Cinema, História Pública e Educação: Circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Cinema, História Pública e Educação: Circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) RODRIGO DE ALMEIDA FERREIRA Belo Horizonte 2014 RODRIGO DE ALMEIDA FERREIRA Cinema, História Pública e Educação: Circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) Tese apresentada à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de PósGraduação em Educação, como requisito para obtenção de título de Doutor em Educação. Orientadora Profª. Drª. Thais Nívia de Lima e Fonseca Coorientador Profº. Dr. Eduardo Victório Morettin Belo Horizonte 2014 F383c T Ferreira, Rodrigo de Almeida. Cinema, história pública e educação: circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) / Rodrigo de Almeida Ferreira. - Belo Horizonte, 2014. 398 f., enc., il.. Tese - (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação. Orientador: Thais Nívia de Lima e Fonseca. Coorientador: Eduardo Victório Morettin. Bibliografia: f. 375-398. 1. Educação -- Teses. 2. Cinema na educação -- Teses. 3. Cinema -- Teses. 4. História -- Teses. 5. Filmes historicos -- Teses. 6. Xica da Silva (Filme : 1976). 7. Chico Rei (Filme : 1985). I. Título. II. Lima e Fonseca, Thais Nívia de. III. Morettin, Eduardo Victório. IV. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação. CDD- 371.33523 Catalogação da Fonte: Biblioteca da FaE/UFMG Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação Doutorado em Educação Tese intitulada Cinema, História Pública e Educação : circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985), de autoria do doutorando Rodrigo de Almeida Ferreira , avaliada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Profª. Drª. Thais N. de Lima e Fonseca – UFMG – Orientadora Profº Dr. Eduardo Victório Morettin – USP - Coorientador Profª. Drª. Ana Maria Mauad Essus – UFF – Avaliador Profº Dr. Bernardo Jefferson de Oliveira – UFMG – Avaliador Profº Dr. João Pinto Furtado - UFMG – Avaliador Profº Dr. Marcos Francisco Napolitano de Eugênio – USP - Avaliador Profª. Drª. Lana Mara de Castro Siman – UEMG - Suplente Profª. Drª. Maria Cristina Soares de Gouvea – UFMG - Suplente Belo Horizonte, 21 de fevereiro de 2014 Av. Antônio Carlos, 6627 – Belo Horizonte, MG – 31.270 -901 – Brasil AGRADECIMENTOS Para o desenvolvimento dessa tese, contei com a colaboração de muitas pessoas. Ao recu perar parte dessa história, espero não cometer injustiças, deixando de nomear alguém; mas adianto -me, porém, e peço desculpas pelos possíveis esquecimentos. Sou sinceramente agradecido à professora Thais Nívia de Lima e Fonseca pelo trabalho de orientação. Nesses anos, Thais esteve sempre aberta ao debate, ouvindo, ponderando, instigando e compartilhando com generosidade ímpar. Além das questões práticas para a pesquisa, aprendi muito com sua conduta ética e profissional. Muito obrigado pelo acolhimento, pe lo programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG. Por se tratar de uma pesquisa que transita pelos campos da educação, da história e do cinema, consideramos pertinente a coorientação de um especialista em história do cinema. Foi uma honra o aceite de coorientação do professor Eduardo Victório Morettin (Escola de Comuniação e Artes da USP). Sou profundamente grato pela sua atenta leitura e franca interlocução. Agradeço ao CNPq pela concessão da bolsa de estudos, na modalidade bolsa sanduíche, r ealizado na ECA/USP, sob supervisão do professor Morettin. Aos professores Ana Maria Mauad (UFF), Bernardo Jefferson de Oliveira (UFMG), João Pinto Furtado (UFMG), Marcos Napolitano (USP), Lana Mara de Castro Siman (UEMG) e Maria Cristina Soares de Gouvea (UFMG), por aceitarem participar da banca examinadora desta tese. A experiência como orientando da professora Júnia Furtado, no Mestrado em História da UFMG, foi essencial para a constituição do projeto. Graças ao trabalho com ela realizado, sobre o desca minho de diamantes no século XVIII, foi possível dimensionar a historiografia sobre as Minas setecentistas e substanciar a reflexão sobre os filmes Xica da Silva e Chico Rei. Ao deslocar minha ênfase para o cinema e a educação, considerei todo aprendizado decorrente de suas orientações. Obrigado, Júnia. Sou muito agradecido ao cineasta W alter Lima Júnior, diretor de Chico Rei. Mesmo atribulado com compromissos ligados ao X Festival de Cinema de Ouro Preto – CineOP –, em junho de 2013, quando era o homenageado do evento, encontrou espaço em sua agenda para a realização do trabalho de Historia Oral. A entrevista, no salão do Hotel