o u p ar a s er a s ua c om pan h e ira
E a m ul at a q ue e ra es c ra va
S en t iu f or te tr a ns f orm aç ã o
T r oc an d o o g em id o d a s e n za l a
P el a f i da l g ui a d o s a l ã o
Com a i nf l u ê nc i a e o p od er d o s e u am or,
Q u e s up er o u
A b ar r ei r a d a c or ,
Fr a nc is c a d a Si l v a
119
Do c a t i ve ir o zom bo u ô ôô ô ô
Entretanto, se a beleza da ex-escrava permanecia secundária na
letra do samba, o desfile apresentou as bases representativas para
uma Chica da Silva poderosa e sedutora . A foliã que a representou foi
Isabel Valença, então esposa do presidente da escola de samba.
Paradoxalmente ao samba-enredo, a beleza e interpretação de Isabel
Valença repercutiram positivamente entre os espectadores, jurados e
imprensa e, certamente, contribuiu para que a escola ganhasse o
118
D is p o ní v e l em : < ht tp :// w ww. s a l gu e ir o.c om .br/ S 2 00 8/ I nd ex . as p > Ac es s o em : 2 1
j un . 2 00 8.
119
I b id em .
83
campeonato daquele ano 120. A atuação da primeira dama do Salgueiro
lhe valeu o título de eterna Chica da Silva. Associação que se repetiu
também com as atrizes Zezé Motta, intérprete da personagem no
cinema (1976), e Taís Araújo, que deu vida a Xica da Silva na
telenovela
homônima
veiculada
pela
extinta
Rede
Manchete
de
Televisão, entre 1996-97.
O desfile daquele ano se destacou não apenas por retratar uma
personagem negra, pouco conhecida já que não fazia parte dos
conteúdos programáticos escolares de história (figura 2). Percebe-se a
consolidação dos temas negros como enredo d as escolas de samba
cariocas. E, ainda, a popularização de representações sobre Minas
Gerais inscrevendo a história da região em uma dimensão nacional ,
especialmente n aquilo que concerne ao período do escravismo e a
riqueza do ouro e das pedras preciosas .
A escola sagrou -se campeã ao realizar um desfile considerado
perfeito e que contribuiu para a renovação da história do carnaval das
escolas de samba do Rio de Janeiro. Além das luxuosas fantasias, que
exigiram um elevado investimento financeiro, o Salgueir o inovou ao
levar uma ala composta por 12 casais que dançaram um minueto
coreografado (figura 3). A representação teatralizada agradou e passou
a ser incorporada pelas demais agremiações carnavalescas. Mesmo
correndo riscos ao introduzir um ritmo diferente do samba no enredo,
terminou aceito e se justificou pela narrativa construída, já que danças
de salão faziam parte das festas promovidas por Chica da Silva em sua
ostentosa Chácara da Palha. O Salgueiro abria alas para o desfile espetáculo que passou a ca racterizar o carnaval como indústria da
cultura 121.
120
V IE IR A ,
Cl á ud i o.
M ar
v erm el ho
e
bra nc o.
s /d .
Dis p on í v el
em :
< ht tp :/ / www. s al g ue ir o . c om .br /s 2 00 8/ A R. as p? T 1= AR 2 76 2 > Ac es s o e m : 21 j u n. 2 0 0 8.
121
A pr of is s io n a l i zaç ã o no c ar n a va l , c om a c ont ra taç ã o d e c ar n a va l es c os e a
c om erc i a li za ç ã o d e f a nt as ias d e d es f i l e p ar a p es s o as de f or a d a c om un id a de , c om o
prej u d ic i a l a i de i a d e pur e za da m an if es t aç ã o c ul t ura l n e gra e d os m orros c ari oc as ;
c f .: G O NÇ A L V ES , Re n at a de Sá . Cr on is tas , f o lc l or is t as e os r a nc h os
c arn a v a les c os : p er s p ec t i v as s o br e a c u l tu r a p op u l ar. Rev is ta Es tu d os H is t ór ic os ,
n. 3 2, R io d e J a n ei r o , Fu nd aç ão G et ú li o V ar gas , p. 8 9 - 1 05 , 20 0 3; MO U R A, R o ber t o.
Car n a va l - da R ed e nt or a à Pr aç a d o A p oc a l ips e . R i o d e J a n e iro : Za har , 1 9 8 6. Po r
ou tr o l a do , a i d e ia d e um c ar n a v a l p ur o, no q ua l c ód i g os c u l tu ra is s e gm en ta d os
en tr e e li t e e po p u lar s ão inc o nc il i á v eis , t a m bém é ref u t ad a; c f .: M AT T A, R ob er to
84
Fi gu r a 2 – Car r o a l e gó ric o do S al g ue ir o , c ar na v a l 1 96 3
Ac er vo - Ac a dêm ic os do Sa l g ue ir o.
Fi gu r a 3 – I n o va d or a c ore o graf ia da c om is s ão de f re n te do
S al g u eir o , c ar na v a l 1 9 63
Ac er vo – Ac ad êm ic os do Sa l g u e ir o.
da . C ar nav a is . .. o p.c i t .; VI A NN A , H erm an o. Mis t ér io d o S a m ba . Ri o de J a ne ir o:
Za har /U FRJ , 19 9 5.
85
A repercussão do desfile A mulata que era escrava ultrapassou o
campo carnavalesco. O diretor Cacá Diegues, em entrevistas atreladas
ao lançamento do filme Xica da Silva, reiteradamente reforçou que
começou a pensar em filmar a história após o carnaval do Salgueiro –
projeto que se concretizou uma década depois. O impacto cênico do
desfile pode ser reconhecido, ainda, na tônica carnavalesca que
empreendeu à narrativa cine matográfica, pois como foi observado ,
Di e gu es c o nc eb e u o f i lm e c om o um a “f a rs a h is t ór ic a” . O s
per s o n ag e ns s ã o tr a ta d os d e m ane ir a s im pl es , s em um
des e n vo l v im en to ps ic o ló g ic o ac e n tu a do . O qu e im por t a é a
f ant as i a. Es s e c ará t er m ític o, es s a des c o ntr aç ã o s e r a dic a l i za
no de c or r er das f i lm a ge ns at é a ti n g ir um v erd a d eir o c l im a de
122
f es ta bár b ara .
O sucesso de público e crítica levou a Acadêmicos do Salgueiro a
apresentar no carnaval seguinte novamente um tema relacionado à
cultura e identidade negra a fim de te ntar o bicampeonato. Em 1964, foi
a vez do enredo O Sonho Dourado de Chico Rei desfilar na Praça XI . O
tema de Chico Rei parecia um complemento natural ao enredo de Chica
da Silva, cuja perspectiva da cultura e identidade negra tornava -se uma
marca salgueirense.
O samba-enredo foi novamente interpretado por Noel Rosa de
Oliveira, que o compôs juntamente com Geraldo Babão, Djalma Sabiá e
Binha. A canção reiterava os elementos da narrativa popular e literária,
ou seja, o rei africano capturado e vendido como escravo para trabalhar
nas minas de ouro de Vila Rica, onde conseguiu se alforriar e libertar
seus companheiros de cativeiro. A estratégia de esconder ouro em pó
nas cabeleiras e recuperá-los na igreja da irmandade dos negros era
exaltada, atestando a astú cia e liderança de Chico Rei. A religiosidade
também era enfocada, já que o samba terminava com seus parceiros
libertados e, em homenagem, uma igreja em devoção a Santa Efigênia
foi erigida, como se depreende dos trechos selecionados .
V i v ia n o li t ora l af r i c a n o
Um r ég i a tr ib o or d e ira
Cuj o r e i er a s ím bo lo
De um a te rra la b or ios a e h os p i ta l e ir a.
Um di a, es s a tr a nq u i l i da d e s uc um bi u
122
X IC A D A SI L V A, d o is an os d e p es q u is a. O E s ta d o de Sã o Pa u lo , 2 2 a go . 1 97 6.
86
Q u an d o os p ort u gu es e s i n v ad ir am ,
Ca pt ur a nd o h om ens
P ar a f a zê - los es c ra v o s n o Br as i l.
Um r ic o f i d al g o os c o m prou,
P ar a V il a R ic a os l e v o u.
A i d ei a d o re i f o i ge n i a l,
Es c on d er o p ó d o ou ro e ntr e os c a b e los ,
As s im f e z s e u p es s oa l .
A o c at o l ic is m o s e c o n v ert e u,
No p o nt o m a is a lt o d a c i da d e Ch ic o - R e i
Com s e u es pír i to d e l u z
Ma n do u c o ns tru ir um a i gr ej a
E a d e nom i no u
123
S an ta Ef i g ên i a d o A lt o d a Cr u z!
A construção do enredo se deu a partir do recolhimento de
material
sobre
a
história
realizado
pelo
carnavalesco
Fernando
Pamplona, quando ele esteve em Minas Gerais para pesquisar outro
roteiro: Aleijadinho, tema do carnaval de 1961. Como estava na
Alemanha, estabeleceu à distância as linhas gerais do enredo e
autorizou o carnavalesco Arlindo Rodrigues a conduzir o trabalho.
Decorrente do sucesso campeão criou-se grande expectativa em
torno do desfile de 1964. A produção carn avalesca procurou manter os
aspectos que havia dado certo no ano anterior, como o luxo das
fantasias. Um cuidado especial foi dispensado para o fator surpresa.
Mercedes Batista, coreógrafa do minueto presente no desfile da Chica
da Silva, se empenhou no no vo trabalho, que encenava a lavagem dos
cabelos
dos
negros
na
pia
batismal
para
recolher
o
ouro
desencaminhado.
O efeito plástico agradou ao público e aos jurados. No entanto, a
produção esmerada terminou por prejudicar a escola. O aumento no
número de componentes, que chegou a cerca de 2.800, atrapalhou a
harmonia do desfile. A arquibancada não se empolgou com a escola,
cobrando
dos
componentes
que
cantassem
o
samba.
Segundo
cronistas, dois fatores atrapalharam nesse aspecto: muitas fantasias
com máscaras cobrindo todo o rosto; e a concentração dos foliões em
seguir as marcações das complexas coreografias – o que levou Arlindo
Rodrigues a fazer um mea culpa pelas suas exigências . Ainda assim, a
123
D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. s a l gu e ir o.c om .br > Ac es s o em : 2 1 j u n. 20 0 8.
87
escola conquistou o vice -campeonato, perdendo para a campeã Por tela,
que terminou um ponto à frente.
Diferentemente do ano anterior, as proposições do Salgueiro
provocaram dúvidas quanto à adequação à linguagem do carnaval,
rendendo duras críticas ao modelo adotado pela agremiação .
S ua pr im ei ra a l a f o i p o uc o m en os q ue r id íc u l a c om
s o ld a di n hos m ui t o b em arrum ad in h os , e s p in g ard i n ha nas
c os t as , d a n do d o is pas s i n hos p ar a c á e um pra lá n a
per s e g uiç ã o a os ín d io s q u e s e e nc o nt ra v am a s e u l a do . T u d o
m uito b em ens a ia d i nh o, m as lo n ge d o es p ír it o das es c o las d e
s am ba e p róx im o d os s ho ws d e te a tro . O S al g u eir o p rim o u,
m ais um a v e z, d o pr in c íp i o ao f im - e is to é q ue é im p ort an t e:
em to das as a l as - p or te a tra l i za r s e u des f il e , s em s e im po rt ar
s e is s o o v ai af as t an do d o v er d ad e ir o es p í rit o d o es pe tác u l o
das es c o l as d e s am ba , ou n ã o.
[.. .] O S a lg u e iro f a z c om que s e a pr ox im e c ad a ve z m ais a
pas s os m a is lar g os o des f ec h o de s h o w p uro q u e m ui tos
pr e v e em par a o f u t u ro das es c o l as de s am ba. En q ua nt o ,
por ém , o d es f i l e a i n d a f or d e s am ba , o S a lg u ei ro tem q ue
124
es t ar p er de n do p o nt os c om o q u e f a z .
Ainda assim, a representação da história de Chico Rei no
carnaval de 1964 favoreceu a ampliação desse conhecimento para uma
população distante da cultura popular corrente na região mineira de
Ouro Preto. Semelhante mente ao que ocorreu com Cacá Di egues e sua
inspiração para filmar a história de Chica da Silva, W alter Lima Júnior
se recordava do desfile do Salgueiro como sendo seu primeiro contato
com o tema, juntamente com as tradicionais festas de congada, quando
foi convidado a filmar a história 125.
Para fins de registro, outro enredo carnavalesco em torno de
Chico Rei foi desenvolvido em Belo Horizonte. A escola de samba
Inconfidência Mineira produziu, para o carnaval de 1977, o samba enredo Na corte de Chico Rei. Embora não tenha ocorrido desfile
naquele ano 126, a letra do samba, composto por José Geraldo de Paula,
permite reconhecer os aspectos centrais da história presente s na
tradição popular. Ressalta -se que os versos desconsideram a parte
124
CA ST RO , Mar c os d e . Sa l gu e ir o e um a s a u da d e. J o rn a l d o Br as i l , 13 f e v . 1 96 4 .
Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.s a lg u ei ro .c om .br > Ac es s o em : 2 1 j u n. 20 0 8.
125
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor , em 1 3 j u n. 20 1 3.
126
Nã o f oi pos s í v el p r ec is ar o m oti v o d o c anc e lam en t o, m as inf er e - s e es ta r
re lac i o na d o às f or t es c h u vas q ue pr o v oc ar am enc he n tes n a c ap it a l, n o i níc i o d o
an o .
88
africana, atribuindo o início da história de Chico Rei a parti da sua
presença em Vila Rica.
Q u e l in d a h is t ór i a
A I nc o nf i d ênc i a v em m os tr ar
Nas c i da lá em V il a R ic a
Ca nt a da em to do lu g ar
E o n e gr o es c ra v o a lf o rri ad o
Fe z o tr a ba l ho as c e n d er
P ar a c ons tru ir o s eu r e in a do
127
E p od er lu ta r por s ua ge n te
1.1.3.
No campo musical
A música foi outro campo relevante para a construção do
imaginário social em torno de Chica da Silva e Chico Rei. Nota -se o
refinamento das reflexões acerca do uso da música como fonte por
historiadores 128. O registro sonoro como fonte deve ser anali sado em
sua totalidade: produção, significados, estética, aspectos ideológicos
etc. Esse trabalho deve ser realizado mediante outras referências
conhecidas, favorecendo, assim, a percepção , não só das revalidações
de
narrativas,
mas
das
ressignificações
e
da
circularidade
do
conhecimento histórico. Trabalhar com essa tipologia de fonte não é
tarefa
simples,
sobretudo
por
conta
dos
vícios
decorrentes
da
supervalorização do registro escrito, que induz a análise segmentada
entre letra e música, contexto e ideo logia; por exemplo. Para tanto,
uma análise histórica a partir de registros musicais deve observar
[.. .] o c ar á te r po l is s ê m ic o d o d oc um e nt o m us ic a l n ão é um
obs t ác u l o i ntr a ns p o ní v e l e as p os s ib i l id a d es d e t ra b al h o d o
h is t or ia d or a nc oram - s e n o m ap eam en t o da s “ es c ut as ”
h is t ór ic as (c r ít ic a, p úb l ic o e os p ró pr i os art is t as qu e s ão
tam bém o u v in t es ) q ue dã o s e nt i d o h is t ór ic o às o bras m us ic a is .
A q ues tã o c e ntr a l é q ue , em qu e p es e a es tru tu ra i n ter n a da
obr a e as i n te nç ões s ubj et i v as do c om pos it or, o s en t id o
s oc ia l , i d eo l ó gic o e h i s tór ic o d e um a obr a m us ic a l res i d e em
c on v e nç õ es c u lt ur a is qu e p erm it em a f orm aç ã o d e um a re de
129
de es c u tas s inc rô n ic a e d iac r ô n ic a .
127
P AU L A, J os é G e r a l d o d e. N a c or te d e C h i c o R e i. In .: S a mb as - e nre d o d e 19 7 7 .
Com pac t o. B e l o Hor i z on t e: B em ol , 1 99 7 .
128
P ar a a r e laç ã o t e ór ic o - m eto d ol ó g ic a e n tr e His t óri a e m ús ic a ; c f .: CO NT I ER ,
Ar na l d o D. , M ús ic a e His t ór i a . R ev is t a d e His t óri a , n .1 1 9, Sã o P au l o: Hum an i tas ,
J u l. /d e z, 1 98 5 - 19 8 8; NA P O L IT AN O , Marc o s . H is t ór ia e Mús ic a . Be l o H or i zo n te :
A ut ên t ic a , 2 00 2; N A P O LIT A NO , Marc os . F o nt es A ud i o v is u a is . .. o p .c i t. ; HE R M ET O ,
M ir iam . Ca nç ã o p op u l ar br as i le ir a e e ns in o de H is t óri a : p a la vr a s , s o ns e t a nt os
s en t id os . B e lo H or i zo n te : A ut ê nt ic a, 2 0 12 .
129
N A PO LIT A NO , Ma r c o s . F o nt es A u di o v is ua is ... o p .c i t. , p. 2 59 .
89
No caso de Chico Rei, sua presença em termos musicais era
sentida nas festas religiosas do congado 130. Das tradições populares, a
vida do ex-escravo de Vila Rica passou a ser representad a nas
câmaras de música. O deslocamento dos cortejos festivo -religiosos,
que desfilavam memórias do rei africano pelos calçamentos de pedra
das cidades coloniais mineiras, para o s teatros de música erudita
ocorreu pela regência do jovem maestro Francisco Mignone 131, que
naquela época flertava com a música popular, assinando peças nesse
estilo com o pseudônimo de Chico Bororó.
Segundo o Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasil eira,
quando se especializava em Milão, em 1920, Francisco Mignone
produziu sua primeira ópera: O contratador de diamantes; divida em 3
atos. A composição se baseia na peça teatral homônima escrita por
Afonso Arinos, em 1917 132, destacando o período do contratador
Felisberto Caldeira Brant. A primeira execução completa da ópera se
deu em setembro de 1924, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Embora enfoque o período imediatamente anterior à administração de
João Fernandes, a peça revela o conhecimento das h istórias da região
diamantina.
Por volta de 1928, Francisco Mignone reaproximou-se de Mário
de Andrade, amigo dos tempos do Conservatório Dramático e Musical
de São Paulo. As discussões modernistas, que passavam pela questão
da cultura popular 133, foram essenciais para que o compositor se
130
P ara as c o ng a das e s ua r e l aç ão c om as irm an d ad es ne gr as ; c f .: S C AR A NO ,
J u li t a. D ev oç ã o e es c r av id ã o : a irm an d ad e d e N os s a S en h ora do R os ár io dos
pre t os no D is tr i to D i am ant i n o n o . 2 . ed . 1 97 8 ; SO U Z A, M ar in a de M e l lo e . Re is
ne gr os no Br as i l e s c r av is t a : h is t ór i a da f es t a de c or o aç ã o de re i C o ng o . Be l o
Hor i zo n t e: UF MG , 2 00 0.
131
Fra nc is c o M i gn o ne f o i um des t ac a d o m ae s tro e c om pos it or da m ús ic a eru d i ta
nac i o na l . A i nd a c r ia nç a a pr e n d eu c om o pa i , o im i gra n te it a l ia n o A lf er i o M i gn o ne ,
f la ut a, i ns tr u m en to e m que s e di p l om ou, a lém do p ia n o e r eg ênc i a, em 19 17 .
De p ois d e s e es p ec i al i za r em M i l ão , c om Vi c en zo F err o n i, r et or n o u ao Br as i l e, em
19 3 4, s e t or n o u pr of e s s or de r e g ênc i a n o I ns t i tu to N ac io n a l d e Mús ic a. Em 19 51 ,
as s um i u a d ir eç ã o do T ea tr o Mu n ic i pa l d o R io d e J a ne ir o ; D is p on í ve l em :
< ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .br /f ra nc is c o - m ign on e /b i ogr af ia > Ac es s o em : 15 s et .
20 1 2.
132
A RI NO S, Af o ns o . O c on tr at ad or d e d i am a nt es . R i o de J a n e iro : S er v iç o N ac io n a l
de T ea tr o, 1 9 73 .
133
P ar a o t em a d o m od er n is m o br as i l e ir o nas d éc a d as d e 19 2 0 - 30 ; c f .: BO M E N Y ,
He l en a . O s G u ar di ã es da R a zã o : M o de rn is t as M i ne ir os . R io de J an e ir o: E di t ora da
UFRJ , 19 9 4; V E L LO S O , Mô n ic a Pim e nt a. O m oder n is m o e a qu e s tã o nac i o na l . I n :
90
libertasse da sua influência erudita italiana e se voltasse ao tema
popular nacional.
O s es tu d i os os d i v i dem s u a obr a em du as f as es : a pr im eir a , de
i nf l uê nc ia i t al i a na , m es m o te n do c om pos to nes t a f as e s o br e
tem as br as i l e iro s , e a s e gu n da , q ua n do a p art ir d e i nf l uê nc i as
do am ig o M ár io d e An dr ad e ac a bo u p or e ng aj ar - s e no
134
m ovim en t o m od er n is t a .
A
ópera
O
contratador
de
diamantes
se
enquadra
nas
características da primeira fase do maestro. Nela, porém, há um trecho
intitulado congada, em referência às festas negras presentes na peça
de Afonso Arinos. Congada, já havia sido encenada dois anos antes
(1922) e , depois, foi incorporada à ópera 135. Esse dado indica a
proximidade de Mignone com o tema da cultura negra, que será
retomado a partir da fase mais nacionalista do compositor.
A permanência do imaginário de Chico Rei como rei da congada
foi
trabalhada
no
bailado
Maracatu
de
Chico
Rei.
Refletindo
a
determinação em voltar sua produção para temas populares, Francisco
Mignone abriu mão do pseudônimo com que preservava sua imagem
erudita e assinou o bailado . Datado de 1933, foi encenado em primeira
audição no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em outubro de 1934 136.
Em 1937, o bailado recebeu acréscimo de coro, sendo encenado no
encerramento do I Congresso da Língua Nacional Cantada, realizado
em São Paulo 137. Mas “somente em 1939, foi apresentado em sua forma
cênica completa, com coreografia de Maria Olenewa” 138.
FE RR E IR A , J or g e ; N E V E S, L uc íl i a d e A lm ei da . ( O rg) . O Br as i l R e pu b l ic a n o. R i o d e
J an e ir o: Ci v i l i za ç ã o Br as il e ir a, v .1 , 2 0 03 ; VE LL O S O , Mô n ic a P im en ta . Em bus c a da
i de nt i d ad e nac i o na l : d if er e n tes ex pr es s õ e s do m oder n o e d a br as i l i da d e. I n:
G O ND R A, J os é G onç a l ves ; M A G A L DI , An a M ar i a. (O rgs ) . Ed u c aç ã o no Br as i l:
His t óri a , c u lt ur a e p o li t ic a . Br a ga nç a P a u lis t a: E d us f , 2 00 3, v. 1 , p. 3 4 9 - 37 3;
B AR BO S A , D an i e l. O mi to m od er n is t a. 20 04 . T es e (D o ut or ad o em His tór i a) –
De p art am ent o de H i s tór i a d a F ac u l d a de de F i l os of i a e C i ênc i as H um an as ,
UN IC A M P, C am pi nas .
134
D ic io n ár io Cr av o A lb i n d a Mú s ic a P op u l ar Br as i le ir a . D is po ní v e l em :
< ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .br /f ra nc is c o - m ign on e > Ac es s o em : 15 s et . 20 1 2.
135
I b id em .
136
Co nf or m e i nf or m aç õ e s do s is t em a d e b i b l io tec as d a UF MG s o br e a p art i tu ra da
peç a q u e pe r t enc e à c o leç ã o Cur t L an g e, d is po n í ve l n a B i b l io tec a Un i v ers it ár ia .
137
D ic io n ár io Cr av o A lb i n d a Mú s ic a P op u l ar Br as i le ir a . D is po ní v e l em :
< ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .br /f ra nc is c o - m ign on e > Ac es s o em : 15 s et . 20 1 2.
138
M IG NO N E, Fr anc is c o ; MA CH A DO , D a v i d ( Re g.) ; O S MG (O rq u es tra S i nf ô n ic a d o
Es t a do d e Mi n as G er a is ) . Mar ac at u de Ch ic o R e i. F es ta das I gre j as . B e lo
Hor i zo n t e, 1 9 93 . CD .
91
Segundo o crítico musical Cravo Albin, o amigo Mário de Andrade
foi o responsável pelo argumento do bailado, cuja narrativa destaca o
papel de Chico Rei liderando os negros de sua tribo na construção da
igreja do Rosário, em Vila Rica. A peça foi dividida em 10 movimentos,
com destaque para o amálgama de outras tradições populares com a
lenda de Chico Rei, como em: II – Chegada do maracatu; VI – Dança
do Chico Rei e da Rainha N’Ginga; X – Dança geral 139.
Constatam-se na peça, portanto, várias influências populares
para a construção do tema Chico Rei. A começar pelo título do bailado ,
já que maracatu é uma dança característica do nordeste brasileiro,
embora a narrativa se passe em Minas Gerais. A lenda da rainha
N’Ginga 140 também foi incorporada, formando com Chico Rei uma
espécie de corte real negra e mítica. A liberdade permanece send o o
maior legado de Chico Rei, como reafirmado no epílogo do bailado que
culmina com a libertação dos escravos.
Ressalta-se, ainda, que, com o Maracatu Chico Rei, o compositor
reiterava o esforço dos modernistas em repensar a cultura nacional,
elegendo, para isso, a cultura barroca mineira como mote. Nesse
sentido, movimento assinala a incorporação de um imaginário social de
abrangência nacional, pois sintetiza va diferentes manifestações étnico culturais. O que, em certa medida, ganhou projeção por se rela cionar
com o projeto de nacionalismo estabelecido pelo Estado Novo, criando
139
N a i nt er pr e taç ã o f e i t a pe l a O rq u es tr a S i nf ôn ic a d e M in as G er a i s , o ba i l ad o é
apr es e nt ad o em d e z m ovim en t os : I - B a il a d o ; I I - Ch e ga d a d o Ma rac at u; I II - D anç a d as
Muc am bas ; I V - O Pr ín c i pe Da nç a; V - D a nç a das T r ês Mac o tas ; VI - Da nç a d o C h ic o
Re i e d a Ra i n ha N ’ G i ng a ; VI I - D a nç a do Pr í nc i p e S am ba; VI I I - D anç a d os S e is
Es c r a vos ; IX - D a nç a d os Pr ínc i p es Br a nc os : m in ue to G a vo t a; X - D anç a F in a l; I d e m.
Em 20 07 , a O S ES P i nt er p r e to u o b a i la d o em no ve m o v im ent o s , s e n do es t a a
es tr ut ur a: I - I ntr o duç ã o; I I - C h eg a da do M a rac a t u; I II - Da nç a d as M ac um bas ; I V Da nç a d as T r ês M ac ot as ; V - D anç a do C h ic o Re i e da R a in h a N ’G i n ga ; VI - D anç a d o
Prí nc i pe S am ba; VI I - Da nç a d os S e is Es c r a v os ; VI II - Da nç a d os P rínc i pes Br anc os ;
IX - L i ber t aç ã o d os E s c r a v os – Da nç a G era l e F i na l ; MI G N O N E, Fr anc is c o;
NE S CH I LI NG , J o hn ( Re g.) ; O S E P (O r q ues t ra S inf ô n ic a d o Es t a d o d e S ão P a u lo) .
Ma rac at u d e C h ic o R e i. F es t a d as Igr e j as . Si n fo n ia Tr o p ic a l . S ã o P a ul o : B is c oi t o
Cl ás s ic o, 2 0 07 . CD . A c om pan h a l i vr et o.
140
P ara a h is tó r i a da r a i nh a N ’G i n ga , G in g a o u J i n ga , c f .: SO UZ A , Ma ri n a d e Me l l o
e. A r a in h a J in g a d e Ma t am b a e o c at o l i c is mo – Áf ric a c en tr a l (s éc u l o X V II) .
Co n gres s o In t er n ac i o na l L as r e lac i o nes d is c ret as e ntr e l as m on a rqu í as his p an a y
por t ug u es a : L as c as as d e l as r ei n as ( s i gl os X V - X IX ) , M ad ri, Un i v ers i da d e
A ut on om a d e M ad r i , 2 00 7 ; FO N S E CA , M ar i a na Br ac k s . N zi n ga M b an d i e as g ue rras
de res is tê nc i a em An g o la n o s éc ul o X V II . 20 12 . D is s er taç ã o ( M es t rad o em H is t ór ia)
– F ac u ld a de de F i los o f ia , Le tr as e C iê nc i as Hum an as , Un i v ers id a d e d e S ão Pa u l o.
92
referências
de
identificação.
Mesmo
trabalhando
na
chave
da
perspectiva festiva e folclórica, Francisco Mignone contribui para criar
um novo local em que o tema Chico Rei passasse a circular.
As trilhas sonoras dos filmes Xica da Silva e Chico Rei são outros
registros
realizaram
musicais
seus
relevantes 141.
filmes
Naturalmente
baseando-se
importantes elementos dos filmes,
nelas,
os
mas
diretores
as
trilhas
não
são
colaborando na con strução de
significados da representação audiovisual sobre os protagonistas e
seus
contextos
históricos .
Considera-se,
nesse
sentido,
que
as
composições musicais se sustentaram no imaginário social existente
sobre os protagonistas e seguiram
as orientações indicadas nos
roteiros. As músicas dos filmes , porém, contribuíram, também, para
significá -los. A parte musical foi , ainda, relevante veículo para a
circulação da temática de Chica da Silva, Chico Rei e d e aspectos da
sociedade colonial mineira , tanto no espaço do cinema , quanto pela
sua execução nas rádios e no formato de discos .
O filme de Cacá Diegues teve Roberto Menescal à frente da
direção musical. Seu trabalho não passou despercebido , incorporando
à trilha sonora músicas em alusão aos diferentes g rupos da sociedade
colonial representados no filme. O músico foi autor dos temas barrocos,
inspirando-se nas composições setecentistas de Lobo de Mesquita. Foi
também o autor das partes percussivas, executadas por Hélcio Milito.
Canções
folclóricas
foram
p esquisadas
por
Fernando
Lebeis
e
gravadas pela atriz Zezé Motta 142.
Não obstante,
a
música-tema Xica da Silva 143, composta e
executada por Jorge Ben 144, ofuscou a produção musical. A canção s e
tornou imediatamente um grande sucesso e, passados mais de trinta
anos, permanece importante no repertório do artista . Cacá Diegues o
141
Ao q ue tu d o i n dic a , nã o f o i la nç ad o o r e g is tr o f o no gr áf ic o d a tr i lh a s on or a d o
f ilm e X ic a d a S i lv a. P ar a C h ic o R e i; c f .: T I SO , W agner; V I S SU N G O , G r u po ; et .a l .
Tri l ha So n or a do f i l m e C h ic o R e i . R i o d e J a n e iro : S om L i vre , 1 98 5 . L P .
142
X IC A da Si l v a es p er a v oc ês . Es ta d o d e Mi n a s , 2ª s eç ão . 2 6 f e v . 1 9 77 , p . 1.
143
A m ús ic a f o i la nç ad a em dis c o p e lo c an t or; B EN , J or g e. Áfr ic a Br as i l. R i o d e
J an e ir o: Ph i l ips R ec or ds . 1 9 76 . L P.
144
A pa r t ir d a d éc ad a de 19 8 0 o c a nt or p a s s ou a gr af ar s e u n o m e c om o J org e
B enj or. O p to u - s e, n es s a t es e, por c o ns id er a r o n om e c om o q u al o art is ta as s in o u a
m ús ic a- tem a d o f i lm e X ic a da S ilv a .
93
considerava o nome ideal para a tarefa, contudo a agenda do cantor o
impediu de acompanhar o processo de produção do filme. A solução foi
realizar o trabalho via correios, quando Jorge Ben
[.. .] r ec eb e u um a c a r ta de c i nc o l a ud as e n v ia d a p or C ar l os
Di e gu es , qu e l he p e d ia o t em a. A lg um as s em an as de p o is ,
Di e gu es r ec e b ia de v o lt a um a f it a c om c erc a e 1 0 m in ut os ,
on d e es t a v a gra v a d o o tem a qu e , s eg u nd o o d ire t or, n ã o po d ia
s er m ais a pr opr i a do , c om o s e o c om pos it or t i ves s e v is t o
145
v ár ias ve ze s o f i lm e .
A
letra
com
duplo
sentido,
sobretudo
quando
atrelada
à
interpretação faceira e sensual que a atriz Zezé Motta empreendeu à
personagem, favoreceu uma conotação sexual e debochada, algo
próximo da linguagem carnavalesca .
X ic a da , X ic a d a, X ic a d a
X ic a da S il v a , a Ne gr a ! ...(2x )
X ic a da S il v a
A N egr a! A N egr a!
De es c r a v a a am an te
Mu l h er !
Mu l h er d o f i d a lg o tr at a dor
J oã o Fe r n a nd es
A i! A i! Ai! ...
X ic a da , X ic a d a, X ic a d a
X ic a da S il v a , a Ne gr a ! ...(2x )
A im per a tr i z do T ij uc o
A d on a d e D i am ant i na
Mo r a v a c om a s u a c or t e
Cer c a da de b e l as m uc am as .. .
Num c as te l o
Na C h ác ar a d a P a l ha
De ar q u it et ur a
S ól i d a e r e qu i nt a d a
O n de t i nh a a té
Um la g o art if ic i a l
E um a l ux u os a ga l er a
Q u e s eu am or
J oã o Fe r n a nd es , o tra t ad or
Ma n do u f a ze r, s ó p ar a e l a
A i! A i! Ai! ...
X ic a da , X ic a d a, X ic a d a
X ic a da S il v a , a Ne gr a ! ...(2x )
Mu i to r ic a e i n vej a da
T em ida e o d ia d a
P ois c om as s uas per u c as
Ca d a um a d e um a c or. ..
145
X IC A da Si l v a es p er a . .. op .c it .
94
J ó ias , r o up as ex ót ic as
Das Í n di as , L is b o a e P ar is
A n eg r a er a o br i ga d a
A s er r ec e b id a
Com o um a g ra n de s e n hor a
Da c or t e
Do R e is L uís !
Da c or t e
146
Do R e is L uís ! ...
Como
música-tema,
a
letra
reitera
a
estrutura
narrativa
inaugurada nas Memórias do Distrito Diamantino , mas seguindo a
inversão psicológica da Chica que Manda, de Agripa Vasconcelos. O
compositor destacou o luxo em que a ex-escrava vivia, como algo
exótico para o período da escravidão. Símbolos materiais do seu poder,
como a suntuosa Chácara da Palha e o seu navio abrem terreno para a
confirmação do seu poder, já que todos deviam reverenciá-la.
Contudo, a dubiedade dos versos iniciais – também refrão da
canção – e o ritmo contagiante levam o espectador a associar o poder
de Chica da Silva ao seu desempenho sexual. A música introduz de
modo subliminar essa característ ica da ex-escrava. Concomitante a
posição dominante com que passou a ser representada na literatura e
no
carnaval,
os
planos
do
filme
reforçaram
a
característica
sensualizada de Chica da Silva.
A trilha sonora de Chico Rei também se destaca no filme. W alter
Lima Júnior a considera essencial para a leitura poética acerca da ideia
de liberdade presente em sua narrativa fílmica. Lançado em 1986, pelo
selo Som Livre , o disco teve direção musical de Rita Luz e arranjos
creditados a W agner Tiso e Grupo Vissungo 147. Participaram, ainda,
Milton Nascimento, Clementina de Jesus e Naná Vasconcelos.
A peça gráfica promocional do filme também foi utilizada nas
capas do disco e da cópia em VHS. A imagem do disco de vinil
recupera o plano inicial da película em que três escravos fogem
acorrentados. Acima, o título Chico Rei e, logo abaixo, os nomes de
146
B E N, J or g e. Áfr ic a Br as il .. . op .c it .
G ru po s ur g i do em 19 74 , no R i o d e J a ne ir o, s o b o n om e d e S arar am i ô l o, te n do à
f rent e os ir m ãos An tô n io J os é d o Es p ír it o S an t o e A nt ô ni o do Es p íri t o S a nt o, c om a
pro p os t a
de
c an t ar
e
d i vu l g ar
a
c u lt ur a
ne gr a.
D is p o ní v e l
em :
< ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .b r / v is s u n go > Ac es s o em : 1 5 s e t. 2 01 2 .
147
95
Milton
Nascimento,
W agner
Tiso,
Clementina
de
Jesus
e
Grupo
Vissungo. Em segundo plano, o rosto de um homem negro compõe a
imagem com o céu, onde pássaros voam . Os signos sugerem o binômio
escravidão -liberdade.
especialmente
fotografias
A
visuais .
dos
planos
contracapa
Além
das
fílmicos
traz
muitas
músicas
e
remetem
seus
aos
informações,
intérpretes,
personagens,
sobressaindo-se cenas da escravidão e violência.
Fi gu ra 4 – Ca p a e
c on tr ac a p a d o d is c o T ri lh a
S on or a Ch ic o R e i
Ac er vo – Dis c o tec a P ú b lic a .
96
Os estilos musicais presentes permitem ler a trilha sonora em
dois grupos: um ligado à música e cultura branca, outro à cultura
negra. Do primeiro grupo fazem parte os arranjos do maestro W agner
Tiso
e
as músicas-tema
cantadas
por Milton
Nascimento
( Santa
Efigênia e Chico Rei). Apesar da identidade negra que marca o filme,
predomina nas cenas do personagem Chico Rei a música estruturada
em bases harmônicas características da cultura europeia .
Por outro lado, nos planos em que grupos de negros são
representados, como no quilombo, predomina a sonoridade arranjada
pelo
Grupo
Vissungo.
Estas
se
caracterizam
pela
musicalidade
percussiva, inclusive com algumas canções de domínio público que
remontam a ritmos afro -brasileiros sendo executadas pelo próprio
grupo, por Clementina de Jesus e Naná Vasconcelos.
A música Santa Efigênia reforça o aspecto religioso da história,
representando, ainda, a incorporação e uso dos signos da cultura
branca
pelos
negros.
No
filme,
a
canção
narra
e
intensifica
a
sensibilidade representada na sequência em que Chico Rei encontra,
acidentalmente, um enorme veio de ouro na Mina da Encardideira . A
sequência mescla a admiração do protagonista com a visão da santa
Efigênia, enquanto a música ocupa o espaço de forma elucidativa e
didática.
A s a nt a r e v e la
O c am i nh o d o o uro
Do ve n tr e d a t err a
Q u em ou v e a p a la vr a da s an ta
S er á r ei
S er á c or o a do
S an to é o o uro
De q u em s ó c o biç a
A l i be r d a de
A h, m in ha Sa n ta Ef i gê n ia
M in h a n egr a
148
E m i nh a i gr ej a
O momento final do filme apresenta um cor tejo de congada à
frente da igreja do Rosário, em Ouro Preto, que tem Chico Rei coroado,
observando seus súditos, representados por integrantes do grupo
148
T ISO , W agner ; VI S S U NG O , G r up o ; et .a l . T ri l ha So n ora do f i l me C h ic o R e i . R i o
de J an e ir o: S om L i vr e, 1 9 85 . L P.
97
Vissungo e guardas de congada. A música des sa sequência é Chico
Rei, na voz de Milton Nascimento, cuja letra reitera o conhecimento
popular da história e reforça a associação do rei negro com a
esperança da liberdade, como pode ser lido nos excertos .
Q u em é r e i s em pre s e rá
S e s e u r e i no
Es t á p la nt a d o
N o c or aç ã o
D e s e u po v o
C h ic o R e i
C h ic o R e i, n os s o r e i
S em pr e s e rá
Fr anc is c o é p a la vr a - v i da
P or q ue n ã o n as c e u
P ar a s er es c r a v o
O o ur o d a t err a
M o ed a q u e de v o l v e a l ib er d ad e
Um a um e l e l ib er ta
Um a um e l e r e ún e
Um r e i é f a zer s eu po v o
149
Um r e i é f a zer o s e u r e in o
Em outra via, sequências ret ratando o cotidiano negro, como o
trabalho nas minas ou a organização no quilombo, foram sonorizadas
com elementos que destacavam a percussão, o ritmo e letras que
narravam a vida e papel social de Chico Rei, mas também com
referências à cultura africana.
Registra -se que a última gravação de Clementina de Jesus – cujo
valor para a música popular e cultura negra lhe conferiu o respeitoso e
mítico apelido Rainha Ginga – ocorreu para a gravação da música Xico
Reina. Seu debilitado estado de saúde, que levou a o seu falecimento
pouco tempo depois, só lhe permitiu colocar voz na parte introdutória
da música, concluída pelo líder do Vissungo, Antônio José do Espírito
Santo e seu parceiro Samuka.
A participação do grupo Vissungo, entretanto, ultrapassou o
trabalho musical. É possível apreender sua relevância para o aspecto
artístico do filme a partir de uma carta -resposta redigida pelo líder do
grupo ao Jornal do Brasil, que havia veiculado reportagem sobre os
contratempos
149
enfrentados
pela
produção
T ISO , W agner ; VI S S U NG O , G r up o .. .o p.c i t.
do
filme,
destac ando
98
problemas
de
ordem
policial
contratados como figurantes
provocados
pelos
grupos
negros
150
. O diretor musical do grupo, Antônio
José do Espírito Santo, foi enfático ao protestar, em nome de todos os
negros que trabalharam no filme, contra o “racismo expr esso na
matéria”.
No c as o do G r u po V is s un g o, al ém de n os p rep ar arm os pa ra a
e la b or aç ã o d a tr i lh a s on or a t íp ic a, pu d em os f ornec er à d ir eç ã o
do f ilm e d a dos s o bre o p os s í v e l f i gur i n o de d anç a dor es de
c on g ad a n o s éc u l o X VI II , c ons tr uím os ins t rum ent os m us ic a is
es p ec i ais b as ea d os em doc um ent os c om m uit a d if ic u l da d e
ad q u ir id os . A l ém di s s o, c o ntr at am os u m a c ent e na d e
c on g ad e ir os de n o s s as r e laç õ es , c om os q ua is n os
pr e p ar am os par a d anç ar e t oc a r no qu e s er i a (o u s er á?) um a
i ne g a ve lm en te
be l ís s im a
rec o ns t i tu iç ã o
de
um a
f es ta
ti p ic am ent e af ro - br as i l e ira .
S ó es t e o bj e t i vo j á j us t if ic ar i a a im p o rtâ nc ia do f i lm e,
ha v e nd o , n o e nt an t o, o tr ab a lh o d e o u tras pes s o as , ne gr as e
br a nc as , t ã o im por ta n t e q ua nt o o n os s o.
[.. .] A o l ad o d is s o, nã o po d erí am os a dm it ir q ue n os s a
c on d iç ão d e ne gr os s ej a ut i l i za d a p ara es c am ote ar a v erd a de ,
nos c o l oc a n do a to d os c om o m argi n ais e arr uac e ir os , n o ex at o
m om ent o em qu e c ol oc am os n os s a ex p er i ênc i a a s er v iç o d e
i nt er es s es a bs o lu tam e nt e br as il e ir os , tr a ba l ha n do c om va l or es
qu e c o n hec em os por e x per i ê nc ia e por e s f or ç o.
Pr ot es t am os , po rt an t o, em nom e de t od os os n e gros q u e
tr a b al h am ou tra b a lh aram no f i lm e X ic o - R ey (s ic ) , c o ntr a o
r ac is m o ex pres s o na m atér ia . Lam en tam os prof un d am ent e qu e
s e per m i ta t an ta p o br e za d e es pír i to n a d i s c us s ã o d e c o is a s
151
tã o s ér i as p ara n ós t o dos , n egr os e bra nc os d o Br as i l .
Os problemas com o grupo Vissungo não se limitaram ao período
da produção fílmica. Seu líder reivindicou crédito como compositor para
a trilha sonora do disco, único gravado na carreira do grupo. Antônio
José do Espírito Santo , por meio do seu blog oficial 152, afirmou que a
gravadora preferiu destacar no disco nomes famosos como estratégia
de venda. Para o líder, apenas Carlos Alberto Mattos 153 reconheceu o
papel do seu grupo na produção de Chico Rei .
O G r up o Vis s u ng o , e m s ua f us ã o d e ar te e m ili tâ nc i a, t e v e
pa p e l dec is i v o na f o rm ataç ã o s o no ra d o f i lm e, qu e a in d a
m obi l i zo u íc o nes d a m ús ic a n e gr a br as i l eir a c om o M il t on
150
T O RR E S, M a ur í l i o. Dir e tor es a l em ães d e C hic o R ei s om em e i nt err om pem as
f ilm ag e ns em M in as . J or n a l d o Br as i l , C a der no B, p . 6, 2 7 f e v. 1 9 8 0.
151
S ANT O , A nt ô n io J os é do Es pí ri t o. X ic o R e y. J or n al d o Bras i l , c a d ern o B , p .2 , 29
m ar. 1 9 80 .
152
< h tt p: //s p ir it os an to . wor d pr es s .c om > Ac es s o em : 15 s e t. 20 1 2.
153
J orn a l is t a e a ut or d a bi o gr af i a s o bre o dir et or W alte r L im a J ú ni or; c f : M AT T O S ,
Car l os A lb er to . W a lt er L im a J ú n ior , v iv e r c in em a . R i o de J a n ei ro : Cas a da P a l a vra ,
20 0 2.
99
Nas c im en to , Cl em en t i na
154
G er al d o Fi lm e .
de
J es us ,
Na n á
V as c o nc el os
e
Ainda no esforço pelo reconhecimento das atividades do grupo,
Antônio
José
do
Espírito
Santo
constatou
que
até
o
renomado
Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira incorria no mesmo
equívoco:
minimizar
a
participação
do
Vissungo
contraposta
à
supervalorização do maestro W agner Tiso na elaboração da trilha
sonora do filme. Alertado pelo diretor do Vissungo, a equipe do
Dicionário Cravo Albin efetuou as correções em sua versão disponível
na internet 155. Acrescentou, também, que os prêmios que a trilha sonora
do filme recebeu na Bélgica e Colômbia nunca foram comunicados nem
entregues ao grupo, que lhe caberia por direito como coautores da
trilha. Ao contrário, seus integrantes sequer conheciam a modalidade
da premiação: medalha, estatueta, certificado ou prêmio f inanceiro.
1.1.4. No campo turístico
As narrativas construídas a respeito de Chica da Silva e Chico
Rei consolidaram gradativamente representações desses personagens
no imaginário social. A linguagem audiovisual do cinema, que tanto
bebeu nas fontes literárias, ca rnavalescas e iconográficas colaborou
para
viabilizar
representações.
reapropriações
Pragmaticamente,
e
as
ressignificações
cidades
de
Ouro
dessas
Preto
e
Diamantina incorporaram em sua narrativa turística relativa à cidade
colonial as histórias de seus famosos ex-escravos.
Esse movimento é mais sensível no século XXI, quando a
exploração de atividades turísticas passou integrar o planejamento
social e a geração de recursos financeiros, estimulando atividades
econômicas sustentáveis com o envolvimento da po pulação local. Chica
da Silva e Chico Rei integram a oferta de turismo histórico e cultural
154
M AT T O S, C ar l os A l b er t o. Um c i n em a q ue q uer s er m ús ic a. R e v is t a V er ed as ,
CC B B, R i o d e J a ne ir o, N o v. , 2 00 0.
155
D is po ní v e l em : < ht tp :/ /s p ir it os a nt o. wor d pr es s .c om > Ac es s o em : 1 5 s e t. 2 0 12 .
10 0
aos visitantes das cidades de arquitetura colonial e barroca de Minas
Gerais.
A inserção de Ouro Preto nesse circuito de visitação com fins
culturais é anterior às narrativas trabalhadas até o momento sobre
Chico Rei. Em 1924, alguns intelectuais, entre eles a pintora Tarsila do
Amaral, o poeta suíço Blaise Cendrars, e os escritores Oswald e Mário
de Andrade, realizaram uma caravana pelas cidades coloniais mineiras ,
com o objetivo de melhor conhecer a cultura nacional 156. As leituras da
arte e arquitetura barroca/rococó daquelas cidades, em grande medida
degradadas 157, faziam parte da reflexão sobre a identidade nacional
desenvolvida no período 158.
A pertinência do tema l evou o governo Vargas a encampá -lo nos
primeiros anos após o golpe de 1930. A cidade de Ouro Preto se tornou
monumento
nacional 159,
sinalizando
o
esforço
do
governo
e
de
intelectuais em desenvolver a ideia de patrim ônio em uma vertente
atrelada à história , à cultura e à identidade. A patrimonialização e
preservação se tornaram a tônica das reflexões, que culminaram na
criação
do
(SPHAN)
160
156
Serviço
do
Patrimônio
Histórico
e
Artístico
, administrada por Rodrigo Melo Franco de Andrade
Nacional
161
.
Pa ra a c ar a v an a às c id a des c o lo n i ais m i ne ir as ; Cf .: A M AR A L, Ara c y. B la is e
Ce n drars no Br as i l e o s Mo der n is t as . S ão Pa u lo : E d it or a 34 , 1 99 7 .
157
Por r e pr es e nt ar o p as s a d o c o l on i a l br as i l eir o , n os a nos q ue s e s e gu ir am à
Pr oc lam aç ã o d a R e pú b l ic a , po l ít ic os m i ne ir os p art i dár i os d o no v o go v er n o
c ons e gu ir am apr o var a tr ans f erê nc i a d a c a p i t a l p ara um a c i da d e a s er p l a nej a da ,
no c as o B e l o H or i zo nt e, q ue de v er i a re pres e nt ar os s i g nos do pro gr es s o e
m oder ni d ad e i nc or p or ad os ao d is c u rs o r e pu b lic a no . Par a as p ec to s da m ud a nç a d a
c ap i ta l m in e ir a e as r ep r es e nt aç õ es p o lí t i c as ; c f .: BA ND E IR A DE M EL L O , Ci ro
Fl á v io . A no i v a do tr a ba l h o: Um a c a p it a l p a ra a R e pú b l ic a . In .: D UT RA , E li a n a. B H:
Hor i zo n t es H is t ór ic os . B e l o Hor i zo n t e: C om Art e , 1 99 6.
158
Par a um a d is c us s ã o s obr e id e nt i da d e n ac i on a l, em es pec ia l nes s e p erí o do ; c f . :
O RT IZ, R e na to . C ul t u r a br as il e ir a e i d en t id ad e n ac io n a l . Sã o P a u lo : Br as i li e ns e ,
19 8 5; O L I V EI R A, L úc i a Li p p i. A qu es tã o nac i o na l n a Pr i m ei ra R ep ú b lic a . S ão
P au l o: Br as i l i ens e , 19 90 .
159
D ec r e to
nº
2 2. 9 28 ,
de
12
de
j u lh o
de
19 3 3.
D i s po n í ve l
em :
< ht tp :/ / le g is .s e na d o. g o v. br / l e g is l ac ao / Lis t a P ub l ic ac o es .ac t io n ?i d = 32 1 22 >
Ac es s o
em : 1 5 n o v. 2 0 13 .
160
Cri ad o p e la Le i n º 3 7 8, d e 1 3 d e j an e ir o d e 19 37 , e re g ul am en ta do pe l o Es ta d o
No v o, p e lo D ec r et o - L e i n º 2 5 no d i a 30 d e n o vem bro d o m es m o a no . Em bri ã o do
at u al I ns ti t ut o d o P atr i m ôni o H is t ór ic o e Art í s tic o N ac io n al ( IP H AN )
161
Fic o u à f r en te do ór g ão des d e s u a c r iaç ã o at é 1 9 67 , q u an d o s e ap os en t ou . P a i
do c i ne as t a J o a qu im P edr o d e An dr ad e , im por t an te nom e d o C i n em a No v o e c om
f ilm es c uj as h is tór i as s e d es en v o l vem nes s e u n i ve rs o h is t ór ic o m ine ir o, c om o O s
Inc o nf i de nt es e o c ur t a - m etr a g em A l ei j a di n h o ( 1 97 8) .
10 1
Vale lembrar que Mário de Andrade, que trabalhou no SPHAN, foi
o autor do argumento do Maracatu de Chico Rei composto por
Francisco Mignone, sendo plausível que o escritor tenha tido contato
com a lenda nessa caravana feita à cidade. Manuel Bandeira, poeta
ligado aos modern istas de 1922, também trabalhou no SPHAN. Em
1938 publicou Guia de Ouro Preto 162. O livro, ilustrado por Luís Jardim,
ia
ao
encontro
da
perspectiva
de
monumentalização
da
cidade,
patrimônio nacional, que abrigaria poucos anos depois o Museu da
Inconfidência (criado por decreto em 1938 e inaugurado em 1944).
Antes de apresentar as atrações turísticas, Manuel Bandeira
pontua aspectos da história da cidade e recuper a registros de viajantes
estrangeiros que estiveram na região , desde o período colonial . Ao
abordar as atrações religiosas, apresenta a tradição de Chico Rei ,
vinculando-a construção da Igreja de Santa Efigênia 163. O autor cita
como fonte das informações a mencionada abordagem de Diogo de
Vasconcelos 164, mas reconhece ter sido Afonso Arinos o primeiro a
registrar
a
história
em
Atalaia
Bandeirante .
Além
de
recontar
sinteticamente como o ex-escravo conseguiu sua liberdade e a de
outros escravos, sugere relação entre o líder negro e o cortejo festivo
que se dirige à Igreja em 6 de janeiro, liderados por um re i e uma
rainha. Por fim, reforça a invenção de tradição 165 de Chico Rei ao
indicar que “ainda existe à entrada da Igreja a pia de pedra onde as
negras lavavam os cabelos para nela deixar como donativo o ouro de
que estavam empoados” 166.
A difusão de um imagi nário de Chico Rei foi potencializada com a
descoberta do que teria sido a Mina da Encardideira , em 1946.
Localizada no terreno da casa de Maria Bárbara de Lima 167, a entrada
da mina estava encoberta por pedras e foi achada acidentalmente por
162
T raba lh a- s e a q ui c om a qu ar t a e d iç ão , re v is ta p or C ar l os Drum m ond de An dr a de ,
tam bém f unc i on ár i o d o S PH A N, e e di t ad a pe l a E d io ur o; c f . : B A ND EI R A, M a nu e l.
G u ia de O ur o Pr et o. 4 . ed . S ã o P au l o: E di o ur o, s / d.
163
I b id em , p .1 1 2 - 11 4.
164
V A S CO N C E LO S, D i o go de . H is t ór ia An t ig a . .. op .c it .
165
P ar a o c o nc ei t o de i n v enç ã o d as tra d iç ões ; HO B S B AW M, Er ic ; T ER E NC E ,
Ra n ger . As inv e nç õ es das tr a d iç õ es . S ão Pa u lo : P a z e T er ra , 1 98 3 .
166
B A ND E IR A , M an u e l. G u ia .. . op .c it .; 1 1 4.
167
D on a M ar i a zi n h a, c o m o er a c on h ec i d a, f a l ec e u em j u l ho d e 2 0 13 .
10 2
seu filho Giovanni, em 1946. Ao remover os entulhos, percebeu -se
tratar de uma mina, que julgaram ser a mesma adquirida pelo famoso
ex-escravo 168. Contudo, não há nenhum registro que comprove a
inferência. Mesmo assim, a população da cidade e a secretaria de
turismo do munícipio reiteram a notícia. Na entrada da casa da família
Lima, uma placa de informação turística esclarece que a tradição
considera aquela a mina onde trabalhou Chico Rei e sintetiza sua
história ao visitante.
Como a mina não produz mais ouro, a família passou, então, a
explorá-la como ponto turístico. Para tornar mais atrativa aos turistas,
rebatizaram-na como Mina do Chico Rei. Uma sala com alguns objetos
relacionados ao ex-escravo proprietário e à escravidão, como imagens,
reportagens, quadros, criam uma vaga noção de museu temático. Em
uma das paredes, se destaca o quadro emoldurado em vid ro que exibe
um pôster do filme de W alter Lima Júnior.
Ali, mediante pagamento de ingresso, o turista pode conhecer as
condições de extração de ouro de mina em um passeio guiado à
galeria; a mesma que serviu de locação para o filme Chico Rei.
Cruzando o quintal, onde há um poço d’água batizado como Fonte dos
desejos de Chico Rei, chega-se à entrada da mina, identificada por um
enorme letreiro sobre sua abertura. Ao lado, uma espécie de altar feito
com pedras brancas abriga uma imagem de Chico Rei coroado e com
capa vermelha (figura 5). Segundo os proprietários, a mina é extensa,
cortando
subterraneamente
partes
da
cidade.
São
muitos
túneis
estreitos e baixos , com elevada umidade e excessivo calor . O guia
explica
como
ocorria
o
trabalho,
assinalando
as
marcas
das
ferramentas nas rochas decorrente da procura pela riqueza. Por
questão de segurança , só é permitido explorar o local , iluminado por
energia elétrica, por alguns metros, mas o suficiente para perceber as
árduas condições de trabalho às quais os escravos eram submetidos 169.
168
Is t o É. 2 0 m a i. 1 9 98 .
O d ir e to r d o f i lm e C h ic o Re i obs er v a qu e
i nt érp re te d o pr o t ag o n is t a, d es t o a d o pe r f il ,
s ubm et i d os à qu e le ti p o d e m iner aç ão , p o is a
das m in as pe d ia h om ens m ais b aix os . Po r ém ,
169
o p erf i l do a tor S e v ero D ’ Ac e l i no ,
p or e l e im a gi n a d o, d os es c ra v os
pró pr i a c o nd iç ã o d e es paç o d e ntr o
e le d es ej a v a c r i a r um a im agem d e
10 3
Fi gu r a 5 – M in a d o C h ic o Re i /E nc a di d e ira – en tr ad a (f ot o graf ia)
Ac er vo – P es s o a l.
O empreendimento familiar conta, ainda, com um restaurante –
Boca da Mina – que serve comida típica mineira. Assim como a
antessala para a mina, sua decoração remete ao líder negro, pintado
em alguns quadros, à igreja de Santa Efigênia e objetos antigos típicos
de fazenda.
Um folder explicativo 170 é disponibilizado ao visitante. Além de
algumas fotos e serviços disponibilizados, a lenda é recontada na
seção bilíngue (português/inglês) Breve relato sobre Chico Rei (figura
6). Embora, sem identificação autoral, estão citados o trabalho de
Agripa Vasconcelos e o livro infanto-juvenil de Carlos Góis 171. Nesse
Breve relato, acrescentam-se muitos dados e situações supostamente
vivenciadas por Chico Rei, como o nome do padre que o crismou: Dom
Manoel da Cruz. Informa, ainda, que o ex-escravo se casou com
Ch ic o R ei a lt o e f or te , r ep r es en ta n do , as s im , um a id e i a d e or g ul h o e f orç a d o l íd er
ne gr o. Is s o o aj u do u a o pt ar pe l o a t or p a ra o p ap e l. E ntr e v is t a d e W alt er L im a
J ún i or a o a ut or d a tes e, em 1 3 d e j u nh o d e 20 1 3.
170
M IN A d o C h ic o R e i. O ur o Pr et o. F o ld er.
171
G Ó IS , C ar los . H is t ó r i as d a te rra m in e ir a . 1 3. ed . B e l o Ho ri zo nt e: P au l o d e
A ze v e d o, 1 9 42 .
10 4
Antônia, filha do sacristão da Igreja de Santa Efigênia, sendo o
sacramento
realizado
por
Dom
Manoel
Teixeira.
Contudo,
a
especificidade desses dados se torna nula, pois não há referência
problematizada a nenhuma fonte que possa corroborá -los. Chega-se a
determinar a idade de morte do líder negro: 72 anos. As fantasias do
folder, todavia, culminam ao asseverar a causa do falecimento de Chico
Rei: hepatite.
Fi gu ra 6 – F o l der Mi n a d o C hic o R e i
Ac er vo – MI N A d o Ch i c o Re i . O ur o pr et o. F o l der .
10 5
Apesar
de
algum as
narrativas
sobre
o
personagem
serem
identificadas no espaço histórico -cultural a Mina do Chico Rei, como o
livro de Agripa Vasconcelos e o filme de W alter Lima Júnior, o texto
informativo ao turista não estabelece diálogos com essas fontes. Ao
contrário, o folder cria arbitrariamente uma narrativa.
É certo que as representações de Chico Rei foram criadas a partir
de
tradições
populares
que
se
legitimaram
gradativamente
no
imaginário social. Os acréscimos que as narrativas em outros formatos
fazem, entretanto, não são de conteúdo à história, mas interpretativos
do personagem e seu contexto , como o Chico de Agripa em relação ao
Chico do Romanceiro .
O que o folder apresenta são dados novos, que vão contra a
própria
tradição
das
narrativas
validadas,
marcadas
por
pontos
obscuros na trajetória do líder negro, o que reforça, de certo modo, sua
aura mítica. As informações contidas no folder, por mais deta lhadas
que sejam, são inverossímeis pelo próprio fato de não haver indicação
de onde foram retiradas. Elas refletem um anacronismo ao transpor
para o contexto histórico de Chico Rei aspectos do cotidiano do seu
redator, marcado pela burocratização contempo rânea na qual certidões
regulamentam a vida do indivíduo como certidão de casamento e
atestado de óbito.
A experiência em visitar a mina e tomar contato com a história de
Chico Rei, ainda que lendária, pode estimular problematizações a
respeito da história da escravidão e das Minas coloniais, especialmente
pelo perfil do público visitante: alunos de escolas em excursão e
turistas nacionais e estrangeiros 172. Mas o folder, ao valorizar o
encantamento do turista, não somente superficializou como banalizou a
complexa história por trás da lenda.
Por essa escolha, praticamente se anula qualquer ação voltada
para a educação do conhecimento histórico naquele espaço. Estudos
sobre a atividade do turismo cultural e histórico ressaltam os problemas
da
superficialidade
em
criar
objetos
e
locais
econômica, que é a falta da significação do atrativo .
172
C onf or m e l i vr o d e r e g is tr o d e v is i ta n tes .
para
exploração
10 6
Nes s a d in âm ic a d o t er s i do e d o d e v ir é qu e s e p ro b lem at i za a
h is t ór ia . Ne l a é q u e o v is it a nt e d e um es p aç o h is t ór ic o - c u l tur a l
d is t i nt o po d e t om ar o atr at i v o c om o pr o bl em a par a s e pe ns ar,
c om o pe ns am e nt o es c l arec e dor , c om o c om pree ns ã o pra ze r os a
[.. .] . O t ur is t a q u e n ão es q u ec e, q u e rec om end a a o utr os e
qu e v ol t a é aq u e l e q u e t e ve pr a ze r na ap re e ns ã o
pr o b l em ati za d o ra . E n qu a nt o o atr at i v o f or um a p eç a d e
c ur ios i d ad e ap e nas m om ent ân e a, e l e s e rá im ed ia t am ent e
173
es q u ec id o a pó s o s e u c ons um o .
A cidade de Diamantina também explora economicamente a
história de Chica da Silva. As representações sobre a ex -escrava do
Tejuco, conforme visto, alcançaram ampla repercussão nacional, maior
até do que Chico Rei, embora praticamente ambos tenham circulado
pelos mesmos suportes narrativos , produzidos pelos mesmos autores.
O romance com o contratador dos diamantes parece ser o elemento
que destaca sua história, já que é o viés amoroso que predomina nas
abordagens turísticas de Chica da Silva pelos diamantinenses.
Compõe o circuito turístico a visita ao museu Casa de Chica da
Silva e à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, onde a torre construída
no final da nave é atribuída a um capr icho da poderosa amante do
contratador. A população explora o imaginário do poder alcançado pela
ex-escrava, significando -o como uma inversão social. No comércio,
vendem-se produtos que fazem a ela referências. As representações
audiovisuais construídas pe lo filme de Cacá Diegues e a novela exibida
duas décadas depois são as maiores referências com as quais se
dialoga, sendo reapropriadas nessa relação de exploração da imagem
construída de Chica, a história e o turismo.
A torre construída na parte posterio r da Igreja do Carmo, uma
solução única da arquitetura barroca mineira, por exemplo, dimensiona
a supervalorização de uma Chica da Silva poderosa e ardilosa tal qual
exibida no filme. A Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo teve
como
prior
João
Fernande s
de
Oliveira,
que
se
responsabilizou
diretamente a obra da construção do templo religioso, situado defronte
à Casa do Contrato, praticamente finalizado em 1765 174. O IPHAN não
173
M EN E S E S, J os é N e wt on Co e l ho . H is tór i a e t ur is m o c ul t ura l . B el o Hor i zo n t e:
A ut ên t ic a , 2 0 04 , p. 2 2.
174
Par a o pr oc es s o d e c o ns tr uç ão e c ar a c ter ís t ic as d a I gr ej a do C arm o d e
Di am an t in a: Á V IL A , Af o ns o . Ba rroc o: Mi nas G er a is Mo nu m e nt os H is tór ic os e
10 7
localizou os registros dos planos arquitetônicos , nem os de execução
da obra, portanto, não se sabe os motivos da construção da torre
diferentemente
do
padrão
executado
à
época 175.
A
singularidade
motivou duas hipóteses explicativas, correntes na tradição oral e que
são repassadas ao visitante por meio dos moradores e guias turísticos.
A primeira deve -se à proibição da entrada de escravos na igreja
para além da torre, salvo em determinadas situações . Mesmo os negros
livres tinham restrições de acesso de acordo com a irmandade religiosa
gestora do espaço religioso . Inverter a posição da t orre, então,
permitiria a Chica da Silva transitar no templo. Em certa medida,
conforme será analisado no capítulo 3, essa questão foi tangenciada no
filme, quando a ex-escrava é proibida de assistir a missa por ser negra,
ainda que livre. Essa hipótese pe rmite problematizar alguns aspectos
da história do escravismo, do papel social ocupado pela população
negra
livre
e
da
religiosidade
colonial.
A
possibilidade
problematizadora , contudo, é inviável para segunda hipótese, que
atribui a construção da torre nos fundos da igreja a uma exigência de
Chica da Silva: não ser incomodada pelo barulho do sino , já que sua
casa era próxima d o local. Essa alegação não tem fundamento , haja
vista que alguns metros para frente ou para trás não impediriam o som
do sino ecoar pelo arraial do Tejuco. Desse modo, a explicação se
banaliza
a
um
representações
capricho
exóticas
de
de
Chica
suas
da
Silva,
narrativas,
reforçando
especialmente
as
das
produções audiovisuais , para o encantamento do turista.
O imaginário de uma Chica da Silva bela e sensual decorre ,
conforme visto, do filme e da novela, e circula entre a população local
que
parece
considerar
pertinente
identificá -la
com
a
história
de
Diamantina e também explorar comercialmente essa face da ex escrava. Contudo, a circulaçã o dessa representação ultrapassou as
ruas e chegou ao espaço histórico -cultural, que é o museu Casa de
Art ís t ic os : o c ir c u it o d os d i am an tes . 2. ed . B e lo H ori zo n t e: F un d aç ão J o ã o Pi n he ir o ,
19 9 5, p . 28 8 - 29 8 .
175
Em al g um a d as r ef or m as oc orr id as n o s éc u l o X IX , a t orr e f oi d em ol id a e
rec o ns tr u í da na f ac h ad a da Igr ej a. Em 194 7 /4 8, o I P H AN f e z um a in te r ve nç ão ,
res t i tu i n do a t or r e à par t e pos t eri or d a I g rej a ; Á V IL A , Af o ns o . B arroc o .. . o p.c i t. ,
p. 2 92 .
10 8
Chica da Silva. O casarão onde viveu a ex-escrava, junto ao seu
protetor, está aberta a visitação, existindo um núcleo expositor sobre a
história da casa, da ex-escrava e de João Fernandes.
Em 2000, o artista plástico diamantinense Marcial Ávila produziu
a coleção Sete ve zes Chica . A obra temática associa a ex-escrava aos
sete pecados capitais. Um oitavo quadro compõe a coleção. Lembrando
um tríptico, porém não articulado, os temas representam a redenção de
Chica da Silva após ser abandonada por João Fernandes de Oliveira :
Esperança, Fé e Caridade 176.
Pintados em grande proporção 177, as peças têm como padrão
representar Chica da Silva em primeiro plano e cen as sombreadas em
segundo plano, sugerindo dinâmica
à narrativa. Os quadros são
fortemente inspirados no viés que a representação como uma mulher
que utilizou a astúcia e a sensualidade para reverter a situação
desfavorável da escravidão. O diálogo com o fi lme de Cacá Diegues,
nesse sentido, é explícito.
Na tela A soberba (figura 7), por exemplo, a personagem é
representada em uma cadeira, ao lado de um vasilhame abarrotado de
joias. Sentada e bem vestida, com peruca e ornada com colares e
braceletes, Chica da Silva está com o rosto pintado de branco . Trata-se
de uma releitura da sequência fílmica , quando a escrava recepciona o
governador e demais autoridades do Tejuco . Na ocasião, ela maquia
seu rosto para ironizar a autoridade, que antes a havia humilhado por
ser negra. Em segundo plano, estrelas indicam uma recepção noturna
na qual a ex-escrava, que está sentada, é servida por várias mucamas
– também planos recorrentes no filme .
176
As te l as p od em s er ac es s a d as p el a pá gi n a p es s o a l d o art is ta ; c f . :
< ht tp :/ / www.m ar c i a la v i l a.c om .br/ p in t uras . htm l > Ac es s o em : 2 5 a go . 2 0 13 .
177
O s q u ad r os q u e r ep r es e n tam os s e te p e c ad os c a p it a is pos s u em 0. 80 x 1. 10
m etros . O f a ls o tr íp t ic o 2. 4 0 x 1 . 10 m etros .
10 9
Fi gu r a 7 – A s o b erb a ( Ma rc i a l Á v i l a, 2 0 00 )
Ac er vo – Cas a d e Ch i c a d a S i l va / Marc i a l Á v i la .
O que chama a atenção dessa coleção é que o artista a doou, em
2000, ao IPHAN. Desde então, a obra integra o museu Casa de Chica
da Silva como exposição permanente . As obras decoram as salas do
museu, criando uma referência visual para quem o visita. Isso implica
na corroboração pelo IPHAN das representações de uma Chica da Silva
voluptuosa, reapropriada pelo artista, principalmente, da narrativa
fílmica. Ressalta -se que, em 2008, durante o Festival de Inverno da
UFMG/Diamantina, a organização não governamental Animare realizou
a oficina Projeto Anima Lendas , resultando no vídeo 7 vezes Chica,
uma adaptação da obra de Marcial Ávila 178. Inspirado na exposição da
Casa de Chica da Silva , o resultado do trabalho, em termos de
conteúdo
histórico ,
reproduz a
leitura
decorrente
da s
telas,
não
havendo questionamentos so bre a mulher Chica da Silva e seu tempo.
178
< h tt p: // a n im ar e. or g. br /b l og / ?p a ge _ i d =8 6 > A c es s o em : 2 5 a go . 2 01 3.
11 0
Assim como no caso da Mina do Chico Rei, o museu Casa de
Chica da Silva reitera uma abordagem da história pela vertente da
personalização, calcado no exótico e que visa seduzir o visitante.
Acredita-se que os mesm os locais, com suas representações existentes
sobre os famosos ex -escravos, poderiam suscitar problematizações
históricas, potencializando o aspecto educativo desses espaços e
narrativas. Retomando a reflexão a respeito da vulgarização do atrativo
turístico histórico -cultural, destaca-se a relevância para se estabelece r
um diálogo entre a representação e as fontes que favoreceram sua
construção.
T udo q u e é o bs er va d o nec es s it a de um tr ab a l ho pr é v io d e
i nt er p r e taç ã o, p o is o s o bj e tos , as c o is as , as m an if es taç õ es
nã o f a lam por s i s ó e a to d os a qu i l o q ue s ã o. El es d e v em s er
l id os , in t erp re ta d os , pre e nc hi d os de s ig n if ic ad os , o u m el hor ,
das p os s i b il i d ad es d e s i g n if ic aç õ es q ue po dem c o nt er . Com o
na a t i v id a de in te rpr et a ti v a d o h is t or ia d or, o pres e nt e é o p o nt o
de p ar t id a p ara a in t erp re taç ã o do pa tr im ôn i o. D aí d ec or e a
179
h is t or ic i d a de d as i n ter pre t aç õ es .
Como
assinalado
por
José
Meneses,
as
possibilidades
de
significações são múltiplas. Nos casos das representações s obre Chica
da Silva e Chico Rei; calcadas nas tradições populares desde o século
XIX e incorporada por suportes narrativos como a literatura, o carnaval,
a
música,
o
cinema ;
suas
possibilidades
para
a
educação
do
conhecimento histórico são potencializada s quando articulada s com o
contexto histórico em que viveram. Por isso, é necessário cuidado no
tratamento das informações, da sua produção à disponibilização e
interpretação.
1.1.5.
O campo historiográfico
e a iconografia sobre o escravismo
As produções que se propuseram narrar as trajetórias de Chica
da Silva e Chico Rei se depararam com representações de um contexto
histórico bastante característico . Joaquim Felício dos Santos, Francisco
Mignone, Cecília Meireles, Antônio Callado, Agripa Vasconcelos, Yara
179
M E N E SE S , J os é Ne w to n C oe l ho . H is t ór i a e. .. op .c it ., p .5 5 .
11 1
Tupinambá, Fernando Pamplona, Arlindo Cruz e, claro, os diretores de
cinema Cacá Diegues e W alter Lima J únior, precisaram dialogar com o
conhecimento historiográfico existente sobre as Minas setecentista s,
sobremaneira com as questões ligadas ao escravismo , ambas inerentes
ao período da América Portuguesa .
Sem almejar fazer um balanço historiográfico referente às Minas
coloniais e ao escravismo, pode -se entender essa produção – até a
segunda metade da década de 1970, quando os filmes Xica da Silva e
Chico Rei foram realizados – em três grandes blocos 180. Reitera-se não
se trata r de um exercício de identificação autoral e cronológica, mas
procurar reconhecer as destacadas referências .
Os primeiros olhares sobre o passado brasileiro foram coevos e
datam,
portanto,
do
Brasil -português.
Tornaram-se,
porém,
mais
estruturados após a independência , em 1822. No século XIX, a história
se estabelecia em termos metodológicos quanto à produção rigorosa de
saberes. Concomitantemente , o conhecimento histórico atrelava -se à
percepção ideológica que o utilizava como lastro para forjar princípios
de identidade nacional . O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB) 181 promoveu, em 1840, um concurso sobre um plano de redação
para a história do Brasil, vencido p elo bávaro Karl von Martius 182, que
não levou a termo seu projeto.
180
C om o r ef er ê nc i a par a a a pr es e n taç ã o s o bre a pr o duç ã o h is t or i ogr áf ic a br as i l e ir a;
c f .: MO T A , Car l os G u i l her m e. ( O r g). Br as i l e m p ers p ec tiv a . 15 . ed . S ão Pa u l o: D if e l,
19 8 5; L IN H AR E S , M ar i a Yed d a. (O r g). H is tó ri a g era l d o B ras i l. 9. e d. R i o d e J a ne ir o:
E ls e v i er , 1 99 0; IG L É SI A S , Fra nc is c o. His t ori a d ores do Br as il : c a pí t ul os d e
h is t or io gr af i a br as i le ir a. Sã o P a u lo : N o va Fr on t eir a , 2 00 0; F R EIT A S, Marc os C e za r
de . (O rg) . H is t or i ogr af i a br as il e ir a e m p e rs pec t iv a . 5 .e d . S ão Pa u lo : C on tex t o,
20 0 3; R E I S, J os é C ar l os . As i d en t id a des do Bras i l : d e V ar nh a ge n a FHC . 6 .e d. Ri o
de J an e ir o: Fu n daç ã o G et ú l io Va rg as , 20 0 6.
181
Dur an te o c o nf l it u os o per ío d o re ge nc i al , f o i c ria d o, em 18 38 , o I n s ti t ut o H is t ór ic o
e G eo gr áf ic o Br as i l e ir o ( I HG B) , c uj o m ai or p rop ós it o er a re d i gi r a h is t ór ia d o Bras i l .
Fru to d a i nic i at i v a d a s oc ie d ad e c i v i l, o Es t ad o l og o s e a tre l ou a o I HG B, q u e t e v e
c om o p atr o n o o im per ad or D .P e dr o II, am ig o de Fr a nc is c o V ar n h ag e n, c o ns i der a do
o h is t or i ad or of ic i a l do Im pér i o. O s tr ab a l hos des e n vo l v i do s pe lo IHG B s e
c arac t er i zar am c om o lau d at ór i os e c or o gr áf i c os . D es tac a - s e, a in d a, a c o ntr i b uiç ã o
do I HG B , e i ns t i tu iç õ e s es p el h os q ue s e f un dar am nas pr o ví nc i as , par a a i nc i pi e nt e
org a n i zaç ã o d e ar q u i v os e o t ra tam e nt o doc um en ta l n o p aís , bem c om o p ara
d i vu l gaç ã o da h is tór i a n ac i o n al p or m e io d a p ub l ic aç ã o i n in t erru p ta d a Rev is ta d o
Ins t it ut o H is t ór ic o e G e ogr áf ic o B ras i l ei ro , des de 1 8 39 . S o br e o IHG B , i nc lus i v e
ac es s o a os n úm er os d e s u a r e v is t a: < h tt p :/ / ww w. i hg b. or g. br /i h g b. ph p > .
182
B ot â nic o e n at ur a l is ta , Ka r l vo n Ma rt i us perc orr e u v ári as r e g i ões d o Br as il ,
doc um en ta n do as pec t os g e ogr áf ic os , m iner a ló g ic os , d a f a un a e f lor a. O s t ex t os
or ig i n ais , em c oau t or i a c om J oh a nn v o n S pix , f or am ree d it ad os p e l os Ed i tor a
11 2
Segundo as diretrizes da tese vencedora, deveria ser explorad a a
confluência dos três elementos étnico -culturais constituintes do Brasil:
o indígena, o português e o negro. A obra considerada primeira linhamestra da historiografia nacional, História Geral do Brasil foi produzida
por Francisco Adolfo de Varnhagen, publicada entre 1854 e 1857 183.
Apesar do seu envolvimento com a produção do IHGB, o autor não
seguiu os pressupostos definidos no concurso supracitado.
Em sua História Geral do Brasil, o autor destaca a interpretação
do Estado como agente histórico. Por essa via, os indígenas e negros
são considerados grupos sociais complementares aos portugueses que,
na sua avaliação, foram os responsáveis pelo desenvolvimento de um
exitoso projeto civilizador. Por isso, em sua narrativa sobre a formação
brasileira sobressai o elemento de matriz europeia 184. Marcada pela
produção intelectual do século XIX, a obra se destaca pelo pioneirismo,
sendo possível reconhecer longeva influência n o estabelecimento de
marcos
políticos
da
história
luso -brasileira,
como
parâmetros
organizadores do ensino de História do Brasil, ao menos até a década
de 1980.
No início do século XX, a pesquisa histórica incorporou novas
questões como a tendência em analisar a sociedade brasileira n ão
apenas sob o ângulo da ação estatal. Mesmo que a tendência não
tenha alcançado hegemonia na produção histórica do período, vale
citar, como exemplo, os trabalhos de Capistrano de Abreu e Manoel
Bonfim 185.
A escravidão, contudo, só foi enfrentada como temá tica histórica
décadas
depois.
Uma
variações quanto às
primeira
problematização
atividades de trabalho.
diz
respeito
às
Ou seja, dentro do
cotidiano do trabalho escravo, pod em ser identificadas atividades
It at i a ia ; c f . : S PIX , J oh a nn Ba p t is t v o n; M ART IU S , K ar l Fri e d ric h P h il i p p v on .
V ia g e m p e lo Br as i l: 1 8 1 7- 18 2 0. 4. e d. B e l o H or i zo n te : I t at i ai a ; S ão P a ul o : U S P,
19 8 1.
183
V AR NH AG E N, Fr a nc is c o A d olf o d e. H is t ór ia ge ra l do Br as i l: an tes d a s u a
s ep ar aç ão e in d ep e nd ênc i a d e P ort u ga l . 10 . ed . B e lo H or i zo n t e: It at i a ia ; S ão Pa u l o:
US P , 1 98 1 .
184
R EI S , J os é Car l os . A s i d en t id a des do Br as i l. .. o p .c it. , p .2 1- 50 .
185
Cf .: B O M FI M, Ma n oe l . O Br as i l n aç ã o : r e a li da d e d a s o b era n i a br as il e ir a. 2 . ed .
Ri o d e J a n e ir o : T op bo ok s , 19 9 6; AB R EU , J o ão C a p is tr a no de . C ap ít u los d e h is tó ri a
c o lo n ia l . 7. e d. Be l o H or i zo nt e : It at i a ia ; S ã o P au l o : Pu b l if o lh a , 2 00 0.
11 3
específicas como, por exemplo , âmbito doméstico , ligadas à agricultura
e criação de animais , atividades rurais e atividades urbanas , negros de
ganho, mineração. A própria condição de ser cativo e as possibilidades
de se tornar livre se tornaram temas de reflexão. Os códigos culturais e
valores da população escrava também passaram a ser estudados pelos
pesquisadores.
Nessa renovação de abordagem é que se configura o segundo
bloco, cujos trabalhos podem ser associados a uma perspectiva cultural
e social, pela qual aspectos das relações cotidianas inerentes ao
escravismo são abordados. O pernambucano Gilberto Freyre se tornou
referência dessa linha analítica publicando , em 1933, seu ensaio Casa
Grande e Sen zala 186. No livro, o autor analisa a formação patriarcal
brasileira, com ênfase para a relação paternalista extensiva às relações
senhor-escravo, a miscigenação e a adaptabilidade aos trópicos. O
autor apresenta um trabalho pioneiro, tanto pelas temáticas lançadas ,
quanto
pela
interdisciplinaridade
e
variação
de
fontes
com
que
trabalhou, muitas delas incomuns para o período.
Contemporâneo
de
Gilberto
Freyre,
outro
texto
dilatou
as
fronteiras da abordagem cultural da história do Brasil. Trata -se do
ensaio Raí zes do Brasil, publicado em 1936 , por Sérgio Buarque de
Holanda, também autor de Monções (1945) e Caminhos e Fronteiras
(1957) 187. Holanda, que logo se tornaria um respeitável nome da
historiografia brasileira , prosseguiu com uma análise da sociedade
brasileira em seus aspectos históricos e sociais, bem como valorizou
aspectos regionais, sobretudo o papel do band eirante paulista na
formação do Brasil. Entretanto, há que se ressaltar que seus trabalhos
não
corroboravam
o
elogio
à
colonização
portuguesa,
como
se
identifica em Freyre 188.
186
FR E YR E , G il b er t o. C as a G r an d e e S e n za l a . 51 . ed . S ão P au l o: G l ob a l, 20 0 6.
HO L A ND A , Sér g i o B uar q u e d e. R aí ze s d o Bras i l . 3 .e d . R i o d e J a n e iro : J os é
O l ym p i o, 1 95 6 ; HO L AN D A, S ér gi o Bu ar q ue d e. C a m in h os e fro nt e ir as . Ri o de
J an e ir o: J os é O l ym p io , 19 5 7; HO L AN D A, Sé rg io Bu ar q ue d e . Mo n ç ões . 3 a e d. S ã o
P au l o: Br as i l i ens e , 19 90 .
188
A o s e d e br uç ar s o br e a ut ores qu e i nt er pr et ar am a s oc ie d ad e b ras il e ir a, J os é
Car l os Re is es t a be l e c e do is p os ic i o nam e nt os : 1 º) os e lo g i os os à c o l o ni za ç ã o
por t ug u es a par a a f or m aç ão br as i le ir a, ex e m plif ic a d os em Franc i s c o V ar nh a ge n e
G i l ber to F r e yr e ; 2 º) os r ed es c obr i d ores do B ras il , q u e t ec em c rít ic as à c ol o n i zaç ã o
187
11 4
O
terceiro
bloco
interpretativo
aqui
proposto
foi
também
inaugurado por um contem porâneo de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque
de Holanda, porém em uma perspectiva oposta. Encontram-se nos
livros Formação do Brasil c ontemporâneo (1942) e História econômica
do Brasil (1943) 189, de Caio Prado Júnior, os pilares da historiografia
brasileira marxista.
O autor retornava ao período colonial para entender o presente
do país. Suas conclusões não foram animadoras, pois associava o
escravismo
ao
entrave
econômico
brasileiro.
influenciou
a
a
Sua
perspectiva
ser
superado
leitura
sobre
explicativa
para
a
para
o
desenvolvimento
escravidão
o
Brasil
certam ente
segundo
o
materialismo histórico .
Re a lm ent e a es c ra v i d ão , n as d uas f u nç õ es qu e ex e rc er á n a
s oc ie d ad e c o lo n i al , f at or tr a ba l h o e f ator s ex u a l, n ão
de t er m in ar á s e n ão re l aç õ es e l em ent ar es e m uito s im pl es . O
tr a b al h o es c ra v o n u n c a i rá a lém do s e u p on t o d e p ar ti d a: o
es f or ç o f ís ic o c o ns tr a ng i d o; n ã o e duc ar á o in d i ví d uo , n ão o
pr e p ar ar á p ara um pl an o de v i d a h um an a m ais e le v a d o. N ã o
l hes ac r es c en t ará e l e m entos m ora is ; p e lo c on tr ár io , de gr a dá l o- á , e l im in an d o m e s m o ne l e o c o nt e ú do c ul t ura l q u e
por v e nt ur a t i ves s e t ra zi d o d o s e u es ta do pr im it i vo . As
r e laç õ es s er v is s ão e p erm an ec er ã o re l aç õ es p ur am ent e
m ater ia is d e tr ab a l ho e pr od uç ão , e n ad a o u q uas e n ad a m ais
190
ac r es c e nt ar ão ao c om p lex o c u lt ur a l d a c o lô n i a .
No início da década de 1950, a U nesco financiou uma pesquisa
de natureza étnico -racial, por entender o Brasil como um país onde as
tensões dessa natureza eram mínimas. A intenção da entidade era
utilizar o Brasil como um modelo contrário às intolerâncias, como as
barbaridades nazistas reveladas no pós-guerra.
Os pesquisadores era m liderado s por Florestan Fernandes, que
estava à frente de outros nomes que se destacariam no cenário
intelectual e político do país: Otávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso,
Francisco W effort. O s resultados encontrados, contudo, divergiram
c om int u it o d e s u p er ar en tr a v es d ec orr en tes des s e pr oc es s o : C ap i s tra n o d e A br eu ,
S érg i o B u ar q u e de H o la n da , Ne ls o n W ernec k S odr é , C a i o Pr a do J r. , F l or es t a n
Fer na n des e F er n a nd o H enr i q ue Car d os o s ão os a ut or es a n a lis a dos nes s e gru p o;
c f .: R EI S , J os é Car l o s . As i d en t id a des do B ras il .. . o p.c i t.
189
PR A DO J Ú NI O R , C a io . A f orm aç ã o d o Br as i l c o nt e mp or ân eo . Sã o P au l o:
Br as il i e ns e ; P u bl if ol h a , 20 0 0; PR A DO J UN IO R, C a io . His to ri a ec o nô m ic a d o Br as i l .
41 . ed . S ão P au l o: Br a s i l ie ns e, 1 9 94 .
190
P R AD O J ÚN IO R , Ca i o. A for m aç ã o d o Br as i l. .. o p.c it . , p. 35 4- 3 55 .
11 5
diametralmente da hipótese inicial. Seguindo o rastro das críticas
tecidas por Prado Júnior a respeito das mazelas do escravismo , os
pesquisadores
destacavam
as
práticas
de
racismo
existentes
na
sociedade brasileira .
O grupo do Projeto Unesco, como ficou conhecido, projetou suas
carreiras acadêmicas questionando, por meio de outras pesquisas, a
ideia de convivência quase harmônicas entre senhor e escravo 191,
representadas
no
livro
Casa
grande
e
sen zala.