do Rosário, trouxe informações significativas para o desenvolvimento da pesquisa. Também agradeço ao cineasta Cacá Diegues, diret or de Xica da Silva. Embora não tenha sido possível realizar uma entrevista de história oral, foi solícito e gentil em uma conversa informal, quando participou de um evento na Academia Mineira de Letras, em Belo Horizonte. Agradeço ao crítico de cinema Mig uel Serpa Pereira pelo empenho e prestatividade em ajudar a promover o contato com os referidos cineastas. Desenvolver a pesquisa junto ao qualificado grupo de docentes e discentes da pós-graduação da FaE/UFMG foi uma excelente oportunidade. Os debates e seminários promovidos pela linha de pesquisa foram muito construtivos. Em especial, professores Cynthia Veiga e Luciano Faria Filho, observações críticas. Sobretudo, agradeço aos pelas valiosas agradeço ao professor Bernardo Jefferson de Oliveira, que aco mpanhou o trabalho em momentos distintos, tendo sido parecerista do projeto; participado do exame de qualificação e, por fim, como membro da banca de defesa da tese. No Centro de Pesquisa em História da Educação (GEPHE FaE/UFMG), tive contato com a variada produção de seus integrantes, a quem agradeço pelas trocas estabelecidas. Pela cumplicidade, aos colegas: Cássia Lima, Eduardo Maia, Flávia Gontijo, Juliana Goretti Viega, Leonardo Palhares. Lucas Pereira, Maria Clara Ruiz, Solyane Lima. E também aos cole gas de orientação, especialmente Aline Choucair Vaz, Ana Cristina Lage, Henrique Fonseca, Hércules Santos, Ismael Neiva, Sílvia Vartuli. Durante o doutoramento, tive a oportunidade de integrar a equipe radiofônica do projeto Pensar a Educação, Pensar o B rasil, veiculado pela Rádio Educativa UFMG, 104,5 FM. Preparar um programa de rádio sobre Educação e Cinema , veiculado mensalmente, foi uma grande experiência. Além de aprofundar questões sobre o potencial educativo não-escolar do filme, tomei contato com essa estimulante linguagem que é o rádio. Agradeço a todos os que integraram a equipe em 2011/12, pela receptividade e aprendizado que me proporcionaram. O abraço que registro ao professor Tarcísio Vago, coordenador que contagia a todos, é extensivo aos co legas que levam o programa ao ar nas noites de segundas -feiras. Ressalto a importância dos colegas do corpo docente dos cursos de Pedagogia e História, do Centro Universitário UNA, pela convivência e aprendizado constante . E, claro, aos alunos com os qu ais tenho estabelecido, desde 2007, diálogos quanto à relação cinema e educação, em especial, às orientandas de graduação Maria Aparecida Silva, Fátima Eloísa Giarola e Tatianne Souza que trabalharam a temática. Na coordenação do projeto de Pesquisa e Extensão Lu z, Câmera e História, no Centro Universitário UNA, foi possível desenvolver reflexões sobre cinema, história e educação junto aos alunos voluntários dos cursos de Pedagogia e História. Agradeço com carinho a todos os que passaram pelo projeto, d esde 2009, e ao público que pôde participar das sessões comentadas. Muito obrigado a Natália Alves, coordenadora da Extensão da UNA, sempre atenta às demandas do Luz, Câmera e História e à equipe da Casa UNA de Cultura, por viabilizar nossos encontros aos sábados, especialmente ao Hebert Moreira e Izabela Consenza. Nesses anos, tomei contato com a discussão relativa à História Pública, que se tornou central na proposição da tese. Passei, então, a integrar o grupo que constituiu a Rede Brasileira de História Pública e que tem levado o debate adiante. Dentre os muitos nomes desse grupo, agradeço, especialmente a: Ricardo Santiago, Juniele de Almeida, Marta Rovai, José Newton Meneses, Ana Mauad, Anita Luchesi. Ainda, nos ares da história pública, agradeço as pr ofessoras Adriane Vidal Costa e Miriam Hermeto, pelas oportunidades de diálogos junto aos seus trabalhos desenvolvidos na FAFICH/UFMG. Aos funcionários trabalham no da Programa FaE/UFMG, de sobretudo Pós -Gradução em às pessoas que Educação, sempre atenciosos: Daniele Cristina Carneiro de Souza, Ernane Oliveira, Gilson Mathias, Rosemary Madeira. Aos funcionários das bibliotecas das: Faculdade de (EBA/UFMG) Educação e (FaE/UFMG), Faculdade de Escola Filosofia e de Belas Ciências Artes Humanas (FAFICH/UFMG). Em Belo Horizonte, a pesquisa documental se concentrou na Hemeroteca Histórica Pública Estadual. Agradeço, especialmente, a Laizeline Aragão e Pollyanna Souza pelo auxílio nessa etapa do trabalho. Meu obrigado também a Discoteca Pública, na pessoa de Ed u Pampani, pela atenção às solicitações e seu trabalho para preservar e divulgar a história da música