O
combate
à
interpretação de Gilberto Freyre , acusando-o de propor um cenário de
democracia racial, praticamente o levou ao limbo; na mesma proporção
que
a
influência
marxista
se
fazia
sentir
nos
departamentos
universitários de ciências humanas – mesmo durante a restrição de
liberdade de expressão corrente nos tempos da ditadura civil -militar 192.
Jacob Gorender, mesmo desenvolvendo sua produção fora da
academia,
abordagem
talvez
tenha
marxista
sido
sobre
o
um
dos
maiores
escravismo ,
representantes
embora
seja
tardia
da
a
publicação de seu livro, que se tornou referência . Em O escravismo
colonial, de 1978, o autor delineia um amplo quadro para aquele
contexto histórico, considerando, inclusive, a escravidão nas áreas
mineradora s 193. Mesmo diante do curto período de intensa atividade,
quando comparada à realidade agrícola, Jacob Gorender reconhece as
particularidades da sociedade aurífera e as muitas problematizações
dela decorrentes. A elevada concentração populacional, a flexibilidade
de trânsito do cativ o e um considerável núm ero de libertos viabilizava m
191
MA IO , Mar c os C h or . O Pr oj et o U n es c o e a ag e nd a d as c i ê nc ias s oc ia i s n o B ras i l
dos a n os 4 0 e 5 0. R e v is t a Br as i l eir a d e C iê nc ias Soc i a is . vo l .1 4, nº 4 1, p . 1 41 - 1 5 8,
19 9 9.
192
A pe n as em f in ais d a déc a da d e 1 9 70 o tr a b a lh o d e G i l ber t o Fre yr e p as s ou a s er
re v is i t ad o , d es p id o de q u es t ões p o lí t ic o - i de o l óg ic as , es ta b el ec e n do pr of íc uos
d iá l og os c om o s oc i ó l og o d e Per n am buc o. Des d e e n tã o, tr ab a l ho s em bas ad os em
doc um en taç õ es ar qu i v ís t ic as e or i gi n a is tem am pli a do o e nt en d im en t o das r e laç õ es
c ot i d ia n as e es c r a v i s tas c o ns id er a nd o o c a ti v o c om o ag e nt e h is t ór ic o ; c f . :
M AT T O SO , Ká t ia M. de Q ue ir ós . S er e s c rav o n o Br as i l . 3. ed . Sã o Pa u lo :
Br as il i e ns e , 20 0 1; C HA L HO U B , S id n e y. V is õ es d a l i b erd a d e : um a h is t ór i a d as
u lt im as d éc ad as d a e s c r a v id ã o na c or te . S ão P a u lo : Com pa n h i a de B o ls o, 2 01 1 ;
P AI V A , E du ar do Fr an ç a. Es c r av os e l ib er t os nas Mi n as G era is d o s éc u l o X VI II :
es tr at é g ias d e r es is t ê nc ia a tr a v és d os t es t am ent os . 2 . ed . S ão P au l o: An n ab l um e,
19 9 5.
193
G O RE ND E R, J ac o b . O es c rav is mo c ol o n i a l . Sã o Pa u lo : Át ic a, 19 78 . P ar a o
tra b al h o n a r e gi ã o m iner ad or a, es p ec ia l m ente : c a pí tu l o X X I: es c r av is mo n a
m in er aç ã o .
11 6
um tipo de escravidão menos asfixiante em relação ao escravo do
campo.
S om ent e n o c am po o n e gro es t e ve s u bj ug ad o i n te ir am ent e à
v on t ad e d o s en h or. [. . .] M i ner a dor , n egr o d e of íc io , er a a bem
d i zer a ut ô nom o o tr a ba l h o d o es c r a vo . Nã o t e v e p ar a le l o em
par t e a l g um a do p aís , em per í od o c om par á ve l , o n úm er o de
es c r a v os q u e enc o ntr aram m odos e m an e i ras d e c om prar a
a lf or r ia . A le n da d e Ch ic o - R e i, o r e i n e gro d e V i la R ic a ,
i lus tr a, p el o m en os , o s em - núm ero d e oc a s iõ es , q ue t in h am os
es c r a v os , d e am e al h ar bo a s om a d e di n h eir o c om que es c a p ar
194
às a gr ur as d e s u a s or t e .
Ressalta-se que, mesmo considerando
Chico Rei no campo
lendário, Jacob Gorender reconhece seu papel como exemplo da
dinâmica que perpassava as relaç ões escravistas em Minas . Por
inferência, estende as possibilidades de se obter vantagens na relação
senhor-escravo estabelecida em território mineiro também a partir de
combinados sexua l, como no caso de Chica da Silva . Aliás, uma
consideração também pres ente no trabalho de Gilberto Freyre .
Esse é, portanto, o cenário da produção historiográfica disponíve l
à época em que os diretores produziram Xica da Silva e Chico Rei. A
educação histórica recebida enquanto estudantes da formação básica
nas
décadas
de
19 40/50
e
em
leituras
posteriores,
certamente
colocaram Cacá Diegues e W alter Lima Jr . em contato, direto ou
indireto,
com
as
perspectivas
políticas
de
Francisco
Varnhagen;
culturais de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda; e marxistas
de Caio Prado Jr. e Jacob Gorender. Elementos dessa formação são
perceptíveis nos filmes, como exemplifica o letreiro em que W alter Lima
Júnior
no
qual
indica
as
principais
obras
consulta das
para
a
fundamentação histórica de Chico Rei, destacando-se O escravismo
colonial Jacob Gorender.
Ao conjunto de fontes, compost o por produções historiográficas,
literárias,
carnavalescas
e
musicais,
soma m-se
os
registros
iconográficos. Em relação às imagens com sentido histórico d estaca-se
a produção iconográfica realizada entre o final do século XVIII e o final
do século XIX. À parte as características contextuais próprias de cada
194
G O R E ND E R, J ac o b. O es c r av is mo .. . o p.c i t. , p. 4 28 .
11 7
período, as pinturas , como as realizadas por Jean Baptiste Debret 195 e
Jean Moritz Rugendas 196, retratam cenas de paisagem e do cotidiano ,
consequentemente
asp ectos
da
sociedade
escravocrata .
Essa
iconografia se tornou uma importante referência para a conformação de
imaginários sociais relativos ao escravismo e formação da sociedade
brasileira.
Funcionam, portanto, como importantes objetos de mediação
cultural 197 que favorecem a circularidade do conhecimento histórico, já
que são reproduzidas em larga escala
em suportes como livros
didáticos de história e filmes – alguns de grande sucesso de público,
como Independência ou Morte (1972) 198. Todavia, a iconografia como
fonte histórica precisa ser tomada com os mesmos cuidados inerentes
às demais tipologias de fontes documentais, ou seja ,
[.. .] o u s o d a im ag e m , da ic o no gr af i a e das re pr es en taç õ es
gr áf ic as p e l o his t ori a dor vem pr op ic i a nd o a apr es en t aç ã o d e
tr a b al h os r e no v a do res e , t am bém i ns t i g an d o no v as ref lex õ es
m etod o l óg ic as . [ .. .] é im por ta nt e s ub l i nh ar qu e a im ag em não
es g o ta em s i m es m a. Is t o é, h á s em pre m uito m a is a s er
apr e e nd i do , a lém da q u il o q ue é, n e la , da d o a l er o u a v er .
P ar a o p es qu is a dor d a im ag em é n ec e s s ár io i r al ém d a
d im ens ã o m ais v is í ve l o u m ais ex p líc it a d e la . H á lac u nas ,
s i lê nc i os e c ó d ig os qu e p rec is am s er d ec if ra dos , id e nt if ic a d os
e c om pr e e nd i d os . N es s a p ers pec t i va a im a g em é um a es p éc i e
de po nt e e ntr e a re a l id a de r etr at a da e ou tras re a l i da d es , e
195
B AN D EI R A, J ú l io ; L A G O , Pe dr o C orr e a. De bre t e o Br as i l: ob ra c om p l et a . R io d e
J an e ir o: C a pi v ar a, 20 0 7.
196
RU G E N DA S , J o ha n n M or it z. V ia g e m p it or es c a a tr av és d o Br a s i l . 8 .e d . B el o
Hor i zo n t e: I ta t ia i a, 19 79 .
197
P ar a o c onc e it o d e m edi aç ão c u l tur a l; G RUZ IN S K I, S er g e. O p e ns a m en t o
mes t iç o . 1 2. e d. Sã o P au l o: C om pa n hi a d as Le tr as , 2 0 01 .
198
IND E P E ND ÊN CI A O U MO RT E . CO I M B RA .. . o p.c i t. A lém da ic on o graf ia
o it oc e n tis t a, I n de p en dê nc i a o u m or te te v e no t ra b al h o d e Fr an c is c o V ar nh a ge n
ou tr a im por ta n te f o nt e . La nç a do n o s es q u ic en t en ár i o da i nd e pe n dê nc i a, em pl e na
d it ad ur a m il i tar , o f i l m e s e tor n ou ref e rê nc ia p ara um a l i n ha de p ens am en to
go v er n am ent a l r e la t i v a aos f i lm es h is tó ric os por tr a ba l h ar tem as c aros a o
nac i o na l is m o, c onf or m e ex em pl if ic a e l og i os o t e le gr am a d o pr es id e nt e ge n era l
Em íl i o G ar r as t a zu M é d ic i e us ad o na pu b l ic id a de do f i lm e: B E RN AR D ET , J e an Cl a ud e . P ir a n ha n o ma r d e r os as . S ã o P au l o: N o be l , 1 9 8 2; p. 60 . P ara a n á lis es
s obr e o f i lm e; c f .: F O N S EC A, V it ór i a A ze v ed o d a . H is t ór ia i ma g in a da e c i ne m a :
an á l is e de C ar lo t a J o aq u i na : a pr i nc es a d o Br a zi l e I n de p en d ê nc i a ou Mor t e. 2 0 02 .
Dis s er taç ã o ( m es tr a d o em His t ór ia) - I ns t i tu to de F i los of i a e C i ênc i as H um anas ,
Un i v ers id a de Es ta d ua l d e C am pi n as , C am p in as ; CO R D EI RO , J an a ín a M ar t ins .
Le m br ar o p as s a d o, f es t e jar o pres e nt e : as c om em oraç õ es d o S e s qu ic e nt en ár i o d a
In d ep e nd ê nc i a e ntr e c ons e ns o e c o ns e nt im ent o ( 1 97 2) . 20 1 2. T es e. (D ou t ora d o em
His t óri a) – I ns t i tu t o d e Ci ê nc ias H um an as e Fi l os of i a ( IC HF), U n i v ers i d a de F ed er a l
Fl um in ens e , Ni t er ó i .
11 8
ou tr os as s u nt os , s ej a no pa s s a d o, s ej a no pres e nt e. E é p or
199
is s o qu e e l a n ão s e es go t a em s i .
Como assinalado, essa iconografia, em grande medida, funciona
como imagens canônicas, cujas representações visuais terminam por
influenciar
outras
formas
de
ex pressão,
como
a
literatura,
mas,
especialmente, o carnaval e os filmes devido a sua característica
plástica. Os cuidados metodológicos necessários à análise iconográfica
e fílmica são relevantes para não se considerar uma representação
cultural feita no sé culo XIX como sendo verdade histórica.
Talvez,
um
dos
exemplos
mais
significativo s
do
uso
da
iconografia oitocentista para representar o passado escravista tenha
ocorrido na telenovela A Escrava Isaura. Adaptação do livro de
Bernardo Guimarães feita por Gilberto Braga, com direção geral de
Herval Rossano. A novela estreou em 1976 e constituindo-se um dos
maiores sucessos da emissora Rede Globo, sendo exibida também no
exterior. A ampla audiência torna ainda mais significativ o o sentido
histórico construído a partir da abertura da novela , estruturada em uma
sucessão de pinturas pintadas por Debret 200. A filmagem das gravuras
recebeu pequenos efeitos, criando a ilusão de movimento das cenas
retratadas. Infere-se que sua concepção era provocar a sensação de
trânsito temporal, pelo qual o telespectador vivenci asse a experiência
do mundo escravista ao assistir à história ilustrada passando à sua
frente.
A apropriação de elementos iconográficos para criar uma nova
representação é um procedimento recorrente na produç ão audiovisual.
Sobre o trabalho de pesquisa para ambientação histórica de Xica da
Silva, Cacá Diegues afirmou que “muitas cenas são cópias fiéis dessas
reproduções” 201. De fato, a operação é reconhecíve l em alguns planos
199
P AI V A , E d ua r d o Fr a nç a . H is tór i a e I ma g e ns . 2. e d. B el o Hor i zo nt e: A ut ê nt ic a,
20 0 6, p . 19 .
200
< h tt p: // ww w. yo u t u be . c om /wa tc h ? v = 4N Uhk S zF wJ M > Ac es s o em : 1 0 o ut . 20 1 3.
201
SI L V A, F er n an d o J os é D i as d a. X ic a d a S i l v a e do S uc es s o . J o rna l d a Tar d e ,
p. 2 4, 24 s e t. 1 97 6 . O te or d a d ec l araç ã o de C ac á D i eg u es , c orr ob or a o us o da
ic on o graf ia c om o or i e nt aç ão p ara d ir eç ã o d e c e n a, c o nf orm e p od e s er v is to em O
des c o br im e nt o d o Br a s i l , d e H um bert o M aur o ( 1 93 7) e I nd e pe n dê nc ia o u Mo rt e , de
Car l os C o im br a ( 1 97 2) ; c f . : MO R ET T IN, E du ar do V ic tór i o . Hu m ber t o Ma uro ,
11 9
dos filmes Xica da Silva e Chico Rei, tanto para aspectos da cenografia
quanto de cena. Detalhes dessas pinturas , especialmente de Rugendas
e Debret, como liteiras, móveis e instrumentos de castigo aos escravos ,
parecem ter inspirado a produção fílmica . Contudo, se destacam os
planos que parecem a própria composição iconográfica, como a pintura
Jantar brasileiro, de Debret, reproduzida na sequência da recepção
oferecida pelo contratador ao governador Conde de Valadares, na
Chácara da Palha (figura 8 e frame 2).
Debret se preocupou em demonst rar uma cena do cotidiano de
uma família abastada representada durante o jantar. A filmagem de
Diegues mantém a leitura informativa de prestígio e poder em torno da
mesa: fartura de alimentos, luxuosa mesa, presença de escravos ,
cativa com abanador para re frescar o ambiente , crianças negras em
torno da mesa. Contudo, o diretor aproveita o motivo da tela para
promover as inversões inerentes à história de Chica da Silva.
Num primeiro momento, a ressignificação é cênica: quem alimenta
delicadamente as criança s negras é o contratador. Na sequência,
revela-se a transgressão da ordem social e política. Além da inversão
dos papéis homem/mulher, a ex-escrava (que não está enquadrada no
frame 2), depois de ter sido destratada pelo governador e convidados
do festim, comparece com o rosto pintado de branco e debocha
desafiadoramente da maior autoridade da capitania e dos convivas,
assistindo -os degustarem o banquete , sabotado por ela momentos
antes. Seu amásio assiste a tudo intrigado, submisso , embora ciente da
gravidade e risco da postura da sua amante negra.
c i ne m a. .. op .c it . ; FO NS E C A, V i tór i a A ze v ed o da . H is tó ri a i ma g in a da .. .. .. o p.c it .;
CO R D EI RO , J a n aí n a Ma r t i ns . L e mbr ar o pa s s ad o .. . o p.c i t .
12 0
Fi gu ra 8 : Um j an t ar br as il e ir o ( J . B. De br et , 1 82 7)
Fo nt e – B AN D EI R A, J ú li o ; LA G O , P e dr o C o rrê a d o ; C A R V AL HO , J os é M ur i l o de .
De br et e o Br as i l : o br a c om pl et a, 18 1 6 - 1 83 1 . 3. e d. R i o d e J a ne ir o: Ca p i va ra ,
20 0 9.
Fra me 2: Pl a no do j a n tar d e rec e pç ã o a o g o v ern a d or ( X ic a da S i lv a, 1 9 76)
12 1
Em Chico Rei, o uso das fontes iconográficas também
foi
recorrente, haja vista identificações de pinturas em vários momentos:
das condições do transporte de escravos , desembarque no Brasil,
mercado nas vilas, festas religiosas negras.
Das muitas possibilidades para análise, destaca-se o desenho de
J.M.Rugendas: Negros no porão do n avio (figura 9). Produzido por volta
de 1825, remete às condições às quais africanos escravizados eram
submetidos
na
travessia
atlântica:
acorrentados,
amontados
no
insalubre e mal iluminado porão do navio, sujeitos a doenças e mortes.
De aspecto informativo, o trabalho foi ressignificad o, tornando-se uma
imagem canônica pela qual se denuncia a crueld ade do sistema
escravocrata 202. É habitual encontrá-la reproduzida em livros didáticos
de história, onde também recebe como legenda o nome com o qual
esse tipo de embarcação passou a ser denominad o: tumbeiro, em
alusão ao risco de morte a que estavam sujeito s os cativos. Às vezes,
na mesma sessão no livro escolar se reproduz trechos do poema Navio
Negreiro, de Castro Alves, reforçando a condenação do escravismo . O
significado político do desenho é, assim, revalidado no imaginário
social.
Como foi assinalado, W alter Lima Júnior subtitulou seu filme
como uma história de liberdade , tornando compreensível o tom de
denúncia que faz do escravismo; por consequência, o uso do porão de
Jean Moritz Rugendas como inspiração para algumas sequências do
navio negreiro. Embo ra não haja um plano geral do porão, a recriação
do espaço e seus elementos de denúncia são facilmente perceptíveis
em suas sequências, como o frame 3.
202
S eg u nd o es t u dos , o d es e n ho f o i f e it o, pr o v a v e lm ent e, e ntr e 1 82 5 - 28 , na Fra nç a.
P os t er ior m e nt e l i to gr a f ad o, es s e s er v iu d e bas e p ar a um a vers ão a qu ar e la d a e
ac a b ad a . As pés s im as c on d iç õ es n o tr a ns po rte de es c r a vos era u m dos arg um ent os
de s oc i ed a d es a nt i es c r a v is t as qu e s ur gi am na E ur o pa a p art ir d e f in a is do s éc u lo
X VI II , c om o a S oc i e ty for t h e A b o li t io n of S l av e Tr a de . Par ec e, p ort a nt o, um tem a
qu e d es p er to u i nt er es s e a R u ge n das . Em bora o re g is tr o n ão s ej a s uf ic ie n te p ar a
qu a l if ic á - lo c om o ab o l ic i o n is t a , s e u d es e n ho m un ic io u os def e ns or es d es s a c au s a ,
es p ec i alm e nt e n o Br a s i l, n os d e ba tes qu e s e i nt e ns if ic a ram n o d e c orr er do s éc u l o
X IX ; D I EN ER , Pa b l o. O c at ál o go f u n dam en t ad o d a o br a d e J .M .R u ge n das e
a lg um as i de i as p ar a a in t er pr e taç ã o d e s e us tra ba l h os s o br e o Br a s i l. Rev is ta US P ,
S ão Pa u l o, n .3 0 , p. 4 6 - 57 , j u n. /a g o. 1 9 96 .
12 2
Fi gu ra 9 – Ne gr os n o por ã o d o n av i o (J . M. R ug e nd as , c .1 8 25)
Fo nt e – R UG EN D A S, J oh a nn M or it z. V i ag e m pi t ores c a a tr av és d o Br as i l . 8. ed .
B el o H or i zo n te : It at i a i a, 1 9 79 .
Fr a me 3 - Es c r a v as n o p or ão d o n a v i o ne gr e i ro ( C hic o R e i )
12 3
Por todo o exposto, reconhece m-se, nas variadas produções
narrativas
sobre
um
determinado
fato
ou
personagem
histórico ,
sentidos que adquirem significado e s e ressignificam a partir do diálogo
inerente às formas e suportes de representações. No caso de Chica da
Silva e de Chico Rei, os múltiplos registros tornaram -se, muitas vezes,
fontes para novas produções. Literatos, carnavalescos, historiadores,
músicos,
pintores,
cineastas
promove ram
o
intercâmbio
desses
registros, se apropriando das representações sobre os personagens e
do contexto em que viveram para ressignificá -las. Por esse processo,
por exemplo, foi possível representar a ex -escrava do Tejuco com
autonomia
psicológica
e
a
lenda
de
Galanga/Chico
Rei
ganhou
produzido
nessas
legitimidade histórica.
A
compreensão
do
sentido
histórico
representações depende do respeit o à natureza de cada produção. Por
exemplo: salvo o projeto fílmico intencionar uma função didática, não
se deve esperar do filme de gênero histórico uma abordagem escolar.
Ou seja, a narrativa cinematográfica permanece como um trabalho de
arte,
cultura l
e
econômico,
cabendo
o
ensino
metodológico
de
conteúdos disciplinares aos professores de ofício. Isso não implica
hierarquizar
os
saberes,
mas
procurar
reconhecer
o
potencial
problematizador nas abordagens de um tema histórico resultante do
diálogo entre di versas representa ções.
A complexidade da produção cinematográfica é potencializada
quando se volta para temáticas históricas , sobretudo porque o cinema
é profícuo ao usar outras produções artísticas e acadêmicas como
lastro para seus argumentos. O filme t orna-se, assim, um mediador de
comunicação de conhecimentos, que os “incorpora a um circuito de
produção e perpetuação da memória” 203. Cacá Digues e W alter Lima
Júnior leram o variado conjunto de representações sobre Xica da Silva
e Chico Rei como cidadãos d a segunda metade da década de 1970 ,
reverberando nos roteiros fílmicos as demandas de seu tempo. Sob
esse prisma, destaca-se a relevância em analisar a circularidade de
conhecimento
203
e
práticas
culturais
representadas,
cujas
MO R ET T IN, E d uar d o V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . o p.c i t.
releituras
12 4
corroboram
ou
alteram
determinado tema.
o
conhecimento
histórico
referente
a
um
12 5
CAPÍTULO 2: CINEMA E CONHECIMENTO HISTÓRICO
2.1.
História do Cinema:
a narrativa fílmica se apropria da História
Pensar uma produção fílmica de gênero histórico como história
pública tem pertinência, pois o filme se associa
conhecimento
histórico
em
uma
produção
à produção do
coletiva
com
possível
repercussão social. Entretanto, a linguagem cinematográfica tem suas
particularidades, da mesma maneira que a pesquisa histórica lança mão
de
procedimentos
inerentes
ao
ofício
do
historiador.
Essas
particularidades tensionam, muitas vezes, o diálogo entre o historiador
e o cineasta e entre o filme exibido e o espectador.
Nesse
sentido,
torna -se
relevante
compreender,
mesmo
primariamente, o desenvol vimento da narrativa cinematográfica e a
apropriação da história como tema de roteiros. A proposta é pensar
algumas relações entre a narrativa fílmica e temas históricos no filme
de
gênero
histórico.
desenvolvimento
Não
se
trata
de
realizar um
panorama
do
da linguagem cinematográfica que , em princípio,
continuará a ocorrer enquanto se fizer cinema. Por isso, a década de
1920 foi estabelecida como limite para essa reflexão, pois foi o
momento em que cinematógrafo já não era mais uma novidade e
refletia-se sobre a narrativa do filme e a história de modo mais
elaborado 204.
Em 28 de dezembro de 1895, na cidade de Paris, os irmãos Luis e
Auguste
Lumière
promoveram
um
evento
cujas
repercussões
ultrapassariam as fronteiras francesas alcançando, em poucos anos, os
204
P ar a tr a b a lh os s o br e a nar ra t i va c i n em at ogr áf ic a ; c f .: G AU DR E AU LT , A ndr é ;
J O ST , Fr a nç o is . A nar r at iv a c i n em at o gr áf i c a . Br as í l i a: E d .U N B, 2 0 09 .
12 6
demais continentes. Naquele dia, as trinta e três pessoas presentes no
Grand Café pagaram o elevado valor de um franco pelo ingresso para
assistirem à bem-sucedida exibição de filmes realizados pelos irmãos
Lumière, constituindo-se, assim, naquele que é cons iderado o primeiro
público de cinema 205. Apesar deste evento ser assinalado como marco
inaugural do cinema, há alguns questionamentos 206.
Logo filmagens e projeções em outras cidades se popularizavam.
No Brasil, atribui -se a Afonso Segreto, italiano residente no país, a
autoria do primeiro filme nacional. Es sa relação se deve aos negócios
da família Segreto, cujo irmão, Paschoal, atuava no ramo de jogos e
diversões. Paschoal inaugurou na capital o Salão de Novidades Paris
no Rio, configurando-se como o maior p rodutor e exibidor de filmes no
final do século XIX e primeira década do século XX no Brasil 207.
Trabalhando na empresa da família, o caçula Afonso se voltou
para o setor de filmes. Em 1898, viajou para Nova Iorque para comprar
fitas, seguindo, depois, à Fra nça, onde estagiou na Pathé Filmes. Ao
retornar, trouxe em sua bagagem um cinematógrafo Lumière . Em 19 de
julho de 1898, ainda a bordo do navio, filmou os fortes da baía de
Guanabara, naquela que é considerada a primeira filmagem feita no
205
S o bre a ex i b iç ã o pr o m ovi d a pe l os irm ãos L um ièr e e o c r es c im e nt o des s a pr át ic a
por e n tr e os c af és p ar is i e ns es , at é o es t ab e l ec im e nt o das pr i m eiras s a l as d e
c i nem a; J E AN CO L A S , J ea n - Pi err e. Nas c im en t o e d es e n v o l vim e nt o d a s a l a d e
c i nem a. I n. : Rev is t a O O l h o d a H is t ór ia , S a l v ad or , an o 1 0 , n. 6, j u l . 20 0 4, p . 17 - 1 9.
206
His tor i a dor es d o c in e m a têm as s in al a d o im prec is õ es em s e tra b a lh ar c om um a
da t a in a ug ur a l par a o c i n em a, c f .: B E RN AD ET T , J e a n - C l a u de . H is t or io gr af i a
c l ás s ic a do c i ne m a b r as il e ir o. 3. e d. Sã o P a u lo : A n n ab l um e, 1 9 95 ; CO ST A , Fl á v i a
Ces ar i no . Pr im eir o c i n em a. I n. : M A S C AR E L L O , F ern a nd o . (O r g.) Hi s tór i a d o c i ne m a
mu n d ia l . 3. e d. C am pi n as : Pa p ir us , 2 0 08 .
207
Pas c h oa l S egr e to , “ e m 31 de j u l h o d e 1 89 7, em s oc ie d ad e c om Cu nh a Sa l es ,
f un da n a pr i v i le g i ad a r ua d o O u v i d or o S a lã o de Nov i d ad es P ar is n o R i o , a p rim e ira
s a la ‘f ix a ’ de ex ib iç ã o c i nem at og ráf ic a d o p aís . C om o ex t ra or di n ár io s uc es s o d e
pú b l ic o do Sa l ão , o c i nem a s er i a a m en i na dos o l h os de Pas c h o a l, in v es t im en t o no
qu a l ap os t ar i a a n tes qu e qu a l qu er ou tr o aq u i. [. .. ] Em rel aç ã o às s es s ões d e
c i nem a, s eu dif er e n c i al es t a v a ex at am ent e n a ex i b iç ã o , j un to c om as f ita s
es tr a ng e ir as , d as f il m agens loc a is d e Af ons o , ab or da n d o t em as qu e es c o lh i a
c u id a dos am en te . Em 1 90 0, os irm ã os m on t am u m es tú di o ‘ p ara f i lm ag em de
at u al i d ad es ’ e um la bor a tór i o, o p rim e iro de qu e s e t em no tíc i a n a c i d ad e ,
m ante n do- s e a em pr e s a at é 1 9 07 c om o o ú n ic o ex i b i dor e pr o du t or de c i nem a
reg u l ar n a c ap i ta l e no pa ís . D e 1 89 8 a 19 0 1, re a l i za c erc a de 60 f i tas , q ue
po d erí am os r es um ir c om o f itas q ue r e gi s tram os ri tu a is d o po d er e s eus
pers o n ag e ns ” ; MO U R A, Ro b ert o. S EG R E T O , Pas c ho a l. In .: RA MO S , Fer n ão ;
MI R AN D A, L u i z F e l ip e. E nc ic l op é di a d o c i ne m a br as i l e ir o . 2 . e d. S ã o P au l o: Ed .
S EN A C, 2 0 0 4. p .5 0 3 - 4 .
12 7
país 208. Contudo, inexistem registros da exibição pública des se filme de
Segreto, mesmo sendo seu irmão o proprietário de um espaço de
exibição de filmes 209.
Pesquisas
recentes indicam
que ,
em
1897,
já
haviam
sido
registrados filmes no país, como Maxixe, realizado por Vitor d i Maio 210.
Independentemente da legitimidade da certidão de nascimento quanto à
invenção do cinema ou, mesmo, quanto à autoria dos primeiros filmes
produzido
no
Brasil,
pode -se
inferir
o
impacto
provocado
pelas
primeiras projeções fílmicas.
Os
primeiros
fil mes
apresentavam
cenas
do
cotidiano,
sobressaindo -se a intenção de registrar o acontecimento com imagens
em movimento. Em função dos recursos técnicos disponíveis as
filmagens eram curtas, geralmente com a câmera fixa capturando, por
meio de plano panorâmi co, pessoas em suas atividades rotineiras. As
projeções dos irmãos Lumière ilustram o gênero fílmico des se primeiro
cinema. Seus filmes – por exemplo, A saída dos trabalhadores da
fábrica e A chegada do trem à estação 211 reverberaram em filmes
208
B E RN A D ET T , J ea n- Cl a ud e . H is to ri o gr af i a ... o p.c i t. , p. 2 9- 3 0; M O UR A , R o b ert o.
S EG RET O , Af ons o . In .: R A MO S, Fer n ã o; M IR AN D A, L u i z Fe l i pe . E nc ic lo p éd i a d o
c i ne m a br as i l e ir o. .. op . c it . , p . 50 2 .
209
J e an- C l au d e B er n ar d et r es s a l v a qu e os pr im eir os h is t or i ad or es do c in em a n ã o
eram v er s ad os na m e to d ol o g ia d a p es qu is a h is t ór ic a e , p or is s o, po d em ter s id o
i ng ê nu os ao v a li d ar i nf or m aç õ es q u e a tr i bu em a Af o ns o S e gr et o a a ut or ia d o
pr im eir o f i lm e br as i l e i r o. J e a n - C l a ud e B er n ard e t pro b l em ati za , p or ex em plo , d e os
f atos d as i nf or m aç õ es d a f i lm ag em ter em s i do d i v u lg a das n a im pr ens a p e la pr ó pr ia
f am íli a S eg r e to , c om i nt u it o d e pro p ag a nd a par a s e us n eg óc ios . E a i nd a, q u e n em
m esm o a f i lm agem é c er t a de ter oc orr i do , j á q u e Af ons o po d er ia ter m ir ad o a b aí a
de G u a na b ar a a p en as p el o v is or do c i n e m ató gr af o, s em f ilm e de ntr o da m áqu i n a.
O u, a in d a, qu es ti o na a c a p ac i d ad e de f i lm a r de S egr e to , j á qu e a t éc n ic a rec ém apr e n di d a po r el e n a E ur o p a d i z r es p e it o à s c o nd iç õ es de lum i n os id a de b as t a nt e
d is t i nt a
da
luz
n at ur a l
d os
t róp ic os ;
BE R NA D E T ,
J ea n - Cl a ud e .
His t ori o gr af i a. .. op .c it . , p .2 9- 33 .
210
SI MI S , A n it a . Es ta d o e C in e ma no Br as i l. 2. ed . S ã o P a u lo : A n na b l um e, 2 00 8,
p. 1 9. O utr a r e i v in d ic a ç ão d e p a ter n i da d e d o c in em a br as i le ir o f o i f e it a p or J os é
Ro b ert Cu n ha S a l es , ex - s óc i o de P as c ho a l S egr e to , q u e t er i a t i rad o “f o t ogr af i as
v i v as ” n a ba ía d e G u a na b ar a, em 27 d e no v em bro de 18 9 7; SO UZ A, J os é I n ác i o de
Me l o. D es c ob er to o p r im eir o f i lm e br as i le ir o. I n. : Rev is ta U S P , S ão Pa u lo , n .1 9,
s et ./ o ut. / no v . d e 1 99 3, p .1 7 1.
211
No f i lm e A s aí d a do s tr a b a lh a dor es d a f á br ic a , os tr a ba l h ad or e s s ão f i lm ad os
de ix a nd o s e u t ur no a tr a v és d os p or tõ es . I n ic i a lm en te , as m ul he res pas s am pe l a
c âm era, m as a os p o uc os hom e ns pre e nc hem o q u adr o , t am bém i n v ad i d o por al g uns
c ac h orr os . O s tr a b al h ad or es s eg u em em s ua m ai or ia a p é, m as b ic ic le t as , c a va l os
e c arr u a ge ns s ão v is t os c om o m ei o d e tr a n s por t e. J á o f ilm e A c he g ad a do tr em à
es t aç ão é f r e q u en tem en t e ac l am ad o na h is tór i a do c i n em a c om o o pr im eir o f i lm e
rea l i za d o . S obr e e l e, é c or r en te a l e n da q u e es p ec ta d ores d e ix ar am o es p aç o d a
proj eç ão em pâ n ic o qu an d o a im ag em d a l oc om oti v a s ur g i a em d ia go n a l na t e l a.
12 8
realizados por outras pessoas, inclusive em outros países. No Brasil,
essa estrutura dos planos e o aspecto testemunhal parecem se repetir
na descrição do filme (ainda que sem registro de exibição), realizado
por Afonso Segreto, dos Fortes da baía de Guanabara.
A disseminação do filmar levou à variação dos registros, que
passaram
políticas
a
e,
captar
também
cenas
de
famílias
gradativamente,
temas
recreativos
e
e
personalidades
artísticos.
Essa
tendência foi seguida nas produções fílmicas, como é atestado pelos
títulos das produções dos irmãos Segreto entre 1898 -1901.
Es s es f ilm es s e c o ns t i tu íam de f i tas d e c ur ta dur aç ão ,
c om pos t os
de
p l a nos
a ut ô nom os ,
qu e
a bor d a vam ,
i nic i a lm ent e , os r it u a is e os re pr es e n t an t es d o p o de r,
ger a lm en te a p ar iç õ es d os pr es i d en t es da R ep ú bl ic a , e o
m ovim en t o d as tr op as , n i t id am en te f a ze n do p art e da p o lí t ic a
de bo a v i zi n h anç a q ue P as c h o a l p os s u í a c om as el it es d o
pa ís , [. .. ] o u q ue doc u m enta v am part es e at i v i da d es p it or es c as
da c i d ad e . [ .. .] Pr o g res s i vam en t e s u rg em f it as qu e ti n h am
c om o tem a es p e t ác u l os ar tís t ic os , c ôm ic os , c or eo gr áf ic os o u
212
m us ic a is .
Em fins do século XIX, a euforia em torno do progresso e da
tecnologia, que empolgava a população dos grandes centros urbanos,
parece ter encontrado no cinema um digno representante. No entanto,
o cinema também encontrou resistências quanto ao seu valor como
produção artística de qualidade, especialmente entre intelectuais. O
poeta brasileiro Olavo Bilac, por exemplo, se manifestou na Revista
Kosmos, em 1906, criticamente à difusão do cinema pelas ruas do Rio
de Janeiro e à qualidade do espetáculo .
J á há n a A v en i d a C e ntr a l qu a tro o u c i nc o c i nem at ó graf os ; e,
a lém das c as as e s pec i a lm ent e d es ti n a das pa ra es s es
es p e tác u los , j á a m an i a c in em at og ráf ic a i n va d iu t od os os
te atr os e t om ou c o nt a de t o das as p ar e des e d e a n da im es em
qu e é p os s í ve l es t ir ar um vas to q ua dr ad o de pa n o br a nc o [. .. ].
E d aq u i a p o uc o , n ão p od er em os dar um p as s o pe l a c i da d e,
s em enc on tr ar d i a nt e dos o l hos um d es s e s l enç ó is a l vos em
qu e as c e n as d a v i da h um ana a p arec e m def orm adas pe l o
tr em or c o n vu ls i v o d a f it a, e on d e as f i gur a s de h om ens e de
m ulh er es ap ar ec em at ac ad as d e d e lir i u m - tr e m ens o u d e
213
c or e i a, num a tr ep i daç ão ep i l ét ic a .
212
213
MO UR A , R ob er t o . Af o ns o Se gr et o .. .o p.c i t. , p. 5 02 .
B I L AC , O l a vo , a pu d B ER N AD ET , J e a n - C l au de . H is t or i ogr af i a. .. op .c i t. , p. 7 5.
12 9
Não
obstante
as
críticas
feitas,
sobretudo,
por
artistas
e
intelectuais, quanto à qualidade das apresenta ções fílmicas, esse
mesmo grupo foi essencial para requalificar o trabalho cinematográfico
e seu prestígio social. Ao acompanhar o desenvolvimento da crítica
cinematográfica francesa a partir de revistas especializadas, João
Cunha 214 destaca o papel de Ricci otto Canudo e a publicação do
Manifesto das Sete Artes (1911), no qual reivindica o cinema como
sétima arte – aposto que passou a designá -lo 215. A arte cinematográfica
se estabelece também na profissionalização, considerando a definição
do crítico Luis Dellu c de que o cineasta era o “[...] artista que se
expressasse por imagens” 216. Na década de 1920, as revistas que
falavam sobre o cinema já o consideravam estabelecido como uma
expressão artística válida e moderna.
Contudo, o aprimoramento das técnicas e da l inguagem trazia
outras questões internas ao seu desenvolvimento. Os filmes produzidos
durante a primeira década da história cinematográfica são classificados
como cinema de atrações 217. Esses filmes são caracterizados por uma
narrativa que supervalorizava o plano, autônomo em relação à história.
Conforme a ideia do cinema de atração, cada plano filmado visava
destacar um elemento visual, despertando a atenção do espectador ao
aspecto maravilhoso da própria imagem em movimento. Por isso, ao
assistir a esses fi lmes décadas depois, tem -se a sensação de uma
narrativa
214
fragmentada
e
descontínua,
sem
precisão
temporal 218.
CU NH A , J o ã o M a no e l dos S a nt os . Av a nt - g a rde , l it er at ur a e c i n em a. In .: R ev is t a
O O lh o d a H is t ór i a , S a l v ad or , an o 1 0, n. 6, j u l .2 0 04 , p. 2 4 - 32 .
215
Par a a d is c us s ã o s o br e o c i n em a c om o s ét im a art e ; X A VI E R, I s m ail . S ét i ma
art e: um c u lt o m o der n o - o i d ea l is m o es té t ic o e o c in em a. S ã o Pa u lo : P ers p ec ti v a ,
19 7 8.
216
C UN H A , J o ã o Ma n oe l d os S a nt os . Av a n t - g a rde .. . op .c it . , p .2 5 .
217
O c ham ad o pr im eir o c i n em a pos s u i um a d im ens ão de c i ne ma de atr aç ões ,
c onf orm e c h am ou o h is t or ia d or T om G u n n in g. P ara o a ut or , o o bj e ti v o d es s e
c i nem a er a m en os n ar r ar e m ais m ar a v il har , c h am ar a a t e nç ão , at e nd e nd o as
ex p ec ta t i vas do p úb l i c o q u e f req u en t a va as f e iras e p ar qu es . Nes s e s e nt i d o,
de pr e en d e- s e o as pe c to tes t em unh a l dos f ilm es d es s e per í od o. Cf .: G UN NI NG ,
T om . T he c i nem a of at tr ac t i ons : ea rl y f i l m , its s pec t at or an d a v an t - gar d e. I n. :
E L SA E S S E R, T . ( O r g) . E ar ly c i ne m a: s p ac e - f ram e- narr a ti v e . L o nd res : Br i t is h Fi lm
Ins t it ut e, 1 9 90 ; G U N N ING , T om . E ar l y am er ic an f i lm . In .: HI L L, J .; G I B SO N , P. C.
Th e O x fo r d g u i de t o fi l m s t ud i es . O x f or d/ No v a I orq u e: O s f or d Un i v ers it y Pre es ,
19 9 8; CO ST A , F lá v i a Ce s ar i no . Pr i me ir o c i n em a .. . op .c it .
218
P ar a es c l ar ec im ent o d as pr inc i pa is c ar a c ter ís t ic as téc n ic as e n arra t i v as d o
pr im e ir o c i ne m a ( 1 89 5 - 19 1 5) ; c f .: C O ST A, F l á v ia C es ar in o. Pr im eir o c i nem a, o p .c it.
13 0
Contudo,
o
início
do
século
XX
foi
também,
um
período
de
experimentos, destacando -se aqueles relacionados à organização dos
planos temáticos, mesmo p orque, cada vez mais, tornava -se comum o
uso de multiplanos nos filmes. Pouco mais de uma década das
primeiras filmagens,
[.. .] em 190 7 , a m a ior i a d os f i lm es j á proc ur a va c on t ar
h is t ór ia . [. .. ] As his t ór i as er am im puls io n ad a s por p ers on a ge ns
do t ad os
de
v o n t ad es ,
m as
os
es p e c ta d ores
t i nh am
d if ic ul d ad es p ar a v is ua l i za r m ot i v aç õ es e s en t im ent os . A lém
d is s o , o p ú b lic o n ã o c ons e gu i a en te n d er c la ram en t e as
r e laç õ es es pac i a is e t em por ais en tr e os p l a nos . O p erí o do de
tr a ns iç ã o , e ntr e 19 0 7 - 19 1 3/ 1 5, v erá o d es en v o l v im ent o das
téc n ic as d e f i lm ag em , at u aç ã o, i l um in aç ão , en q ua dr am en to e
nar r a t i vas . C om at u aç õ es m en os af et a d as e o us o m a is
f r eq ue nt e d e i n ter tí t u los , s ã o c ri ad os p ers o n a ge ns m ais
v er os s ím eis , m ais pró x im os d a l i te ra tur a e do t e atr o r e a l is t as
do qu e os p er s o na g en s his tr iô n ic os do c in e m a de atr aç ões . O
us o m ais f re qu e nt e d a m ont ag em e a dim i nu iç ã o da d is t ânc i a
en tr e a c âm era e os a tor es dif ere nc i am o pe río d o d e tr a ns iç ã o
219
do c in em a de atr aç õ es .
É certo que a montagem de planos já existia e era uma
preocupação dos cineastas, como exemplificam os filmes de Georges
Méliès desde os primeiros anos do cinema. Do mesmo modo, os temas
históricos já inspiravam a produção de filmes durante o chamado
primeiro cinema 220. Todavia, foi a partir da década de 1910 que
passaram a ser frequentemente trabalhados por cineastas. Muitas das
estruturas narrativas fílmicas , então, desenvolvidas, como a montagem
paralela 221,
permanecem
atuais
e
correntes
na
filmografia
contemporânea, ressalvando -se que o processo de renovações de
linguagens e técnicas permanece.
Nessa década, a apropriação da História para a narrativa fílmica
também se estabelece e se consolida. O diretor norte -americano David
219
C UN HA , J o ã o Ma n oe l d os S a nt os . Av a n t - g a rde .. . o p.c i t. , p. 4 1.
A nt es de 1 91 0, h á os f i l ms d ’a r t (Fr anç a ) c om o O as s as s in a t o d o du q u e d e
G u is e (1 9 0 8) , d e A nd r é Ca lm et tes , e a pro duç ã o it a l ia n a qu e c u lm in a em Ca bír i a
(19 1 4), de G io v a n i P a s tr o n e.
221
A nar r a ti v a f í lm ic a d es c r e v e du as o u m ais aç õ es de f orm a a p a rec e r q u e e l as
ac o n tec em ao m esm o tem po: “s eq u ê nc i a e /o u c e n as d if er en tes in terc a l ad as n o
m esm o f lux o n ar r at i v o , ger a lm en te c ulm i na n do na c on v er gê nc i a de aç õ es / es p aç os ”;
NA P O L IT AN O , Mar c o s . C om o us ar o c in e ma n a s a l a d e au l a. 4. ed . Sã o P au l o:
Co nt ex to , 2 00 8, p. 22 9 .
220
13 1
W .Griffith é frequentemente lembrado nesse quesito 222. Em 1915, ele
lançou o seu mais conhecido trabalho: O nascimento de uma nação,
cuja história se desenrola durante a guerra civil americana. Abordar a
constituição dos EUA como nação explica, em parte, o grande sucesso
alcançado junto ao público. Entretanto, acredita -se que a maior força
do filme decorre da maneira como o diretor construiu sua narrativa. Os
críticos do período reconheceram essas características e produziram
textos que ajudaram a construir o trabalho de Griffith como marco para
a narrativa cinematográfica. Contudo,
[.. .] h á m ui tos a n os , os es t ud os c i nem at o g ráf ic os qu es t i o nam
es t a le n da . Só n o Bra s i l, au t ores c om o Is m a il X a v ie r e Ar l in d o
Mac h ad o d eram ex pr es s i vas c o ntr i bu iç õ es par a a dis c us s ã o
de q ue G r if f it h nã o f o i o pr im eir o a us ar e n q ua dr am ent os m ais
f ec h ad os nos s e us at ores ( c l os e- up , pl a no am eric a no , p l a no
m édi o) o u m on ta g em par a l e la . P or o utr o l a do , m u it os d es s es
tex tos d ef e nd em tam bém a i de i a d e q u e a c on tr ib u iç ão d e
G r if f it h f o i d ec is i va par a q ue es tes rec ur s os de l i n gu a gem
f os s em
s is t em ati za d os
e
m e lh or
c om pre e n di d os
pelo
223
pú b l ic o .
Charles Chaplin é outro exemplo de diretor que frequentemente
se apropriou da temática histórica em seus filmes. Ao menos três de
seus títulos abordam temas da história do tempo presente, sendo os
filmes uma crônica crítica dos acontecimentos: Shoulder Arms (1918),
Tempos Modernos (1936) e O Grande Ditador (1940) 224. Desses,
Shoulder Arms (traduzido no Brasil como Carlitos na Trincheira )
exemplifica o desenvolvimento da narrativa cinematográfica tematizada
pela História em meados da década de 1910. M antendo seu já
consolidado estilo em fazer comédia, o filme conta a história do recruta
222
X A VI ER , Is m a il . D . W . G riff it h , o nas c i me nt o de u m c i n em a . S ão P au l o:
Br as il i e ns e , 1 98 4.
223
V A L E, M ar c os . 1 00 an os d e um a f orm a d e c on ta r h is tó ri as . I n. : R ev is t a L aik a ,
S ão Pa u l o, v. 1, n . 1, j u l. 2 01 2 , p. 2.
224
O G ra nd e Di t ad or c o m eç ou a s er f ilm ad o e m 193 7 c om o um a c rí t ic a a o go v er no
de H i t ler . Q u a nd o la nç a d o, em m eio a os horr or es d a S eg u n d a G ra n de G uer ra
Mu n d ia l , s e t or n o u u m a im por ta nt e pr o pa g an d a a nt i na zi s ta . Te mp os Mo de rn os , o
ú lt im o f i lm e s i l e nc i o s o do d ir et or , ab or da o m om ento p ós - c ris e de 1 9 29 ,
de n unc i a nd o a v u ln e r ab i l i da d e dos tr a ba l ha d or es d i a nt e do d es em pr eg o e da
ex p l or aç ã o p atr o n al .
Há am pl a pr od uç ão s o br e o c i n eas t a C har l e s Ch ap l i n. En tr e as q u e s e vo l tam par a
as p ec tos d a s u a c onc epç ã o de c in em a; c f . : B AZ IN , A n dre . Ch ar l i e Ch a pl i n. R i o d e
J an e ir o: J or ge Za h ar , 2 00 6 ; EI S EN ST EI N, S er g ei ; B LE I M AN N, M ic ha e l;
KO Z INT S E V , G r ig or i. ( O r gs ) . E l ar t e d e Ch ar les C h a pl i n . B ue n os Ai res : E d ic io n es
Los a ng e , c 19 5 6.
13 2
Carlitos (interpretado por Chaplin) que, em sonho, se torna um herói da
Primeira Grande Guerra Mundial. Por meio de situações extraordinárias
e risíveis, o diretor tece críticas aos conflitos que se arrastavam pelas
trincheiras abertas na Europa desde 1914, tornando -se um cronista que
usa o cinema para narrar a história do seu tempo.
Temas históricos eram elaborados pelos cineastas de modo a
promover a reflexão. Ultra passava -se o registro do acontecimento pela
câmara, com intenção documental. A história, seja por um tema do
passado
ou
do
exemplificado,
tempo
presente,
respectivamente,
podia
pelos
filmes
ser
de
abordada
David
como
Griffith
e
Charles Chaplin.
Na década de 1920, a percepção da imagem como valor da
verdade, conforme assinalou Boleslas Matuszewski em 1898 225, também
foi colocada em discussão. Conforme visto, Lev Kulechov, Dziga Vertov
e Sergei Eisenstein se destacaram como referências no debate. Os
cineastas russos usaram o cinema como forma de contribuírem para o
projeto político e ideológico bolchevique , da guerra civil à consolidação
do
novo
governo.
Em
síntese,
chamavam
atenção
para
a
intencionalidade da produção fílmica. Para o grupo, o processo de
corte, edição e montagem consolidava o posicionamento autoral e
seletivo iniciado com a captura de imagens pelo cineasta 226. Todo esse
processo de escolhas e controle possui relação direta com a estrutura
narrativa estabelecida pelo diretor.
Outras
discussões
rele vantes
para
a
linguagem
do
cinema
prosseguiram àqueles anos, como a sonorização dos filmes, suas
questões
técnicas
e
artísticas 227.
Contudo,
considera -se
que
os
princípios fundadores da linguagem narrativa, a intencionalidade da
imagem e a relação do filme c om a História se alicerçam nesse
225
“O c i nem at óg r af o n ã o dá t a l ve z a his t ór ia i nt e gr al , m as pe l o m en os o q u e el e
f orn ec e é i nc on tes t á v e l e d e um a v er d ad e a bs o l ut a” ; M AT US Z EW SKI ap u d
KO RN I S, M ô n ic a Alm e id a. H is tó ri a e c in em a: um de ba t e m etod o l óg ic o. R ev is t a d e
Es t u dos H is t ór ic os : F G V , Ri o d e J a n eir o , v o l. 5, n . 1 0, 1 9 92 , p. 24 0.
226
Cf .: EI S EN ST E IN , S er ge i . A for m a . . . o p .c it. ; A UM O NT , J ac qu es . As
te or ias .. . op .c it ; S AR A I V A, Le a ndr o. Mo n ta g e m s ov ié t ic a .. .. o p.c i t.
227
Atr i bu i- s e ao O C a n tor de J a z z, de 1 92 7 , o pr im e iro f ilm e s o nor o . O s a nos
s eg u i nt es f or am de a pr im or am ent o t éc n ic o e a da pt aç ã o p ar a a no v a t ec n o lo g i a e
l in g ua g em do c in em a.
13 3
período. É verdade que nos anos seguintes continuou a ser repensada
e transformada, mas as bases foram ali estabelecidas.
Para os filmes que se sustentam em temáticas históricas, a
estrutura narrativa é crucial. A credibili dade ou a invalidação são
sentenças possíveis de uma avaliação quase sempre presente às
análises desse tipo de filme. Algo que pode ser entendido como uma
armadilha, como alerta Marcos Napolitano, para a análise dos filmes de
– a polaridade:
gênero histórico
ou “objetivista”,
que procura o
testemunho da história nas imagens e na sonoridade; ou “subjetivista”,
não apreensível para o conhecimento histórico por estar no campo
artístico.
A q u es t ã o, no en t an t o, é p erc eb er as f o n t es a u di o v is ua is e
m us ic a is em s u as es tru tu ras i nt er nas d e l i ng u ag em e s e us
m ec an is m os de re pr e s en t aç ã o d a re a li d a de , a p art ir d e s e us
c ód i g os in t ern os . [ .. . ] N os s a pers p ec t i v a a po nt a p ar a um
c onj u nt o d e p os s ib i l i da d es m eto do l ó g ic as pa ut a das [. ..] n a
nec es s i da d e de ar t ic u lar a l i n gu a gem t é c n ic o - es t é t ic a d as
f ont es a ud i o v is ua is e m us ic a is ( o u s ej a , s e u s c ó d ig os i nt er n os
de f unc i on am en to ) e as re pr es en taç õ es da rea l i d ad e his t ór ic a
ou s oc ia l n el a c on t id as (o u s ej a , o s e u “c on t eú d o” n arr at i v o
228
pr o pr i am ent e d i to) .
A fim de extrapolar a leitur a fílmica para além do falacioso ângulo
dicotômico
objetividade/subjetividade,
para
explorá -lo
a
partir
da
análise interna, retoma -se a problemática sobre a narrativa histórica
levantada por Paul Ricouer 229. Ao trasladar as considerações feitas pelo
autor quanto à escrita da história, caracterizada pela quase ficção e
quase realidade, ao campo cinematográfico, considera m-se os filmes
Xica
da
Silva
e
Chico
Rei
como
objetos
emblemáticos
para
o
estabelecimento da reflexão acerca das construções narrativas entre a
ficção/história. No capítulo 3 (Xica da Silva e Chico Rei: análise
fílmica)
desta
pormenorizados.
tese,
Por
aspectos
hora,
relativos
valem
a
alguns
esse
processo
comentários
serão
quanto
à
narrativa cinematográfica/histórica estabelecida nesses títulos f ílmicos.
Ambas as películas desenvolvem suas narrativas a partir de um
personagem-título e também carregam semelhanças: Chica da Silva e
228
229
N A PO LIT A NO , Ma r c o s . F o nt es A u di o v is ua is ... op .c it . , p .2 3 7.
RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it .
13 4
Chico Rei foram escravos da região mineradora durante o século XVIII
e obtiveram a alforria. Contudo, é preciso destac ar que a ex-escrava,
de fato, viveu no arraial do Tejuco e foi amásia do contratador dos
diamantes. Em contrapartida, inexiste documentação que comprove a
materialidade de vida de Chico Rei. Portanto, em uma análise mais
apressada, poder-se-ia considerar o filme de Cacá Diegues sob a
perspectiva do seu realismo histórico, enquanto o filme sobre a lenda
de Chico Rei perderia sua objetividade histórica por se tratar de uma
representação da imaginação popular.
Estabelecer
uma
narrativa
cinematográfica
a
partir
de
um
personagem, quase uma cinebiografia, é recorrente em filmes sobre
temas históricos. Sob essa perspectiva, conforme observa Nathalie
Zemon Davis, o filme pode revelar estruturas, códigos sociais e
conflitos, passíveis da análise histórica 230. Assim, considera-se essa
possibilidade descortinadora de relações sociais e suas implicações a
partir da análise fílmica, como observado por Nathalie Zemon Davis,
mais relevante do que reduzir Xica da Silva ou Chico Rei ao campo da
polaridade objetividade/subjetivi dade.
Nesse ponto reside outra proximidade entre os filmes. Ambos
estabelecem
representações
sobre
o
século
XVIII
mineiro,
caracterizado por uma sociedade escravocrata, cuja economia principal
girava em torno da exploração aurífera e de pedras preciosas. Como
visto no primeiro capítulo, as fontes para a criação dos personagens título foram variadas, porém sem diálogos com a inexistente, naquele
momento, produção acadêmica sobre ambos. Não obstante, Xica da
Silva e Chico Rei são narrativas ficcionais calca das em uma realidade
histórica conhecida, ou seja, objeto da produção da pesquisa em
História.
Nesse
sentido,
o
potencial
dessas
películas
para
o
conhecimento histórico ultrapassa a personalização dos alforriados
Francisca da Silva e Chico Rei. E, acredita -se, problematizar o diálogo
230
“Na f or m a h a bi t ua l d a H is tó ri a , o f i lm e p o de rec o nt ar o pas s a d o no m o do d e
b io gr af i a h is t ór ic a e ‘m ic r o - h is tór i a ’. [ .. .] N as s uas ‘m ic r o - his tór i as ’, os f i lm es
po d em r e ve l ar as es tr ut ur as s oc i a is e os c ó d ig os s oc ia is em um d et erm in a do t em po
e lu g ar, f o n tes e f or m as d e a l ia nç a e c o nf l i to , e a te ns ão e ntr e o tr a d ic i o na l e o
no v o” ; D A VI S , N a ta l i e Z em on. S l av es o n s c ree n : f i lm an d h i s tor ic a l vis i o ns .
Cam br id g e: H ar v ar d U n i ver s i t y Pr es s , 20 0 0, p. 6. T ra duç ã o l i vr e.
13 5
entre suas narrativas fílmicas e a narrativa histórica é o caminho para
compreender seus significados.
Dimensiona-se que, desde o início, essas películas revelam a
preocupação em produzir significado histórico. Ambas recorrem a uma
prática
comum
em
filmes
com
temporalidades
distintas
de
sua
produção, sobremaneira os de gênero histórico. Trata -se do recurso de
apresentar, logo na abertura, informações sobre o período em que se
desenvolverá o filme. A estratégia foi usada de forma similar pelos
diretores: uma cartela informativa, cujas legendas são complementadas
pelas falas dos atores, explica didaticamente o contexto histórico em
que a narrativa se desenvolve.
Fra me 4 – Ca r t e la d e ab er tur a , p la n o de X ic a d a S i lv a ( X ic a da Si l v a , 1 9 76)
O plano de abertura em Xica da Silva traz a fotografia de campos
escarpados da região diamantina mineira. Um letreiro apresenta a
demarcação espaço -temporal da história que , embora não especifique
o ano, situa o espectador na segunda metade do século XVIII (frame
4). Houve o cuidado de denominar como o Arraial do Tejuco é
13 6
atualmente conhecido: cidade de Diamantina. Os planos seguintes
complementam as informações do letreiro de que se trata de uma
região de extração aurífera e diamantífera, sendo que es sa produção
visava enriquecer a Coroa Portuguesa .
A sequência inicial apresenta dois momentos. No mesmo cenário
de campo aberto, o primeiro momento apresenta três brancos tocando
música, enquanto alguns escravos negros seguram suas partituras e
observam. Terminada a prática, o diálogo estabelecido entre a dupl a de
músicos e o forasteiro, que logo se revelará ser João Fernandes, o
novo contratador dos diamantes (interpretado por W almor Chagas),
explica a riqueza da sociedade diamantina, ao mesmo tempo em que os
músicos criticam a postura dos administradores e da Coroa em ignorar
a pobreza do povo, extorquindo -o cada vez mais e restringindo sua
sobrevivência 231.
Nesse ínterim, estabelece-se o segundo momento quando um
grupo de negros cerca ameaçadoramente o contratador. Em meio à
tensão, o diálogo segue a direção d a conversa já estabelecida, ou seja,
uma crítica ao sistema colonial que explorava duramente o povo de
Minas. O líder negro, Teodoro (interpretado por Marcus Vinícius ),
explica a João Fernandes como se encontram os diamantes, reforçando
a crítica de que qu em usufrui da riqueza não sabe como extraí -la.
Comparado ao trabalho de Cacá Diegues, o uso de letreiro s
explicativos feitos por W alter Lima Júnior indica com maior veemência
231
P e lo s is t em a de c o n tr a tos d e ex pl or aç ão dos d i am ant es ( 1 73 9 - 17 7 1), a C oro a
P ort u gu es a c o nc e d ia ao c on tr at ad or a rrem a ta nt e a ex c l us i v id a de nos ne g óc ios d e
ex tr aç ão e c om ér c i o d as p e dr as . Dif ere n tem en t e d a ec o n om ia au rí f era, p ort a nt o, a
po p u laç ã o nã o p od i a p ar t ic i par d ir et am en t e des s e s et or ec o nô m ic o, a nã o s er
pres t an d o s er v iç os à I nt e nd ê nc i a d os Di am ant es (c om o a l ug a n do es c ra v os ) o u pe l a
i le g a li d ad e , des c am in ha n do d i am an tes ; c f . : F E RR EI R A, R o dr ig o d e A lm ei da . O
des c a m in h o d e d i am an t es : r e l aç ões de p od er e s oc ia b i l id a de na D em arc aç ão
Di am an t in a no p er ío d o dos c o ntr a tos (1 7 4 0 - 1 7 7 1). B e lo H or i zo nt e: Fum arc ; Sã o
P au l o: L e tr a e Vo z, 20 0 9. Ap ós 1 77 1 , o s is t em a f o i ex t i n to e a Cor o a as s um iu
d ire tam e nt e a r es p o ns ab i l i da d e p e los s er viç os ex tra t i vos , m ant en do a p op u l aç ã o à
m argem dos n e góc i os , a n ão s er c om o pres ta d or a d e s er viç os e / ou
des e nc am i nh a do r a . E s s e n o v o s is t em a f o i de n om in ad o de R e a l Ex tr aç ão d os
Di am an tes , c uj o r i g or do s e u re g im en to , c on h ec id o c om o L iv r o da Ca p a V er de –
um a c om pi l aç ão d e l e is a dm in is tr at i v as e c o ib i ti v as s o br e os s er v iç os e s oc i e da d e
d iam an t in a –, s e t or n ou um a r ec or re nt e r e pres e nt aç ão d o ex c es s o adm i nis tr at i v o
l us i t an o p ar a a r eg i ã o; c f .: FU RT ADO , J ú n i a F err e ira . O L iv r o d a Ca p a V erd e : o
reg im en t o d iam a nt i no de 17 7 1 e a v id a n o Dis tr it o D i am ant i no no per ío d o d a Re a l
Ex t raç ã o. S ã o P a ul o : A nn a b lum e, 1 9 96 .
13 7
a preocupação do filme com o conhecimento histórico. O diretor vai
além da breve contextualização e revela as fontes nas quais se baseou
para desenvolver Chico Rei (frame 5). Assim, outros registros da lenda
são identificados pela cartela (frame 6) enquanto três negros fogem em
disparada por um campo aberto. A câmera acompanha a carreira
fugitiva em direção ao primeiro plano. Então, uma tomada por câmera
alta os revela escalando uma pedra. O esforço e a dificuldade da fuga
enfatizam as informações apresentadas referentes à crueldade do
sistema escravista, aliviada somente quando os negr os conseguem
arrebentar suas correntes e alcançarem um quilombo. Uma liberdade ,
portanto, conquista da por meio do risco da fuga.
Fra me 5 – A b er t ur a de C h ic o R e i, c a rt e la ex p lic a ti v a s o br e o tr áf ic o d e es c ra v os
( Ch ic o R ei , 1 98 5)
13 8
Fra me 6 - Pl a n o de C h ic o Re i , f o nt es d e i ns p ir aç ã o p ar a r ot e ir o
( Ch ic o R ei , 1 98 5)
A sensibilização do espectador para o drama da escravidão negra
prossegue no plano que se dese nvolve no quilombo. A câmera passa a
acompanhar um negro , Kindere, que veio para o Brasil junto com Chico
Rei.
Andando
lentamente
pelo
quilombo,
ele
observa
seus
companheiros em atividades cotidianas, como o reforço dos muros de
pedra que cercam o local ou um batuque com dança de capoeira.
Então, o quilombola se senta em uma pedra e assume a função de griot
(contador de histórias nas tribos africanas). Apoiado em seu cajado,
como símbolo de sua experiência e sabedoria, altivamente mira o
horizonte e inicia a narrativa por meio de jargão próprio dos contadores
de histórias: “Há muito tempo atrás, havia um rei chamado Galanga.
Grande herói da batalha de Maramara. E esse reino era de todos os
negros do Congo. Meu e de todos vocês”. Estabelece -se, assim, a
cumplicidade entre o narrador -espectador-história.
13 9
Os planos de abertura usad os nos filmes revelam uma abordagem
da História do Brasil. Os personagens-título só aparecem após ocorrer
a contextualização para o desenvolvimento d a narrativa fílmica. A
crítica ao sistema colonial e ao escravismo é logo apresentada e indica
a perspectiva de leitura que se terá no desenrolar do filme.
Com
W alter
Lima
Júnior,
a
preocupação
em
sustentar
historicamente a narrativa o leva a explicitar suas fontes, ainda que
reforce a perspectiva lendária de seu protagonista quando identifica a
memória como principal fonte: tradição oral mineira e memória do negro
brasileiro. A informação sobre o tráfico negreiro e a coisificação do
cativo 232, que mesmo assim manteve sua luta pela liberdad e, insere o
filme no campo da História.
Os lastros de identificação para validar a narrativa que será
apresentada retornam ao final de Chico Rei com mais um letreiro.
Dessa vez, destoa da prática comum nas produções fílmicas com
temáticas históricas, quan do, frequentemente, o prosseguimento da
vida dos personagens principais é indicado. Nos créditos finais, uma
cartela (frame 7) traz o seguinte título: Fontes Essenciais de Consulta ,
sendo citados livros de referência sobre o escravismo; os africanos no
Brasil e o texto de Agripa Vasconcelos (1966).
232
O c onc e it o d e c o is if i c aç ã o , p e lo q ua l o es c ra vo er a d es t i tu í do d a s u a n a tur e za
hum an a , s e nd o c on d i c i on a do a um obj et o de tra b a lh o, f o i d if un d id o n a pro d uç ã o
ac a d êm ic a de v i és m ar x is ta , pre d om in an t e e ntr e as d éc a das d e 1 9 60 - 8 0;
G O R EN D ER , J ac ob . O es c r av is mo .. . o p .c i t.
14 0
Fra me 7: F on tes bi b l io gr áf ic as de c ons u lt a, c art e la f i n a l ( Ch ic o R ei , 1 9 85)
O livro de Jacob Gorender, cujas características principais já
foram comentadas, está próximo das reflexões do francês Roger
Bastide sobre as relações escravistas a partir das práticas religiosas.
Lançado em 1958, Roger Bastide interpreta em s eu livro o sincretismo
religioso estabelecido entre as práticas religiosas exercidas pelos
negros e o catolicismo praticado pela sociedade branca colonial , como
tensões e arranjos inerentes ao conflito de classes 233. Conforme visto,
trabalhos com o viés marxista tiveram no pós-1945 consideráve l
ascendência mundial na produção intelectual e cultural . Nesse sentido,
o texto do argelino Frantz Fanon , publicado em 1961, sobre os
processos de descolonização africana, em especi al o caso da Argélia ,
se tornou uma referência canônica para os projetos políticos de
esquerda das décadas de 1950 -70 234.
A influência desse tipo de literatura para a construção fílmica
pode ser dimensionada na postura adotada por W alter Lima Júnior
durante as filmagens dos planos da travessia marítima de Chico Rei.
Enquanto a escuna se dirigia ao local das filmagens, no litoral de
Parati/RJ, o diretor fazia no convés leituras públicas d a obra Os
233
B A ST ID E , R o ger . As r e li g i ões a fr ic a n as n o Br as il : c on tr ib u iç ão a um a s oc io l o g ia
das in t er p e ne tr aç õ es de c i v il i za ç ões . S ã o P au l o: P io n e ira : E DU S P , 19 7 1.
234
FA NO N , Fr an t z. O s c on d en a dos d a t err a . Ri o de J a ne ir o : C i v i li z aç ã o Br as il e ir a,
19 6 8.
14 1
condenados da terra, pois, no seu entendimento , era preciso t rabalhar
a consciência da negritude com o enorme grupo de negros atores e
figurantes que o acompanhava. Conforme salient ou, a prática era
realizada no sentido de devolutiva por participarem do filme , e não uma
tentativa de impor uma visão sobre o assunto.
E u te n ho um a po pu l a ç ão ne gr a n es s e f i lm e . E u pr ec i s o d ar a
es s a po p u laç ã o um c ont e úd o id e ol ó g ic o po l í tic o . E u t en h o q u e
f a zer c om q ue el es t e nh am um a c ons c i ênc i a d a s ua n e gr it u de .
Is s o é o m ínim o a q ue e u t e nh o qu e c he gar . E u n ã o q u ero
f a zer a c a b eç a de n e n hum . E u s ó q u ero de v o l ver a e les aq u i lo
235
qu e é d e l es .
A fala do cineasta remete à ideia de missão. Vislumbra -se, ainda,
a possibilidade formativa do cinema não apenas quando o filme é
exibido, mas em sua própria produção. Apesar de ressalvar não ter
intencionado “fazer a cabeça” de ninguém, o diretor reivindica uma
contrapartida social a ser realizada junto ao elenco negro, cuja maioria
de figurantes contratados era, segundo suas palavras, de comunidades
pobres. No decorrer da entrevista, W alter Lima Júnior relatou, com
orgulho, que o objetivo das leituras públicas foi atingido. Isso porque,
grande parte do grupo educado na escuna seguiu para as filmagens em
Ouro Preto. Quando houve o problema com os produtores alemães, a
maior parte do elenco, segundo o cineasta, demonstrou consciência da
importância do trabalho desenvolvi do para a história e identidade
negras, dando apoio à equipe de produção. A ideia de consciência
política e ideológica revela traços da formação de engajamento político
e social de uma parcela de pessoas ligadas à produção cultural,
intelectual
e
universitária
entre
as
décadas
de
1950
e
1970,
exemplificadas por grupos articulados nos cineclubes e no Centro
Popular de Cultura da UNE 236.
235
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor , em 13 j u n. 20 1 3.
Em 1 9 61 , a U n iã o N ac io n al dos Es t u da nt e s f un d ou C e ntr o P o pu l ar de C u lt ur a
(C PC /U NE ) c om a pr op os ta d e r e a li za r u m a art e r e vo l uc i on ár i a. O C P C at u ou
i nt ens am en te n a pr o m oç ão e d em oc rat i za ç ão d a c u lt ur a, d es e n vo l v e nd o aç ões
c om o a U N E Vo l an t e : ar t is t as e es t u d an t es vi aj a vam em c ara v an as ao i nt er i or
of ert a nd o of ic i nas de ar t e. No c i nem a, pr oc uro u es t im ul ar a pr od uç ã o , c h eg a nd o a
l anç ar o l on g a - m etr ag em f ilm e C i nc o v e ze s Fav e la . A p ós o g o l p e c i v i l - m il it ar d e
19 6 4, a s e d e d a UN E f oi inc e nd i a da e, c o m a pro ib iç ã o d e a t ua r, t od os os C P C’s
f oram f ec h ad os . Dis p o ní v e l em :
236
14 2
Ambos os diretores compartilham, portanto, a preocupação em
referenciar historicamente seus enredos. Contudo, eles se distinguem
quanto à definição narrativa de seus enredos. Cacá Diegues optou não
centralizar a função de narrador em uma personagem. O diretor
reservou a Chica da Silva a maior responsabilidad e pela condução do
espectador aos acontecimentos, sem que, contudo, a protagonista se
apresente como narradora.
Como dito acima, alguns personagens assumem o papel de
narrador em determinados momentos da trama. No início de Xica da
Silva,
por
exemplo,
são
os
músicos
que
exercem
a
função
ao
apresentar a sociedade diamantina e os contexto s temporal e espacial,
porém não prosseguem nessa tarefa. Durante o desenrolar do filme,
personagens
coadjuvantes,
ou
mesmo
secundários ,
atualizam
o
espectador dos acontecime ntos históricos, como o jovem e rebelde
José Rolim (historicamente, o padre Rolim) que, por volta da metade do
filme, deixa de aparecer em decorrência de uma viagem para Ouro
Preto. Ao final da narrativa, na condição de foragido das forças reais
por conspiração, retorna ao Tejuco em busca de refúgio . Recebe ajuda
de Chica da Silva para se esconder no convento, ao que retribuirá
quando a protagonista se encontrar abandonada por João Fernandes e
perseguida pelos vingativos moradores do arraial diamantino.
Interpretado por Stephan Nercesian, José Rolim é o filho do
sargento-mor, o proprietário de Chica da Silva que a vendeu ao
contratador. Responsável pelas críticas à dinâmica de exploração da
América Portuguesa , o personagem foi abordado de modo teleológico,
dadas as inferências ao levante da Inconfidência Mineira 237. Embora
< ht tp :/ /c pd oc .f g v. br / pr od uc ao / dos s i es /J a ng o /ar t ig os / N a Pres i d enc i a Re p ub l ic a/ Ce n tr
o_ P o pu l ar _d e _C u lt ur a > Ac es s o em : 13 de z. 20 1 3. P ara o C P C/ UN E; c f . : HO L AN D A,
He l oís a B uar q ue d e. Im pr es s õ es d e v ia g e m: C PC , v an g uar d a e d es b u nd e ( 1 96 0 19 7 0). Sã o P a u lo : Br as il i e ns e , 1 98 0; B ER L IN CK , M an o e l T os ta . O C en tr o P op u l ar
de C u lt ur a d a UN E . C am pi nas : P a pi rus , 1 98 4.
O f i lm e C i nc o v e ze s Fav el a f o i c om pos t o por c inc o e p is ó d i os : Um F av e l ad o (d e
Ma rc os F ar ias ) , Zé d a C ac h or r a ( d e M i gu e l B org es ) , Es c o la d e S am b a A l eg ri a d e
V iv e r ( de C ac á Di e gu es ) , C o ur o d e G a to ( d e J oa q u im Pe dr o d e A ndr a d e), P e dr eir a
de S ã o D i o go ( d e L e on H ir zs m an) ; C IN CO V EZ E S F A V E L A . A N DR AD E , J oa q u im
P edr o ; et .a l . Ce n tr o P op u l ar d e Cu l tur a. 19 6 2, 9 9 m in.
237
De n tr e a v as ta p r od uç ã o s o br e a I n c onf id ê nc ia M i ne ir a , d es t ac am - s e:
M AXW ELL, K e nn e th . A dev as s a. .. o p.c i t. ; FO N S EC A , T ha is Ní v i a de L im a e . D a
i nf âm i a. .. o p.c i t. ; F URT AD O , J o ã o P i nt o. O m an t o. .. o p.c i t.
14 3
incorrendo em anacronismo, já que a sedição ocorreu anos depois do
período assinalado no filme , o diretor desenvolveu nesse personagem o
papel
de
contrabalanço
temporal .
As
críticas
estabelecidas
pelo
personagem do padre Rolim à realidade setecentista, especialmente à
corrupção e aos militares – simbolizado em seu pai –, são realizadas
em paralelo ao momento ditatorial vivido pelo país na segunda metade
da década de 1970 .
O
taberneiro
no
mercado
também
tem
função
narrativa
importante, especialmente pela dimensão temporal e rítmica decorrente
de sua participação, apesar de uma única aparição. No mercado, onde
vende bebidas ao jovem Rolim e outros clientes, explica a um tropeiro
como
João
Ferna ndes
sobremaneira,
comentários
a
se
beneficiava
executada
sorrateiros
e
por
da
mineração
Teodoro.
críticos
ao
clandestina,
Prossegue
relacionamento
tecendo
entre
o
contratador e sua amásia. Inaugura -se, assim, um novo momento no
filme: o início da decadênc ia de Chica da Silva.
Em Chico Rei, três focos narrativos se destacam. O personagem título
predomina
como
condutor
da
trama.
W alter
Lima
Júnior
acompanha a história de Chico Rei . Por isso, seu int érprete (Severo
D’Acelino) se destaca como o olhar da câme ra, o testemunho direto das
ações do herói negro. O protagonista como narrador se estabelece
após a travessia marítima , na Mina da Encardideira , onde recebe as
instruções para desempenhar seu trabalho. A partir do diálogo com seu
senhor e um colega escravo , o espectador compreende o cenário no
qual
parte
das
ações
será
desenvolvida.
Chico
Rei,
em
outros
momentos, determina também o ritmo do filme, como na de cisão de
omitir
ao
seu
senhor
que
havia
descoberto
um
veio
aurífero
subterrâneo, que passou a ser explorado clandestinamente pelos
escravos.
Outro personagem relevante como narrador da trama é o padre
espanhol, que revela a reflexão e sentimento de culpa em relação aos
negócios da escravidão. Presente no navio negreiro que transporta o
lote de escravos no qual Galanga/Chico Rei se encontra , desenvolve
forte crise de consciência do seu papel como agente da Igreja nos
14 4
negócios da escravidão . Essa crise o leva a se refugiar no quilombo ,
onde redige uma carta em que explica ao e spectador a dinâmica da
vida aquilombada e seu significado para os negros; narrada em som
off 238. Embora expulso do quilombo, continua solidário à luta pela
liberdade negra e passa a ajudá-los por meio da irmandade religiosa,
tornando-se aliado de Chico Rei.
Não obstante, o narrador que amarra a ficção com a história é o
negro quilombola que aparece no início do filme. Naquele plano citado,
sua autoridade se revela pela sobriedade com que observa os demais
companheiros e contempla o horizonte, postura ratificada pela posse do
simbólico cajado. Kindere conhece a história de Galanga/Chico Rei e
começa a contá -la tal qual um griot. Recorda-se, aqui, a importância
dada pelas sociedades tribais africanas ao cronista ou o guardião da
memória. O diretor reconhece a importância desse tipo de pers onagem,
afinal, como destacou, parte das suas fontes está assentada no campo
da memória e da tradição.
A
estrutura
narrativa
n ão
abusa
de
vo z
off,
tampouco
de
flashbacks. O desenrolar da história de Galanga, desde a travessia do
Atlântico até sua liberdad e em Vila Rica (como Chico Rei), ocorre de
forma autônoma. O s narradores aparecem em determinados momentos,
explicando temas inere ntes ao desenvolvimento da história do filme,
como
em
uma
discussão
no
quilombo
a
respeito
dos
caminhos
possíveis para se alca nçar a liberdade: a fuga e aquilombamento, ou a
negociação de alforrias? Entretanto , sobretudo nas sequências finais,
quando explica o paradeiro desconhecido de Chico Rei , embora sua
presença tenha permanecido nas festividades do congado mesmo após
o término da escravidão. Nesse sentido, o imaginário social em torno
de Chico Rei representou a esperança da liberdade para a comunidade
negra desde os tempos da escravidão . Dessa maneira, fecha -se o ciclo
238
O s om of f é o s om f or a d o c am p o, s e nd o es te “ a po r ç ão d e es p aç o
tri d im ens i on a l q ue é p er c e b i da a c a da ins ta nt e n a im ag em f ílm ic a”; o u s ej a , o s o m
of f é ex t er no a os e lem en t os q u e i nt eg ram ao p l an o , em b o ra o es p ec ta d or
es t a be l eç a a c o n ex ã o; A U MO NT , J ac q u es ; M A RI E , M ic h e l. D ic i on ár i o t e óric o e
c rít ic o de c in e m a. R i o de J an e ir o: P a p irus , 2 00 3 ; p. 4 2.
14 5
da
narrativa
histórica
permeada
pela
imprecisão
ficcional ,
sem,
contudo, deixar de lhe conferir significação histórica.
José Carlos Reis, s eguindo a linha de pensamento de Paul
Ricouer, observa que para esse autor “[...] as narrativas históricas são
variações interpretativas do passado, com configurações difere ntes,
mas realistas, porque devem ser reconhecíveis como abordagens de
uma mesma situação histórica” 239. A partir destas reflexões, concorda se sobre a importância da construção da narrativa histórica, em seus
conflitos, como interpretação para a sociedad e. Ainda que a fronteira
entre o ficcional e o real se toquem em muitos momentos, é por esse
processo que se desenvolve a narrativa histórica. Para Paul Ricouer,
embora
a
narrativa
ficcional
se
distinga
da
narrativa
histórica,
sobretudo pelo diálogo desta com as fontes temporalmente delimitadas,
em oposição à ficção, cuja conectividade dos fatos narrados ocorre
pela imaginação, não há entre elas hierarquia. Defende, assim, a
necessidade de imaginação para a construção da narrativa histórica 240.
Contudo, o discu rso histórico não implica um mergulho na ficção.
Quando muito, a narrativa histórica poderia reivindicar para si o “ [...]
duplo estatuto de realidade e ficção” 241. Cabe, então, contrapor nesse
quadro o papel do historiador diante das produções cinematográfic as
com temáticas históricas, já que o cinema tem como sopro vital a
imaginação.
Como ponto de partida, não se deve esperar do cinema-história a
recriação da História. Essa dimensão é melhor percebida no filme de
ficção, porém é mais polêmica quando se tra ta de documentários. Neste
gênero fílmico, o documento tende a ser supervalorizado, tanto entre
produtores, quanto pelo público, assumindo o sentido de recuperação
do
239
passado 242.
Todavia,
nem
mesmo
o
trabalho
realizado
pelo
R EI S , J os é Car l os . O des a fi o h is tor i o grá f ic o . R i o d e J a ne ir o : FG V E di t ora , 2 01 0 ,
p. 7 6.
240
RI CO U ER , P au l . A m em ór i a. .. o p.c it .
241
B AR RO S , J os é D ’ As s um pç ão . P au l R ic o e ur e a n arr at i v a h is t ór ic a. In .: H is t ór i a,
i ma g em
e
n ar r at iv a.
12
a br.
2 01 1 ,
p. 5.
D is p o ní v e l
em :
< ht tp :/ / www. h is t or ia im ag em .c om .br/ e d ic a o 12 abr i l 2 01 1/ p au lr ic o eur . pdf > Ac es s o em :
30 no v . 2 0 1 2.
242
C om o o o bj e to d es s a p es q u is a é o f i lm e de g ên er o h is t ór ic o f ic c i on a l, os lim i tes
des s a t es e n ã o p er m it em apr of un d ar a dis c us s ã o s obr e d oc um en tár i o e a h is tór i a.
14 6
historiador,
seguindo
os
parâmetros
da
metodologia
de
pesquisa
acadêmica, é capaz de fazê -lo. Antes de qualquer coisa, os agentes
produtores de cinema – equipe de produção, atores e financiadores –
esperam do filme muito mais do que recontar o passado. Mesmo que
realizado sobre uma minucio sa pesquisa histórica, as interpretações
artísticas
são
livres.
Sem
falar
que
a
recepção
do
público
é
imprevisível, devendo ser considerado, também, o papel dos críticos de
cinema e da própria academia para a significação de um filme.
Ainda
assim,
filmes
s obre
o
passado
são
relevantes
na
construção de sentidos. Além do mais, a natureza da linguagem
cinematográfica, composta em essência pelo audiovisual, favorece a
reflexão decorrente pela emotividade inerente à narrativa fílmica.
Michel Pollack captou bem e sse cenário ao reconhece r a relevância do
filme para a construção histórica .
A in d a qu e s ej a t ec n ic am ent e d if íc i l o u im po s s í ve l c a pt ar t o das
es s as lem br anç as e m obj e tos d e m em óri a c onf ec c i o n ad os
hoj e, o f ilm e é o m el h or s u por t e p ara f a zê - l o: d o nd e s e u p a pe l
c r es c e n te n a f orm aç ão e re or ga n i za ç ã o , e , p or ta nt o , no
en q ua dr am ent o d a m em óri a. El e s e dir i g e n ão a p en as às
c ap ac i da d es c o g n it i v as , m as c a pt a as e m oç ões . O f i lm e tes tem un h o e
doc u m entár i o t or no u - s e
um
ins tr um ent o
po d er os o par a os r e a rra nj os s uc es s i v os d a m em ória c ol e ti v a
243
e, a tr a vés d a t e le v is ã o, d a m em ória n ac io n a l .
Entende-se, desse modo, o filme com temática histórica como um
olhar sobre o passado que , a partir da sua representação , pode
contribuir para problematizá -lo e divulgá-lo. Dessa maneira, é possível
não só a construção de sentidos, mas também a revisão interpretativa
sobre a sociedade. Ressalva -se que, diferentemente da narrativa
histórica, estabelecida há milênios, a narrativa cinematográfica tem
pouco mais de um século . Por isso, ainda aprimora sua linguagem
quando busca narrar o passado 244.
P ara o tem a; c f .: T E IX E IR A , Fra nc is c o E l i na l d o. (O r g). D oc um e nt ár io no Br as i l :
tra d iç ã o e tr a ns f or m aç ão . S ã o P a ul o : S um m us , 2 0 04 ; NI C HO L S , B i l l. I ntr o duç ã o a o
doc u me n tár i o . 2. e d. C am pi nas : P a p irus , 2 0 0 5; MO R ET T IN, Ed u ar d o; N A PO LIT ANO
Ma rc os ; KO RN I S M ôn i c a A lm ei d a. (O rgs ). H i s tór i a e d oc u m e nt ár io . R io de J a n e iro :
FG V , 2 01 2 .
243
PO LL A C K, M ic he l . M em ór i a, Es qu ec im en t o, S i lê nc i o. Rev is ta d e Es t ud os
His t óric os , R io d e J a n e ir o : FG V, v. 2, n . 3, 1 9 89 , p .1 1.
244
D A VI S , Na t al i e Zem o n. Sl av es . .. o p.c it .
14 7
Por todo o exposto, percebe -se na história do cinema a constante
problematização em relação à sua realização e seus significados: o
valor das imagens, a maneira em se contar uma trama , a realidade e a
ficção como objeto , a história como tema , a tênue linha entre narrativa
histórica e narrativa cinematográfica . Ainda que a concepção do
cinema
como
registro
da
verdade
histórica
fosse
gradativamente
problematizada, reconhece -se em Matuszewski uma matriz ampla mente
difundida e ainda presente que atribui ao cinema o valor de verdade.
Esse posicionamento trará impactos no desenvolvimento dos filmes
com temática histórica, como se verá a seguir.
2.2.
Cinema e educação no Brasil: do Ince à Embrafilme
Nas ações pública s, frequentemente alvo das lentes dos primeiros
cinegrafistas, a dimensão de realismo das imagens foi logo apropriada
pelos governos para fins políticos. Esse movimento e seu impacto
social são perceptíve is na Primeira Grande Guerra Mundial, quando
governos beligerantes passaram a registrar imagens das batalhas e dos
soldados com fins propagandísticos 245.
Após o conflito essa relação continuou a ser refinada. Diante dos
avanços técnicos e estéticos do período entre guerras, autoridades e
educadores percebera m que o cinema poderia ser útil na conformação
da sociedade por meio dos projetos de governo. Pioneiro em atrelar a
propaganda estatal ao cinema para uso aplicado nas escolas, o líder
fascista italiano Benito Mussolini incentivou a criação do LUCE (La
Union Cinematografica Educativa ) 246, em 1924 247.
A
proposta
ganhou
adeptos
na
Liga
das
Nações,
que
recomenda va aos seus signatários segui r o exemplo italiano. Nesse
organismo internacional , o empreendimento contava, inclusive, com a
245
F ER RO , Mar c . C in e m a. .. o p.c it ., p . 70 - 7 3.
A pr od uç ão d o L UC E, e nt re f i lm es e f o to gr af i as , es t á pr es er v a da e
d is p o ni b i l i za d a
p el o
Ins t it ut o
L uc e
C in ec it tá .
D i s po n í ve l
em :
< ht tp :/ / www. a r c h i v i o lu c e.c om /arc hi v i o/ >
247
RO S A, Cr is t in a S o u za d a . O C i nem a E duc at i v o a tra v és d o s d is c urs os de
Mus s o l i ni e Var g as . I n. :
Mne m oc in e , Cam pi n as , 20 0 8. Dis p on í ve l em :
< ht tp :/ / www.m n em oc i n e. ar t . br / i nd ex .p h p/c i ne m a - c ate g or ia / 25 - h is t or i a - n o- c i nem ah is t or ia - d o- c in em a/ 12 6 - c r is t i na - ros a > Ac es s o em : 2 0 a go . 2 0 13 .
246
14 8
Revista
Internacional
do
Cinema
Educativo,
publicada
em
vários
idiomas, sendo que seus números eram considerados “ [...] riquíssimo
repositório de informações tiradas de todos os periódicos consagrados
ao
cinema
e
constitui
a
fonte
bibliográfica
mais
interessante
e
autorizada para o est udo da crescente difusão do cinema educativo” 248.
A intenção era estimular produções cinematográficas voltadas
para a educação, fomentar a reflexão do uso pedagógico do filme e
favorecer a troca de experiências entre os países signatários. Parece
que houve sucesso nesse intento, já que
o professor brasileiro
Jonathas Serrano foi entusiasta do projeto da Liga das Nações e
defensor da fundação de um instituto de cinema educativo no país, à
semelhança do L UCE 249.