brasileira registrada em vinis. São Paulo foi um importante espaço para o desenvolvimento da pesquisa. Meu primeiro contato com Eduardo Morettin ocorreu em 2010, quando fui acolhido na disciplina Cinema, Memória e História, como aluno-ouvinte, na Pós-Graduação da ECA-USP, ministrada em parceria com o professor Ismail Xavier, a quem também agradeço a generosidade. Na ECA/USP, pude integrar o g rupo de pesquisa História e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação , cujos seminários promovidos foram de grande valia para as reflexões acerca da relação cinema e história. Em especial, agradeço ao professor Marcos Napolitano, pela interlocução no grupo e pertinentes sugestões dadas ao trabalho no exame de qualificação e, por fim, por participar como membro da banca de defesa de tese. Nas estadias em São Paulo, agradeço à equipe da Cinemateca Brasileira por suavizar o árduo trabalho de pesquisa ao seu acerv o, sobretudo, ao apoio de Daniel Shinzato e Alexandre Miyazato pela atenção em orientar, localizar e fotocopiar vasta documentação. Um obrigado especial a Gabriela Queiroz, que viabilizou o acesso parcial ao acervo da Embrafilme, cuja consulta estava restr ita por se encontrar em processamento técnico. Agradeço a atenção de Maria José Fagundes, bibliotecária da Faculdade de Educação da USP, responsável pelo acervo do LIVRES/ Biblioteca do Livro Didático. A exaustiva pesquisa nesse acervo teve um contratempo decorrente da mudança de prédio e substituição do instrumento de pesquisa. Sem sua pronta intervenção, a terceira e última parte da pesquisa referente aos livros didáticos teria ficado comprometida. Lembro-me com carinho de professores que marcaram minha formação. Na PUC -Minas, onde me graduei em História: Carla Ferreti Santiago, Virgínia Trindade Valadares, Eliana Fonseca Stefani, Liana Reis, Lucília de Almeida Neves, Rui Edmar Ribas. No Mestrado em História na UFMG, Carla Anastasia, Eduardo França Paiva, Douglas Cole Libby. Aos grandes amigos, sempre presentes e atentos: Adriano Guerra, Larissa Agostini, Luiz Otávio Côrrea, Pablo Camargo, Cristiano Heráclito, Juliana Zocrato, Márcio Amaral, Karine Silvestre. A Frederico Assis Cardoso, amigo generoso com q uem compartilhei diálogos sobre trabalho, educação e utopias. E as inesquecíveis turmas do Bosque, Geraldinho e Rock Bar. A mãezinha, Luzinete, responsável pela formação, cuidados e apoio. Aos avós Jacy e Isa, pela juventude aos noventa anos. Abraços ao pai e ao irmão. Agradeço o acolhimento do meu sogrão Dorival, do cunhado Juliender e sua esposa Karine. Ao cão Chicão, o quatro patas peludas sempre disposto a brincar. Ressalto a gratidão que tenho por Juniele, pelo companheirismo, incentivo, atenção, compr eensão, sugestões, leitura, enfim... Minha amada, cobri-la de beijinhos é pouco. Muito obrigado, Juju. À minha mãe, que na infância me mostrou a magia das palavras e das imagens RESUMO A tese Cinema, história pública e educa ção: circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) propõe compreender o filme de gênero histórico no que tange a mediação, divulgação e produção do conhecimento histórico, tanto em espaço escolar, quanto não -escolar. Problematiza-se esse gênero fílmico para o saber histórico a partir da análise dos imaginários sociais presentes nos filmes, construídas na interface entre a historiografia e outros campos narrativos como a literatura, a música e o carnaval. A discussão assinala as dimensões da história pública, considerada como produção e divulgação do conhecimento histórico em diálogo com outras áreas, não necessariamente acadêmicas. Tais reflexões são desenvolvidas a partir da análise dos filmes Xica da Silva (dir. Cacá Diegues, 1976) e Chico Rei (dir. W alter Lima Júnior, 1985). No imaginário social, a trajetória desses ex -escravos é emblemática na história mineira, tendo sido representada em variados suportes narrativos. Os personagens das películas são motes para a narrativa fílmica abordar aspectos sócio -históricos do período da América Portuguesa, sobretudo, de Minas Gerais no século XVIII. O filme de gênero histórico permite, ainda, observar o contexto temporal de sua produção e veiculação. No caso, ambos os filmes fora m realizados durante a ditadura civil -militar brasileira, abordando o período por meio de alegorias, metáforas, sugestões e/ou chistes. A pesquisa está inscrita em um cenário transdisciplinar: áreas da educação, da história e do cinema. A análise fílmica, sob o prisma da relação entre a produção acadêmica e a educação para além do espaço escolar, foi estruturada nos seguintes