No Brasil, pensar o cinema com finalidades educati vas remonta à
década de 1920. Fernando de Azevedo , por exemplo, chamou a
atenção para o uso do cinema na educação , em 1928 250. Na realidade,
sua posição refletia a de outros educadores sobre o tema, como se
pode depreender das manifestações dos signatários do Manifesto dos
Pioneiros pela Educação (1932), documento do qual Azevedo foi um
dos propositores e principais articuladores 251. Entretanto, foi em 1932
que o governo federal procurou proteger a produção de filmes no país,
248
S ER RA NO , J o na t has ; V E NÂ NC IO F IL HO , Fra nc is c o . C in e m a e ed uc aç ã o . S ã o
P au l o: Me l ho r am en t os , 19 3 1, p . 33 .
249
J on at h as S er r an o s e des tac o u n os as s un t os re l at i v os à e d uc aç ão nas déc a das
de 1 92 0- 3 0. O bs er va - s e qu e s ua p os iç ã o es t a v a es tr ei t am ent e a tr e la d a à s u a
f orm aç ão c a tó l ic a. N o s ar ti g os pu b l ic ad os n o per í od o, r ei t era v a s ua c o nc epç ã o do
us o d o f ilm e par a a c onf or m aç ão m ora l da j u ve nt u de . P ar a a d is c us s ã o d o c in em a
ed uc at i v o e o p ap e l d e J o na t has S err an o n es s e de b at e; C AM P E L O , T aís . J on a th as
S erra n o, n ar r at i v as s obr e c i n em a. I n. : Es p ec iar i a , I lh é us , v . 1 0, p. 5 7 - 76 , 20 0 8;
MO R ET T IN, Ed u ar do V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . op .c it .
250
S I MI S , A ni t a. Es t ad o e. .. o p.c it ., p . 25 .
251
Ma n if es to
d os
P i o ne ir os
da
Ed u c aç ã o
N ov a
( 1 93 2):
Dis p on í v el
em :
< ht tp :/ / www. d om i ni o pu b lic o .g o v. br /p es qu is a/ De ta l h eO b raF orm .d o ? s e lec t_ ac ti o n = &c
o_ o br a =2 0 52 1 0 > Ac es s o em : 1 9 s e t. 20 1 3. Pa ra s ín tes e do pos ic io n am ent o dos
pr inc i p ais s i gn at ár i os e ar t ic u la d ores do Ma n if es to em relaç ã o ao c i n em a; c f .:
FR EIT A S , Ê n i o T ade u. H is tor i a e Ci n em a na s a l a d e a u la . 2 01 1 . D is s er t aç ã o
(M es tr ad o em Ar t es ) – I ns ti t ut o de Ar t es , U n i vers i d ad e Es ta d ua l P a ul is ta , S ão
P au l o. So br e a i nf l uê nc ia d o Ma n i fes t o na ed uc aç ã o n ac io n a l; c f .: X A V I ER , Mar i a
do C arm o . Ma ni f es t o dos P i on e ir os d a E duc aç ão : um leg a do ed uc ac io n al em
de b at e. R i o d e J a ne ir o : FG V , 2 00 4.
14 9
tornando obrigatória a exibição de filmes brasileiros e regulamentando
a censura 252.
Getúlio
Vargas
demonstrou
seu
entusiasmo
com
as
novas
tecnologias de comunicação, como rádio e cinema 253. Em discurso
proferido em 1934, o presidente vislumbrava que,
[.. .] e ntr e os m ais út e i s f ator es d e i ns tr uç ã o , d e qu e di s p õ e o
Es t a do m o der n o, i ns c re ve - s e o c in em a. E l em ent o de c u lt ur a
i nf l ui n do s o br e o r a c i oc i n o e a im ag i naç ão , el e ap ur a as
qu a l id a des de obs er v aç ã o , aum e nt a os c a b ed a is c i e nt íf ic os e
d i vu l ga o c o n hec im en to das c o is as . [. .. ] P ara as m as s as d e
an a lf a be t os , s er á es s a a d is c ip l i na pe d ag ó g ic a m ais p erf e it a ,
m ais f ác i l e im pre s s i v a. P ar a os l e t rad os , p ar a os
r es p o ns á ve is p e lo êx it o d a nos s a a dm in is traç ã o, s er á um a
254
adm ir á ve l es c o l a .
Como se percebe, a visão do presidente Getúlio Vargas sobre o
cinema
era
otimista,
destacando
seu
potencial
para
uma
ampla
educação não-escolar. Logo no início do ano de 1937, o ainda
democrático governo de Vargas sancionou a Lei n. 378, voltada para a
reforma do Ministério da Educação e Saúde. Es sa lei instituía, pelo
artigo 40º, o “Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), destinado
a promover e orientar a utilização da cinematografia, especialmente
como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação
popular em geral” 255.
Notadamente inspirado no LUCE , o INCE muito contribuiu para a
ditadura varguista iniciada com o golpe do Estado Novo , que soube
aproveitar os meios de comunicação como mecanismos privilegiados de
divulgação de propaganda e controle da circulação de ideias, como
atesta a criação do Depa rtamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em
1940 256.
252
Dec r et o
nº
2 1. 24 0 ,
de
4
de
abr i l
de
1 9 32 .
D is po ní v e l
em:
< ht tp :/ / www. a nc i ne . go v. br / > Ac es s o em : 2 0 s et . 2 01 0.
253
C A P EL AT O , M ar i a H e le n a Ro l im . P ro p ag a nd a p o lí t ic a e c o n tro l e dos m ei os d e
c om un ic aç ã o. I n. : P A NDO LF I, D ulc e . R e p e ns a n do o Es t a do N ov o . R i o de J a n ei ro :
FG V , 1 99 9 .
254
S I MI S , A ni t a. Es t ad o e. .. o p.c it ., p . 29 - 3 0.
255
Lei
nº
3 7 8,
de
13
de
j an e i ro
de
1 9 3 7.
D i s po n í ve l
em :
< ht tp :/ /p or ta l .m ec .g o v . br / ar qu i v os / p df /L 3 7 8. p df > Ac es s o em : 20 s e t . 20 1 0.
A le i r e gu l am ent a v a as a t i vi d a des d o órg ã o, q ue f u nc i on a v a d es de 1 93 6 ;
MO R ET T IN, Ed u ar do V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . o p.c i t. , p .1 2 7 - 1 2 8.
256
Par a a r e l aç ão d o pr im eir o g o ve rn o V ar g a s (19 30 - 4 5) e as p o lí t ic as c u lt ur ais e
de c om un ic aç ão , c f .: SO L A, L our d es . O G o l pe d e 37 e o Es ta d o No v o. I n: MO T A ,
15 0
O INCE funcionou por 40 anos, sendo extinto em 1967. Sobre sua
existência, Sheila Schvarzman (2004) propõe sua compreensão em
duas fases principais: 1ª) da criação, em 1937, até 1947, quando foi
dirigido por Roquette-Pinto, e teve Humberto Mauro como responsável
técnico, assinando, por isso, grande parte dos filmes produzidos. Neste
período, predominaram obras exaltando a natureza brasileira e também
com caráter científico; 2ª) de 1947 até 1966, quando foi dirigido por
Pedro Gouvêa (até 1961) e por Fl ávio Tambellini (de 1961 a 1966).
Nessa fase, considera -se que a produção com base na cientificidade
perdeu espaço, enquanto a cultura popular e interiorana ganhou
destaque nos novos filmes 257.
O INCE priorizou o uso pedagógico dos filmes diretamente no
espaço escolar, voltado , tanto para o conteúdo das disciplinas , quanto
para a formação docente. Em Cinema e educação, trabalho pioneiro
sobre a temática, lançado em 1931 , por Jonathas Serrano, em coautoria
com
Francisco
Venâncio
Filho,
as
possibilidades
da
aplicação
cinematográfica na sala de aula são apresentadas, destacando -se as
áreas da
saúde
e
ciência.
Contudo,
Jonathas
Serrano,
que
era
professor de História, condena o seu uso na disciplina por entender que
[.. .] na H is t ór i a, q u e e s tu d a o pas s a do , o c i nem a tam bém c a b e
po uc o. Ca b erá , s im , d ag or a p or di a nt e p ar a f ix a r os
ac o n tec im en tos c o n te m porâ ne os , q u e j á de v i am ter ex i gi d o o
r ec o l h im ent o d os f i l m es que f os s em doc um ent os p ar a a
His t ór i a , c om o j á há e m Hai a. O s d e res ta ur aç ã o h is t ór ic a nã o
s ão ac o ns el h á ve is . P or m a ior q u e s ej a o l ux o de a l g uns , h á
s em pr e l ar ga p orç ão d e f a nt as i a, em qu e nã o é p os s í v e l
Car l os G u i l her m e. Br as il em Pe rs p ec t iv a. Ri o d e J a n eir o : B ertr an d - Br as i l, 1 9 88 ;
CA P E L AT O , M ar ia H e le n a Ro l im . Mu l t id õ es e m c e na : pr o pa g an d a p o lí tic a n o
v arg u is mo e per o n is mo . Pa p ir us : Cam p i nas , 1 9 9 8; D UT R A, E l ia n a. O Ar d il
Tot a l it ár i o: I ma g i nár i o P o lít ic o n o Br as i l d os A nos 3 0 . B el o Hor i zo n t e: Ed .
UF MG / UFRJ , 1 99 7 ; O LI V E IR A, Lúc i a L ip p i. S in a is d a m od er n id a d e na era Var g as :
v i da l i ter ár i a, c i n em a e r ád i o. I n. : F E RR E IR A, J or g e; D E LG AD O , Luc í l ia d e A lm ei d a
Ne v es . ( O r gs ) . O Br as il r ep u bl ic a no : o t em p o d o nac i o na l - es ta t is m o . R i o d e
J an e ir o: C i v i l i zaç ã o Br as il e ir a, 2 0 03 .
257
De ntr e tr a ba l hos q ue an a l is am tem as de n tro da pr od uç ão do I NC E ; c f . :
A LM E ID A , C l áu d i o A gu i ar . O c i n e ma c o mo a g it ad or d e a l m as . S ão P a u lo :
A nn a b lum e, 19 9 9; SC HV A RZ M AN , S h e i la . H um b ert o Ma ur o e as i ma g ens d o Br as i l .
S ão P a u lo : E d it or a UN E S P, 2 0 04 ; CAT E LL I, R os a n a E l is a . Dos n at ur a is ao
doc u me n tár i o: c i n e ed uc at iv o nos a n os 2 0 - 3 0. 2 0 07 (T es e d e d o ut or ad o) –
Un i v ers id a de Es t ad u a l d e C am pi n as : Un ic a m p, Cam p in as ; C A R V A LH A L, Fer n an d a
Car o l in e d e A lm e id a. Lu z, c âm er a, e d uc a ç ão ! O Ins t it ut o N ac i on a l d e C in em a
E duc at i v o e a f or m aç ão d a c u l tur a á u di o - im ag ét ic a es c ol ar . 2 00 8 . D is s er taç ã o
(M es tr ad o em Ed uc aç ã o) – U n i vers i d ad e Es t ác io de S á. Ri o de J a ne ir o;
MO R ET T IN, Ed u ar do V i c t ór i o. Hu m ber t o M aur o , c i ne m a. .. o p.c it .
15 1
dem ar c ar a l in h a d i v i s ór ia d a re a l id a de . É es s a a o p i ni ã o d a
258
m aior i a dos es p ec i al is tas d e c i n em a e de h is tór i a .
Sobressaem no trecho duas concepções que, apesar da distância
temporal, ainda ecoam em relação à narrativa cinematográfica sobre
temas
da
História.
A
primeira
segue
a
perspectiva
do
objetivismo/subjetivismo, de que um filme não recupera o passado tal
qual teria ocorrido devido à liberdade de criação . A segunda reafirma a
tradição inaugurada por Matuszewski de que o registro da câmera tem
valor de verdade.
Os autores corroboram , ainda, a preocupação do filme como
desencaminhador da juventude quanto aos valores morais vigentes 259.
Novamente, percebe -se a convergência do pensamento educacional
com
o
governamental,
no
caso,
o
varguista
e
a
proposição
de
conformação do cidadão brasileiro desejáve l 260.
Sob esse aspecto, o INCE praticava o cinema educativo conforme
definido pela lei de 1932, que considerava, não somente o filme com
intuito de divulgação de conhecimentos científicos, mas também “ [...]
como aqueles cujo conhecimento musical ou figurado se desenvolver
em torno de motivos artísticos , tendentes a revelar ao público os
grandes
aspecto s
da
natureza
ou
da
cultura" 261.
Assim,
embora
priorizasse o ambiente escolar, o INCE também considerava em suas
258
S E RR A NO , J o n at has ; V E N ÂN CIO FI LH O , Fr anc is c o. C i ne m a e ed uc aç ã o , o p.c i t. ,
p. 7 9. Pa r a um a an á l is e d o d e ba te e ntr e os e duc a do res a p art ir dos tex t os
pu b l ic a d os em r e v is t as es p ec i al i za d as d o s a nos 1 9 2 0 e 19 3 0; c f .: MO R ET T IN,
E du ar do V ic t ór io . H u mb er to Ma ur o, c in e ma ... o p.c i t .
259
Em m ead os da d éc a da d e 1 9 20 , o ris c o de o dram a c in em at o gráf ic o e ns in ar
err on e am ent e os j o v e ns f o i as s i n a la d o por i nt e lec t ua is c om o C an u to M en d es e
Lo ur e nç o F i l ho . Em c on tr a p art i d a a o m au us o d o f i lm e p ara a e d uc aç ã o,
pro p u nh am - s e o d es en v o l v im ent o do c i n em a e duc at i v o; MO RET T IN, E d ua rd o
V ic t ór i o. C in em a e d u c at i v o: um a a b ord a g e m his t ór ic a . I n .: Rev is ta C om u n ic aç ã o e
E duc aç ão , S ã o P a ul o , n.4 , 1 3 - 19 s et ./ de z. 1 99 5 . Rec or da - s e , a i nd a, q u e J o na t has
S erra n o a tu o u c om des t aq u e n a pr o duç ão de art i g os em v eíc u los c at ó l ic os
reaf irm an do o c om pr o m is s o da f orm aç ã o m ora l da j u v e nt u de e o pa pe l d o c in em a
nes s e as p ec t o; C A M P E LO , T aís . J o na th as S err an o, narr a ti v as .. .o p .c i t.
260
RO S A, Cr is t in a S o u za d a . O C i nem a E duc at i v o a tra v és d o s d is c urs os de
Mus s o l i ni e V ar g as .. .o p.c i t.
261
Dec r et o
nº
2 1 .2 4 0,
de
4
de
a br il
de
19 3 2.
D is po ní v e l
em :
< ht tp :/ / www. a nc i ne . go v. br / > Ac es s o em : 2 0 s et . 2 01 0.
15 2
ações o espaço não-escolar, como as salas de cinema em si mesma e
os cines-jornais que nelas eram veiculados antes das sessões 262.
Essa perspectiva perdurou mesmo após o golpe civil -militar de
1964 263, quando o governo autoritário criou o Instituto Nacional de
Cinema (INC), em 1966 264. O regulamento do INC, aprovado no ano
seguinte, determinava, em seu artigo 42º, a incorpo ração do antigo
INCE, normatizando especificamente o setor voltado para o cinema
educativo (art.17º) 265.
No final do ano de 1969, foi criado um órgão de cooperação com
o INC: a Embrafilme 266, cujo objetivo era desenvolver o mercado
interno, divulgar e distrib uir o cinema nacional no país e no exterior. O
novo órgão, porém, gradativamente, tornou -se central na política de
estímulo e distribuição da produção cinematográfica nacional, levando
o governo militar a extinguir , em 1975, o INC – cujas atribuições foram
oficialmente incorporadas pela Embrafilme 267. O Estatuto Social da
Embrafilme, em seu artigo 5º, inciso II, mantinha a preocupação com o
filme educativo. Ademais, a relação entre cinema e educação parece
ter sido redimensionada, já que roteiros com temática s consideradas
262
A im pl a nt aç ã o d o Es t ad o N o v o ge ro u um a c ris e d e j ur is d iç ã o s o bre a pr od uç ão
do IN C E, es p ec ia lm en t e as m até ri as c í v ic as , c ol oc an d o em ris c o a pr ó pr ia
ex is t ênc i a do ór g ão en tr e 1 9 37 - 1 9 39 . Is s o p or q ue , d es de 1 9 3 4, a C e ns ura er a
s ub or d in a da a o M i n is t ér io d a J us tiç a , q ue r e i vi n d ic a d ire i to d e a v a l i ar os f i lm es do
IN CE , en tr an d o em c hoq u e c om a p as t a da E duc aç ão . Cf . : BO M E N Y, He l en a M ar ia
B ous q ue t; e t. a l. T e mp os d e Ca p an e ma . S ã o P au l o: ED U S P, 1 9 84 .
263
De nt r e a pr od uç ão r e f er e nt e a a n á lis es s o b re a d i ta d ura m il it ar d e 1 9 64 - 8 5, c f .:
FE RR E IR A , J or g e; D E LG ADO , L uc íl i a. ( O rgs ). O Br as i l R ep u b lic a no . R i o d e
J an e ir o: Ci v i l i za ç ã o B r as il e ir a, 2 00 3 ( 4 v); F ICO , C ar los . R e i nv e nt an d o o o ti m is mo :
d it ad ur a, pr o p ag a nd a e im a g in ár i o s oc ia l no Br as i l . R io de J a ne ir o: FG V , 1 99 7 ;
RE I S F I LHO , Da n i el A ar ã o ; RI DE NT E , Ma rc e l o ; MO T T A, Ro dr i go P. d e S á . (O r gs ) .
O g ol p e e a d it a d ur a m i li t ar : q uar e nt a an o s de p o is ( 19 6 4 - 2 0 04) . B aur u : ED U SC ,
20 0 4; A L V E S, M ar i a He l en a M or ei ra . Es t a do e o p os iç ã o no Br as il : 1 96 4 - 19 8 4.
B aur u : ED U SC , 2 00 5 .
264
Dec r et o- L ei
nº
4 3,
de
18
de
n o v e m bro
de
19 6 6.
D is po ní v e l
em :
< ht tp :/ / www. s ol e is . a d v .br /c in em ap o li t ic a n ac i on a l. h tm > Ac es s o em : 1 3 d e z. 2 0 10 .
265
Dec r et o
nº
60 .2 2 0,
de
15
de
f e ve re iro
de
19 6 7.
D i s po n í ve l
em :
< ht tp :/ / www. a nc i ne . go v. br /c g i /c g i l u a. ex e /s ys /s t art .h tm ?i nf o i d =2 2 5 & s i d =6 9 >
Ac es s o em : 1 3 de z. 2 0 10 .
266
Dec r et o- L ei n º 86 2 , d e 12 d e s e te m bro d e 1 9 69 . D i s po n í ve l em :
< ht tp :/ / www. s ol e is . a d v .br / > Ac es s o em : 1 3 d e z. 2 0 10 .
267
Le i
nº
6. 2 81 ,
de
9
de
d e zem b ro
de
1 97 5 .
D i s po n í ve l
em :
< ht tp :/ / www. s ol e is . a d v .br /c in em ap o li t ic a n ac i on a l. h tm > Ac es s o em : 1 3 d e z. 2 0 10 .
15 3
importantes para a compreensão política e histórica eram avaliados
como projetos relevantes 268.
Portanto, mesmo sob uma nova ditadura (1964 -85), a supressão
do INCE não significou o esquecimento do papel do cinema no
processo educacional. Coube à Embrafilme fomentar políticas para o
desenvolvimento do cinema, a criação de um mercado interno e a
distribuição internacional.
Como
empresa
estatal
mista,
a
Embrafilme
seguia
os
pressupostos do governo autoritário, ou seja, as diretrizes d a Doutrina
de Segurança Nacional (DSN) e critérios estabelecidos pela censura 269.
Ainda assim, a Embrafilme atuou de forma decisiva na produção
brasileira nas décadas de 1970 -80, até ser desativada , em 1990, como
parte do projeto de desestatização do governo de Fernand o Collor de
Melo 270. Para Roberto Farias, diretor da estatal entre 1974 -79, a
Embrafilme contribuiu para o desenvolvimento da indústria nacional do
cinema devido à atuação dos próprios cineastas que, mesmo sendo
minoria
societária
(o
governo
tinha
mais
de
90%
das
ações),
participavam ativamente das reuniões e forçaram o governo a ouvir as
reivindicações da categoria 271.
Mesmo que a ênfase educativa não se equipare à prática do
INCE, um dos critérios de apoio estabelecido pela Embrafilme à
produção cinematográfi ca era incentivar filmes que abordassem a
cultura e a história brasileiras. A potencialidade educativa dos filmes
268
S o bre a Em br af i lm e; c f .: A M ÂN CIO , T u ni c o. Ar t es e Ma n has da Em br af i l me :
c i nem a es ta ta l br as i l e i r o em s ua é p oc a de o uro ( 1 97 7 - 19 8 1). Ni t er ó i: Ed UFF , 2 0 00 ;
G AT T I, An dr é P ier o . E mbr a fi l m e e o c i n em a b ras i l ei ro . Sã o P a ul o: Ce n tro C u lt ur al
S ão Pa u l o, 2 0 0 7 .
269
A c e ns ur a f oi b as t a nt e at u an te n a h is t ór i a r ep u bl ic a na br as i le ir a, c om du a s
a lt eraç õ es s ubs ta nc i a i s em r el aç ão a os per í od os a nt er ior es à di t a dur a c i v i l - m il i tar :
1ª) at é o g o lp e, em 19 6 4, a c e ns ur a c l as s if ic a v a, m as n ão c or ta v a; 2 º) a L e i n º
5. 5 36 , de 21 d e n o v e m br o d e 1 96 8 , prof is s i on a l i zo u o c ar g o de c ens or , of ert a n do ,
i nc l us i v e, c ur s os d e c ap ac it aç ão t éc n ic a qu e s e es te n de ram a té 19 8 5; P INT O ,
Le o no r S ou za . O c i ne m a br as i l e ir o f ac e à c ens ur a im pos t a p el o r eg im e m il it ar n o
Br as il 1 9 6 4/ 19 8 8. I n: C H AG A S, C l au d i a M ari a d e Fre i tas ; et .a l . (O r gs ) .
Cl as s if ic aç ão i nd ic at iv a n o Br as i l : d es af ios e p ers pec t i vas . Bras í l i a: Mi n is t ér i o d a
J us t iç a, 2 0 06 , p . 75 - 9 4.
270
So br e pr oj et o d e pr i v at i za ç ã o n o g o v er n o C ol l or : A L M EI D A, Mô n ic a P ic c o lo .
Re for m as n eo l i be r a is n o Br as i l: a pr i v at i z aç ã o n os g o ver n os C o ll or e F ern a nd o
He nr i qu e C ar d os o. 2 0 10 . T es e ( D ou t ora d o em His tó ri a) – F ac u l d ad e d e H is t ór ia ,
Un i v ers id a de F e der a l Fl um in ens e , Ni t eró i .
271
SE L IG MA N, F l á v ia . O r ga n i zaç ã o, par t i c i paç ã o e p o lí tic a c i nem at o gráf ic a
bras i l e ir a no s a n os 7 0 . I n .: U NIr ev is t a, S ão Le o po l d o, v. 1, n . 3, j u l. 20 0 6. p . 6.
15 4
ultrapassa,
portanto,
sua
produção
para
uso
pedagógico,
sendo
inerente mesmo nas produções comerciais, afinal “ [...] o cinema é o
campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais
amplos são sintetizados numa mesma obra de arte” 272.
Uma parcela da documentação da Embrafilme sob guarda da
Cinemateca Brasileira 273 revela o interesse do governo em promover a
construção
de
um
ima ginário
social
sobre
o
passado
brasileiro,
direcionando a configuração de uma identidade nacional. Como parte
desse intuito, foi lançado, em 1977, um programa pela Embrafilme,
vinculado ao MEC, para financiar a produção de filmes com caráter
histórico e, ainda, a possibilidade inédita de estender o financiamento à
produção de séries televisivas. Dentre os projetos que se realizaram
nessa proposta está Chico Rei, conforme será analisado. A ação da
Embrafilme estimulava a produção cinematográfica e a divulgaç ão de
aspectos histórico-culturais brasileiros. Em telegrama emitido pelo
presidente da entidade, Roberto Farias, às associações regionais de
cinegrafistas, explicava -se a proposta .
O Mi n is t ér i o d a E d uc aç ã o e C u lt ur a res o l v e u es t im ul ar ,
atr a v és d a Em pres a B ras il e ir a d e Fi lm es S . A. – E M BR AF I LM E ,
um pr ogr am a de pr o duç ã o d e f i lm es his t ór ic os , c o nc e d i dos
de n tr o d e um a p ers pe c ti v a d a af irm aç ã o d a n os s a i d e nt i da d e
nac i o na l .
Com es s e pr o gram a o M i n is t ér i o o bj et i v a nã o s ó p rom o ver o
r ee nc o ntr o d o p úb l ic o bras i l e ir o c om a riq ue za tem át ic a d e s u a
h is t ór ia , m as tam bé m produ zi r ob ras qu e c o ntr i b uam par a
m aior e le v aç ão d o ní v e l ar tís t ic o - c u lt ur a l do n os s o c i n em a,
m ante n do
s im u lt an eam en t e
p o nd er á v e l
í nd ic e
de
274
c om un ic a b i l id a de .
A criação do projeto Filme histórico foi avaliada por Jean -Claude
Bernardet como uma interferência estatal com fundo ideológico e
político. Para o autor, “[...] uma reflexão sobre o sistema que envolve o
272
N A PO LIT A NO , Ma r c o s . Co m o us a r. .. op .c it ., p .1 2 .
P art e d a doc um en ta ç ão d a Em braf i lm e f oi c ed i d a pe l a A nc in e par a g ua rd a d a
Ci n em atec a Br a s i l e ir a , q ue es t á tr a ba l h an d o e org a n i za n do o ac er vo . Por h ora , o
m ater ia l e nc o nt r a - s e em r es er v a t éc n ic a . Nã o obs t an te , f o i a ut or i za d o par a es s a
pes q u is a o ac es s o à par t e do m ater i a l j á pr oc es s a do . Re i ter a - s e aq u i os
agr a d ec im en t os a os f unc io n ár ios d a C i n e m atec a Br as i le ir a p e l o a p o io n es s e
s en t id o .
274
O f íc i o n º 12 7/ 7 7, em i ti d o p e l a D ir et or ia G e ra l, em 04 d e m ai o d e 1 9 77 . F un d o:
A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P.
273
15 5
filme histórico pode sugerir como funciona um mecanismo de pressão
acionado pela classe domin ante, ou um segmento dela, no sentido de
promover a produção de obras que sirvam diretamente seus interesses
ideológicos e estéticos” 275. Como resultado, entendia -se que esse tipo
de filme se preocupava mais com o conteúdo do que com a estética.
É razoável inferir que o governo e grupos apoiadores procurem se
apropriar da estrutura pública administrativa para seus interesses,
especialmente em regimes autoritários, como assinalou Bernardet.
Contudo, acredita -se que filmes desse gênero podem tamb ém trabalhar,
como linguagem, as questões estéticas.
Parte da pesquisa desenvolvida nessa tese se debruçou sobre
documentação referente ao projeto Filme histórico, produzida pela
Embrafilme, mas ainda com restrições de consulta . Pela análise
estabelecida, percebeu -se nuances relativas às diretrizes do projeto e
como a categoria cinematográfica o recebeu. A partir da leitura de
pareceres,
projetos
fílmicos,
consultas
e
comunicações
internas,
constatou-se que a intenção da direção da Embrafilme ao estipular
temáticas
de
interesses
para
serem
financiadas
não
teve
a
correspondência esperada entre as proposições apresentadas . Quer
dizer, mesmo no contexto autoritário , havia espaços para negociação
entre o órgão fomentador e os profissionais da área cultural .
Percebe-se, sim,
cinema
para
preconizada
a
por
a permanência da concepção utilitária do
conformação
Getúlio
histórico -cultural da
Vargas,
na
década
nação,
de
tal
1930 .
qual
Nessa
perspectiva, são elucidativas a s ponderações de Arthur Cesar Ferreira
Reis, relator da Comi ssão da Câmara de Ciências Humanas
do
Conselho Federal de Cultura (CFC) . Ao emitir parecer recomendando
temáticas de interesse para a recém-criada linha de financiamento
Filme histórico, o relator parabeniza va a iniciativa da Embrafilme por
trabalhar pela reversão de um cenário no qual o Brasil, como produtor
cinematográfico, subutilizava seu patrimônio histórico , sendo que
[.. .] o c i n em a é um do s i ns tr um en tos d e di v u l gaç ã o c u l tu ra l em
ter m os d e m as s a. E m tod a p art e , v em s en d o us ad o c om
s uc es s o p ara a f orm a ç ão d a c ons c i ê nc i a c ív ic a das n aç ões .
275
B E RN A RD ET , J e a n - C l au d e. P ir a nh a .. .. .. op . c it ., p . 57 .
15 6
Nã o é ap e n as um pr od u to v is a nd o a o la z er, à d is t raç ã o, à
a le gr i a p o pu l ar . T em e d e ve a um ent ar s e u p ot e nc i a l art ís t ic o e
276
ao m es m o tem p o ed uc at i v o e c u lt ur a l .
A Embrafilme justificava sua participação no projeto devi do aos
elevados custos e complexidade para se produzir filmes com temáticas
históricas. Além da verba destinada às proposições, dispunha -se a
mediar alocações de patrocínio complementar em empresas públicas e
privadas. Para tanto, precaveu -se por meio de um edital que exigia um
detalhado projeto a fim de verificar a viabilidade da realização d a
produção.
O pr im eir o obs tác u l o à re a l i za ç ã o de um progr am a c om o es t e
é a d if ic ul d ad e d e i n v es t im en to em ro te ir o e p es q u is as par a
pr o d uç ões a i n da nã o as s e gur a das . L og o a et a pa i nic i a l é
c on tr at ar c om pro d ut o res / d ir et or es – e a p ar tir d a s u ges tã o d e
tem as d e vi d am ent e a pro v a d os p a ra (s ic ) E m pres a – p roj et os
de f i lm es qu e p erm it am pel o s e u gr au de ac a bam en t o um a
a va l i aç ã o pr ec is a d e qu a l id a d e e c us t os . Es t es pr oj et os
c om pr e en d erã o ro te ir o de t al h ad o c om a ç ões e d i á lo g os ,
pes q u is as
de
c os t um es ,
f i g ur in os
etc,
de v e nd o
s er
277
c om pl et a dos d e ntr o d e um pr a zo m áx im o d e qu a tro m es es .
Contava-se, portanto, com verba a ser rateada entre os projetos,
que deveriam obedecer aos critéri os estabelecidos pela empresa, como
roteiros
construídos
a
partir
de
detalhadas
pesquisas
históricas,
pautando, assim, a cenografia, figurinos, desenho e outros aspectos da
produção. As verbas destinadas às produções fílmicas de “temas
históricos”
era
apro ximadamente
cinco
vezes
maior
d aquelas
destinadas aos filmes que não se enquadravam nessa rubrica 278, caso
aprovada essa etapa de pré -produção .
A resposta do meio cinematográfico ao programa foi positiva. No
final do mês de junho , de 1977, o Departamento de Análises de
Projetos da Embrafilme (DAPRO) havia recebido 74 inscrições na linha
276
P ar ec er n º 2. 4 06 / 77 , em it i d o pe l o Co ns e l ho Fe d era l d e Cu l tu r a/ Câm ar a de
Ci ê nc ias Hum an as , e m 14 de s et em bro d e 19 7 7. F un d o: A nc in e/ Em braf i lm e, s ér ie
11 0 .1 /0 0 29 7 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P.
277
Ro t ei r os e P es qu is as par a Fi l m es His t ó ric os . 1 5 de a br i l de 1 97 7. F un d o:
A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bra s i l e ira / S P.
278
“No i níc i o d os a n os 7 0, po r ex em pl o, a pr o duç ã o c om um de um l on g a - m etr ag em ,
v i nc u l ad a à Em br af ilm e, t i nh a c om o t et o d e f ina nc i am ent o 2 7 0 m il c ru ze i r os (h oj e
[2 0 06 ] a pr ox im ad am ent e R $ 4 83 .4 9 3, 9 6). No c as o d e s er um f ilm e d e c ar át er
h is t ór ic o , a v er ba po d er ia c h e ga r at é Cr $ 1. 50 0 .0 0 0, 00 ( um m ilh ã o e q ui n he n tos m il
c ru ze ir os , e qu i v a l en te s a R $ 2 .6 8 6. 07 7 ,5 0) e, a in d a p or c im a, m eta d e d es t a s om a
era c ons i d er a d a c om o s ub v e nç ã o” ; S E LIG M A N, F lá v i a. O r ga n i za ç ã o . .. o p.c i t. , p. 9 .
15 7
Filmes históricos 279. Os títulos propostos indicam alguns parâmetros
para se compreender a linha interpretativa de história inerente ao
programa da Embrafilme, bem como dos produtores que apresentaram
as propostas 280.
Na leitura da documentação referente a esse primeiro momento
de inscrições de projetos , a recorrência de alguns temas permitiu , para
fins metodológicos dessa pesquisa, estabelecer algumas categorias
temáticas. Foi assim com Maria Quitéria e sua participação nas lutas
pela independência: quatro propostas; o poeta Castro Alves e seu
envolvimento no debate abolicionista; Frei Caneca e seu destacado
papel na insurreição pernambucana de 1817
propostas
cada;
e
a
história
de
Chico
Rei,
– ambos com três
que
motivou
duas
proposições. Outras categorias temáticas se destacam , como aquelas
relacionadas ao território: da ocupação colonial à sua defesa
expansão ;
revoltas
coloniais
e
provinciais;
guerras,
como
e
as
holandesas e a do Paraguai; arte, enfatizando personalidades literárias
e musicais. Ressalva-se que foi estabelecida, ainda, a categoria
mulher. Essas cinebiografadas poderiam se enquadrar em outras
chaves, mas, devido ao destaque recebido em muitos projetos, optou se por privilegiar a discussão como questão de gênero. Diante da
multiplicidade de temas inscritos, alguns títulos não corresponderam a
nenhuma
categorização
estabelecida,
sendo
classificados
como
indeterminado 281. A partir dos filtros aplicados, foi possível mapear as
temáticas fílmicas inscritas por cineastas e produtores , como mostra o
gráfico 1.
279
M em or a nd o n º 6 4/ 77 , em iti d o p el o D ep ar t am ent o d e Pr oj e tos à D ire t or ia G e ra l
da Em br af i lm e, em 6 de j u l h o d e 1 97 7 . Fu nd o : A nc in e / Em braf i lm e, s éri e
11 0 .1 /0 0 29 7 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P.
280
I b id em .
281
O s q ua tr o tí t u los q ue c om põ em a c at e gor i a i nd et er m in a d o s ã o: Fi l mes s /H is tór i a
do Br as i l, A go n i a r o m ân t ic a , J orn a da d e h e ró is , O ú lt i mo b a il e d o i m p ér io ; es t e,
ap es ar de s e tr a tar d o f im do 2 º R e in a do , é im prec is o o enf o q u e d e ab or d ag em .
Cf .: M em or a n do n º 6 4 /7 7, em it id o pe l o D ep art am en to de Pr oj e tos à D ire to ri a G era l
da Em br af i lm e, em 6 de j u l h o d e 1 97 7 . Fu nd o : A nc in e / Em braf i lm e, s éri e
11 0 .1 /0 0 29 7 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P.
15 8
Gráfico 1 - Categorias temáticas dos projetos apresentados
Temáticas fílmicas propostas
Arte
Cientista/inventor
23%
24%
Escravismo
5%
12%
Guerra
8%
Indígena
4%
4%
10%
Mulher
10%
Revolta
Território
Indeterminado
Fo nt e – M em or a nd o n º 6 4/ 7 7 – D A PRO à Di r et or ia G er al / Em braf i lm e .
Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P.
A adaptação de livros também se revela uma prática corrente. Em
função da natureza desta pesquisa, apenas os projetos relativos ao
Chico Rei foram consultados. Ainda assim, os títulos apresentados
permitem inferir a circula ção da temática histórica no universo literário
para a narrativa cinematográfica. Exemplificam esse movimento as
propostas para: O assalto, baseado no romance histórico de Afonso
Schimidt; O sonho das esmeralda s, redigido por Paulo Setúbal; O
sargento Pedro, do autor baiano Xavier Marques; e o próprio Chico Rei,
redigido por Agripa Vasconcelos. O autor mineiro, aliás, foi referência
também para projetos fílmicos de Dona Beja, feiticeira do Araxá e O
império de Sinhá Braba – ambos romances históricos que integraram o
projeto da editora Itatiaia Saga no país das gerais ; ao qual Chico Rei
está vinculado.
Outra conclusão diz respeito aos re cortes temporais dos títulos
fílmicos, sendo preponderantes temas que se desenrolam n o período
Colonial (43%), seguido de Império (28%) e República (18%); contando
temporalidade
indeterminada
11% .
Quando
se
considera
como
referência a organização socioeconômica, e não mais o marco político,
constata-se cerca de dois terços (2/3) dos temas ligados à sociedade
15 9
escravocrata
(71%).
Apesar
de
reconhecer
que
a
curta
história
republicana – sequer secular em 1977 – influencia essa preferência
temporal; acredita -se que os temas de um passado longínquo à
República, ou seja, nos períodos da Colônia e do Império, tenham
maior apelo histórico como imaginário canônico.
Nesse ponto, os elementos de um roteiro que se desenvolve no
período da escravidão e da monarquia traze m elementos dramáticos e
plasticamente mais a finados ao gosto do público para os chamados
filmes
de
época .
Há
que
se
considerar,
ainda,
o
sucesso
de
Independência ou morte , dirigido por Carlos Coimbra, que se tornou
uma referência para filme de gênero hist órico ao procurar reconstruir
em grande produção a independência brasileira 282.
Os
produtores
demonstra vam,
ainda,
preferência
por
filmar
histórias com viés biográfico : quase o dobro dos filmes não -biográficos.
Sob
esse
filtro,
as
personalidades
coloniais
cinebiografadas
se
sobrepõem amplamente às que viveram no s demais períodos históricos.
Por outra via, quando se trata dos filmes não -biográficos , há uma baixa
representatividade
propostas),
de
contraposto
acontecimentos
ao
equilíbrio
republicanos
entre
os
(apenas
períodos
duas
colonial,
imperial e temporalidades indeterminadas por inferência ao s títulos (7,
8 e 8 propostas, respectivamente).
282
Cf .: FO NS E C A, V it ór i a A ze v e d o da . H is t ór i a i m ag i n ad a. .. .. . op .c i t. ; CO R D EI RO ,
J an a ín a M ar t i ns . Le m b r ar o p as s ad o. .. o p.c i t.
16 0
Gráfico 2 – Temporalidades nos projetos apresentados
Propostas fílmicas
e as temporalidades históricas
Número de
Propostas
35
30
25
20
15
10
5
0
Temas
NãoBiográficos
7
8
2
8
Temas
Biográficos
Colônia
Império
República
Indeterminado
25
13
11
0
Total
32
21
13
8
Fo nt e - Mem or a n d o nº 6 4/ 7 7 – D A PRO a Di r et or ia G er al – Em braf i lm e .
Fu nd o A nc i ne / Em br af i l m e, s ér i e 1 10 .1 / 00 2 97 , C i n em atec a B ras i l ei r a/ S P .
Depois de passar pelo DAPRO, o programa filmes históricos foi
submetido
à
Câmara
de
Ciências
Humanas,
sendo
encaminhado
também aos conselheiros das Câmaras de Letras e a do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional , para o delineamento mais preciso dos
parâmetros
temáticos
a
ser em
estimulados
e
observados
nas
propostas. As demais Câmaras seguiram a sugestão do relator Arthur
Reis, estabelecendo os seguintes temas .
Em bo ab as , m as c at es , i nc o nf i d ênc i a b a i a na , i nc onf id ê nc ia
m ine ir a, r e v ol uç ão n or des t in a de 1 8 17 , c am pa n ha d a ab o l iç ã o,
S an tos Dum on t e a c on q u is t a d o a r , R u y e s u as c am pa n has
c ív ic as , o b a nd e ir is m o p au l is t a , O r e l la n a e o d es c o br im en to d a
Am a zô n ia , a c am pa nh a da im pl an t aç ã o d a R ep ú b lic a , ex p u ls ão
dos h ol a n des es , n ord es t i nos e a n o v a c o nq u is t a d a Am a zô ni a ,
o en g e nh o d e aç úc ar , o c ic l o d a m in er aç ão , o A le ij a di n ho e a
ar t e b ar r oc a , H i p ól i t o da C os t a e o C o rre io Bras i l e iro , a
i nc or p or aç ã o do R io G ra nd e, a ex pa ns ão n ord es ti n a e o c ic l o
do g a do , a f orm aç ã o d a f ro nt e ir a oes te , a Ca b an a gem , a
Re v o luç ã o F arr ou p i lh a, os pr on u nc i am en to s l i ber a is de 1 84 2 ,
O s wa l d o Cr u z e o s a ne am en to d o R i o de J an e ir o, o c ic lo d o
283
c af é .
283
A de n do a o Par ec e r n º 2 .4 0 6/ 7 7, Co n s e lh o F ed er a l d e
A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P.
C u lt ura .
F u nd o:
16 1
Pouco tempo depois, dois temas foram acrescentados, ambos
ligados ao jornalista e escrito r Euclides da Cunha e sua experiência
como cronista em distintas regiões do país : Euclides no nordeste e
Euclides na Amazônia; completando, assim, o que os conselheiros
denominavam capítulo da formação histórica brasileira 284.
A partir da correspondência entre o CFC – por meio de suas
Câmaras – e a Embrafilme, é possível visualizar a distribuição dos
temas sugeridos dentro dos grandes marcos histórico -temporais da
história brasileira:
Gráfico 3 - Temporalidades para filmes históricos
Filmes Históricas:
Temporalidades
26%
48%
COLÔNIA
IMPÉRIO
26%
REPÚBLICA
Fo nt e – A d en d o a o P a r ec e r nº 2 .4 0 6/ 7 7, CF C a DG / Em braf i lm e .
Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P .
Os indicativos de temas pelo CFC para produção de filmes
históricos
podem,
ainda ,
ser
categorizados
para
além
da
sua
periodização. Nesta pesquisa, por entendê-los em torno de eixos
comuns, optou-se por agrupá-los nas seguintes categorias que são
temas ligados à formação territorial; temas que abordam revoltas
populares
ocorridas
no
Brasil
monárquico ;
temas
referentes
às
atividades econômicas; temas que destacam o indivíduo e um tema
voltado para a escravidão/abolição .
284
As s i n am c om o r ela to r es d as C âm aras d e Art es e a d o P a tr im ôn io H is tó ric o e
Art ís t ic o Nac i on a l, O c tá v i o de F ar i as e Af ons o Ar i nos , res p ec ti v am en te ,
ac om pa n h an d o a s u g es t ã o d e Ar t hur R e is , in te gr a nt e da C âm ara d e C iê nc i as
Hum an as ; c o nf or m e A de n do a o P ar ec er n º 2. 4 06 /7 7 , em 0 9 de n o vem br o d e 1 97 7 .
Fu nd o: A nc i n e/ Em br af i lm e, s ér i e 11 0 .1 /0 0 2 9 7, C i nem at ec a Br as i le i ra/ S P .
16 2
Gráfico 4 - Categorias temáticas para filmes históricos
Filmes Históricos:
Categorias Temáticas
Biografia
23%
Economia
31%
Escravismo
27%
4%
15%
Revoltas
Território
Fo nt e – A d en d o a o P a r ec e r nº 2. 4 06 /7 7 , CF C a DG / Em braf i lm e .
Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P .
Sobressaem nessas categorias alguns indicativos que permitem
vislumbrar a concepção presente no progra ma de filmes históricos da
Embrafilme para educação não -escolar. Uma primeira observação é a
reafirmação do conhecimento h istórico escolar, didaticamente ensinado
nos compêndios escolares . As revoltas clássicas brasileiras, tais como
as
Inconfidências
Mine ira
e
Baiana
ou
as
Revoltas
Provinciais
exemplificam a história escolar como referência .
Um segundo aspecto é a compreensão da economia brasileira
dentro da interpretação dos ciclos (açúcar, mineração, café), tal qual
proposta
por
Caio
Prado
Júnior ,
em
A
formação
do
Brasil
contemporâneo (1942). As interpretações de Caio Prado influenciaram
a educação escolar, mas também se amplificavam, especialmente pela
ideia de que o país se desenvolvia quando um setor da economia se
destacava 285. A industrialização era , então, o discurso dominante nos
projetos econômicos desenvolvimentistas do governo militar, reiterando
as projeções nessa mesma linha realizadas nos períodos administrados
285
A l ém da a va l i aç ã o s obr e o s is t em a es c ra v is t a e s uas c o ns eq u ênc i as pa ra o
des e n vo l v im en to ec o n ôm ic o n ac io n al , o utr a im por ta nt e c o ntr i b uiç ã o de C a io Pra d o
f oi s u a le i tur a d os c i c l os ex tr at i v is t as br a s i le ir os , p e l os qu a is os pro d ut os er am
ex p l or ad os à ex aus t ão o u e nq u an t o o c en ár i o ec o nôm ic o i nt ern ac i on a l f os s e
ren t á ve l . Es s a l e it ur a f oi am pl am ent e i nc or p ora d a na e duc aç ão c o m o ex em pl if ic am
os l i vr os d i d át ic os e s eus c a pí tu l os s o br e os c ic l os ec o nôm ic os do p au - br as il , d o
aç úc ar , da p ec uár i a, da m in er aç ã o, d o c af é e d a b orr ac ha ; PR A D O J ÚN IO R, C ai o .
A f orm aç ão do Br as i l .. . op .c it .
16 3
pelos presidentes Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-54) e Juscelino
Kubistchek (1955 -60).
O terceiro aspecto trata de vários temas relativos à formação do
Brasil
enquanto
portuguesas,
território ,
quanto
a
abarcando,
defesa
tanto
territorial
as
e
descoberta s
a
nova
onda
desenvolvimentista que planejava colonizar terras ainda não habitadas .
Esse quesito parece reafirmar a DSN – ideologia corrente à época com
a
qual
o
governo
autoritário
civil -militar
procura va
justificar
sua
manutenção no poder. A proposição dos temas da descoberta do
Amazonas
e
a
nova
ocupação
daquele
território
pela
ação
de
imigrantes nordestinos, por exemplo, é aqui lida como parte do projeto
governamental Brasil Grande, sintetizado na Transamazônica 286. Ao
mesmo tempo, trabalhar cinematograficamente a conquista amazônica
desqualificaria as queixas feitas por militantes de esquerda e de uma
nascente
militância
governamental,
ambiental
burocraticamente
que
acusavam
estruturado
em
esse
movimento
torno
do
INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), de defender o
latifúndio
e
o
agronegócio
em
detrimento
do
trabalh ador
rural,
comunidades indígenas e da própria natureza.
Uma quarta reflexão está em um aparente paradoxo. Apesar d e o
período
do
encaminhadas
escravismo
pelo
CFC
concentrar
à
quase
Embrafilme,
há
75%
uma
das
sugestões
única
rubrica
explicitamente voltada para a escravidão. Por se tratar de um governo
ditatorial que enfrentava uma crescente oposição civil (após passar por
uma desgastante luta armada contra opositores) , infere-se que a
administração autoritária procurasse evitar situações sectárias. Desse
modo, apresentar a história do Brasil sob o ângulo da escravidão
enfatizando o conflito, no qual direitos e liberdade foram conquistas
obtidas por meio de ações de mobilização e revolta, não parecia uma
286
O pr oj et o Br as il G r an d e vi s a v a t or nar o p aís um a p ot ê nc i a in t ern ac i on a l,
tor n an d o- s e pr o p ag a n da d o r e g im e m il i tar . P ara t a nt o, aç õ es n ac io n a is eram
nec es s ár ias . G r an d es obr as s im bol i za r am es s e pr oj e to , c om o a c o ns tr uç ão d a
po n te R io - N it er ó i, i n i c i ad a em 19 68 , e d a ro do v i a T rans am a zô n ic a i nt e gra n do a
reg i ã o n or t e - nor d es t e por um a v i a l es t e - o es t e: P ara íb a - Am a zo nas , i n ic ia d a em
19 6 9. P ar a a pr o p a ga n da p ol ít ic a d o r eg im e a ut or it ár i o, c f .: F ICO , C ar los .
Re i nv e n ta n do .. . o p .c it.
16 4
escolha acertada. Assim, ao abordar o escravismo a partir da abolição ,
constrói-se o argumento da negociação intermediada pelo Estado, que
concedia a solução para um complexo problema na formação brasileira.
Em última instância, estabelecia -se, assim, uma correlação histórica
entre a questão escravocrata/abol icionista nacional com o governo
ditatorial no tempo presente, algo similar ao Leviatã hobbesiano 287: o
Estado deve se responsabilizar pel os temas políticos e públicos; não a
população civil.
Por fim, o quinto e último aspecto extraído da leitura dessas
categorias para roteirizar filmes sobre a história brasileira é a biografia,
e ela apresenta duas dimensões complementares. A primeira diz
respeito a tradicional personalização da História. Embora questionada
entre os historiadores, assinala a manutenção dess e tipo de abordagem
sobre o passado. Ainda que se constate equilíbrio nas categorizações
apresentadas (com exceção para o escravismo), essa individualização
reflete uma análise do processo histórico heroificado, diminuindo,
dessa
forma,
a
margem
para
críti cas
aos
problemas
sociais
e
econômicos nacionais . A segunda dimensão reforça a opção frequente ,
inclusive pela cinematografia estrangeira,
em realizar filmes com
temáticas históricas a partir da biografia. Tal prática é plenamente
legítima.
construída
Entretanto,
nesse
eixo
ressaltam-se
incorre
em
os
não
riscos
que
uma
película
explorar historicamente
o
contexto do personagem -título, caso a abordagem se inscreva no
heroísmo, cuja representação tende a supervalorizar o indivíduo e a
ocultar os conflitos iner entes à sociedade.
Uma vez definid as as categorias sobre o passado brasileiro
consideradas válidas , Roberto Farias comunicou ao CFC que já haviam
sido iniciadas pesquisas para uma dezena dos títulos sugeridos , sendo
que todas as indicações poderiam ser a proveitadas “[...] bastando, para
tanto, que recebam aprovação de cineastas dispostos a assumir as
responsabilidades
287
da
produção,
naturalmente
HO B B E S, T h om as . L ev i a tã , ou , Ma t ér i a, fo rm a
ec les i ás t ic o e c iv i l . S ã o P au l o: A br il C u lt ur a l , 19 7 4.
e
com
p od er
apoio
de
um
da
es t a d o
16 5
Embrafilme” 288. Os títulos indicados no ofício emitido corroboram a
preferência
por
narrativas
desenro ladas
durante
a
monarquia
escravocrata, embora houvesse a inversão da história colonial pelo
período imperial como prevalência de temporalidades para os filmes
com temáticas histórica s.
Gráfico 5 - Filmes com temáticas históricas
em processo de pesquisa : temporalidades
Filmes em Pesquisa: Temporalidades
6
Colônia
4
5
Império
2
República
3
2
0
Fo nt e – O f ic io nº 37 2/ 77 , DG a o CF C .
Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P .
Os
filmes
cujas
pesquisas
históricas
haviam
sido
iniciadas
priorizavam a biografia, tendo como pano de fundo acontecimentos
históricos.
Dos
títulos
apresentados,
70%
individualizava m
protagonistas, abordados de modo heroificado, como: Maria Quitéria na
Revolução Nordestina de 1817; Castro Alves e José do Patrocínio nas
campanhas abolicionistas; Santos Dumont e Oswaldo Cruz como
cientistas, inventores e brasileiros ilustres. Acontecimentos históricos
somavam 20%, sendo representados pe la: colonização (O Assalto) e a
história militar ( Retirada da Laguna , ainda que a fonte desta batalha
seja a memória de Visconde de Taunay , cuja juventude também foi
proposta como título dentre as 74 inscrições ). Um título em pesquisa se
aproxima do viés documentário ao abordar o coletivo na história: a
ocupação da região amazônica pelos imigrantes nordestinos.
Como
se
percebe,
a
expectativa
da
Embrafilme
quanto
ao
programa de filmes com temáticas históricas era elevada . Porém, sua
288
O f ic i o n º 3 7 2/ 7 7, e m iti do p e la D ire t or ia G er al , em 26 de d e z em bro de 1 97 7 .
Fu nd o: A nc i n e/ Em br af i lm e, s ér i e 11 0 .1 /0 0 2 9 7, C i nem at ec a Br as i le i ra/ S P .
16 6
direção parece ter subestimado o interesse dos cineastas. Dos 74
projetos apresentados, apenas 18 foram aprovados, sendo que apenas
quatro ultrapassaram a etapa da pesquisa histórica, sem, contudo,
serem
concluídos.
No
ano
seguinte,
mais
três
projetos
foram
incorporados, embora a penas um tenha sido lançado: O homem do pau
Brasil (1981), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade 289.
Gráfico 6 - Projetos fílmicos com temáticas históricas :
inscritos e aprovados
Filmes Históricos
Inscritos x Aprovados
filmes inscritos
filmes aprovados
18
17
9
7
6
3 3
7
2
1
3
2
1
3
2
4
3
1
Fo nt e - A M AN C IO , T un ic o. Ma nh as e ar ti ma n has d a E m bra f i lm e. N it er ó i:
E dUF F, 2 0 00 , p. 2 4 5 .
A exigência da Embrafilme de um projeto com o máximo de
detalhes para a valiar a viabilidade ou não do filme funcionou como
filtro. Essa parece ser a principal explicação para o elevado número de
projetos
reprovados:
determinadas
76%.
temáticas,
Embora
daqueles
não
houvesse
cotas
pré -aprovados
para
para
o
desenvolvimento da pe squisa histórica, constata -se que categorias de
grande interesse dos produtores , como revoltas e territórios , obtiveram
poucas
propostas
aprovadas
por
rubrica
(17,6%
e
16,6%,
respectivamente). Uma hipótese para compreender o desequilíbrio
289
A M A NC IO , T un ic o. M an h as . .. o p.c it . , p. 87 .
16 7
entre projetos ap resentados e projetos aprovados dentro de temas
épicos, como ocupação territorial, guerras e revoltas, são os elevados
custos desse tipo de produção . Apesar de atrativos ao público, as
encenações de movimentos militares exigem maior contingente de
figurantes e cenografia, inflando o orçamento.
A biografia é outro dado presente, reafirmando a dinâmica em se
trabalhar a história nacional por meio de personalização de exaltação
que projeta o indivíduo para o panteão dos heróis. A única categoria
que teve 100% dos projetos aceitos foi a de cientistas/inventores , com
as propostas de cinebiografar Oswaldo Cruz, Vital Brasil e Santos
Dumont. Por outra via, chama a atenção nenhum projeto considerado
na rubrica Arte ter sido aprovado , embora nomes de representantes da
história cultural nacional, como José Maurício (padre e maestro na
corte joanina), o maestro Carlos Gomes ou o poeta modernista Oswald
de Andrade, constassem das propostas.
A novidade relativa ao incentivo de produções fílmicas no formato
de
seriados,
voltados
para
a
televisão ,
evidencia
a
intenção
governamental de aproveitar a ampla audiência oferecida por esse
canal de comunicação, cada vez mais presente nos lares do país. Os
projetos deveriam conter um piloto para avaliar sua viabilidade. Foi
intensa a procura: 97 projetos inscritos, sendo 22 selecionados (23%).
Contudo, a negociação para exibição da série não se desenvolveu
como esperado, conforme relatou posteriormente Roberto Farias 290.
Apesar do fracasso do programa, f oi justamente por e le que o projeto
para filmar a história de Chico Rei foi apresentado pela produtora
brasileira StopFilm, conforme será analisado adiante.
Retomando a ideia de história pública, percebe -se, nas ações
promovidas pelo governo, tanto pelo INCE , quanto pela Embrafilme, em
incentivar a produção de filmes e séries televisivas com temáticas
históricas a preocupação com a memória e identidade nacionais.
Observa-se, ainda, que tais ações estatais relativas à produção e uso
de filmes com características educativas coincidem com os regimes
290
A M A NC IO , T un ic o. M an h as . .. o p.c it . , p. 92 .
16 8
autoritários republicanos: o Estado Novo (1937), e a ditadura militar
(1964-85).
O cenário político autoritário favoreceu análises que en tendem a
imposição
de
diretrizes
ideológicas
estatais
junto
à
população,
aproveitando alguns veículos para atingir seu objetivo, como o caso do
cinema – utilizado, tanto no âmbito escolar , quanto não-escolar 291. Por
essa perspectiva, explicações sistêmicas para os regimes terminam por
maximizar o poder de decisão de autoridades e/ou instituições, criando
uma dicotomia entre Estado/ sociedade, agressor/vítima.
Enfatizar esse aspecto da produção cultural ocorrida na ditadura
militar
é
relevante,
pois
burocrática
e
financeira
associados
ao
governo
por
procurarem
disponibilizada,
autoritário.
usufruir
muitos
Entretanto,
da
estrutura
nomes
o
fato
foram
de
um
cineasta/roteirista procurar as linhas de crédito disponibilizadas pela
Embrafilme, não tornava seu filme uma demanda oficial; tampouco fazia
do diretor/roteirista um seguidor e ideólogo da ditadura:
A m ai or i a dos c in e as t as q ue m an d aram proj et os h is tór ic os n ã o
o f i zer am n ec es s ar i am en t e por s im pat i a p e lo g o v ern o, nem p or
af i n id a des i d eo l ó g ic as , n em p or c om ung ar c om um a v is ão d a
h is t ór ia , em bor a o s im p les f a to de m an d ar p roj e to i nd i q ue qu e
nã o h á inc om pa ti b i l id a de c om p l et a. É, p ara os c i n eas tas , um a
pos s i b i li d a de de pr od u zi r em f ilm es – his t ór ic os o u n ã o – a i n da
m ais po d en d o s e be nef ic iar em de s u b v en ç ão , a l ém de c o pr o d uç ão , e d e t er e m f ina nc i am en to p ar a r ot e ir o, o q u e é
292
ex c e pc i on a l n a h is t ór i a d o c i nem a n ac i o na l .
Apesar da lúcida ressalva feita por Jean Claude Bernardet,
permaneceram comuns críticas de fundo ideológico que julgavam um
produtor cultural como adesista por pleitear o financiamento junto ao
estado ditatorial. No entanto, muitos diretores que bateram à port a da
Embrafilme em busca de suporte o fizeram para viabilizar a realização
de
seus
filmes,
como
assinalou
Cacá
Diegues,
por
ocasião
do
lançamento de Xica da Silva.
Nós t em os s i d o ac us a dos d e a des is m o p orq ue t em os re l aç ões
c om a Em braf i lm e, e a Em braf i lm e é um a e m pres a d o Es t a do .
E u q uer o d i ze r, em prim eiro l u g ar, q u e um a c o is a é v oc ê us ar
o s eu d ir e it o d e c i ne a s ta - c i da d ã o, s o l ic it an d o os r ec urs os q u e
o Es ta d o r es er va p ar a o c i n em a, atr a v és de f i n anc i am ent os ,
291
292
S I MI S , A ni t a. Es t ad o e. .. o p.c it .
B E RN A RD ET , J e a n - C l au d e. P ir a nh a .. . o p.c i t ., p .6 1.
16 9
c opr o d uç õ es e a v a nç os à d is tr ib u iç ão (o pe raç õ es q u e
im pl ic am um retor n o , um c om prom is s o q ue n a da t em de
pa t er n a l is m o o u m ec en a to) ; ou tr a c o is a é v oc ê n eg oc i ar,
tr oc ar es s es r ec urs o s por f a v or es j u n to ao G o v ern o qu e
293
r ep r es e nt a es s e Es ta d o .
Concorda-se com a historiografia revisionista sobre os Estados
políticos autoritários que entende o problema a partir da complexidade
entre os atores sociais, que negociam , dentro das condições possíveis,
constantemente no âmbito político, entendendo o governo autoritário
como um produto social 294. O fato é que muitos ci neastas atuaram
ativamente na Embrafilme e obtiveram apoio financeiro para seus
projetos, mas também travaram embates , foram censurados, seus
filmes foram apreendidos, mutilados, e, por vezes, chegaram a ser
presos.
A relação entre Embrafilme e os cineast as se configura com o um
desses espaços de negociação. Apesar do autoritarismo em 1975, o
governo
militar
procurou
alocar
na
direção
da
Embrafilme
um
presidente ligado às questões cinematográficas. Sendo que a atuação
da classe de cineastas junto à empresa reverteu em ações importantes
para o cinema nacional, conforme observou seu ex -presidente Roberto
Farias. Revela-se, no caso, a existência de uma rede de sociabilidade
em torno da cultura e assuntos cinematográficos essenciais para a
adequação
da
categoria
aos
ditames
autoritários,
mas
também
relevante para demarcar a posição, o espaço e demandas desses
profissionais.
Além disso, o delineamento de um conjunto temático para nortear
os Filmes históricos, estabelecido pela Embrafilme e o Conselho
293
A BO R B O L ET A de v id r o em p ap e l d e pa re d e . O G lo b o, 4 s et. 19 7 6 , p. 3 5.
P ar a um ba l anç o d as per s p ec t i v as i nt er pre t at i v as s obr e o Es t ad o, s oc i ed a de e o
go l p e c i v i l - m il i tar de 19 6 4; c f .: F E RR E IR A , J org e; D E LG A DO , L uc í l i a d e A lm ei d a
Ne v es . O Br as i l r e p u b lic a no : o t e mp o d a d it ad ur a - re gi m e m i l i tar e m ov i m e nt os
s oc ia is e m f i ns d o s é c u lo X X. R i o d e J a ne ir o: C i v i l i zaç ã o Br as i l e ira , 2 00 3 ; R EI S
FIL HO , Da n ie l Aar ã o; RI D ENT E, M arc e lo ; MO T T A, Ro dr i go P. d e S á. (O r gs ). O
go l p e e a di t ad ur a m i l i tar : q u ar en ta a nos d ep o is (1 9 64 - 2 00 4) . Ba ur u: E DU S C, 20 0 4;
RO L L E M B ERG , D e nis e; Q U AD R AT , S am an t ha V i z. A c o ns tr uç ã o s oc ia l dos re g im es
au t ori t ár ios : L eg i t im id ad e , c on s e ns o e c o ns e n tim e nt o n o s éc u l o X X (Bras i l e
Am éric a L at i na) . R io d e J an e ir o: C i v il i z aç ã o Br as i le ir a , 2 0 1 0; N A PO LIT A NO ,
Ma rc os . O g o lp e d e 19 6 4 e o r eg im e m il i tar br as i le ir o: a p on t a m entos p ar a um a
re v is ã o h is t or i ogr áf i c a . R ev is t a C on t em p orâ ne a H is t or i a y pr o bl e mas de l s i g lo X X .
V. 2 , an o 2 , 2 01 1.
294
17 0
Federal de Cultura, não significou uma imposição governamental. Se
propor um filme conforme sugestão estatal podia torná-lo bem visto aos
olhos dos avaliadores do projeto, isso não implicava, porém, na
aprovação do financiamento, como atesta a elevada taxa de reprov ação
(76%). Ademais, havia possibilidade de se propor outros temas. Ou
seja, os critérios de qualidade e viabilidade, cujos parâmetros são
inerentes à própria linguagem cinematográfica, eram essenciais para o
processo.
Ainda no campo dos projetos de filme s/seriados com temáticas
históricas, ressalta -se a individualidade do cineasta e roteirista em
apresentar sua leitura sobre um determinado tema na busca de
financiamento para concretizá -la em filme. Se o roteiro fosse aprovado,
o trabalho dos censores ocor reria após o fim do processo, avaliando a
realização
do
produto
final,
sugerindo
classificação
etária,
readequações, cortes ou mesmo a proibição total. Dessa forma, no
caso do cinema, observa -se que o governo financiava os filmes por
meio
de
um
órgão,
para ,
no
final,
censurá -lo
via
outra
pasta
administrativa – a censura estava alocada na Polícia Federal, que
integrava o Ministério da Justiça 295.
Claro
buscava-se
que,
diante
desenvolver
dos
parâmetros
roteiros
que
conhecidos
evitassem
o
da
censura,
confronto
que
pudesse restringir a exibição do filme ou até gerar problemas judiciais.
Ressalva -se que, uma das táticas usadas para burlar a censura era
apresentar cenas explicitamente condenáveis, pois estas chamariam a
atenção do censor para determinado trecho, o q ue poderia amenizar
seu rigor com outras passagens do filme.
Os diretores Cacá Diegues e W alter Lima Júnior, cada um ao seu
modo, realizaram em seus trabalhos de temática histórica críticas
295
Par a o t em a da c ens ur a no per í od o n es t e per í od o; c f . : S IMÕ E S , In im á Ferre ir a .
Ro te ir o d a in t ol er ân c i a : a c ens ur a c i n em at ogr áf ic a no Br as il . S ã o P a u lo : T erc e ir o
Nom e: E d. S E N AC , 19 9 9; P INT O , L eo n or S ou za . O c in em a b ras il e ir o f ac e à
c ens ur a im pos t a p e l o r eg im e m il it ar no Br as il 1 96 4/ 1 9 88 . I n: C HA G AS , C l á ud i a
Ma ri a d e Fr e it as ; et . a l. ( O r gs ). C l as s if ic a ç ão i nd ic at iv a n o Br as il : d es af i os e
pers p ec t iv as .
Br as í l i a:
Mi n is t ér i o
da
J us t iç a,
2 0 0 6;
SE L IG M A N,
F l á v ia .
O rg an i za ç ão , p ar t ic i p aç ã o e po l ít ic a c i n e m atogr áf ic a br as i l e ir a n os a nos 7 0.
UN Irev is ta , v. 1, n. 3 , S ão L eo p ol d o, j ul . 20 0 6; M ART IN S , W illi am de S o u za Nu n es .
As m últ i p l as f or m as de c e ns ur a n o c in em a br as i le i r o: 1 97 0 –1 9 80 . I be ro A m er ic a
G l ob a l, v. 1 , n. 1, f e v .2 00 8 ,
17 1
políticas e sociais pertinentes ao tempo da s filmagens. Os projetos
fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei revelam as concepções iniciais,
enquanto o resultado final indica a dinâmica interna do filme , como
será analisado a seguir. Ou seja, mesmo procurando controlar esse tipo
de produção, o Estado não tem garantias de que o filme sairá como
seus funcionários imaginam, pois há o elemento autoral que transgride
e tece negociações em cada processo de produção/realização . Afinal, a
construção
e
circulação
do
conhecimento
histórico
são
também
inerentes às produções comerciais . Como a sociedade é polissêmica e
as representações refletem interesses de reconhecimento e exercício
de poder pelos grupos sociais, a configuração de imaginários sociais
calcados na história contribui para divulgar e reforçar a legitimidade de
ações políticas e culturais de grupos específicos. Pode, entretanto,
também, deslegitimar determinada realidade, favorecendo a ruptura e a
inauguração de um novo projeto político, conforme assinalado por
Bronislaw Baczko 296.
2.3.
Os projetos fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei
A análise dos projetos fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei
propiciam o entendimento do processo de construção da pesquisa
histórica e a realização da narrativa cinematográfica. Por meio desse
procedimento, pode se reconhecer a circulação do conh ecimento
histórico em diferentes suportes e os filmes em destaque como
exemplos da construção da história pública , delineando, portanto, um
relevante espaço de educação não -escolar.
Conforme visto no primeiro capítulo, na década de 1960, as
histórias
de
Chica
da
Silva
e
Chico
materialidade em diversos registros.
Rei
já
havia m
adquirido
Além das coincidências que
marcam o processo de criação dos referidos filmes – como o fato de os
protagonistas terem sido escravos e alcançado a alf orria, obtendo
reposicionamento
social
nas
Minas
setecentistas;
circularem
na
memória popular , considerados na poesia de Cecília Meireles, em
296
B A CZ KO , Br o nis l a w. I m agi naç ã o s oc ia l .. .o p . c it .
17 2
Romanceiro da Inconfidência; terem sido registrados em romance
histórico
de
Agripa
Vasconcelos;
tematizarem
dois
desfile s
carnavalesco s da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro –, ambos
foram realizados durante a existência da Embrafilme, tecendo relações
diretas com o órgão, embora em níveis distintos.
Cacá Diegues rodou Xica da Silva em 1975, ano em que a
Embrafilme incorporou as funções do extinto INC. Ainda não havia sido
lançado o programa de filmes históricos, porém a empresa assumiu
responsabilidade s como produtora e distribuidora junto ao projeto Xica
da Silva. A pasta referente ao processo do filme, contudo, extraviou-se
do acervo da Embrafilme 297. Tentou-se localizar uma cópia do referido
processo junto à empresa do cineasta, Lu z Mágica Produções , porém
sem
sucesso.
Tampouco
foi
viável
incompatibilidade de agenda do mesmo
entrevistar
o
diretor,
por
298
.
Não obstante, a análise referente ao projeto de Xica da Silva foi
desenvolvida a partir de documentos como seu roteiro original e
certificados de censura . Contudo, principalmente pela ampla divulgação
ocorrida na imprensa por ocasião do lançamento do filme, conta-se com
muitas entrevistas concedidas aos jornais por Cacá Diegues, Jarbas
Barbosa (produtor) e Zezé Motta, int érprete da protagonista. Por essa
documentação,
foi
possível
reconhecer
as
principais
matrizes
delineadoras do roteiro, influências estéticas, intenções e percalços
durante sua realização até sua liberação pela censura.
Chico Rei, por outro lado, foi o tema de filmagens apresentado
por duas produtoras junto à Embrafilme, dentro do programa Filmes
históricos: pela N.T.M., recusado, e outro proposto pela StopFilm,
aprovado como seriado. Ressalva -se que, mesmo tendo sido recusado,
a
análise
do
projeto
fílmico
da
N.T.M.
permite
refletir
sobre
a
circularidade do conhecimento histórico.
297
A p as ta C o ntr at os d o f i lm e X ic a d a S i lv a / P roc es s o tr a z a a no t aç ão : A n ex os d e
c on tr at os d o pr oc es s o 0 04 2 1/ 7 4 ex tr av i ad os . F un d o: Anc i n e/ E m braf ilm e, s é r ie
11 0 .1 /0 0 07 5 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P.
298
S obr e a ex i s t ênc i a d e d oc um ent aç ão ref e r en t e a X ic a da S i lv a, f oi f e i to c o nt at o
c om a em pr es a p or m eio d e c om u nic aç ão el etr ô n ic a ( em ai l) e te l ef o ne , c o nt u do
s em ret or n o . T r ês t e nt at i v as de a g en d ar um a en tr e vis t a c om o d ir et or f o i s o l ic it ad a
à s u a as s es s or i a d e i m pr ens a, p or ém f oram n e ga d as em f unç ão d e s u a ag e nd a .
17 3
Quanto ao filme realizado e lançado por W alter Lima Jr. , as
análises são profícuas. Além do r esultado final, h ouve uma série de
problemas durante sua produção que o enriquecem. Os percalços vão
desde a reelaboração do roteiro por exigência do cineasta – que
julgava inapropriadas muitas abordagens de acontecimentos históricos
–,
até
os
conflitos
en tre
os
produtores
nacionais
(StopFilm
e
Embrafilme), a produtora alemã (Provobis) e o diretor, resultando no
rompimento da parceria.
O acervo da Embrafilme mantém documentos importantes para
elucidação desse confuso processo que envolveu Chico Rei. Outra
fonte
relevante
para
se
analisar
o
litígio
protagonizado
pelos
produtores e diretor do filme, especialmente nos anos da ruptura na
produção (1981) e do seu lançamento (1985), é a imprensa. Assim
como em
Xica
da Silva, os periódicos serviram , também,
como
relevantes divulgadores do filme e espaço para o diretor explicar o
processo de construção fílmica, sua importância para o conhecimento
histórico, bem como esclarecer aspe ctos do imbróglio judici al em que
se envolveu para concluir o filme .
Soma-se a essas fontes o trabalho de história oral realizado com
o diretor, que concedeu um valioso depoimento na cidade mineira de
Ouro Preto, cenário de Chico Rei, por ocasião da 10ª edição do
CINEOP (Festival de Cinema de Ouro Preto), em junho de 2013,
quando foi o cineasta o homenageado do evento.
2.3.1.
Xica da Silva
A ideia de filmar a história de Chica da Silva começou em meados
dos anos 1960, mas o projeto só foi viabilizado em 1974, quando o
Jarbas Barbosa encampou a proposta. Sobre esse processo, o produtor
afirmou que,
[.. .] d es d e qu e a g e nt e f e z j u nt os O s He rd e ir os , em 6 8- 69 , e u
e Cac á s em pre c o n v e rs am os s o br e es t e pr oj e to . Em m ead os
de 74 , e l e m e prop ô s a pro d uç ã o d e um out ro f i lm e, c uj o
r ot e ir o eu n em c h eg u e i a le r, p or qu e d is s e l og o a e l e: “ S e
v oc ê qu er f a ze r um f ilm e, v am os f a zer X ic a d a S i lv a ” , ou tro
nã o m e in t eres s a . Ac ho qu e el e a i n da v ac i l ou , n ão ac r ed i to u
17 4
qu e a g en te pu d es s e l e va n tar os rec urs os n ec es s ár i os . [ .. .] E u
ac r e d it o m a is em ta l en t o e c om p et ênc i a do q u e em m uit o
299
d in h ei r o .
Para colaborar na criaç ão do roteiro Cacá Diegues convidou o
escritor carioca João Felício dos Santos , sobrinho-neto d o memorialista
Joaquim Felício dos Santos . Além do laço familiar que aproximava João
Felício à história da região diamantina, o autor tinha publicado outros
romances inspirados na história 300. A parceria estabelecida com o
diretor
ultrapassou
a
roteirização .
O
literato
foi
convidado
para
interpretar o padre do arraial do Tejuco , tornando -se, também, uma
espécie de consultor sempre por perto. A experiência o incentiv ou a
adaptar o roteiro e publicá -lo como livro após as filmagens 301.
Sabe-se que os filmes com temáticas históricas , devido aos
custos
com
pesquisas
e
reconstituições
inerentes
à
produção ,
costumam ter um elevado orçamento, justificando a preocupação de
Cacá Diegues quanto à obtenção de recursos. O papel da Embrafilme,
nesse sentido, foi importante . No final de 1974, a empresa assinou
parceria como coprodutora e distribuidora exclusiva do filme, ficando
assim estabelecidas as responsabilidades entre as partes envolvidas:
JB Produções: 55%; Cacá Diegues: 15%; e a Embrafilme: 30%.
Conforme
o
contrato,
o
orçamento
estimado
do
filme
era
de
Cr$911.000,00, sendo que a Embrafilme adiantava Cr$273.300,00 para
viabilizar o projeto 302.
Ao final das filmagens, contudo, esse valor mais que dobrou.
Além do aumento nos custos da produção, houve o naufrágio com o
barco de Xica – felizmente ninguém se feriu , embora estivesse
299
A BO R B O L ET A de v id r o . .. o p.c it ., p. 34 .
Des t ac am - s e em s uas p u bl ic aç ões i ns p ir ad as pe l a h is tór i a: S ANT O S, J oã o
Fe líc i o d os . Ma j or Ca l ab ar . R io d e J a n eir o : Fra nc is c o A l v es , 19 6 0 ; S A NT O S, J o ão
Fe líc i o d os . G a n ga- zu mb a . R i o d e J an e iro : T ec no pr i nt , 1 9 67 ; SA N T O S, J o ã o F el íc i o
dos . Car l ot a J o a qu i n a: a r a i nh a d e vas s a . R io d e J a ne ir o: C i v i l i zaç ã o Br as il e ir a,
19 6 8. D is p o ní v e l em : < ht tp :/ / www. j o a of e l ic i od os s an t os .c om .br/ h o m e.htm l > Ac es s o
em : 3 j u n. 2 0 1 1.
301
O l i vr o f o i l anç a do c om o hom ôn im o d o f i l m e: X ic a d a S i lv a. S o bre o f a to , C ac á
Di e gu es o bs er v ou q u e s e tr a ta v a d e um “c as o rar o d e um f ilm e que de u or i g em a
um l i vro” ; Es t ad o d e M i nas , 3 m ar. 20 0 7.
302
Co ntr at o d e C o - Pr o duç ã o, as s i n ad o em 10 d e d e zem br o d e 1 97 4 . Fu nd o :
A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 0 75 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P.
300
17 5
tripulado
no
Entretanto,
foi
momento
grande
do
o
acidente ,
prejuízo
inclusive
financeiro,
por
já
que
Zezé
Motta.
foi
preciso
reconstruir o navio, que consumiu cerca de Cr$50.000,00 e dava toques
de superprodução para os padrões do cinema nacional, além de
materiais da produção que foram a pique junto com a embarcação. Em
função
do
acidente,
Cacá
Diegues
soli citou
à
Embrafilme
novo
adiantamento, concedido no valor de Cr$300.000,00 , atrelando a renda
de bilheteria como garantia de recebimento da dívida 303.
Diante do descompasso financeiro, foram redefinidas as cotas de
responsabilidade e participação nos resultados do filme. A Embrafilme
elevou sua parte a 40%, adquirindo partes da JB Produções, que
reduziu sua parcela para 50% , e do diretor que passou a ter 10% 304.
Entre os adiantamentos realizados, o aumento em sua participação e a
compra de mais 10% das cotas do s produtores, o aporte total da
Embrafilme em Xica da Silva somou Cr$1.087.239,10 – bem mais do
que o valor total inicialmente projetado para o filme. Considerando as
proporções de participação, i nfere-se que o custo final do filme
alcançou Cr$2.718.097,75 .
Apesar do elevado valor para uma produção nacional, Cacá
Diegues ponderou que “ Xica da Silva apenas utilizou de maneira
adequada os recursos disponíveis no cinema brasileiro [...] e [o filme]
representa uma produção pouco acima da média” 305, sobretudo quan do
comparado ao dobro da receita orçamentária consumida em Dona Flor
e seus dois maridos (Bruno Barreto) e Tenda dos Milagres (Marcel
Camus). O diretor relativizou, reiteradamente, o orçamento da produção
por considerar que, ao se enfatizar o aspecto econô mico, a discussão
sobre a qualidade do filme ficava em segundo plano. Além disso,
percebe-se a tentativa de dissipar
as incômodas críticas que o
colocava como integrante de um grupo de cineastas com privilégios
junto à Embrafilme.
303
Ad i tam e nt o e Re - Ra t i f ic aç ão a C o ntr at o d e Dis tr ib u iç ã o , as s i na d o e m 2 d e a br il
de 19 7 5. Fu n d o: A nc i n e/ Em br af ilm e, s ér ie 1 1 0. 1/ 0 00 7 5, C i nem at ec a Br as i le ir a/ S P .
304
Ad i tam en t o a o c o ntr a to de c o- pr o duç ã o a o fi l m e X ic a d a S i lv a , a s s i na d o em 24
de n o v em br o d e 19 7 5 . F un d o: Anc i ne / Em braf i lm e, s ér ie 1 1 0. 1/ 0 0 07 5 , C i n em atec a
Br as il e ir a/ S P .
305
X IC A D A SI L V A, d o is an os .. . o p.c i t.
17 6
Mesmo não sendo considerado pelo diretor uma superprodução, o
elevado orçamento e sucesso comercial atingido logo nas primeiras
semanas
de
exibição
imprimiram
um
peso
a
Xica
da
Silva
especialmente por representar parte d a história nacional. Por ocasião
da première do filme, Cacá Diegues observou que “ [...] eram poucas as
referências históricas [sobre Chica da Silva] , sendo familiar o enredo
de Salgueiro (1963), Cecília Meireles e Joaquim Felício dos Santos” 306.
De fato, produção histórica no campo acadêmico sobre a vida da
ex-escrava que se tornou amásia de um dos homens mais importantes
do império português era inexistente. Talvez, por isso, desde o início
das filmagens, o diretor procurou se esquivar das cobranças por
produzir uma narrativa cinematográfica pautada na ideia de verd ade
histórica. Em 1975, quando o filme ainda era produzido, Diegues
pontuou não intencionar discutir a crônica histórica do país. Entretanto,
reconhecia pensar o filme como um mediador para promover essa
reflexão.
O q ue s a b em os da X ic a d a S i l va , a lém das r ar as f o n tes
er u d it as , n os f o i tr a ns m iti do p el a im ag in aç ã o p o pu l ar a tr a vés
da tr ad iç ã o o ra l o u p e los r om anc es , p eç as de t ea tr o, p oem as
e s am bas . T an t o m el hor . N ã o é i nt e nç ã o do f ilm e dis c u tir a
c r ôn ic a h is tór ic a d o p aís , s e b em que p os s a m os c ola b orar c om
e la . Pr et en d em os a p en as ac en d er um a l u z n o va s o br e um
im por ta nt e pers o na g e m m ític o br as i le ir o e , atr a v és d e le , f a zer
o e lo g io p o ét ic o d a l i ber d ad e , da im a gi n a ç ão c r ia d ora e da
307
s ens u a li d ad e d e um p o vo – o n os s o .
A percepção do filme como mediador do conhe cimento histórico
reapareceu
quando
apresentou
seu
filme
para
a
imprensa.
Nas
entrevistas próximas ao lançamento nacional, em setembro de 1976, o
diretor destacou a importância da reconstituição cenográfica a cargo d e
técnicos
do
IPHAN
(Instituto
do
Patrim ônio
Histórico
e
Artístico
Nacional), que, segundo Diegues, se superou na árdua tarefa de tentar
deixar o casario das ruas da cidade de Diamantina o mais próximo das
existentes no arraial do Tejuco, no século XVIII: “ [...] repintando casas,
igrejas, reconstruindo muros, ‘maquiando’ postes” 308. Orgulhosamente,
306
RA NG EL , M ar i a L úc i a. C i n em a No v o: s e g u nd a d e nt iç ão . O p o vo nas te l as e n as
s a las . J or na l d o B r as i l , 31 j u l . 1 97 6.
307
S I L VA , A l b er t o. A f a n tás t ic a X ic a d a S i l v a. Crí tic a , 9- 15 j u n. 19 7 5 , p. 2 1.
308
X IC A D A SI L V A, d o is an os .. .o p.c i t.
17 7
Cacá Diegues reiterava a realização de intensa pesquisa histórica para
empreender as filmagens .
Mas , c om o h a vi a m ui t o p ouc a c o is a s o br e a X ic a d a Si l v a, nós
tom am os um c am in ho d e r ec o ns t i tu iç ã o his tór ic a da é p oc a e
pus em os o p ers o n a ge m em c im a. C a da el e m ento em c ena é a
r ec o ns ti t u iç ã o
r i g or os a
de
d oc um ent os
e
gr a vu ras ,
pr inc i p alm en t e D e bre t e R u ge n das , pes q u is ad os nos m us eus
de B e lo Hor i zo n t e e do Ri o de J an e ir o. Mu i tas c en as s ão
c óp i as f ié is d es s as r e pro d uç ões . [. ..] As r o up as e os c e n ár ios
f or am to d os r ec o ns t i t uí d os , c om ex c eç ã o de X ic a , qu e é a
309
i nt er ve nç ã o na H is tó ri a .
Percebe-se, portanto, a dubiedade de Cacá Diegues quanto ao
filme de gênero histórico. Se, em determinados momentos, procurou
fugir da carga educativa de um filme histórico, ao mesmo tempo
ressaltava o trabalho de pesquisa e reconstituição históricas como
lastro de qualidade de seu Xica da Silva. Esse comportamento torna-se
compreensível diante da crítica realizada pelo diretor a respei to do
papel social reivindicado pelo cinema nacional, sobretudo do cinema
novo, movimento do qual foi partícipe. O cineasta avaliou que os temas
sociais haviam perdido sua eficiência pelo excesso de proselitismo, o
que afastava o público do cinema .
A g en t e c om eç o u f as c i na d o p el o p o v o, d e po i s s e d ec epc i o no u.
V ei o a f r us tr aç ão e a ge n te f ic ou n um a pos iç ã o agr es s i v a,
c om o s e o p o v o f o s s e c u l p ad o. [. .. ] H a v ia um a ref l ex ã o
r ea l is ta qu e f oi f rus tr ad a , e a ref lex ã o ac ab o u s e t orn a nd o
um a es péc i e d e a ut od es tr u iç ã o , a t é q u e os f i lm es v ir ar am um a
abs tr aç ã o l o uc a . E os rea l i za d or es c ons c i e nt es es tã o s a i nd o
310
d is s o e r et or na n do ao po v o .
No seu entendimento, r etornar ao povo era uma necessidade do
cinema brasileiro. Segundo o diretor, o país vivia um momento próximo
a um marco zero.
Es t am os em erg in d o de um p er ío d o ne gr o, d o lo ros o, e é
pr ec is o nes te m om ent o ac re d it ar na c r i at i v i da d e, por q ue
qu a nd o os ins trum e nt os f a l h am , q ua n do o s i ns t rum en t os de
m odif ic aç ão d o r e a l s e m os tr am in o per a n tes , v oc ê n ã o v ai
f ic ar lam en t an d o o rea l , v oc ê m uda os i ns tr um en tos . P ar a
po d er a t i var a s u a c r i at i v i da d e v oc ê t em qu e s er po l i tic am en te
r i gor os o, es t ar s e m pre ao l ad o do po v o, m as s er
311
i de o lo g ic am ent e irr es p ons á v e l, c om o a X ic a .
309
SI L V A, F er n a nd o J os é D ias da . X ic a d a S i l v a e d o S uc es s o. J or n a l d a Tar de , 2 4
s et . 1 97 6, p. 24 .
310
V ART UC K , P o l a. Um a v ir a da d o C in em a No v o n o ex pr es s i vo X ic a d a S i lv a . O
Es t a do de Sã o Pa u lo , 9 s et . 1 97 6 .
311
I b id em .
17 8
No período, quando falava sobre suas motivações para filma r
Xica da Silva, Diegues ressaltava que “[...] o que mais o atraía no
projeto era a possibilidade de realizar um filme sobre a maravilhosa
doidice brasileira” 312. Iria ainda mais longe, defendendo uma ideia de
brasilidade que se aproximava daquela desenvolvi da pelo movimento
tropicalista 313.
Nesse
sentido,
o
desfile
da
Escola
de
Samba
Acadêmicos do Salgueiro (1963) foi uma importante referência para
filmar a história da ex -escrava do Tejuco , culminando na elaboração de
um roteiro que consolidava a inversão do i maginário oitocentista sobre
Chica da Silva. A partir de então, a negra passou a ser narrada como
uma pessoa de personalidade forte , atrevida e senzualizada.
A linguagem carnavalesca foi o estilo narrativo adotado na
película de Cacá Diegues. Sobre a linguagem carnavalesca no cinema,
Marco
Silva 314
observa
que
muitas
produções
cinematográficas
nacionais se aproximam do estilo alegórico e caricatural próprios do
gênero. Contudo, para o historiador, essa prática não invalida o uso do
filme como fonte, já que a narrativa fílmica termina por oferecer
possibilidades para a crítica histórica .
A c ar n a va l i za ç ã o n ã o s e l im it a a f a ze r p i ad as c om um
un i v er s o t em át ic o . E la pos s i b i li t a a pr es e n tar o h is tór ic o c om o
i nt er p r e taç ã o
ex p lí c it a ,
[. .. ]
in tr od u zi n d o
in v ers ões
h ier ár qu ic as
e c ro no l ó gic as c om
f ina l id a de c r ít ic a
e
e v id e nc i a nd o laç os de es c l ar ec im ent o r ec í pr oc o en tre o
315
pr es e nt e d e f i lm agem / ex ib iç ão e o p as s a d o t em ati za d o .
312
R AN G EL , M ar ia L úc i a . C i n em a N o v o. .. op .c it .
Pa ra o m ov i me n to tr o p ic a l is t a ; c f .: SC HW ARZ, Ro b ert o. Cu l tu ra e p o lí t ic a , 1 9 64 69 . I n: O p a i d e fa mí l i a e o utr os e ns a io s . Ri o d e J a n e iro . P a z e T erra 19 7 8;
FA V A RET T O , Ce ls o F. T r o p ic á l i a: al e go ri a, a l e gr ia . S ão P au l o, Ka ir ós , 19 7 9;
VI L L AÇ A , M ar ia n a. T r op ic a l is m o: e ntr e va ng u ar das e m anif es t os . I n: P o li f on i a
tro p ic a l : ex p er i me nt a l i s mo e e ng a j am e nt o n a mús ic a p o p ul ar ( Br a s i l e C ub a , 1 9 67 19 7 2) . Sã o P a u lo : H u m anit as , 20 0 4.
Cac á D i e gu es er a c a s ad o c om a c a nt or a Nar a Le ã o, te n do rec on h ec id o t râ ns it o
c om o gr u po tr op ic a l i s ta . Em s eu f i lm e O s Her d e iros (1 9 69) , há a par t ic i p aç ão d a
s ua es p os a e d e Ca et a no Ve l os o em um a s e qu ê nc i a b as t a nt e m us ic a l , b em ao
es t i l o tro p ic al is ta de e x per im en t aç ã o e re l e it uras c ul t ura is .
314
SI L VA , M ar c o A nt ô ni o. A c ar ic a t ura c om o pe ns am ent o : a Ca rl o t a d e Car l a. I n .:
Rev is ta O O l h o d a His tór i a , n . 10 , 2 00 8 , pp . 1 - 8.
Dis p on í v el
em :
< h tt p: // oo l h od a h is t or ia . o rg/ ar ti g os / IM A G E N S- c ar ic a tu ra - c ar l ot ac ar la- m ar c os - s il v a .p df > Ac es s o 2 7 a go . 2 00 8.
315
I b id em , p .8 .
313
17 9
O sucesso de público indicava que seu intento em fazer um
cinema mais popular era alcançado. Ai nda assim, sua opção pelo tom
caricatural e carnavalesco com que representou Xica da Silva e seu
contexto histórico lhe rendeu duras críticas 316. De modo geral, e las o
acusavam de deturpar a história e explorar a sexualidade – quase aos
moldes do gênero pornochanchada 317, deslocada para contexto colonial
– com o intuito de obter sucesso econômico .
Es s e apr e n di za d o c o m erc ia l, e n tre t an to p arec e c am i nh ar n a
pr o p or ç ão c o nt rár i a do a pr en d i za d o h is t ór ic o , ou s ej a, o
c i ne as t a pref ere s ac r i f ic ar gra n de p art e d a riq u e za p ol ít ic o et n ol ó g ic a qu e e n v ol v e a p ers on a gem em f unç ã o d o r is o f ác i l,
318
m as gar a nt i do , d a p l at e ia .
Ressalva -se que f ilmes de gênero histórico , como Xica da Silva e
Chico Rei, são obras ficcionais cujos argumentos são construídos em
estreito diálogo com a História. Tornam-se, nesse sentido, obras de
quase
realidade 319.
sobrecarrega
as
A
intercessão
películas
dessa
entre
história
nature za
pelo
e
imaginação
viés
histórico
reivindicado, recebendo intensa cobrança por parte de historiadores e
críticos
acerca
da
veracidade
dos
acontecimentos
do
passado
representados no filme.
Reitera-se que não se trabalha nesta tese a perspectiva de
procurar a verdade histórica nas representações fílmicas. Inclusive,
concorda -se com Robert Rosenstone que as incongruências hist óricas
(temporais e personagens, por exemplo) presentes nas representações
316
No a n o d e 1 97 8 os c r ít ic os am pl i a v am as qu e ix as a o d ir et or p ar a a l ém do f ilm e
X ic a d a S i lv a . Cac á Di e gu es r es po n de u a c us a n do - os d e pa tr ul he ir os i de o l óg ic os ,
tem a qu e s er á d is c ut i d o n o c ap ít u l o 4, it em 4 .1 .
317
“O gê ner o p or n oc h a nc h a da – c o nj u nt o de f ilm es c om tem átic a s di v ers as m as
c om f or m as de pr o d uç ã o a pa re nt a das – i d en t if ic ad o c om c o m édi as eró t ic as ,
rap i d am ent e c o n qu is t ou am pl as p arc e l as d o m erc ad o. ( .. .) O ter m o de s g as t o u- s e
pe l o us o in d is c r im in a do , des i g na n do t an t o f ilm es de pr o duç ã o apr es s a da e m a l ac a b ad a , c om o ou tr os d e c ons tr uç ã o e l ab or a da , m as o c rit ér io bás ic o é a
pr ior i d ad e n a ex i b iç ão an a tôm ic a f em in i na (m es m o qu e em c onf l i to c om o
des e n vo l v im en to dr am át ic o ) e o d es en v o l v im en t o d e ro te ir os c om ênf as e em pi ad as
ou s i tu aç ões er ót ic a s ” ; A B R EU , N un o C és ar . Por n oc ha nc ha d a. In .: RA MO S ,
Fer nã o ; M IR A ND A , L u i z Fe l i pe . (O r gs ). E nc ic l o pé d i a d o c in e m a br as i le ir o . 2 .e d .
S ão Pa u l o: E d . S E NA C, 2 0 04 , p. 4 32 .
318
F ER R EI R A, J a i r o. Um n ã o à p orn oc ha nc ha d a. F ol h a d e S ão P au l o , 8 s et . 1 97 6 .
319
RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it .
18 0
são pontos a serem explorados para reflexão sobre o conhecimento
histórico 320.
Percebe-se, portanto, a consciência do diretor em carregar nos
tons caricaturais em sua releitura de Xica da Silva. Para Cacá Diegues,
pela comédia e inversão da ordem, recurso narrativo tão caro à
linguagem carnavalesca, era possível reaproximar -se do público e
promover reflexões sobre o passado histórico.
Além das críticas realizadas pela parcela da imprensa defensora
da perspectiva objetivista nos filmes de temática histórica, condenando
a
opção
pela
verossimilhança
abordagem
histórica,
outra
carnavalesca
dificuldade
em
detrimento
enfrentada
por
da
Cacá
Diegues foi com a censura. Embora a Embrafilme tenha sido uma
parceira
essencial
para
Xica
da
Silva ,
antecipando
recursos
e
promovendo a distribuição das cópias, inclusive no exterior, a relação
com o governo se operava com reservas.
A censura, sob responsabilidade da Polícia Federal, estava ativa
em 1976 e continuava a bloquear a produção cultural brasileira 321. A
presença do departamento censor pode ser sentida no comentário de
Cacá Diegues referente aos problemas que o filme enfrentou com os
censores do Estado , destacando a preocupação do órgão com a críti ca
política, sobremaneira a violência repressiva da ditadura, e , também,
os aspectos morais de natureza sexual.
O f i lm e d em oro u um m ês par a s er l i be ra do . E l es qu er i am
c or t ar a t or tur a d o f i n a l, to d os os p a la v rõ es , um pa p o d o A l ta ir
L im a c om o J os é W ilk er . Es ta v am qu er e nd o c ort ar c o is a pr a
bur r o . F in a lm en te ac a bo u t e n do um c ort e s ó , n aq u e la pr im eir a
c en a d e s ex o e n tre o W alm or e a Ze zé . N ã o p as s ar am : um n u
do W alm or, um a c e na n os l e nç ó is e u m a c on v ers a de
322
tr a v es s ei r o e n tre el es .
320
RO S E NST O N E , Ro b e r t. A . I nv e nt a n do la v e rda d e. .. o p.c it .
No p ós - 1 96 4, a li b er da d e d e ex pr es s ão f o i s upr im id a , s o b o r es pa l d o d a L e i d e
S eg ur anç a N ac io n a l, t or n a n do- s e um a pr át ic a q ue va ri o u, t a nt o n o qu e d i z r es pe i to
à s u a s is t em at ic id a de , qu a nt o à s u a i nt ens i d ad e . C ar ac t er i zo u - s e c om o m ec an is m o
de c o n tr o l e s oc i al c o m pos to p or d u as d im ens õ es i ntr íns ec as , 1 ) o re g im e m il i tar
(des )a ut or i za v a os as s un t os v e ic ul a d o s , po r m eio d e l is t as d e pr o ib iç ões em it i das
pe l o M i n is t ér io d e J us tiç a ; 2) s u g ere - s e c om o a l gu ns t em as de v er i am s er trat a dos .
A o re g ul am en tar e ins ti t uc i o na l i za r a c ens ur a, os g o ve rn os m il it ar es pr e oc u p a vam s e em “ ve l ar ” as aç õ es c e ns ó ri as , n o i n tu it o d e nã o c om pr om eter a im ag em do
go v er n o p or s eu as pec t o pr o i bi t i vo ; M A RT IN S, W ill iam de S ou za N u n es . As
m últ ip l as f or m as de c ens ur a. .. op .c it . ; PI NT O , L eo n or S ou za . O c i nem a
bras i l e ir o .. . op .c it . ; SE LIG M A N, F lá v i a. O r ga n i zaç ã o. .. op .c it .
322
C i nem a. R ev is t a Fa to s e F ot os G e nt e , 31 o ut . 1 97 6, p. 13 .
321
18 1
Considera-se de fundo político a preocupação dos censores com
a cena de tortura do negro quilombola Teodoro, pelas forças do Estado,
sob supervisão direta do governador Visconde de Barbacena , pois
poderia ser entendida como um endosso crítico às denúncias de tortura
correntes no regime militar. Apesar disso, terminou liberada.
Os pareceres da Divisão de Censura e Diversões Públicas da
Política Federal (DCDP/PF) indicam o predomínio dos aspectos morais
na análise censora do filme. A única cena de corte recomendada foi a
referida por Cacá Diegues. Contudo, onze falas – das personagens
Xica da Silva e Sargento Mor – com expressões populares, termos
chulos e palavrões deveriam ser suprimidas 323.
Apesar das restrições, o filme terminou liberado para a faixa
etária de 18 anos, constando os selos de Boa Qualidade e Livre para
Exportação. Algumas observações do DCDP sobre o filme se destacam ,
como o entendimento , na avaliação de uma censora, de que o filme não
apresentava apelo erótico.
Fi lm e hi s t ór ic o , re tra t an d o ac on t ec im e nt os da ép oc a d o Br as i l
c o lô n ia , r es s a lt a nd o as ri q ue za s res u lt a nt es d a ex tr aç ão de
our o e pe dr as pr ec ios as . C h ic a da S i l va , p e rs on a g em len dá ri o ,
é m os tr a d a em to d a s ua ex te ns ão h um ana e s u a nu d e z s ur g e
de um m odo n at ur a l e s im pl es , s em n en h um a ex i b iç ã o
324
er ó t ic a .
Ou a qualificação elogiosa do filme quanto aos seus aspectos artístico
e fotográfico, realizada por Carlos Rodrigues , que parece ter se
impressionado, sobremaneira, com a locação de Diamantina .
Rar am en te t em os o p ort u ni d a de d e ex am i nar f i lm e n ac io n al
c om a c a te g or ia d e s ta “X ic a da S i l v a”, ta nt o p el o g ui ã o
c i nem at o gráf ic o , d es e m penh o d os art is t as e pr i nc ip a lm ent e as
f ilm ag e ns d a c i da d e de D i am ant i n a, q u e g uar d a a i nd a t od as
as c a r ac ter ís t ic as do Br as il C o lo n ia l . F e it o – c om es p ec i al
pr a ze r – es t e re g i s tro s obr e o f i lm e , c uj a l ib er aç ão
e v id e nt em ent e t erá q ue s er n a f aix a e tár i a m áx im a, d e v erá
323
P ar ec er 4 5 94 /7 6 , as s i na d o p or C le us a Ma ri a F err e ira B arr os , em 2 0 d e a gos t o
de 19 7 6. D CD P /P F. Ar qu i v o N ac i o na l /D is tr it o Fe d er al –
Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac in e b r.c om .br /a rq u i vo / 00 5 0 03 4 C0 0 80 1. h tm l >
Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 .
324
P ar ec er 4 0 45 /7 6 , as s i na d o p or M ar ia H e l en a M ed e ir os , em 15 d e j u l ho 1 9 76 .
DC DP / PF . Ar qu i v o N a c i on a l/ D is tr i to F ed er a l –
Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac i n eb r.c om .br/ ar qu i v o/ 0 05 0 03 4C 0 01 0 1. htm l >
Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 .
18 2
s of r e a p en as um c ort e e el im i naç ã o d e tr i lh a s on ora c onf orm e
325
s e s e gu e .
Cacá Diegues não se abalou diante das sugestões de cortes e
solicitou a revisão do parecer. Essa possibilid ade reitera comentário
anteriormente realizado sobre os espaços de negociação existentes
entre o cineasta e Estado, apesar do momento ditatorial e natureza
coercitiva do órgão censor. Infelizmente, o documento está incompleto
e não foi possível localizar a resposta oficial à solicitação – embora o
filme revele o sucesso nas reivindicações. Ainda assim, é interessante
perceber
os
argumentos
usados
pelos
produtores,
destacando
a
qualidade técnica do filme e a pertinência dos termos por uma questão
cultural.
Co ns id er a nd o o e l e va do n í v el t éc nic o e ar tí s tic o e o tr ab a l ho
v er d a d eir am en te art e s an a l r e a li za d o s c om o f i lm e X ic a d a
S i lv a , gr an d e v enc e d or d o úl t im o F es t i v a l d e Br as í l i a de
Ci n em a B ras i l ei ro e , s em d ú vi d a, um a das m ais s ér i as
te n dê nc ias d e af as t ar o c in e m a n ac i o n a l d as c h am adas
“ po r n oc ha nc ha d as ” , o qu e s ó tr ar á b e nef íc i o s ao es p ec t ad or , e
à
i n d ús tr i a
c i n e m atogr áf ic a
nac i o n a l,
v im os
m ui
r es p e it os am ent e , c om o i nt u it o de m ant er a i nt eg ri d ad e d a
obr a , s ol ic i tar a V. S a. q ue rec o ns id er e o c o rte d et erm in a do n o
s eg u nd o r o l o d o f ilm e.
S ol ic i ta a i nd a q ue s ej a r ec o ns i d er ad a a d et erm in aç ã o d e
s upr es s ã o das ex pr e s s ões “ M ER D A” e “ BU ND A ” qu e s ã o
c o loc a das s em int u it o d e d e boc h e o u p orn o gr af i a, j am a is
gr a t ui t am ent e, e q u e , d es s e m od o, a n o s s o v er, n ã o t em
s en t id o o bs c en o m as c ôm ic o. T am bém a ex pres s ã o “ FI LH A D A
PUT A” é c o l oc a d a c o m um s ent i do tr ag ic ô m ic o e ac re d it am os
qu e s ej a a ún ic a ex p res s ã o g en u in am en te bra s i l e ir a c a bí v e l
326
no m om ent o e n a s it u a ç ão em qu e é pr of er i d a .
Apesar dos contratempos técnicos e com a censura, a ampla
pesquisa que fundamentou a cenografia, os figurinos e o roteiro,
somada à linguagem cinematográfica pontuada pela comédia e alegoria
carnavalesca, colaborou para o filme se tornar um grande sucesso de
público. Logo nas primeiras semanas, o valor d e arrecadação cobria
325
Pa rec er 45 8 7/ 76 , as s i na d a p or C ar l os R o dr ig u es , em 20 d e a gos t o d e1 9 76 .
DC DP / PF . Ar qu i v o N a c i on a l/ D is tr i to F ed er a l –
Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac i n eb r.c om .br/ ar qu i v o/ 0 05 0 03 4C 0 06 0 1. htm l >
Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 .
326
So l ic i taç ã o a o d ir e to r da DC D P (d oc um en to i nc om p le to ) , em 31 a g o. de 1 97 6 ;
DC DP / PF .
Ar qu i v o
N ac io n al /D is tr it o
Fe d er al
–
Dis p on í v el
em :
< ht tp :/ / www.m em or iac i ne br .c om .br / arq u i vo / 0 05 0 03 4 C0 1 10 1 .h tm l > Ac es s o em : 2 2
m ar. 2 0 13 .
18 3
seus custos. Na capital mineira, onde se desenvolve a trama , o governo
do Estado uniu-se à Embrafilme e ao produtor Jarbas Barbosa para
divulgá-lo nos jornais, convidando os mineiros a assistirem 327. Uma
semana após a estreia , numa quarta-feira de cinzas, já havia rendido
mais de
Cr$700.000,00,
assim,
“[...]
tudo
indica
que
conseguirá
facilmente superar todos os outros lançamentos anteriores do cinema
nacional em toda a história cinematográfica de Belo Horizonte” 328. Em
balanço divulgado pe la Embrafilme sobre as bilheterias de 1977, Xica
da Silva arrecadou 12 milhões de cruzeiros, figurando entre os sete
filmes com renda superior a 10 milhões de cruzeiros 329.
2.3.2.
Chico Rei
O programa filmes históricos, lançado pela Embrafilme em 1977,
recebeu dois projetos para financiamento com a história de Chico Rei .
Em julho, a N.T.M. 330 inscreveu esse título e mais outras três propostas:
Maria Quitéria, mulher soldado ; Castro Alves: gondoleiro do amor; e O
Império de Sinhá Brabá 331 – todos recusados.
Destaca-se,
influenciados
aqui,
pelos
a
proposição
romances
de
históricos
dois
de
temas
Agripa
diretamente
Vasconcelos ,
elogiosamente apresentado “[...] como dono de uma pena magistral por
demonstrar uma faceta até então desconhecida do povo brasileiro: a
força do homem negro, diante da potência latifundiária do homem
327
D i ári o d a Ta r d e , 23 f e v. 19 7 7, p . 13 .
X ic a d a S i lv a j á de u 70 0m i l. Es t a do d e Mi n as , Co l un a Re g is tr o C u lt ura l , 3 m ar.
19 7 7, 2 ª s eç ã o , p. 3.
329
A re l aç ão d os f i lm es nac i on a is em orde m dec res c e n te p or a rrec ad aç ão ( em
m ilh õ es ) n o a no d e 1 97 7 : D o na F lor e s e u s d ois m ar i dos (6 2) ; O s Tra p a lh õ es no
p la n al t o dos m ac ac o s ( 3 1) ; J ec ã o. .. u m fo fo q ue ir o n o c éu ( 2 1); O Me n i no da
por t ei ra ( 2 0) ; X ic a d a S i lv a ( 1 2); G e nt e f i na é o utr a c o is a ( 12 ); O S em i n ar is t a (1 1) ;
Nos s o c i n em a: c us t os e l uc r os . J or n al da T ar de , 1 0 j an . 1 97 9 , p. 2 4.
330
Pr o du t or a de N e ls o n T eix e ir a M e nd es , em pres á ri o q u e na d éc ad a de 19 6 0 e 7 0
pas s o u a in v es ti r em c i nem a r e al i za n d o , s obr e tu d o, f i lm es p op u lar es l i ga d os a
tem át ic as r ur a is , s us p ens e e al g u ns tí tu l os de por n oc h a nc ha d a; c f .: M IR A ND A , L uís
Fe l ip e. M E ND E S , N e l s on T e ix e ir a. In .: R A MO S, Fer n ã o ; MI R AN DA , Lu i z Fe l i pe .
(O rgs ) . Enc ic l op é d ia do c i n em a br as il e ir o . 2. e d. S ã o Pa u l o: E d. S E N AC , 2 0 04 ,
p. 3 74 .
331
Mem or an d o nº 6 4/ 7 7 – D A PR O à c i n em at ec a Bras i l e ira / S P. Co nf orm e vis t o,
S in h á Br ab á é ou tr o t í tu l o d e A gr ip a V as c on c e los , q u e in t egr a a S ag a n o P a ís d as
G er ais .
328
18 4
branco” 332. Contudo, ao autor é atribuída uma abordagem do herói
negro no limite do anacronismo, já que Chico Rei é tomado como
exemplo da “[...] luta em prol da liberdade de toda sua gente [e isso] é
o que de mais dignificante se pode perceber num país que, embora
escravagista, permite aos seus homens o direito à luta” 333.
No projeto da N.T.M., identifica -se uma linha ideológica de
conflito de classes a partir das relações escravocratas , mas com
explícita referência ao presente político do país, então às voltas com a
luta pela redemocratização . O projeto prossegue com uma sinopse
confusa, romântica e com equívocos históricos .
A gr ip a c o ns e g ue m os t rar C hic o R e i c om o u m rebe l d e de v al or ,
m as tam bém é p at en te a do a os s e nh or es f eu d a is um a v is ã o
m ais s im pá t ic a d e on de s e p od e p erc e b er qu e s e os hom ens
s ão r u ins , s ã o m ov i do s por f orç as ex ter i or es , e q u e l hes s e nd o
da d o o d ir e it o d e s er b om , es s e h om em s abe rá s ê - l o.
As s im f ic a a q u es t ã o qu e s e im põ e nes s a h i s tór i a qu e f o i re a l,
por t an to di g na de c o nh ec im en to p ú b lic o m ais am p lo : Ch ic o
Re i f o i um her ói ou c o v ard e ? N ão qu er a po s s í ve l f it a m os tr ar
334
is t o , m as s im doc um e nt ar os f at os .
Como se percebe, apesar de destacar Chico Rei como modelo de
resistência, há um rec eio da produtora em explicitar esse objetivo no
filme.
Como
subterfúgio,
recorre
ao
potencial
divulgador
do
conhecimento histórico existente no filme como justificativa do projeto.
A previsão de custos também reitera as imprecisões e dubiedades da
sinopse e justificativa , afirmando que “[...] dentro de um esquema
racional, as despesas poderão ser atendidas satisfatoriamente com a
quantia estipulada pela Embrafilme” 335. Diante da fragilidade do projeto,
não é de surpreender sua negação pela empresa.
Diferente da proposta da N.T.M., percebe-se no projeto da
StopFilm, representada por Jorge Bodansky 336, maior zelo, afinal o
332
O f ic i o n. 1 2 9/ 7 7 – D ep ar tam en t o Com erc ia l/ Pr oj et os Es p ec i a l, e m 5 d e j u lh o d e
19 7 7. F un d o: Anc i ne / E m br af ilm e, s éri e 1 1 0. 1 /0 0 45 4, C i n em atec a B ras il e ir a/ S P .
333
I b id em .
334
I b id em .
335
I b id em .
336
J or g e Bo d a ns k y er a um nom e c on h ec i do n o m e io c in em a t ogr áf ic o , te n do
par t ic ip a do c om o f ot ó gr af o d e v ár i as p ro d u ç ões . Em 19 7 4, d ir ig i u Ir ac e ma , um a
tra ns a a ma zô n ic a q u e , em bor a o f i lm e s ó t en h a s i do l ib er ad o n o Br as i l em 1 98 1,
ob t e ve gr a nd e r ep er c us s ã o p or m ei o de f e s ti v a is . S u a es t ad i a n a A lem an h a, o nd e
es t u do u f ot o gr af ia , f a vor ec e u c on t at os n a ár ea te l e v is i v a e c in em ato gr áf ic a,
18 5
documento foi entregue em mãos ao presidente da Embrafilme, Roberto
Farias, em 30 de junho de 1977. A proposta era realizar um filme e uma
série televisiva. A justificativa reitera va o papel emblemático do
protagonista que,
[.. .] c om o f ig ur a hi s tór ic a, C h ic o R e i en g lo b a um a p art e
im por ta nt e d a h is t ór i a n ac i o na l , a bra n ge n do o per í od o q u e
c on v e nc io n ou c h am ar d e c ic l o d o o ur o, c om a i nc i pi e n t e
c u lt ur a n ac i o n al , a i nt egr aç ã o d as raç a s , o s inc r e tis m o
r e li g i os o , da nç as , f ol c l ore , m ús ic a e c os t um es q ue d e po is
337
v ir iam a c ons t it u ir a b as e da c u l tu ra br as i l ei ra .
A boa perspectiva comercial do projeto também foi usada pela
produtora como justificativa, caso o mesmo fosse aprovado. Segundo
Jorge Bodansky, a StopFilm se colocava apta a finalizar negócios de
distribuição e comercialização no exterior, já tendo, inclusive, realizado
sondagens
reais
de
colocação
do
filme/seriado
no
mercado
internacional.
Conforme proposição inicial, uma série televisa com 13 episódios
seria rodada, decorrendo des se material um longa metragem. Caso
aprovado, o procedimento padrão da Embrafilme para séries exigia a
confecção de um episódio -piloto a fim de ratificar o financ iamento.
Nesse sentido, o orçamento apresentado pela StopFilm era detalhado,
indicando as etapas de execução de pesquisa , considerando que “[...]
enquanto os pesquisadores, o historiador e o fotógrafo estiverem
realizando os respectivos levantamentos de ca mpo, o roteirista irá
catalogando o material e esboçando o roteiro, sob a coordenação do
diretor de produção e o controle da produtora” 338.
Percebe-se
que
elementos
destacados
pela
política
da
Embrafilme como importantes signos da cultura nacional, como a
es t a be l ec e n do par c er i as c om pro d ut or es a l em ães c om o W olf G au er , c om qu em
pro d u zi u Ir ac e m a. . . A par c er i a f o i re e di t ad a no pr oj e to C hic o R e i. Des s a v e z
B od a ns k y, c om o r e p r es e n ta nt e da S to pF i lm , in t erm ed io u a par t ic ip aç ão d a
pro d ut or a a lem ã Pr o v ob is . P ar a b i o graf ia do f ot ó gr af o, c i n eas t a e pro d ut or ; c f .:
M AT T O S, C ar l os Al b e r to . J or g e B od a n zk y : o h om em c om a c âm era . S ão P a u lo :
Im prens a O f ic i a l d o Es t a do de S ão P au l o : Cu l tur a - Fu n da ç ã o Pa dr e A nc hi e ta ,
20 0 6. ; H EF FN E R, He r na n i; M IR A ND A , L u ís Fe l ip e. B O D A N SK Y, J org e . I n. : R A MO S ,
Fer nã o ; M IR A ND A , L u i z Fe l i pe . (O r gs ). E nc ic l o pé d i a d o c in e m a br as i le ir o . 2 .e d .
S ão Pa u l o: E d . S E NA C, 2 0 04 , p. 5 9 - 61 .
337
Pro j et o C h ic o Re i , enc am in h ad o a D AP RO . F un d o: A nc i n e/ E m braf ilm e, s ér i e
11 0 .1 /0 0 41 2 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P.
338
I b id em .
18 6
religiosidade e a festividade, eram considerados pelos produtores como
trunfos para o sucesso do filme. A presença de um historiador compor a
equipe
de
pesquisadores
revela
a
preocupação
em
adequar
as
representações ao contexto histórico, prestando -se, portanto, também à
função educativa. Todavia, sua autonomia estava subordinada ao
diretor e à produtora. De fato, não se sabe se o papel do historiador
seria mesmo respeitado, pois a produtora intencionava
[.. .] r e a li za r um f ilm e h is t ór ic o d e aç ã o e a v en tu ra , c om
s uf ic i en tes a tra t i vos par a o m erc a do ex ib i dor m u nd i a l.
Pr et e nd e- s e c o l oc ar n os e p is ó d i os i nf orm aç ão s uf ic i en t e p ara
r etr a tar os f at os his t ór ic os re l ac io n ad os c om a f ig ur a d e Ch ic o
Re i , s em qu e c om is t o ve n h a a s e r pr ej u d ic a da um a l in g ua g em
c i nem at o grá f ic a c a pa z de d es per t ar as a t enç õ es d o gr an d e
339
pú b l ic o .
A produtora contratou Mário Prata como roteirista. A sinopse dos
13 episódios que comporiam a série foi encaminhada ao DAPRO, em 16
de agosto. O documento revela que a cronologia à história do Bras il
seria parcial e se caracteriza va por elevada liberdade poética na
adaptação, abordando fatos e personagens históricos , muitas vezes ,
descontextualizados. O conhecimento histórico circulante sobre Chico
Rei foi respeitado: sua origem e realeza africanas , a escravidão e a
libertação do cativeiro. Entretanto, ao associar Chico Rei ao grupo da
Inconfidência Mineira, perpassando por elementos que envolviam “[...]
a cultura (Aleijadinho, etc.), o folclore (congadas, etc.) e a religião
(cultos africanos, etc.)” 340, reconhece -se a preocupação dos produtores
em adequar aquilo que entendiam como “[...] suficientes atrativos para
o mercado exibidor mundial” 341.
A Embrafilme deu o aval para que se fizesse um piloto. No
contrato firmado em novembro de 1977, a StopFilm aparece como
339
Pro j et o C h ic o R e i , e nc am i nh a do ao DA P R O . Fu n do : A nc in e / Em braf i lm e, s ér ie
11 0 .1 /0 0 41 2 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P.
340
I b id em .
341
Co nf or m e pr oj e t o, a s ér ie a pres e nt ar ia os s eg u i nt es c a p ít u los : 1 º) Áf ric a; 2 º) N o
na v i o n e gr eir o ; 3 º) M ar c h a par a o d is tr i to do O ur o; 4º ) C he g ad a e Re v o l uç ã o em
O ur o Pr et o; 5º) Le i l ão ; 6º ) M in a e s e n za l a ; 7º ) Q u i lom bo ; 8 º) G o n za g a ; 9º ) T err or;
10 º) A lf o r r i a ; 11 º) Ri q ue za ; 12 º) D ia d os R e is M ag os ; 13 º ) I lus ã o. Fu n d o :
A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 4 74 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P.
18 7
produtor, enquanto a Embrafilme como coprodutor e distribuidor 342. Um
adendo a esse contrato foi assinado em 27 de agosto de 1978, quando
a StopFilm assumiu sua associação com a Provobis, representante de
um grupo televisivo alemão, ligado a Igrej a Católica e com experiência
em séries televisivas, muitas delas com fim educativo 343.
Nesse momento, os produtores con vidaram W alter Lima Júnior
para assumir a direção do projeto. Quase uma década depois do
lançamento do filme em festivais, o cineasta relembrou assim seu
primeiro contato com o projeto .
Ch ic o R ei t i n ha s i do m uito d if er en te do qu e m e f ora of erec i d o
at é e n tã o, a l he i o a to do o es q u em a qu e e u h a v ia v i v i do at é
a li . Fu i pr oc ur ad o p or um a pro d uç ã o es tra n g e ira , d a T V a lem ã,
e c o n v id a do par a f a ze r es s e f i lm e: m e der a m o rot e iro pa ra eu
l er , er a um a s ér ie d e T V es c r i ta po r um au tor d e n o v el a
c ham ad o M ár i o Pra t a . Eu n ã o c on h ec ia o tr ab a lh o d e le . L i,
gos t ei d e m ui tas c o is a s , m as nã o c o nc or d e i c om m uit as ou tr as
qu e e l e p ôs n o ro te ir o , pr inc i p alm e nt e c om a l i ber d ad e q u e e l e
tom a va c om pers o n ag e ns m ui to em bl e m átic os d e nos s a
His t ór i a . No m eu e nt e nd er , a qu i l o er a um a es p éc i e de “s am ba
do c r i o ul o do i d o”. E l e m is tur a v a C h ic o R e i c om T irad e nt es ,
f a zi a um a ba g u nç a . Ac he i um a m al uq u ic e , es ta v a m ex e n d o
c om o inc o ns c i en t e nac io n a l. En tã o pr op us a os a l em ães
m udar a h is tó ri a , t ir ar tu d o a q u il o , q u e a í eu f ar ia o f i lm e, e
344
r ees c r e v i o r ot e iro .
O diretor considerava o excesso de adaptações e liberdades
históricas no roteiro -piloto um problema grave, pois implicava pe rverter
parte da memória nacional. Percebe-se seu entendimento d a relação
entre cinema e história e a mediação do conhecimento histórico,
exigindo, portanto, que o trabalho de direção fosse realizado com
cuidados redobrados e respeito a uma produção especi alizada.
Ao reescrever o roteiro, procurou suprimir os excessos. Contudo,
manteve boa parte da estrutura original. Em entrevista concedida para
esta pesquisa, W alter Lima Jr. recordou a dramaturgia meio barata
inicialmente proposta por Mário Prata, salien tou que é um apaixonado
por História e que, para além do Chico Rei, percebeu a possibilidade
342
Co ntr a to d e c o - pr o duç ã o e d is tr i b uiç ã o de f ilm e c in em at ogr áf ic o d e s ér ie ,
as s in a do em 10 d e n o v em bro d e 19 77 . F un d o: A nc in e/ Em braf i lm e, s ér ie
11 0 .1 /0 0 47 4 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P.
343
A tr ad uç ão j ur am en t ad a d es te doc um en to da ta de 12 de ab ri l de 19 7 9. F u nd o:
A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 4 74 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P.
344
LI M A J ÚN IO R , W alte r . C o n vers a nd o s o bre c i nem a: R ev is t a Q ua dro a Q u a dro ,
v. 1 , n. 1, p. 2 3 - 2 6, ag o. 1 9 94 . p. 2 6.
18 8
de abordar a dinâmica do escravismo, do tráfico às relações sociais 345.
Quando perguntado sobre o pré -conhecimento do tema, ressaltou que
não era novidade, sendo as festas de congada e o desfile d os
Acadêmicos do Salgueiro (1964) seus primeiros contatos, embora
frisasse que todo esse conhecimento estava inscrito na tradição oral.
Por isso, ao se debruçar sobre o projeto, começou pela leitura de
biografias romanceadas e
[.. .] c om eç ou a tr a ba l har no ro t eir o f ix ad o m uito na i d e ia d e
qu e o tr áf ic o d e es c r a v os er a o tem a c e n tra l e q ue a q u es t ão
da l ib er d ad e er a , v a m os di zer as s im , um tem a s u bj ac e nt e a
tu d o is s o qu e v a i d es em boc ar n o C h ic o R ei , q ue t em um
tr u q ue p ar a c o ns e g u i r es s a l i ber d ad e . E v i d e nt e q u e , d en tro d e
um pr oc es s o d e dr am at ur gi a , v oc ê us e de r ec urs os q u e es t ã o
à m ão . Q ue ao m es m o tem po c r ie um a pr o gres s ã o dr am átic a .
Com o c o nt ar /rec o nt ar es s a h is t ór i a, c om os e l em ent os de
His t ór i a qu e eu t e n ho , us an d o, às ve ze s , r ec urs os de f ic ç ã o,
par a j u nt ar um a c o is a c om a outra ? Fo i o qu e e u f i z. Eu s aí
um pouc o do A gr ip a V as c onc e l os , f u i ba t er n a C ec í l i a
Me ir e l les . O u v i m u it a g en t e c on ta r his t ór i as do C h ic o R e i. ..
V er s õ es , as m ais des bar a ta d as , o q ue m e de ix o u t ot a lm en te
346
s o lt o .
No contexto de lançamento do filme, W alter Lima Jr. reiterou em
entrevistas sua consciência da profícua relação cinema -história. O
diretor perceb ia não apenas uso do filme como fonte histórica, como
também reconhecia que novos discursos históricos pod iam ser escritos
a partir da película , num exemplo de construção da história pública. O
filme
ajuda
a
estabelecer
diálogos
com
outros
campos
do
conhecimento. Exemplifica esse processo a apresentação da história
de Chico Rei e sua relevância , não só para se entender o passado,
mas, fundamentalmente, seu papel político pensado no tempo presente
da produção do filme .
T r ata- s e d e um f ol h e tim em t orn o d e um a d as m a is de ns as
f ig ur as d a his t ór ia d o n e gr o n o Br as il . U m a his tór i a m ui to
es q u ec id a, nã o t ão c e l ebr a d a qu a nt o Zum b i ou C h ic a da S il v a .
Cr e i o q u e C h ic o re i é m ais d e ns o e p o li t ic am e nt e m ais
347
c ons e qu e nt e .
345
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3.
I b id em .
347
AZ E R EDO , El y. C h ic o R e i, o m it o n e gro . O G l o bo , 2 º Ca d ern o , 23 a go . 19 8 7,
p. 1.
346
18 9
Contudo, a história do filme Chico Rei foi bastante tumultuada,
recheada de contratempos que colocaram em risco a própria conclusão
do empreendimento, com o pode ser compreendido pela reconstrução
sintética dos principais acontecimentos desse imbróglio.
Desde a
aprovação do projeto, desentendimentos entre os produtores e a
Embrafilme
começaram
a
acontecer,
sobretudo
quanto
ao
descumprimento de prazos. Como a verba liberada para o filme se
destinava para o piloto da série, os produtores alemães reivindicavam
alterar o roteiro. Nesse sentido, Mário Prata queixava-se que “[...] os
alemães tinham sua própria visão dos fatos (interessava -lhes somente
o aspecto exótico) e começaram a fazer uma série de objeções e
exigências entre as quais uma participação maior da Embrafilme” 348.
A relação se deteriorava, até que , em fevereiro de 1980, as
filmagens que aconteciam em Ouro Preto foram interrompidas com a
saída
da
produtora
Provobis,
que
alegava
descumprimento
do
orçamento original. A interrupção gerou desconforto entre os atores e
muitos prestadores de serviços na cidade mineira procuraram a polícia
para garantir seu pagamento, bem como por pessoas que emprestaram
objetos antigos para compor os cenários.
Além
das
questões
financeiras,
é
possível
perceber
as
divergências entre o filme idealizado pelo diretor e a produção. Os
argumentos usados pela Provobis para deixar o projeto e tentar montar
o filme por conta própria, na Alemanha, eram o prazo e o orçamento
extrapolados. W alter Lima contra -argumentava que “[...] por exigência
do roteiro, havíamos transferido as filmagens para Ouro Preto, onde,
como em Parati (locação original), também chove muito. Além disso, a
produção era muito desorganizada. Tudo isso gerou o atraso” 349.
Durante esse período, houve grande indisposição dos ouro pretanos com toda a equipe, pois com a suspensão dos pagamentos os
comerciantes começaram a cortar os créditos em bares e hotéis. O
diretor reuniu todos.
348
T RÊ S c i n eas t as r e i v i nd ic am s eus di re i tos . O Es t ad o d e S ã o P au l o, 4 m ar. 1 98 0,
p. 1 7.
349
CUN H A, W ils on. A d i f íc i l l ut a d e C h ic o Re i & Um a be l a vi t óri a . J orn a l d o Bras i l ,
Ca d ern o B , p .4 , 2 7 ag o. 1 9 87 .
19 0
Dec i d im os perm an ec e r ref ém na c i da d e. A té el es p a ga rem .
E nt ão , eu t in h a q u e f a zer a l g um a c o is a . E u t i n ha a lg um
ne g at i v o q ue t i nh a s o bra d o , q u e a g en t e g uar d o u es c o n d id o
dos al em ães , q ue f or a m em bora. .. E aí , t od o s os di a s e u f a zi a
350
um pl a n o. P e l o m en os pr a m a nt er a e q ui p e v i v a .
Mesmo com a falta de recursos e de técnicos, já que alguns
abandonaram Ouro Preto após a suspensão dos pagamentos, soluções
foram encontradas para dar prosseguimento ao filme. Exemplifica esse
empenho a montagem do quilomb o criado na cachoeira das Andorinhas .
Aquele cenário foi realizado graças ao esforço físico de parte do elenco
de figurantes, que carreg ou pedras e madeira no trabalho. Para W alter
Lima, o comprometimento do elenco principal com o projeto, o fato de
boa parte dos figurantes serem os mesmos que atuaram nas tomadas
de Parati e a disputa contra os alemães cri aram uma cumplicidade
única em sua trajetória cinematográfica.
Ne n hum ou tro e le nc o de f i lm e q ue eu te nh a f e it o t e v e o
m esm o c om port am en t o q u e o C hic o Re i . E u c a lc u lo q ue e u
ti v e um a c er t a s or te c om is s o . O f at o de eu ter um ele nc o
ne gr o e es t ar f a la n do de um a c ois a bri os a p ar a o n e gro! Um a
c o is a q ue f al a de tr a ba l h o , de i n te l i gê nc i a ... d e as t úc ia ! Em
qu e e le n ã o é c ar ic at ura d o s ó p e l o f at o d e l e s er n e gro . Is s o
des p er t o u n o e l e nc o um a atr aç ã o m ui t o gra n de p or es s e
im ag i nár i o . En t ão , e l es f oram ex trem am ent e c úm pl ic es . E u
l e ve i m u it o t em po p ar a ac a b ar o f i lm e. E n unc a e u d e ix e i d e
ter um de l es m e dan d o f orç a . Nu nc a. O u er a um tel ef o nem a “e
aí , c om o é q ue es tá ?” , “e aí , s a iu ?” . E nc o nt r a va n a r u a e f a zi a
f es ta . Er a um a c o is a m uito r ic a. O f i lm e f oi c on tam i na d o. E l es
f or am c ont am in a dos pe l o f i lm e e e l es d e vo l v er am para o
351
f ilm e .
Apesar dos problemas financeiros para concluir o filme e o
escândalo decorrente do calote dado nos comerciantes d a cidade que
acolhera a equipe, a maior gravidade consistia no risco de ver todas as
latas de filmes serem enviadas ao exterior, ao que W alter Lima Júnior
acusava a Provobis de “pirataria internacional” 352. O diretor recorda que
várias foram as tentativas dos alemães para adquirir os negativos dos
filmes, como induzir um funcionário que prestou serviço à produção a
acionar a justiça para leiloá -los e, assim, obter seu pagamento. W alter
Lima diz que ficou sabendo do leilão dias antes , por meio do amigo e
350
351
352
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3.
I b id em .
L IM A J Ú NI O R , W alter . C o n v ers a n do s obr e c i nem a. .. op .c it . , p . 26 .
19 1
cineasta Maurice Capovilla. Em sua narrativa, durante a entrevista,
afirma que no tribunal só havia alemães , prontos para dar um lance
pelo valor do negativo virgem , e nesse momento objetou .
Mas n ã o é is s o nã o. O va l or n ão é es s e . O v a lo r é m ui to
m aior . Is s o é um ne ga ti v o im pres s o. T em o v a lor d a pr o duç ã o
qu e tá c o nt i do n o ne g at i v o . Fa l e i: “ Is s o a í nã o s a iu p ar a n ós
por m en os do qu e d o is m ilh õ es e m ei o de d ól ar es . V oc ês
es t ã o m e l e v an d o po r d u ze n tos m il ! ” . A í e les t om aram um
s us t o. E f a le i : “ D e po is nã o tem s ó e les a c o bra r, tem a c i da d e
de O ur o Pre to , q u e c obr a is s o .. . T em vá ri os m em bros da
353
eq u i pe”
A justiça foi, então, acionada e o diretor conseguiu impedir o
leilão dos negativos e que os mesmos saíssem do país. Além do
argumento de que se tratava de um trabalho já realizado, portanto
acrescido de valor, W alter Lima confessa ter usado como artimanha a
cobrança pela sua participação na reescrita do roteiro, já que não havia
recebido por esse serviço – não previsto no orçamento inicial . Mesmo
assim, a pressão da Provobis era intensa e delineava situações
dramáticas, pois
[.. .] e s t a va p i p oc a n do d í vi d a de f i lm e. C om f i lh a p eq u en a ; el a
ti n ha ac a b ad o d e n as c er. Ba rra pes a da ! O c ara m e le v a n o
Lux or H o te l , a qu i em O uro Pr et o. M e of er ec er am vi n h o: e u
f al e i “ n ã o! Eu n ã o b e b o. E u vo u tr a b al h ar a m anhã d e m an hã” .
Aí d e n o v o: aq u el a m es m a enc e n aç ã o de d e s c obr ir a f ra qu e za
do ou tr o. D e re p e nt e , e le bo to u “ o c h eq u e” do qu e e u c o br a v a
na m es a . O qu e e u d i zi a er a o v a l or do m eu tra b a lh o : bo t ei l á
em c im a, uns v i nt e m i l d ó l ares . E le b ot ou o c he q ue d os vi n te
m il d ó lar es e c o n v ers ou c om o c h eq u e a q u i n a m es a , s a b e?
T ão s u t i l q u an t o um e lef a n te [r is os ] . E eu d ur o, o lh a nd o
pr a q u el a m erd a [r is os ] a l i , d i ze n d o nã o ! Nã o! N ão! Sa í da l i , e
qu a nd o eu c he g ue i em c as a f al e i is s o p ara m in h a m ul her
[m uda a v o z, im it an d o a es pos a ] : “ voc ê é m al uc o! ”. Nã o d á! Eu
nã o v ou j o gar f or a , as s im , to d os os m eus d i as d e t ra b al h o. E u
nu nc a m ais v ou s ab er f a zer . P or q ue a ge n t e a pre n de na v id a
de v ár ias m an e ir as e es s a é um a m ane ir a d e a pr en d er t am bém
354
a n ão f a ze r . Eu n ã o v o u n es s a , m as f o i c h oc an t e aq u i lo .
Estava garantida a permanência do filme no país , mas concluí -lo
era a outra parte do problema . Depois de muitas negociações 355, a
Embrafilme socorre u a produção, financiando também a montagem e
353
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3.
I b id em .
355
“F iq u e i c inc o a n os num ver d ad e ir o c a l vá ri o, l us tra n do ba nc o da Em braf i lm e.
T odo d i a d e m an hã e u i a lá , f ic a v a n a es p era d e res o l v er es s a t rag é d ia – is s o f o i
em 197 9 ( s ic ) , c a lc u l e, o f i lm e s ó f o i c onc l uí do em 198 5”; LI M A J ÚNIO R, W alter.
Co n v ers a n do s obr e c i nem a. .. o p .c i t. , p .2 6.
354
19 2
sonorização. W alter Lima Jr. se associou a Paulo César Ferreira, que
terminou
produzindo
boa
parte
do
filme ,
inclusive
sanando
as
pendências deixadas em Ouro Preto . A montagem contou com a
colaboração de Mauro Carneiro. Entretanto, o processo foi desgastante
e lento, como se depreende da cobertura da imprensa a première.
Ha v i a um m ater ia l qu e d a va m 48 h or as de f ilm e, a par t ir d as
qu a is g er o u o c o pi ã o de 1 7 h oras – d e o nd e s e t irar i a o
r es u l ta d o f i na l d e 1 1 5 m in ut os . [. .. ] Em a gos t o d e 1 9 85 , no
Ho te l M er id i e n, Ri o , era a pr im eir a s es s ão pr i v ad a e, em
de zem b r o da q ue l e a no , C h ic o Re i es t a v a n o F es t i v al d e
Ha v a na . Em ou tu br o de 1 9 8 6 , a br i a, c o m s uc es s o, o X IX
Fes t i v a l d e Br as í li a , ro la n do t am bém no I I R io - C in e . Hoj e,
356
f in a lm ent e, es tr e ia n o Ri o .
Nesse interim, W alter Lima Jr. viajou para Hamburgo, sede da
Provobis, aonde assistiu, na mesa de edição, à série que os produtores
alemães montaram com o copião do filme. O seriado, que foi exibido na
televisão, tinha muito mais material e incluía história s paralelas de
personagens que não constam no filme nacional. Para o diretor, a série
alemã até fazia sentido, mas, para fechar o longa -metragem, faltavam
pontos da história que estavam no Brasil, especialmente sequências
referentes ao protagonista 357.
O extenso número de horas a ser editada proporcionou alguns
contratempos
na
montagem,
especialmente
aquelas
filmagens
realizadas durante a ruptura com os produtores, pois a escassez de
recursos
levou
improvisações,
como
trabalhar
com
closes
momentos que a n atureza épica do filme solicitava uma panorâmica
em
358
.
Mesmo depois de concluído, o filme demorou dois anos para
estrear no circuito comercial. Até então, circulava entre festivais
nacionais e internacionais . Por outro lado, a montagem foi identificada
como o maior problema, pois o farto material decorrente do projeto
356
C UN HA , W ils o n. A di f íc i l .. . o p.c it ., p . 4.
C onf or m e W alter L i m a J ún i or, o ro te ir o t e le v is i v o t i n ha o d es en v o l v im ent o d e
pers o n ag e ns p ar a l e l o s à his t ór ia d e C h ic o R e i qu e nã o c o ns t am do s eu l o ng a
m etrag em , c om o a f i l ha d o Maj or S e ix as , qu e te v e um rom anc e c om um m ula to .
S eg u nd o o d ir et or , “ el es [a l em ães ] m ont ar a m o qu e p u der am m ontar . F a zi a s en t id o.
E u v i a s ér i e t o da l á, na m es a de e d iç ã o. Q ua n do v i aq u i lo , m e d eu at é um alí v i o.
Fa le i as s im : “ Pô! O f i l m e ex is te! ”. N ã o e ra u m a luc u braç ã o da m in ha c a b eç a q u e j á
es t o u h á c i nc o a n os , há q u atr o an os c om e s s a his t ór ia” ; E ntr e v is ta d e W alter Lim a
J ún i or a o a ut or d a tes e, em 1 3 d e j u nh o d e 20 1 3.
358
I b id em .
357
19 3
original, que era uma minissérie, precisou se r condensado em cerca de
duas horas para o longa metragem 359.
O contexto político de seu lançamento era o da transição para a
democracia. Com a disten são política, a censura não interferiu no filme,
liberando-o sem restrição etária para o cinema. Para a televisão
classificava -o para maiores de 16 anos e exibição após às 20 horas.
Como
avaliação
geral,
os
censores
observavam
“cenas
de
recrutamento, trans porte, castigos e insultos aos negros, enforcamento,
tortura de brancos e negros por ordem do governador e violência
sexual” 360,
mas
sem
gravidade.
Esse
parecer
foi
ratificado
pela
autoridade superior, que anotou , a mão, no documento, que estava
[.. .] d e ac or do , um a v e z qu e as c e nas d e vi o lê nc ia s ã o is e nt as
de de ta l h es e, a l g um as v e ze s , a p e nas ins i n ua d as . Su g er im os
qu e s ej am ac res c e nt a das n os c er t if ic ad os a s c ha nc e las : “ Bo a
Q u al i d ad e ” e “ Li v re p ara Ex p ort aç ão ” , c onf orm e pr ec e i tu a a
361
l eg is l aç ã o v i g en t e .
Embora liberado pela censura, o contexto de transição política
terminou por afetar a saúde financeira da Embrafilme. Como resultado,
a distribuição de Chico Rei foi restrita . Isso fez com que o filme ficasse
pouco tempo em circuito e em poucas praças . Sua estreia em Belo
Horizonte se deu em apenas uma sala, e não foi possível constatar o
mesmo incentivo estatal que Xica da Silva recebeu.
No
campo
da
publicidade,
c hama
a
atenção
o
cartaz
de
divulgação do filme veiculado nos jornais mineiros , pois o texto parece
associar o filme com temática histórica a uma ópera . Ao mesmo tempo,
reforça um sentimento de identidade local ao destacar a participação
de Milton Nascimento na trilha sonora – desconsiderando o grupo
Vissungo e Naná Vasconelos como núcleos criadores .
359
R AC Z, G eor g es . C h ic o Re i : um gr it o d e es p era nç a e l i b erd a de . R ev is t a V is ão , 2 6
ag o . 19 8 7, p . 22 .
360
Par ec er n º 1 71 / 87 , DC DP / PF , as s in a do p or T elm a C. L i n o, M a ris a F. B arr os ,
J oa n a S. P as s os , em 19 d e j a ne ir o de 1 9 87 . Arq u i v o N ac io n a l/ Dis tr it o F e der a l Dis p on í v el em :
< ht tp :/ / www.m em or iac i ne br .c om .br / arq u i vo / 0 26 0 16 6 C0 0 30 1 .h tm l > Ac es s o em : 2 2
m ar. 2 0 13 .
361
P arec er d o D CD P à C o ns id er aç ã o s up e ri or, DC D P/ PF , as s in ad o p or Vi lm a
He l en a S . D om in go , e m 30 de j a n e iro d e 1 9 87 . Ar q u i vo N ac io n a l/ Dis tr it o Fe d era l Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac in e b r.c om .br /a rq u i vo / 02 6 0 16 6 C0 0 40 1. h tm l >
Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 .
19 4
Nar r a nd o o i t in er ár io do C h ic o R e i, um es c ra vo af r ic an o q ue
c ons e gu e p as s ar a c on d iç ão d e d on o d e um a m in a e s e
l ib er tar na o pr es s i va V i la R ic a ( O ur o Pr e to) , no Bra s i l C o lo n i al
do s éc ul o X VI II . C h ic o Re i n ã o é um m ero f i l m e de ó pe ra , m as
s im um dr am a c on t u nd en t e q ue c l am a pe l a l i ber d a de em tod os
os s e n ti d os . É um f ilm e r ic o em im age ns , q u e m arc a
c om pl et am ent e , c om p le ta n do c om a m ús ic a c om pos t a e
362
c an t ad a p or M i lt o n Na s c im ent o .
À
parte
os
transtornos
que
enfrentou
com
os
produtores
estrangeiros e coprodu tores nacionais e a dificuldade em levar seu
filme ao cinema, destaca -se a relevância de Chico Rei como objeto de
análise para a relação cinema -história-educação. Mesmo sendo uma
lenda,
pois
inexistem
evidências
documentais
sobre
a
pessoa
Galanga/Chico Rei , o diretor demonstrou preocupação com o papel
educativo do cinema ao trabalhar o passado escravista nacional. Uma
preocupação que corroborava o projeto implantado pela Embrafilme de
incentivar produções ligadas à história. Havia uma demanda reprimida
nesse
campo
e
os
cineastas
brasileiros
poderiam
preenchê-la,
conforme se infere pela divulgação do projeto de filmar a lenda de
Chico Rei: “h istória belíssima que certamente motivará a aceitação do
público nacional e estrangeiro, cioso das coisas históricas do Brasil
como principal líder do 3º mundo” 363.
Ao pesquisarem, direta ou indiretamente, os múltiplos registros
de seus personagens -títulos para a produção de seus filmes, Cacá
Diegues e W alter Lima Jr. viabilizaram a circularidade do conhecimento
histórico. Mesmo sem serem historiadores – tampouco almejarem em
sê-lo – suas narrativas fílmicas delineiam narrativas históricas. Nesse
sentido, problematizar esse processo torna-se relevante. Para tanto,
deve-se analisar as representações e significados decorrentes dessas
narrativas a partir da estrutura interna do filme articuladas às demais
representações históricas sobre o objeto fílmico.
362
363
E ST R E IA S . Es ta d o d e Mi n as , 2ª s eç ã o, 1 s et . 1 98 7, p. 5.
X IC O Re i . Úl t i ma H or a, p . 12 , 2 7 abr . 1 9 79 .
19 5
3. XICA DA SILVA E CHICO REI: ANÁLISE FÍLMICA
3.1.
Imaginários de liberdade e resistência
Os diretores de Xica da Silva e Chico Rei qualificaram seus filmes
com a expressão liberdade. Em entrevistas à época do lançamento,
Cacá Diegues reiterou diversas vezes que procurou lançar sobre o
passado colonial e escravista do país um olhar bem ao espírito
carnavalesco e irreverente , aos quais é frequente mente associado o
brasileiro 364.
compreender,
W alter
por
Lima
meio
Júnior
de
também
Chico
pontuou
Rei,
a
luta
que
procurava
pela
liberdade,
entendendo-o como referência heroica dessa batalha, ao ponto de
subtitular seu trabalho como um filme sobre a liberdade.
Os
cineastas
abordaram
o
passado
colonial
para
melhor
compreender o momento presente do Brasil; a história de um povo em
constante luta pela liberdade e dignidade. Conforme recuperado nas
narrativas sobre os ex-escravos títulos dos film es, é possível perceber
que a poesia de Cecilia Meireles, a literatura de Agripa Vasconcelos e
os enredos carnavalescos d os Acadêmicos do Salgueiro também o
fizeram nessa mesma chave interpretativa.
Na década de 1950, quando lançou Romanceiro da Inconfidê ncia,
ao inserir em sua narrativa dois personagens alheios à Inconfidência
Mineira, a poetisa promove u a identificação de personagens históricos
marginalizados. A mesma qualificação é constatada nos romances de
Vasconcelos,
quando
protagonistas
da
Chica
coleção
da
para
Silva
uma
e
Chico
história
Re i
mineira
se
a
torna ram
partir
da
personalização , porém distante do patriarcado local . As figuras de
Chica e de Chico (ainda que uma lenda) representam o popular e seu
poder, já que subordinados pela opressão das relações escravistas
364
Par a o im ag i n ár i o de s s e j e it o b ras i l ei ro c a rnav a l es c o ; c f .: M AT TA, Ro b ert o d a .
Car n av a is .. . o p .c i t.
19 6
conseguiram sua liberdade de forma triunfal, hiperb ólica, como a
linguagem carnavalesca. Em meados do século XX, constata -se a
preocupação em reinterpretar a história brasileira, com destaque para o
papel do popular com o agente históri co. Nesse cenário, a dinâmica da
sociedade da América Portuguesa , dada sua composição hierárquica e
política bem definida (livres versus escravo; branco versus negro;
europeu versus nativo), se tornou um fértil terreno para promover a
revisão histórica.
Sobre o período colonial brasileiro , de modo geral, identifica -se
um longo predomínio de análises sob o viés da dominação portuguesa,
estabelecendo
um
cenário
de
exploração
asfixiante
para
o
desenvolvimento. A opressão portuguesa se fazia não apenas pelo
intervencionismo político e econômico, usurpando a riqueza natural do
país, carreada para o enriquecimento dos reinos europeus.
Mas,
também na esfera social o torniquete colonial se impunha aos colonos
por meio dos costumes e subjuga ção dos povos, massacrados como os
indígenas, ou condicionados a exploração do trabalho escravo de
africanos e seus descendentes 365.
Ressalta-se o pioneirismo da abordagem de Gilberto Freyre ,
especialmente em Casa grande e sen zala, ao repensar o lugar de
sujeitos para a população negra e pobre do período colonial, m esmo
com os limites reconhecidos e críticas ao seu trabalho, conforme visto .
Na
década
revisionistas
de
1960 ,
sobre
a
prosseguiram -se
abordagem
trabalhos
polarizada
entre
com
nuances
dominantes
e
dominados. O didático pacto colonial passou a ser abordado de modo a
problematizar as relações entre colonos e europeus 366. Todavia, foi a
partir
da
década
de
1980 /90
que
renovações
na
produção
historiográfica lançaram luzes de maior alcance para entender o Brasil
como parte integr ante da dinâmica política e econômica na chamada
365
Co nf or m e v is t o, a ab or d a g em elo g ios a d e V a nh ar ge n s o br e o p ap e l d a
c o lo n i zaç ã o p or t ug u e s a par a a c i v i l i za ç ã o bras i l e ira t em na a n á l is e m arx is ta s e u
ex tr em o o p os t o . A ut o r es c om o C a io Pr ad o J ú n ior , Fl or es t a n F e rna n d es e J ac o b
G or en d er e nf at i za r a m em s eus tr ab a l h os a n at ur e za a ut o rit ár i a n a re l aç ã o
P ort u ga l- Br as i l.
366
HO L A ND A , S ér g io B u ar q u e d e . (O rg .) . H is t ór ia g era l da c iv i l i zaç ão br as il e ir a: a
ép oc a c o lo n i a l: 4 .e d . Ri o d e J a ne ir o : Dif el , 19 7 7 (T om o 1, v. 1 e 2 ).
19 7
idade moderna (séculos XVI -XVIII). Sob esse ângulo, residentes na
colônia
(sobremaneira
integrantes
da
elite
econômica
e
política )
encontravam espaço para estabelecer negociações em defesa de seus
interesses, ainda que, em uma dimensão macro, fosse limitada a
autonomia da colônia – já que integrava o império português 367. Não
obstante o predomínio des sa perspectiva nos programas de pós graduações em História desde o século XXI, ainda é corrente em
diversos espaços da sociedade brasileira – como na imprensa, em
materiais escolares e nas próprias instituições universitárias – a visão
polarizada entre colonizador-colonizado.
Embora os títulos fílmicos em análise tenham sido produzidos no
momento em que teses acad êmicas sobre a escravidão iniciavam esse
processo de renovação historiográfica, seus diretores não conseguiram
dialogar diretamente com os resultados das novas pesquisas a tempo
de concluírem a edição dos filmes. W alter Lima Jr., por exemplo,
finalizou Chico Rei somente em 1985, porém manteve relacionada
como referências de consulta sobre a escravidão obras ligadas ao
pensamento marxista.
A tradição popular, a poesia, a literatura, o carnaval e o cinema ,
portanto, se apropriaram de Chica da Silva e Chico Rei como baluartes
da resistência, da perseverança, da astúcia e da vitória de oprimidos
em busca da liberdade. O contexto da escravidão certamente favorece
esse tipo de abordagem por apresentar uma situação extrema de
definição da condição social: ou liv re ou cativo, na qual valores morais,
como justiça, são problematizados à luz dos acontecimentos históricos.
Entretanto, como esses valores universais são representados em
Xica da Silva e Chico Rei? Em ambos os filmes, nos planos de
abertura, a questão da liberdade e do seu cerceamento é apresentada
e, logo, o espectador a reconhecerá como tônica por toda a película.
367
Par a p r o d uç õ es q u e r ef l et em es s a m uda nç a in te rpr et a ti v a ; c f .: FR AG O SO , J o ã o;
BI C A LHO , Mar i a Fer n a n d a B ap t is t a; G O U V E A, M ar i a de Fa t im a; O a n ti g o r eg i m e
nos tr ó pic os : a di n âm ic a im per i al p or tu g ues a (s éc u l os X V I - X V II I) . R i o de J a n eir o :
Ci v i l i za ç ã o Br as i le ir a, 2 00 1; FU RT A DO , J ú n i a F err eir a . (O r g). D i á l og os oc e â n ic os :
M in as G e r a is e as n o vas ab or d ag e ns p ar a um a h is t ór ia d o im pér i o u l tram ar i no
por t ug u ês . Be l o Hor i zo n t e: E d it or a UF M G , 20 0 1; BI C AL HO , M ar ia F er na n da
B ap t is t a; SO UZ A, L au r a d e Me l l o; F URT AD O , J ú n ia Ferr e ir a. O g ov er n o d os pov os .
S ão Pa u l o: A l am ed a, 20 0 9;
19 8
Em Chico Rei, as sequências iniciais apresentam a corrida de três
negros acorrentados em fuga, intercaladas a letreiros sobre a história
da escravidão, que culmina com a ruptura dos ferros e a chegada a um
quilombo. Suas expressões refletem a alegria em se tornarem livres e
dispensam qualquer diálogo entre os fugitivos. A mesma questão está
presente nas primeiras sequências de Xica da Silva. Após tocarem uma
peça
musical,
em
meio
a
um
descampado,
músicos
estabelecem um diálogo com o (ainda anônimo)
andarilhos
contratador dos
diamantes. Alheios ao fato de estarem diante de uma autoridade
portuguesa,
os
músicos
pontuam
denúncias
ao
sistema
colonia l,
acusando os administradores da Coroa de explorarem a riqueza local à
custa
de
arbitrariedades
e
corrupção,
enquanto
os
moradores
permaneciam na pobreza.
A partir dessas aberturas, p ropõe-se reconhecer o tratamento d a
temática da liberdade em dois vetores, que se interagem, tanto no filme
de Lima Júnior, quanto de Cacá Diegues. O primeiro vetor está
diretamente ligado ao tema do escravismo, no qual a luta pela
liberdade é o fio condutor. Enquanto o segundo se volta para a
liberdade no campo administrativ o, da autonomia política – nesse
sentido,
favorece
o
exercício
da
meta -história
cinematográfica
(conforme será analisado no subitem 3.2).
A complexa relação inerente ao escravismo levou o diretor de
Chico
Rei
a
procurar
as
origens
desse
sistema.
Quando
o
já
mencionado griot quilombola assume a função de narrador, a sequência
é cortada para um plano de uma construção em que se destaca uma
cruz ao alto. A legenda África, meados do século XVIII localiza o
espectador, enquanto um movimento de câmera lento e de scendente
revela o pátio onde negros e negras de todas as idades estão
amontoados, acorrentados e desorientados , sendo vistoriados por
mercadores de escravos e observados por padres impassíveis ao caos
estabelecido. Trata-se de um depósito onde negros recé m-capturados
no interior do continente eram negociados e mantidos em quarentena
até seu embarque para serem vendidos no Brasil (frame 8). Nesse
cenário, o representante do mercado anuncia a outros comerciantes
19 9
que havia negros conhecedores d e mineração e, também, que nobres
haviam sido capturados: trata-se do rei Galanga e sua família. Um
padre espanhol transita entre os desafortunados prisioneiros e asperge
água benta sobre todos ao realizar um batismo compulsório, bradando
seus novos nomes cristãos: Maria ! Francisco!
Fra me 8 – P l an o d o p á ti o d e af ric a n os r ec ém - es c r a vi za d os ( Ch ic o Re i , 19 8 5)
A emotividade perdura na sequência : a câmera revela uma praia
para
onde
os
escravos
são
levados .
Severamente
vigiados
por
capatazes armados e montados a cavalo, os cativos em correntes são
embarcados. A dramaticidade se eleva quando um negro tenta fugir,
mas é prontamente cercado e laçado pelos feitores.
No navio negreiro , reconhece-se a imagem canônica do tumbeiro
como referência para as representações ali desenvolvidas. Os negros
escravizados estão encarcerados nos porões e scuros, abafados e sem
espaços, os africanos sofrem os abusos da tripulação. Durante uma
tempestade, o capitão não hesita em mandar lançar ao mar um grupo
20 0
de mulheres para estabilizar o navio, optando por perder 20 peças, mas
preservar a vaca.
Na cabine de um integrante da tripulação, uma africana está
apartada dos demais . O português lhe obriga a colocar uma peruca,
empoa seu rosto deixando -o branco e tenta estuprá -la. À luta física da
mulher contra seu algoz, segue um corte que traz o padre espanhol, o
mesmo que batizou os negros em África, batendo e entrando à cabine
do capitão do navio. Enquanto eles conversam, o som em off tem gritos
indicando que o estupro na cabine vizinha se concretizava.
Observa-se que, em Xica da Silva há, também, uma sequência em
que a negra tem seu rosto empoado . Contudo, os significados dos
planos de Cacá Diegues e de W alter Lima Júnior têm sentidos
diferentes. Chica da Silva é quem se maquia com o intuito de integrar a
sociedade branca, ainda que ironicamente. Já em Chico Rei a negra é
violentamente travestida de branca e luta para manter sua identidade,
estabelecendo o conflito de negação à submissão (frames 9 e 10).
Fra me 9 – P la n o em
f orç a do ( C h ic o Re i , 1 9 85)
q ue
a
m ul h er
r es is t e
ao
em b ran q u ec i m en t o
20 1
Fra me 10 – Pr im eir o p l an o d e Ch ic a d a S i l v a c om o ros t o m aq u ia d o d e br anc o
dur a nt e j a nt ar c om o g o ver n a dor ( X ic a d a Si l v a, 1 9 76)
A sequência que representa o aprisionamento de africanos, seu
embarque,
transporte
e
chegada
ao
Brasil
constitui
uma
parte
específica do filme, consumindo cerca de um quinto da película
(aproximadamente os 20 minutos iniciais). É o momento de maior ação
da trama, sendo sua dinâmica narrativa muito próxima da então
praticada pela linguagem da televisão – recorda -se que o projeto
original incluía uma série televisiva. Para W alter Lima Júnior , essa
sequência (cuja influência do romance de Agripa Vasconcelos e da
iconografia oitocentista é notória, embora o diretor tenha ressaltado
que procurou se afastar da narrativa do literato 368) “[...] inicial do filme,
até a chegada deles [negros] à cidade de Ouro Preto, até a venda dos
escravos, é uma das melhores coisas que eu fiz no cinema” 369.
A avaliação positiva do cineasta em relação ao seu trab alho em
Chico Rei deve-se à questão estética inata à narrativa cinematográfica
368
369
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3.
I b id em .
20 2
alcançada. Contudo, também, ao entendimento de que conseguiu
representar o tráfico de escravos e problematizá -lo. Um procedimento
em consonância com as propostas correntes de Hi stória Pública no
Brasil. Esses planos iniciais sugerem a perda da identidade dos
prisioneiros condicionados à mercadoria .
Ao mesmo tempo, o diretor procurou revelar a complexidade dos
negócios escravocratas. Em tom de denúncia, elenca os atores sociais
envolvidos
no
infame
comércio
humano:
mercadores
diretamente
ligados ao aprisionamento e transporte dos cativos; negociantes lusobrasileiros como sócios -investidores do tráfico; o Estado português que
gerenciava todo o processo por meio de leis e lucrava c om impostos
cobrados
sobre
a
atividade;
e
a
Igreja
Católica
que
avalizava
moralmente a situação ao reconhecer legítima a submissão de um ser
humano como propriedade de outro 370.
Como resultado, a direção de W alter Lima Júnior produziu um
filme cuja abordagem da escravidão versus liberdade foi estabelecida
por uma dramaticidade intensa. Por outro lado, ao optar pelo gênero
carnavalesco,
Cacá
Diegues
trabalhou
a
temática
por
meio
de
estereótipos, fazendo de Xica da Silva uma comédia. A opção pelo
riso 371, contudo, não minimiza o valor de seu filme como meio para a
educação histórica, pois a reflexão decorrente desse recurso de
linguagem é potencializada pelo viés didático com que temas históricos
são apresentados.
370
Co nf or m e as s i na l ad o, a lg um as ref er ê nc i as b i b li o gr áf ic as q u e s us t en t aram a
ab or d ag em s obr e as r e laç õ es es c r a v is t as e o tr áf ic o de es c r a v os f oram c it ad as a o
f in a l de C h ic o Re i . Em es pe c íf ic o p ar a o a pri s i on a m en to d e c a ti v os n o c o nt i ne n te e
s eu tr ans p or t e m ar í tim o, c f . : G O R EN D ER , J ac o b. O es c r av is m o . .. o p.c i t. ;
V A SCO NC E LO S , Agr i pa . Ch ic o R e i. O p .c i t. P es q u is as m ais r ec e n tes s o br e a
tem át ic a
t êm
am pl i ad o
a n á lis es
ac er c a
do
s is t em a
es c ra voc ra ta ;
c f .:
A L EN CA ST RO , L u i z Fe l ip e de . O tr at o dos v iv en t es : f orm aç ão d o B ras i l n o
At l â nt ic o S ul Séc u l o s X V I e X VI I. Sã o P au l o: C om pa nh i a d as Le tr as , 2 0 00 ;
RO D RIG U E S, J a im e. De c os t a a c os t a : es c ra vos , m ari nh e ir os e i nt erm ed i ár ios do
tráf ic o n egr e ir o de A n go l a ao R io d e J an e ir o ( 17 8 0- 1 8 60) . S ão P au l o: C om pan h i a
das Le tr as , 2 0 05 .
371
P ar a um a ab or d ag e m s obr e o r is o e s e u im pac t o n o im ag in ár io s oc i a l; c f . :
S A LI B A, E l i as T hom é . R aí ze s do ris o : a rep res e nt aç ã o h um orí s tic a na h is tór i a
bras i l e ir a : d a B e ll e é p oq u e a os pr im eir os t e m pos d o r á d io . S ão P au l o: C om pa nh i a
das Le tr as , 2 0 02 .
20 3
Não
obstante
a
representação
extremada
da
comédia,
uma
sutileza pode ser percebida na abordagem da liberdade no filme.
Durante as sequências em que os personagens são apresentados,
enquanto aguardam a chegada do contratador dos diamantes ao arraial
do Tejuco, a câmera de Cacá Diegues filma por plano geral uma igreja,
onde um escravo com uma gargalheira cumpre castigo. O plano compõe
a jornada de João Fernandes rumo ao povoado. Ocorre que, nas
sequências finais, quando o contratador é levado preso para o reino e
Chica da Silva desesper ada corre até o lago onde estava ancorado seu
navio, o mesmo escravo é novamente focado, ainda com os ferros de
castigo e no adro da mesma igreja.
Parece razoável considerar essas sequências
para além de
planos de transição. Elas funcionam como marcos temporais da
narrativa fílmica: demarcam a chegada e a partida de João Fernandes ;
consequentemente , o prestígio e a derrocada de Chica da Silva. É
possível, portanto, entender essas inserções como uma crítica à
realidade do escravismo que permanecia inalterada, mesmo que alguns
escravos tenham conseguido obter sua liberdade e reposicionamento
social.
Delimitado
por
esse
recorte
simbólico -temporal,
o
diretor
abordou, no decorrer da sua narrativa , outras nuances da relação
escravista naquela sociedade , quase sempre marcadas por iro nias,
deboche e inversões .
Conforme salientado, a questão da liberdade para os escravos
perpassa ambas as películas, que ora a aborda de maneira mais
poética, ora didática e explicativa ( essa perspectiva receberá maior
atenção no item 3.3). Nesse sentido, sobressaem dois campos de
representação acerca do imaginário de liberdade e resistência : o
quilombo e a alforria.
3.1.1. Quilombo: da resistência clássica à integração
A história do escravo que se negava à submissão e fugia para
viver em liberdade com outro s negros fugitivos encontra , no líder
palmarino Zumbi, a principal referência como memória da luta pela
20 4
liberdade. A história do Quilombo de Palmares circulava no imaginário
social brasileiro graças a variadas construções narrativas 372. Esse
processo se deu de modo semelhante ao ocorrido com Chica da Silva e
Chico Rei: pela tradição popular; pela literatura, com destaque para os
cordeis; por enredo carnavalesco – coincidentemente, coube também
aos Acadêmicos do Salgueiro fazer o desfile Quilombo dos Palmares ,
com o qual conquistou seu primeiro título, em 1960; e até mesmo em
registros cinematográfico s 373. Contudo, uma relevante diferença entre o
líder quilombola e os ex-escravos de Minas Gerais existe quanto à sua
circulação como conhecimento histórico . A história de Palmares e de
Zumbi também estava presente no âmbito escolar como exemplo da
resistência escrava mais duradoura do Brasil colonial, enquanto os
negros mineiros não tinham ess a presença na educação oficial.
A historiografia corrente no período de produção dos filmes, tanto
aquela produzida segundo parâmetros do materialismo histórico quanto
a realizada sob um âmbito mais cultural, reconheciam no quilombo a
principal forma de resistência escrava. A relevância do tema figura em
Chico Rei já no início do filme, pois é o espaço onde os negros
fugitivos
das
sequências
iniciais
encontram
refúgio.
Depois
de
romperem os grilhões, eles atingem um elevado e a câmera passa a
filmar vários negros construindo paliçadas e muros de pedra. Uma
música percussiva é tocada efusivamente por dois negros , enquanto
372
D es t ac a - s e q u e, a p ar t ir d a d éc a d a de 19 50 , a l e it ur a c orr en te s o br e Z um bi o
as s oc i a à r es is t ênc i a c om o ex em pl o p ar a os op rim i dos em bus c a por j us tiç a s oc ia l .
P ara um a an á l is e s obr e c ons tr uç õ es nar ra t i vas a res p ei t o d e Zum b i em
pers p ec t i v as h is tór ic a s dis t in t as : c o l ô n ia ; Br as il i nd e pe n d en te ; e o Z um bi d os
opr im i dos ; FR A NÇ A , J ea n M ar c e l C ar va l h o ; FE RR E IR A , R ic ar d o Al ex an dr e. Tr ês
v e zes Z u mb i : a c o ns tr uç ã o d e um h eró i b ras i le ir o. S ão Pa u l o: T rês Es tr e las , 2 01 2 .
373
Cf .: ZU M B I DO S P A LM A R E S. C H ER Q U E S, S an i n. 1 96 3, 2 3 m in. C onf o rm e
ac er v o d a C i nem at ec a, em 1 9 77 , o pr o d ut or d es s e c urt a m e tra g em , M o ys é s
W eltm an, i ns c r e v e u o pr oj e to , na c on d iç ão d e d ir et or , na c a te g ori a d e Fi lm es
His t óric os da Em br af i l m e, te nd o s id o r e pr o v ad o . S em obt er f i n an c i am ent o, i nf er e s e q u e o d ir et or n ão o c o nc l u iu , p o is um a o bs er v aç ã o i nd ic a qu e o f i lm e es tá
des a pa rec i do .
O tem a t am bém r ec e be u at e nç ã o do d ir et or d e X ic a d a S i lv a , qu e f e z um f ilm e
s obr e o s u bs t it u to d e Zum b i c om o lí d er pa lm ar in o; G A NG A Z UM B A . DI EG U E S,
Cac á. Co p ac a b an a F i l m es . 19 64 , 1 2 0 m in. O dir e tor v o lt o u a o te m a de P a lm ares
du as d éc a d as d ep o is , r e e di t an d o a parc er i a bem - s uc ed i d a de X ic a. .. c om o c o rot e ir is t a J oã o F e líc i o dos Sa nt os ; Q U I LO M BO DO S P AL M A R ES . DI EG U ES , Cac á.
Em br af i lm e. 1 9 84 , 1 2 7 m in ; < ht t p: // ww w.c i nem at ec a. g o v. br/ > Ac es s o em : 25 no v .
20 1 3.
20 5
um terceiro homem dança freneticamente uma coreografia . O regozijo
dos fugitivos que alcançaram a sonhada liberdade cede espaço para a
figura de um quilombola, que observa seus companheiros e mira o
horizonte, assumindo a função de narrador da história de Chico Rei. O
quilombo é assim apresentado ao espectador (frame 11).
Fr a me 11 – P la n o d e q u il om bo l as f or t if ic a nd o e v ig i an d o q ui l om bo
( Ch ic o R ei , 1 98 5)
Outra
cenário.
O
importante
som
do
passagem
berimbau
do
filme
anuncia
o
se
desenvolve
retorno
da
nesse
câmera
à
comunidade negra. Dentro da cabana, Kindere continua a desempenhar
seu papel de guardião da memória negra ao narra r histórias da
travessia marítima
separação
das
a que foram forçados a fazer ,
mulheres
e
filhos .
As
sentinelas
destacando a
quilombolas
interceptam e cond uzem Muzinga, filho de Chico Rei e em fuga do seu
proprietário – o cruel capitão-do-mato Paranhos –, e o padre espanhol,
cuja
crise
de
consciência
o
levou
a
também
acompanhando o negro na busca do quilombo .
buscar
refúgio,
20 6
A presença do clérigo branco perturba os aquilombados. Muzinga
tenta interceder a seu favor, sugerindo que o padre poderia ensiná -los
a ler e escrever. Mas a ideia é rechaçada pelo líder quilombola que diz
não haver serventia para eles a letra dos brancos. Autorizado a
permanecer apenas para descansar, o padre passa a registrar os
acontecimentos – assim como fizera no navio negreiro . Seu diário o
recoloca
na
posição
de
narrador
secundário.
Suas
observações
descrevem o modo de vida no quilombo, caracterizando aquele espaço
como uma recriação dos modos africanos , em que imperavam a
liberdade e solidariedade tribais. Planos representando momentos
cotidianos são alternados, enquanto uma música percussiva permite o
foco para uma dança de capoeira .
As descrições das representações dirigidas por W alter Lima
Júnior para a dinâmica do quilombo trazem a lguns elementos que
reiteram o conhecimento sobre o tema circulante , na década de 1970.
Na realidade, tais representações reforçam estereótipos aos quais o
negro é frequentemente associado, quase como uma marca identitária.
Como exemplo do uso de imagens canônicas nesse sentido, citam-se a
música percussiva e as danças de capoeira que apresentam o quilombo
ao espectador. Ainda que de modo inconsciente, cria -se a ideia de que
um grupo negro não está fide dignamente representado se não houver
batuque e danças acrobáticas.
Associar o cotidiano dos negros,
sobretudo quando relacionados à escravidão e ao continente africano,
a modos de vida rudimentares é outra percepção que perdura como
herança do discurso ci vilizatório europeu escravocrata.
A ideia do quilombo como espaço onde o negro recriava hábitos
próprios da sociedade africana, especialmente ligados à natureza,
também aparece em Cacá Diegues . Sob sua direção retoma-se a
representação do quilombola como ameaça à ordem social vig ente,
cuja construção é perceptível desde a documentação produzida entre
autoridades dos séculos XVIII e XIX , preocupadas em coibir as fugas
escravas 374. Contudo, mesmo à margem social, esse grupo é dignificado
374
Cf .: C AR N EI RO , Ed is on . O Q u i lo m b o dos P a lm ar es . 2 . ed . S ã o P a u lo : Com p an h ia
E di t ora Nac i o na l , 1 9 58 ; R EI S , J o ã o J os é ; G O M E S , Fl á v i o d o s Sa nt os . (O rg) .
20 7
na narrativa fílmica, sobretudo quando confrontado aos administradores
portugueses.
Essa
valorização
do
elemento
oprimido
na
história
também é reconhecid a na abordagem dos quilombolas por W alter Lima
Júnior, em Chico Rei.
Nas sequências iniciais, logo após tocar com músicos andarilhos,
o contratador é surpreendido por um grupo de negros. Assim como
ocorre na apresentação do quilombo em Chico Rei, uma trilha sonora
percussiva, com destaque para a cuíca, cria a tensão do encontro. A
câmera filma a silhueta do líder negro em cima de uma rocha,
transmitindo a sensação de poder. Aos saltos e armado, ele desce e é
reconhecido como Teodoro, famoso contraventor na região diamantina .
O líder apresenta aos comparsas uma mostra do cascalho minerado
clandestinamente, como bons indícios de haver muitos diamantes no
local. Teodoro, então, se volta ao contratador, com quem estabelece
um diálogo questionando a aptidão de João Fernandes para o negócio:
“Vossa
excelência
já
viu
algum
diamante
na
sua
vida,
senhor
contratador? Fora do pescoço das senhoras de Lisboa, é claro!”.
Prossegue, ironicamente, deslegitimando o monopólio imposto pela
Coroa Portuguesa para extrair as valiosas pedras ao afirmar que os
diamantes “brotam em cascalhos iguais a esse. E , para isso, não
precisam da autorização do r ei de Portugal. Como eu não preciso dela
para ir buscá-los”.
Acuado, o contratador ainda perde sua montaria, pois o fora da
lei a requisita porque o seu cavalo havia quebrado a perna. Apesar da
tensão, acentuada pelo berimbau em ritmo de capoeira, Teodoro se
apresenta sereno , com um sorriso irônico , no controle da situação .
Essa
sequência
revela
o
poder
paralelo
dos
quilombolas
à
administração oficial e representa uma das muitas inversões sociais e
de poder que caracterizam a relação entre os negros e a el ite tejucana
em Xica da Silva.
L ib er da d e p or um f io : h is t ór ia d os q u i lom bos no Br as i l. S ão P au l o: Com pa n hi a das
Le tr as , 19 9 6; A N A ST A SI A , C ar l a M . J . V a s s a los r e be l d es : v i ol ê nc ia c o le t i va n as
M in as n a pr im eir a m et ad e d o s éc u lo X VI II . B e lo H or i zo n te : c / Art e , 19 9 8.
20 8
No decorrer do filme, quando o contratador percebe que suas
tentativas para demover o governador de investigar sua administração
não surtem efeito, sua amásia decide intervir. Sozinha , vai à procura de
Teodoro em seu esconder ijo. O caminho é difícil , cheio de obstáculos e
animais como aranhas e insetos – imagens que reiteram o quilombo
como um local de perigo. Sem perceber, Chica é observada por vigias,
que alertam sua presença tocando tambores,
cujo som passa a
preencher o plano geral aberto no qual muitos negros (homens,
mulheres, velhos e crianças) são representados em várias atividades
(frame 12). Teodoro está sentado no topo de uma pedra, tal qual um re i
tribal em seu trono da natureza , vestido com uma pele de animal .
Fr a me 12 – P la n o g er a l do qu i l om bo d e T e o dor o ( Xic a d a S i lv a, 1 97 6)
Chica propõe que ele ajude o contratador, organizando seus
homens, para expulsar o governador e sua tropa do Tejuco. O líder
quilombola desce até sua mulher, que embala o filho do casal, e diz se
importar pouco com os administradores portugues es, mas que poderia
ajudar porque João Fernandes permitia que ele atuasse sem maiores
20 9
repressões. Estabelecidas as condições, Chica revira os olhos, treme o
corpo e diz que está lhe dando uma zoeira – quadro marcante no filme
e que assinala a deixa para a protagonista se entregar à volúpia que
tanto enlouquecia os homens. Agarra-se, então, a Teodoro e deitam -se
na própria pedra, à frente dos quilombolas, que assistem impassíveis.
As descrições acima permitem atribuir às representações de
quilombo estabelecidas por Cacá Diegues ainda mais radica is quanto
ao reforço da ideia de sse espaço como ameaça à ordem social, política
e econômica da sociedade branca . O quilombola, encarnado em
Teodoro, está à margem e, ainda assim, tem poder e se sobrepõe à
maior autoridade do Tejuco: o contratador. Contraposto à autoridade,
sua dignidade é exemplificada em várias situações: ao encontr ar João
Fernandes exercitando música, demove seus comparsas de assassiná lo;
manda
devolver
o
cavalo
que
havia
tomado
emprestado
ao
contratador; aceita o pedido feito por Chica para ajudá -lo. Dignidade
não correspondida por João Fernandes que, ao ser informado por Chica
onde Teodoro se escondia, decide denunciá -lo para demonstrar ao
governador sua lealdade à Coroa. Ou seja, enquanto o homem negro
representa a lealdade, o branco se pre sta à traição.
Ainda assim, a representação do quilombo como espaço de
natureza selvagem, n o qual os escravos fujões viviam em meio a
animais peçonhentos e sem pudores , ao ponto de assistirem seu líder
copulando
com Chica,
sugere a violência e a incivilidade como
característica desse grupo social. Elementos dessa leitura alimentaram
contestações ao diretor, acusado de representar o negro sob o olhar
colonizador 375.
Retornando ao quilombo representado em Chico Rei, no momento
em que a voz do padre narra suas impressões sobre o grupo, um novo
plano é aberto com a chegada de um emissário negro e integrante da
Irmandade do Rosário. Sua missão era convencer Muzinga a retornar
para Vila Rica. Um acalorado debate sobre a liberdade é estabelecido.
375
As p ec t os d es s a c r í t ic a r e al i za d a a C ac á Di eg u es s er ão d is c ut i d o s n o c a pí tu l o 4
– Re v er ber aç õ es de X ic a d a S i lv a e Ch ic o Re i , it em 4. 1. R e p erc us s ã o: d e ba t es
pe l a im pr e ns a.
21 0
O irmão do Rosário questiona se de fato era livre quem vivia em fuga,
já que o quilombola poderia ser recapturado a qualquer momento por
um capitão-do-mato. Muzinga, como porta voz dos companheiros de
quilombo, afirma que a lib erdade dos negros ia além de usar correntes
e argolas. Tratava -se, para eles, de uma liberdade interna. Por isso,
desconsideravam a alforria, pois uma vez obtida o negro deveria
conviver dentro das regras da sociedade branca. Mantendo essa
posição, o filho de Galanga permanece no quilombo, enquanto o
emissário e o padre retornam para Vila Rica.
Como se constata, ambos os diretores representaram o quilombo
como local da liberdade, embora estereótipos tenham sido reforçado s,
como a associação dos negros à capoeira, sempre sonorizadas por
percussão
que
sugere
tensão .
A
percepção
do
quilombo
como
expressão máxima da luta contra a condição escrava predominava na
produção histórica 376 e chegava até ao ensino básico de História ,
especialmente
pela
memória
em
torno
da
história
de
Zumbi
de
Palmares.
Em determinados momentos, os filmes de Cacá Diegues e W alter
Lima Júnior se aproximam d e uma interpretação mais radical sobre o
quilombo, entende ndo-o como ação contra-aculturativa dos negros.
Essa visão considerava a existência do quilombo com o tentativa de se
criar uma comunidade em que os valores culturais negros e africano s
fossem reestabelecidos, sem a influência branca 377. Essa possibilidade
interpretativa é mais explícita em Chico Rei, quando o padre exalta o
376
De m od o ger a l, es s a in ter pr et aç ão l i ga d a à tr a diç ã o m arx is ta c om pre en d e as
f ug as c o m o ex pr es s ã o d a lu ta d e c l as s e s , p ort a nt o, i ner e nt e s ao h ier ár qu ic o
s is t em a es c r a v oc r at a . É c er t o q ue , p or es s a l i nh a d e r ac i oc í n io , a re if ic aç ã o ( o u
c o is if ic aç ã o) d o es c r a v o s e tor n a um po nt o par a d ox a l n a tes e, j á qu e , par a f ug ir , o
ne gr o t er i a q u e a dq u ir ir c o ns c iê nc i a de s ua in d i v id u a l id a de . N ão obs ta n te es s e
s en ã o a n a lí tic o , v a l i o s os tr a ba l hos f oram pro d u zi d os c om o in t u it o d e ex p l ic ar a
es c ra v i d ão br as i le ir a e as f or m as d e r es is t ênc i a. Al ém das ref er ênc i as j á c it a das
par a o tem a; c f .: C O ST A , Em íl i a Vi o t t i da . D a s e n za l a a c o l ôn i a . Sã o Pa u l o:
Dif us ã o E ur o p e ia d o L i vr o, 1 96 6 . Va l e des t a c ar, a i nd a , os tr ab a l ho s d e a u tor es q ue
pu b l ic a ram os r es ul t a dos de s u as p es q u is as n o i n íc i o d a déc a da de 1 98 0; c f . :
MO U R A, C l ó v is . O s q u il o m bos e a r eb e l iã o n eg ra . S ão Pa u l o: B ras il i e ns e , 1 98 1 ;
G UI M AR Ã E S , Car l os Ma g no . A n e gaç ã o d a or d em es c r av is t a : qu i l om bos em Mi n as
G er ais no s éc . X VI I I. 1 98 3 . D is s er taç ã o (m es tra d o em Ci ê nc ia P o l ít ic a) –
Un i v ers id a de F e der a l de Mi n as G er a is , D e p art am en to d e C i ênc i a P ol ít ic a, 19 8 3.
377
D en tr e au t or es r ef er enc i a is p ara es s a i nt er pre t aç ã o, d es t ac a - s e ; c f . :
CA RN E IR O , E d is on . O Q u i l om b o d os P a lm ar es . .. o p.c it .
21 1
modo africano e solidário que imperava na convivência entre os negros
do quilombo, aproximando aquele grupo ao mito do bom selvagem 378.
Apesar de o aquilombamento não chegar a ameaçar o sistema
escravocrata, pois dependia da ação individual do cativo, sendo quase
sempre pontual, a existência do quilombo se inscrevia no imaginário
social como um risco à ordem social, política e econômica. A força
simbólica do quilombo tendeu a se acentuar após a independência do
Haiti, quando se criou , entre a elite colonial branca , o temor da
haitinização (receio de uma rebelião generalizada dos negros contra os
senhores), perdurando por todo o lento processo
legislativo que
restring ia a prática escravista no Brasil, até culminar na abolição, em
1888. Assim,
[.. .] s e n ã o f ig ur a vam c om o am eaç a ef et i v a à es c r a v id ã o, e les
[os q ui l om bos ] p as s ar i am a re pres e nt ar um a am eaç a s im b ól ic a
im por ta nt e , po v o an d o o p es ad e lo de s e n ho res e f u nc i on ár i os
c o lo n ia is , a l ém de c ons e gu ir f us t ig ar c om ins is t ênc i a
379
des c o nc e r t an t e o r e g i m e es c ra v is ta .
Ressalta-se que, em meados da década de 1970, novas hipóteses
sobre o papel do quilombo na sociedade escravista começa ram a
fundamentar pesquisas que se desenvolveriam nos anos seguintes. A
principal proposição era entender o quilombo de modo integrado ao
cotidiano social. A possibilidade da fuga, assim como a esperança da
alforria, aliviava a tensão na relação entre senhor -escravo, e poderia
minimiza r uma rebelião generalizada 380. Isso não significa que o
quilombo fosse desejado ou tolerado pelos senhores, afinal sua
existência
implicava
desestruturação
da
transtornos
cadeia
locais:
produtiva
e
fuga
de
de
mão
serviços ,
de
obra,
aumento
de
assaltos para abastecimento dos quilombolas.
378
Cf .: RO U S S E A U, J e an J ac qu es . Em í l io ( ou d a ed uc aç ã o) . 3 . ed . S ão P a ul o :
Ma rt i ns F o nt es , 2 0 0 4.
379
R EI S , J oã o J os é; G O M E S, F lá v i o d os S a nt os . (O r g). L i b erd a d e p or u m
fi o ... o p.c i t. , p. 1 8.
380
Em b lem át ic o n es s e s en t id o f o i a tes e d e d ou t ora d o r e al i za d a po r K á ti a M a tt os o
na Fra nç a, em 19 7 9, pos t er i or m en t e l a nç ad a em l i vr o; c f . : M AT TO SO , Ká t ia M . de
Q u eir ós . S er es c r a v o no Br as i l . 3 .e d . S ã o P a u lo : B r as i l ie ns e, 20 0 1; R A MO S ,
Do n al d . O qu i l om bo e o s is t em a es c ra v is ta em Min as G er a is do s éc u lo X VI II . I n:
RE I S, J oã o J os é; G O M E S, F lá v i o d os S a nt o s . (O r g) . L ib er da d e p o r u m f i o. .o p.c i t .
21 2
A discussão empreendida entre o negro forro e Muzinga a
respeito da liberdade revela os difíceis caminhos para se tentar romper
com a condição de escravo. A credita-se que o espectador de Chico Rei
– a partir da ponderação do ex-escravo de que a constante fuga
limitava a liberdade e da contraposição crítica de Muzinga de que a
alforria funcionava como cooptação pela sociedade branca – possa
ficar sensibilizado para o problema da experiência em ser livre com
plenitude.
3.1.2. Alforria: a liberdade dentro das regras
A alforria é o outro campo profícuo para se analisar essa questão.
A carta jurídica podia ser obtida por concessão unilateral do senhor
(afetividade; reconhecimento; compaixão; recompensa) ou negociada
(coartação) 381.
Tanto
Cacá
Diegues ,
quanto
W alter
Lima
Júnior
exploraram em seus filmes as nuances da obtenção da liberdade por
esse instrumento legal.
Os diretores foram didáticos ao explicar como se dava esse
procedimento. Em Xica da Silva, por exemplo, o esclarecimento ocorre
no início do filme . Depois do já analisado encontro do contratador com
os músicos e o grupo de Teodoro , ele ruma para o arraial do Tejuco –
momento em que os letreiros indicam os atores do filme . A câmera
corta para o pátio de uma casa, onde a negra Chica da Silva debulha
milho. O jovem José Rolim, filho do proprietário da escrava, a interpela
galhofeiramente e, após persegui-la, entram em um porão. A câmera
permanece focando a porta com o interior escuro, de onde sussurros
sugerem uma relação sexual. A nova sequência traz Chica em primeiro
plano, com um lenço azul à cabeça e seios nus. Ela pergunta ao jovem
se ele já acabou? Com aparência e xausta, José tenta manter a escrava
381
A c o ar t aç ão er a o es ta b el ec im en to p e lo s e nh or d o preç o q ue o es c ra v o d e ver i a
pa g ar, em um d et er m i na d o pr a zo d e a n os , p ara ob te r s ua li b er da d e; SO UZ A , L aur a
de Me l l o e . Co ar taç ã o: p r o b lem át ic a e e p i s ód i os ref e re nt es a M in as G er a is n o
s éc u l o X VI II . I n : SI L V A, M ar i a Be at ri z N i z za da . (O r g). B ras i l : c o l o ni za ç ão e
es c rav i d ão . R io de J a ne ir o: N o v a Fro n te ir a, 20 0 0.
21 3
com ele e diz que queria presenteá -la. Com olhar expressivo , a cativa
diz que queria “[...] um vestido e sapato branco. Roupa de gente!”.
José retruca dizendo que ela só pensava em futilidades. À porta, o
jovem a chama e diz que “[...] quando seu pai morresse, ele a herdaria
e, então, lhe concederia a alforria. Mas, se o velho demorasse a
morrer, ele a compraria pelo dinheiro pedido”; ao que a escrava sorri
graciosamente.
Toda a sequência , além de apresentar a protagonista e expor o
tom da narrativa ao destacar a volúpia de Chica e seu poder de
sedução
sobre
os
homens ,
o
dilema
da
escravidão -liberdade
é
colocado. No caso, José a concederia por questões afetivas.
No decorrer do filme, durante um jantar na casa de Chica, que
nessa altura já vive como amásia do contratador, outras duas situações
interconectadas recolocam a alforria em discussão. O negro Cabeça,
assessor de João Fernandes, interrompe o jantar para chamar seu
senhor, que se dirige à varanda que circunda o pátio interno da casa .
Do segundo andar , a autoridade reconhece o negro Teodoro , que o
procurou para propor a compra de uma escrava pertencente a João
Fernandes: Celeste, com quem tinha um caso e que estava grávida d o
quilombola. Estabelecido o negócio, Teodoro joga um saco com o
dinheiro e diz que a diferença de valores deveria ser distribuída aos
pobres.
Chica observou toda a conversa e se emocionou com a atitude do
líder negro em se arriscar para comprar a liberdade de sua amada.
Então, passa a cobrar que João Fernandes lhe concedesse a alforria. O
contratador tenta d issuadi-la, explicando que ela já possuía tudo e que
ele não se arriscaria em libertá -la, pois poderia perdê-la. A escrava
insiste e argumenta que se ele realmente a amas se deveria correr o
risco. Convencido, João Fernandes promete providenciar o documento
na manhã seguinte. Eufórica, Chica seduz seu amante ali mesmo na
varanda, alega a zoeira e se entregam a um amor nada silencioso, com
o contratador gritando isso não! Chica! Os berros constrangem os
convidados do jantar, com exceção do padre, que elogia a comida
enquanto se lambuza ao saborear uma suculenta manga.
21 4
Os planos seguintes têm as ruas do Tejuco como cenário . A
câmera acompanha Chica da Silva , ricamente paramen tada em um
vestido amarelo e rendas brancas, acompanhada por uma comitiva de
doze mucamas também luxuosamente vestidas . Com a carta de alforria
em mãos, a ex-escrava percorre as ruas acuando a elite branca ao
apresentar desaforadamente aos transeuntes o documento que a
tornava livre (frame 13). A música-tema de Jorge Ben embala esse
clímax da liberdade c onquistada e legítima .
Fra me 13 – P la n o d e Ch ic a d a S i l va nas r ua s d o T ej uc o c om s ua c art a d e a lf orr i a
( X ic a da S i lv a , 1 97 6)
O diretor constrói nessa sequência uma importante representação
de inversão da ordem social escravocrata, com o elemento negro se
sobrepondo à sociedade senhorial. A representação se tornou uma
imagem canônica, sendo recorrente em clipes e cartazes promocionais
do filme, mas também com ampla circulação como referência imagética
a respeito da conquista da alforria .
21 5
Se esse é o ponto alto da representação da ascensão da ex escrava, a continuidade da sequência apresenta os limites à liberdade
de Chica, que prossegue em sua efusiva caminhada até uma igreja,
onde
pessoas
aguardam
o
in ício
da
missa.
Do
alto
da
torre,
d.Hortência, esposa do intendente dos diamantes e desafeta declarada
de Chica, protesta contra sua entrada. O padre alega que preferia não
impedir, mas concorda que não poderia deixá -la entrar. Orgulhosa, a
ex-escrava apresenta a carta de alforria e diz que pr eferia ser chamada
de Francisca da Silva, pois agora era
livre e
súdita da Coroa
Portuguesa. O padre a parabeniza, mas ainda objeta -lhe a entrada: o
regulamento da irmandade religiosa, além de proibir cativos, exigia
brancos sem mistura de sangue por pelo menos seis gerações. O
religioso se volta para os fiéis, exortando-os a entrarem para iniciarem
o ritual. O adro se esvazia. Uma das mucamas desce as escadas. O
padre, então, cerra as portas da igreja. Desolada e furiosa, Chica
desfere ofensas a todos (frame 14).
Fr a me 14 – P la n o d e Ch ic a d a S i l va ao s e r pro i b i da d e e ntr ar n a i grej a
( X ic a da S i lv a , 1 97 6)
21 6
A representação da euforia e o desolamento de Chica da Silva ,
devido à percepção de que a sua alforria encontrava restrições na
sociedade escravocrata, problematizam o tema da liberdade. Mesmo
sendo legalmente livre e amante de um dos homens mais poderosos do
Império Português, Francisca da Silva tem sua liberdade limitada pelas
regras sociais, como os interditos de uma irmandade religiosa que
impede a entrada de pessoas negras em seu templo 382. A colocação do
problema por Cacá Diegues vai ao e ncontro da crítica feita por Muzinga
às imposições culturais da sociedade branca sobre a população negra.
Apesar
de
lançar
mão
do
personagem
de
Muzinga
para
reconhecer e assinalar os limites da carta de alforria dada aos negros,
W alter Lima Júnior constrói sua narrativa fílmica na perspectiva da
liberdade
negociada.
conhecimento
Por
existente
esse
e
procedimento,
circulante
sobre
o
diretor
Chico
reitera
o
que
se
Rei ,
caracteriza por conseguir alforria r seus companheiros.
Em Vila Rica, o major Seixas arremata Galanga/Chico em um
leilão. Em sua propriedade, Seixas conduz seu novo escravo à Mina da
Encardideira. O local é escuro, iluminado por candeias que realçam um
dourado nas rochas. Apesar da pouca luminosidade, veem -se outros
escravos minerando. Ao abrir as algemas, diz para Galanga esquecer
seu nome africano, devendo ser conhecido como Francis co. Um
escravo próximo parece ter reconhecido Galanga. Chico a tudo observa
e
recebe
quantidade
a
promessa
de
ouro,
de
ao
liberdade
que
retr uca,
caso
encontre
estabelecendo
uma
grande
um
diálogo
politizado e crítico :
Chi co Re i – E u s ó p os s o s er l i vre s e m eu po v o f or l i vre . Eu
s ou r ei .
M ajor S e ix a s ( im pac i en t e) – N ão m e am o l e s e u Ch ic o Re i! E
c om ec e a tra b a lh ar . Pa ra enc o ntr ar o o uro q ue e u es to u
de v e nd o a o o utr o re i : o r e i d e P ort u ga l .
M ajor Se ix a s (a p o ia do n a p are d e e às gar g al h a das ) –
E nq u an t o um re i m e t r a z o o uro , o o ut ro m e l e va t u do .
382
P ar a as ir m an d ad es e r e l i gi os as e s u a re laç ã o c om a s oc ie da d e c i v i l; c f .:
BO S CH I, Ca i o C es a r . O s le i g os e o po d er : irm an d ad es l e ig as e p o l it ic a
c o lo n i za d or a em Mi nas G er a is . Sã o P au l o: Át ic a, 1 98 6. P ara es t u do das
irm an da d es r e li g i os as es t a be l ec id as p or ne gros ; c f . : SC A R ANO , J u li t a. Dev oç ão e
es c rav i d ão .. . o p.c i t.; BO RG E S, C é li a M a i a. Es c r av os e l i b ert os n as ir m an d ad es d o
Ros ár i o: d e voç ã o e s o li d ar ie d ad e em M in a s G er a is (s éc u l os X V I II e X IX ). J u i z de
For a: Ed i tor U FJ F, 2 0 05 .
21 7
Ao deixar a mina, Seixas ordenou que todos trabalhassem. Chico
Rei junta-se aos demais cativos.
Novamente o cenário é a mina de ouro. A câmera se detém à
entrada, mas logo conduz o espectador ao seu interior, em um
mergulho lento. Uma ladainha se mistura ao som de marretadas e
picaretadas. Naquela luminosidade opaca com relances de dourado,
negros são filmados desbastando a rocha. Um escravo mais velho se
escora na parede, pega um cande eiro e caminha lentamente, passa mal
e cai. Chico Rei corre para ajudá -lo. Aos sussurros, o moribundo pede
que lhe providenciasse um enterro bonito com o ouro que trazia
escondido na cabeça: “[...] eu juntei pensando que pudesse ser livre ”.
Chico Rei ordena que s oassem os tambores para indica r a morte do
companheiro.
Outra sequência que também tem como cenário a Mina da
Encardideira, apresenta Chico Rei em primeiro plano , marretando a
rocha. Ao desf erir um golpe, o chão se rompe e ele cai no buraco ,
praticamente em pé . Encoberto pela poeira, s ua expressão revela um
misto de susto e surpresa ao observa r o espaço. O dourado predomina
na iluminação e o zoom da câmera sugere que havia muito ouro ali.
Simultaneamente, sobe a música de Santa Efigênia, na voz de Milton
Nascimento, que funciona como legenda para o momento: a santa
revela o caminho do ouro no ventre da terra. No escuro da galeria, uma
figura feminina, negra, envolta em panos brancos, remete à aparição
da Santa Efigênia, como que abençoando Chico Rei e o achado
subterrâneo (frame 15).
Concomitantemente, na parte de cima da mina outros escravos
procuram por Chico Rei para lhe informar que acharam um veio
aurífero. Novo corte para o subterrâneo da mina, onde Chico Rei se
recompõe da surpresa da sua descoberta. A câmera o acompanha em
movimento ascendente que reforça a grandeza do achado ao filmar as
paredes
douradas.
Novamente
junto
aos
seus
companheiros
de
cativeiro, o líder negro não conta da gal eria subterrânea e disfarça seu
contentamento ao vistoriar o veio encontrado pelos outros escravos,
irradiantes com a perspectiva da liberdade.
21 8
Fra me 1 5 – P l an o da S an ta Ef ig ê n ia a in d ic ar o o uro n a g a l eri a d es c o b ert a por
Ch ic o Re i ( C h ic o Re i , 19 8 5)
Nesse momento, a percepção da liberdade como valor atinge o
clímax. W alter Lima Jr., o fe z por meio de uma linguagem poética e
emotiva, cuja construção foi elaborada desde o desmoronamento de
parte da mina onde Chico Rei trabalhava e a visão de Santa Efigênia
mostrando a galeria rica em ouro , até a incontida alegria dos escravos
pela descoberta do veio aurífero que poderia garantir a concessão da
alforria aos descobridores, como prometido pelo major Seixas . Por toda
essa sequência, a música parece unificar os planos. O conjunto de
emoções leva Chico Rei extravasar sua euforia, correndo em dispa rada
pelos corredores escuros d a Mina da Encardideira rumo à saída, de
onde salta à luz com os braços ao alto e grita: livres! (frame 16).
21 9
Fra me 16 – Pr im eir o p l an o d e Ch ic o R e i qu e gr i ta p or li b er da d e ap ós ac har o ur o
na m in a ( C hic o R e i, 1 98 5)
A alforria, contudo, demora a se concretizar, pois o major Seixas
termina
encarcerado
sob
acusaç ão
de
traição
ao
desrespeitar
publicamente o governador durante uma peça teatral . Somente depois
de libertado, ordena que os escravos fossem chamados. Manco e cego
de um olho, consequências das torturas na prisão, o major está na
varanda da fazenda, deitad o à rede, sendo abanado por um a cativa.
Dita à sua mulher os termos da carta de alforria de Chico Rei que,
assim como seus companheiros, não cont ém a emoção enquanto ouvem
sua liberdade se r redigida. Ao assinar a carta, o
major Seixas
pronuncia uma frase e mblemática: “Agora, você também é feitor”.
(frame 17)
22 0
Fra me 17 – P la n o d e Ch ic o Re i r ec e b en d o a c ar ta de a lf o rr ia ( C h ic o Re i , 1 98 5)
Chico Rei continua a trabalhar na Encardideira, mantendo bom
relacionamento com seu antigo proprietário. Ao comunicar-lhe, porém,
que o veio tinha se esgotado, não confess a ao Seixa s que havia
descoberto
uma
grande
quantidade
de
ouro
em
uma
galeria
subterrânea. Diante da crise financeira de Seixas, Chico Rei propõe
sociedade à irmandade do Rosário para comprar a mina . Seu objetivo é
usar o ouro para libertar os cativos. Feito o negóc io, uma espécie de
cooperativa se estabelece, com os negros trabalhando para adquirir a
alforria dos demais.
Como consequência dess a inversão social, em que um negro se
torna proprietário e reestabelece fortes laços de solidariedade em torno
de
sua
autoridade,
Chico
Rei desperta
inveja
e
raiva
entre
as
autoridades do filme . Quando uma escandalosa fraude relativa à
remessa de ouro para o reino é descoberta, o governador não hesita
em acusar o rei negro de estar por tr ás da trama.
22 1
Em filmagem externa, em meio a um milharal, Muzinga e outros
quilombolas visitam Chico Rei. O filho do líder negro diz que eles
queriam saber se era mesmo verdade o que se falava sobre sua
prosperidade. O pai explica que os negros que não trabalhavam na
mina estavam no campo, aran do, plantando e que a terra era boa. Um
plano aberto revela soldados montados se aproximando. Chico Rei está
em
meio
aos
seus,
que ,
com
enxada,
trabalham
a
terra.
Em
contracampo, os soldados chegam e procuram por Chico Rei, que se
identifica e recebe a intimação para prestar esclarecimentos ao capitão
Vasconcelos, autoridade militar . Ao perguntar o motivo, o soldado lhe
diz que devia explicar onde havia escondido o ouro do rei. Ordena ao
outro soldado
quilombolas
para amarrá -lo. Escondidos entre a
observam.
Chico
Rei
é
levado
preso
plantação, os
para
provocando tumulto entre os negros que ali estão (frame 18).
Fra me 18 – P la n o d e Ch ic o Re i p res o, c on d u zi d o p or m i l it ar es
( Ch ic o R ei , 1 98 5)
a
Vila,
22 2
A dramaticidade presente na descrição desses planos assinala a
ambiguidade em se obter a liberdade por meio da alforria . Muitos
morreram enquanto tentavam acumular o pecúlio necessário para
comprá-la. Tais planos fílmicos endossam, em grande medida, a leitura
de que a esperança da alforria ajudava a manter a ordem entre os
cativos, facilitando a dominação e aculturação – haja vista a percep ção
de Seixas de que o liberto se tornava apto a ser feitor de escravos. Um
processo que, independente mente do estatuto de livre, mantinha a
discriminação em função das raízes africanas, negras e escravas, como
exemplifica a prisão arbitrária de Chico Rei, mesmo sendo um próspero
minerador e agricultor.
Os diretores ressaltam, portanto, as dificuldades inerentes ao
processo de alforria e suas limitações para a inserção do negro livre na
sociedade, fazendo des sa tensão a força propulsora d e suas narrativa s
cinematográficas. W alter Lima Júnior, não obstante, se posiciona
favoravelmente à estratégia da conquista da alforria por ser legítima,
evitar confrontos e violência 383. Em seu filme, Chico Rei obteve sucesso
em seu empreendimento : libertar seu povo do cativeiro. Mesmo que a
sociedade branca lhe apresent e interditos, como também sentiu na pele
a Chica de Diegues, o negro alforriado não poderia ser reescravizado –
ao contrário daquele que procurava p ôr fim à escravidão pela fuga.
Nesse sentido,
W alter Lima Júnior declarou
compreender a
história de Chico Rei distintamente das trajetórias da Chica da Silva e
de Zumbi dos Palmares.
Ch ic o R e i é um m ito qu e n ã o a t in g e a c o ns c iê nc ia n ac i o n al
c om o zum bi d os p a l m ares , q u e eu , par t i c u larm en t e, ac ho
to ta lm en te e ng a n os o , j á q u e p as s a um s en t i m ento s e par a tis t a
e de d er r ot a . C h ic o Re i , ao c o nt rár i o , é um m ito d a
c onc i l i aç ã o, on d e o ne gr o us a o p ró pr i o s is t em a, t ira n do
384
pr o v e it o d e l e e f a ze n d o a s u a l i ber d ad e .
383
Nã o er a i nc om um , c on t ud o, q ue o s e nh or, m es m o te n do rec eb i d o o v a l o r
c om bi na d o p e la c o ar t aç ã o , s e ne g as s e a en tr eg ar a c ar ta d e a lf orr ia , a l e ga n do
i nc l us i v e o nã o pa g a m ento . N es s es c as os , a c ha nc e p ar a o c at i v o c o ns eg u ir
re ve rt er a q ue br a de c o ntr at o er a p or u m proc es s o j u dic i a l, s en d o a pr im eir a
d if ic ul d ad e e nc o n tr ar um tut or q ue o re pr es en t as s e j u nt o à j us t iç a; c f . : G RI N B ERG ,
K ei l a. L i ber at a , a le i d a a m bi g u id a de : As aç ões d e l i be rd a de da C ort e d e A pe l aç ã o
do R i o d e J a ne ir o n o s éc u l o X IX . R i o d e J an e iro , Re l um e - D um ará, 19 9 4.
384
B AZ I, Ser g i o. C hic o Re i , o “m it o da c o nc i l i aç ã o”. C orr e io Bras i l i ens e , p. 32 , 1 3
m aio d e 1 98 8 .
22 3
A incógnita sobre o destino d e Chico Rei municia o cineasta para
reiterar sua relevância no imaginário social a partir da estratégia de
luta
empreendida
contra
a
escravidão .
As
palavras
de
Kindere,
narrador inicial e que também fecha a história , são emblemáticas para
essa valorização. Mesmo desconhecendo se o líder, após muito ter
trabalhado para libertar os escravos, havia permanecido no Brasil ou
retornado à África, assevera que Chico voltou a ser rei: “Rei de uma
festa que conta a sua glória. Rei da Congada, que os negros do Brasil
ainda hoje cantam e dançam”.
O corte da sequência traz a Igreja do Rosário (Ouro Preto), em
cujo adro guardas de congada estão em festa . A câmera fechada foca
Galanga/Chico devidamente paramentado como rei da fest ividade,
observando os dançantes de sua corte (frame 19). O cântico de
congada é substituído pela canção entoada por Milton Nascimento:
Chico Rei, Chico Rei! Quem é rei, sempre será!
Fra me 19 – P l a no de Ch ic o R ei c om o rei da c on ga d a, la d ea d o p e l a ra i nh a
e o c h ef e d a ir m an d ad e d o Ros ár i o ( Ch ic o R e i, 1 9 85)
22 4
Por meio das narrativas fílmicas , os cineastas perseguem o tema
da liberdade e da resistência à opressão no contexto do escravismo. A
partir dos elementos históricos, Cacá Diegues e W alter Lima Júnior
problematizam a temática, as formas de se tornar livre e os limites da
liberdade naquela sociedade. Seus filmes de gênero histórico , não
apenas promovem a circularidade d o saber a respeito de perso nagens
– provavelmente desconhecidos pa ra a maior parte do público dess es
trabalhos. Eles possibilitam ao espectador tomar contato reflexivo com
o
passado
brasileiro
graças
à
narrativa
audiovisual
construída,
independentemente de predominar na tela a lingu agem dramática,
comédia, poética ou carnavalesca. Nesse sentido, os referidos títulos
fílmicos agem como intermediários para uma história pública : divulgam,
interpretam, problematizam o passado em uma construção narrativa
histórica cinematográfica, viabili zada por meio do diálogo estabelecido
com outras variadas fontes narrativas sobre o tema.
3.2.
Ponte temporal: da ditadura à colônia
O ato cinematográfico é imbuído de intencionalidades, como já
assinalou Marc Ferro ao desenvolver suas primeiras reflexões so bre a
relação do cinema com a história. O autor indicou que o filme , não
apenas representa o homem no tempo, mas termina por documentar o
contexto em que foi realizado 385; observação, aliás, extensiva às
demais produções audiovisuais 386.
A linguagem artística tem sido uma destacada cronista histórica.
Artistas costumam atribuir significados políticos em suas produções,
algo que se destaca e m períodos autoritários, sobretudo, a despeito
das ações cerceadoras da liberdade que acompanham esses governos.
Considerando as observações assinaladas por Bernardet, infere -se
que, em momentos autoritários, o exercício da meta -história se torna
385
F ER RO , Mar c . C in e m a. .. o p.c i t.
Cf .: SI L V A, Fr anc is c o Car l os T e ix e ira da . (O rg ). H is t or i a e i m ag e m. R i o d e
J an e ir o: U FRJ , 1 99 8 ; HAG E M E YE R , R af a e l Ros a . H is t ór ia & au d i ov is u a l. Be l o
Hor i zo n t e: Au tê n tic a , 20 1 2.
386
22 5
um importante recurso de expressão 387. Daí a recorrência percebida em
filmes de gênero histórico produzidos durante governos ditatori ais em
deslocar para o roteiro questões pertinentes às tensões do tempo
presente.
Cacá Diegues e W alter Lima Júnior vivenciaram a violenta
ditadura civil-militar implantada e m 1964 – cujo histórico acumulava
infames registros como atos institucionais, cas sações de direitos
políticos,
exílios,
torturas,
assassinatos,
censuras .
Apesar
das
dificuldades do período, os cineastas d eram prosseguimento às suas
carreiras. As produções de Xica da Silva e Chico Rei distam apenas
cinco anos, tendo sido realizadas no c ontexto da abertura política,
conforme anunciado no governo do general -presidente Geisel (1974 -79)
e reiterado por Figueiredo (1979 -85). Nesse cenário político, recordam se os problemas enfrentados por Diegues com os cortes sugeridos pela
censura; interferências pelas quais não passou W alter Lima com Chico
Rei – já que a edição final do filme ocorreu no final do governo militar,
quando a censura já não atuava com a mesma intensidade .
Mesmo nesse contexto, destaca -se, em Xica da Silva e Chico Rei,
uma ironia que transita pela ponte histórica entre a realidade colonial e
o período ditatorial. Algumas críticas do tempo presente deslocadas
para o passado são sutis, outras mais expl ícitas, embora pareça que os
censores não atentaram para a veia crítica contemporânea dos filmes.
O que reforça a ideia de que o filme de gênero histórico , muitas vezes,
é lido somente na perspectiva da reprodução do passado. Para
favorecer a análise acerca das práticas de meta -história nos filmes, foi
estabelecido um recorte que privi legia as críticas relacionadas à ideia
de liberdade política , à denúncia à corrupção administrativa e ao
autoritarismo militar.
387
B ER N AR DET , J ea n Cl a ud e ap u d O S IN CO NF ID E NT E S. A ND RA D E, J oa q u im
P edr o d e. .. o p.c i t.
22 6
3.2.1.
Liberdade, ainda que tardia
Sobressaem metáforas e sugestões em tons críticos à realidade
autoritária brasileira, vivenciada s quando os filmes foram produzidos.
Todavia, como é ampla a produção bibliográfica analítica a respeito do
contexto ditatorial brasileiro, não se procederá a uma discussão
pormenorizada sobre os fatos inerentes ao período 388. A abordagem
ocorrerá intrinseca mente à meta-história desenvolvida nos
planos
analisados.
Cacá Diegues e W alter Lima Júnior discorreram longamente sobre
a liberdade como valor existencial a partir da escravidão. As relações
administrativas representadas em seus filmes são mais favoráveis para
tratarem a liberdade no campo político. Nesses momentos, os diretores
usam da ambiguidade para questionar as relações coloniais Portugal Brasil e seu impacto no cotidiano dos brasileiros, que podem ser
ressignificadas para a luta contra a ditadura e pela redemocratização
do país. Personagens e fatos históricos funcionam como mote para a
meta-história.
É o caso de F ilipe dos Santos, um dos líderes da Revolta de Vila
Rica de 1720 389, contra a instalação das casas de fundição de ouro por
Portugal.
O
perso nagem
aparece
em
Chico
Rei
quando
vai
ser
executado, em Vila Rica, que momentos antes foi apresentada ao
espectador por meio de uma imagem panorâmica. A câmera acompanha
a chegada de um lote de escravos à vila. Do alto, tem -se como plano o
mercador de escravos à frente, seguido pelo padre espanhol e o grupo
de negros acorrentados – Chico puxa a fila –, subindo a ladeira,
enquanto
feitores
gritam
para
que
andassem.
O
corte
abre
um
contracampo no qual um homem branco, com as mãos amarradas, é
conduzido
388
pelo
c arrasco,
ladeado
por
soldados
que
tocam
nos
Res s al v a - s e q u e a l gu m as r ef erê nc i as s o br e tem as l ig a dos à d i ta d ura c i v i l - m il i tar
bras i l e ir a s ã o i nd ic a d as nes s a tes e . R ec urs o qu e s er á m ant i d o a f im de r ef er en d ar
c o loc aç ões a pr es en ta das e apr ox im ar o l e it or a os es t u dos s obr e a tem át ic a.
389
Par a a Re v o lt a d e V i la R ic a d e 1 7 20 , o u R e vo l ta de F i l ip e d os S a nt os ; c f .:
SO UZ A, L a ur a d e M e l l o e. D is c urs o h is tó ric o e p o lí tic o s o br e a s ub l ev aç ã o qu e n as
Mi n as h o uv e n o a n o d e 1 72 0. B el o H or i zo n t e: F un d aç ã o J o ã o P i n he ir o; C e ntr o d e
Es t u dos H is t ór ic os e Cu l tur a is , 19 9 4.
22 7
tambores uma marcha. Transeuntes observam o caminhar do réu que ,
sereno, passa pelo cadafalso montado. Enquanto sobe a escada, o
mercador e seu lote de escravos chegam ao parapeito da rua atrás do
local de execução, diminuindo a marcha para observarem (Frame 20).
Fra me 20 – P la n o d o e nf or c am ent o d e Fi l i pe dos Sa n tos ( C h ic o Re i , 19 8 5)
Em primeiro plano, um homem com chapéu observa recostado à
parede da igreja – trata-se de Paranhos, capitão -do-mato, importante
personagem na trama. Seu pensamento é revelado pelo som em off:
“Patriota
imbecil.
Vê
quanto
vale
o
teu
exibicionismo !”.
Em
contracampo, do outro lado da rua, também recostado em um muro, um
negro bem vestido, com chapéu e casaca – trata-se de Felipe, alferes e
fiscal da Intendência do Ouro –, parece trocar olhares com Paranhos.
Seu pensamento confirma a oposição sugerida pelo jogo de câmeras
campo e contracampo: “Cínico. E ainda se diverte com a própria vítima.
Pobre Filipe!”. Em meio ao som dos tambores, um soldado a cavalo lê a
22 8
sentença expedida pelo governador Conde de Assumar, que determina
a execução do condenado por traição ao rei de Portugal. No cadafalso
e com a corda no pescoço, tendo o lote de escravos em segundo plano,
Filipe profere um último discurso, assim que os tambores cessam :
“Riqueza grande da t erra! Quantos por ti morrerão?”. Primeiro plano no
padre espanhol que faz o sinal da cruz. Primeiro plano novamente em
Filipe que, ao som de relinchos, sente o alçapão se abrir em sua queda
para a morte por enforcamento. Os espectadores vibram com o ato.
Corte para um negro livre (trata -se de Antônio, mestre artesão) que
roga a proteção divina a F ilipe “por ter sonhado uma nação livre ”.
Segundo o diretor, o personagem de Filipe dos Santos solucionou
a demarcação temporal do filme, fugindo do anacroni smo presente no
roteiro
original
protagonista
(proposto
ao
por
movimento
Mário
da
Prata),
no
Inconfidência
qual integrava
Mineira.
o
Conforme
declarou, a lenda de Chico Rei se passava no início do século XVIII,
por isso, atrelá-la ao episódio da Revolta de Vila Rica a tornava
verossimilhante 390.
Ao inscrever sua narrativa fílmica à atmosfera de resistência
política aos desmandos portugueses de episódios mineiros, W alter
Lima Júnior reafirma seu compromisso em fazer um filme para refletir
sobre a liberdade. O s pensamentos expostos dos observadores dos
planos descritos reiteram a contextualização histórica representada: a
tensão decorrente entre ser colono e as restrições impostas pela Coroa
Portuguesa 391. Se, por um lado, há quem condene Filipe dos Santos,
outros reconhecem seu heroísmo.
Ao mesmo tempo em que valoriza a rebeldia e a resistência, é
possível inferir algumas questões subliminares. Uma delas diz respeito
ao capitão -do-mato, figura histórica odiada pelos negros, dada a função
390
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3.
So br e as c h am ad as r ev o lt as c o l o n ia is , c om des t aq u e p ar a a s oc orr i das na
c ap i ta n i a de M i n as C ar la An as t as i a, ref le t e s obr e a a b ord a gem q ue e n te n de as
an t eri or es a m ea dos d o s éc u l o X VI II c om o n at i v is t as , e n qu a nt o as p os t er ior es c om
v i és s e p ar a t is t a; A N A ST A SI A , C ar l a M.J . V as s a l os r eb e l des .. . o p . c it . E, a i nd a, c f . :
FIG U E IR E DO , L uc i an o Ra p os o d e A lm ei d a . R e be l i ões n o B ras i l C ol ô n ia . Ri o d e
J an e ir o: J or g e Z ah ar , 2 00 5 ; L O PE S , E l ia n e Mar t a S an tos T eix e ir a. C ol o n i za d or c o lo n i za d o: um a r e l a ç ão e duc a ti v a no m o v im ent o d a h is t ór ia . B el o Hor i zo n t e:
E di t ora U FM G , 1 9 85 .
391
22 9
de capturar escravos f ugitivos, mas que também sofria desconfianças
entre os brancos que contratavam seus serviços. Intencionalmente,
W alter Lima Júnior o batizou de Paranhos, uma irônica homenagem ao
delegado do Departamento de Ordem Política e Social ( DOPS) Sérgio
Fernando
opositores
Paranhos
do
Fleury,
regime
militar
cuja
lhe
violenta
rendeu
ação
no
denúncias
combate
de
aos
tortura
e
assassinato 392.
Outro aspecto é o fato de que são negros os que aprovam a
resistência do branco F ilipe. Nesse ponto, infere -se a compreensão do
diretor para a ideia de povo. A escravidão de africanos e seu transporte
até o interior do país marcam indelevelmente a condição de exploração
à qual estava sujeita a maioria da população. Essas raízes históricas
parecem se reafirmar com a luta justa e valo rosa, porém duramente
reprimida e deslegitimada pelos valores dominantes ou como asseverou
Paranhos: patriota imbecil.
Na mesma linha, pode -se ler que as sequências do enforcamento
de Filipe dos Santos aprovam a ação daqueles que se opõem ao
governo autoritário, mesmo que a consequência seja a morte. Rodado
no momento em que a Lei da Anistia foi aprovada, a euforia vivenciada
pelo retorno dos exilados da ditadura é refletida na valorização desses
heróis da liberdade, daqueles que sonharam um país livre.
Mantendo o olhar para personagens históricos envolvidos em
revoltas contra o poder constituído, ressalta -se a representação do
jovem José Rolim. Cacá Diegues seguiu as fontes que assinalavam que
Chica da Silva pertencia ao pai de Rolim, sargento -mor, antes de ser
vendida ao contratador. O padre Rolim teve atuação destacada na
392
En tr e vis t a d e W alter Lim a J ú n ior ao au t or da t es e, em 13 de j un h o d e 2 0 13 .
S obr e o DO P S , c uj a e s tr u tu r a m on ta d a n a d it a dur a m i li t ar a pr o ve i to u a ex pe ri ê nc ia
dos De p ar t am en tos E s ta d ua is de O r d em Po lí tic a e S oc ia l ( DE O P S), c r i ad os em
19 2 4, e as f or m as de at u aç ã o d o ór gã o re pr es s i vo n o p ós - 19 6 4; c f .: A Q U INO , M ar ia
A par ec i da . N o c or aç ão d as tr ev as : o D E O P S/ S P v is t o por d e ntr o. S ã o P a ul o :
Im prens a O f ic i al d o Es ta d o, 2 0 01 ; FI CO , C ar los . Co m o e l es ag i a m: O s
s ub t errâ n eos d a d i ta d ur a m i l it ar – es p io n ag em e po l íc i a po l ít ic a. Ri o de J an e ir o:
Rec or d, 2 00 1. Es p e c if ic am ent e s o bre o de l e ga d o Par a nh os Fl eu r y; SO UZ A,
P erc i va l d e . Au tó ps i a do m e d o : v i d a e m ort e do d e l eg a do Sér g i o P ara n hos F l eur y.
S ão Pa u l o: G lo b o, 2 0 0 0.
23 0
Inconfidência Mineira, mas antes do movimento já se encontrava em
problemas com a justiça 393.
No filme, Rolim ainda não havia se ordenado religioso. Ele é
representado de modo irreverent e e questionador inferindo -se em
diversas passagens seu envolvimento em ações subversivas. Sua
relação com Chica é de rec íproca admiração e apoio, ao ponto de
contracenarem na abertura e no final do filme.
Logo após a sequência inicial, quando a escrava e José Rolim
mantêm no porão uma relação carnal e conversam sobre alforria, eles
sobem para a casa, onde seu pai, o Intendente dos Diamantes e sua
esposa,
dona
Hortência,
se
preparavam
para
receber
o
novo
contratador. Chica pergunta o que é um contratador, ao que José
responde: “Um homem nomeado pelo rei de Portugal para levar o que
não pertence a ele”.
O intendente dos diamantes reprova com um olhar, ao que o
sargento-mor se apressa em dizer que não passava de uma brincadeira
de
seu
filho.
José
não
acompanh a
a
comitiva
de
recepção
ao
contratador. Contudo, na janela de sua casa, chama a escrava para
também assistir, enquanto ironiza a festividade: “ Veja só como o povo
gosta de quem o explora. Esse aí veio para levar o que é deles e eles
ainda soltam foguetes, batem palmas... uns idiotas!”.
No decorrer da trama, Rolim sai de cena devido à sua viagem à
Vila Rica. Apenas no final do filme retorna, porém na condição de
perseguido político. Na mesma igreja onde havia sido impedida de
entrar, o padre recebe Chica, que entra sorrateiramente por uma porta
lateral. O objetivo do encontro é pedir ajuda para seu afilhado, José,
que aparece no altar. A ex -escrava diz que podia escondê -lo no
convento que ela mandou construir só para pretos. Cavalgando junto a
José
393
até
seu
esconderijo,
assinala
desconfiar
das
inten ções
do
Pa ir a v a s o br e o p adr e, e n tr e ou tr as , ac us a ç ões de c on tr ab a nd o de d iam an tes e
es t u pro . N os a ut os da de v as s a s o bre a inc o nf i dê nc ia , s om e nt e T ira d en t es f oi
i nt err og a do m ais ve ze s d o q ue el e . S obr e o p a dre R o l im ; c f .: A U T O S. D ev as s a d a
Inc o nf i dê nc ia Mi n e ir a. Br as í li a : Câm ar a d os Dep u ta d os ; Be l o H or i zo n te : Im pr e ns a
O f ic i a l, 1 9 76 ; F URT AD O , J o ão Pi n to . O m an t o . .. o p.c i t ; RO DR IG U E S , An dr é
Fi gu e ir ed o . O C l er o e a c on j ur aç ã o m i ne ir a . S ã o Pa u lo : H um an it as , 2 00 2;
A LM E ID A , Ro b er t o W ag n er d e. E n tre a c r u z e a es pa d a: a s a ga d o va l e nt e e
de v as s o P a dr e R o l im . S ão Pa u l o: P a z e T err a, 2 0 02 .
23 1
governador, já que recebia muitos presentes do contratador e nunca
anunciava sua partida. O confidente afirma que sabi a das ordens para
levar João Fernandes preso, a não ser que ele resistisse, já que tinha
condições para armar um exército e enfrentar o governador. Ao avistar
o convento, Chica se despede do amigo.
Quando o contratador cai em desgraça, Chica sofre a vingança da
elite tejucana. Desamparada, está vestida toda de preto, sem as cores
vibrantes
nem
as
perucas
que
caracterizaram
a
personagem.
O
contraste no vestuário acentua seu atual momento, contraposto à
época em que usufruía do poder de seu protetor. Chica f oge até chegar
ao convento. Numa sala mobiliada com uma grande mesa, conversa
com José Rolim, em hábito religioso, enquanto toma uma sopa. O
amigo procura animá -la, bradando contra as autoridades e simulando
que urina sobre a cabeça delas ( Frame 21). Irreverente, diz que,
[.. .] e s s e pa ís n ão é f eit o s ó d e f ro u x os , c om o o s e u
c on tr at ad or . N ós a i nd a v am os s a ir d a qu i j un t in h os , Ch ic a, e
v am os m i jar n a c ab eç a d o c o nd e, d o in t en d en t e, da m ul her d o
i nt en d en t e. .. x i i i i i i. .. E n ã o dem or a na d a !
Fr a me 2 1 – P l an o d e J os é R o l im dis c urs an d o par a C hic a d a S i l va
c on tr a as a ut or id a d es c o lo n ia is ( X ic a d a Si lv a, 1 9 76)
23 2
Apesar de rir, Chica continua a afirmar que, sem seu João
Fernandes, tudo havia acabado. José protesta : “Você vai existir para
sempre! Enquanto houver amor...”. Nisso, Chica encara José Rolim e
revira os olhos: “A moooor...tá me dando uma zoeira...”. José a alerta
que ali era uma igreja; que não era lugar para isso. Em vão, Chica o
persegue torre acima. “Is so não, Chica!” grita José, enquanto badala os
sinos. A música -tema de Jorge Bem preenche a sequência, que tem um
plano geral da cidade, enquanto os créditos surgem na tela.
O tema das lutas anticoloniais também foi abordado por W alter
Lima Júnior, especialmente na sequência em que a sociedade de Vila
Rica vai ao teatro assistir a uma peça. A comédia a que assistem tem
elevado teor de crítica política. As falas dos atores restabelece o teor
dos discursos contra
a
opressão
apresentados na
sequência
da
execução de Filipe dos Santos.
Ocorre que o m ajor Seixas está eufórico por ter encontrado ouro
em sua mina. Rindo desregradamente, chama a atenção da plateia e
termina reprovado por um irritado governador, que o acusa de “[...]
estar
se
acumpliciando
publicamen te
com
os
insatisfeitos
com
Portugal”. Investido de sua autoridade, alerta: “E saiba m todos os
presentes que o rei está atento aos rebeldes e aos devedores. O
senhor está liderando um clima de galhofa e anarquia. Incomodando o
público presente. E ameaçando a figura d’El Rei”. A plateia se
manifesta contrariamente ao governador e brada: “Viva a liberdade!
Viva o Brasil!”. Diante da surpreendente manifestação, Seixas retruca
ironicamente dizendo que era o governador quem parecia liderar os
manifestantes (frame 22). Ao final da peça, Seixas foi intimado a
comparecer imediatamente ao palácio para prestar esclarecimentos .
23 3
Fr a me 22 – P l an o do c am arot e d o t ea t ro o nd e o go v er na d or
tr a ns m it e or de ns a o c ap i tã o V as c o nc e l os ( C h ic o R e i, 1 9 85 )
O teor debatido nessa sequência do teatro político tem paralelo
com o diálogo estabelecido entre José Rolim e seu pai, q ue vai atrás
do filho no mercado. Nesse cenário, bebendo com amigos, José
continua
a
bradar
suas
reprovações
à
relação
Portugal -Brasil,
personalizada no contratador, partícipe do saque geral que assola o
pobre país. Ao pedir mais uma caneca, seu pai chega. Transtornado,
reprova o fato de o filho estar de partida para Vila Rica, dizendo saber
que ele ia encontrar com outros vagabundos e se meter em baderna
política. E isso ele não podia permitir, pois era um agente da lei.
Termina, porém, ignorado pelo filho rebelde.
Seguindo o rigor cronológico, essas representações dirigidas po r
Cacá Diegues e W alter Lima Júnior incorrem em anacronismo. Em Xica
da
Silva,
por
exemplo,
a
insurreição
referenciada
em
diversos
momentos é a Inconfidência Mineira (1789) , ratificada pela participação
do padre Rolim, embora só tenha eclodido quase duas décadas depois
do retorno do contratador ao reino. W alter Lima Junior demarca
23 4
temporalmente a história de Chico Rei em Minas com a Revolta de
Filipe dos Santos (1720). E,
um
diálogo
entre o
major Seixas,
combalido após ser torturado na prisão, e sua esposa assinala o
conhecimento
de
movimentos
de
contestação
ao
Antigo
Regime ,
sugerindo que em breve a onda de revoltas atingiria também o Brasil,
em mais uma alusão ao movimento dos incon fidentes mineiros .
De certo modo, ambos os diretores recorrem à Inconfidência
Mineira por integrar uma educação histórica 394 e que, poucos anos
antes das filmagens de Xica da Silva e Chico Rei, havia recebido uma
interpretação cinematográfica com Os Inconfidentes (Joaquim Pedro de
Andrade,
1972).
anticolonial
Nesse
como
caso,
estímulo para
utiliza
da
histórica
sublevação
se pensar a pertinência em se
questionar o regime ditatorial. Se , em primeiro plano , a crítica é contra
a dominação colonial, tem -se como p lano de fundo uma exortação pela
liberdade
política ,
validando-se,
portanto,
o
valor
idealizado
da
liberdade, ainda que tardia.
3.2.2.
Administração política: jeitinho luso-brasileiro
Consequência natural da reflexão a respeito das relações de
dominação portuguesa para o desenvolvimento do país e sufocamento
da
autonomia
administrativas
política,
das
os
diretores
autoridades
questionam
representantes
do
as
práticas
poder
político
lusitano. Em ambos os filmes, tais personagens são construídos
destacando-se a inépcia, o autoritarismo e a corrupção como marcas
da conduta administrativa na capitania de Minas.
No filme de W alter Lima Junior, u m encontro entre o fiscal da
Intendência do Ouro, Felipe, e o mestre artesão Antônio, na escuridão
da noite, indica o planejamento de uma ação contraventora por parte
394
Sã o m uit os os tr a b a l hos s ob re a Inc o nf i d ê nc ia M in e ir a, t a nt o s o bre o m ov im ent o
em s i, qu a nt o s e us im pac t os s im bó l ic os , c om o a e le v aç ão de T ir a de nt es à
c at e gor i a de h er ó i n ac io n al . Nes s e s e nt i do , des t ac a- s e o pa pe l d a ed uc aç ã o
h is t ór ic a es c o l ar e n ão - es c o lar par a o d e s en v o l v im ent o d es s e im ag i nár i o s oc ia l ;
c f .: FO N S EC A , T h a is Ní v i a de Lim a e . Da in fâ m ia .. . op .c it .
23 5
do funcionário do rei. O diálogo entre eles reforça a ilegalidade que
praticam, pois o fiscal elogia a perfeição do carimbo com o selo real
encomendado e lamenta ninguém poder apreciar a obra de arte . Mestre
Antônio concorda ter feito um bom trabalho, mas pedia cuidado porque
não queria se r envolvido em problemas. Ao corte, o novo plano tem o
alferes em seu quarto, sentado à cama , admirando alegremente o
carimbo. Ao som de uma música no estilo barroco , ele esconde o objeto
em um oratório que está sobre um móvel, fazendo o sinal da cruz.
O diretor prossegue a narrativa dando pistas sobre a trama de
Felipe. O major Seixas, depois de apresentar Chico Rei ao seu trabalho
na Mina da Encardideira , vai até à Intendência do Ouro pagar os
impostos devidos. Sentado de frente a Felipe, separados por uma
balança, iniciam uma conversa enquanto os valores do pagamento
eram pesados. O alferes comenta que o rei repreend eu duramente o
Conde de Assumar pela execução sumária de Filipe d os Santos.
Percebe-se no filme os contornos do movimento que o alçaria à
condição de mártir, algo assinalado por Cecília Meireles nos cantos
iniciais
do
lamentavam
seu
a
Inconfidência 395.
Romanceiro
da
morte
enforcamento
por
do
Os
personagens
rebelde ,
embora
esperançosos de que outros nasceriam, pois ele era uma boa semente .
Historicamente, se processa uma ilação entre Filipe dos Santos e
Tiradentes. A conversa política se dá em tom baixo, próprio de quem
confabula (frame 23). O novo plano abre para Felipe em uma sala da
Intendência,
durante
a
noite,
falsificando
papéis
de
controle
de
pagamento, selando-os com seu carimbo ilegal.
395
Ro ma nc e V ou
Ro m anc e ir o. .. op .c it .
da
des tr uiç ã o
de
O ur o
P o dre ;
M E IR E L ES ,
C ec í l i a.
23 6
Fr a me 2 3 – P la n o do a lf er es F e l ip e r e c eb e nd o
In te n dê nc i a do O ur o ( Ch ic o Re i , 1 98 5)
Embora
ciente
de
que
o
alferes
se
im pos tos
apropria
do
na
aparato
administrativo estatal para benefício próprio, o espectado r não tem a
dimensão do impacto dessa prática corrompida. A surpresa ocorre
quando o correio real chega apressado ao palácio do governo e entrega
ao Governador uma carta de sua majestade com a notícia de que os
caixões de ouro enviados ao reino continham c humbo ao invés do metal
precioso 396. Enfurecido, o governador explica o ocorrido a o capitão
Vasconcelos e ordena que ele reúna a tropa: “Escândalo! Esses vermes
brasileiros! Ousam me expor ao ridículo, perante ao rei, mas hão de
pagar caro pelo insulto que e ssa fraude provocou!” E afirma que, se
fosse preciso, prenderia toda Vila Rica. Enquanto de sce as escadas, se
vira para o capitão e amaldiçoa: país de merda! As providências
tomadas, conforme visto, foram culpar e prender Chico Rei , inocente na
fraude.
396
A i ns p ir aç ão par a r e pr es e nt ar es s e e p is ód i o e nc o ntr a - s e n o R o ma nc e V I o u d a
tra ns mu t aç ã o d os m et a is ; M E IR E L E S, C ec í l i a. R o ma nc e iro .. . o p .c i t .
23 7
A maior autoridade da região diamantina teve sua capacidade
para o ofício questionada por um quilombola, Teodoro, logo na abertura
do filme, conforme analisado . A avaliação negativa da população sobre
os administradores na Demarcação Diamantina é reiterada no diálogo
estabelecido com os músicos . Desconhecendo que aquele flautista
amador era o novo contratador, Matias, um dos artistas, pergunta se
ele sabia do fantástico roubo no c ofre dos diamantes? E complementa,
destacando que as suspeitas recaíam sobre o pr óprio intendente
diamantino 397.
Ao chegar ao Tejuco, depois da festiva recepção, o contratador
recebeu o sargento-mor e o intendente dos diamantes. Na audiência,
as autoridades explicaram que o descaminho das pedras era o principal
problema
para
aumentarem
a
arrecadação,
sendo
necessário
incrementar a força repressiva para coibir o ilícito. Olhando o mapa da
demarcação, João Fernandes pergunta em qual local Teodoro havia
sido visto pela última vez. O militar responde que fazia tempo, numa
grupiara no ribeirã o do Inferno. Com um alfinete, João Fernandes
marca o mapa e determina que os serviços de extração seriam
instalados naquele local. E explica que o quilombola era um bom
minerador, mas, clandestino, precisava deixar rapidamente os locais
explorados. O que o contrato faria era deixar que o garimpeiro
descobrisse onde os diamantes apareciam e, então, montar a estrutura
para extrair a maior quantidade possível de pedras.
Para viabilizar a operação, João Fernandes determina que o
bando de Teodoro fosse vigiado , que se seguisse cada um dos seus
passos,
mas
que
não
o
prendessem ,
mesmo
que
pudessem.
O
intendente se mostra contrariado e objeta: “Receio que Lisboa não
concorde
com
isso.
Esses
garimpeiros
são
contrabandistas,
malfeitores, bandidos. Inimigos da Coroa”. E assevera que era contra a
397
Na a dm in is tr aç ã o d e Fe l is b er to C al d e ira Br an t, a nt er i or à d e J oã o F ern a n des d e
O l i v eir a , h o u ve um r ou b o n o c of re di a m anti n o, o po n do o c on tr at ad or e o
In te n de n te , q ue s e a c us a v am . Nas Me mó r i as do Dis tr it o D i am a nt i no , o a u tor s e
pos ic i on o u f a v or á v el a Br an t q ue t erm in o u c u lp a do e f o i r em et i do p res o p ara
L is b o a. Co nf or m e v is to , s ua p os iç ã o p ol ít i c a r ep u b lic a na o l e v ou a tr at ar c om
dem as ia d a p ar c i a li d a de os p ers o n ag e ns d e s u as Me m ór i as . .. P ara um a a n á l is e
s obr e o pr oc es s o e d a i n v es t i g aç ã o s o br e o c of r e d a I nt e nd ê nc i a d os D i am an tes ;
FE RR E IR A , Ro dr i go d e A lm ei d a. O d es c a m i nh o d e d i am a nt es . .. o p .c i t.
23 8
lei. O contratador sobe o tom: “Contra a lei? Contra a lei? Sr.
Intendente, quando o s enhor fez o último recolhimento de impostos ?”
O intendente hesita e desconversa . Justifica -se afirmando que os
prazos exigidos pela adminis tração real eram curtos e que não se devia
levar em conta as histórias contadas: “ O povo exagera muito, sabe...”.
Perspicaz, o contratador aproveita as informações colhidas com os
músicos e pergunta em tom ameaçador : “Por falar nisso, gostaria de
ouvir mais sobre uma história que ouvi. É sobre o roubo de um cofre da
intendência ”. Visivelmente constrangido, o intendente titubeia: “bem,
isso aí... ”. Ouve-se uma algazarra na antessala e a audiência é
interrompida com a entrada intempestiva de Chica.
Os
arran jos
diamantes
concessões
para
estavam
de
administrar
estabelecidos.
benefícios,
as
o
Por
contrato
meio
autoridades
de
de
extração
dos
chantagens
sobrep unham
e
seus
interesses privados aos da administração pública. Em outra ocasião,
João Fernandes reforçará as bases dos acordos em que eles se
comprometiam a ignorar as irregularidades praticadas em seus ofícios.
Esta se passa na solenidade para inaugura r o barco de Chica.
Refletindo a etiqueta e teatralidade social corrente no século XVIII, a
elite do arraial do Tejuco, ainda que constrangida, comparece às
margens do lago para prestigiar o evento . Enquanto o barco navega
pelas águas, o intendente ensaia uma delicada conversa com João
Fernandes. Em primeiro plano, o intendente toma coragem e informa
que Lisboa o havia cobrado a respeito de denúncias sobre abusos no
contrato de extração dos diamantes . O teor das denúncias versava
sobre o não cumprimento das condições do contrato com pontualidad e,
que se minerava com número superior de cativos ao autorizado,
desrespeitavam-se os limites das terras demarcadas para mineração,
entulhavam-se os córregos e danificavam -se terrenos, destruindo tudo
com barragens em flagrante desrespeito às leis da Coroa. Ao terminar
de
compartilhar
com
o
contratador
o
conteúdo
da
comunic ação
recebida da corte , o intendente respira aliviado e acrescentava que
havia “também algumas coisas da d ona Chica, mas isso deixa para
lá...” (frame 24).
23 9
Fra me 24 – P l a no em qu e o in te n d en te c on v ers a c om o c ont ra ta dor s o bre
de n únc i as c o ntr a s u a adm i n is tr aç ã o ( Xic a d a S i lv a , 1 9 76)
Com
o
semblante
sério,
João
Fernandes
se
volta
para
o
intendente e o adverte, ameaçadoramente: “Se o senhor quer me
apontar lei, eu hei de lhe apontar léguas ”. Mais calmo, o contratador
prossegue: “Se eu precisar voltar a Lisboa antes do tempo, [...] eu
saberei gratificar com generosidade os meus amigos e colaboradores.
Como, aliás, eu t enho feito desde que aqui cheguei ”. O intendente
concorda e se justifica: “Só estou querendo evitar que chegue algum
fiscal da corte ”. O diálogo é interrompido com a chegada esbaforida do
encarregado de um serviço diamantífero, informando que a barragem
havia estourado e que muitos homens haviam morrido e outros fugiram.
A tensão no olhar do contratador corrobora o agravo de sua situação,
pois esse novo fato tornava inevitável o envio pela Coroa de uma
autoridade para investigar o que se passava nas terras diamantinas.
O responsável por averiguar as denúncias contra o contratador foi
o próprio governador da capitania : Conde de Valadares. Depois de ser
recepcionado, um almoço é servido para a autoridade . O intendente,
24 0
sua esposa e o padre estão entre os convidados. A mesa está
ricamente posta, com muitos pratos, frutas e velas. Escravos servem os
convidados. À mesa, João Fernandes apresenta ao governador o santo
do pau oco, e repete a mesma história sobre o descaminho de
diamantes que ouviu quando chegou ao Te juco. Inclusive , que Teodoro
era o principal desencaminhador de riquezas. É a deixa para o
intendente continuar o discurso sobre a necessidade para melhor
equipar a guarda, mas que isso custa va dinheiro. Atento, o Conde de
Valadares observa os objetos e re truca: “Dinheiro não parece faltar ali.
Um só bule de prata daqueles seria o suficiente para ele se livrar de
algumas dívidas”.
O
contratador
entende
a
sugestão
de
suborno.
Quando
o
governador vai para seu aposento, ricamente decorado, com uma cama
com dossel e travesseiros, predominando o tom vermelho em contraste
com o azul no oratório adornado com quadro e peças sacras , onde
observa uma baixela . Seu ajudante, um oficial, pega um bilhete sobre
uma bandeja com o bule de prata. O conde lê e se admira: “Tanta
riqueza pode ser útil para se usar com os amigos, sobretudo , os
endividados”. Volta -se para a cama, retira os óculos e pensa alto: “ O ar
do Serro vai me fazer bem à saúde. Eu ando precisando dele”.
Sabedor da delicada posição em que se encontrava o contratador,
sendo investigado diretamente pela maior autoridade da capitania, o
governador procura tirar proveito da situação. Ele guarda uma carta em
uma caixa. Tira a peruca e diz que não tem pressa em usá -la. Já
deitado e antes de apagar as velas diz : “Vamos ganhar tempo, major”.
Os diretores denunciam a má administração por meio dos próprios
agentes, rompendo com o discurso das personagens que representam o
poder de que a culpa dos problemas do Brasil devia -se ao seu povo ,
como dizia o governador em Chico Rei: país de merda! Ao destacar,
por exemplo, a ambígua ação de Felipe como alferes em funções
fiscais e falsificador, responsável por uma grave fraude aos cofres
reais, W alter Lima Júnior sugere que sua atitude deve-se à consciência
política derivada de uma crescente insatisfação dos colonos, cuja
relação entre eles e as autoridades impostas pela Coroa Portuguesa
24 1
tornavam-se cada vez mais tensionadas. Ao mesmo tempo, denuncia a
corrupção e uso do bem público em benefício próprio.
Seguindo sua linha satí rica, Cacá Diegues desenvolve a crítica à
administração escolhendo como alvos integrantes da alta hierarquia
governamental. Por esse viés, não apenas refut a a tendência em
responsabilizar a população pela sua penúria, mas formaliza uma
denúncia contra os g overnantes da nação. A postura do governador em
sugerir
ser
corrompido
escancara
o
paradoxo
entre
a
função
administrativa e o mau exemplo do administrador.
O descrédito à autoridade é reconhecível pelo desgaste que os
personagens passam em seu filme. O intendente, por exemplo, num
primeiro momento , tentou fazer frente à conduta inapropriada do
contratador, mas se curvou à sua chantagem . A partir de então, sua
representação no filme se dá em crescente debilidade, como na
ocasião em que ensaia infantilmente como alertar João Fernandes de
que a Coroa se incomodava com denúncias de abusos no arraial do
Tejuco.
Quando o contratador dos diamantes se reapropria da explicação
do descaminho de pedras por meio do santo do pau oco, explicita-se a
necessidade de acobertar seus desvios administrativos. Temeroso,
suborna o Conde de Valadares. Fragilizado, trai Teodoro denunciando
o esconderijo do quilombola. Por fim, como última cartada, concorda
que Chica seduzisse seu algoz. O g overnador usufrui as ofertas do
suspeito, mas não cede e conduz João Fernandes preso à corte. Nesse
sentido, a mensagem é implacável, pois escancara o descompromisso
de um agente de poder corrupto , cujas ações o distanciam , tanto dos
interesses da população – pelos quais deveria zelar –, quanto do
próprio governo.
A caracterização política e cultural do brasileiro como pouco
afeito às formalidades e respeito à esfera pública é explicada pela
categoria do jeitinho brasileiro 398. A reafirmação dessa característica
398
Cf .: H O L A ND A , S ér g i o B ua r q u e de . R aí ze s do Br as i l . 3. e d. R i o d e J a ne ir o: J os é
O l ym p i o, 19 5 6; M AT T A, R o ber t o da . O qu e f a z o Br as il , Br as i l? R io de J a n e iro :
Roc c o, 1 9 86 ; B A R BO S A, L í v ia N e v es de H o la n da . O j e it i n ho br a s i le ir o : a ar te d e
s er m a is i gu a l q ue os ou tr os . 2 .e d . Ri o d e J an e ir o: 1 9 92 .
24 2
termina por legitimar a má condut a e improvisos na administração
política
e
econômica,
abrindo
margem
para
naturalizar
ações
corruptoras e desviantes. Nos filmes, as relações de troca de favores
entre as autoridades são recorrentes e assinaladas como desvio de
conduta, ao menos moral 399.
Ao identificar tais práticas enraizada s na América Portuguesa , é
possível ressignificar essa adaptabilidade brasileira como um jeitinho
luso-brasileiro.
endêmica
na
Isso
não
sociedade
significa,
brasileira
porém,
absolver
contemporânea.
a
Pelo
corrupção
contrário,
W alter Lima Júnior e Cacá Diegues aproveitam a exposição pejorativa
de seus personagens para propor uma reflexão a respeito da conduta
administrativa dos governantes brasileiros em meio à ditadura, quando
a
violência e
a
censura
do
regime
restringiam a
circulação de
informações sobre as práticas de poder . Dessa maneira, nas décadas
de 1970/80, mantiveram audíveis as críticas dos Teodoros, Filipes,
Seixas, Rolins.
3.2.3.
Militares, sem continência
Ao estabelecerem o trânsito temporal entre o presente e pa ssado,
W alter Lima Júnior e Cacá Diegues abordaram com sutileza os temas
da liberdade e do zelo político . Todavia, as críticas estabelecidas ao
militarismo
e
suas
ações
autoritárias
foram
mais
diretas.
Os
personagens fardados, em ambos os filmes, simboliza m opressão e
abuso de poder. Inevitável não associar os dragões do período da
América Portuguesa aos generais do tempo em que rodaram os filmes.
A violência da tortura é explicitamente trabalhada por Cacá
Diegues quando Teodoro foi preso, a mando do contratador, na
esperança de que entregar um dos homens mais procurados nas terras
399
A m ont ag em da a dm i n is tr aç ã o pú b l ic a as s e nt a da em relaç õ es d e s ol i d ari e da d e,
c ons t it u in d o
r e des
c l i en t el ar es ,
p a ut ad as
p or
i nt er es s e s
rec ípr oc os
foi
c arac t er ís t ic a das m u n ic i p a li d a des por t ug u es as q ua n do da c e ntr a li za ç ão d o p od er
rea l , e per d ur ou nas r e laç õ es n o Im pér i o u ltr am ari n o p or tu g uês ; c f .: H E S PA NH A ,
A nt ón i o M a nu e l. P od er e i ns t it u iç õ es n a E uro p a d o a nt i go r eg i me : c o l et ân e a d e
tex tos . 2 . ed . L is b oa : Fu nd aç ão G u l be nk ia n , 1 98 4 ; H E S P AN H A, A nt ón i o (c oor d .).
His t óri a d e P or tu g a l: O An t ig o R e g im e. L is b oa : Es tam p a, v. 4, 1 9 9 3.
24 3
diamantinas seria uma prova de competência e lealdade à Coroa,
favorecendo -o no caso em que era investigado pelo governador.
A representação da tortura se inicia com um forte gr ito. Então, a
câmera, em primeiro plano , mostra uma prensa de ferro puxando a
língua de Teodoro, todo ensanguentado e preso a uma trave (frame
25). O major assistente do governador é quem aplica a sessão de
castigos. Ele pergunta de onde tira os diamantes, ao que Teodoro,
mesmo
enfraquecido,
responde
que
eles
estavam
na
natureza,
pertenciam a deus – relembrando a primeira conversa que teve com o
contratador.
A câmera corta para um canto da sala, onde o governador e o
intendente observam as respostas do neg ro. Com um sorriso irônico, o
Conde de Valadares se aproxima da vítima passando por um crucifixo
dependurado na parede. Quando Teodoro responde sua pergunta
dizendo que vendia as pedras a quem comprasse, o governador desfere
um leve golpe na barriga de Teo doro, que recua o corpo dependurado ,
e pede calma com seu sarcasmo característico .
Fra me 2 5 – Pl a n o e m qu e T eo dor o é to rtur a do pe l o g o v er na d or e s e u
as s is t en t e m i li t ar ( X ic a d a S i lv a , 1 97 6)
24 4
João Fernandes entra afobado na sala e pede ao intendente que
parasse
com
a
tortura,
do
contrário
o
homem
podia
morrer.
O
governador o ironiza, dizendo para se acalmar , pois o caso e stava sob
responsabilidade do governo . E observa que João Fernandes estava
muito preocupado com a sorte do bandido. Próximo ao contratador, mas
em um patamar mais alto, insinua: “Bem que eu ouvi um boato de que
havia um pacto entre esse Teod oro e o senhor”. O contratador protesta,
alegando que ele havia mandado prender o quilombola. Perspicaz e
com a contumaz ironia, o conde ressalva que a atitude só foi tomada
quando
percebeu
que
seus
dragões
o
prenderiam.
E
pede
que
contratador lhe dê licença. Voltando-se para o prisioneiro, de costas
para a porta, a câmera faz um movimento de aproximação em direção à
cabeça do conde e, com close em sua peruca, diz: “João Fernandes, o
senhor
tem
que
decidir
de
uma
vez
de
que
lado
quer
ficar.”
Esteticamente, o plano funciona como uma alegoria pela qual o poder
ameaçador do governo é algo sem rosto e amorfo. Ao sair da sala de
tortura, Chica o aguarda e censura João Fernandes por ter tentado
ajudar Teodoro depois de mandar prendê -lo.
Chico Rei também sofre co m o autoritarismo governamental.
Quando preso injustamente sob acusação de ser o responsável pela
fraude na remessa de ouro para o reino, seu interrogatório foi realizado
sob violência. Na sala, Chico Rei está preso à cadeira. O capitão
Vasconcelos pergunt a sobre sua ascensão, tendo como resposta que
trabalha va duro, junto com os negros da Encardideira. É a vez d e
Paranhos, também presente, questionar se apenas o trabalho lhe havia
dado
condições
de
se
tornar
proprietário.
Chico
explica
que
a
irmandade o ajuda e que os negros trabalham na mina para pagar sua
alforria. A algazarra fora do prédio é grande. Uma pedra quebra a
vidraça. Paranhos se aproxima da janela e, voltando-se ao capitão, diz:
“Os negros aqui estão ficando muito insolentes”. Lembra que Chico é o
pai de Muzinga, seu escravo fugitivo, por isso, devia estar envolvido
com aqueles antropófagos dos quilombos . O capitão conjectura que era
preciso muito ouro para realizar tudo o que Chico realizava. Entretanto ,
24 5
como a mina estava exaurida, seu grupo negro seria o responsável pelo
roubo do ouro real.
O governador chega de liteira por entre a multidão bastante
agitada. Ele participa da tortura física ao prisioneiro. O plano é aberto
com um forte grito de Chico Rei enquanto seu corpo é esticado na
roda.
Na
sala,
além
de
Chico,
estão
o
governador,
o
capitão
Vasconcelos e o capitão -do-mato Paranhos. Mesmo nessa situação
(frame 26), o líder negro faz um discurso reafirmando seu desejo de
que todos os negros da Encardideira fossem livres e que
eram
benvindos os negros que desejassem trabalhar com ele para conseguir
comprar a alforria.
Fr a me 26 – C h ic o Re i é tor t ura d o n a s ed e d o g o v ern o ( C h ic o R e i, 1 98 5)
Impaciente, o governador diz que ele já conseguiu a liberdade e
havia se tornado proprietário, por isso , contava com a proteção do rei.
Entrento, que essa proteção não tolerava infidelidade. O corte da cena
desloca a ação para a Mina da Encardideira , onde os negros, liderados
por Muzinga, discutem que atitude tomar. Concluem que , se Chico Rei
24 6
não fosse solto em breve, eles invadiriam a prisão para resgatá-lo.
Sozinho, o governador pondera sobre a tensão e decide libertar Chico
Rei para evitar o acirramento dos ânimos 400. (frame 27)
Fra me 2 7 – P la n o da c o nf us ão c o ntr a a
obs er v a da p e l o go v e r n ad or ( C h ic o R e i, 19 8 5)
pris ã o
de
C hic o
Re i ,
Os planos descrevendo a tortura a Teodoro e a Chico Rei são
denúncias dirigidas à violência estatal. A brutalidade é explícita e
provocativa. A veia mais poética de W alter Lima Júnior permite que ,
mesmo em ferros, o protagonista prof ira um discurso sobre a liberdade .
Por
outro
lado,
representações
a pesar
em
Chica
do
da
tom
caricatural
Silva,
não
que
par ece
caracteriza
exagero
as
quando
Teodoro tem sua língua puxada pelo major e em frangalhos permanece
amarrado a uma trave , sujeito às crueldades sarcásticas do senhor
Conde de Valadares.
400
P or oc as i ã o d a Re v o lt a d e Vi l a Ric a , o g o v ern a d or C o nd e de A s s um ar re d ig i u
um a c ar t a d ur a c on tr a o c ar át er d os m in e i ros , qu a l if ic ad os c om o i nd is c i p l in a do e
da d o a t r a iç ões ; c f . : SO UZ A, L a ura d e M e l lo e . Di s c urs o. .. o p.c i t. T rec h os des s e
doc um en to s ã o a pr opr i ad os n o f i lm e e c it a d os p e lo g o ver n a dor q ua n do e l e or d en a
a s o lt ur a d e Ch ic o Re i em m eio aos p ro tes t o s d o p o vo .
24 7
Em ambas as cenas, o poder civil assume a responsabilidade da
tortura, mas a supervisão está a cargo do chefe militar. A omissão de
agentes da lei, como o Intendente, e mesmo a Igreja – representada
pelo crucifixo – não passa despercebida. Recorda -se que, em meados
da década de 1970, apesar da repressão às informações ainda
permanecer, denúncias e cobranças por desaparecimentos e torturas
motivadas por questões políticas se ampliavam, sobretudo após a
extinção do AI -5 e da publicação da Lei da Anistia 401.
A representação da tortura sofrida pelo major Seixas é ainda mais
emblemática, pois traz outros elementos além da denúncia da barbárie .
Apesar de tentar tranquilizar a família e amigos quando se dirigia para
o Palácio do Governo , onde deveria prestar esclarecimentos após o
entrevero que teve com o governador durante a peça teatral, uma
tensão predominava entre todos enquanto, escoltado por soldados,
subia a rua escura. O breu faz o corte para u m plano no qual uma porta
é aberta e aparecem dois soldados. No contracampo do porão, Seixas
está encolhido no canto , já descomposto do traje que vest ia no teatro.
Um dos soldados salta o degrau para levantar o preso .
O major Seixas agora está amarrado com as mãos acima da
cabeça, em uma prancha inclinada. Sua aparência é de exaustão . Sua
camisa
branca
está
suja
e
manchada
de
sangue.
O
capitão
Vasconcelos está bem próximo e fala ao seu ouvido . Observa-o e
calmamente diz que sua dívida com a Coroa era maior do que se
imaginava, mas que, até o momento, ele não dava sinais de como
saldá-la. Enquanto fala, um outro homem passa pela lateral com uma
corda. O capitão prossegue: “Afinal, liderar uma manifestação pública
contrária à autoridade de sua majestade é muito significativo para um
perdulário cínico e agitador”.
O militar olha para o lado, como que autorizando o segundo
homem a agir. Gemidos são ouvidos e Seixas nega que seja verdade a
401
Ce rt am ent e h ou v e v o ze s qu e d en u nc i ar am o es t ad o d e v io l ê nc ia e des res p ei t o
aos d ir e it os h um an o s d ur an te o r eg im e m il it ar, c om o ex em p lo as s im bó lic as
at u aç õ es d o a d v o ga d o Bar b os a L im a S obr i n ho , q u e rec orr eu a o d i re it o d e pr o teç ã o
aos a n im ais p ar a pe d i r tr at am ent o m a is j us t o aos s e us c l i en tes , e d os bis p os dom
Hé l de r Câm ar a e d om Iv o L or s c h e it er , re pr es e n ta nt e s d a p arc el a da I grej a q ue s e
op ôs a o g o ve r n o, s obr et u do a q ue l es i nt e gr a nt es l i ga d os à T e o l og i a d a L ib er taç ã o.
24 8
acusação. Um primeiro plano , com a câmera posicionada de baixo para
cima, foca seu rosto se contorcendo de dor.
A esposa de Seixas decide intervir. Vestida de preto , reúne-se
com o governador e pede clemência, ressaltando a lealdade do marido
e que, em breve , as dívidas com
a Coroa seriam quitadas.
O
governador e o chefe das tropas vão ao calabouço . Através de uma
janelinha na porta, conversam com o prisioneiro Seixas, que está
ferido, com a cabeça enfaixada, cobrindo um ol ho (frame 28).
Fra me 28 – P l an o d a c on v ers a n a pr is ão en tre Se ix as , o g o ver n a dor e
o c a pi t ão Vas c o nc e l os ( C h ic o R e i, 19 8 5)
O governador pergunta se Seixas havia melhorado do tombo que
sofreu. O diálogo que se desenvolve é pontuado por cinismo e ameaça.
Apesar de extenso, merece ser transcrito .
S ei xa s – Me u t om bo. .. ?
G ov e rna do r – A h. .. P a rec e qu e a m em ória t a m bém f oi af et a da .
S ei xa s – Se h á a l gu m a c ois a n o m un do qu e eu j am ais v ou
es q u ec e r , s er á s em pr e is to .
24 9
G ov e rna do r – Com o o s e n hor d e ve s e le m brar, c lar am en te ,
qu e q u an d o f u g i a da s ua c el a , c a iu d a es c a d a .
S ei xa s – M e l em bro bem c om o f u i am a rr a do n a ro d a e c om o
f ui c as t ig a do . E e le [ c ap i tã o Vas c o nc e l os ] de v e s e l em brar ,
por q u e es t a v a per t o.
G ov e rna do r – I nf e l i z m ente , a s u a m em ória p es s o a l n ão é a
m em ór i a of ic ia l . N ós s ó qu er em os l h e aj u d ar. O u s er á q ue o
s en h or pr ef er e f ic ar a qu i p ar a s em pre ?
S ei xa s – Aq u i. .. ?
G ov e rna do r – O s e nh or ac h a q ue p o dem os s o lt ar a lg u ém por
aí , m os tr a n d o a s u a c ab eç a e a s u a per n a , e af irm a nd o qu e
nós f om os os r es po n s á ve is po r is s o ? Af in a l d e c o nt as , a té
es t e po n to o s e nh or de v e e nt en d er de p o l ít ic a p ar a t am bém
s ab er q u e is to é im pos s ív e l .
S ei xa s – Eu c aí .. .
G ov e rna do r – A o t en t ar f u g ir .
O aprisionamento do major Seixas revela o temor do go verno
autoritário à subversão da ordem. No teatro, a euforia de Seixas devia se à boa notícia da descoberta do ouro, ainda que em
outras
passagens do filme , tenha demonstrado insatisfação com as condições
políticas e econômicas. Uma vez preso, os agentes governamentais
conduzem o processo de modo a confirmar as acusações, valendo -se
de dados e evidências alheios ao teor da denúncia, mas que são
articuladas de modo a confirmarem os motivos da prisão. No caso, a
situação econômica e
tributária
do major Seixas
é usada como
embasamento para ele tramar uma subversão à administração real.
A repressão política é, portanto, apresentada. Con tudo, o diálogo
entre o governador e Seixas, no qual a autoridade apresenta as
condições para libertá -lo, é revelador da manipulação de informações .
As sequelas físicas de Seixas são explicadas por uma versão mentirosa
construída pelo Estado. Destaca -se, nessa linha explicativa , que a
vítima
é
responsabilizada
pelos
danos
sofridos.
E,
ainda,
para
sobreviver, se aceita a condição imposta, quebrando o orgulho e honra
do prisioneiro 402.
É exemplar nesse diálogo a fala de que a memória pessoal não é
a memória oficial. Em última instância, permite refletir as disputas em
402
Des t ac a - s e q ue es s e ti p o d e s i t uaç ã o/ d en ú nc ia ap ar ec e em O s In c on f id e nt es , d e
J oa q u im Ped r o de A ndr a d e. E t am bém em Como era g os t os o me u fr a nc ês , d e
Ne ls on P er e ir a d os S an tos , n um a d im ens ão irô n ic a. Cf . : O S I NCO NFI D ENT ES .
AN DR A D E, J o a qu im P edr o d e. .. o p.c i t. ; C O MO E R A G O ST O SO M E U F R AN C ÊS .
S ANT O S, N e ls o n P er e ir a dos . C on d or Fi lm es . 19 7 1, 7 9 m in.
25 0
torno da memória e sua historização quando elaborada em narrativa ,
como observa Paul Ricouer 403. Durante o processo de redemocratização
brasileiro, um episódio traumático tem paralelo com as sequênc ias de
tortura de Seixas. Trata -se da morte de Vladimir Herzog, jornalista e
diretor da TV Cultura, pouco tempo depois de ter sido preso pelo DOI CODI/SP,
em
1975 404.
Oficialmente,
alegou-se
suicídio,
sendo
divulgada uma foto do preso enforcado em uma janela . A versão oficial
foi contestada e a foto bastante criticada como evidência de fraude,
pois
naquela
situação
não
havia
condição
de
falecimento.
A
repercussão foi grande, com muitos protestos e a realização de culto
ecumênico na Catedral da Sé, capital pau lista. O episódio reforçou os
argumentos pró -abertura política , que se consolidaria anos depois.
Contudo, além do barbarismo inerente ao papel do militar no
governo, a ironia também perpassa como crítica aos homens das
armas. Nesse caso, a veia carnavalesca do filme de Cacá Diegues o
torna mais propenso para desencadear esse tipo de abordagem. O
sargento-mor é o personagem militar por meio do qual a seriedade
desejada no mundo militar, d e hierarquia e disciplina , é questionada.
Sua primeira aparição indica esse perfil. Ele grita p ela casa à procura
de Chica, que está no porão junto ao seu filho, José Rolim. Vestido
apenas com a casaca do uniforme, aparece de ceroulas em plena sala,
onde o intendente e dona Hortência o aguardavam para recepcionar o
governador. Constrangido, redobra os berros p ela escrava a fim de
saber onde ela havia posto suas calças. A sequência se torna ainda
mais patética quando José Rolim explica à escrava que o contratador
era o responsável por levar as riquezas do país embora. Para evi tar
que seu filho ficasse na mira política do intendente, alega fidelidade ao
rei D. José I e presta deferência em posição de sentido em trajes
íntimos (frame 29).
403
RI CO U ER , P au l . A m em ór i a . .. o p.c it .
A p es ar d os r is c os , lo g o s ur gi u um a p ub l ic aç ã o s o br e o as s u n to q u e
pos t eri or m en t e, r ec e be u ou tr os tr ab a l hos ; c f .: AL M E ID A F IL HO , Ham i lt o n. A
s an g ue - q u en te : a m o r te do j or na l is t a V la d im ir H er zo g . S ã o P a u lo : A lf a - O m eg a,
19 7 8; M A RK UN , P au l o. V l ad o : re tr at o da mo rt e d e u m ho m em e d e u ma é p oc a .
2. e d. S ão P a ul o : Br a s i l ie ns e, 19 8 5; M A UÉ S, F lam ar io n; W ENDE L, A br am o Zi l ah .
P el a d e moc r ac i a, c on tr a o ar b ít ri o : a o pos i ç ão dem oc rá t ic a, d o go l p e de 19 6 4 à
c am pan h a d as D ir e t as J á . S ão P au l o: F un d a ç ão Pe rs e u A br am o, 2 00 6 .
404
25 1
Fr a me 2 9 – Pl a n o d o s ar ge nt o - m or d e c er ou l as j u ra n do f id e l id a de
ao r ei ( X ic a da S ilv a , 19 7 6)
Quando vai ao mercado atrás de seu filho, também se apresenta
em situação vexatória. Chega aos berros, chamando José Rolim de
vagabundo e que sabia o que ele pretendia em Vila Rica. Seu filho não
lhe dá muita atenção. Quando sa em do mercado, o sargento-mor diz
que não podia permitir sua partida para se meter em baderna política,
afinal ele não podia se esquecer que era filho de um agente da lei e,
então, atola o pé num monte de estrume , ao que vocifera: “Bosta!”.
O uso do riso para a reflexão é conhecido desde os tempos do
teatro na Grécia antiga , quando a comédia ajudava na edu cação da
população 405. As imagens de um militar prestando continência de
405
P ara um p a nor am a s obr e a h is tór i a ger a l d a ed uc aç ão ; c f .: CA M B I, Fr a nc o .
His t óri a d a P e da g og i a . S ão Pa u lo : U nes p, 1 99 9 ; M AN A CO R D A, M ar io . H is t ór ia d a
ed uc aç ã o : d a a n ti g u i da d e a os nos s os d i as . 12 . ed . Sã o Pa u l o: Cor te z, 20 0 6.
Es t u dos s o br e a r i d ic u l ar i za ç ã o c om o tá t i c a par a des l eg i t im ar go v ern os é p erc e b i do
em vár ios m om ent os h is t ór ic os c om o no I l um i nis m o e n a R e vo l uç ão Franc es a ou na
Pr im eir a R e pú b l ic a Br as il e ir a; c f . : D AR NT O N, R o be rt ; B o em i a l it e rár ia e r ev o l uç ã o :
25 2
ceroulas ou afundado o pé no estrume funcionam , ao menos, como
imagens não-canônicas, pelas quais a representação esperada sobre o
militar é desconstruíd a de modo ridículo.
O
desenvolvimento
da
meta-história
é
uma
constante
nas
películas de W alter Lima Júnior e Cacá Diegues. As categorias de
análise – liberdade política, administração e tortura – aqui propostas
permitem o seu reconhecimento . Os planos descritos reiteram, ainda,
outra perspectiva para a compreensão do filme de gênero histórico :
como intermediário da construção da história pública, que é estimular o
entendimento do cenário presente em diálogo com o passado.
3.3.
Lições cinematográficas de história
Uma característica do film e de gênero histórico é a preocupação
pela
reconstituição
audiovisual
de
elementos
históricos
–
como
vestuário, objetos, costumes inerentes à temporalidade representada.
Ao
perseguir
uma
reconstituição
histórico -temporal
qualificada,
a
equipe de produção d elineia outro relevante aspecto des se tipo de
filme: a pesquisa temática. Nesse sentido, muitas representações que
compõem a trama fílmica se destacam pelo preciosismo , reconstitutivo
ou não, quando, geralmente é acusa da de equívocos e anacronismo s.
O fato é que o filme de gênero histórico em diversos momentos adota
um tom didático, quase professoral, ao representar fatos históricos.
Chico Rei e Xica da Silva não fogem a essa perspectiva. As
variadas narrativas sobre Chica da Silva e Chico Rei, bem como a
desenvolvida historiografia a respeito do período colonial, orientaram a
ampla
pesquisa
de
produção .
Em
ambas
as
narrativas
cinematográficas, o espectador recebe explicações claras sobre a
história dos protagonistas devidamente contextualizados, resultando
em um mergulho sobre as representações referentes à sociedade
colonial brasileira.
o s u bm und o d as l et r a s n o a nt i go r eg im e. S ão Pa u l o: C om pa nh i a das Le tras , 1 9 87 ;
S A LI B A, E li as T hom é. Ra í zes do r is o .. . o p .c it .
25 3
Muitos planos de transição terminam por ambientar o espectador.
Entre a compra de Chico Rei e o início de seu trabalho na Mina da
Encardideira, por exemplo, planos mostram o major Seixas chegando
com o escravo à fazenda, onde aspectos do trabalho rural são
apresentados: negros conduzindo carros de boi, selando cavalos,
pilando, transportando barris, capinando (frame 30).
Fr a me 30 – P la n o g er a l da f a ze n d a d o m aj o r S e ix as ( Ch ic o R e i, 1 98 5)
Em
ambos
os
filmes,
planos
de
transiç ão
entre
as
ações
desenvolvidas em Vila Rica e arraial do Tejuco, importantes núcleos
urbanos do período, são exemplares para a apresentação de aspectos
cotidianos. Nesses momentos , é possível reconhecer o transporte pelas
liteirinhas, de variados modelos, carregadas por negros. Durante o dia,
as
ruas
estão
sempre
movimentadas,
quase
sempre
por
negros
desempenhando alguma atividade ou desocupados.
As pontes de Vila Rica estão sempre cheias de pessoas, branca s
e negras, sendo intenso o comércio de frutas, flores, cestas. No arraial
do Tejuco, o diretor aproveita as instalações do mercado para revelar
25 4
alguns pormenores do cotidiano colonial 406. Em um plano geral, a
construção azul d o mercado, com seus arcos bonina, é filmada em
segundo plano, atrás do pátio on de muitos tropeiros descarregam suas
tropas, revelando o movimento comercial elevado no local. No seu
interior, o escravo florista mantém sua mercadoria fresca ao cuspir
água sobre elas.
No mercado, aspectos do comércio de escravos também são
explicados. Em primeiro plano , um negro vestido e com chap éu
anuncia: “Ladinos e de ganho! 35 patacas o macho. 14 a fêmea” –
conforme escrito no cartaz redigido em algarismos romanos (catorze
está grafado errado). Enquanto repete a informação, três negros
acorrentados são observados por três homens, que comentam que as
“peças” pareciam novas, mas não valia m as 35 patacas. Em Vila Rica,
o comboeiro expunha seu lote de cativos em praça . O comprador
vistoriava o escravo que lhe interessava, observando -lhe os dentes,
olhos,
estrutura
do
corpo,
idade.
Qualidades
como
força
e
conhecimentos em mineração valorizavam a peça. Os mais valioso s
eram vendidos por leilão, como Chico Rei , possuidor de muitas
virtudes, inclusive pertencer à nobreza de sua tribo, arrematado por 10
mil réis (frame 31).
Nos planos filmados, revelam -se alguns critérios para se escolher
o escravo, como a observação dos dentes, associando boa formação à
resistência e saúde, e a idade para projetar o tempo de produtividade
dos serviços a serem explorados. A v alorização do cativo podia ser
maior caso ele soubesse algum ofício. Diferencia, ainda, o escravo
ladino, relativamente conhecedor da cultura local, do boçal, que
precisava aprender o idioma português. A variação de preços, segundo
o sexo, também é enfatiz ada, pagando-se mais pelo homem por sua
força física, necessária para serviços mais pesados. As negras eram,
406
O rig i n a lm ent e, a c o n s tr uç ã o d o m erc ad o é de 1 8 3 5, c om f in al i d ad e c om erc i al
pr i va d a. Ap ós s e r d es at i v ad o p e l o pr opr i e tá ri o, a po p u laç ã o e nc a m inh ou , em 18 89 ,
um ped i d o à m un ic i pa l id a d e p ara tr ans f o rm ar o es paç o em loc a l de d is tr i b uiç ã o d e
m erc ad or ias ; o qu e f oi a t en d id o , t or n a nd o - s e c o nh ec id o c o m o Merc a do d os
T rope ir os ; c f .: Á VI L A, Af o ns o . B arr oc o. .. op .c it ., p . 35 4 - 35 5 .
25 5
geralmente, escolhidas para tarefas domésticas, de amamentação e
para lavoura 407.
Fra me 31 – P l an o d o c om bo io de es c ra v os s en d o v e nd i d o n as ru as d e V i l a R ic a
( Ch ic o R ei , 1 98 5)
A escravidão estava viabilizada no Brasil colonia l por meio da
regulamentação
jurídica
do
Estado,
aval
moral
da
Igreja
e
culturalmente aceita pelos habitantes. Não se pode desconsiderar,
contudo, que a violência era o recurso ao qual se lançava mão para
fazer valer o escravismo como um pilar da sociedade brasileira.
A resistência cativa podia ocorrer em situações de confronto
aberto,
fugas ou
negociações.
Os
castigos eram
aplicados para
eventual risco à disciplina imposta pelo senhor ao seu cativo. O castigo
possuía um aspecto pedagógico . Por isso, muitas vezes, era aplicado
em público – nos pelourinhos urbanos, em troncos nas propriedades
rurais – ou tornado público ao impor um instrumento de castigo usado
407
Cf .: G O R EN D ER , J ac ob . O es c rav is m o. .. o p. c it .
25 6
pelo escravo em seu dia a dia 408. A inserção do castigo no cotidiano da
sociedade escravista pode ser dimensionada pela sua recorrência n a
iconografia produzida no período. Carlos Julião, Jean Baptiste Debret e
John Rugendas, entre outros artistas, produziram muitos registros de
castigos, em diversas situações, que servem de fontes para as
representações audiovisuais e escolares para o tema , inspirando
também o campo cinematográfico.
O escravo com gargalheira que aparece no início e no final de
Xica da Silva revela a publicização da penalidade. O chicote fazia parte
do cotidiano do cativo. Nas áreas de mineração parece ter sido
bastante usado a fim de coibir que o escravo -minerador tentasse
esconder ouro ou diamante em seu corpo. Ao sair da
Encardideira,
o
escravo
era
severamente
revistado.
Mina da
Chico
Rei
presencia um companheiro ser flagrado . No tronco, localizado entre a
casa grande da fazenda de Seixas e a senzala e área de serviços , o
desencaminhador é penalizado na frente dos demais negros , cotandose 25 chibatadas.
Quando Chica da Silva foi barrada na Igreja por ser negra, ela
procurou pelo contratador no serviço diamantífero. Ao chegar ao local,
jogou sua carta de alforria sobre João Fernandes e diz que de nada
valia. Retornando para a liteirinha, passa por um negro amarrado ao
tronco, sendo açoitado. Observa a situação e por alguns segundos sua
expressão sugere apiedar -se. Entretanto, retoma o diálogo e c ontinua a
lamentar com seu amásio o fato de os brancos não a deixar em
participar da missa, e não dá atenção para o feitor lavando com sal as
costas do escravo para favorecer a cicatrização , tomada como plano
aberto.
Além da preocupação em representar os cruéis castigos que
mantinham a disciplina dos cativos, os diretores usaram seus filmes
para explicar outro ponto recorrente na história de Minas Gerais: o
408
O Es ta d o c ons i d er a v a d o âm bi to pr i v ad o a re laç ã o s en h or/ es c r a v o. S om ent e n o
f in a l d o I I r ei n ad o br a s i le ir o ho u v e um a in te rv enç ã o d ir e ta n es s a r e laç ã o, por m e io
da L e i n º 3. 3 10 d e 1 5 d e ou t ubr o d e 1 8 86 , q u e pr o i bi u o s en h o r de aç o it ar s eu
es c ra v o . D is po n í ve l e m : htt p: // pr es re p ub l ic a.j us br as i l.c om .br /l e g i s l ac a o/ 1 04 0 53 / l ei 33 1 0- 86 Ac es s o em : 1 5 d e z. 2 0 13 .
25 7
descaminho de riquezas 409. Quando a Coroa não mais conseguia auferir
a quantia de 100 arrobas anuais de ouro , cota estabelecida como
pagamento pela extração n a capitania de Minas, a p artir de 1763, três
linhas explicativas eram apresentadas: falta de capacidade técnica de
extração, descaminho feito por escravos e brancos , natureza efêmera
da riqueza – esta, com fundo moral religioso 410.
Dessas explicações, culpar os desencaminhadores era a mais
recorrente entre as autoridades. Seguindo essa linha, Cacá Digues
recorre duas vezes ao santo do pau oco para explicar a engenhosidade
dos extraviadores, que usavam imagens religiosas ocas para ocultarem
ouro e diamantes. A primeira ocorre quando o intendente e o sargentomor explicam ao contratador, recém -chegado ao Tejuco, como era o
processo. Da segunda vez, o contratador se apropria do conhecimento
e a explica ao governador.
Um processo mais elaborado de contrabando foi trabalhado por
W alter Lima Junior. É o caso do alferes Felipe, que desviou o ouro
recolhido pela Intendência sem despertar suspeitas ao falsificar o selo
real nos despachos burocráticos. A representação revela possibilidades
de irregularidades dentro da própria máquina administrativa realizada
por funcionários corruptos.
O principal alvo da repressão , entretanto, continuava a ser o
escravo, por ser o responsável direto pela mineração . As táticas de
subtração eram semelhantes, tanto para o ouro , quanto para as pedras
preciosas. Quando Chico , por exemplo, ao ser apresentado, na Mina da
Encardideira, questionou por que se trabalhava cantando , recebeu
como resposta que ao cantar se evitava que o escravo engolisse o
ouro.
W alter Lima Júnior permanece didático ao mostrar o descaminho.
O chamado ouro de carapinha é explicado quando o negro que morreu
nos braços de Chico Rei revelou ter ouro escondido nos cabelos.
409
Pa ra o t em a d e d es c am in ho ( g ar im po, ex tr a v io e c o n tra b an d o), s uas f o rm as de
oc or rê nc ia e l eg is l aç ão r e pr es s or a – es p ec ia lm en te p ara a r e g iã o di am an t in a;
FE RR E IR A , Ro dr i go d e A lm ei d a. O d es c a m i nh o d e d i am a nt es . .. o p .c i t.
410
La ur a d e M e l lo e S ou za s in t et i za as tr ês li n h as e s e us arg um en t os ; SO U Z A,
La ur a d e M el l o e . De s c l as s i f ic a d os d o o ur o : a po br e za m in e ira n o s éc u lo X VI II .
4. e d. S ã o P a ul o : G r a a l, 20 0 4.
25 8
Depois, era lavar a cabeça em uma pia para recolher o resultado do
desvio. A tática foi estimulada entre os negros da Encardideira e
contou com o apoio da Irmandade do Rosário e do padre espanhol . Em
uma cena icônica , os negros fazem fila para que o clérigo lavasse na
pia batismal as cabeças dos contraventores (frame 32).
Fra me 32 – P l an o d o pa dr e, na igr ej a, la v a nd o a c ab eç a d os n eg ros p ar a
rec o l h er o o ur o ex tr a v i ad o ( C h ic o R e i , 19 8 5)
A riqueza extraviada derivava do trabalho minerador. Assim como
os castigos, esse tema foi amplamente abordado pela iconografia e
produção bibliográfic a, bastante referenciada nas produções fílmicas.
Na escura Mina da Encardideira , os cativos mineram com picaretas e
marretas, desbastando a rocha cujos fragmentos eram retirados em
caixotões para serem lavados e , assim, o ouro ser apurado. O momento
em que Chico Rei descobriu a galeria subterrânea, seu companheiro
revela que um enorme veio foi encontrado na rocha. A câmera dirigida
por Lima Jr. acompanha seu movimento com as mãos , seguindo a
marca na parede da mina , esclarecendo como o ouro era encontrado .
25 9
Não obstante, a mineração predominante na região acontecia nos
leitos e nas margens dos rios, chamadas de grupiaras. Nesse aspecto,
Cacá Diegues dedicou especial atenção para representar os modos de
extração dos diamantes. Em três momentos de Xica da Silva são dadas
explicações.
A
primeira
referência
está
na
primeira
audiência
entre
o
contratador e as autoridades da Demarcação Diamantina , quando
determinou que se seguissem os passos de Teodoro para minerarem
em
seus
achados.
A
segunda
ocorre
no
mercado,
q uando
o
comerciante que vende bebidas detalha o procedimento adotado,
explicando a um tropeiro que Teodoro não tinha condições técnicas
para aprofundar a extração, tampouco podia permanecer no local sob o
risco de ser preso. Depois de minerar na superfície , o contratador dos
diamantes montava a estrutura para desenvolver o serviço. O terceiro
momento é o clímax, pois o espectador visualiza os procedimentos. O
passeio pelas etapas de extração, narradas por João Fernandes a
Chica – que estava no local para re clamar de ter sido proibida de
entrar na igreja – revelam a circularidade do conhecimento em torno
das táticas de mineração e de representações iconográficas.
Por um plano geral, negros perfilados, em pé e ligeiramente
encurvados, são representados bateia ndo o cascalho no rio. João
Fernandes narra ter mandado construir a barragem : “Mudamos o curso
do rio. Passamos a minerar o leito seco dele. Um cascalho onde
ninguém botou os olhos, as mãos ou os pés. Assim os diamantes
brotam feito capim. Cada um maior do que o outro ”. Enquanto sua voz
em off explica os procedimentos , uma sucessão de cortes rápidos e
enquadramentos por plano s gerais apresentam a dinâmica do serviço:
negros retiram barris de água e repassam a outros escravos que estão
em níveis mais elevado s (secagem do rio) (frame 33). Por uma
passarela, na altura da barragem, cujos detalhes transparecem a
fragilidade da construção, negros carregam bateias e carumbés. Toda a
movimentação
é
vigiada
de
perto
por fiscais paramentados com
casacas, chapéus e chi cotes. Outra tomada em plano geral, com
câmera alta, dimensiona a grandeza do serviço (frame 34): barragem,
26 0
passarela, negros bateia m, negros transporta m cascalho, corredeira. E
orgulhosamente conclui: “E tudo isso é nosso , Chica. Quer dizer, nosso
e do nosso amado rei ”. No rio, um rebuliço entre os escravos , que
sussurram olha o tamanho. Um negro bate palma s assinalando o
achado, enquanto o administrador sai apressadamente para avaliar. Do
rio, chama por João Fernandes, que está com sua amásia no barracão
do serviço, observando do alto de toda engenharia construída. Quando
o contratado chega ao rio, o administrador do serviço diz ter certeza de
que se trata do maior diamante jamais encontrado no mundo.
Fra me 33 – P la n o d o s er v iç o d e ex tr aç ã o d i a m anti n a ( X ic a d a S i lv a , 19 7 6)
26 1
Fra me 34 – P la n o g er a l do s er v iç o d e ex tra ç ão di a m an t in a ( X ic a da S ilv a , 1 97 6)
Outra temática tratada com didatismo – e que termina por explicar
parte do passado ao espectador – é sobre as irmandades religiosas ;
uma associação civil cujos integrantes se reuniam 411. Em Minas, onde
as ordens religiosas regulares estavam proibidas, as irmandades foram
essenciais para a manutenção de serviços para a fé católica como
contratação de padres regulares , rituais funerários, construção e
manutenção de templos religiosos , realização de festas em devoção do
santo
padroeiro .
Observa-se
perspectivas distintas sobre
que
essa
os
diretores
apresentam
organização : a
duas
integração e a
segregação 412.
Em Chico Rei, no navio negreiro, depois de passada a tormenta e
as agressões aos cativos, a embarcação encontra -se em calmaria. Um
tripulante sobe ao mastro e grita terra à vista! Uma alegria geral toma
conta de todos, inclusive dos escravos que estão no convés, e aos
411
Cf .: BO SC HI , C a io C é s ar . O s l e ig os e o po d er. .. o p.c it .
Do n a ld R am os pr o bl em ati za os l im it es da irm an d ad e r e l ig i os a c om o es paç o d e
s oc ia b i li d a de p ar a os ne gr os e c om o es p aç o f ac i li t ad or pa ra a ac u lt uraç ã o bra nc a,
as s im c om o o f e z p ar a os q u il om bos e s ua i nt egr aç ã o à s oc ie d a de es c r a v oc ra ta ;
c f .: R A MO S , Do n a ld . O q u i lo m b o e o s is te m a es c r av is t a. .. op .c it .
412
26 2
sorrisos
se
confraternizam.
Ressalva -se
o
estranhamento
dessa
presença negra no plano, pois contradiz a tônica das primeiras cenas
em que são representados, quando os africanos sofrem a violência dos
marujos. Durante os preparativos para o ancoramento da embarcação ,
os escravos são perfilados e um marujo negro passa óleo em seus
corpos com o intuito de melhora r-lhes a aparência e, assim, facilitar
sua venda aos mercadores no território. Enquanto besunta os cativos,
informa que eles viajariam para o interior: Vila Rica. Ao chegar à terra
do ouro, recomenda que procurassem pela irmandade do Rosário,
formada por um grupo de negros, que os auxiliaria.
O plano na mina da Encard ideira em que o velho que morre nos
braços de Chico Rei indica a importância da irmandade para os negros,
já que ele pede a contratação de um enterro digno , o que deveria ser
feito junto à irmandade. Chico Rei só toma contato com a irmandade do
Rosário apó s ser libertado. Vai à igreja e se apresenta aos irmãos
como Galanga, do Congo , e ex-escravo que, depois de muito trabalho ,
conseguiu a alforria. A mesa diretora o recebe ressaltando estarem
felizes pela sua chegada e que ele tenha sobrevivido, já que muit os
não passavam de sete anos de cativeiro.
Depois de ouvir o lamento sobre as duras condições do trabalho
escravo,
Chico
conversa
reservadamente
com
um
irmão.
Ainda
desconfiado, pede explicações sobre a fé dos negros: “O que fez a
igreja esse tempo todo para você perder a sua crença? Onde está
zambi para você? ” Nesse momento, o irmão presta esclarecimentos
sobre o papel da irmandade, sua função para os negros e relação com
a sociedade branca .
E u, a bs o lu tam e nt e , n ão per d i n ad a d a m in ha c r enç a . S e s o u
us a d o, t am bém pos s o us ar. N ã o es q u ec i n ad a d e Z am bi . A o
c on tr ár io . E u tr oux e par a a igr ej a to d os os or ix ás , a p en as
tr a ns f or m ad os . É im p ort a nt e es s a pos iç ã o m inh a d e ntr o d a
i gr ej a. Im po rt an t e par a m im e p ara os ne gr o s .
O diálogo reforça a ideia da integração, com mútuos benefícios
para os negros e para os brancos. O sincretismo religioso entre
elementos da cultura negra e a religião oficial católica também é
26 3
assinalada 413. Pouco depois, desenvolve -se a cena no quilombo, onde
se estabelece o debate entre Muzinga e o irmão do Rosário sobre as
formas de liberdade, reforçando a estratégia da irmandade em se
adequar às regras estabelecidas para obter benefícios e criar espaços
de convivência entre negros e brancos. Por fim, a irmandade do
Rosário, com o auxílio do pad re, se torna parceira de Chico Rei para
adquirir a Mina da Encardideira e acobertar o descaminho de ouro,
conforme a citada sequ ência de lavagem das cabeças à pia batismal.
Em Xica da Silva, por outro lado, a irmandade é apresentada não
apenas como uma associação para negros. A extensão do grupo social
implica outra perspectiva analítica para essas organizações : o reforço
da hierarquia, algo caro à sociedade setecentista. Participar de uma
irmandade significava expressar a devoção religiosa, mas também era
uma questão de qualificação socioeconômica. Por isso, determinados
santos de devoção eram comumente associados a grupos e suas
ocupações na sociedade 414. O interdito imposto pela irmandade dos
brancos
à
entrada
de
Chica,
mesmo
alforriada,
em
seu
templo
exemplifica a segmentação por tr ás dessas associações. Nem mesmo
João
Fernandes
poderia
interferir,
pois,
como
ele
explica,
as
irmandades tinham liberdade para redigir seus estatutos, que deviam
ser aprovados pelo Papa.
Nas narrativas fílmicas, as abordagens relativas à irmandade, à
mineração, aos descaminhos e ao cotidiano dos escravos dão sentido à
trama em que estão inscritos os personagens principais. Para além da
perspectiva da narrativa cinematográfica, o s planos são elucidativos
para a compreensão de um a atividade de grande importância para a
compreensão da história brasileira, frequentemente inscrita nos livros
escolares como ciclo do ouro ou da mineração. Os diretores se
apropriam de variadas fontes para, com esmero, representar ao
413
Ref e r e nc ia d o ao f in a l do f i lm e, o tra b a lh o de R og er B as t i de s e gu e es s a l i n ha
ex p l ic at i v a; B A ST ID E, Ro g er . As r e l ig i ões afr ic an as n o Br as i l. .. op .c it .
414
Por ex em pl o: os ne gr os s e or g an i za v am em torn o de No s s a S e nh or a d o
Ros ár i o, Sa n ta Ef i g ên i a, Sã o B en e di t o, N o s s a S e nh or a d as Me r c ês , os m il it ar es
pref er iam a ir m and a d e d e Nos s o S en h or d o Bo nf im , e n qu a nt o in te gr an tes d a el i te
ec o n ôm ic a s e as s oc i a v am às or de ns T erc e ir as d o Carm o e d e S ã o Fr anc is c o.
26 4
espectador um saber bastante específico, talvez pouco apreendido e,
certamente, poucas vezes visualizado.
Nesse sentido, reconhece -se outro viés do filme de gênero
histórico como um veículo de história pública: a perspectiva educativa,
pela qual se estabelece a divulgação e explicação sobre um fato
histórico.
Ressalva -se
que
esse
viés
é
entendido
de
modo
complementar, integrado e dialético , às duas outras perspectivas
analisadas: promover a reflexão histórica por meio de uma narrativa
sobre determinado tema e problematiza r o presente em uma ponte
temporal com o passado.
26 5
4. REVERBERAÇÕES
DE
XICA
DA
SILVA
E
CHICO
REI:
HISTÓRI A PÚBLICA
Os filmes em análise proporcionaram discuss ões públicas ainda
em suas fases de produção. Quando os projetos foram anunciados, o
diretor de Xica da Silva concedeu entrevistas em que ressaltava a
relevância do filme , enquanto Chico Rei foi destacado por se inscrever
na linha de projetos de filmes históricos da Embrafilme e estabelecer
uma inédita parceria com produtores internacionais 415. À época do
lançamento dos filmes , a cobertura da imprensa permaneceu ativa,
potencializando o debate sobre os filmes de gênero histórico e sua
relação com a cultura histórica .
O sucesso de público e de bilheteria de Xica da Silva se refletiu
na intensa discussão estabelecida nos veículos da imprensa escrita .
Dois anos após o lançamento, as críticas positivas e negativas sobre o
filme ecoavam e serviram de combustível para o acirrado debate sobre
a liberdade de criação e compromissos políticos na produção de
representações sobre a história do país . Esse debate ficou conhecido
pela expressão patrulha ideológica , uma referência de Cacá Diegues
aos seus críticos mais exacerbados 416. A cobertura sobre Chico Rei, por
outro lado, foi menos intensa quanto a sua exibição – fato parcialmente
explicado
pelas
abordagens
que
dificuldades
retomavam
de
o
distribuição
litígio
em
que
–,
se
sobressaindo-se
envolveram
a
Embrafilme, W alter Lima Júnior e os produtores alemães. Recuperar
aspectos
415
das
críticas
sobre
os
filmes
contribui,
portanto,
para
Ca pí t ul o 2: c i n em a e c on h ec im ent o his t ór ic o – 2 .3 . O s proj et os f í lm ic os d e X ic a
da S il v a e C h ic o Re i .
416
Par a p atr u l has id e ol ó g ic as ; c f .: HO LA N DA , He l oís a B u arq u e d e. ( O rg) . P atr u lh as
i de o ló g ic as . S ã o Pa u l o: Br as i li e ns e , 1 98 0; N A PO L IT A NO , M arc os . O c as o d as
pa tr ul h as id e ol ó g ic as na c e na c u lt ur al br as i l eir a do f in a l d os a n o s 19 7 0. I n : J o ão
Ro b ert o M ar t i ns F i lh o . ( O r g) . O g o lp e d e 64 e o r eg i m e mi l i tar : nov as pers p ec t iv as .
S ão C ar l os : ED UF SC A R, 2 0 06 .
26 6
dimensionar o papel do filme de gênero histórico como divulgador do
conhecimento, sua circularidade e nuances da sua receptividade .
Mensurar a incorporação de Xica da Silva e de Chico Rei no
âmbito escolar – considerado ponta de lança para a construção do
conhecimento histórico – é outro caminho para se reconhecer a s
reverberações desses filmes no espaço público. Nesse sentido, uma
trilha a ser investigada elege os livros didáticos de História, a fim de
perceber se os títulos fílmicos propiciaram – e de que maneira – uma
nova abordagem sobre temas como o escravismo e as minas coloniais
ou, até mesmo, a constituição de cursos de capacitação para docentes
considerando o diálogo com as referidas produções . Tal avaliação pode
apresentar
resultados
panorâmico
que
ma is
procure
amplos
reconhecer
mediante
impactos
um
levantamento
nas
produções
acadêmicas. Isso porque a produção de materiais didáticos e o
desenvolvimento de procedimentos metodológicos voltados para o
ensino-aprendizagem se relacionam diret amente – ainda que não
imediatamente – com renovações na produção acadêmica . A crescente
oferta de cursos de pós-graduações, vivenciados no ensino superior
brasileiro desde a década de 1990, estreita e amplia ainda mais essa
relação. Por essa perspectiva, assinala-se a relação entre o filme e a
reflexão
histórica
escolar -acadêmica
e
a
circularidade
desse
conhecimento.
4.1.
Repercussão: debates pela imprensa
Os textos jornalísticos sobre lançamento de filmes com temática
histórica apresentam uma estrutura similar, pois geralmente trazem
informações sobre o período abordado , aspectos da reconstituição
temporal (cenografia, figurino, costumes etc) , os maiores desafios para
realizar o filme, custos de produção, enfim, recuperam dados do
processo de produção. Mesmo quando a matéria inclui entrevista com o
diretor, integrante da produção ou elenco, esse quadro é perceptível.
Ao abordar o filme priorizando as questões supracitadas, a
imprensa reporta dados técnicos referentes à película, cumprindo com
26 7
seu objetivo primordial: a notícia 417. Contudo, também, permite ao leitor
tomar contato com a temática, colocando em pauta um conhecimento
histórico prévio, cujas apresentação e repercussão podem até instigá -lo
a ir ao cinema assistir ao filme em busca de mais informa ções. Nesse
sentido, a cobertura jornalística favorece a amplificação do impacto
público da obra, visto que o jornalista costuma recorrer ao saber
histórico elaborado, especialmente acadêmico, como lastro para o seu
texto – ainda que o diálogo com a histor iografia circunscreva-se aos
conhecidos limites de uma matéria de jornal (do espaço a ser ocupado
na página do veículo ao tempo para apuração das informações).
Com os filmes Xica da Silva e Chico Rei não foi diferente . O teor
das matérias que anunciaram as filmagens sobre a famosa ex-escrava
da
região
dos diamantes
e
o
lendário
rei negro
de
Minas
era
abertamente elogios o. A expectativa positiva nesses textos jornalístico s
terminava por promover os filmes
consultada
não
permita
– ainda que a documentação
qualificá -los
como
parte
da
estratégia
promocional. As matérias realizadas durante a produção permitem,
também, inferir aspectos como o reconhecimento da capacidade da
produção nacional em empenhar vultosos recursos na empreitada , a
valorização do filme de gê nero histórico e a demanda represada pela
realização desse gênero fílmico.
Próximos
de
serem
lançados,
os
jornais
divulgavam
os
empreendimentos fílmicos redigindo linhas elogiosas. Em 1975, um ano
antes do lançamento, a Revista Crítica publicou A Fantástica Xica da
Silva, cuja frase de abertura sinaliza o tom da matéria: “Cacá Diegues
realiza nesse filme um dos projetos mais ambiciosos do cinema
brasileiro em termos econômicos – a fita custará mais de Cr$ 1
milhão” 418. No início de 1976, um panorama sobre as produções
cinematográficas nacionais em andamento destacava Chica da Silva
417
Par a as p ec tos da pr od uç ão j or na l ís t ic a; c f .: SO U S A, J org e P e dro . T eor i as d a
no tíc i a e do j or n a l is mo . C h ap ec ó: Arg os ; Flo ri a nó p o l is : L e tras Co nt em por ân e as ;
20 0 2; T RA Q U IN A, N e l s on . Te or i as do jo rn a l i s mo . 2 .e d. F l o r ia n óp o l is : I ns u lar , 2 00 5 .
418
S I L VA , A l b er t o. A f a n tás t ic a X ic a d a S i l v a . .. o p.c i t.
26 8
(ainda grafada com Ch), em estágio de montagem , sendo o único título,
dentre as demais indicações, a ser qualificado com sinopse 419.
O custo final da produção mais que dobrou e as cifras, acima de 2
milhões de cruzeiros , despertaram atenção. O eixo da discussão girava
na contradição entre uma indústria cinematográfica nacional marcada
por crises financeiras e a realização de um filme com incomum receita
orçamentária. Inevitavelmente, a avaliação do filme passava pelo
critério se o dinheiro teria sido bem empregado. Às vésperas do
lançamento, em entrevista à W ilson Cunha, Cacá Diegues abordou o
tema.
Ac ho qu e é prec is o p e rde r es t e c om p lex o d e c ul p a em rel aç ã o
ao q u e o c in em a re qu er c om o i n v es t im e nt o. Um f ilm e q u e
c us t a 2 m i lh õ es d e c r u ze ir os e r e nd e 10 [ m ilh õ es ] n ã o é um
f ilm e c ar o ; um qu e c u s ta 5 00 m il e r e nd e 1 00 m il é c arís s im o.
T udo es tá em f unç ão d o m erc a do . R ec us o es t a h is t ór i a d e
c i nem a r ic o. Ag or a, s e o c i n em a bras i l eir o q uis er v i ver de
x ic as d a s i lv a , es t á l i q u id a do . Um a das gr a n des q u al i d ad es d o
nos s o c in em a é, ex at a m ente , o s eu p lur a l is m o, a pos s i b i l id a de
420
de f a ze r , d e d i v ers as m ane iras , os f i lm es m a is d i vers os .
Na mesma entrevista, o diretor reforça o argumento para não
considerar
Xica
da
Silva
uma
superprodução:
seu
custo
foi
de
aproximadamente 200 mil dólares, cerca de 50% do valor da produção
norte-americana Easy Rider 421, clássico da contracultura e exemplo de
produção realizada com baixo orçamento. Concorda-se com a avaliação
feita por Cacá Diegues de que o retorno financeiro de um filme integra
a complexa equação para dimensionar seu custo. E, ainda, que a
consolidação
qualidade
de
não
uma
pode
indústria
considerar
cinematográfica
apenas
os
competitiva
recursos
e
de
monet ários
disponíveis, pois é essencial manter a liberdade criativa na produção,
419
O u tros c inc o f ilm es t i nh am es tr e ias p re v is tas p ar a 19 7 6 e f or a m c las s if ic a d os
c om o q u as e pr o nt os : Do n a F l or e s e us d oi s m ar id os (d ir . Br u no B arre t o); A no iv a
da c i d ad e ( di r . A lex V ia n y) ; G eraç ã o a q uá ri us (d ir . C ar l os Im pe ri al ); F o go m ort o
(d ir. M ár io F ar ia) e G or d os e m agr os ( d ir . Má ri o Ca rn e ir o). L is t a ram - s e, t am bém ,
proj et os f í lm ic os c om f in anc i am en to apr o v ad o p e la Em braf ilm e e c opr o d uç ã o c om a
es t at a l – des s es , a pe n as G en t e f i n a é o utr a c o is a (d ir . De n o yr O l i ve ir a)
enc o ntr a v a - s e em et a pa d e f i lm agem ; c f .: E S CH E V E RR I A, R e g in a. Um a
s up er pr od uç ão d o c i nem a n ac i o na l . O u pe l o tí tu l o n i ng u ém d es c o nf i a , m as
Mac h ad o d e As s is as s i na a l g uns r ot e iros . J o rna l d a T ard e . 23 m ar. 1 9 76 .
420
DI EG U E S, Cac á a p ud C UN HA , W ils on . X ic a d a S i l va : um hi no d e am or à
l ib er d ad e. R ev is t a Ma nc h e te , 2 8 ag o . 19 7 6, p. 6 0 - 1 .
421
Ib id em , p. 61 . N o Br a s i l, o f i lm e f oi l anç a d o c om o E as y R id er : s em des t in o ; c f .:
E A S Y RI D ER , HO O P E R, D en n is . C o l um bi a P ic t ur es . 1 9 6 9, 9 4 m i n.
26 9
evitando os riscos de trabalhos sem originalidade , que caracterizam a
indústria da cultura.
No
entanto,
percebe -se
a
dificuldade
em
romper
o
conservadorismo no meio cinematográfico quando, apesar de defender
a
superação
do
complexo
exemplificada nas
de
inferioridade
do
críticas às produções caras,
cinema
o
nacional,
diretor se
viu
constrangido a se justificar e terminou por refutar ter dirigido uma
superprodução. As justificativas, conforme visto, visavam também
dissipar insinuações de que o diretor integrava um grupo que recebia
tratamento privilegiado na Embrafilme. Ainda assim, diante do discurso
consensual no meio cinematográfico pela consolidação e autonomia da
indústria do cinema, configura -se uma situação paradoxal esse quase
indesejável gerenciamento de um bom orçamento de produção.
Não obstante os cifrões se tornarem um critério avaliativo para
Xica da Silva, os espectadores e a maior parte dos críticos avalizaram
o emprego dos recursos na produção do filme .
É p os s í v e l c o nc il i ar t a nt o d i nh e ir o, a p ara t o t éc n ic o, es f orç o de
pr o d uç ão c om as raí ze s d o c i n em a no v o – v o lt a do pa ra o
po v o , d is c ut i n do pr o b lem as q u e in te res s am ao po v o, n os
na t ur a is l im it es d e op i n iã o a q u e es t a m os s uj e it os ? [. .. ]
Q u an d o o v i gor os o s am ba d e J org e B e n [ .. .] enc err a a
pr oj eç ão f ic a p ro v a do qu e s im . E os or t od ox os , m a is um a v e z,
422
der r o ta d os .
Uma sessão especial, reservada aos jornalistas e convidados,
ocorreu no Rio de Janeiro em 29 de julho de 1976. O s espectadores
presentes à première foram entusiastas em seus comentários: Chico
Buarque mostrou -se desejoso de rever; Caetano Veloso asseverou ter
sido o melhor filme brasileiro a que já tinha assistido; o cineasta
Gustavo Dahl avaliava se trata r do primeiro filme brasileiro pós
moderno,
descolonizado
das
influências
europeias
e
norte -
americanas 423. A receptividade da imprensa presente se reverteu em
intensa promoção para o filme:
Q u em , em al gum as s es s õ es es pec i a is , j á as s is t i u a “ X ic a d a
S i l va” – o m ais n o v o f i lm e d e Ca c á D i eg ues , v e nc e d or d o
Fes t i v a l d e Br as í l i a des t e a n o – s en t iu an t ec i p ad am en te a
s ens aç ão r es e r va d a ao q u e ir ã o v ê - lo a par t ir d o s e u
422
423
DI E G U E S, C ac á a pu d C UN HA , W ils o n. X ic a da S il v a .. .o p.c i t. , p. 6 0 .
R AN G EL , M ar ia L úc i a . C i n em a N o v o . .. o p.c i t.
27 0
l anç am en to , em ou tu bro : a s e ns aç ã o d e s on h o, de a le gr i a
d ia nt e da ir re v er ên c i a br as i le ir a , d as c o is as e c ore s
br as i l e ir a s , d e um a c ert a irres p o ns a b i li d a d e br as i le ir a q u e o
c i ne as t a s o u be tra ns m itir d e m ane ir a t ã o ver d ad e ir a. [ .. .]
S eg u nd o s e u d ire to r, o f i lm e é “ um a t en ta t i v a de m os trar q u e
as p ot e nc ia l i da d es do p o vo br as il e ir o s ão s u per i or es a
424
qu a l qu er c irc u ns t â nc ia h is tór ic a o u p ol ít ic a” .
A partir das sessões especiais e privadas, diversos jornais e
revistas publicavam sobre o filme, incluindo entrevistas concedidas por
Cacá Diegues , nas quais explica va e promovia seu filme, o que se
acentuou após a estreia , em setembro. Nessas publicações, uma
sinopse da história era reproduzid a, destacando-se a inversão da
ordem social promovida pela ex -escrava da região diamantina , linha
metafórica com a qual o diretor abordou a liberdade. A esse respeito,
destaca-se a entrevista de cobertura, publicada pelo jornal O Globo, ao
festivo
debute
carioca,
quando
um
grupo
carnavalesco
marcou
presença em frente ao cinema Roxy . O trecho da matéria e entrevista
realizada com o diretor, o produtor Jarbas Barbosa e a atriz Zezé
Motta, apesar de longo, merece ser citad o por indicar o viés seguido na
cobertura por outros veículos da imprensa:
O G lob o – A p es a r d o m it o p o pu l ar , d o s am ba enr e do , da
Is a b el V a l enç a – qu e s e t or n ou um a es p éc i e d e s i nô n im o d a
per s o n ag em – d o d e s f il e f am os o d o S a l g ue ir o, p ar a m uit a
ge n te X ic a d a S i l va n ão c h e ga a s er m ais do q u e o m it o o u a
l en d a. C o nt a a í, Cac á , q uem f oi af in a l d e c on t as es s a X ic a d a
S i l va q u e i ns pir o u o t e u f ilm e.
Ca c á D i egu es – Um a es c r a va q u e v i ve u n a s eg u nd a m et a de
do s éc u l o X VI II , n o A rr a ia l d o T ej uc o ( ho j e D i am an ti n a), no
i nt er ior d e M in as G er a is . E l a c o n qu is to u o c oraç ã o do h om em
m ais r ic o d a c o lô n i a, o f i da l go J o ão Fer n an d es d e O l i v eir a ,
c on tr at ad or d e d i am an tes .
O G l obo – C o nt i nu em os d id á tic os . E o c o n tr at a dor e ra .. .
Ca c á – O d on o d e u m c ontra to d e m ono p ó li o de ex t raç ã o d e
pe dr as pr ec i os as , c e d id o p e l a C oro a Por t ug u es a . G r aç as a
es t e am or , X ic a tr ans f or m ou- s e num a es péc i e de r a in h a ne gr a
dos di am an tes , im po n do s uas ex tr a v ag â nc i a s , s ua im ag in aç ã o
425
ex tr a or d i n ár ia , s u a m a ra v il h os a do i d ic e .
De modo geral, as notícias sobre o filme adotaram ess e modelo
de sinopse, pelo qual o leitor tomava conhecimento de que Chica da
Silva era uma ex-escrava que conseguiu sua liberdade ao se tornar
amante do poderoso contratador dos diamantes , em meados do século
424
425
R AN G EL , M ar ia L úc i a . C i n em a N o v o . .. op .c it .
A BO R B O L ET A de v id r o . .. o p.c it . , p. 34 .
27 1
XVIII. Em alguns textos, o leitor também tomava ciência de como o
diretor construiu sua narrativa cinematográfica, citando as principais
fontes e referências, predominando a poetisa Cecília Meireles , o
literato Agripa Vasconcellos e o memorialista Joaquim Felício dos
Santos. Às vezes, destacava-se Alexandre Eulálio 426 como responsável
pela pesquisa histórica mais específica. Como exemplo para essa
abordagem cita-se, entre outros jornais pesquisados, o texto de Alcione
Silva.
Com a c o la b or aç ã o c o ns t a nt e d e h is tor i a dor es e per i tos , c om o
o pr of es s or A l ex an dr e E u l ál i o, c om o m an us e io at e nt o e
c ons t an te de d oc um en t os c om o a Me m ór ia do Dis tr it o
Di a ma n t in o , e c om as c or es v i vas e p o ét ic as nas q u ais X ic a
da S i l va s e m ov e a tra v és d o déc im o o i ta v o rom a nc e do
Ro m anc e ir o d a I nc on f id ê nc ia , d e Cec íl i a Me ir e les , a
ex tr a or d i n ár ia n egr a re v i ve u da h is t ór i a par a o f i lm e d e
427
Di e gu es .
Quando o filme foi lançado no circuito mineiro, o que só ocorreu
cinco meses após a estreia nas praças paulistas e cariocas, já estava
consolidado seu sucesso de bilheteria. Logo, o tratamento da imprensa
local foi reforçar as expectativas sobre Xica da Silva, como ilustra o
cartaz publicado em um jornal belo-horizontino. Anunciado como o
melhor filme de 1976 , a chamada era reforçada por depoimentos de
personalidades artísticas e críticos que avalizavam a qualidade do
filme, digno representa nte do momento de recuperação do cinema
nacional ao ponto de ser um legítimo concorrente nacional à maior
premiação do cinema norte -americano: o Oscar . A distribuição do filme
pelas salas de cinema também reflete o sucesso cinematográfico:
exibido em cinco salas na capital e , simultaneamente, em seis cidades
interioranas, incluindo Diamantina, no cine Trianon .
426
A l ex a n dr e Eu l á li o , c ar ioc a q ue c o ns id er a v a D i am a n ti n a s ua c as a, a pres e nt a a
ree d iç ão d e Me m ór i a s d o Dis tr it o D ia m an ti n o ( 19 7 6) , d e J o aq u im Fel íc io d os
S an tos . R en om ad o i nt e lec tu a l, at u ou , es pe c i alm e nt e, n a ár e a d e c rít ic a l i ter ár i a,
por m ei o d e ar t ig os n a im pr e ns a e re v is tas es p ec i a l i za d as . F o i t am bém A s s es s o r
S up er i or d o De p ar t a m ento d e As s u nt os Cu l tur a is d o M EC . E m 197 9, pas s o u a
i nt egr ar o D ep ar tam en to d e T e or ia L i ter ár i a da U n ic am p, c om o pro f es s or d e no tór i o
s ab er . P ar a m ais inf o r m aç ões ; c f .: < h tt p :/ / www. u n ic am p. br / ~b o a ve nt u/ p ag e 20 . htm >.
427
S IL V A , A lc io n e T . X i c a da Si l v a, o d e boc h e c on tr a a r epr es s ão . Fo l ha d e S ã o
P au l o, s .d . Em bor a s em in dic a ti v o de d at a, p el as i nf orm aç õ es a pr es e n ta d as ,
pres um e- s e t er s i d o p ub l ic ad o à é p oc a do la nç am en t o d o f i lm e.
27 2
Fi gu r a 1 0 - A nú nc i o d a es tr e i a d e X ic a da S i lv a em Mi n as G er a is
Fo nt e - J or n a l d a T ar d e , 2 3 f e v. 1 9 77 .
Ac er vo - H em er ot ec a His t óric a Pú b l ic a / MG
Na
esteira
de
divulgação
do
filme,
os
jornais
teciam
esclarecimentos referentes à história do Brasil, contextualizando os
leitores sobre o período em que se desenvolvia a narrativa. No ensejo
da estreia nos cinemas mineiros, uma matéria de página inteira,
publicada no jornal O Estado de Minas , dedicou quase metade do
espaço para uma aula de história. O canto XIV do Romanceiro da
Inconfidência é citado como epígrafe . Então, o leitor é informado sobre
a descoberta dos diamantes, no norte da capitania, região do Serro, em
1729, e o sistema de exp loração por meio de contra tos arrematados po r
particulares,
exemplificado
pelo
contratador
João
Fernandes
de
Oliveira. A contextualização histórica do Brasil menciona , até mesmo, o
marquês
de
comparação
Pombal,
a
Oliver
cuja
postura
Cromwell,
administrativa
líder
inglês
no
lhe
rendeu
século
a
XVII.
Historicamente, assinala que toda a riqueza do período dependia do
27 3
trabalho escravo negro e que, às vezes, uma relação entre o senhor e
sua cativa poderia reverter em benefícios para a escrava, como ocorreu
com Chica da Silva.
Antes de abordar o filme e seu processo de construção, o
jornalista reitera declarações de Cacá Diegues de que poucos registros
foram preservados a respeito da ex -escrava, e salienta que,
[.. .] e m v is t a d is s o, s ó o p o vo g uar d ou a s ua l em br a nç a e a
m em ór i a d e s eus f e i tos . At é qu e ap ar eç a a l g um pac ie n te
pes q u is a d or qu e s ej a c ap a z d e f a ze r p or e la o qu e M ic he l et
f e z p or J oa n a D’ Ar c , n o s éc u lo X IX – r ed es c ob rir o
per s o n ag em his t ór ic o, s ua im port â nc ia de n tr o da c i v i li za ç ã o
nac i o na l , s eu pa p e l m í tic o f ac e às c ar ac t erís t ic as d o p o v o
br as i l e ir o . S ó os ar t is tas t êm s e oc u p ad o de l a c om o o am or
428
qu e X ic a m er ec e .
Destaca-se, nesse sentido, a percepção de que o cuidado com a
construção memorialística de Chica da Silva tem sido realizado por
profissionais de campos distintos. Ainda que se refira em especial aos
artistas, há o reconhecimento de que as representações artísticas
referentes à Chica da Silva se sustentam n a recuperação da tradição
oral e da literatura , cabendo, sobretudo, ao poema de Cecília M eireles,
o mérito de retirar essa personagem histórica do limbo.
A negligência com a história de Chica da Silva, assim como
ocorre com outros personagens à margem das produções sobre o
passado nacional, talvez pudesse ser revertid a. O jornalista parece
acreditar que o filme pudesse funcionar como estímulo aos acadêmicos
para
pesquisar
sobre
a
ex -escrava
do
Tejuco ,
devidamente
contextualizada às relações sociais, econômicas e políticas do seu
tempo. Apesar de evocar Michelet para inspirar os historiadores,
somente quase três décadas depois um trabalho à altura foi concluído
pela historiadora Júnia Furtado : Chica da Silva e o contratador dos
diamantes: o outro lado do mito 429.
Considera-se, portanto, relevante esse momento em que o jornal,
ao
divulgar
a
produç ão
fílmica,
indiretamente
faz ia
circular
o
conhecimento histórico. Por vezes, dependendo do espaço dedicado
pelo jornal ao filme, ampliava -se a abordagem histórica. Desse modo,
428
429
X IC A da Si l v a es p er a . .. op .c it .
FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... o p.c i t.
27 4
por meio de um filme a respeito de uma personagem à margem do
ensino de história escolar, uma contextualização sobre o período em
que se desenvolve a trama e suas relações sociopolíticas eram
explicadas, tornando acessível ao leitor um saber sobre o passado.
A expectativa com as filmagens de Chico Rei também passava
pelas condições de produção, que envolvia um parceiro estrangeiro . O
ineditismo do projeto, que previa uma série televisiva e um filme de
longa metragem, levou a equipe produtora a usar duas câmeras nas
filmagens:
uma
para
cada
objetivo .
Em
fevereiro
de
1980,
as
perspectivas eram boas: a produtora alemã Provobis previa exibir a
série ainda naquele ano e lançar o filme no mês de setembro 430.
Contudo, as projeções não se confirmaram e no final do mesmo mês
estourava a ruptura entre os produtores, levando à suspensão das
filmagens que ocorriam na cidade mineira de Ouro Preto.
A situação era grave, já que os parceiros estrangeiros deixaram a
cidade e levaram consigo os copiões. O rompimento selava uma tensão
crescente entre os produtores e colocava em dúvida a conclusão das
filmagens. Concomitante mente à retirada do grupo financiador do
projeto, comerciantes ouro -pretanos que prestavam serviços para a
equipe de produção , bem como figurantes, se mobilizaram para receber
o que lhes era devido pelos produtores. O delegado da cidade
recomendou a essas pessoas que registrassem uma ação cautelar
contra os diretores ; como o fez Edson Elias Xavier, antiquário que
havia locado várias peças de mobiliário para serem usadas pela
cenografia. O acordo previa pagamento semanal, mas o antiquário
reclamava dificuldades para receber , algo que ocorria mesmo antes da
partida dos alemães 431.
A batalha em que se envolveu W alter Lima Júnior para concluir
seu filme já foi analisada 432. Ainda assim, a cobertura da imprensa,
cujas notícias de fundo policial repercutiam em edições de jornais de
430
X IC O Re y n a T V a lem ã. O G l o bo . 9 f e v. 1 9 8 0, p . 10 .
T O RR E S, M au r í l io . Dir e tor es a l em ães de C hic o r e i s om em e i nt err om pem a s
f ilm ag e ns em M in as . J or n a l d o Br as i l. C a der no B, 2 7 f e v. 1 9 80 , p . 6.
432
Ca pí t ul o 2 : c i n em a e c on h ec im ent o his t ór ic o – 2 .3 . O s proj et os f í lm ic os d e X ic a
da S ilv a e C h ic o Re i .
431
27 5
outros estados, pode ter favorecido indiretamente o interesse de
leitores pelo processo da realização cinematográfica. Por todo o mês
de março de 1980, jornais como O Estado de São Paulo, Jornal da
Tarde e Jornal do Brasil acompanharam o desenrolar das negociações.
O diretor reconhecia uma dívida com comerciantes da cidade em
torno de 2 milhões de cruzeiros, enquanto as dívidas das filmagens,
iniciadas em outubro de 1979, chegavam a 40 milhões. Buscavam -se
acordos com os ouro-pretanos, que pareciam entender o problema 433.
Ainda assim, a dívida permanecia. Um novo produtor, Paulo C ésar
Ferreira, foi anunciado, e a Embrafilme ingressou no projeto como
coprodutora, assumindo dívidas da produção, encarregando -se de
viabilizar a montagem final e distribuição do filme 434. A mudança de
postura
da
Embrafilme,
que
até
então
se
limitava
a
cobrar
os
resultados dos envolvidos, visava reaver parte do investimento, já
realizado, e desfazer uma possível má reputação que pudesse dificultar
negócios futuros junto a produtores internacionais.
Enquanto a imprensa reportava o que se passava na cidade
mineira, os produtores tentavam minimizar o estrago. Luiz Eugênio
Araújo Muller, representante da produtora brasileira Art-4, respondia à
matéria do Jornal do Brasil acusando esse periódico de má vontade
com a produção de Chico Rei 435. Em sua carta salientava que, durante
os cinco meses de filmagens em Ouro Preto, cerca de 1,5 milhão de
cruzeiros foi injetado no comércio local; e a cidade ainda seria
beneficiada com a exibição do filme no exterior, lembrando que se
tratava de um trabalho internacional. O produtor observava também
que,
[.. .] a s d i ver g ê nc i as entr e os gru p os br as il e ir o e a l em ão
s ur g ir am qu a nd o o f i l m e j á es t a v a 90 % pr on t o e d ec orrer am
ex c lus i v am ent e d e d if er enç as d e p o nt o - d e- v is t a q ua nt o a
433
RE CO M EÇ A M em O ur o Pr et o as f i lm ag e ns d e C h ic o R e i. O Es t a do d e S ã o
P au l o. 2 9 f e v. 1 9 8 0, p .1 9.
434
X IC O Re i . J or na l d o Br as il . 1 2 m ar. 1 9 80 , p. 6.
435
A Rev is ta V is ã o p u b l ic o u , em 31/ 03 /8 0 , A nov el a d e C h ic o R e i , m atér ia qu e
re it er a va o t eor das inf or m aç ões pu b l ic a das pe l o J or n a l d o Bras i l s o br e o
rom pim en to da par c er i a e pr o bl em as f in a nc e ir os e nf ren t ad os p e la pro d uç ão . As s im
c om o s e p or t ou d ia n te dos da d os d o j or na l c ar ioc a, o re pr es en t an te da Ar t - 4
tam bém r e ba t eu as c r ít ic as d a r e v is t a; A N O V E L A d e Ch ic o Re i . Rev is ta V is ã o . 3 1
m ar. 19 8 0, p. 64 ; M U LL E R, Lu ís Eu g ên i o Ar aúj o. C in em a. R ev i s ta V is ã o . 1 4 j u l.
19 8 0, p . 5.
27 6
or ç am e nt o e p l an o de f i lm agem , e is qu e Xic o Rey (s ic )
c ons t it u i- s e d e um l on ga m etra g em par a o B ras il e Am éric a do
436
S ul e de um s er ia d o p ara os pa ís es d e lí n gu a a lem ã .
Mesmo
de
modo
adverso ,
os
problemas
com
a
produção
ocuparam por meses as páginas dos jornais, contribuindo para divulga r
a história de Chico Rei para um amplo público. Nesse sentido, destaca se a matéria do Jornal do Brasil que trouxe a notícia da ruptura , pois
ao final da página, letras ga rrafais titulavam uma submatéria: A lenda
do rei negro, na qual se explica va o teor da história do filme 437.
O texto ressalta as incertezas em torno da história: “Rei na
África, rei no Brasil, Chico Rei é uma espécie de lenda histórica, pois
nunca se descob riu nada que provasse a sua existência ” 438. São
apresentados os conhecidos elementos da narrativa em torno do rei
negro
que
conseguiu
a
liberdade
e
trabalhou
para
alforria r
companheiros de cativeiro. Seu final reforça o aspecto lendário e
mítico, apropriando -se da tradição oral, ao assinalar a responsabilidade
do grupo de Chico Rei na construção da igreja de santa Efigênia e por
fiar-se na tradição local de que a corte real do reisado festivo
mencionada no estatuto da irmandade religiosa se refere ao líder
negro.
No d i a 6 d e j a ne ir o d e c ad a a no , s aí a às r uas d o Re is a do d o
Ros ár i o – f es t a c r i ad a p or C hic o Re i , qu e d e u or ig em aos
c on g ad os – no q ua l e l e er a c arr e ga d o p e las ruas d e V il a R ic a,
s obr e um tron o e d eb a ix o d o p á l io , j u n tam en te c om s ua
r a in h a. [. .. ] O ún ic o v es t íg i o da ex is tê nc ia des s e l en d ár io re i
ne gr o s ã o os es t at ut o s da irm a nd a de de S an t a Ef i g ên i a, qu e
a in d a h oj e m an da r e a li za r o re is a d o, “c o m hu re y e h ua
439
r a in h a” .
Apesar
do
esforço
em
apresentar
ao
leitor
um
perfil
do
protagonista do filme, perceb e-se insegurança no texto. Ao associar a
vida de Chico Rei com a tradição festiva popular religiosa da congada,
como corrente até então, outros elementos de fundo histórico e cultural
são
revelados
ao
leitor.
Ainda
que
a
historiografia
expli que
diferentemente esse tipo de festa, assuntos incomuns ao cotidiano de
436
437
438
439
M UL L E R, L u i z E u gê n i o A r a új o . X ic o Re y. J o rna l d o Bras i l . 27 m ar. 1 9 80 , p. 2 .
T O RR E S, Ma ur í l i o. D i r et or es a le m ã es . .. op .c it ., p . 6.
I b id em .
I b id em .
27 7
um público de jornal, como irmandade e religiosidade negra na América
Portuguesa, são abordados e disponibilizados ao leitor . Nesse caso,
considera-se pertinente transpor para o campo da imprensa o já
mencionado raciocínio de Robert Rosenstone 440 de que imprecisões
históricas existentes nos filmes podem servir de inspiração para
discutir aquele tema em bases mais bem elaboradas.
Outro exemplo de deslocamento de informação que pode instigar
a reflexão histórica decorre do uso de um frame de cena do filme, na
qual
negros
estão
acorrentados,
que
ilustra
a
matéria
sobre
a
interrupção das filmagens 441. A legenda da ilustração pergunta: os
negros brasileiros vão ficar sem a história de seu maior herói? É muito
provável.
Sem adentrar a discussão d e heroificação, pode-se questionar:
qual a dimensão, naquele momento, de Chico Rei no imaginário social
brasileiro? Ou ainda, de forma contraposta: qual o papel de Zumbi dos
Palmares na comunidade negra, uma vez que er a corrente representá lo como liderança de referência na história da escravidão ? Essas duas
questões conduzem à problematização: a reportagem procura uma
invenção
de
tradição 442,
substituindo
Zumbi
por
Chico
Rei
como
referência histórica negra ; ou se trata de uma informação não apurada
adequadamente com objetivo de provocar sensação? 443. No contexto da
matéria, a segunda opção parece mais pertinente, já que há uma carga
dramática no relato acerca da interrupção do filme , haja vista o
pessimismo expresso na lege nda.
O reinício das filmagens foi comemorado pelos envolvidos na
produção, incluindo os citadinos ouro -pretanos, mas a finalização do
filme demoraria mais quatro anos. Ainda assim, restrita a uma sessão
especial voltada para críticos , realizada no cinema Méridien, no Rio de
Janeiro, em agosto de 1985 . O filme passou, então, a circular somente
440
RO S E NST O N E , Ro b e r t. A . I nv e nt a n do la v e rda d e. .. o p.c it .
A N O V E L A d e C hic o Re i . Rev is ta V is ã o. .. o p.c i t.
442
Cf .: H O BS B AW M, Er i c ; T E R EN C E, R an g er. As i nv enç õ es . .. o p.c it .
443
S obr e a pur aç ão j or n a lís t ic a e s e ns ac i o na l is m o, c f .: BU CC I, E u gê n i o. S ob re é tic a
e i m pr ens a. S ão P a ul o: C om pa n hi a das Le t ras , 20 0 0; FO N S EC A J ÚN IO R , W ils o n
Corr ê a da . Mé t od os e t éc n ic as d e p es q u i s a em c o m u nic aç ão . 2. e d. S ã o P au l o:
At l as , 20 0 8.
441
27 8
em festivais de cinema 444. O lançamento comercial de Chico Rei
ocorreu dois anos depois, em agosto de 1987 . Embora as dificuldades
enfrentadas por Walter Lima Junior pa ra finalizar seu filme tenham sido
pontos recorrentes nas matérias realizadas, a apresentação da história
e elogios ao trabalho também se fazem presentes.
De modo geral, os jornalistas exaltavam o desfecho positivo de
todo o imbróglio, considerando uma vit ória a conclusão do filme por
W alter Lima Júnior 445. O litígio era resgatado concomitante mente ao
esclarecimento de como se concluiu a montagem do filme .
W alter Lim a es t a v a dec i d id o a enf r en t ar os obs t ác u l os e
tr a ns f or m ar Ch ic o R e i em um lon g a - m etra g e m de p o rt e e es t il o
c i nem at o gráf ic os . Nã o s e l im it ar i a a um a s i m ples r em on ta g em
do m at er i a l d a te l e - s é ri e. Ex am in an d o 48 h oras f i lm ad as , f e z
um r as c u nh o d e tr a b a lh o c om 17 hor as d e p roj eç ã o e, d aí
par t iu
p ar a
v ers ão
d it a da
p or
sua
s e ns ib i l id a d e
e
446
c on h ec im ent o d o tem a .
Assim como ocorreu na abordagem para Xica da Silva, os textos
jornalísticos traziam a sinopse da história de Chico Rei e as principais
referências de sustentação da narrativa cinematográfica, com destaque
para a tradição oral e a literatura de Agr ipa Vasconcelos e Cecília
Meireles. O resultado apresentado na grande tela recebeu elogios,
sendo ressaltada a marca pessoal na direção, ou seja, a sensibilidade
poética atribuída aos trabalhos de W alter Lima Junior.
Rec o ns t it u iç ão his t ór i c a, o f i lm e d e L im a J r. s e pr et en d e
m enos a um a s u per pr od uç ão e m ais a um a rec o ns tr uç ão d e
um s ent im en to . [ C om o d i z o di re to r]: “a l i ber d a de é prá t ic a
d ia l ét ic a v i vi d a n o c ot i di a no – a m im m e pa rec e q ue es te é o
v er d a d eir o s e nt i do d e s ta l e nd a n a alm a do p o vo . F o i as s im
qu e eu a s e nt i, e é a s s im qu e e u te nt o m e ex pr es s ar a p ar t ir
447
do f i lm e” .
As boas avaliações realizadas pela imprensa sobre os filmes,
cujas informações explicavam ao leitor o contexto do período em que a
trama se desenvolvia e as principais fontes usadas pa ra a recuperação
444
C UN HA , W ils o n. A di f íc i l .. . o p.c it ., p . 4
A l gu ns t ít u los d e m a tér i as s e d es t ac am n es s e s e n ti d o; c f .: A S AG A d e Ch ic o
Re i . O Es t ad o de S ão P au l o, Ca d ern o 2, 15 ou t. 1 98 7, p. 4 .; C U N HA , W ils on. Nas
te l as , a s ag a d e C h ic o R ei . J or n al do Br as i l. S up l em ent o d e d om i ng o – pro gr am a.
23 a go . 1 9 87 ; p. 24 .; CU NH A, W ils on . A d if í c i l l u ta d e C h ic o Re i e um a be l a v it ór ia .
J orn a l d o Br as i l, C a de r no B, 27 a g o. 1 9 87 , p . 4.
446
A Z ER E DO , El y. C hic o R e i, o m i to ne gr o. .. o p .c i t, p . 1.
447
C UN HA , W ils o n. N as te l as , a s ag a. .. o p.c i t.
445
27 9
da história narrada, reiteram a percepção de que o filme de gênero
histórico age como promotor da divulgação do conhecimento histórico .
Contudo,
essa
promoção
ocorre
não
apenas
quando
avaliações
positivas são publicadas.
As críticas funcionam, assim, como elemento do contraditório , o
que termina por estimular o debate. Assim, o filme , não apenas divulga,
mas
enriquece
representados,
a
ou
discussão
seja,
a
respeito
colabora
para
dos
o
aspectos
debate
históricos
sobre
os
conhecimentos existe ntes. Nesse sentido, reitera -se a linha defendida
nesta tese de que os filmes analisados expressam características d a
história pública, implicando uma tentativa colaborativa, envolvendo
vários segmentos
narrativos, para se produzir o saber histórico .
Portanto, ultrapassa a visão de compreendê -la somente pelo aspecto
da publicização da história.
Apesar do reconhecimento pelo esforço em conseguir concluir
Chico Rei e da importância da história narrada na tela ao lançar luzes
para um tema quase desconhecido d a história brasileira , não foram
poucas as críticas recebidas pelo resultado final. Ponto corrente nesse
aspecto diz respeito ao ritmo da montagem 448. Ao reduzir um material
bruto de filmagens, que beirava 50 horas, a duas horas de exibição, a
dinâmica do filme perdeu fôlego em alguns momentos.
Como exemplo do aspecto rítmico e das dificuldades em adaptar
a estrutura seriada para o formato de longa-metragem, cita-se a
sequência marítima da história, que engloba da escravização no
continente africano ao trans porte no navio negreiro . Ocupando o que se
pode chamar de primeira parte do filme, as sequências têm intensidade
que não se repete quando a trama se desenrola em Minas Gerais, por
exemplo, nas representações do cotidiano de trabalho na mina de ouro
da Encardideira. O elevado número de personagens e figurantes , que
448
A p es ar de c r í t ic as n es s e s en t id o, há q uem d is c or das s e des s a a v a l iaç ã o
ne g at i v a: “ Em pr im eir o lu g ar , n ã o tr a ns p ar ec e a o l on g o da n arr at i v a a t um ul tu a da
ges t aç ã o qu e c om eç o u em 19 7 9. ( .. .) Se u s on h o em c ri ar um lo n g a - m etra g em par a
c i nem a ( .. .) enc o ntr o u p l en o êx it o: ne n hum a l im it aç ão d o m e io a nt er ior (t e l e vis i v o)
e n en h um r ef l ex o d as i nt er r upç õ es do t ra b al ho s e enc o ntr am n o dr am a q u e c he g a à
te l a gr a nd e” ; AZ E R E DO , E l y. C h ic o, d e e s c ra vo a R e i. O G lo b o. 2º Ca d ern o . 2 7
ag o . 19 8 7, p . 5.
28 0
atendia ao objetivo de se criar uma série televisiva, também acarretou
prejuízo para a montagem fílmica, já que terminou por prejudicar o
desenrolar de algumas passagens e restringir a ação de alg uns
atores/personagens.
Essas
observações
são
corroboradas
por
avaliações da crítica, como a realizada por Sérgio Bazi .
W alter Lim a pre te n d eu f a ze r um f ilm e de a ve nt ur as , um
f ol he t im his t ór ic o. Ma s c om o nã o p o d ia de ix ar d e s er Ch ic o
Re i ac a b ou ref le t in d o a s u a pe n os a f ei t ura . O ro t eir o – q u e
te v e c om o bas e um argum en t o d e Má ri o Pra ta , o l i vr o S a ga do
P aís d as G era es , d e A gr ip a V as c o nc e l los , e p oem as de O
Ro m anc e ir o d a I nc o nf i dê nc i a , de Cec í li a M e ir el l es – é
d is p er s i v o , im pe d in d o qu e o f ilm e dec o l e. A l ém do m a is f ic a a
im pr es s ão d e q ue Ch i c o R e i n ão p as s a de um a c on d ens aç ão
i ns a t is f at ór i a de te l es s ér ie . Fi lm e d e a lt os e ba ix os – i nc lus i v e
na tr i l h a s on or a q ue a lt er na be l os m om entos de p erc us s ã o (d o
m es tr e N a ná V as c onc e ll os ) c om ba na l i da d e s c om pos t as pe l os
449
m ine ir os W agner T is o e M i lt on N as c im en to .
Mesmo com o deslize em confundir o nome do livro de Agripa
Vasconcelos com a coleção a que Chico Rei integrava, é inegável a
contundência crítica do excerto. Até mesmo a participação dos ícones
mineiros do clube da esquina 450 na trilha sonora é negativada –
contrariando o destaque dado pela imprensa mineira para divulga r o
filme nos cinemas das alterosas 451.
As críticas, contudo, não invalidavam completamente o trabalho .
Sobressaíam como positivas , especialmente, os aspectos estéticos –
como a produção de imagens e a sensibilidade por elas despertada –, e
a abordagem do passado ao construir uma narrativa cinematográfica
sobre o escravismo brasileiro : “[...] tem, ao menos, o mérito de não
folclorizar um dos maiores mitos da cultura afro-brasileira, além de
resgatá-lo do esquecimento” 452.
Xica da Silva
também não passou incólume às
críticas. É
compreensível que o estilo comédia -carnavalesca adotado por Cacá
449
B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it .
P ara um a h is tór i a do m ovim en t o m us ic al m ine ir o C l ub e da Es q u in a; B O RG E S ,
Má rc i o . O s s on h os n ão env e l hec e m: his t ó ri as d o C lu b e d a Es qu i n a. 7 . ed . S ã o
P au l o: G er aç ã o E d it or i a l, 2 0 11 .
451
A di v u l gaç ã o d o f i lm e n os j orn a is m in e ir os ad o to u pos tu ra c o ntr ár ia : e l o g ia v a a
tri l h a s o n or a a tr i b u in d o s e u r es u l ta d o a os m ús ic os i de n tif ic a d os c om Mi nas G er a is ,
e ne g l i ge nc ia v a o utr a s p ar t ic i paç õ es n o t ra ba l h o, c om o o G r u po V is s u n g o e Na n á
V as c o nc e ll os ; c f .: E ST RE I A S. Es t a do d e Mi n as , 2 ª s eç ã o , p. 5, 1 s e t. 1 9 87 .
452
B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it .
450
28 1
Diegues para abordar parte da história do Brasil e da escravidão
despertasse a atenção. O que foi acentuado pelo enorme sucesso
alcançado por Xica. Contudo, muitas das críticas não se limitavam ao
filme apresentado, recaindo em aspectos políticos e cobranças por uma
postura mais combativa do diretor. Por isso, atribui-se a gênese do
debate sobre a patrulha ideológica , que se estabeleceria em 1978, em
parte às cobranças recebidas pela direção de Xica da Silva e à
contundente resposta de Cacá Diegues àqueles que o questionavam.
Algumas manifestações sobre o filme de Diegues iam de encontro
às críticas positivas que, às vezes, eram quase consensuais. É o caso
da atriz Zezé Motta que, pela primeira vez , protagonizava um projeto
de maior porte. Meses antes da estreia, o filme foi o grande vencedor
do Festival de Cinema de Brasíl ia, recebendo os prêmios de melhor es:
filme, direção e atriz. Reconhecimento citado na grande maioria das
notas sobre filme. Ainda assim, foi possível encontrar uma dura crítica
à sua interpretação .
Q u an to a o s e ns u a l is m o, Ze zé Mo tt a , p o r c om por tam en t o,
f ig ur a e i n dum en tá ri a , s ó é i d ên t ic a a um tra ves t i em gra nd e
f in a l d e s h o w m us ic a d o. T od a a m alíc i a d e s ua s ed uç ão n unc a
é m enos d o q u e vu l ga r em s eus c l ic h ês d e om bros , o l har es e
453
s or r is os .
Em sua crítica, Telmo Martino desqualifica todo o elenco do filme,
considerado digno de uma apresentação teatral amadora. Para o
jornalista, apenas W almor Chagas se destaca. Contraditoriamente,
outros jornalistas teceram críticas rigorosas à atuação de W almor
Chagas – cuja interpretação teria sido fria e demasiadamente te atral –,
o que assinala as variações de critérios quanto às avaliações d e
desempenho de atores.
O exemplo dessas críticas contestando o trabalho da atriz, cujo
desempenho a marcou indelevelmente no mundo da interpretação
artística – ainda hoje Zezé Motta recorda em entrevistas o papel pelo
qual
453
também
é
frequentemente
homenageada 454
–,
indica
a
M ART IN O , T e lm o. U m a an ed ot a en gr aç ad a a p en as n a tr i lh a s o nor a . J or n a l d a
Tar de . 1 6 s et . 1 97 6 .
454
“P os s o d i vi d ir a m in ha v i da em ant es e de p o is d e X ic a da S i l v a”, por es s a
dec l ar aç ã o , d ad a 2 5 a nos de p o is d o l a nç am en t o d o f i lm e, Ze zé M ot ta d im ens io n a o
28 2
predisposição à crítica ao filme, talvez motivado pelo sucesso. Em
parte, tais censuras recaíam ao moralismo, acusando o filme de abusar
da sensualidade e até mesmo de ser uma pornochanchada .
Parte das ponderações ao filme, contudo, também apresentava
outro
viés.
Nesse
caso,
destaca -se
a
acusação
–
senão
de
incoerências históricas – ao menos de deturpações das relações sócio histórica da América Portuguesa , em especial quanto à relação senhor escravo.
A m an ip u l aç ã o n o pl a no art ís t ic o d e le n das ou f a tos h is t ór ic os
dos q u a is s e dis p õe m de d a dos ins uf ic i e nt es p od e l e va r a
r es u l ta d os p ouc o c o n d i ze nt es n ã o s ó c om a v er d ad e, m as ,
pr inc i p alm en t e, c om a p ró pr i a in te l i gê nc i a. [. .. ] F oi um ris c o
qu e - t a l v e z p or is s o t ud o – C ac á D ie g ues n ão c o ns e g ui u
s up er ar em “X ic a d a S i l va” , c om po nd o um dos m ais i ns ó l it os
pa i n éis d a es c ra v i d ão bras i l e ira . O f ilm e d e ix a tra ns p arec er
um inac r e d it á v el c l im a d e c am ara d a gem en tr e s e nh or es e
es c r a v os – um c o nc ei t o qu e , bas ic am en te d e c orr e do c h am ad o
“ hom em c ord i a l” br a s i le ir o e q ue , tra ns pos t o par a o utr os
p la n os d a v i d a nac i o na l , t em s er v id o p ara m as c arar as m a is
455
c r ué is e t err í ve is dis t o rç ões qu e n e la po d em s er d et ec t a das .
A explicação dada por Cacá Diegues de que procurou fazer um
filme sobre a liberdade pelo amor não parece ter convencido parte dos
espectadores do filme. A estratégia adotada por Chica da Silva no filme
era obter sua liberdade, utilizando , para isso, relações interpessoais. A
cordialidade 456 referida na crítica está presente nas relações coloniais,
desde as trocas de favores entre administradores, até as práticas
sexuais entre senhores e escravas, muitas vezes obtidas mediante
coerção. Na avaliação de muitos, o diretor imprimiu uma leitura
preconceituosa sobre o ,
im pu ls o q ue s u a i n ter pr e t aç ã o no f ilm e d e u à s u a c a rre ir a, i nc lus i v e c om o c a nt or a,
at i v i da d e à q u a l ta m bém s e ded ic a c o m s uc es s o . A atr i z m ili ta , a i n da , em
m ovim en t os s oc i a is c o ntr a o r ac is m o e d ef es a do a t or ne gr o; Cf . : I s to É G en te , S ão
P au l o, E d it or a T r ês , 16 abr . 2 0 01 . A s e ns u a l id a de d a p ers o na g em a alç o u à
pos iç ã o de s ím b ol o s e x ua l q u an d o pr at ic am en t e i nex is ti am n egr as os te nt a n do es s e
tít u l o. A atr i z e c a n to r a r e c e b eu , lo g o a p ós a es tr ei a do f i lm e, c on v i te p ara p os a r
nu a ; c f .: R ev is t a St at us , n. 2 8, n o v . 1 97 6 . Mas a s e ns ua l i da d e da pers o na g em
u ltr ap as s o u o u ni v er s o d as r e v is t as m as c u li n as , s e f a ze n d o pres e nt e a té no
po p u lar pr ogr am a i n f ant i l O s Tr ap a l hõ es , q ua n do o p ers on a gem Mus s um a
enc ar n ou , ai n da q u e n o v iés d a s e ns u a l id a d e, em um dos es qu et e s n o p rim e iro a n o
do gr up o na Re d e G l o bo ; < h tt p :/ / www. yo u t u be .c om /watc h ? v = _SX T f 0 zs x oc > Ac es s o
em : 1 3 d e z. 2 0 13 .
455
M IO N , A d i ls o n J os é. X ic a da S il v a . O Es t a d o d e S ão Pa u l o. 2 5 s e t. 1 9 76 .
456
S CHW ARCZ, L i l ia n Mo r i t z; BO T E LHO , A ndr é . (O r gs ) . O h o m em c ord i a l . Sã o
P au l o: Pe n gu i n & C om pa n h ia d as L et ras , 2 0 12 .
28 3
[.. .] c om p ort am ent o s ex u a l d a m ul he r n e gr a apr es en t ad o d a
v e lh a f or m a, s e gu n do a q ua l as ne gr as s ã o v erd a d eir as a t le t as
do s ex o , c o ns eg u i nd o f a zer c o is as in im a g in á v eis ( v i de os
ur r os ) p e los bra nc os . [.. .] la d o es te c r it ic ad o c om o s e n do
c o lo n ia l is ta at é p or e s tu d ios os c o ns er v ad o res c om o G i l ber t o
457
Fr e yr e .
A conivência da ex-escrava com as relações escravistas, a levou
a incorporar códigos inerentes às práticas de dominação. Exemplifica o
embranquecimento de Chica a sequência em que, ao tomar café à
mesa com o contratador, depois de passarem a noite juntos, humilha
sarcasticamente a escrava que os servia. Ou, ainda, sua postura
indiferente ao ver, no serviço diamantino, um negro ser açoitado ao
tronco.
Mas foi no jornal Opinião que críticas abriram um intenso debate
na imprensa. Publicado em outubro de 1976, u m conjunto de cinco
artigos, assinados pelo sociólogo Carlos Hansenbalg, pela historiadora
Beatriz Nascimento, pelo cineasta Carlos Frederico , pelo dramaturgo
Antônio Callado e pelo antropólogo Roberto da Matta 458, questionava a
representação do negro decorrente do filme. Beatriz Nascimento,
Carlos
Frederico,
Carlos
Hansenbalg
foram,
especialmente,
mais
incisivos, acusando a Chica de Cacá de diminuir o negro na sociedade
brasileira
ao
representá-lo
em
situações
de
subserviência
e
dependente do poder da elite branca.
A historiadora, por exemplo, fez ataques virulentos ao filme
entendendo-o como uma espécie de reedição empobrecida do livro
Casa grande e senzala (Gilberto Freyre ), que reforça va o olha r
branco/português sobre o Brasil. Mesmo considerando que o filme não
era uma obra científica, objetava, entretanto,
[.. .] q ue o c o nh ec im ent o d e um po v o q u e j un tam e nt e c om o
br a nc o f or m ou a n aç ã o br as il e ir a es tej a a u s en t e em tod os os
m om ent os do f i lm e, e q ue s e c o n te nt e c om o h um or b ar at o e
gr os s e ir o em c im a do s es t er eó t ip os m a is v u lg ar es a res p e it o
des t e p o vo . [ .. .] É um des r es pe i to à pr ó pr ia His tór i a d o Br as i l
ut i l i zar um epis ó d io n ão es t u da d o e n ã o e la bor a d o, tr at a nd o - o
457
SO B RE I RA FI LH O , E no q ue Fe i tos a . A h is t ór ia d e p er n as pr o ar. O Mov im e nt o ,
n. 7 5, 6 n o v . 19 7 6.
458
O s tí tu l os dos ar t i gos e s e us res p ec t i v os a u tor es s ã o: A b ac ax ic a ( Car l os
Fre der ic o) , A h i er ar q u i a dos f r ac os ( R ob ert o d a Ma tt a) , Co p i an d o o s e ns o c om um
(Car l os H ans e nb a l g) , A s e n za l a vis t a d a c a s a gr an d e (B e atr i z N as c im ent o), B em
Nas c i do e bem d o ta d o ( A n tô n i o Ca l l ad o) ; O p in i ão , 1 5 o ut . 19 7 6, p p. 1 8 - 2 2.
28 4
s em a d is c u s s ã o e a dram at ic i da d e qu e as c irc uns t ânc i as
459
im pu nh am .
Beatriz Nascimento se destaca nesse cenário como militante do
movimento negro que se rearticulava no país. Depois de se formar em
1971, permaneceu atrelada às atividades que discutiam o negro na
sociedade brasileira. I ntegrou, na Universidade Federal Fluminense/
Niterói, o Grupo de Trabalho André Rebouças , fundado em 1974, no
qual participavam acadêmicos e ativistas da causa negra, incluindo
Carlos Hasenbalg 460. O engajamento militante ajuda a compreen der os
fundamentos do discurso de Nascimento, que chegou a diagnostica r
Cacá Diegues como “senil” e que ela desejava que a carreira do
cineasta
se
encerra sse
em
Xica
da
Silva.
Em
sua
perspectiva
combativa, confessava que, com o filme, havia perdido “as esp eranças
quanto à compreensão do intelectual branco brasileiro sobre a real
história do negro” 461.
A linha de trabalho de grupos como os de Beatriz Nascimento e
Carlos Hasenbalg ajudaram a consolidar o Movimento Negro Unificado
(MNU), em 1978, que retomaria algumas das críticas publicadas
n’Opinião. Ressalta-se que, apesar das críticas feitas ao filme de Cacá
Diegues, Zezé Motta abraçou a militância negra integrando o próprio
MNU. Como lembrou, em função do sucesso de Xica da Silva, ela
passou a ser muito que stionada quanto ao papel do negro na sociedade
brasileira e se deu conta de que “não tinha uma opinião centrada, não
estava preparada. Eu vi que eu tinha uma responsabilidade com a
comunidade negra 462.
A tensão em torno do debate das representações do negro
decorrentes do filme era crescente. É verdade que algumas vozes
459
NA S CI M ENT O , B e atr i z. A s e n za l a vi s t a d a c as a gr an d e. O p i ni ã o, 15 ou t. 1 97 6 ,
p. 2 2.
460
P ar a
um a
br e v e
b io gr af i a
de
Ma ri a
B e atr i z
N a s c im ent o ;
c f .:
< ht tp :/ / www.m u l h er 5 0 0. or g. br / d es t a qu es - c o nt e ud o. as p?c o d = 51 > Ac es s o em : 1 3
de z. 2 01 3 .
461
N A SC I M ENT O , B e atr i z. A s e n za l a v is ta .. . op .c i t.
462
ZIM M AR O , Mar i n a. Mu l h er d e R aç a: Z e z é M ot t a, R aç a Br as i l , n. 1 26 , 2 0 08 ,
ed iç ã o on l i n e. D is po ní v e l em :
< ht tp :/ /r ac a br as il . uo l .c om .br / E d ic o es /1 2 6/ art i go 1 14 1 96 - 1 .as p > Ac e s s o em : 1 3 d e z.
20 1 3.
28 5
surgiram em defesa d a película. A elevação da temperatura pode ser
mensurada pela criação da expressão “churros”, que indicava serem os
críticos do filme uma soma de chatos e burros 463. Entretanto, também
surgiam textos argumentativos contra as linhas de raciocínio veiculados
na imprensa que contestavam a direção de Cacá Diegues . A discussão
ultrapassava o meio intelectual, havendo a participação dos leitores
que redigiam elaboradas cartas às redações dos jornais e revistas a
favor de Xica da Silva.
T or nar - s e l i vr e par a tor n ar - s e br a nc o – e s s a e ra a l óg ic a
im pos t a p el a d om in aç ã o i de o l óg ic a. N a da m a is n a tur a l,
por t an to , d o q u e “q u ere r - s e bra n qu e ar” d e X ic a, a i n da qu e
is s o s i gn if ic as s e p ar tic i p ar d os m ec an is m os de opr es s ão .
Es t r a n ho s er i a X ic a par t ic ip ar d a r i q ue za e d o m an d o d o
s en h or br anc o, J o ã o F ern a n des , c om o c o nt e s ta d ora e l u ta d ora
c on tr a a es c r a v id ã o ( c om o p ar ec e qu e os c rít ic os des ej ar iam )
464
– es tr a nh o e irr ea l .
Pouco mais de um mês em cart az, estabelecia -se um cenário
positivo ao filme, tanto pelo desempenho de bilheteria , quanto pelos
elogios
recebidos.
Todavia,
era
considerável
o
volume
de
contestações. Estas se sustentavam em pontos que identifica vam o
filme como sendo demasiadamente se nsualizado e sexista (muitas
vezes
aproximando -o
da
pornochanchada),
benevolente
com
a
escravidão, minimizando a luta do negro pela sua liberdade .
A secção provocada por Xica da Silva pode ser dimensionada na
posição do jornalista Ricardo Leite que, semanas após o lançamento do
filme em Belo Horizonte, teceu uma comparação entre o filme de
Diegues
e
Compasso
de
Espera
(dirigido
por
Antunes
Filho ) 465.
Segundo o jornalista, tratava -se de filmes distintos, pois Xica da Silva
era uma grande produção, enquanto Compasso de Espera, filmado em
preto
e
branco
e
com
poucos
recursos,
lembrava
as
primeiras
produções do Cinema Novo. Este apresentava como problema o
463
CA ST RO , T ar s o de . X ic a d a Si l v a d i z m ais qu e o j or na l nac i o na l . Fo l h a d e Sã o
P au l o. N o v. 19 7 6.
464
T EIX EI R A, Lu i z O t á v i o. C art a: A X ic a d a S i l v a n ão é na d a s em o s eu J oã o
Fer na n des ( c r í t ic a d a c r ít ic a p ub l ic ad a em M o v im ent o) . Mov i m e nt o, n . 7 0, 1 n o v.
19 7 6. P ar a o f i lm e; c f .: CO M P A S SO DE E S P ER A . F IL HO , A n tu nes . Em braf i lm e.
19 7 3, 9 8 m in.
465
L EIT E , Ric ar d o G om es . C am in hos O p os t o s . Es t ad o d e Mi n as , 2 ª s eç ão . p . 6. 1 5
m ar. 1 9 77 .
28 6
excesso de diálogos e conceitos, fruto da veia teatral de seu diretor. Já
o pecado em Xica da Silva, “[...] era não nos fornecer dados suficientes
para melhor situarmos a personagem central no ambiente social em que
vivia. Ou seja, trata -se de um filme voltado para o espetacular, dentro
da linha do cinema americano ” 466. Esse motivo reforçava sua posição
crítica contra o filme, conforme hav ia apresentado anteriormente aos
leitores no debate estabelecido na Seção de Cinema do jornal 467.
O somatório de críticas que recebia em relação a Xica da Silva
pelos mais variados motivos acirrava os ânimos.
Glauber Rocha
publicou n’O Pasquim um artigo no qual, entre outros temas, defendia o
filme Xica da Silva. Os ataques que recebeu por es se texto motivaram
o diretor Cacá Diegues a redigir um artigo para o mesmo jornal , em
resposta, pois entendia que as acusações desferidas a o amigo Glauber
Rocha também se endereçavam a ele e ao seu filme.
Q u an to à “X ic a”, p arec e q ue um de t e rm ina do s e to r d a
es q u er da br as i le ir a a in d a c ul t i va o f rac as s o c om o s ta tus
r e vo l uc i on ár i o. O s u c es s o é o d i ad o p o r es ta es q uer d a
r e li g i os a , pa ra a q ua l o Bem es t á n o s of rim en t o d a c u lp a e d a
pe n it ê nc ia . E u p ref iro o po v o f a ze n d o a s ua f es ta b ár bar a n os
c i nem as , d es f orr a nd o - s e e c e le br a nd o um a pos s i b i l id a de d e
v it ór i a. Es c as s a , m as vi t ór ia . Q u e a d ire i ta tra d ic i on a l
( “ Ex pr es s o” , E l y A ze r ed o , T e lm o M art i no , e tc .) ir i a c on d en ar o
f ilm e, d is s o e u n un c a t i ve n e nh um a dú v i da . M as f oi n a
c on t es t aç ã o d e o u tro s s et or es , rec us an d o a v it ór i a po p ul ar ,
qu e m eu es p a nt o s e f orm ou. [. .. ] O u s ej a, m e c as s am o f i lm e e
a pr of is s ã o . O r a b ol as , c om um a im pr en s a de “o p os iç ã o”
468
as s im , pr a q ue Arm an do F a lc ã o e AI - 5 ?
No artigo, Cacá Diegues nega que se vivenciava uma explosão do
cinema nacional, mas que, se esse momento estivesse ocorrendo, Xica
não teria relação com o fato . Reafirma que seu filme é, sim, uma
metáfora da liberdade. Mas o te ma que sobressai é em relação à
censura por parte de pessoas que se intitulavam representantes da
liberdade. Revelando -se atento, desqualifica as críticas recebidas em
jornais como Movimento, Opinião e, até mesmo, a posição tímida d’O
Pasquim ao debate que se estabelecia .
466
L EIT E , Ric ar d o G om es . C am in hos O p os t o s . Es t ad o d e Mi n as , 2 ª s eç ão . p. 6. 1 5
m ar. 1 9 77 .
467
I b id em .
468
DI E G U E S, C ar l os . O pr of et a a l ad o. O P as q u im , 2 4 f e v . 1 97 7, p. 1 5.
28 7
4.1.1. Das patrulhas ideológicas à ampla audiência
O artigo publicado n’O Pasquim, no início de 1977, revela o teor
da insatisfação de Cacá Diegues , não apenas contra a censura
institucionalizada pelo Estado autoritário , mas também contra setores
do meio artístico e intelectual pelas cobranças de fundo ideológico. As
repreensões que recebia por Xica da Silva se depositavam como
combustível que viria a explodir no ano seguinte. Em entrevista
concedida a jornalista Pola Vartuck, publicada pelo O Estado de São
Paulo, em agosto 469, o diretor se voltou contra a censura interna aos
meios artísticos e intelectuais , que cobravam dos criadores artísticos
uma postura ideológica em seus traba lhos.
Já, na primeira pergunta, Cacá Diegues nega va que Xica da Silva
representava uma traição ao Cinema Novo. Na realidade, ele entendia
que havia mais uma ideologia construída em cima do movimento
cinemanovista, que limitava a criação de novas propostas. Para ele,
que se orgulhava de ter participado daquela geração, e ra preciso dar
continuidade ao único ponto comum às pessoas envolvidas: fazer um
cinema nacional. Prosseguiu afirmando que a esquerda no Brasil tinha
a tendência de escolher o sofrimento, como se a alegria e a vitória não
fossem dignas. E condenava os integrantes dessa esquerda por
pensarem o cinema como um instrumento político para falar de alguma
outra coisa, menos cinema. Nesse ponto da entrevista, denuncia va.
Um ne góc i o q ue eu t a m bém ac ho m ui to g ra v e é es s a es p éc i e
de p atr u l ha i d eo l ó gi c a qu e ex is t e no Br as il . [.. .] Sã o
pa tr ul h e ir os q ue f ic am po l ic ia n d o p erm an en t em ent e a c ri aç ão ,
a c r i at i v i da d e, t e nt a n do l im itar ou di ri g ir p ara es s a ou a q u el a
te n dê nc ia . Q u a nd o a gra n d e ri qu e za d o c i nem a br as i le ir o, a
gr a n d e q u al i d ad e b ás ic a q ue d e ver i a s er a l im en ta d a é
ex a t am ent e a s ua p l ura l i d ad e, a s u a m ul ti p l ic id a de , a s ua
470
m ult if ac id a de .
A cada pergunta endurecia as respostas, criticando a postura de
intelectuais que reivindicavam o monopólio do saber. E concluía
ironizando a situação ao dizer que , da maneira que as coisas estavam,
469
V A RT UC K , P ol a . Cac á D ie g ues c o n tra a c e ns ur a .. .o p.c i t.
DI EG U ES , C ac á a p ud V A RT UC K, P o l a. Cac á D i e gu es c on tr a a c e ns ura d as
pa tr ul h as i d eo l óg ic as . O Es t ad o d e S ã o P a ul o. Sã o P a u lo , p. 1 6 - 18 . 3 1 a go . 1 97 8 .
470
28 8
para se fazer um filme, além do certificado de censura , também deveria
ser apresentado um certificado das patrulhas ideológicas . Por fim,
reforçava sua posição ao afirmar que, independente mente da ideologia,
torturador e censor continuavam a ser torturador e censor. Por isso, ele
se negava a prestar satisfações ideológicas, nem para fardados, nem
para paisanos 471.
O teor agressivo e direto da entrevista a fez ser reproduzida pelo
Jornal da Tarde, Jornal do Brasil e republicada 10 dias depo is pelo
próprio O Estado de São Paulo , além de comentários e notas em outros
veículos. A polêmica logo se instaurou, fomentando um intenso debate
no qual se tornou difícil não se posicionar. A discussão foi geral e,
apesar de abrir o discurso, as acusações permaneciam genéricas,
direcionadas a um grupo. Isso levou à troca de acusações sobre quem
é patrulheiro e quem é patrulhado.
Diante da torre de babel instituída, o jornal O Estado de São
Paulo publicou um panorama com a posição de várias pessoas, de
variados segmentos 472. De modo geral, outros segmentos artísticos se
mostravam incomodados com cobranças realizadas por seus pares ao
resultado do trabalho individual . Entretanto, houve também quem
reprovasse Cacá Diegues, como o crítico de cinema Sérgio August o,
que entendia que o diretor se indignou contra críticas ideológicas
diretamente
ao
seu
trabalho
e
reagiu
abrindo
fogo
por
uma
metralhadora giratória 473.
As críticas a que se refere Sérgio Augusto foram as mesmas
assinaladas por Cacá Diegues no artigo publicado um ano antes, n’ O
Pasquim 474. Nesse sentido, parecem pertinentes as ponderações d o
crítico
Jean-Claude
Bernardet,
que
concordava
com
a
baixa
fundamentação dos artigos publicados no O Movimento e Opinião
criticando Xica da Silva, mas nem por isso eles não deviam ter sido
escritos, pois representa vam uma configuração ideológica, assim como
471
DI EG U ES , C ac á a p ud V A RT UC K, P o l a. Cac á D i e gu es c on tr a a c e ns ura d as
pa tr ul h as i d eo l óg ic as . O Es t ad o d e S ã o P a ul o. Sã o P a u lo , p. 1 6 - 18 . 3 1 a go . 1 97 8 .
472
O CI N E M A em tr ans e de p o is d a e ntr e v is t a d o dir e tor . O Es ta d o de S ão P a u lo . 10
s et . 1 97 8, p. 26 .
473
I b id em .
474
DI E G U E S, C ar l os . O pr of et a a l ad o. .. o p.c i t.
28 9
o filme representa va outra configuração. E presumia que o diretor
procurava restringir críticas ao seu trabalho, o que era lamentável , pois
[.. .] q ua l q uer f orm a d e d e b a te , q u a lq u er f or m a de p ol êm ic a
per t ur b a . Q u a nd o a r i qu e za d e um f ilm e v em em part e das
po l êm ic as q ue e le d e s per t a. S e Xic a da S i lv a e C h uv as d e
V er ã o m ot i v am am ores , e nt us ias m os , at aq u es o u m es m o
ód i os , é q ue es s es f i lm es m ex em no c orp o s oc i a l on d e s ão
ex ib i dos ; um a res p os t a u n if orm e a es tes f il m es , des f a v or á ve l
ou a o c o ntr ár i o, f a v or á ve l , re v e la ri a ap at i a e s er i a b em m enos
475
pr o d ut i v a q ue a po l êm ic a, m es m o v io l e nt a .
O
momento
da
abertura
política
vivenciado
pela
sociedade
brasileira se reflete na discussão das patrulhas ideológicas . A pressão
pela redemocratização abria espaços para manifestações de opiniões e
projetos de futuro . A denúncia feita por Cacá Diegues ao modelo de
esquerda ortodoxa, formada nos ditames tradicionais do marxismo
militante, exemplificada no Brasil pelos quadros do clandestino Partido
Comunista Brasileiro, que procurava ocupar espaços políticos para
desenvolve r projetos culturais que atendessem a difusão ideológica,
pressionava a classe artística para manter a funcionalidade d a arte
como
meio
de
conscientização
política 476.
Uma
prática
que ,
na
avaliação do diretor cinematográfico, se mostrava desatualizada frente
à perspectiva de redemocratização e nova conjuntura das forças
políticas e culturais.
As s im , a v ira d a d a dé c ad a de 1 97 0 p ara 8 0, an u nc ia v a a c r is e
ter m i na l d a c u lt ur a nac i o na l - p op u la r c om o l as tr o da a rt e
en g aj a d a, o br ig a nd o a um a re a va l i aç ã o d a r e l aç ã o da
es q u er da c om as c l as s es po p u lar es , ref l ex ã o qu e f o i
r ad ic a l i za d a p e l a c h a m ada “n o v a es q ue rd a” q u e s ur g i a a o
l ar g o d a c r is e d o PC B e da es q uer d a m arx i s ta - l en i n is t a c om o
um tod o . A r ef l ex ã o em tor no d o pa p e l d o “ po v o” ( o u das
“ c l as s es po p ul ar es ”) ap ar ta v a - s e d a ref l ex ão s obr e a naç ã o,
na m ed id a em q ue b us c a v a um a au t on om i a em rel aç ão às
v e lh as p o lí t ic as al i anc is tas qu e h a v i a s us t e n ta d o as
477
es tr at é g ias da es q ue r da nac i on a l is t a d os a n os 5 0/ 60 .
Constata -se, portanto, o papel do filme como promotor de uma
discussão, pois as críticas recebidas por Xica da Silva – tanto no
aspecto estético, quanto da sua construção narrativa e da produção de
475
B ER NA D ET T , J ea n Cl a ud e . A f es ta de u m púb l ic o n ã o é a f e s ta de um pov o .
Úl t im a h or a . 2 1 s e t. 1 97 8 , p. 1 6.
476
N A PO LIT A NO , Ma r c o s . O c as o d as p atr u l ha s ... o p.c i t.
477
I b id em , p .4 2 - 4 3.
29 0
sentido histórico – motivaram reflexões acerca da criação artística e
sua
relação
com
o
conhecimento,
política
e
projeto
ideológico .
Indubitavelmente, estas ultrapassaram o filme; mas a ele est avam
atreladas, uma vez que o estopim e as bases da polêmica decorrem da
problematização das representações fílmica s.
O debate a respeito da politização da s expressões artísticas,
sobremaneira o cinema, não era novidade quando ocorreu a referida
entrevista de Diegues a Pola Vartuck. A conhecida política estatal em
torno do cinema educativo , nos tempos do INCE (ainda que se
restringissem
os
debates
durante
a
ditadura
varguista)
e
do
financiamento de filmes históricos , permite reflexões nesse sentido.
Recorda-se que o movimento realizado pela Embrafilme , na segunda
metade dos anos 1970, para estimular filmes sobre a história agitou o
mercado cinematográfico.
Lançado um ano antes do edital para filmes históricos , Xica da
Silva não usufruiu dos benefícios dessa linha de crédito. Ainda assim,
Cacá Diegues reconheceu, em entrevista a Tércio dos Santos, a
importância da crescente tendência de fortalecimento d esse gênero
fílmico, considerando que
[.. .] o Es t a do nã o s ó tem o d ir e it o c om o tem o d e v er d e
pr es er v ar a m em ória n ac io n al , por t an to , inc e nt i v ar a f e it ura d e
f ilm es h is t ór ic o s o u bas ea d os em obr as l it er ár i as d e
qu a l id a de . E c a be ao c in e as t a, ao art is t a , rea l i za d o r , f a ze r
c om qu e es s a c o is a n ão s e tra ns f orm e num a of ic ia l i za ç ã o d o
c i nem a. E nt ã o, e u ac ho q ue n ã o h á um a c on tr ad iç ã o n is s o, o
m eu f ilm e Xic a da S i lv a , i nc l us i v e, nã o é be n ef ic i ad o pe l as
v an t ag e ns q ue ex is t e m hoj e no r eg u l am en to d a Em braf i lm e
s obr e f i lm e his t óric o , nós nã o f om os en qu a dr ad os d en tr o
478
d is s o , n os s a c om p os iç ão c om a Em braf i lm e é n orm al .
Nessa entrevista, percebe-se a dimensão do debate existente no
meio cinematográfico a respeito de políticas estatais, via Embrafilme,
que incentivasse m a realização de filmes de gênero histórico – o que
se consolidou meses depois . Conforme visto, a s notícias sobre a
478
S ANT O S , T ér c i o . Fi l m ando a H is t ór i a, O Mov i m en t o. 2 a go . 1 9 76 . R es s a l v a - s e
qu e , m es m o no d eb a t e por i nc en t i v os es t at a is a pr o duç ã o f í lm ic a , o d ir et or r e it er a
s ua p os iç ã o em m ini m i zar a p art ic i paç ã o da Em br af i lm e em X i c a da S i lv a, n ão
obs t an te a em pr es a te r s id o es s e nc i a l par a a d is t ri b u iç ã o e c onc l us ão d a s
f ilm ag e ns , g ar a nt i nd o r ec u r s os m ed ia n te r ef orm a c on tra t ua l d e c o pro d uç ão q u a nd o
ho u v e o ac i de nt e c om o n a vi o c e n ogr áf ic o e o orç am ent o i n ic ia l es t a va es t our a d o.
29 1
direção de W alter Lima Júnior em um empreendimento inscrito nessa
rubrica, assinalavam a relevância em se desenvolver projetos fílmicos
sobre o passado brasileiro , ainda mais que a proposta incluía uma
série televisiva e uma parceria com produtores estrangeiros 479. Assim,
os jornais reiteravam a grandiosidade da produção e sua relevância
para o conhecimento do passado nacional .
O c in em a his t ór ic o , no Br as i l, t em os c i la d o e ntr e a
gr a n d i lo q uê nc ia ac ad êm ic a, a s uj e iç ã o a tex t os of ic ia is e
em pr e en d im ent os a l e gór ic os o u h erm ét ic o s – es t es ú lt im os
nã o as s im il a dos p e lo p úb l ic o. [ C h ic o R e i] D is t anc i a - s e do
ân g u lo po p u lar es c o - b i za rr o d e X ic a d a S i lv a e da ex u b er ânc i a
a le g ór ic a e das pr o e za s f orm a is d e Q u i lo mb o . [. .. ] O o l h ar
des t e c i ne as ta s em pre n os tr ans m it e em oç ão e p oes i a, m as ,
480
par a is s o , n ão a dm it e s ac r if íc i o d o re a l is m o .
Ely Azeredo exalta Chico Rei como filme histórico de qualidade ,
algo incomum em sua avaliação . O crítico tem como referência a
comparação a outros dois títulos: Xica da Silva e Quilombo (lançado em
1984) – coincidentemente, ambos dirigidos por Cacá Diegues. A
comparação entre os títulos se estenderá devido à temática comum da
história da escravidão. A qualificação do jornalista coloca os diretores
em lados opostos: W alter Lima Júnior, por sua abordagem serena e
realista, seria mais apropriado para realizar filme s sobre a história,
enquanto
Cacá
Diegues
não
se
preocupa
em
deturpar
os
acontecimentos em prol do gosto popularesco.
Por trás da crítica de aspecto estético e de direção, há uma
nuance também política. O próprio Ely Azeredo destacar á, em outro
artigo, que o diretor de Chico Rei tem como qualidade a recusa ao
“vício do discurso político ” 481. W alter Lima Junior, no entanto, sempre
apresentou seu filme numa perspectiva contrária à feita p elo crítico. O
diretor assinalou, reiteradamente, q ue procurou demonstrar por meio do
protagonista outra maneira de se fazer política: a ação dentro das
práticas e regras do sistema político, que favorecesse a conciliação ao
invés da ruptura.
479
480
481
X IC O Re i . Úl t i ma H or a, o p .c i t.
A Z ER E DO , El y. C hic o ... o p.c i t. , p. 5.
A Z ER E DO , El y. C hic o R e i, o m ito ne gr o . .. o p .c i t.
29 2
Ressalta -se que o lançamento d e Chico Rei dista quase uma
década do intenso debate referente à relação entre produção artística e
o engajamento político do final da década de 1970 . Portanto, aquelas
críticas encontravam-se redimensionadas e incorporadas por amb os os
grupos. Ainda assim, percebe -se a manutenção de um conjunto de
ressalvas ao trabalho de Cacá Diegues que teria pervertido o sentido
da história brasileira e dos negros ao priorizar o gosto popularesco
como eixo condutor do s seus filmes.
À parte as críticas aos filmes, predominaram avaliações positivas
quanto ao potencial uso do filme de gênero histórico como divulgador e
promotor do conhecimento sobre o passado. O que não os isentaram de
questionamentos
conhecimento
sobre
histórico .
os
riscos
d esse
Depreende-se,
gênero
pelo
fílmico
para
acompanhamento
o
da
cobertura da imprensa aos filmes de Diegues e Lima Júnior, que Xica
da Silva foi alvo preferencial para essa cobrança. Além das críticas
mais comuns,
que
desembocaram
no
debate
sobre
as
patrulhas
ideológicas, algumas matérias eram mais didáticas , preocupando-se em
apontar equívocos históricos cometidos pelo diretor.
Exemplo imbatível dessa perspectiva foi a publicação, no jornal O
Estado de Minas, de um artigo que assinala pontualmente algumas
inverdades apresentadas no filme 482. O autor esclarece que havia dois
João
Fernandes
de
Oliveira,
pai
e
filho,
ambos
contratadores
diamantinos; que Chica da Silva tinha filhos (fruto de um caso c om um
elevado administrador das terras diamantinas ) antes de se tornar
amásia do contratador (João Fernandes, o filho) e, a surpresa maior, o
fato de o contratador não ter sido preso , com dizia representado no
filme, mas convocado a retornar a Lisboa, como revela o documento
reproduzido no artigo. Além de corrigir professoralmente elementos
factuais do filme, o autor alerta va para a adaptação da literatura como
fonte para o cinema e , principalmente, quando o cinema se propunha a
reproduzir a história nas telonas. No caso de Xica da Silva esse risco
se acentuava devido a principal fonte usada pelo diretor .
482
FO NS E C A, G er a l d o. X ic a d a S i l v a e a nos s a h is tór i a. Es t a d o d e Min a s , 2ª
s eç ã o . 23 m ar . 1 97 7 , p. 4.
29 3
E nq u an t o a i n ve rd a de es t á c on t id a nos l i vr os , c om o ac on t ec e
c om o vo lum os o “ M e m órias d o D is tr i to D i a m anti n o ” – 2 0% de
h is t ór ia d oc um ent a da , 8 0% d e o it i v a, p or o u v ir di ze r – o err o
at i ng e u ns p o uc os , n ão c he g an d o a pr o v o c ar m al m aior . P or
ou tr o l ad o , q ua n do t a i s li vr os s ã o l e v a do s par a o c i nem a, o u
par a a te l e v is ã o, te l a ou ví de o f u nc i o nam c om o gi g an tes c as
au l as de c o nf irm aç ã o d e gros s e ir as d is t orç õ es h is t ór ic as ,
483
da n do - l h es f a ls a c re d i b il i d ad e .
Vislumbra-se nessas ponderações 484 aquele que, talvez, seja o
maior argumento dos críti cos quanto ao uso do cinema para se
trabalhar a história: a noção de (in)verdade histórica. O artigo recorre à
publicação
documental
do
século
XVIII
para
se
reafirmar
como
verdadeiro, revelando ampla pesquisa para embasar os argumentos,
inclusive, em arquivos (figura 11).
Fi gu r a 1 1 - O r d em de r et orn o à Cor t e d a da a J o ão Fer n an d es de O li v e ir a,
em it id a p e lo r ei n o em 17 6 9
Fo nt e - Es t a do d e Mi n as , 2 ª s eç ã o . 23 m ar. 19 7 7, p . 4.
483
FO NS E C A, G er a l d o. X ic a d a S i l v a e a nos s a h is tór i a. Es t a d o d e Min as , 2ª
s eç ã o . 23 m ar . 1 97 7 , p. 4.
484
O bs er v a- s e qu e a p ub l ic aç ã o i nt egr a o r ef er id o de b at e p rom o v i do no j or na l
s obr e o f i lm e q ue l e v ou R ic ar d o L e i te , a u t or d o art i g o c om par a t i v o e ntr e X ic a d a
S i lv a e C om p as s o de Es per a , a c o n de n ar f i l m es s em elha n tes ao d iri g i do po r Cac á
Di e gu es .
29 4
A importante certidão setecentista, devidamente transcrita no
jornal, deslegitima também a fonte memorialística de Jo aquim Felício
dos Santos pelo seu baixo teor de comprovação (conjecturado pelo
crítico em 20%). Por trás dessa valorização do documento, revela -se
uma concepção de narrativa histórica pautada pela prova dos fatos;
algo que perdura , em grande medida , no senso comum. Sustentando-se
por essa visão de história, o artigo conclui pelo desserviço que o filme
Xica da Silva, assim como outros que se arvoram a falar sobre história,
presta a sociedade.
Paradoxalmente, o artigo decorre das polêmicas despertadas pelo
filme. Permite-se conjecturar se haveria espaço no jornal para publicar
um texto com aquela estrutura e especificid ade, caso não fosse a
direção de Cacá Diegues e seus apontados equívocos históricos
suscitarem um debate ? O referido artigo exemplifica a postura mais
ortodoxa para a escrita da história, que valoriza o uso documental
como valor de verdade. Recorda -se que se valida nessa tese a
perspectiva de Paul Ricouer para a construção da narrativa histórica,
que a entende em equilíbrio entre o quase ficcional e o quase
realidade 485.
Ainda que de modo enviesado, o artigo de Geraldo Fonseca
corrobora, também, o entendimen to de que o filme de gênero histórico
apresenta elevado potencial para a educação escolar e não -escolar. A
possibilidade que o autor teve, a partir da análise do filme Xica da
Silva, de redigir um embasado texto sobre a história de Minas atesta a
circularidade
do
conhecimento
histórico
e
sua
ampla
divulgação .
Exemplifica -se assim, mais uma vez, o papel desse gênero fílmico
como construtor de uma história pública.
Como se percebe, foi ampla a cobertura pela imprensa sobre
Chico Rei e Xica da Silva. Naturalmente, a maior força de um filme se
faz na sua exibição, no contato direto do p úblico e sua narrativa
audiovisual. Nesse aspecto, os filmes também se destacaram. Xica da
Silva é apontado como um dos maiores sucessos do cinema nacional e
485
RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it .
29 5
levou 3.183.582 espe ctadores às salas de cinema 486. Dados nesse
sentido não foram localizados para Chico Rei, mas é certo que sua
amplitude foi bem menor do que o filme de Cacá Diegues 487. Contribuiu
para isso os problemas de distribuição e a própria conjuntura política e
econômica instável durante o governo do presidente José Sarney, que
selou a transição de um regime ditatorial para o sistema democrático .
Exemplifica parte das dificuldades enfrentadas por Chico Rei a
inusitada situação de Severo D’Acelino, que não conseguia as sistir sua
atuação como protagonista no filme porque nenhuma sala de cinema
em Aracajú o colocou em cartaz. O ator e militante no movimento negro
só conseguiu ver o filme por iniciativa própria, alugando uma cópia e
exibindo -a em um telão no Centro de Cult ura Afro-Sergipana, que
dirigia e onde desenvolvia trabalhos para formação de atores com
ênfase na cultura negra. Severo D’Acelino acredita va que a Embrafilme
mais atrapalhava do que ajudava na exibição da película. Acusava,
ainda, o deputado federal José Queiroz, proprietário de todos os quatro
cinemas da capital sergipana, de boicotar o filme. O político, por sua
vez, se defendia alegando que o filme apresentava baixa bilheteria e
que
seus
estabelecimentos
dependiam
da
programação
da
Embrafilme 488.
Contudo, ressalta-se que, se os problemas externos prejudicaram
o êxito de Chico Rei, há, também, questões internas ao filme que
frearam seu sucesso junto ao público, como as assinaladas críticas
quanto à questão rítmica – lento em vários momentos –, o elevado
número de personagens e atuação d e parte do elenco .
486
Co nf or m e r e l at ór io p r od u zi d o p el a A nc i n e, X ic a d a S i lv a f o i a q u in ta pr od uç ão
c om m ai or pú b l ic o em 1 97 6, d e um tot a l de 3 3 t ít u los l a nç a d os n aq u e le a no q u e
u ltr ap as s ar am 500 . 00 0 es p ec t a dor es . D ad os p es qu is a dos n o s it e da A nc in e ,
d is p o ní v e l em : < h tt p :/ /oc a. a nc in e. g o v. br /f i l m es _b i lh et er i as . htm > Ac es s o em : 6 j an .
20 1 4. A o t o do , f or am l anç a dos 8 7 t ít u los em 197 6 ; c f .: Rev is t a F i lm e Cu l tur a ,
Em braf i lm e, Ri o de J an e ir o, n. 29 , m ai o 19 7 8, p. 5 4. R es s a lt a - s e q u e o f i lm e
perm a nec e u em c ar t a z no a n o s e g ui n te , s e nd o l anç a do em ou tr a s pr aç as a lém d e
S ão Pa u l o e R io d e J a ne ir o.
487
Ch ic o Re i n ã o c o n s ta do r el a tór i o e l ab ora d o p e la A nc i n e s obr e os f i lm e s
l anç a dos e n tr e 19 7 0/ 20 1 2 q ue t i v er am ac i m a de 5 0 0. 0 00 es p ec ta d ores . O bs er v a s e, c o nt u d o, q u e dos l anç am en tos d e 1 9 87 ap e nas s et e tí tu l os u lt rap as s ar am es s a
m arc a d e pú b l ic o . Da d os p es q uis a dos no s i t e d a A nc i ne , d is p o ní v e l em
< ht tp :/ /o c a .a nc i ne .g o v .br /f i lm es _ b il h et er i as . htm > Ac es s o em : 0 6 j an . 2 01 4 .
488
AT O R al u g a te l ão p ar a m os tr ar C hic o R e i. F o lh a d e S ã o P a ul o, A- 2 6 , 1 7 ou t.
19 8 7.
29 6
Os festivais cinematográficos foram um dos espaços recorrentes
para divulgação dos filmes . Ambos os títulos participaram amplamente
do circuito nacional e internacional de festivais. Chico Rei, após a
sessão privada para a imprensa, em 1985, passou cerca de dois anos
participando de mostras até ocorrer sua estreia comercial ; sem que
uma explicação fosse encontrada para isso . Nesse intervalo, arrebatou
prêmios em festivais internacionais 489, ainda que de menor expressão.
Desses,
destacam -se
os
prêmios
de
melhor
trilha
sonora,
cuja
coautoria é reivindicada pelo grupo Vissungo, concedidos pelo Festival
Internacional de Bogotá (Colômbia, 1986) e pelo Festival de Ghent
(Bélgica, 1986).
Xica da Silva também teve ampla circula ção no exterior – maior
do que Chico Rei, haja vista a melhor estrutura da Embrafilme à época,
especialmente quando comparada à crise que a abateu em meados d a
década de 1980. Meses antes da estreia no circuito comercial, o filme
já despertava interesse e arrebata va os prêmios, como no IX Festival
de Cinema de Brasília (1976), onde ganhou nas categorias de melhor
filme,
melhor
diretor
e
melhor
atriz 490.
Frequentador
assíduo
de
festivais, o filme se tornou bastante premiado , destacando-se nessas
ocasiões o reconhecimento à atuação de Zezé Motta 491.
A exibição internacional foi ampla, alcançando importantes praças
do
meio
cinematográfico .
Em
1978,
a
venda
de
cópias
para
distribuidores franceses foi acompanhada de uma ação pr omocional
que ajudou a boa recepção do filme . O próprio diretor viajou a Paris
para divulgá-lo. Cartazes eram veiculados nos jornais , indicando os
nove cinemas da capital parisiense onde o filme poderia ser visto.
Críticas na imprensa exaltavam a estética diretiva de Cacá Diegues e a
interpretação de Zezé Motta que , “a exemplo de Pelé se tornava a nova
489
P ar a r e laç ã o de a l g um as pr em iaç õ es do f ilm e; c f . : M AT T O S, Car l os A l ber t o .
W alt er L i ma J ú n i or . .. o p.c i t. , p. 4 05 .
490
D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. c i n em atec a .g o v. br > Ac es s o em : 2 2 m a r. 20 1 3.
491
P ar a r e l aç ã o d a p ar tic i p aç ã o d o f ilm e e prem i aç õ es em a l gu n s f es t i v a is , v er
pá g i na of ic ia l d o d ir et or Cac á D i eg u es , D is p on í v el em :
< ht tp :/ / www. c ar l os d ie gu es .c om .br /os f i lm es _ f es t i va is .as p ?i dF = 7 > Ac es s o em : 22
m ar. 2 0 13 .
29 7
pérola do Brasil” (Le Matin ) 492. Outras, como a publicada no Le Fígaro,
reconheciam originalidade e resistência ao padrão hollywoodiano –
contradizendo alguns críticos brasileiros que acusavam o diretor de ter
se rendido ao cinema industrial .
Um a l iç ã o s obr e a qu a l d e v er iam m ed it ar os c i n eas tas
f r anc es es , i l ud i d os p e los p res tí g ios ho l l yw oo d i an os . X ic a da
S i lv a é um a o bra ex e m plar , n a m edi d a em qu e m erg ul h a n a s
493
f ont es m ais p uras de s ua c u l t ura nac i on a l .
O sucesso entre os franceses rendeu nova temporada de exibição
para o filme, em 1984 494. Nos anos de 1980, o filme continuava a
carimbar o passaporte. Cinco anos após ser convidado para integrar a
Mostra Oficial do Festival de Nova Iorque ( 1977) 495, aportou novamente
nas terras americanas, em 1982, para figurar nos cinemas comerciais
de Nova Iorque (EUA), depois de passar pela cidade norte -americana
de Chicago. Um jornal argentino cobriu essa passagem de Xica da
Silva nos Estados Unidos e recu perou a boa avaliação da imprensa
local, cuja cobertura apresentava a sinopse de modo a explica r o
contexto da “idade dos diamantes no Brasil” 496.
O
reconhecimento
internacional de
Xica
da
Silva
pode
ser
avaliado pela sua indicação a concorrer a vaga de can didato ao Oscar
de Melhor Filme Estrangeiro (1976/77). Em meio às polêmicas que
surgiam à sua exibição no circuito nacional, Paulo Sérgio de Almeida
ironizava os críticos de Cacá Diegues ao informar que , além de ter que
conviver com o sucesso do filme, o pior era receber sua indicação ao
Oscar 497. Um mês depois, o filme continuava no páreo, tendo sido
selecionado para a penúltima etapa: 21 filmes concorriam às cinco
vagas finalistas ao maior prêmio norte -americano de cinema. Apesar de
não conseguir passar pela etapa de fevereiro , reconhecia-se o mérito já
492
X IC A d a S i l v a g an h a c r ít ic as e lo g ios as no s j orn a is d e P ar is . O Es t a do d e S ã o
P au l o. 3 ag o . 19 7 8.
493
I dem .
494
P RO G R AM A Ç ÃO d e F i lm es em P ar is . P ar is c op e , Ma r. abr .m ai o 1 98 4.
495
X IC A da Si l v a es p er a v oc ês . Es ta d o d e Mi n a s ... o p.c i t.
496
X IC A em Nu e va Yo r k . H er a l d o d el c in e . 17 s et . 1 98 2.
497
A LM E ID A , P a u lo A u g us t o. X ic a d a S i l va r u m o a ou tr os re i n os . F o l ha d e S . Pa u l o.
13 no v . 1 97 6.
29 8
que,
até
aquele
momento,
conseguido a façanha
nenhum
outro
título
nacional
havia
498
.
A indicação levantava outra questão: o preço a ser pago pel a
inserção
do
cinema
nacional
à
indústria
cinematográfica
norte-
americana. Para parte de um grupo ligado ao Cinema Novo, a gradar à
estrutura
hollywoodiana
implicava
romper
princípios
da
proposta
cinemanovista, que era produzir um cinema nacional, político, social e
estético. Conforme visto, o teor dessa crítica aparecer ia com força no
ano seguinte, no contexto dos debates das patrulhas ideológicas,
quando Cacá Diegues foi acusado de trair o movimento do qual é um
dos representantes .
A televisão é outro importante fator para a ampliação da
audiência. A presença do aparel ho nos lares e o aprimoramento do
sistema de transmissão teve crescimento vertiginoso. A Embrafilme
teve
a
percepção
desse
cenário,
que
alterava
profundamente
o
cotidiano doméstico , ao ponto de considerar uma linha de incentivo
para produções de séries tel evisivas que, aliás, contemplou o projeto
de Chico Rei.
No ano seguinte à estreia comercial, o filme de Walter Lima
Júnior foi exibido em cadeia nacional pela Rede Globo, que havia
adquirido os direitos sobre a fita e o lançou em VHS. A data de sua
exibição era simbólica: 13 de maio 1988, celebrando o centenário da
abolição
da
escravatura.
Para
que
a
efeméride
não
passasse
despercebida, a emissora fez uma incomum alteração em sua grade de
programação, substituindo o filme “Branca de Neve e os Três Patetas”
da Sessão da Tarde (faixa das 14 horas e 30 minutos reservada para
exibição de filmes) 499.
Praxe nos periódicos, a programação televisiva é comentada
diariamente. Portanto, a exibição do filme termina por apresentar, ao
menos, uma sinopse. Nesse sentido, p ercebe-se a dupla difusão de um
filme de gênero histórico: impressa e audiovisual. Considerando Chico
Rei, acrescentava -se à sinopse a história de sua tumultuada produção.
498
499
N A R ET A d o O s c ar . J or n a l d o Br as i l. 1 7 d e z . 19 7 6.
B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it .
29 9
Concorda -se com a ressalva fei ta pelo crítico Sérgio Bazi de que
Chico Rei, o filme escolhido para homenagear a história da luta contra
a escravidão, merecia “[...] maior destaque. O que não terá na Sessão
da
Tarde,
que
já
acostumou
o
público
com
velharia
e
filmes
digestivos” 500. Considera-se, porém, que sua exibição tem relevância.
Entre alguns motivos, citam-se: a sobrevivência de um projeto que
quase
foi
inviabilizado
por
problemas
judiciais
e
econômicos ;
o
reconhecimento do filme para a história do negro no Brasil; o extenso
alcance de espectadores proporcionado pela televisão.
A partir dos anos 2000, ampliou-se no país a demanda por
televisão por assinatura, aumentando as possibilidades de exibição de
filmes nacionais. Tanto Xica da Silva quanto Chico Rei figuraram entre
os títulos exib idos por alguns desses canais. Quando a tv aberta Band
exibiu Xica da Silva, em primeiro de outubro de 2001, a sinopse
destacava a recorrência dos temas da negritude e da música popular
brasileira (em referência à música-tema de Jorge Ben) na obra de
Diegues 501. Passadas décadas da polêmica das patrulhas ideológicas,
as sinopses e comentários divulgando a exibição do filme indicavam
que a subversão de costumes também era política 502 e que o filme era
um manifesto da negritude 503, parecendo ter superado o teor das
críticas mais contundentes ao diretor .
Em 1997, uma ação promocional da Revista Isto É contribuiu para
a memória do cinema nacional: títulos fílmicos em fitas em VHS
acompanhavam os fascículos da revista. Xica da Silva integrou a
coleção Isto É Cinema Brasileiro, sendo o 14º título a ser lançado. Na
edição anterior, o editor anunciava sobre o vídeo do próximo fascículo
[.. .] qu e n em tud o o qu e s e di z s obr e X ic a (s ic ) d a S i l va , n o
en t an to , é ver d ad e . J á q u e a m ai ori a d os doc um en tos s o br e
s ua v i d a f o i d es tru í da pe l os i nd i gn a dos h a b it a nt es do T ej uc o .
B as e a do n a o br a de J o aq u im Fel íc io dos S an t os e
500
B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it .
X IC A d a S i l va : h is tór i a c om bom hum or. O Es t a do d e S ã o Pa u l o , C ad er no 2 , 1
ou t. 20 0 1, p . 4.
502
P or oc as iã o d a ex i bi ç ão em 1 de o ut u br o de 2 0 0 1; c f . : P RO G R A M AÇ ÃO . F o l ha
de Sã o Pa u lo , I lus tr ad a, 1 ou t. 2 0 01 , p . 4.
503
P or oc as i ã o da ex i bi ç ão em 1 4 d e m arç o d e 2 0 03 , a 0: 1 5 m in ut os , n o Ca n a l
Br as il ; c f .: M E RT EN , L uís C ar l os . Be l e za e t a le nt o d e Z e zé Mo tt a. O Es t a do d e Sã o
P au l o, C a der n o 2, 13 m ar . 2 0 03 , p. 8.
501
30 0
pr inc i p alm en t e n as l en d as pr es e r va d as p e la her a nç a
Cac á D i eg u es d e u as as à im ag in aç ão . [ .. .] Na b us c a d e
dr am at ur g ia v er da d ei r am ent e br as i l eir a , o c i ne as t a a br i u
de pr ec i os i s m os h is t ó ric os e s oc i o l ó g ic os em f av or de
504
v is ão f ic c i on a l c ar na v a les c a .
ora l ,
um a
m ão
um a
Ressalta-se que a ação da editora ajudou a preservar uma cópia
do filme para circulação doméstica. Em 2011, a Cinemateca Brasileira,
com apoio do Ministério da Cultura, lanç ou uma cópia restaurada de
Xica da Silva. Segundo o projeto, também haverá lançamento do filme
em DVD 505.
Já a situação do filme Chico Rei é mais complicada. Depois de
lançado em vídeo pela Globo Filmes (1987), não houve relançamentos.
Como não integrou a coleção Isto É Cinema Brasile iro, ou outra
semelhante, tornou-se difícil encontrar cópias em bom estado. Além
disso, a substituição do suporte VHS por DVD, tornando dos aparelhos
reprodutores
do
antigo
formato
peças
para
colecionadores
ou
especialistas, complicou ainda mais o acesso ao filme. Contudo, há
esperança, pois o diretor revelou interesse em recuperar a cópia do
filme e lançá-lo em DVD: “[...] porque eu acho uma loucura não existir.
Um filme que tem uma importância de informação em nível educacional
muito grande. Pelo menos qu e ele esteja à mão. Que exista um DVD
para que as pessoas possam usar em sala de aula ” 506. Espera-se que
ambas as iniciativas se concretizem em breve, pois são importantes
para a preservação e difusão da cinematografia nacional e , também,
para a divulgação d e aspectos da história do país.
504
V ENT R E l i vr e: X ic a da S i l v a r ep as s a a v i da d e es c ra v a m it o ló g ic a . Is to É . 17
s et . 1 99 7, p. 13 0 .
505
Dis p o ní v e l em : < h tt p: // ww w. br as i l . go v .br /c u l tur a/ 2 0 11 /0 5 /c u l tur a - la nc a- n es ta terc a- f i lm e- 2 0 1c x ic a - d a- s il v a 2 01 d - r es t a ura d o > Ac es s o em : 1 0 j u l. 20 1 3.
506
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 j u n. 20 1 3.
30 1
4.2. Apropriação f ilmográfica para fins educativos
O cinema se notabilizou mundialmente pela relevância cultural
decorrente
de
suas
representações,
entretenimento
e
modos
de
sociabilidades urbanas, tornando -se referência nos espaços citadinos,
especialmente no século XX 507. Em meados da década de 1980, porém,
o aparelho de videocassete se popularizou como eletrodoméstico,
proporcionando impactos na relação cinema -sociedade 508. As locadoras
de vídeo facilitaram o acesso e consumo de filmes, modificando o
hábito de assistir a eles, deslocando o espectador do espaço do
cinema para o local privado do lar. A comodidade em assistir ao filme
segundo sua própria disponibilidade de horário, no conforto doméstico ,
e a economia com preço de ingressos foram sedutores naquele
momento.
A nova tecnologia se tornou presente nas escolas. Coube, então,
ao universo escolar, se adequar e incorporar reflexões de como
integrar, metodologicamente, aquela modernidade no cotidiano do
ensino
e
de
aprendizagem.
Esse
movimento
revela -se
ainda
necessário, já que a incessante sofisticação dos recursos tecnológicos
(no campo do audiovisual, por exemplo , o VHS foi substituído pelo
DVD, que perde espaço para formatos digitais – mp3, mp4, avi, wmv
etc. – veiculados em programas de computador, enquanto a internet
favorece o compartilhamento de produções audiovisuais em escala sem
precedentes – sítios como youtube, blogs, redes sociais , telefones
celulares) transforma os modos de se produzir e consumir o audiovisual
507
Par a as s a las de c i ne m a c om o es paç os c u lt ura is e d e s oc i ab i l i da d e; c f .: BR A G A ,
At a íd es ; et .a l . O Fi m d as Co is as : S al as de C i nem a d e B e lo Hor i zo n te . B e lo
Hor i zo n t e: C R AV / P BH , 19 9 6; BAT I ST A , Ros an e P ir es . C i n em a : a s oc ia b i li d a de n a
me tr óp o l e . 2 00 3 . D is s er t aç ão ( m es tra d o em S o c io l o gi a) – Fac u l d ad e d e F i l os of ia ,
Le tr as e Ci ê nc ias H u m anas F FL CH /U S P , S ão Pa u lo ; S A NT O R O , P au l a Fr e ir e. A
re laç ã o d a s al a de c i n em a c om o es p aç o ur ba n o e m S ão P au l o: d o pr o v i nc i a no a o
c os m opo l i ta . 2 00 4 . Dis s er taç ã o (m es tr a d o em Ar qu i te t ura ) – F ac u ld a de de
Ar qu i te t ur a e Ur b a n is m o FA U/ U SP , S ã o P a u lo .
508
P ar a es t u dos d as tr a ns f or m aç õ es no m od o d e as s is t ir f i lm es ; c f . : T A RS IT A NO ,
P au l o R og er io . I nt er f er ê nc i a d o v i de oc as s et e n a a us ê nc ia da te l ev is ã o . 19 9 2.
Dis s er taç ã o ( m es tr a do em Com unic aç ã o e A rtes ) – Es c o la de Com un ic aç ão e Ar tes
EC A /U S P , S ão P a u lo ; A L V E S F IL HO , A lu í zi o. Pr e l úd i o às m íd i as g l ob a is . R ev is t a
A LC E U, v. 13 , n .2 6, R i o d e J an e ir o: PU C, j a n ./j un ., 2 0 13 , p .1 5 4 - 1 7 5.
30 2
e delineiam uma sociedade profundamente imagética 509. A busca por
compreendê-la pressupõe a educação do olhar 510.
P or E d uc aç ã o d o o l har po d em os en t en d er a e d uc aç ã o d o
m ovim en t o i nt er no do s er. Nes te s e nt i do , a l it er at ura
ed uc ac io n al , pr e oc u p ad a c om o ac es s o dos es t ud a nt es a
d if er e n tes pr od u tos da i n dús tr ia d e im age ns e s o ns em
m ovim en t o, t em ab ord ad o , c o ns ta n tem en te , a nec es s i da d e de
c om pr e en d erm os es t es pr o du t os e de pe ns arm os um a
m etod o l og i a p ar a tra b a lh ar c om ou a pa rt ir de l es . A ex pr es s ã o
ed uc aç ã o d o ol h ar to rno u- s e, p or ta nt o , m oed a c orr en t e nos
tex tos q ue pr et en d em ab or dar , em gera l , as re l aç ões en tr e
es c o l a e c u lt ur a. S eu s au tor es j us t if ic am o us o da ex p res s ã o
pe l a nec es s i da d e e f u nç ã o d a es c o l a em f orm ar es p ec t a dor es
511
c r ít ic os .
Significar historicamente um filme é, portanto, um processo. A
complexidade desse movimento considera, não apenas o conhecimento
histórico circulante, mas , também, a operação do pensamento histórico
estabelecido intelectualmente no cotidiano escolar e na produção de
pesquisas acadêmicas. Por essa perspectiva, p ara perceber de que
modo os filmes Xica da Silva e Chico Rei se estabelecem como
exemplos de história pública , ao promoverem o entendimento da
história
pela
articulação
do
saber
histórico
acadêmico
e
o
conhecimento circulante , é pertinente avaliar a existência relacional
entre os filmes, a escola e a academia. No campo escolar, tal avaliação
se pauta no levantamento da inserção ou não das narrativas fílmicas
nos livros didáticos , bem como se há uma ação de capacitação docente
quanto ao uso do filme. A percepção dessa circularidade se realiza por
meio do levantamento de pesquisas atuais que têm considerado os
509
A
i nt ens a
r e pr e s en t aç ã o
au d i o vis u a l
das
s oc i ed a des
at u ais ,
c uj as
c ons e qu ê nc ias
de l i n e iam
r el aç ões
c a l c ad as
na
v irt u al i d ad e ,
p od e
s er
c om pre en d id a c om o c ar ac t er ís t ic a d a p ós - m oder n id a de , n a qu a l a org a n i zaç ã o
s oc ia l pr oc ur a s e e s ta b el ec er a p ar tir da i d ei a d a c o ns t ru ç ão d e r ed es e
des c o nec t i v id a de – c on tr ap o nd o - s e à c o nc epç ã o d e v i da m od e r na as s en t ad a na
perc e pç ão d e c om un i da d e e i nt e graç ã o; c f .: B A U MA N, Z ygm u nt . Mo der n i da d e
lí q u id a. R i o de J a n eir o: J or g e Z ah ar , 2 0 0 1; B A UM A N, Z ygm u nt. Te mp os l íq u i dos .
Ri o d e J a ne ir o: J or g e Z a har , 2 00 7 ; B AU M AN , Z ygm u n t. V i d a p ar a c ons u mo : a
tra ns f orm aç ã o d a s p es s oas em m erc ador i a. Ri o d e J a ne ir o : J or ge Za har , 2 00 8 ;.
510
Pa ra um pan or am a s obr e a e duc aç ão do o lh ar ; c f .: AU MO NT , J ac q u es . A
i ma g em . S ão P a u lo , P ap ir us , 1 9 93 ; B U O RO , A n am él i a Bu e no . O O l h ar em
Co ns tr uç ã o: um a ex p er iê nc i a de e ns i no e apr e n di za g em d a a r te n a es c ol a . S ão
P au l o, C or te z, 1 99 8 ; MI R AN D A, C ar l os E d uar d o A l b uq u erq u e; R IG O T T I, G abr i e l a
Fi or in ; e t. a l. ( O r gs ) . E duc aç ão do O lh ar : l e it uras . S ã o P au l o : G l ob a l, 2 0 10 .
511
MI R AN D A, Car l os E d uar d o A lb u qu er qu e . U m a edu c aç ã o d o ol h o: as im age ns na
s oc ie d ad e ur b an a, i nd us tr i a l e d e m erc ad o. Ca d ern os C ed es , an o X X I, n º 5 4, a g o.
20 0 1, p . 29 .
30 3
filmes – senão prioritariamente ; as temáticas a eles inerentes – como
objeto de estudo, pois impactam as operações educat ivas formais.
4.2.1. Xica da Silva e Chico Rei na escola:
livros didáticos e capacitação docente
A formação de estudantes e espectadores críticos é uma das
premissas da atual LDB EN (Lei n. 9.394/96), formulada em meio à
revolução tecnológica em curso. O us o do filme na escola, prática cuja
reflexão
advinha
desde
a
década
anterior
à
nova
legislação
educacional, facilitou a incorporação da nova perspectiva de fontes
para o ensino de História .
As im ag ens , os tex t os , os o bj et os d e v er i am s er, t am bém ,
c om pr e en d id os c om o o bras im pre gn a das t an to n os s e us
c on t eú d os , c om o n as s uas f orm as – de v a lor es , p a drõ es o u
d i ver g ênc i as c u lt ur ais , es t i los ar tís t ic os , v is ões d e m un do
pr o d u zi d as p or gr u po s s oc i a is de t erm in ad o s . E as pr o duç õ es
hum an as de v er i am s er dim ens i o na d as n os c on t ex t os em qu e
f or am el a bor a d as e n os c o n tex t os em q ue f oram rec r ia d as e
512
r eu t i li za d a s .
A ampliação do leque de suportes para a história ensinada,
recomendada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), se deve
ao predomínio dos livros didáticos com o material de apoio no ensino aprendizagem. De fato, o livro como material de consulta pelo aluno ao
conteúdo ministrado facilita a articulação da matéria e seus objetivos,
contudo, não está a ele restrita.
Não
se
pode,
ainda,
negligenciar
as
ilações
polí ticas
e
econômicas em torno dos livros e os programas político s voltados à
educação, como assinalou Christian Laville 513. No Brasil, por exemplo,
a ditadura estadonovista implantou, em 1938, a Comissão Nacional do
Livro Didático (CNLD) para orientar a produ ção desse tipo de material.
Desde então, os livros escolares tê m sido regulamentados por órgãos
512
B R A SI L. P ar â m etr os c ur r ic u l ar es n ac i o na is : H is t ór i a. Bras í l ia : M E C/ S EF , 19 9 8.
Cf .: L A VI L L E, C hr is t i an . A gu err a d as n arr at i v as : de b at es e il us ões em torn o d o
E ns i n o d e H is t ór i a. R ev is t a Br as i le ir a d e H i s tór i a, Sã o Pa u l o, v. 1 9, n º 3 8 , 1 99 9, p.
12 5- 1 38 .
513
30 4
estatais, cujo objetivo maior é fiscalizar a adequação da publicação ao
sistema educacional 514. Ou seja,
[.. .] a c om pree ns ã o d o l i vr o c om o um es pa ç o d e r el aç ões n ão
per m i te q ue s e f a l e s ob re “ o tex t o ” e m abs tra t o, c om o
ex is t en t e f ora d os o bj et os es c ri t os q ue p er m item um a le it ur a,
m as de um obj et o q u e res u lt a de um c onj un t o d e e l em ent os
m ater ia is q u e c om põ e m o li v ro [ .. .] a pr o duç ão tex tu a l t am bém
s of r e a aç ão de u m pr oc es s o c om pl ex o d as re laç õ es de po d er
da r e al i d ad e s óc i o - h is t ór ic a , q u e l im it a m , res tri n gem e
515
c on d ic io n am es t a pr o d uç ã o .
A
história
entrelinhas
ascendência
a
nos
livro s
didáticos,
por
narrativas 516,
guerra
de
uma
concepção
portanto,
pela
revela
qual
hegemônica
se
sobre
em
suas
disputa
o
a
processo
histórico. Dominar as práticas de ensino e seu registro nos materiais
didáticos, contudo, não significa a apreensão pelos alunos de uma
história homogênea. Ao contrário, a variável humana inerente ao
processo educativo favorece o desenvolvimento de metodologias de
ensino
que
pervertam
o
modelo
atrelado
a
projetos
político s
dominantes. Parafraseando Marc Ferro e sua visão a respeito do filme,
acredita-se que uma aula de história também pode se estabelecer como
uma contra-análise da sociedade.
Mesmo em governos autoritários, quando órgão s estatais tendem
a controlar com maior pressão a produção dos livros didáticos, há
espaço para a emersão de memórias subterrâneas 517, algo acentuado
quando
políticos
sustentados
à
base
da
força
repressora
são
substituídos por outros grupos políticos. Nesse sentido, d o mesmo
modo que não se deve crer na neutralidade do livro didático, também
não se pode desconsiderá -lo do processo educativo sob o pretexto
acusatório de se tratar de u m instrumento de doutrinação. Por isso, a
514
A re l e vâ nc ia do c on t r o le s obr e a pr od uç ão e d is tr i bu iç ã o d o l i vr o d i dá t ic o c om
po l ít ic a ed uc ac io n a l p úb l ic a s e r ef l e te n a f r eq u en t e r ees tr ut ur aç ã o pe l os g o ve rn os
na ges tã o d es s e s e t or a dm in is tr a ti v o : Comissão de Livro Técnico e Didático
(COLTED, 1966); Instituto Nacional do Livro (I NL, 1971); Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD, 1985); c f .: C UN HA , M ar i a d e Fá t im a da; X A VI ER , Eric a
da S i l va . En tr e a in d ús tr i a e d it or i al , a ac a dem i a e o es t a d o: o l i vro d id á tic o de
h is t ór ia em qu es t ã o. C ad er n os do C EO M , Ch ap ec ó, An o 2 5, nº 3 4 , 20 1 2.
515
G A S P A R EL LO , Ar le te M e de ir os . C ons tr u tor es d e id e nt i da d e: p ed a go g i a d a
naç ã o n os l i vr os d i dá t ic os d a es c o l a s ec u nd ár ia br as il e ir a. S ão P au l o : Ig l u, 2 00 4 ,
p. 2 3.
516
L A V IL L E, C hr is t i a n. A g u er r a das n arr at i v as ... o p.c i t.
517
P O L L AC K , M ic he l . M em ór i a. .. o p .c i t.
30 5
pesquisa histórica e educacional , que tem o livro didático como objeto
de estudo, se faz cada vez mais presente e relevante, pois, como
salienta Thais Fonseca sobre esse tipo de pesquisa,
[.. .] e n tr e m u it as p os s i b i l i da d es , d es t ac a - s e a das d im ens õ es
po l ít ic as e c u l tu ra is d o l i vro d i dá t ic o d e Hi s tór i a, n ão p or ém
c om o m ero ag e nt e d e i nc u lc aç ão i d e o ló g ic a , o u c om o
f or m ador d e um pa dr ão el i t i za d o d e c u lt ur a. I nt err o ga d o n um
es f or ç o de d es c ons tru ç ão d e d is c ur s os e d e im ag ens , o l i vro
d id át ic o d e H is tó ri a e nc o n tra r ic as p os s ib i l i da d es d e a n á lis e
na per s p ec t i v a d os i m agi nár i os s oc i a is e da c ons t it u iç ã o d e
518
um a m em ória e d e s u a s re pr es e n taç õ es .
Ao eleger os livros didáticos como objeto para avaliar se houve
diálogo escola-filme, fez-se pelo viés da percepção de imaginários
sociais neles representados. Ou seja, a análise foi desenvolvida
privilegiando a prática dialógica entre o livro e os filmes Xica da Silva e
Chico Rei, por meio do reconhecimento de troca de saberes e, não, na
chave das práticas pedagógicas estabelecidas a partir dos livros 519.
O ambiente político à época de produção e lançamento dos filmes
era de transformações política e social , agitação que se refletiu nas
narrativas cinematográficas e, também, no campo educacional. Em
meio ao retorno das liberdades políticas e de expressão, editoras
nacionais investiram em publicações voltadas para o ensino que
incorporavam renovações nas linhas da pesquisa histórica e projetos
gráficos
modernizados 520.
Nesse
cenário,
tema s
e
abordagens
marginalizadas no ensino de história se fizeram mais presentes . Dentre
518
FO N S E C A, T ha is N í vi a d e L im a e . Da in f âm i a. .. o p.c i t . , p. 2 4 0- 2 4 1.
P ar a pes q u is as s o br e o l i vr o di d át ic o e a h is t ór i a; c f . : B IT T EN CO U RT , C i rc e
Ma ri a F er n a nd es . L iv r o d i dá t ic o e c o nh ec i me n to his t ór ic o : um a h is t ór ia do s ab er
es c o l ar. 19 9 3. T es e ( Do ut or a do em His tó ri a) – F ac u l d ad e d e F i l os of ia e C iê nc i as
Hum an as FF LC H/ U S P , Un i v er s i da d e d e S ã o P a u lo , S ã o P a u lo ; G AT T I J ÚNIO R,
Déc i o. A es c r i ta es c o l ar d a H is tór i a: l i vr o d i dá t ic o e e ns i no no Br as il ( 1 97 0 - 19 9 0).
S ão P a u lo : E dus c , 2 00 4 ; M IR A ND A , S ôn i a R e g in a e LU C A, T ân i a Re g in a d e. O
l i vro d id át ic o d e h is t ór i a hoj e: um pan oram a a p art ir d o P N LD . Rev i s ta Bras i l e ira de
His t óri a . 2 0 04 , v. 2 4, n. 4 8, p. 12 3 - 1 44 ; FO NS E C A, S e l va G u im ar ães . C a m in h os d a
h is t or ia ens i na d a. 10 . ed . C am pi nas : P a pi ru s , 20 0 8; BIT T EN CO U RT , Circ e M ar i a
Fer na n des . E ns in o d e h is t ór i a : f un d am ent o s e m ét o dos . 3. e d. S ão Pa u lo : Co rt e z,
20 0 9.
520
P ara um pa n or am a d a r en o v aç ã o ed i tor i a l v o lt ad a p ara o ens i n o de h is tór i a no
c on t ex t o d a r e d em oc r at i za ç ã o br as i l eir a ; c f .: FO NS E C A, T h ais Ní v i a d e L im a e.
His t óri a & ens i n o d e h is t ór i a . 2 .e d . B e lo H or i zo n t e: A u tê nt ic a, 20 0 6 .
519
30 6
eles, destacam-se a mulher, o negro e a escravidão 521; indo ao
encontro dos eixos das narrativas fílmicas em estudo.
Para viabilizar a análise da relação entre os filmes de Cacá
Diegues e W alter Lima Júnior e a educação histórica, trabalhou-se com
o
acervo
da
Biblioteca
do
Livro
Didático
da
Faculdade
de
Educação/USP, gênese do amplo projeto LIVRES, que busca identificar
sistematicamente parte da história da literatura didática-escolar em
âmbito
nacional.
A
constituição
desse
acervo,
portanto,
procura
integrar outras instituições para além das paulistas, sendo que a maior
concentração de exemplares se encontra na unidade da Faculdade de
Educação da USP, na cidade de São Paul o.
A pesquisa se concentrou no material disponível na sede do
LIVRES 522. Os títulos consultados foram previamente selecionados via
consulta online, por meio do sistema criado especificamente para os
dados desse acervo. No decorrer da pesquisa, contudo, a bi blioteca da
Faculdade de Educação foi transferida para um novo prédio, ficando o
acervo do LIVRES inacessível para consulta nesse período.
Quando reaberto, houve também a troca da plataforma online de
acesso 523. Considera -se a substituição prejudicial para o pesquisador,
pois o novo sistema é limitado em filtros de consulta , sendo a lacuna
mais grave a impossibilidade de estabelecer um recorte temporal . Sem
esse recorte, o resultado fornecido pela plataforma é muito amplo, pois
termina por filtrar o material por disciplina escolar e sem organização
cronológica. Felizmente, foi possível obter os registros da base antiga
que
permitiram
complementar
a
seleção
conforme
pa râmetros
já
estabelecidos 524 – porém, novas pesquisas não contam mais com essa
521
Cf .: BIT T EN CO U RT , C ir c e M ari a F ern a n des . L i vr os d id á tic os e ntr e t ex t os e
im ag ens . In .: BIT T EN CO U RT , C irc e M ar ia Fer na n des . ( O rg) . O s ab er h is tór ic o n a
s a la d e a u l a . 7 .e d . S ão P au l o: C o nt ex t o, 20 0 2; D A V I ES , N ic ho l as . As c am ad as
po p u lar es n os li v r os d e H is tór i a d o Bras i l . I n: P IN S K Y, J a im e. ( O rg). O Ens i n o d e
His t óri a e a c r i aç ã o d o f at o. Sã o Pa u lo : C on t ex t o, 20 0 9.
522
Um a dup l a r a zã o j us tif ic a a es c ol h a: 1 ª) p or p os s u ir o m aior ac er vo de n tre a s
dem a is u n i da d es qu e i nt egr am o proj et o ; 2 ª ) p el a v i ab i l i da d e ge o gráf ic a d a po n te
B el o Hor i zo n t e - S ão P au l o, j á qu e na c a p it a l pa u l is t a t am bém s e lo c a li za v a o ac er v o
da C i n em atec a e o n de as a t i v id a des in er en t es à b o ls a- s a nd u íc h e f oram re a l i za d as .
523
Cf .: < ht tp :/ / www2 .f e. u s p. br : 8 08 0 / li vr es / >
524
Re it er o
a gr a d ec i m entos
à
b i bl i ot ec ár ia
Ma ri a
J os é
Fa gu n des
pe l a
d is p o ni b i l id a de n o a te nd im en t o a o ac er v o, e s pec i a lm ent e s eu em pen h o em res g a tar
da d os d a an t ig a b as e, es s e nc i a is p ar a c onc l us ã o d a s e l eç ã o e p es qu is a.
30 7
possibilidade. Por isso, espera-se que a falha seja corrigida, do
contrário, termina rá por anular o objetivo do projeto que é organizar e
tornar acessível o acervo com praticidade.
Os parâmetros de seleção foram estabelecidos considerando três
recortes temporais: 1º) 1978 -1985; 2º) 1986-1996; 3º) 1997-2006. O
primeiro recorte parte de 1978 por entender que somente as edições a
partir desse ano estariam aptas a dialogar com o filme Xica da Silva
lançado em finais de 1976. Na outra ponta, a data final se justifica por
ser o ano de lançamento de Chico Rei. O segundo período se inicia,
então, com a chegada do filme de Walter Lima Júnior ao público e se
encerra com a promulgação da nova LDB EN. Por fim, o terceiro período
visa reconhecer, a partir das diretrizes da nova legislaçã o educacional,
mudanças e permanências quanto à relação filme/livro didático . O ano
de 2006 encerra o recorte por ser a data limite do acervo no momento
do consulta.
No primeiro levantamento ao sistema Livres foi identificado um
total
de
1.248
títulos,
assim
distribuídos
segundo
os
período s
recortados: 1º) 212; 2º) 687 e; 3º) 349. A partir desses dados, novos
filtros foram estabelecidos: concentrou-se a análise sobre material
destinado
ao
ensino
básico
e
médio
(1º
e
2º
graus
conforme
nomenclatura até 1996) 525; suprimiram-se da pesquisa títulos voltados
para
história
geral;
determinou -se
uma
edição
para
referências
duplicadas 526. Considerando os novos filtros, o escopo a ser consultado
é apresentado na tabela 1:
525
A p la n i lh a d os d a d o s r ec up er ad os d o s is tem a s e ref e ri a a o 3 º in t er va l o. E l a
c on t in h a 3 6 r ef e r ênc i as ao ens i n o inf an t i l e du as à e d uc aç ã o d e j o ve ns e a d ul t os
(EJ A) . A p es a r d e es s as m oda l i d ad es nã o ter em s id o in d ic ad a s nos i nt er v a los
an t eri or es , pr oc e de u - s e s u a a ná l is e, m as s em c ons i d era r s eu res u lt a do ,
c irc uns c r i to a os ens i nos b ás ic o e m éd i o. Res s a lt a- s e qu e a c o leç ã o H is tór i as ,
Im a ge ns & Tex tos , or ga n i za d a p or C ar la M. J un h o A n as t as ia e E d uar d o Fra nç a
P ai v a , i n dic a a os p r of es s or es f i lm es pa ra pr ep ar ar s u as a u l as , d e ntr e e l es : X ic a da
S i lv a .
526
Na s eç ã o F o nt es – L iv r os di d át ic os f or am ref er enc i a do s s om en t e os t ít u l os qu e
apr es e nt ar am a l g um ti po de oc orr ê nc i a s e g u nd o as c a t eg or i as def i n id as .
30 8
Tabela 1 - Referências a Chica da Silva e Chico Rei
nos livros didáticos para o ensino básico e médio 1978 -2006
Período
1º )
1º )
1º)
2º)
2º)
2º)
3º)
3º)
3º)
Subtotal
Subtotal
(B=Básico)
78/85
78/85
Total
86/96
86/96
Total
97/06
97/06
Total
B
M
(M=Médio)
B
M
B
M
B
M
Livros
Total
61
21
82
83
30
113
100
18
118
244
69
313
Referência
3
6
9
11
10
21
20
4
24
34
20
54
Relação %
4.9
28.5
10.9
13.2
33.3
18.5
20
22
20.3
13.9
28.9
17.2
Ac er vo – LI V R ES - F E /U S P.
A
relação
de
ocorrências
de
referências
relativas
aos
personagens Chica da Silva e ao Chico Rei nos livros didáticos
apresenta
progressivo
aumento
(10.9%,
18.2%
e
20.3%,
respectivamente), atingindo 17.2% para todo o recorte temporal. Uma
observação
quanto
ao
procedimento
metodológico
desfaz
a
interpretação que possa considerar baixo esse valor global. Ocorre que
parte do material selecionável dentro dos recortes temporais compõe
coleção didática voltada para o nível de ensino básico , sendo os
conteúdos curriculares apresentados , geralmente, em apenas um dos
anos de escolarização. Como o contexto histórico de Chica da Silva e
Chico Rei diz respeito aos temas da colonização e escravidão , é muito
provável que somente o livro da coleção que aborda aquele conteúdo
faça referências aos personagens. Portanto, se fosse considerado
apenas o livro por faixa etária/serial para os temas de colonização e
escravidão, esse valor tenderia a se elevar.
Outra observação de fundo metodológico pode ajudar a explicar a
queda de livros a serem pesquisados no último recorte temporal. Temse como hipótese que a substituição da plataforma de consult a Livres
implicou redução , pois o número de exemplares disponibilizado pela
bibliotecária responsável pelo projeto – e que auxiliou no resgate de
dados – é bem menor que o período anterior, contrariando a tendência
30 9
de aumento de volumes constituintes do acervo 527. Contudo, pelo
instrumento de pesquisa atualmente disponível, não há como verificar
se tal hipótese terminou ou não por ocultar livros do acervo.
Percebe-se que, proporcionalmente, o material voltado para o
ensino
médio
(2º
grau)
apresenta
taxas
de
incidência
maiores:
praticamente o dobro em relação ao ensino fundamental. Dentre os
períodos,
o
mais
recente
se
distingue
por
revelar
quase
uma
equiparação de ocorrências. Aliás, o 3º período também se diferencia
por apresentar a maior taxa percentual de constatações para essa faixa
de ensino.
Atribui-se o maior diálogo entre os livros e o cinema como
decorrência da valorização entre os professores do uso do audiovisual
em
suas
aulas,
referendada
pela
própria
LDB EN
de
1996.
Por
raciocínio inverso, esperava-se menor incidência para o 1º período,
pois era incipiente a discussão do uso metodológico do filme para o
aprendizado escolar durante a transição para a década de 1980. De
fato, confirma-se a menor taxa de referências para o ensino básico
nesse recorte.
Não obstante, surpreende uma referência direta a Xica da Silva.
O livro de Álvaro de Alencar, voltado para a 5ª série (atual 6º ano), traz
uma gravura a partir de um frame do filme, assim legendada: “Lavagem
de diamantes, cena de Xica da Silva , filme que narra a vida de uma
escrava liberta e seu romance com um alto funcionário da Intendência
dos Diamantes” 528 (figura 12).
Percebe-se no texto a preocupação em explicar a singularidade
da
extração
diamantífera,
cuja
lógica
administrativa
conferia
exclusividade ao contratador, alijando a população local da riqueza.
Pedagogicamente, a figura permite a visualização do modo de trabalho
nas Minas setecentistas , estimulando o aspecto histórico para a
discussão em que se destaca a exploração colonial e escrava . O
527
R ec or d a- s e qu e a pr i m eir a s e l eç ã o , or ie n ta da ap e nas p e l os r ec or tes t em por a is ,
te v e c om o in d ic at i v o p ar a os i nt er v al os : 1 º) 21 2 ; 2º ) 68 7 e 3 º) 3 4 9 ; t ít u l os .
528
A L EN C AR , Á l v ar o D uar t e. H is t ór i a d o Br as il : e v o luç ã o ec o n ô m ic a, p ol ít ic a e
s oc ia l ( 5ª s ér ie) . 5 . e d. S ão P a u lo : Sar a i v a, 19 8 3, p. 7 3. A e di ç ão d e 1 9 83 é
pu b l ic aç ã o m a is an t ig a d es t e tí tu l o d is po ní v e l no ac er v o L I VR E S.
31 0
romance do contratador com Chica da Silva também é abordado, ainda
que, na legenda explicativa sobre a trama do filme, realça -se a
conquista
da
liberdade
da
ex-escrava.
Percebe-se,
também,
a
equivocada identificação da função do contratador nessa legenda.
Fi gu ra 1 2 – C a pa e i nt er ior de li v ro q u e r e pr od u z f r am e d o f i lm e Xi c a d a S i lv a
Fo nt e – A L EN C AR , Á l va r o Du ar te . H is t ór i a d o Bras i l : e v o luç ã o ec o n ôm ic a,
po l ít ic a e s oc i al ( 5ª s é r i e) . 5 . ed . S ão P au l o: S ara i v a, 19 8 3, p .7 3 .
Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P
De modo geral, esse tipo de abordagem foi frequentemente
identificado nas publicações. A contestação à condição de colônia
encontra na Demarcação Diamantina o exemplo maior dos abusos do
Estado e de seus interesses fiscais. O outro lado da me sma moeda
procura denunciar o sistema escravista, geralmente com imagens de
Carlos
Julião
(século
XVIII),
Rugendas
e
Debret
(século
XIX)
representando castigos , a violência senhorial e as más condições de
trabalho. Ocorre que , ao abordar a região diamantin a, quase sempre o
texto chama a atenção para o contratador dos diamantes e logo
destaca seu romance com Chica da Silva, a ex -escrava que obteve
prestígio e poder no arraial do Tejuco.
A partir das recorrências de abordagens nos livros, foi possíve l
criar algumas categorias. Deve -se considerar que o mapa formulado
considera mais de uma abordagem temática por livro, o que é comum
por se tratar de subtemas .
31 1
Para Chica da Silva foram estabelecidos seis critérios: 1º) Filme,
diz respeito às referências diretas ao filme de Cacá Diegues; 2º) Fonte,
quando há menção às obras sobre Chica da Silva como os livros de
Joaquim Felício dos Santos, Cecília Meireles e Agripa Vasconcellos ou
ao desfile carnavalesco do Salgueiro ; 3º) Diálogo com historiografia ,
são
referências
à
produção
historiográfica
sobre
a
temática
da
personagem negra do Tejuco e seu contexto histórico; 4º) Iconografia,
remete a reprodução iconográfica sobre Chica da Silva e seu período;
5º) Extração de Diamantes, o contratador e o romance , são destaques
dados tanto à economia diamantífera , quanto ao romance entre João
Fernandes e a ex-escrava; 6º) Elementos de ostentação, já que o lado
exótico da sua história , como joias, mucamas, navio, é recorrente nos
livros didáticos. Observa -se que as mesmas categor ias foram utilizadas
para as análises referentes a o Chico Rei, com exceção do critério
Iconografia por não ter sido constatado nenhum cruzamento nesse
sentido. E dos critérios 5º e 6º por serem específicos d a história de
Chica da Silva. Assim, a tabela 2 t raz a percepção de referências ao
tema Chica da Silva nos livros didáticos.
Tabela 2 - Categorias temáticas referentes a Chica da Silva
nos livros didáticos
Período/tema
1º ) 78/85
Básico
1º ) 78/85
Médio
2º ) 86/96
Básico
2º) 86-96
Médio
3º) 97-06
Básico
3º) 97-06
Médio
Total
Filme
Xica da
Silva
Fonte
sobre
Chica da
Silva
Diálogo
com a
historiografia
Iconografia
1
-
-
2
2
Elementos
de ostentação
de Chica
(navio,
mucamas...)
-
1
2
1
3
4
-
-
1
1
3
8
1
1
1
5
2
5
-
12
5
3
-
13
3
2
1
1
1
1
1
17
10
11
11
33
5
Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P.
Extração de
diamantes
contratador
e o romance
31 2
A inusitada relação entre uma escrava e o homem mais poderoso
da região também instigava pesquisas. Sobretudo a partir de 1996, os
livros passaram a estimular nos alunos o conhecimento a respeit o da
ex-escrava mais poderosa das Minas Gerais . Para isso, indicavam
fontes que narraram sua história, como Agripa Vasconcelos, Cecília
Meireles ou o memorialista Jo aquim Felício dos Santos, bastante
requisitado para reforçar os aspectos extraordinários do romance, no
qual o contratador fazia os desejos mais extravagantes de Chica 529.
Dentre os livros consultados, alguns exemplares apresentam
argumentos frágeis ao abordar o contexto sócio -histórico no qual se
inseria Chica da Silva. Destaca-se, nesse sentido, a abordagem de
Rubim Aquino ao informar sobre o cotidiano da ex -escrava.
Ch ic a, q ua n do i a à i grej a c ob er ta d e tec i dos d e s ed a
im por ta d a e d e j o ia s de o ur o e d e d i am ant es , f a zi a - s e
ac om pa n h ar d e um a c om it i va d e 12 m ul at as s un tu os am ent e
v es t i das . T an to lu x o e os te n taç ã o d e v iam pro voc ar o ód i o d a s
f am íli as
br anc as ,
prof u n dam en t e
rac is tas ,
c uj o
des c o nt e nt am ent o s e tor n a va m ai or por q ue à Ch ic a d a S il v a
530
es t a v a r es e r va d o o l u gar m ais im port a nt e d a i grej a .
Ao narrar a ida da ex-escrava à Igreja, Aquino parece se basear
na canônica sequência fílmica em que a atriz Zezé Motta interpreta
Xica em seu passeio pelas ruas do arraial para ostentar a carta de
alforria. Todavia, logo em seguida, o autor afirma justamente
o
contrário da continuidade da cena dirigida por Cacá Diegues, que é o
veto à entrada de Xica à igreja, permitida não s omente aos livres, mas
livres brancos. Em todo o caso, ao especular a presença da negra na
igreja, o autor reitera a ideia de conflitos entre Chica e a elite branca
tejucana, desenvolvida no filme. Como se percebe, a acusação de que
o filme de gênero histórico – e mesmo a televisão, como o fez Mário
Schmidt 531 – promove equívocos históricos, é também extensiva a
professores redatores de materiais didáticos para o ensino escolar .
529
MO T A, C ar l os G u i l her m e; LO P EZ , A dr i an a . H is t ór i a e c iv i li za ç ã o : o Br as il
Co l on i a l. Sã o P a u lo : Á tic a , 19 9 5, p . 10 8.
530
AQ U INO , R ub im ; et .a l . Fa ze n d o a h is t ór i a : a s s oc i ed a d es am eric a nas e a E ur op a
na ép oc a m od er na . 3. ed . S ã o P au l o: E di t ora d o L i vr o T éc n ic o , 1 99 1, p . 10 2.
531
S CH M IDT , M ár io F . N ov a his t ór ia c rí t ic a d o Br as il . S P : No v a G er a ç ão , 1 99 4 .
31 3
Neste cená rio, marcado por esse tipo de abordagem, destaca -se
o livro Viver a História , de Cláudio Vicentino 532. O autor aproveitou o
sucesso da adaptação da história para o formato de telenovela, exibida
pela Rede Manchete entre 1996/97, para iniciar o tema da colonização
em Minas e da exploração do ouro. O capítulo é aberto com a
reprodução de uma reportagem 533, na qual a historiadora Júnia Furtado
crítica a sexualização da protagonista e a narrativa sem cuidados
cenográficos. Por meio da matéria jornalística, o autor traz informações
relevantes para o estudo de gênero na colônia, onde a desproporção
homem-mulher configurava ampla prevalência masculina (74%), o que
favorecia
relações inter-raciais.
Como contraponto às críticas da
historiadora, o repórter também ouviu o diretor da novela que, para se
justificar, recorria à liberdade ficcional e a não intencionalidade em
fazer história (figura 13 a e 13 b). A reportagem-lição é ilustrada com
imagens da novela, de Diamantina e do filme de Cacá Diegues –
indicado no final do capítulo. O questionário que segue o texto propõe
reflexões a respeito da ideia de história e sua dimensão de verdade .
Entendendo que a escrita históri ca transita na fronteira do quase
ficcional/quase realidade, conforme a discussão de Paul Ricouer 534,
ressalta-se que não se deve esperar do livro didático d essa disciplina a
verdade histórica , como se costuma , às vezes, exigir do filme de
gênero histórico. Todavia, é certo que, pelo objetivo de um livro
escolar, o historiador não
usufrui da licença poética na mesma
intensidade que um cineasta. Nesse sentido, o desejável é que o livro
estimule a reflexão sobre o tema, por meio da problematização das
fontes.
532
533
534
V IC E NT INO , C lá u d io . V iv er a H is tór i a ( 6ª s ér ie) . S ã o P au l o: Sc ip i on e , 20 0 2.
C A ST RO , C e ls o . Fo l h a d e S ão Pa u l o, 1 d e z . 19 9 6, p . 7.
RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it .
31 4
Fi gu r as 1 3 a e 13 b – Ch ic a d a S i l va : e ntr e a f ic ç ã o à h is tór i a
Fo nt e – VI C ENT INO , Cl áu d i o. Viv er a H is tór i a ( 6ªs ér i e ) . Sã o P au l o: Sc ip i o ne ,
20 0 2, p . 28 4 - 5.
Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P
31 5
A discussão referente à objetividade histórica continua presente
nos materia is didáticos. O diálogo estabelecido entre alguns autores e
as fontes que ajudaram a construir as representações de Chica da Silva
sinaliza para a problematização das interpretações históricas. Recorrer
à historiografia para esclarecer temas históricos – como a estrutura
administrativa colonial, o papel da mulher na sociedade setecentista e
questões ligadas à escravidão e à liberdade – também foi um a
ocorrência
constatada
no
material
pesquisado
e
que
reforça
a
tendência para o ensino de uma história problem atizadora.
Diferentemente da inserção das fontes nos livros didáticos ,
difundida após a LDBEN de 1996, as menções à historiografia são
constatadas desde 1985. Observa -se, ainda, que essa incidência se faz
maior nos livros de ensino médio, para o 2º período de análise.
Situação que se inverte no 3º período analisado, quando predominam
as publicações para o ensino básico. Conjecturam-se duas explicações
para esse cenário. A primeira é uma possível concepção de que
leituras de maior complexidade , comumente atribuída aos trabalhos
acadêmicos, eram mais adequadas aos alunos do ensino de 2º grau. A
segunda hipótese indica a possível aproximação entre a produção
historiográfica e a educação histórica , estabelecendo um ensino que
problematize conceitos e o processo histórico também nas faixas
etárias mais novas. Observa -se que a segunda hipótese não invalida a
primeira, mas assinala um movimento de renovações no campo da
metodologia do ensino , expressos na documentação reguladora para a
educação após 1996.
Em ambos os períodos, tanto Chica da Silva , quanto Chico Rei
funcionam como elementos estimuladores para a reflexão estabelecida
com a historiografia, destacando -se alguns temas recorrentes. Por
exemplo, a problematização das fontes literárias e cinematográficas
para a representação de Chica da Silva cujo comportamento sexual
seria anacrônico à sociedade setecentista 535. Ou o questionamento da
535
Des t ac a - s e a c o ntr ap os iç ão e ntr e as M em ór i as do D is tr i t o Di a ma n t in o e a
pos iç ã o de J ún i a Fur ta d o; c f .: MO C E LL IN , R en at o ; C AM AR G O , R os ia n e.
P as s a p or t e par a a H i s tór i a ( v ol um e 3) . R i o d e J an e ir o: E d it ora do Br as i l, 20 0 4,
p. 1 59 . A l ém do c as o a na l is ad o em A Q U INO , et .a l . V iv er a H is t ór i a . .. o p.c i t.
31 6
alforria
como tática
considerando
o
luta pela
aquilombamento
livre 536.
realmente
de
As
relações
a
liberdade,
única
com
maneira
administrativas
alguns autores
de
se
coloniais
tornar
também
favorecem que se recorra a linhas interpretativas historiográficas, como
as leituras de Caio Prado Júnior ou Laura de Mello e Souza 537.
Um
exemplo
emblemático
da
preocupação
com
a
pesquisa
historiográfica para orientar o ofício docente foi encontrado no livro
História da sociedade brasileira (2º grau) 538, enquadrado no 1º período
de análise. Na seção guia do professor
leem-se as diretrizes da obra
(figura 14).
Fi gu ra 1 4 – M a nu a l d o pr of es s o r: C hic o
Re i c om o tem a p ara r e f lex ão
Fo nt e – AL E NC A R, Franc is c o; et .a l .
His t óri a d a s oc i ed a de b ras i l ei ra (2 º
gra u) . 3. e d. 1 9 85 , p .2 0.
Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P
536
S ob res s a i a le i tur a d o qu i l om bo, g era lm en t e r ec orr e n do a o ex em p lo d e Z um bi ,
c om o m ane ir a p ar a s e c o nq u is t ar a l i b erd a d e; P I L ET T I, N els o n. H is t ór i a do Bras i l :
da P ré- h is t ór i a do Br as il a os d ias a tu a is . 1 7. ed . S ão P a u lo : Á tic a , 1 9 94 , p. 6 6;
FA RI A , R ic ar d o de M our a ; e t. a l. H is t ór ia : 2 º gr a u. 2. e d. B e lo H or i zo n te : L ê , 1 9 95 ,
p. 1 11 ; p. 1 82 ; M A CE DO , J os é R i v air . Br a s i l: um a h is t ór i a em c o ns tr uç ão . S ã o
P au l o: Ed i to r a d o B r as i l, 1 9 96 .
537
A i nt er pr e taç ã o de u m a r el aç ão c o lo n i a l s eg u nd o os m ol d es d o pac t o - c o l o ni a l é
der i v a da d e c l ás s ic os c om o C a io P ra d o J un i or ou C e ls o F urt a do , qu e c h eg am a te r
trec h os d e s e us l i vr os c it a d os em a lg u ns ex em pl ares ; P or ou tr o la do , a m ed id a em
qu e r en o v aç õ es h is t o r i ogr áf ic as eram pu b l ic ad as , p erc e b e - s e s ua i nc o rp or aç ã o ,
c om o r ef er ê nc i as à L a ur a de Me l l o e So u za ( O p ul ê nc ia e m is éri a d as Mi nas G era is )
ou à K át i a Ma tt os o ( S er es c r av o n o Bras i l c o lo n ia l ) , m ais d ir ec io n ad a a o t em a d a
es c ra v i d ão ;
MO T A,
Car los
G u i lh erm e;
L O PE Z,
Ad ri a n a.
H is tór i a
e
c iv i li za ç ão .. . op .c it . , p . 10 8 .
538
A pr im e ir a e diç ã o f o i pu b l ic a d a em 19 7 9; A L EN C AR , Fra nc is c o; e t. a l. H is tór i a da
s oc ie d ad e br as i le ir a ( 2º gr a u) . 3. e d. 1 9 85 , p .2 0; 59 .
31 7
A crítica à condição de colônia e a permanência do racismo como
herança do escravismo orientam o professor. Os argumentos são
reforçados por indicações de leitura para aprofundamento do tema:
Charles Boxer e a coleção História Geral da Civilização Brasileira,
organizada por S érgio Buarque de Holanda 539. Na parte voltada ao
aluno, destaca -se a opressão ao trabalho escravo e a resistência .
A pr es e nç a n eg ra n a c i vi l i za ç ã o qu e n as c ia n as G e ra is
ap ar ec e em tip os le n d ár ios c om o Ch ic a d a S i l va , a “ Ch ic a q u e
Ma n da ” , e Ch ic o Re i , o ne gr o l ib er to q ue c om pra v a c a rt as de
a lf or r ia p ar a s e us ir m ãos de c or . M as s e gre g aç ão c o nt i nu a:
540
s ur g em i gr ej as e irm and a des r e li g i os as s ó p ara pre t os .
A referência a C hico Rei e Chica da Silva visava estimular a
discussão sobre escravidão e liberdade, usando os exemplos de vida
dos ex-escravos – alguns livros trabalham o rei negro de Minas sem
destacar seu aspecto lendário 541 – como alternativa ao conflito da fuga .
Assim como foi feito para Chica da Silva, uma categorização relativa às
referências mais comuns a C hico Rei está sistematizad a na tabela 3
Tabela 3 - Categorias temáticas referentes a Chico Rei
nos livros didáticos (1978 -2006)
Período/tema
Filme
Chico Rei
-
Fontes
sobre
Chico Rei
-
Diálogo
com a
historiografia
-
1º ) 78/85
Básico
1º ) 78/85
Médio
2º ) 86/96
Básico
2º) 86-96
Médio
3º) 97-06
Básico
3º) 97-06
Médio
Total
-
1
1
2
-
1
-
-
4
4
-
4
1
-
-
7
1
10
Ac er vo - L I VR E S – F E /U S P.
539
Cf .: HO L AN DA , S ér g i o Bu ar q ue d e. ( O rg .) His t óri a g era l d a c iv il i za ç ã o .. . o p .c i t. ;
BO X ER , Ch ar l es R . A i da d e de o ur o do Br as i l. 3. e d. R i o d e J an e ir o: No v a
Fro nt e ira , 2 0 00 .
540
A L E NC AR , Fr a nc is c o; e t. a l. H is tór i a d a s oc i ed a de .. . o p.c i t. , p. 5 9.
541
CO T RI M , G i lb er to . H is t ór ia e c ons c i ênc i a d o Br as i l : d a c on q u is t a à
i nd e pe n dê nc i a. 1 3. e d. S ã o P a ul o : S ara i v a, 1 99 7 , p. 1 20 .
31 8
Comparada a Chica da Silva, a menor incidência de referências a
Chico Rei nos livros didáticos não parece se r explicada pela década
que separa o lançamento entre o s filmes de Cacá Diegues (1976) e de
W alter Lima Junior (1985), pois as menções à ex-escrava no 1º período
são mínimas, assim como sua relação com as fontes e a historiografia.
O aspecto pitoresco que envolve o polêmico romance de Chica da Silva
e o sucesso – não menos polêmico – do filme de Cacá Diegues,
somado à peculiaridade da administração da região diamantina, é que
parecem explicar a maior presença da ex -escrava do Tejuco no ensino
escolar. O 2º período parece confirmar o exotismo e polêmica como
fatores para a maior inserção de Chica da Silva nas aulas de história,
conforme sugere o aumento de referências inscrit as no parâmetro
analítico sobre sua vida e romance com o contratador.
Ainda no 2º período, quando se analisa a categoria historiografia,
chega-se a um índice percentual muito próximo: Chico Rei atinge 50%
e Chica da Silva tem 54.5%. Ressalva -se que, nesse parâmetro, três
livros abordam ambos os personagens. Ocorre que o líder negro só foi
referenciado
nas
categoria s historiografia,
filmes e
fontes ( nesta
categoria , uma única vez, no 1º período). Pode-se, assim, dizer que os
autores
recorrem
ao
exemplo
discussão
a
respeito
da
suscetível
a
polêmicas,
de
Chico
escravidão,
como
as
Rei
para
quilombo
decorrentes
e
dos
fomentar
alforria
uma
menos
excessos
das
representações de Chica da Silva – identificáveis nas fontes literárias,
mas potencializada s após a exibição do filme e da novela .
Ambos os personagens negros continuam a ser abordados no
conteúdo referente à colonização. A alforria negociada permanece
sendo contestada por alguns autores, como no livro História: passado e
presente 542. Na página em que as autoras trabalham a violência
inerente à escravidão, utilizando documentação iconográfica (Debret) e
um
excerto
de
lei
setecentista
para
reforçar
seus
argumentos,
apresenta-se um box com a lenda de Chico Rei. Embora não citem o
filme de W alter Lima Júnior, a narrativa textual é bastante imagética ao
542
C AR MO , So n ia Ir en e S il v a d o; CO UT O , E l ia n e Fr os s ard . Hi s tór i a pas s a d o
pres e nt e: Br as il c ol ô n i a ( 1 º gr au) . 2 .e d. S ão P au l o: At u al , 1 99 7 .
31 9
recuperar os elementos que explicam o processo de liberdade obtida
pelo líder negro e como ele procedeu para libertar os demais . Contudo,
discordando da produção historiográfica que demonstrava novos dados
e análises para estudos sobre o escravismo, as autoras negam a
alforria na capitania de Minas, especialmente , entre os homens.
A h is t ór i a de C h ic o R e i le v o u a lg u ns h is t or i ad or es a ac r ed i ta r
qu e er a c om um a a lf orr ia ( is t o é, a l ib er t aç ã o) d e es c r a vos
nas m in as . M as is s o , de f a to , n ã o ac on t e c eu . A a lf orr i a f o i
m ais f r eq ue n te par a as m ulh er es e da v a - s e p or m ei o d as
l ig aç ões c om h om ens l i vres e br anc os . Is s o ex p l ic a o
c ons i d er á v e l n úm ero d e m ul at os n a r e gi ã o. J á a q ua n ti d ad e de
ne gr os e par d os l i b e rtos s ó a um ent o u q u an d o a at i v id a de
543
m iner ad or a e ntr o u em dec a dê nc i a, n o f im do s éc u l o X V II I .
A produção de materiais didátic os em fins da década de 1990
absorveu a discussão em torno de novos parâmetros organizacionais
da política educacional , que culminou com a lei de diretrizes e bases .
Os PCN’s para as disciplinas influenciaram a organização de conteúdos
e
permitiram
reflexões
por
renovações
metodológicas
do
ensino,
incluindo a incorporação de recursos audiovisuais . Na área da história,
soma-se à onda renovadora das pesquisas históricas a publicação de
resultados de novos trabalhos com fontes e arquivos pouco estudados,
realizados a partir de problematizações originais feitas pelas novas
gerações de pesquisadores .
Revelando esse impacto, constata -se expressivo aumento de
referências aos filmes Xica da Silva e Chico Rei a partir de 1996 .
Inclusive, as menções nos livros didáticos a ambos os filmes estão
concentradas nesse recorte temporal : 83.2% e 71.4%, respectivamente.
A estrutura de alguns livros passou a reservar uma atenção ao
filme como sugestão e referência de discussão, sendo que algumas
publicações desenvolve ram ícones apropriados como se demarcassem
uma sessão de indicações. Comum também se tornou a sugestão de
bibliografia complementar. Contudo, às vezes, sugeriam-se títulos
historiográficos cujo teor é mais complexo, considerando-se a faixa
etária para quem se destina o livro.
543
C AR MO , S o ni a Ir e ne S i l va d o ; CO UT O , El i a ne Fr os s ard . H is t ór ia .. . o p.c i t. , p. 1 74 .
32 0
Como exemplo da confusão decorrente da pressão por produzir
um livro atualizado , que incorpore metodologicamente novas fontes e
favoreça a construção do pensamento crítico , cita-se Brasil: uma
história em construção 544, voltado para o ensino básico. Na t emática do
escravismo,
recomenda -se
leitura
de
autores
como
Eugene
Genovese 545; Clóvis Moura 546; Thomas Skidmore 547. Os filmes indicados
na sessão parecem adequados: Chico Rei, Quilombo e Ganga Zumba
(os dois últimos
dirigidos por Cacá Diegues, em
1984 e 1964,
respectivamente) , sendo essas referências fílmicas mais conhecidas
para a temática. Contudo, quando se discute o papel da mulher na
história, pairam dúvidas a respeito d a filmografia sugerida : Xica da
Silva;
Mulher
Índia
(dir.
Eliane
Bandeira,
1985);
A
cor
púrpura
(dir.Steven Spilberg, 1985) ; Inocência (dir.W alter Lima Jr., 1983) 548.
Os autores citados são comuns como leitura formativa
nas
graduações em história, mas há de se questionar sua adequação para
alunos do ensino básico. Quanto aos filmes , duas observações: os
títulos
ligados
à
temática
da
mulher
são
densos,
indo
do
viés
sensualizado e carnavalizado de Xica da Silva ao extremo da violência
e submissão feminina denunciadas em A cor púrpura.
A segunda observação diz respeito a o problema de a indicação
não ter uma sinopse esclarece dora. Recomendar um filme com objetivo
educativo requer um plano de trabalho que oriente o aluno a atingir a
finalidade daquela atividade 549. Acredita-se que o bom plano se inicia
com informações claras do que será exibido, o que implica uma sinopse
mais completa do que aquela comercial que acompanha as cópias dos
filmes. Trata-se de um cuidado primário do autor e da editora . Contudo,
544
M A C EDO , J os é Ri v a ir . Br as il .. . op .c it .
G ENO V E S E, E ug e ne D. D a r e be l i ão a r ev ol uç ã o . S ão Pa u l o: G lo b a l, 1 9 83 .
546
MO UR A , C ló v is . As i n jus t iç as d e C l io : o n egr o n a h is t or i og raf ia bras i l e ira . B e l o
Hor i zo n t e: O f ic i na de L i vr os , 1 99 0 .
547
SK ID MO R E, T hom as E. Pr e to n o br a nc o : raç a e n ac i o na l i da d e no pe ns am ent o
bras i l e ir o . R i o d e J a n e ir o : P a z e T erra , 1 97 6.
548
M AC E DO , J os é R i v a ir . B R A SI L: um a h is tór i a . .. o p.c i t. , p . 10 2 ; 1 27 . P ar a os
f ilm es ; c f .: MU L H ER Í ND IA . B AN D EI RA E l i a ne . M o nt e ví d eo . 1 9 8 5, 35 m in .; A CO R
PÚ R PU R A. S PI L B ER G St e v en . W arner Br os . 1 9 8 5, 1 5 4 m in. ; I NO C Ê NC I A. L I M A
J ÚN IO R , W alter . Em br af i lm e. 1 98 3 , 11 8 m in.
549
P ar a r ef l ex ões r el a ti v as a o tr ab a lh o c o m o f i lm e em s a l a d e a ul a ; c f . :
NA P O L IT AN O , M ar c os . C o m o us a r. .. o p.c i t.
545
32 1
apesar de ser facilmente evitada essa superficialidade , permanece
recorrente esse deslize, como exemplifica o livro Navegando pela
História 550. No final do capítulo, são sugeridos alguns livros sobre
Minas colonial e indica ambos os filmes. Contudo, apesar do cuidado
em reproduzir as respectivas capas das fitas de VHS dos filmes, sequer
apresenta as sinopses, citando apenas seus títulos (figura 15).
Fi gu ra 1 5 – Su g es t õ es d e f i lm es c om o s eç ã o d i dá t ic a
Fo nt e – P AN A ZZO , S i l vi a ; V A Z, Mar i a L uís a. Nav e ga n do p el a h is t ór i a (7 ª
s ér ie) . S ã o P au l o: Q u i nt et o E d it or i a l, 2 0 05 , p. 8 0.
Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P
Por todo o exposto, Xica da Silva e Chico Rei, após décadas de
seus lançamentos,
se revelam presentes no universo escolar.
É
conhecida a crítica que os filmes de gênero históricos receb em pela
liberdade poética e pelos possíveis equívocos históricos decorrentes de
suas representações. O peso dessa crítica é assaz acentuado quando
pensado seu uso na educação formal. Ainda assim, as resistências
foram sendo superadas , e a produção editoria l e os professores de
550
P AN AZ ZO , S i l v ia ; V AZ , M ar i a L uís a. Nav eg a nd o pe l a h is tór i a (7ª s é ri e) . S ã o
P au l o: Q ui n te t o E di t or i al , 2 00 5 , p. 8 0.
32 2
história, cada vez mais, consideram a pertinência do uso metodológico
do filme na escola. Mais uma vez, destaca -se o papel articulador do
filme para a circularidade do conhecimento histórico, já que retoma , em
sua produção, narrativas e saberes sobre o tema e elabora uma nova
narrativa que estimula o debate e o aprendizado, tanto n o âmbito
escolar, quanto fora dele.
Seguindo a indicação dos PCN’s para a disciplina, que procura
vislumbrar possibilidades para se atingir as diretrizes da
Lei n.
9.394/96, o filme adquiriu novo espaço na metodologia de ensino.
Nesse
contexto
de
novas normatizações para
a
educação
e
da
presença cada vez maior das tecnologias nas salas de aula, uma série
de publicações foram lançadas pelas editoras, já que o cinema
[.. .] a pes ar d e s er u m a arte c e n te n ár ia e m uit as v e zes ao
l on g o da h is t ór i a ter s i do p e ns a d o c om o l i n gu a gem e duc a ti v a ,
o c i n em a ai nd a t em al gu ns pr o b lem as p ara ent rar na es c o l a.
Nã o a pe n as n a c h am ada “ es c o l a tr ad ic i on a l” (o qu e s er i a m ais
c om pr e ens í ve l , d a da a ri g i de z m eto d o ló g ic a q ue d if ic ul t a o
us o de f i lm es c om o part e d a d i dá t ic a d as a u las ) , m as tam bém
de n tr o d a es c o l a r e n o va d a, g en er a l i za d a a par t ir dos a nos
19 7 0, o c i n em a n ão t em s id o ut i l i za d o c om a f re q uê nc i a e o
enf oq u e d es ej á v e is . A m ai or i a d as ex p er i ênc i as r el a ta d as
a in d a s e pr e nd e ao c o nt e úd o das h is t ór i as , às f a bu l as em s i, e
nã o d is c ut e o u tros as pec t os q ue c om pree n dem a ex p er i ênc i a
551
do c in em a .
A partir de uma observação mais à superfície, vislumbram -se
entre
os títulos
publicados duas p reocupações predominantes.
A
primeira se volta à análise de filmes que possam auxiliar o professor .
Nesse
caso,
sobressaem
compilações
de
artigos
organizados ,
frequentemente, em torno de uma temática 552. Apesar de alguns desses
títulos realizarem análises ma is verticalizadas, predomina m nesse tipo
de trabalho abordagens mais curtas, de apresentação do filme, devido
à própria característica da publicação e o espaço disponível para
redação.
551
N A PO LIT A NO , Ma r c o s . Co m o us a r. .. o p.c i t. p .7 .
De ntr e o ut r os ; c f .: B ER N AR D ET , J e an - C l au d e; R A MO S , A lc i de s F. C in em a e
His t óri a d o B r as i l. S ã o Pa u lo : C o nt ex to , 1 9 94 ; F E RR EI R A, J or g e; SO A RE S , Mar i za
de C. ( or gs .) A his t ó r i a v a i a o c i n em a : v i nt e f i lm es bras i l ei ro c om ent a dos por
h is t or ia d or es . R io d e J an e ir o: R ec or d , 2 0 01 ; T EIX E IR A , I n ês As s unç ã o de C as tr o;
LO P E S, J os é de S o u s a Mi g u el . (O r gs ) . A es c o l a v a i ao c i n em a . Be l o Hor i zo n t e:
A ut ên t ic a , 2 0 03 .
552
32 3
A outra linha editorial procura analisar o uso educativo do
cinema. Ou seja, está mais voltada para a prática da ação docente.
Ainda que sugestões de procedimentos metodológicos predominem, os
autores costumam encontrar espaço para desenvolver reflexivamente a
relação entre cinema, história e educação 553.
Contudo, tal reflex ão não se iniciou somente a partir dos PCN’s,
pois os profissionais da educação já estavam atentos ao processo de
inserção do audiovisual, sobremaneira do filme, na educação escolar.
Pode-se, inclusive, considerar a redação dos Parâmetros Curriculares
um reflexo desse posicionamento reflexivo e empírico.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio da
Fundação de Desenvolvimento Escolar (FDE), por exemplo, implantou
um projeto para estimular e capacitar os docentes a usar o filme em
suas atividades profissionais. Além da videoteca, que disponibilizava
títulos
fílmicos
ao
docente,
havia
a
publicação
de
uma
série
denominada Apontamentos
[.. .] q u e, em l in h as g era is , p o d e s er def in i d a c om o um
c onj u nt o d e l i vre tos f eit os c om o obj e ti v o de s ubs i d i ar
pr of es s or es d e e ns i n o f u nd am en ta l e m éd io a us a r o br as
au d i o vis u a is n ão - d i dá t ic as na es c o l a, em dif ere n tes c on tex t os ,
e t am bém a c om pre en d er m el h or a art e e a l i ng u ag em
554
c i nem at o gráf ic a .
A
proposta
incluía
elaborar
um
texto
analítico
sobre
um
determinado filme para orientar sua exibição. O material era dividido
em duas partes precedidas da ficha técnica: a primeira voltada para
questões formais relacionadas à produção, estética e contextualização
da obra e do diretor na cinematografia. A segunda se a pegava às
análises
relativas
do
conteúdo
fílmico
e
suas
possibilidades
interpretativas para o objeto curricular. A redação ficava a cargo de
553
De ntr e ou tr os ; Cf . : T E IX E IR A , Fr anc is c o El i na l do . (O r g). Doc um e nt ár io n o Bras i l:
tra d iç ã o e tr ans f or m aç ão . Sã o Pa u l o: S um m us , 20 0 4; MO RET T IN, E du ar do V ic tór i o.
S A LI B A, E l i as T hom é. ( et .a l) . ( O r gs ). H is t ór i a e C in e ma .. . op .c it ; D UA RT E , R os á l i a.
Ci n em a e E d uc aç ã o . 3 .e d. Be l o Hor i z o n t e: A ut ê nt ic a, 2 00 9 ; N A PO LIT A NO , Marc os .
Co m o us ar . .. op .c it .
554
SI L V A, A n a Cr is ti n a V en â nc i o da . U m a v i de ot ec a p ar a a e d uc aç ã o : o pr oj e to
Ce d uc - ví d eo , a vi d eo t ec a p ed a g óg ic a e as pu b l ic aç õ es s obr e c i n em a e ed uc aç ã o
pro d u zi d as na Fu n daç ão p ar a o Des e n vo l v i m ento d a Ed uc aç ã o - FD E e nt re 1 98 8 e
19 9 7. 2 0 0 9. D is s er t a ç ão ( Mes tr ad o em E duc aç ão ) – Fac u ld a d e d e E duc aç ã o
FE /U S P , Un i v er s id a de d e S ã o P au l o, p. 22 0 .
32 4
dois profissionais: um ligado à área do conteúdo disciplinar, outro mais
afeito ao campo audiovisual. Ao todo, entre 19 90 e 1996, foram
publicados 459 livretos 555.
Por abordarem relevantes temas para a História do Brasil,
destacando-se
a
escravidão
e
as
relações
coloniais
inerentes à
sociedade mineradora, era de se esperar que os filmes Xica da Silva e
Chico Rei recebessem atenção nesse cenário, tendo sido objetos de
análise nos fascículos 122 556 e 208 557, respectivamente. Em ambos, a
responsabilidade pelo conteúdo e reflexões históricas ficou a cargo do
historiador Antônio Penalves Rocha. A abordagem contextualizava
historicamente a trama com informações para além da narrativa fílmica.
Apesar
de
enfatizar
o
conteúdo
histórico,
percebe -se
a
permanência das polêmicas em torno de Xica da Silva, ao ponto de ser
republicado no material um artigo crítico que havia saído no jornal o
Movimento 558, em 1976. Chico Rei, por sua vez, tem no quilombo o
mote reflexivo, inclusive, na seção Afinidades (que indica obras para
dialogar com a temática), são sugeridos os filmes Ganga Zumba e
Quilombo, ambos de Cacá Diegues, e o anexo publica um artigo sobre
quilombos, de Clóvis Moura. No material destaca -se, ainda, o papel da
Igreja nas relações escravocratas, abordado a partir da adesão de
Chico Rei à irmandade e da ajuda do padre espanhol aos negros.
A FDE/SP desenvolveu, também, uma revista voltada para o
cinema, intitulada Quadro a Quadro. Contudo, apenas uma edição foi
publicada,
Júnior
contando
com
uma
entrevista
do
diretor
W alter
Lima
559
. No mesmo período (1990 -1996), foi lançada a revista Lições
com Cinema, que enfatizava a prática docente interm ediada pelo filme.
555
P ara o m ap a d os p r of is s i on a is q u e a tu ar am na e l a bor aç ão d o m ateri a l e os
tít u l os f ílm ic os p el os qu a is s e r es p o ns ab i l i z aram ; S I LV A , A n a Cr is ti n a V e nâ nc i o d a.
Um a v i d eo t ec a .. . o p .c i t ., p .3 1 4- 3 2 1.
556
RO C H A, A nt ôn i o P en a l ves ; PI CC HI A RI NI , Ric ar d o. A po nt a m en to s : X ic a da S i lv a
(v .1 2 2). Sã o P a u lo : F DE , 1 99 2 .
557
RO C H A, A n tô n io P e n a l ves ; G O NÇ A L V E S, A nt ôn i o Car l os . Ap o nt am e nt os : C h ic o
Re i ( v. 20 8) . S ã o P au l o : F D E, 1 9 92 .
558
RO NC A RI , Lu is ; M A AR , W . Leo. O no v o s am ba de X ic a d a S i l va . O Mo v i m e nt o,
27 s et . 19 7 6, p . 17 .
559
L IM A J Ú NI O R , W alter . C o n v ers a n do s obr e c i nem a. .. o p.c i t.
32 5
Novamente, o diretor de Chico Rei colaborou com um depoimento para
o projeto 560.
Destaca-se que a ação da FDE/SP em proporcionar subsídios aos
professores para poderem usar o filme no processo educativo termina
por qualificar o exercício profissional, potencializando a divulgação e
reflexões históricas a partir do filme de gênero histórico , no caso, os
trabalhos
dirigidos
por
Cacá
Diegues
e
W alter
Lima
Júnior.
A
disponibilidade d este diretor em participar das publicações do projeto
da FDE/SP reafirma sua compreensão e reconhecimento da importância
do cinema para a educação escolar e não -escolar. Na mesma direção,
percebe-se, por parte da FDE/SP, o reconhecimento a relevância do
trabalho de W alter Lima Júnior para a área educativa.
4.2.2. Problematizando com Xica da Silva e Chico Rei
Concomitantemente
ao
cuidado
estatal
com
a
capacitação
docente, a abertura do mercado editorial p ara publicações voltadas
para livros de análise fílmica e questões metodológicas inerentes à
relação cinema e educaçã o, percebe-se o estabelecimento de debates
estimulados pelas representações decorrentes de Xica da Silva e Chico
Rei. À medida que os filmes se consolidaram como importantes
exemplos da filmografia nacional, especialmente pelo viés do gênero
histórico,
mostras
temáticas
passaram
a
inserir
os
filmes
como
motivadores do debate público , atingindo também produç ões no espaço
universitário.
Em relação aos festivais, a mostra cinematográfica tende a
favorecer
a
educação
do
conhecimento
histórico
pelo
filme.
Dependendo de como é organizada, pode-se estabelecer uma temática
que viabilize o diálogo entre filmes, cineastas, pesquisadores e público.
Em 1985, por exemplo, a Embrafilme e a Universidade de Brasília
(UnB)
560
promoveram
na
capital
federal
o
seminário
Perspectivas
Ao t o do , f or am pu b lic a dos 43 t ex tos e m s eis n ú m eros a v u ls os e q ua tr o
c o le tâ n eas . O d e p oim en t o d e W alter L im a J ún i or oc orr e u n a 4ª c o le tâ n ea , la nç ad a
c om um a ti r a g em de 1 .0 0 0 e x em pl ar es , em 19 9 6; S I L VA , A na Cr is ti n a V en â nc i o d a.
Um a v i d eo t ec a p ar a a ed uc aç ã o .. . o p.c i t. , p. 2 35- 2 5 0.
32 6
Estéticas do Cinema Brasileiro , tendo por objetivo abri r discussões das
quais
[.. .] pu d es s em em erg ir pr o pos t as e m es m o c o nc lus õ es q ue
at e nd es s em às ex ig ê n c i as do m erc a do e s e m anti v es s em f ié is
às nos s as r aí ze s c u lt ura is . Es pec i a lm ent e nes s e m om ent o de
r ec o ns tr uç ã o d em oc rá tic a e d e bus c a da n os s a i d en t id a de , o
561
c i nem a br as i l e ir o po d e of er ec er c o ntr i b uiç ã o im por ta nt e .
A preocupação do evento, conforme indicado, era pensar os
rumos do fazer cinema no país na conjuntura de redemocratização e
avaliar as representações da produção cinematográfica sobre o Brasil.
O seminário ocorreu na última semana de setembro, estruturado em
quatro painéis 562. No último dia do evento , W alter Lima Júnior foi o
conferencista ao lado dos cineastas Geraldo Moraes, Denoy de Oliveira
e Geraldo Veloso . Na ocasião, Chico Rei ainda não havia estreado
comercialmente. Ainda assim , o diretor teceu a seguinte consideração
acerca do diálogo entre a produção cinematográfica brasileira e a
história, na qual se observa tanto a preocupação com a compreensão
do passado, como também o momento presente, da transição política
para a democracia .
Com o f ic a Ch ic o R e i ? [. .. ] E u nã o s e i c o m o es s e f ilm e f ic a
de n tr o do c on tex t o de m in ha p o ét ic a c i n em at o gráf ic a , p or qu e
nã o s ou c r í tic o de m im m es m o. Eu es p er o q u e e l e s e n d o
en tr eg u e às p es s o as , es tas p os s am f a zer es s as a na l og i as .
[.. .] Ac h o q ue o c i n e m a bras il e ir o aj ud o u a v er m ui ta c o is a
de n tr o do Bras i l . [. .. ] O c in em a aj u d ou a v er as n os s as
d if ic ul d ad es e as no s s as inf an t il i d ad es p o lí tic as , m os tra n do
at é n as s u as f ra q ue z as e t o da es s a ex pe r i ênc i a vi v i d a e ntr e
563
nós .
A exibição televisiva de Chico Rei na data da abolição da
escravidão assinala a oportunidade para se discutir o tema por meio
das representações da sétima arte . De certo modo, isto vai ao encontro
da compreensão do diretor, exposta no seminário da Embrafilme
561
MO R A E S, M a lú . ( O r g ) . P er s pec t iv as Es té t i c as d o C i ne m a B ras i l e iro : s em i nár i o.
Br as í l i a: E d . Un i v . d e Br as í l i a, 1 9 86 .
562
O s dem a is p a i né is ti v er am c om o tem a e c onf ere nc is t as : d i a 2 7 de s et em bro d e
19 8 5: C i n em a Br as i l e ir o , os a n os 7 0 (Is m ail X a v i er, Ip oj uc a P on tes ); d i a 2 8:
P ers p ec ti v as Es té t ic a s d o C i n em a L at i no - Am eric a no ( Pas to r V ej a , J os é C ar los
A v el ar) ; d i a 2 9: P er s pec t i vas Es té t ic as do C in em a Br as i le ir o (Sí l v i o T en d ler ,
W erner Sc hu n em ann , In im á S im ões ) ; MO R A E S , M a lú . (O rg). P ers p ec tiv as
Es t é tic as .. . op .c it .
563
LI M A J ÚN IO R, W a lter a p ud MO R A E S , M a lú . (O rg ). Pe rs p ec t iv as Es t ét ic as . ..
op .c it . p. 1 77 .
32 7
(Brasília, 1985), de que o filme de gênero histórico contribui para a
construção de imaginários sociais de um país . Nesse sentido, o Museu
da Imagem e do Som de São Paulo (MIS) promoveu, na se gunda
quinzena de agosto de 1988, o evento O cinema e a escravidão: um
ciclo de filmes e debates . As atividades contavam com exibições e
debates sobre os filmes e suas permeabilidades com a temática do
escravismo e do negro brasileiro. Xica da Silva e Chico Rei foram
projetados nos dias 24 e 29, respectivamente. O debate f inal, cuja
mesa foi denominada A resistência política e cultural do negro , teve
como debatedores Kabengele Munanga 564 e Beatriz Nascimento 565.
Mostras
em
homenagem
aos
diretores
também
foram
realizadas 566, tornando-se oportunidades para se avaliar o impacto de
suas obras, incluindo Xica da Silva e Chico Rei, nas leituras sobre
aspectos sócio-históricos e cultura is do país. Na segunda quinzena de
novembro de 2000, o Centro Cultural Banco do Bras il/RJ promoveu a
retrospectiva Inocência e Delírio : o cinema de Walter Lima Júnior. Sua
filmografia foi exibida , incluindo reportagens especiais feitas para a
televisão
quando
trabalhava
no
Globo
Repórter 567.
O
diretor
compareceu à abertura, quando pode conversar com os presentes, e
ministrou uma oficina no decorrer da semana . O público pode assistir,
ainda, ao documentário: Walter.doc , dirigido por Beth Formaggini 568.
Textos analíticos sobre os filmes e o estilo cinematográfico do diretor
564
A ntr o pó l o go d e f or m aç ão , nas c i d o n o Co n g o e err a d ic a d o n o Br a s i l d es de 1 9 80 ,
K ab e ng e l e M u na n ga tem des e n vo l v i do d e s tac a dos es t u dos s o bre o n egr o na
s oc ie d ad e br as i le ir a; c f .: MU N ANG A , K a be ng e l e. R ed is c u ti n do a mes t iç a ge m n o
Br as il : I de n ti d a de N a c i on a l v ers us I d en t id ad e N e gra . Pe tr óp o l i s : V o ze s , 1 9 99 ;
MU N ANG A , K a be n g el e; G O M E S, Ni lm a L i no . (O r gs ). Pa ra en t en d er o ne gr o n o
Br as il de h o j e . Sã o P a u lo : G l o ba l , 20 0 7.
565
MU S EU da Im agem e d o S om . O c in e m a e a es c r av i d ã o: c i c l o d e f il m es e
de b at es ( 1 7 a 2 9 de ag os to) . R i o d e J a n e i ro: M I S, 1 98 8. R e gis t ra - s e q u e B ea tr i z
Nas c im en to é a au to r a d as dur as c rít ic as à X ic a d a S i lv a p u b l ic a d as n o j or n a l
O p in i ã o ( 1 5/ 10 / 19 7 6) e q ue c o n tr ib u iu par a ac irr ar as p ol êm ic as e m torn o d o f ilm e,
c u lm in an d o c om a r es pos t a do di re tor de n un c i an d o as p atr u lh as i d eo l ó gic as .
566
Sem in t enc i on ar r ec up er ar o am pl o c e n ár i o d e m os tras c uj os t em as po d em s e
re lac i o nar d ir et am ent e c om os d ire t ores o u aos s e us f i lm es , op to u - s e p or an a l is ar
um pan or am a m ais e s pec íf ic o, no c as o , a s gra nd es m os tras e m hom en ag em ao
d ire to res p or oc as i ão dos s eus 5 0 a n os de c arr eir a .
567
Pr o gr am a j or na l ís t i c o da R e de G lo b o d e T e l e vis ã o , c ar ac t erís t ic o por
rep or ta g ens es p ec i a is , ve ic u la d o s em a na lm en t e, ao q u al W alter L im a J ú n ior es te v e
v i nc u l ad o e nt r e 1 9 73 - 86 .
568
W ALT ER. DO C . FO R M AG G IN I, Be th .. . op .c it .
32 8
completaram a mais a mpla revisão da sua trajetória, compondo o
catálogo da mostra 569.
Quando celebrou 50 anos de carreira, em 2012, o diretor de Xica
da Silva foi homenageado com a mostra Cacá Diegues, cineasta do
Brasil 570. Na ocasião, além d a exibição de toda a filmografia, ocorreram
debates
temáticos,
cujas
mesas
foram
integradas
por
artistas,
pesquisadores e pelo próprio diretor. A mostra tornou -se um grande
evento, tendo percorrido várias cidades do país, somando -se às
homenagens também realizadas no exterior 571.
As mostras cinematográficas são, portanto, uma oportunidade na
qual a obra – ou parte dela – pode ser integrada a um debate mais
direcionado. Tais eventos permitem, ainda, que antigos espectadores
retomem contato com os trabalhos dos diretores, bem como favorecem
a renovação do seu público junto às novas gerações, especialmente,
porque esses filmes ainda não foram lançados em DVD. Sob essa
perspectiva, é estabelecido um ambiente propício para se desenvolver
a educação do olhar. E, quando são exibidos filmes de gênero
histórico , cria-se um cenário favorável para a ocorrência da educação
histórica. Nesse caso, a ponte temporal passado -presente tende a se
evidenciar com maior clareza, já que o título fílmico é atualizado em
sua abordagem sobre o passado, mas, ao mesmo tem po, traz questões
conjunturais do momento de sua produção que, talvez, não foram
perceptíveis à época do lançamento.
Outra maneira de comunicação estabelecida entre os cineastas e
o público ocorre pela manifestação via imprensa e publicações. Nesse
aspecto,
conforme
visto,
tanto W alter Lima
Júnior ,
quanto
Cacá
Diegues transitaram com desenvoltura pelas páginas dos jornais e
revistas,
569
o
que
contribuiu
para
aumentar
a
circulação
de
suas
Cf .: FO RM AG G I NI, B et h; M AT T O S, C ar lo s A lb er to . In oc ênc i a e d e lír i o: o c i n em a
de W alter L im a J r . T ex tos d e e o u tros . R io d e J a ne ir o: C C B B, 2 0 0 0.
570
P ar a v i nh e ta d o e ve n to , < ht tp :/ / www. yo u t ub e.c om / watc h? v = P S i wx zZs V 6 g >
Ac es s o em : 1 3 de z. 2 0 13 .
571
A m os tr a te v e c ur a do r i a de S i l vi a O r o z e Br en o L ir a G om es , s e n d o es t e t am bém
o c o ord e na d or g er a l . P ar a da d os s ob re os e v en t os r ea l i za d os ; c f . :
< ht tp :/ /b l g en tr et e nim e nt o.c om .br /c ac a di e gu e s /? p ag e _i d = 2 > e
< ht tp :/ / www . c ar l os d ie gu es .c om .br /d es ta q ue s _ in te gr a. as p? i d A = 12 7 > Ac es s os em :
13 de z. 2 01 3.
32 9
interpretações a respeito da história brasileira , representadas em seus
filmes.
Em
1988,
uma
compilação
de
artigos
assinados
por
Cacá
Diegues, publicados nos jornais durante as décadas de 1970/80 , foi
lançada em livro 572. Anos antes, o cineasta publicou , em 1984, Os
Filmes que não filmei 573, no formato de entrevista , concedida a Silvia
Oroz, que passou por cada um dos filmes até então realizados . Quinze
anos depois, um novo projeto bibliográfico reavivou as memórias do
diretor: O que é ser diretor de Cinema 574. O livro segu iu o mesmo
formato
de
entrevista
da
experiência
anterior.
De ssa
vez,
a
entrevistadora foi Maria Sílvia Camargo, que organizou a edição em
duas partes: a primeira, memorialística, na qual enfatiza a formação do
diretor; a segunda parte repassa o trabalho de direção sobre seus
filmes. Sobre Xica da Silva, ambos os livros reiteram informações
conhecidas por meio de outras entrevistas e depoimentos , muitas
concedidas à época do lançamento . Ainda assim , os capítulos permitem
aprofundamentos quanto à perspectiva histórica do filme , por exemplo,
em relação ao elogiado trab alho de cenografia , sob responsabilidade
de Luiz Carlos Ripper.
Nós tr a ba l h am os j unt o s no l e v an t am ent o [ v i s ua l ] d a é poc a em
qu e X ic a v i v e u, q ue f o i s éc u lo X V II I em M i nas G er a is . No q ue
a ge n te a pr of u nd o u m ais f o i o l e va n tam e nt o d a s oc ie d ad e
br a nc a, p or q ue d is s o ha v i a m u it a d oc um e nt aç ã o ic o no gr áf ic a.
A lém d os c l ás s ic os gra v a d os d e R u ge n d as e D ebr e t, nós
pes q u is am os m ui ta c o is a q u e v im os n a pr óp ri a D i am an ti n a, n o
S er r o e em B e lo H or i z on t e.
[.. .] Ac h o q ue “X ic a da Si l v a” é um dos m eus f i lm es m ais
f abr ic a d o, m ais pe ns a do , m ais d is c ut i d o e r es o l v i do n o s e nt i do
575
v is ua l .
W alter Lima Júnior não formatou em livro suas memórias. Foi,
porém, biografado em um denso estudo realizado por Carlos Alberto
Mattos, cujo livro abarca, desde a sua juventude , até o final da década
572
DI EG U E S, Car l os . C i ne m a b ras i l ei ro : id e i as e im a ge ns . P or to A le gr e: E d . d a
Un i v ers id a de U FRG S , 19 8 8.
573
DI EG U E S , C ar los ; O RO Z , S í l v ia . O s f i l mes q ue n ão fi l m e i. Ri o de J an e ir o :
Roc c o, 19 8 4.
574
DI EG U E S, C ar los ; C A M ARG O , M ar ia S í l v ia . O q ue é s er d ir et or d e c i ne m a : C ac á
Di e gu es . Ri o d e J a n ei r o: R ec or d , 2 00 4 .
575
DI E G U E S, C ar l os ; O R O Z, S í l vi a . O s f i l mes q ue .. . o p.c i t. , p. 1 18 ; p. 12 1 .
33 0
de 1990 576. Nas 432 páginas (que inclui f ilmografia e índice remissivo) o
leitor toma contato , não só com o homem e suas relações pessoais,
mas
também
produções,
com
por
características
exemplo,
o
cotidianas
tumultuado
que
processo
marcaram
de
suas
filmagem
e
conclusão de Chico Rei. Além do registro livresco, o cineasta teve
parte da sua trajetória documentada naquela que é sua especialidade e
escolha de vida: em vídeo – Walter.doc; concebido e montado a partir
de seus depoimentos.
Quando produzid os, os filmes Xica da Silva (1976) e Chico Rei
(1979-85) não tinham seus protagonistas como objetos de pesquisas de
natureza acadêmica. A exibição das películas foi acompanhada de
considerável cobertura via imprensa, contribuindo para a circulação do
conhecimento
histórico
que,
conforme
visto,
não
se
limitava
às
possíveis trajetórias dos ex -escravos, mas ampliava-se para os temas
do
escravismo
e
das
relações
políticas
e
sociais
na
América
Portuguesa. Tais temas passavam por renovações historiográficas
acentuadas a partir da década de 1980.
Os filmes em si, contudo, ainda não haviam sido incorporados
pelas pesquisas universitárias. Foi no espaço escolar que Xica da Silva
e Chico Rei se integraram no primeiro momento, estabelecendo a
circularidade
filme/histó ria/história
pública.
Trabalhos
históricos
e
educacionais aos poucos se abriram para o diálogo da quelas temáticas
considerando os filmes em questão.
Nesse cenário, a ex-escrava do Tejuco, cantada em verso e
prosa, no carnaval e no teatro, nas telonas e na telenovela, foi alvo de
intensa pesquisa no campo da história. A biografia realizada por Júnia
Furtado se concentra em Chica da Silva sem perder de vista as teias da
sociabilidade cotidiana corrente no século XVIII 577. A narrativa histórica
recupera a trajetória de Chica problematizando o papel da mulher
setecentista, questões da escravidão e da liberdade. A historiadora não
parte do filme de Cacá Diegues para desenvolver seu trabalho.
576
M AT T O S, C ar l os Al b e r to . W al te r L i m a J ú n i o r, v iv er c i n em a. R i o d e J an e ir o: Cas a
da Pa l a vr a, 2 0 02 .
577
FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... op .c it .
33 1
Todavia, não se furta a avaliá -lo. Sem demonstrar empatia pela
representa ção carnavalesca e estereotipada da protagonista, considera
a Xica de Diegues aceitável mediante as licenças poéticas da narrativa
cinematográfica,
reconhecendo,
inclusive,
sua
importância
para
a
divulgação da história.
O c in em a dem oc ra t i zo u o m ito e o t a m anho da t e l a f oi
pr o p or c io n a l às dim e ns õ es qu e e l e a lc a nç ou ta nt o no Br as il
c om o n o ex ter i or. [ .. .] O m ov im en t o do C i n em a N o vo do q u a l
Cac á D ie g u es pa rt ic i pa v a t in h a c om o i n ter es s es o p o vo
br as i l e ir o e s u a h is tór i a, m as rei v i n d ic a v a o d ir e it o d a
l ib er d ad e d e ex pr es s ã o pa ra c o nt á- l a. Par a es s e d ire t or, er a
im por ta nt e c om pre e nd er e r es g at ar a tra d iç ão af ro - am er ic a n a
na n os s a s oc ie d ad e c on t em porâ n ea e , b u s c an d o c o nc r et i za r
es s e obj et i v o, tr a ns f orm ou em p el íc u la a h is t ór i a d e do is
íc o n es da pr es enç a af ric an a n o Br as il : C hic a da S il v a e Zum b i
dos P a lm ares . Es s a re le i tur a pre t en d i a of erec er um a v is ão
c r ít ic a a o es pec ta d or, s ob re tu d o no t oc a nt e às r e laç õ es e n tre
os p or tu g ues es e a e l i te br as i l e ir a d e um lad o e os es c ra v os e
578
m ar gi na l i za d os d e o ut ro .
O mesmo não se pode dizer quando a narrativa avaliada é a
telenovela do autor W alcyr Carrasco e dirigida por W alter Avancini,
exibida
originalmente
pela
Rede
Manchete .
Aliás,
a
historiadora
reiterava sua posição manifesta da quando do lançamento da novela,
em 1996.
Ma is r ec e nt em en te , o m it o d e C h ic a s e p op u l ar i zo u e s e
m as s if ic o u c om a v ers ão par a a te l e v is ã o e m no ve l a re a l i za d a
pe l a Re d e M anc h et e, em 19 97 . O c us t o da dem oc r at i za ç ã o d o
m ito f o i s u a t o ta l p er v ers ã o . O s l im it es do er ót ic o e do m au
gos t o f or am u ltr a pas s ad os , s em ne n hum c o m prom is s o c om a
r ea l i d ad e do s éc ul o X VI II , q u e t em s id o re ve l a da n a s u a
m ult ip l ic i da d e e c om pl ex id a de pe l a pes q uis a his t óric a . [. .. ] As
gr a v es d is t orç ões h is tór ic as des v ir tu ar am um a d as gr a nd es
ha b i l id a des , s en ã o o o bj e ti v o d os p ro gr a m as te l e v is i v os –
ens i n ar o gr a nd e pú b lic o e ao m es m o t em po pro p orc io n ar
579
d i ver s ã o .
Júnia
Furtado
tece
essas
reflexões
sobre
as
produções
audiovisuais na parte conclusiva de seu trabalho, reafirmando o seu
propósito de abordar a história de Chica da Silva despi da das muitas
roupagens a ela incorporadas desde que Joaquim Felício dos Santos a
registrou em sua narrativa sobre as Memórias do Distrito Diamantino .
578
579
FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... o p.c i t . p . 28 2- 2 83 .
I b id em , p .2 8 3 - 28 4.
33 2
Ainda que indiretamente, estabelece -se o diálogo entre a história
pública, intermediada pelo filme de Ca cá Diegues e pela novela de
W alcyr Carrasco /W alter Avancini, e a história acadêmica. Quase três
décadas depois (1976), a narrativa histórica -cinematográfica de Xica da
Silva era novamente alavancada pela pesquisa historiográfica – de
amplo alcance, haja vi sta a tradução do livro para a língua inglesa,
abrindo-lhe
o
mercado
exterior
–,
e
continuava
a
difundir
o
conhecimento sobre o passado brasileiro, ainda que ponderado e
corrigido em suas maiores liberdades poéticas.
Sem documentação localizada, Galanga/C hico Rei permanece
inscrito no âmbito lendário. O líder negro de Vila Rica exist e somente
no imaginário social, onde é significado. Não obstante, associar-se à
figura mítica do rei negro de Minas implica questões políticas. É o caso
da comunidade quilo mbola de Pontinha, em Paraopeba ( MG), cujos
moradores reivindicam serem descendentes diretos de Chico Rei por
meio de Muzinga, o filho do líder negro, que deixou Vila Rica (Ouro
Preto) e se estabeleceu n a região 580. Nesse caso, a referência cultural
fortalece o argumento político dos moradores que pleiteiam obter o
reconhecimento oficial da comunidade como remanescente quilombola
e, consequentemente, a demarcação das terras, visto que a legislação
atual valida a autoidentificação como parâmetro para a concessão d o
título 581. Singular esse processo em que o campo mítico, representado
pela lenda de Chico Rei, impacta as políticas públicas, sociais,
culturais e econômicas.
Outras pesquisas têm tangenciado a presença Chico Rei no
imaginário social. Problematizações concernentes aos estudos culturais
ligados à matriz afro-brasileira sobressaem nessas abordagens . Por
580
Cf .: A MO R M INO , L uc i an a . Narr ar ex p er iê nc i as . .. o p.c it .
O Dec r et o nº 4. 8 87 / 03 r e gu l am en t a o pr oc ed im en t o p ar a i d en t if ic aç ã o ,
rec o n h ec im en t o, d e l i m itaç ã o , d em arc aç ã o e ti tu l aç ã o d as t err as oc up a das p or
rem an es c e nt es d as c o m uni da d es dos q u il om bos d e qu e tr at a o a rt . 6 8 d o At o das
Dis p os iç õ es C ons t it uc i on a is T r ans i tór i as (A D CT ). Pa ra as p ec t os d o rec o nh ec im en to
de c om un id a des r em an es c en t es d e q ui l o m bos ; c f : CA M AR G O , P a bl o M a tos ;
S ANT O S, M ar i a E l is a be t e G on t ij o d os . C o mu n i da d es qu i l o mb o la s d e Mi n as G er a i s
no Séc u lo X XI : h is tó r i a e r es is t ênc i a. Be l o Hor i zo n t e: A u tê nt ic a: CE D EF E S, 2 0 08 ;
P ER E IR A , De b or a h D upr a t de Br it to . As p o pu l aç ões rem a nes c e nt es de q u i l om bos :
d ire i tos d o pas s a do o u gar a nt i a par a o f u tu ro? I n. : A na is S e m in ár i o I nt er n ac i o na l –
As Mi n or i as e o D ir e it o. C a der n os d o CEJ , v .2 4, p. 22 8 - 2 49 , Br as í l i a, 2 0 03 .
581
33 3
essa perspectiva, a presença de Chico Rei no imaginário brasileiro
encontra nas festividades do congado sua mais clara presença. É o que
revela o trabalho do antropólogo Rubens Alves da Silva 582, que procura
perceber as validações e atualizações do mito de Chico Rei para o
congado mineiro. Apesar de in vestigar elementos narrativ os para a
construção
das
representações ,
especialmente
em
Agripa
Vasconcelos 583 e na tradição popular corrente entre os festeiros das
guardas de congada, o filme de W alter Lima Júnior não integra seu
escopo analítico.
Análise s fílmicas abordando diretamente os filmes Xica da Silva e
Chico Rei também passaram a ser desenvolvidas , conforme se constata
em publicações a partir do século XXI. De forma geral, esses materiais
integram coleções temáticas sobre
filmes e a história ou
sobre
representações do negro no cinema.
Desperta atenção a classificação de Chico Rei no livro de Guido
Bilharinho
que
cinematográfica
considerado
se
propõe
brasileira
como
drama
a
fazer
na
década
de
temática
um
balanço
da
produção
de
1980 584.
O
filme
foi
conste
na
social,
embora
organização do livro a categoria histórico; representada por um único
título: Quilombo (Cacá Diegues). O estranhamento é reforçado pela
abertura do texto analítico sobre o filme, porque “ [...] juntamente com
Ganga Zumba, rei de Palmares (1964), Xica da Silva (1976) e Quilombo
(1983), todos de Carlos Diegues, e mais alguns outros, insere -se na
linha temática de resgate da memória da escravidão negra no Brasil” 585.
O advogado prossegue o artigo ressaltando a contribuição do filme
para as representações do tráfico negreiro, fazendo correspondências
à poesia – como se buscasse validar o subtítulo de s ua crítica: Chico
Rei: a poesia e a imagem. Segundo o autor, após esse momento, o
582
SI L V A, Ru b ens A l v e s da . P er for m a nc es c on g ad e ir as . .. o p.c it .; SI L V A, Ru b e ns
A l ves d a. Ch ic o Re i Co n go d o Bras i l. I n. : SI L V A, V a gn er G o nç a l ves d a. (O r g) .
Im a gi n ár io , c o t id i an o e po d er : m em ória a f ro - br as i le ir a. Sã o Pa u lo : S e lo N e gr o,
20 0 7.
583
V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i. .. o p.c i t.
584
B I LH A RI NHO , G u i do . O c i n e ma br as i l eir o n os an os 8 0. U b e rab a : Ins t it ut o
T ria ng u l in o d e C ul t ur a , 20 0 2.
585
I b id em , p .6 7 .
33 4
filme perde o ritmo, ironicamente, semelhante ao desenvolvimento do
seu texto.
Esse tipo de organização bibliográfica, de fato, exige análises
curtas. Não favorecem, portant o, uma abordagem verticalizada que
permita investigar o processo de produção dos filmes , nem estimular o
diálogo entre as construções narrativas a respeito do tema trat ado na
película. Todavia, mesmo limitad os à natureza editorial, alguns textos
instigam reflexões sócio -históricas a partir do filme .
Publicações com o tema da negritude e o cinema, orientadas por
uma
questão
política
concreta
de
afirmação
de
reconhecimentos
identitários e combate ao racismo, favorecem abordagens bastante
problematizadoras rel ativas ao filme e suas representações. Em dois
títulos dessa natureza, Xica da Silva e Chico Rei marcam presença,
recebendo abordagens similares 586.
Mesmo os autores reconhecendo o gênero comédia adotado por
Cacá Diegues, a perspectiva se nsualizada de Xica como estratégia
individual para obter vantagens no mundo colonial é criticad a. Pioneiro
ao lançar um olhar sobre o papel do negro dentro das produções
cinematográficas nacionais, José Rodrigues estabeleceu a categoria
negro de alma branca para assinalar a corrente que denuncia a
incorporação pelos negros de valores dominantes do branco 587. As
críticas se estend em, ainda, da cooptação social para a vulgarização
da mulher, fato agravado pelo preconceito racial subentendido na
representação desmensurada da sexua lidade da mulher negra: “ [...] a
moral de matriz africana, longe de ser uma desvairada e leviana
apologia ao sexo 24 horas por dia, traz sim uma outra percepção da
sensualidade e do erotismo” 588.
O recorte crítico à narrativa de Cacá Diegues reitera, em cer ta
medida, aquelas enfrentadas pelo diretor quando o filme foi lançado. A
perspectiva
586
analítica
dada
a
Chico
Rei,
por
outro
lado,
reforça
RO D RI G U E S, J o ã o C ar los . O n egr o br as il e ir o e o c i n e ma . 3. ed . Ri o d e J a n e iro :
P al l as , 2 0 01 ; RO S A, A l la n S a nt os . N a f e n d a das M i n as inc o nf i de n t e. I n. : SO UZ A,
E di l e u za Pe n ha d e . ( O r g) . Ne gr i tu d e, c i ne m a e ed uc aç ã o : c am in hos p ar a a
im pl em ent aç ão da Le i 10 . 63 9/ 2 00 3 . B e lo H or i zo n te : M a z za , 2 0 07 .
587
RO DR IG U E S , J o ão C ar los . O ne gr o br as il e i ro. .. o p.c it .
588
RO S A, A l la n S a nt os . Na f e nd a d as M i nas .. . op .c it . , p . 45 .
33 5
questões relativas ao contexto histórico . Os autores trabalham o filme
ressaltando sua pertinência para a educação esc olar e não-escolar,
especialmente
no
tocante
à
complexidade
da
sociedade
colonial
escravista.
Com pl e tam en t e o pos t o é o tr at am ent o es c o lh i do p or W alter
L im a J ú n ior em Ch i c o Re i . A c e n ogr af i a e o f ig ur i no s e
bas e i am nas gr a vur a s d e v iaj a nt es eu ro p eus c om o D e br et ,
Ru g en d as e Fr a n z P os t . A l gum as s eq u ê n c i as – c om o as d o
m er c ad o, d o t ea tr o, a m in a d e ou ro da Enc ar d id e ir a –
pos s u em um val or d id át ic o d e al t a q u al i d ad e. [. .. ] A es t ru tu ra
s oc ia l é bem m ais c om pl ex a do qu e a m a ior i a d os o utr os
f ilm es : h á m u la t os l ib e rt os m em bros d a c o nf rar i a do R os ár io
dos Pr et os e i n im ig os d o go v er no ; h á i n de p en d en t is t as
es c r a v oc r at as ; e ne g ros o pres s or es d e o utr os n egr os .. . O
pr ó pr i o t em a c e ntr a l tr at a da s o l id ar i ed a de e ntr e os o pr im id os ,
e, ao c o ntr ár io d e X ic a , a as c e ns ã o s oc i a l s e f a z s em a p erd a
589
da di g n id a de .
Contudo, a iconografia como fonte para a produção cenográfica e
de figurino foi amplamente usada também por Cacá Diegues e seu
premiado diretor dessas áreas, Luis Carlos Ripper. Aliás, conforme
visto, a inspiração desta iconografia se fez até mesmo para elaborar
alguns planos, segundo o diretor. O aspecto didático é outro ponto que
se faz presente em ambos os títulos , inclusive para os serviços de
mineração. Se João Rodrigues não nega esses valores a Xica da Silva,
os omite diante da supervalorização atribuída a Chico Rei. Dessa
maneira, percebe -se a permanência de uma linha crítica que opõe os
filmes, pela qual Xica da Silva representa indignamente a população
negra, enquanto Chico Rei é considerado um bom exemplo para se
trabalhar questões históricas do escravismo e da memória do negro
brasileiro.
A atualidade do filme de W alter Lima Júnior para a temática das
relações sociorraciais também é defendida por Angeluccia Habert 590. A
comunicóloga coteja sua análise fílmica com informações encontradas
na biografia sobre o diretor 591. Seu argumento destaca a importância do
filme para revelar as possibilidades da luta do negro pela liberdade.
589
RO DR IG U E S , J o ão C ar los . O ne gr o br as il e i ro. .. o p.c it . , p. 65 .
H A B ERT , A ng e l uc c i a B er nar d es . C h ic o re i : q uem é r e i, s em pr e s erá ; Ch ic o p or
s er br as il e ir o e n egr o, d e pe n de do o l h ar h is t ór ic o . A lc eu , v . 5, R io de J a n e iro :
PU C, p. 1 8 - 29 , j a n. /j u n. 2 0 05 .
591
M AT T O S, C ar l os A lb e r to . W a lt er L i ma J ún i o r.. . o p.c i t.
590
33 6
Conforme assinala, o filme representa com qualidade estética a não
submissão do negro, que pr ocurou resistir, mesmo quando foi preciso
fazer concessões como exemplificado pela manutenção da crença no
deus africano, Zambi, apesar do ingresso de Chico Rei à irmandade
religiosa de Nossa Senhora do Rosário e se tornar um devoto de Santa
Efigênia.
Considerando a ampla audiência alcançada pelo filme, toma-se
por pressuposto que aqueles títulos considerados de gênero histórico
encontram nos historiadores interlocutores privilegiados. Essa é a ideia
por trás do livro A história vai ao cinema , no qual 20 f ilmes nacionais
são comentados por historiadores 592. Revelando a superação da ideia
de recriação histórica, com a qual muitas vezes o filme desse gênero é
cobrado, os artigos se preocupam mais com a maneira com que a
narrativa foi construída e a implicância dos significados decorrentes d e
suas representações. A primeira vertente, ou seja, a preocupação com
as fontes de informação, foi privilegiada por Mariza Soares ao estudar
Xica da Silva 593, reconhecendo, na representação da Xica de Cacá, a
transformação das representações oitocentistas e populares de meados
do século XX.
O
panorama
de
produções que
dialogam ,
a
partir
do
viés
acadêmico, com os filmes Xica da Silva e Chico Rei indica o aumento
do espaço das produções audiovisuais em sua relação com a produção
do conhecimento, em específico, histórico. Problematizar como esses
produtos
foram
realizados
e
seu
impacto
é
relevante
para
a
conformação da cultura histórica. A linguagem audiovisual, plástica e
dinâmica do filme , favorece a interação, identificação e as similação do
espectador com seu conteúdo. Embora se possa discutir se o objetivo
do filme e programas televisivos é “ensinar o grande público e ao
mesmo tempo proporcionar diversão ” 594, acredita -se que deve haver
grande
592
responsabilidade
de
quem
se
propõe
a
estabelecer
uma
FER R EI R A, J or g e; S O A R ES , M ar i za d e C. (O rgs .) A h is t óri a v a i ao c i ne m a: v in t e
f ilm es br as i l e ir os c om en t ad os p or h is t or i ad o res . R i o d e J a ne ir o: R ec or d , 20 0 1.
593
S O A R E S, Mar i za d e Car v a l ho . As tr ês f ac e s d e X ic a. I n. : F ER R EI RA , J or g e;
SO A RE S , M ar i za de C . ( O r gs . ) A h is t ór i a v a i a o c i n em a. .. o p.c i t.
594
FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... o p.c i t. , p. 29 5 .
33 7
narrativa histórica, seja ela cinematográfica, televisiva, teatral ou,
inclusive, historiográfica.
33 8
Considerações finais
A permanência de Chica da Silva e Chico Rei no imaginário
social, três séculos após o auge da sociedade mineradora setecentista,
indica
aspectos
conhecimento
do
complexo
histórico.
As
processo
narrativas
de
fílmicas
educação
analisadas
para
–
o
em
cruzamento com outras narrativas: oralidade, literatura, poesia, música
– indicam representações da sociedade da América P ortuguesa que
continuam a ser reapropriadas. Nas décadas iniciais do século XXI,
esses personagens da história da escravidão mineira circulam na tênue
fronteira entre imaginário social e história, como atestam os manuais
didáticos
escolares
e
a
exploração
turística-cultural
nas
cidades
coloniais de Ouro Preto e de Diamantina.
Por esse aspecto , assume-se, a partir das proposições de Paul
Ricouer, a importância da imaginação para o desenvolvimento da
reflexão histórica. Ainda que o aspecto fantástico e exótic o tenha
sobressaído em boa parte das representações de Chica da Silva, ou o
fato de Chico Rei estar inscrito no campo da lenda, as narrativas sobre
eles proporcionam perguntas a respeito de suas trajetórias e de seu
contexto.
É certo que a liberdade poéti ca da produção artística pode levar a
representações arbitrárias, como o folder informativo para o visitante
da Mina do Chico Rei, que atribui o falecimento do líder negro à
hepatite, aos 72 anos. Mas, mesmo quando essas representações são
conflitantes com as narrativas decorrentes das pesquisas históricas
realizadas
segundo
os
procedimentos
acadêmicos,
cria -se
a
oportunidade para o redimensionamento da informação, pois cabe ao
saber histórico orientar a educação histórica, ainda que estabelecida
em espaço não-escolar. Por esse ângulo, a questão ultrapassa a
correção ou incorreção da informação. Destaca -se a oportunidade
propiciada pela narrativa artística sobre o passado, sobremaneira o
33 9
cinema-história, para se abordar temáticas históricas, muitas das quais
até então desconsideradas pela historiografia e com amplo alcance de
público.
Conforme demonstrado, a produção de um filme de gênero
histórico
implica
validações
e
ressignificações
entre
os
variados
formatos narrativos, configurando a operação de circul aridade do
conhecimento histórico entre um suporte narrativo e outro. O caso das
representações de Chica da Silva, que a transforma de uma mulher feia
e desinteressante, na descrição do memorialista Joaquim Felício dos
Santos, para uma mulher sensual e bel a, como filmada pelas lentes de
Cacá Diegues, exemplifica esse processo.
A operação de reinterpretação histórica revela as construções de
imaginários sociais inerentes aos valores dos grupos sociais que
delineiam as reconfigurações de poder na sociedade, conforme Baczko.
No caso do estudo realizado, percebe -se, nas narrativas literárias e
carnavalescas realizadas nos anos 1950/60 sobre Chica da Silva e
Chico Rei, uma valorização da memória negra dentro da história do
Brasil. Os filmes dirigidos por Cacá Di egues e W alter Lima Júnior
ratificam esse reposicionamento, tornando protagonistas aqueles que
até então estavam à margem das explicações do processo histórico.
Na mesma perspectiva, pode -se inferir em Xica da Silva um
recurso de meta -história relativa às lutas por igualdade de gênero,
assinalando o espaço socioeconômico reivindicado pelas mulheres na
segunda metade do século XX. Ainda que os significados decorrentes
das narrativas fílmicas possam ter sido contestados por setores
acadêmicos, dos movimentos negros e de grupos feministas, é inegável
a reflexão histórica deles decorrentes e a abertura do debate, o que
implica cenários de educação histórica, tanto escolar , quanto nãoescolar.
O filme de gênero histórico tem como uma de suas características
a meta-história, ou seja, a dupla intepretação temporal. Uma é relativa
ao tempo passado, objeto do enredo cinematográfico. A produção
desse gênero fílmico prima pela pesquisa, recorre a fontes e opera
escolhas para representar ao espectador uma narrativa his tórica. A
34 0
outra interpretação diz respeito ao tempo presente. Ao operar a
abordagem do acontecimento histórico , a equipe de produção o faz a
partir de questões contemporâneas às filmagens.
A ponte temporal passado -presente em um filme pode ser mais ou
menos explícita. No caso de Xica da Silva e Chico Rei o contexto
ditatorial e o processo de reorganização civil em prol do retorno da
democracia se mesclam na própria escolha temática: a liberdade.
Ambos os diretores usaram a sociedade escravocrata para contr apor ao
espectador as maneiras d e o escravo se tornar livre: da forma
legalizada,
via
consentimento
da
alforria
como
obtida
pelos
protagonistas, ou a ilegalidade, que consistia na fuga do rebelde,
geralmente
para
quilombos.
Por
essas
representações
em
suas
narrativas, Cacá Diegues e W alter Lima Júnior promoveram a reflexão
acerca do conceito de liberdade, facilmente transposta do século XVIII
às maneiras de superar as restrições e coerções políticas vivenciadas
no pós-1964.
Gravitando em torno desse eixo d a narrativa fílmica, outros temas
caros
à
sociedade
da
América
Portuguesa
foram
representados.
Concomitantemente à abordagem do passado colonial, vários planos
podem ser interpretados como uma leitura do tempo presente à
produção dos filmes. Tanto Cacá Die gues, quanto W alter Lima Júnior
realizaram em Xica da Silva e Chico Rei muitos planos nesse sentido. É
o caso das representações dos militares, que se mant ém no poder à
base de violência e tortura. A corrupção entre os administradores
públicos também é rec orrente em ambos os títulos fílmicos. Ou, ainda,
a representação da pobreza na qual vivia a maioria da população das
Minas Gerais setecentista, alijada das riquezas naturais reivindicadas
pelo ambicioso fisco estatal.
Considerando a dupla temporalida de reflexiva que o filme de
gênero histórico pode promover, compreende -se o por que governos
distintos se preocuparam com sua produção e distribuição. No Brasil, a
primeira ação estatal nesse sentido ocorreu com a fundação do INCE,
no governo Vargas, que p rocurou aproveitar essa linguagem , tanto no
aspecto educativo , quanto político durante o Estado Novo. A proposta
34 1
de fomentar a produção de filmes educativos se manteve até a década
de 1960, quando foi incorporado ao INC. Mesmo após o golpe civil militar de 1964 e diante de uma nova estrutura administrativa para o
cinema nacional (Embrafilme), a ideia de estimular produções que
associassem a arte à educação persistiu.
A recomendação da direção da Embrafilme em fomentar filmes
que retratassem o período histó rico brasileiro teve o ápice com o
lançamento do projeto filme histórico, em 1977, voltado a financiar esse
tipo de produção. A documentação referente a esse programa permitiu
reconhecer
as
orientações
estabelecidas
pelos
diretores
da
Embrafilme, especialm ente as temáticas desejáveis a serem filmadas.
Foi nessa linha de créditos que um consórcio teuto -brasileiro aprovou o
projeto de Chico Rei, embora a produção tenha sido permeada de
problemas judiciais e econômicos.
A participação do Estado como incentivad or cultural sempre
representou, de modo geral, um relevante fomento aos artistas. Em
governos autoritários tende a se explicitar a vertente polític o-ideológica
em torno desses projetos culturais. Por isso, muitas vezes, recaíam
sobre artistas e diretores d e cinema, que se beneficiavam dessas
linhas de crédito, a suspeição de estarem coadunados ideologicamente
com
a
ditadura.
Contudo,
conforme
demonstrado,
aproveitar
os
recursos do Estado não implicava ratificar a política estatal. Além dos
constantes proble mas com a censura, as próprias categorias temáticas
valorizadas
pela
Embrafilme
para
projetos
de
filme
histórico
praticamente não se viabilizaram, preferindo os diretores e produtores
apresentar projetos com outras temáticas históricas. A relação entre
diretores cinematográficos e a Embrafilme se mostrou dialógica . Os
espaços para negociação foram exemplificados pela posição do seu ex diretor, o cineasta Roberto Farias, e os processos de Xica da Silva e
Chico Rei na Embrafilme.
Pensar o potencial educativo histórico de um filme para além do
espaço escolar foi o eixo reflexivo desta tese. A ação da Embrafilme
em estimular abordagens temáticas do passado ao criar o projeto filme
histórico ,
ratifica
a
pertinência
dessa
linha
de
pensamento.
A
34 2
circularidade
do
conhecimento
histórico
promovido
pela
produção
fílmica de Xica da Silva e Chico Rei, ao retomar narrativas orais,
literárias e carnavalescas, tem prosseguimento com as exibições dos
filmes ao público.
A
cobertura
da
imprensa,
que
funciona
como
espaço
de
divulgação e de recepção, é um termômetro para dimensionar o
impacto do filme. A contextualização histórica e a divulgação de dados
das produções de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior proporcionaram
informações
desconhecido,
relativas
a
um
especialmente
período
quanto
histórico ,
à
trajetória
muitas
dos
vezes
próprios
protagonistas à grande parte dos leitores dos jornais. Todavia, nas
páginas dos periódicos também se estabeleciam debates acerca da
linha interpretativa da história, dos possíveis acertos e equívocos da
abordagem cinematográfica. No caso de Xica da Silva, a intensidade
dessa repercussão chegou a ultrapassar a questão histórica e alcançou
o tema da própria liberdade criativa e da politização da arte.
O potencial educador do filme de gênero históric o em espaço
não-escolar é considerável, conforme visto. A incorporação do filme ao
contexto escolar, entretanto, reitera a pertinência da película quanto ao
seu aproveitamento educativo. Ao avaliar livros didáticos, obedecendo
como recorte temporal o ano s eguinte ao lançamento de Xica da Silva e
o decênio posterior à publicação da LDB EN/1996, se percebeu a
gradativa incorporação dos filmes no universo escolar. Nas centenas de
títulos escolares consultados, referências à Chica da Silva e ao Chico
Rei, especialmente aos filmes de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior,
tenderam
a
tornar
mais
comuns ,
nos
livros
contemporâneos ,
a
popularização do uso do cinema como metodologia para o ensino de
história. Recomendações fílmicas e diálogos entre o conteúdo da
matéria e os filmes foram as inserções mais comuns. Confrontações
entre as representações fílmicas e a produção historiográfica também
indicam a circularidade do conhecimento histórico decorrente de Xica
da Silva e Chico Rei.
Um filme de gênero histórico, portanto, pode facilmente percorre r
dois caminhos relativos à educação, mas que não são excludentes. Um
34 3
é a perspectiva não -escolar, o outro é sua incorporação ao ensino
formalizado. Em ambas as situações vislumbra -se a relação entre o
cinema e a história pública.
No primeiro caso, a recepção das informações históricas e
confrontação com outros saberes históricos dependem, basicamente,
do espectador. Ainda assim, mesmo longe das práticas metodológicas
do
ensino
escolar,
pode
haver ,
não
somente
a
transmissão
de
informação, mas a reflexão sobre o que está sendo assistido. Dentro da
sala
de
aula,
por
outro
lado,
é
indubitável
a
verticalização
da
discussão, que pode explorar , não somente a narrativa histórica, mas
outros elementos constitutivos da linguagem cinematográf ica como
cenografia, figurino, trilha sonora , para estimular a pesquisa e o
conhecimento relacionado ao período histórico representado.
Procurou-se articular a complexa relação entre o cinema, a
historiografia
e
narrativas
históricas
como
expressão
de
hist ória
pública. Os filmes Xica da Silva e Chico Rei foram analisados em
cruzamento com outras documentações, observando as recomendações
de Carlo Ginzburg quanto aos paradigmas indiciários. A análise dos
filmes e dos conjuntos de fontes – a diversidade de su portes narrativos
sobre os protagonistas; os projetos governamentais voltados ao uso
educativo do filme; os projetos fílmicos e o processo de produção e
distribuição de Xica da Silva e Chico Rei; a imprensa e a cobertura dos
títulos; os livros didáticos de história – permitiram reconhecer a
relevância do filme de gênero histórico para a educação.
Por ocasião do lançamento de Xica da Silva, Cacá Diegues
refletia sobre sua produção fílmica, que incluía Ganga Zumba (1964) e
Os Herdeiros (1968) e a relação com a História nos seguintes termos .
A H is t ór i a d o Br as i l f oi um tem a qu e a b o rde i s em pre, nã o
atr a v és d e s eus her ó i s of ic i a is , m ais c o n v e nc io n ais , m as s im
at é m e io es q uec i d os , c om o n o c as o d e G a n ga Z um b a, R e i d os
P al m ar es , q u e nã o p e rte nc e à h is t ór i a of ic i a l , e ag or a n o c as o
de Xic a d a S i lv a , q u e é um pers o na g em qu e i nc lus i v e n em
c ons t a d a h is t ór ia of ic i al , d os c om pê n di os e t c , um pers o n ag em
595
bem à m ar g em .
595
S A NT O S , T ér c i o. F i lm an d o a H is t ór i a . .. op .c i t.
34 4
W alter Lima Júnior segue a mesma linha ao pensar a relação
entre o filme e a educação histórica. Ou sej a, reivindicar para o cinema
um papel quase social, que permite novos olhares sobre o passado ao
abordar temas e personagens da História, instigando o espectador a
refletir sobre
aquela
narrativa,
o
que
pode
estimular também
a
proposição de outras pesquisa s.
At é q u e p on to o f ilm e q ue us a um a i nf or m aç ão d e um f ato
h is t ór ic o é d e pe n de nt e de d a dos c om pro v a dos d a ex is t ê nc i a
da q ue l e f at o? At é q u e po n to es t am os tr an s c en d en d o is s o e
te nt a nd o a t i ng ir o es p et ác ul o ? E l e f ra ud a a His t óri a ? Eu ac h o
qu e el e tro ux e a H is tór i a. A c om pre ens ã o da H is t ór ia e a
His t ór i a do C hic o Re i é o q ue v oc ê o u v e. É o ra l i da d e. E o
c i nem a, d e a lg um a f o rm a, s e as s oc i a a es s a ora l i da d e. E l e
l e va nt a a qu es tã o . E l e c o l oc a es s a qu es tã o à d is p os iç ã o. S e
aq u i lo n ão é ex at am ent e c om o f oi , es t á b e m próx im o, n o f at o
de qu e as r ou p as s ã o pes qu is a das . O s g es tos , os m óv e is , o
c en ár i o, d e a l g um a f orm a, s ã o pr oc ur ad os . É ter o es pec ta d or
im er s o num a q u an t id ad e de i nf orm aç õ es p lás t ic as . Is s o, d e
a lg um a f orm a, pre e n c he . Co is a qu e v oc ê n ão t er ia , pu ra e
s im pl es m ent e , d en tr o de um proc es s o d e l e it ura de um li vr o ou
596
l i vr o di d át ic o .
Um determinado contexto histórico, portanto, inspira a imaginação
e
conduz
a
problematização
desse
recorte
temporal.
Por
perspectiva, o filme se torna o elemento propulsor que
imaginário
social
e
historiografia
em
uma
narrativa
essa
articula
histórica -
cinematográfica, cujos impactos públicos incorrem em apropriações e
ressignificações,
estabelecendo,
assim,
a
circularidade
do
conhecimento histórico.
Nesse sentido, entende -se a dimensão do filme de gênero
histórico como uma possibilidade da história pública por atender, de
modo integrado, três significativos pilares de sua estrutura. O primeiro
é a identificação e recuperação de narrativas em áreas distintas de
produção
sobre
rearticulando-as
o
no
passad o,
da
processo
tradição
de
oral
à
construção
tese
doutoral ,
da
narrativa
cinematográfica da história. O segundo diz respeito à divulgação do
conhecimento histórico para além do espaço acadêmico e escolar ,
considerando as projeções no ci nema, as exibições televisivas, a
cobertura na imprensa e ampliando os públicos da História. Por fim, o
596
E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor , em 13 d e j u n ho d e 2 0 13 .
34 5
terceiro pilar é a apropriação e ressignificação do conhecimento
histórico, impactando , desde o ensino da disciplina escolar e entre
acadêmicos, até sua reflexão nos meios sociais fora do ambiente
escolar.
Considera-se
a
complexidade
desse
tipo
de
construção
do
conhecimento, o que pode implicar distanciamentos de abordagens
entre as fontes, a historiografia e a narrativa fílmica. Situações
compreensíveis nas operações de reapropiação e ressignificação de
um tema histórico. Contudo, ainda que esses pontos de tensão se
configurem, ressalta -se a relevância da relação entre o filme de gênero
histórico,
a
história
pública
e
a
educação.
Trata -se
de
uma
oportunidade em que aspectos de uma história são abordados por
múltiplos ângulos. Esse gênero de narrativa cinematográfica dialoga
com
saberes
históricos
constituídos,
permitindo
(re)significações.
Configura-se, assim, um cenário favorável para a problematização d a
cultura histórica.
Décadas depois de serem lançados, Xica da Silva e Chico Rei
continuam a integrar festivais e mostras temáticas, sobretudo no
recorte
concernente
à
escravidão.
O
trânsito
desses
títulos
por
festivais nacionais e internacionais, bem como as exibições televisivas,
certamente
contribuíram
para
consolidá -los
como
importantes
produções da história do cinema brasileiro.
Os referidos filmes continuam a instigar, portanto, reflexões.
Estas, por sua vez, têm se materializado e circulado pela aç ão de
profissionais
com
perfis
variados:
educadores,
comunic ólogos,
historiadores,
carnavalescos,
antropólogos,
literatos
e
outros.
Independentemente da área de atuação e o recorte inerente aos
interesses de cada pesquisador, os filmes têm favorecido o est ímulo e
a divulgação do conhecimento histórico. As representações fílmicas,
validadas
ou
questionáveis,
aprendizado
sobre
assim,
cenário
um
historiográfica
alicerçadas
aspectos
dialoga
em
de
do
a
para
passado
história
com
múltiplas
colaboram
fontes
–
delineamento
brasileiro.
pública,
narrativa
o
no
qual
Compõe m-se,
a
cinematográfica
em
uma
do
narrativ a
–
ambas
perspectiva
de
34 6
complementaridade, cujas ressignificações favorecem a educação em
história para além do espaço escolar.
34 7
FONTES
Filmográficas
Ficha técnica dos filmes
CHICO REI. LIMA Jr., W alter. Embrafilme, 1985. 1 fita VHS (115 min),
son., color.
Direção e roteiro: W alter Lima Jr. Música: W agner Tiso, Naná
Vasconcelos. Fotografia: José Antônio Ventura e Mário Carneiro.
Cenografia: Luiz Carlos da Silva, Carlos Liuzzi e Manoel Godinho
Mendes Filho. Figurino: Laonte Klawa, Júlio Parati e Jacque Monteiro.
Edição: Mário Carneiro e W alter Lima Jr. Elenco: Severo d’Acelino
(Chico Rei); Antonio Pitanga (Bené); Cosme dos Santos (Muzinga) ;
Carlos Kroeber (Governador); Anselmo Vasconcelos (Pascoal); Cláudio
Marzo (Felipe dos Santos); Marcus Vinicius (Mestre Antonio); Maria
Fernanda (Nenzica); Mauricio do Valle (Mercador); Othon Bastos
(Paranhos); Rainer Rudolf (padre); Zaira Zambelli (Dorin ha); Alexander
Allerson (Seixas); Chico Diaz; Claudia Reschel; Delanir Dias; Eduardo
Machado; Haroldo de Oliveira; João Acaiabe; Luiza Maranhão;
Manfredo Colasanti; Marcio Alexandre; Mario Gusmão; Nelson Dantas;
Paulo Augusto; Renato Coutinho; Sergio Maia; Zenaide Zenah; Zora
Santos; W ilson (Macalé) dos Santos.
XICA DA SILVA. DIEGUES, Carlos. Embrafilme e Unifilms, 1976. 1 fita
VHS (117 min), son., color.
Direção: Carlos Diegues. Roteiro: Carlos Diegues e João Felício dos
Santos. Produção: Jarbas Barbosa , Airton Correa, Hélio Ferraz, José
Oliosi. Música: Jorge Ben e Roberto Menescal. Fotografia: José
Medeiros. Desenho de Produção: Luiz Carlos Ripper. Direção de arte:
Luiz Carlos Ripper. Figurino: Luiz Carlos Ripper. Edição: Mair Tavares.
Elenco: Zezé Mott a (Xica da Silva); W almor Chagas; (Comendador João
Fernandes); Altair Lima (Theodoro); Elke Maravilha (Hortensia); Stepan
Nercessian (José); Rodolfo Arena ( Sargento-mor); José W ilker (Conde
de Valadares); Marcus Vinícius (Teodoro); João Felicio dos Santos
(Paroco); Dara Kocy (Zefina); Adalberto Silva (Cabeça); Julio
Mackenzie (Raimundo); Beto Leão (Mathias); Luis Motta (Taverneiro);
Paulo Padilha (Ourives); Baby Conceicao (Figena); Iara Jati (Tonha);
Alberto Patu; Luis Felipe (Major); Gloria Cristal; Tony F erreira;
Clementino Kelé; Antônio Pompêo .
34 8
Roteiros
DIEGUES, Cacá. Xica da Silva , roteiro. Dezembro 1974, 109p.
LIMA JÚNIOR, W alter. Chico Rei, roteiro. 1979, 42p.
34 9
Músicas
BABÃO, Geraldo; SABIÁ, Djalma; BINHA. Chico Rei. Salgueiro, 1964.
Interprete: OLIVEIRA, Noel Rosa de.
BEN, Jorge. África Brasil. Rio de Janeiro: Philips Records. 1976. LP.
MIGNONE, Francisco; MACHADO, David (Reg.); OSMG (Orquestra
Sinfônica do Estado de Minas Gerais). Maracatu de Chico Rei. Festa
das Igrejas. Belo Horizonte, 1993. CD.
MIGNONE, Francisco; NESCHILING, John (Reg.); OSEP (Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo). Maracatu de Chico Rei. Festa das
Igrejas. Sinfonia Tropical. São Paulo: Biscoito Clássico, 2007. CD.
Acompanha livreto.
OLIVEIRA, Noel Rosa de; ANESCARZINHO. Xica da Silva. Salgueiro,
1963. Interprete: OLIVEIRA, Noel Rosa de.
PAULA, José Geraldo de. Na corte de Chico Rei. In.:Sambas-enredo de
1977. Compacto. Belo Horizonte: Bemol, 1997.
TISO, W agner; VISSUNGO, Grupo; et.al. Trilha Sonora do fil me Chico
Rei. Som Livre, 1985. LP.
35 0
Fundo Embrafilme (acervo Cinemateca Brasileira)
Séries
110.1/00030
110.1/00075
110.1/00146
110.1/00297
110.1/00412
110.1/00454
110.2/00135
110.2/00147
110.2/00198
110.2/00199
110.2/00301
110.2/00417
110.2/00508
110.2/00509
110.2/00769
110.2/00780
110.2/00979
35 1
Legislação
BRASIL. Decreto n. 20.301 de 2 de janeiro de 1946. Aprova o
Regimento do Instituto Nacional de Cinema Educativo, do Ministério da
Educação e Saúde.
Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=220&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 21.240 de 4 de abril de 1932. Nacionalizar o
serviço de censura dos film es cinematográficos, cria a “Taxa
Cinematográfica para a educação popular” e dá outras providências.
Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.h tm?infoid=213&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 22.337, de 10 de janeiro de 1933. Altera o art. 23
do Decreto n. 21.240, de 4 de abril, de 1932.
Disponível em
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=215&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 22.928, de 12 de julho de 1933. Erige a cidade do
Ouro
Preto
em
monumento
nacional.
Disponível
em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=3212
2> Acesso em: 15 nov. 2013.
BRASIL. Decreto n. 5.375 de 27 de março de 1940. Faz publica a
ratificação, pelo Chile, d a Convenção sobre facilidades aos filmes
educativos ou de propaganda, firmada em Buenos Aires, a 23 de
dezembro de 1936.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgi lua.exe/sys/start.htm?infoid=217&sid=6
9 . Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 5.377 de 27 de março de 1940. Faz pública a
ratificação pela Venezuela da Convenção sobre direitos e deveres dos
Estados, firmada em Montevidéu, a 26 de dezembro de 1 933.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=370&sid=6
9 . Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 50.278 de 17 de fevereiro de 1961. Cria o Grupo
Executivo da Indústria Cinematográfica e dá outras providências.
35 2
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=221&s id=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 56.499 de 21 de junho de 1965. Dispõe sobre a
obrigatoriedade da exibição de filmes brasileiros a que se refere o
Decreto n. 52.745, de 24 de outubro de 1963. Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=222&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 575, de 23 de junho de 1992. Dispõe sobre a
transferência de bens, haveres e contencioso judicial da Embrafilme Distribuidora de Filmes S.A., em liquidação, e dá outras providências.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/s tart.htm?infoid=327&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 60.074 de 16 de janeiro de 1967. Inclui dotações
orçamentárias do Ministério da Educação e Cultura no "Fundo de
Reserva" e abre o crédito suplementar de Cr$1.670.000 (um milhão,
seiscentos e setenta mil cruzeiros) ao mesmo Ministério para reforço
de dotações do Instituto Nacional do Cinema Educativo.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cg ilua.exe/sys/start.htm?infoid=224&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 60.220 de 15 de fevereiro de 1967. Aprova o
Regulamento do Instituto Nacional de Cinema.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=225&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 60.221 de 15 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre
pessoal do Instituto Nacional do Cinema.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=226&sid=6
9 . Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 62.005 de 29 de dezembro de 1967. Regulamenta o
disposto no artigo 35 do Decreto -lei n. 43, de 18 de novembro de 1966.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=228&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 66.657 de 3 de junho de 1970. Altera dispositivos
do Regulamento do Instituto Nacional do Cinema, aprovado pelo
Decreto n. 60.220, de 15 de fevereiro de 1967. Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=234&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
35 3
BRASIL. Decreto n. 66.658 de 3 de junho de 1970. Dispõe sobre a
criação e extinção de cargos do Instituto Nacional do Cinem a.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=235&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 77.299, de 16 de março de 1976. Cria, no
Ministério da Educação e Cultura, o Conselho Nacional de Cinema CONCINE - e dá outras providências.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/ sys/start.htm?infoid=241&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 77.553 de 5 de maio de 1976. Dispõe sobre a
transposição e transformação de cargos para Categorias Funcionais
dos Grupos Serviços Auxiliares e Outras Atividades de Nível Médio, do
Quadro Permanente do extinto Instituto Nacional do Cinema, e dá
outras providências.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=242 &sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 77.899 de 23 de junho de 1976. Dispõe sobre a
transposição e transformação de empregos permanentes para as
Categoria Funcionais dos Grupos Artesanato, Serviço Auxiliares,
Outras Atividades de Nível Méd io, Serviço de Transporte Oficial e
Portaria, da Tabela Permanente do extinto Instituto Nacional do
Cinema, da outras providências.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=243&sid=6
9 . Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 78.108, de 22 de julho de 1976. Aprova o novo
Estatuto da Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima EMBRAFILME,
dá
outras
providências.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=244&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 79.893 de 29 de junho de 1977. Fixa os valores dá
contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica
nacional.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=247&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 81.628, de 05 de maio de 1978. Aprova a reforma
do Estatuto da Empresa Brasileira de Filmes S.A. - EMBRAFILME.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=248&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
35 4
BRASIL. Decreto n. 83.973 de 13 de setembro de 1979. Regulamenta o
artigo 15, e seguintes, da Lei n. 5.536, de 21 de novembro de 1968,
que criou o Conse lho Superior de Censura.
Disponível
em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=249&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 84.230, de 20 de novembro de 1979. Altera a
redação do art. 5º do Decreto n. 77.299, de 16 de março de 1976, que
cria no Ministério da Educação e Cultura, o Conselho Nacional de
Cinema (CONCINE).
Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=250&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 85.493 de 15 de dezembro de 1980. Altera o
Decreto n. 55.202, de 11 de dezembro de 1964, que de fine o filme
brasileiro, com as modificações que lhe foram introduzidas pelo
Decreto n. 69.161, de 2 de dezembro de 1971.
Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/c gilua.exe/sys/start.htm?infoid=251&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 85.914 de 15 de abril de 1981. Altera a composição
do Conselho Nacional do Cinema (CONCINE) e dá outras providências.
Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=252&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 91.597 de 02 de setembro de 1985. Abre ao
Ministério da Educação e cultura, em f avor do Conselho Nacional de
Cinema, o crédito suplementar no valor de Cr$260.000.000, para
reforço de dotações consignadas no vigente Orçamento.
Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=255&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto n. 93.881, de 23 de dezembro de 1986. Dispõe sobre
o Conselho Nacional de Cinema - CONCINE, e dá outras providências.
Disponível em:
http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=256&sid=6
9. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto -Lei n. 43, de 18 de novembro de 1966. Cria o Instituto
Nacional do Cinema, torna da exclusiva competência da União a
censura de filmes, estende aos pagamentos do exterior de filmes
adquiridos a preços fixos o disposto no art º. 45, da Lei n. 4.131, de 3 9-62, prorroga por 6 meses dispositivos de legislação sobre a exib ição
de filmes nacionais e dá outras providências.
35 5
Disponível
em:
http://www.soleis.adv.br/cinemapoliticanacional.htm .
Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Decreto -Lei n. 862, de 12 de setemb ro de 1969. Autoriza a
criação da Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima
(EMBRAFILME), e dá outras providências .
Disponível em http://www.soleis.adv.br/ . Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Lei n. 378 de 13 de janeiro de 1937. Da nova organização ao
ministério da educação e saúde p ública.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/L378.pdf . Acesso
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BRASIL. Lei n. 3.310 de 15 de outubro de 1886. Revoga o art. 60 do
Código Criminal e a Lei n. 4 de 10 de Junho de 1835, na parte em que
impõem a pena de açoites. Disponível em:
http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/104053/lei -3310-86
Aceso em: 15 dez. 2013.
BRASIL. Lei n. 5.692 de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases
para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências.
Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/128525/lei -dediretrizes-e-base-de-1971-lei-5692-71. Acesso em: 13 dez. 2010.
BRASIL. Lei n. 6.281, de 9 de dezembro de 1975. Extingue o Insti tuto
Nacional do Cinema (INC), amplia as atribuições da Empresa Brasileira
de Filmes S.A. - EMBRAFILME - e dá outras providências.
Disponível
em:
http://www.soleis.adv.br/cinemapoliticana cional.htm.
Acesso em: 13 dez. 2010.
Brasil. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf .
Acesso
em: 13 dez. 2010.
BRASIL.
Parâmetros
MEC/SEF, 1998.
curriculares
nacionais :
História.
Brasília:
35 6
Livros Didáticos
ALENCAR, Álvaro Duarte. História do Brasil : evolução econômica,
política e social (5ª série). 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1983.
ALENCAR, Álvaro Duarte. História do Brasil: evolução política
econômica e social (5ª série). 17.ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
(5.ed.1983).
ALENCAR, Francisco; et.al. História da sociedade brasileira (2º grau).
3.ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; Parma, 1985. 1985. (1.ed.1979)
ALENCAR, Francisco; RIBEIRO, Marcus Venício Toledo; CECCON,
Claudius. Brasil vivo: uma nova história da nossa gente. Petrópolis, RJ:
Vozes, 11.ed. 1991. (1.ed.1986).
ALVES, Kátia Corrêa P eixoto; BELISÁRIO, Regina Célia de Moura
Gomide. História: (6ª série). 5.ed. Belo Horizonte, MG: Vigília, 1991.
AQUINO, Rubim Santos Leão de; et.al. Fa zendo a história : as
sociedades americanas e a Europa na época moderna 3.ed. Rio de
Janeiro: Ao Livro Téc nico, 1991. (1.ed.1986).
BARBOSA FILHO, Milton Benedicto; STOCKLER, Maria Luiza Santiago.
História do Brasil: do Descobrimento à Independência. 10.ed. Sã o
Paulo: Scipione, 1991. (2.ed.1983).
CAMPOS, Flávio de. A escrita da História.
Educacional; Oceano Indústria Gráfica, 1999.
São
Paulo:
Escala
CAMPOS, Flávio de; et.al. O Jogo da História: de corpo na América e
de alma na África (6ª série). São Paulo: Moderna, 2002.
CAMPOS, Raymundo; ARENA, Bárbara Ferreira. História do Brasil :
2.ed. Guarulhos: FTD; Atu al 1992.
CAMPOS, Raymundo. História do Brasil , 1. São Paulo: FTD, 1985.
CAMPOS, Raymundo. História do Brasil : São Paulo: Atual, 1983.
CAMPOS, Raymundo; ARENA, Bárbara Ferreira. História do Brasil, 1 .
São Paulo: Atual, 1997. (1.ed.1991).
CARDOSO, Oldimar Po ntes. Tudo é História: história moderna, história
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27 – TORRES, Maurílio . Diretores alemães de Chico Rei somem e
interrompem as filmagens em Minas. Jornal do Brasil, Cadernos B, 27
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28 – CHICO Rei: filmagens paradas. O Estado de São Paulo, 28 fev.
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29 – RECOMEÇAM em Ouro Preto as filmagens de Chico Rei. O Estado
de São Paulo, 29 fev. 1980, p.19.
Março
01 - PESSOAS que cederam as peças para filmagens de Chico Rei vão
à polícia para reavê -las. Jornal do Brasil, 1 mar. 1980, p. 6.
04 – TRÊS cineastas reivindicam os seus direitos. O Estado de São
Paulo, 4 mar. 1980 , p.17.
12 – XICO Rei. Jornal do Brasil, 12 mar. 1980, p.6.
27 - MULLER, Luís Eugênio Araújo. Xico Rey. Jornal do Brasil, 27 mar.
1980, p.2.
597
O s m ater i a is c o ns u l ta dos f or am org an i za d o s em ordem c rono l ó g i c a. As s im , tem s e o a n o, o m ês e a da ta – i n dic a da no i n íc i o d a ref erê nc ia . O s ac e r vos
c ons u lt a dos f or am da Ci n em atec a Bras i l e ira /S P e Hem er ot ec a His tór ic a P ú b lic a d e
M in as G er a is .
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29 – ESPÍRITO SANTO, Antônio José. Xico Rei. Jornal do Brasil, 29
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10 - DESTRUIÇÃO. Jornal do Brasil, 10 abr. 1980, p.6.
Julho
14 - MULLER, Luís Eugênio Araújo. Cinema. Revista Visão, 14 jul.
1980, p.5.
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Novembro
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1987
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27 - AZEREDO, Ely. Chico, de escravo a rei. O Globo, Segundo
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Setembro
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15 - A SAGA de Chico Rei. O Estado de São Paulo, Caderno 2, 15 out.
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1967
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13 - RITTNER, Maurício. O bazar Cannes. Opinião? 13 jun. 1975.
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03 - ALMEIDA, Márcio. Aleluia Gretchen ou a hora em que nem tudo é
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04 - AS XICAS de Zezé. Revista Veja, 4 ago. 1976.
26 - ENTREVISTA AO AQUI. A pornochanchada é um cin ema de direita.
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05 - MOTTA, Carlos. Xica da Silva. O Estado de São Paulo, 5 set.
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09 - VARTUCK, Pola. Uma virada do Cinema Novo no expressi vo Xica
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16 - ROCHA, Glauber. Cinema brasileiro na miséria. O Pasquim. 16 set.
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10 - ROCHA, Cláudio Bueno. Meu caro Glauber. O Pasquim, 10 fev.
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13 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rain ha dos
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14 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Diário da Tarde , 14 fev. 1977, p.17.
17 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 2ª Seção, 17 fev. 1977 , p.4.
18 - DIEGUES, Cacá. O profeta alado. O Pasquim, 18 fev. 1977.
18 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Xica da Silva estreia na quarta. Estado de Minas , 18 fev.
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20 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , Caderno Feminino, 20 fev. 1977 , p.6.
21 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Diário da Tarde , 21 fev. 1977, p.15.
23 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Diário da Tarde , 23 fev. 1977, p.12.
23 - XICA da Silva o melhor filme brasileiro de 1976. Diário da Tarde,
23 fev. 1977, p. 13.
24 - DIEGUES, Cacá. O profeta alado. O Pasquim, 24 fev. 1977, p.15.
24 - PROGRAMA. Diário da Tarde, 24 fev. 1977, p.6.
24 – CINEMA. Diário da Tarde , 24 fev. 1977, p.6.
24 – XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
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25 – CINEMA. Diário da Tarde , 25 de fev. 1977, p.6.
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26 – CINEMA: Xica da Silva. Diário da Tarde. 26 fev. 1977, p.6.
26 – XICA da Silva espera voc ês. Estado de Minas, 2ª seção, 26 fev.
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28 – CINEMA: Xica da Silva. Diário da Tarde, 28 fev. 1977, p.16.
28 – XICA da Silva. Diário da Tarde, 28 fev. 1977, p.17.
Março
01 - CINEMA: Xica da Silva. Diário da Tarde, 1 mar. 1977 , p.6.
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02 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 2ª seção, 2 mar. 1977 , p.4.
03 - CINEMA. Diário da Tarde , 3 mar. 1977, p.6.
03 - COLUNA Registro Cultural: Xica da Silva já deu 700 mil. Estado de
Minas, 2ª seção, 3 mar. 19 77, p.3.
03 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 2ª seção, 3 mar. 1977 , p.4.
04 - XICA da Silva. Diário da Tarde. 4 mar. 1977, p.6.
05 - XICA da Silva. Diário da Tarde , 5 mar. 1977, p.6.
07 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Diário da Tarde , 7 mar. 1977, p.16.
08 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 8 mar. 1977, p.4.
09 - XICA da Silva: a fantástica escr ava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 2ª seção, 9 mar. 1977 , p.4.
10 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 2ª seção, 10 mar. 1977 , p.4.
12 - XICA da Silva. Diário da Tarde , 12 mar. 1977, p.10.
12 - XICA da Silva. Diário da Tarde , 12 mar. 1977, p.16.
12 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 2ª seção, 12 mar. 1977 , p.4.
13 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rain ha dos
diamantes. Estado de Minas , Caderno Feminino, 13 mar. 1977 , p.6.
14 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
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15 - LEITE, Ricardo Gomes. Caminhos Opostos. Estado de Minas, 2ª
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15 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
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16 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
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17 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
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19 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas, 2ª seção, 19 mar. 1977, p.4 .
19 - XICA da Silva. Diário da Tarde , 19 mar. 1977, p.6.
20 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas , 2ª seção, 20 mar. 1977 , p.4.
21 - XICA da Silva. Diário da Tarde , 21 mar. 1977, p.19.
22 - COUTINHO, Mário Alves. Glória feita de sangue. Estado de Minas ,
2ª Seção, 22 mar. 1977 , p.4.
23 - FONSECA, Geraldo. Xica da Silva e a nossa história . Estado de
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23 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
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24 - EM CARTAZ. Estado de Minas, 2ª Seção, 24 mar. 1977 .
27 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
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28 - XICA da Silva. Diário da Tarde , 28 mar. 1977, p.19.
31 - XICA da Silva: a fantástica escrava que se tornou a rainha dos
diamantes. Estado de Minas, 2ª Seção, 31 mar. 1977 , p.4.
Abril
28 - FERREIRA, Jairo. Pornô não em nível: a culpa é de Cannes? Folha
de São Paulo, 28 abr. 1977.
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