pontos: 1º) a construção das narrativas cinematográficas em diálogo com as formas de representações históricas como expressão de his tória pública; 2º) o papel do filme de gênero histórico e suas características narrativas diante de políticas de Estado para educação e cultura, enfatizando a relação entre os projetos dos referidos filmes e a Embrafilme; 3º) a análise de Xica da Silva (1976) e de Chico Rei (1985) destacando a apropriação, circularidade e ressignificação de imaginários sociais sobre a história do Brasil que perscrutam a temporalidade passado presente, e; 4º) a repercussão educativa dos filmes via cobertura da imprensa e sua inserção nos espaços escolares, por meio de livros didáticos e capacitação docente. Considerando -se, a partir desses pontos, a problematização de filmes de gênero histórico e educação, evidenciam-se possibilidades metodológicas da história pública. Palavras-chaves: Cinema; História Pública; Educação; Xica da Silva; Chico Rei. ABSTR ACT The dissertation Cinema , public history and education : circularity of historical knowledge in Xica da Silva (1976) and Chico Rei (1985) investigates the historical mov ie genre from the viewpoint of mediation, divulgation and production of historical knowledge in both school and non-school spaces . This analysis of historical movies was based on the social imaginaries in the movies built at the interface between historiog raphy and other narrative fields such as literature, music and carnival. It points to the dimensions of public history as a means of production and divulgation of historical knowledge in dialogue with other not necessarily academic areas. These reflections were based on the analysis of the movies Xica da Silva (directed by Cacá Diegues, 1976) and Chico Rei (directed by W alter Lima Júnior, 1985). In the social imaginary, the paths of the former slaves, the main characters, are emblematic in the history of Minas Gerais and have been presented in various narrative supports. These characters afford an opportunity for the movies to deal with social historical aspects of the Portuguese America Period, mainly in Minas Gerais during the 18th century. Historical movi es also allow observing the temporal context of their production and divulgation. Both of these movies were made during the Brazilian civil -military dictatorship and dealt with this period through allegories, metaphors, suggestions and/or jokes. This stud y is transdisciplinary in nature, delving into the areas of education, history and cinema. The analysis of the relationship between academic production and education beyond the school space through the movies was structured as follows: 1) the construction of the movie narratives in a dialogue with the forms of historical representation as a means of expression of public history, 2) the role of historical movies and their narrative characteristics in relation to the State educational and cultural policies wi th emphasis on the relationship between these movie projects and Embrafilme, the Brazilian State movies agency, 3) the analysis of Xica da Silva (1976) and Chico Rei (1976) with emphasis on the appropriation, circularity and resignification of social imaginaries of Brazilian history that run through the past -present timeline, and 4) the educational impact of these movies as covered b y the press and their introduction to school spaces through didactic books and teacher training. This approach of historical m ovies and education reveals methodological possibilities within public history. Keywords: Cinema, Movies, Public History, Education, Xica da Silva, Chico Rei LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1. Figuras Figura 1 – Navio de Chica da Silva (Yara Tupinambá, 1966 )..............78 Figura 2 – Carro alegórico do Salgueiro, carnaval 1963. ....................84 Figura 3 – Inovadora coreografia da comissão de frente do Salgueiro, carnaval 1963.......................................................... .................... ..84 Figura 4 – Capa e Contracapa do disco Trilha Sonora Chico Rei.............................................................................. ..................95 Figura 5 – Mina do Chico Rei/Encadideira , entrada....................... ..103 Figura 6 – Folder Mina do Chico Rei........................................ ......104 Figura 7 – A soberba (Marcial Ávila, 2000)............................. ........109 Figura 8 – Um jantar brasileiro (J.B.Debret, 1827)................... ........120 Figura 9 – Negros no porão do navio (J.M.Rugendas, c.1825) ..........122 Figura 10 – Anúncio de estreia d e Xica da Silva em Minas Gerais ....272 Figura 11 – Ordem de retorno à Corte dada a João Fernandes de Oliveira, emitida pelo reino em 1769................................. .............293 Figura 12 - Capa e interior de livro que reproduz frame do filme Xica da Silva............................................................................................310 Figura 13a – Chica da Silva: entre a ficção e a história......... ..........314 Figura 13b – Chica da Silva: entre a ficção e a história...................314 Figura 14: Manual do professor: Chico Rei como tema para reflexão.......................................................................................316 Figura 15: Sugestões de filmes como seção didática.......................321 2. Frames Frame 1 – Plano da inauguração do navio de Chica da Silva (Xica da Silva )................................................................... ...........79 Frame 2 – Plano do jantar de recepção ao governador (Xica da Silva)............................................................................. 120 Frame 3 – Escravas no porão do Navio Negreiro (Chico Rei)............................................................ ......................122 Frame 4 – Cartela de abertura, plano de Xica da Silva (Xica da Silva ).............................................................................135 Frame 5 – Abertura de Chico Rei, cartela explicativa sobre o tráfico de escravos (Chico Rei)....................................................................137 Frame 6 – Plano de Chico Rei, fontes de inspiração para roteiro (Chico Rei)............................................................ ......................13 8 Frame 7 – Fontes bibliográficas de consulta, cartela final (Chico Rei)............................................................ ......................140 Frame 8 – Plano do pátio de africanos recém -escravizados (Chico Rei)....................... ...........................................................199 Frame 9 – Plano em que africana resiste ao embranquecimento (Chico Rei).................................................................................. 200 Frame 10 – Primeiro plano de Chica da S ilva com o rosto maquiado de branco durante jantar com o governador (Xica da Silva)..................201 Frame 11 – Plano de quilombolas fortificando e vigiando quilombo (Chico Rei)........................................................................... .......205 Frame 12 – Plano geral do quilombo de Teodoro ( Xica da Silva)......208 Frame 13 – Plano de Chica da Silva nas ruas do Tejuco com sua carta de alforria (Xica da Silva).............................................................. 214 Frame 14 - Chica da Silva é proibida de entra r na igreja (Xica da Silva )..................................................... .........................215 Frame 15 – Plano da Santa Efigênia a indicar o ouro na galeria descoberta por Chico Rei (Chico Rei)................................. ............218 Frame 16 – Primeiro plano de Chico Rei que grita por liberdade após achar ouro na mina (Chico Rei).....................................................2 19 Frame 17 – Plano de Chico Rei recebendo a carta de alforri a (Chico Rei)..................................................................................220 Frame 18 – Plano de Chico Rei preso, conduzido por militares (Chico Rei)................................................................................. .221 Frame 19 – Plano de Chico Rei como rei da congada , ladeado pela rainha e o chefe da irmandade do Rosário (Chico Rei)....................223 Frame 20 – Plano do enforcamento de Filipe dos Santos (Chico Rei)..................................................................................227 Frame 21 – Plano de José Rolim discursando par a Chica da Silva contra as autoridades coloniais (Xica da Silva)............................... 231 Frame 22 – Plano do camarote do teatro onde o governador transmite ordens ao capitão Vasconcelos (Chico Rei).................................... 233 Frame 23 – Plano do alferes Felipe recebendo impostos na Intendência do Ouro (Chico Rei)......................................................................236 Frame 24 – Plano em que intendente conversa com o contratador sobre denúncias contra sua administração (Xica da Silva)........................239 Frame 25 – Plano em que Teodoro é torturado pelo governador e seu assistente militar ( Xica da Silva)....................................................243 Frame 26 – Chico Rei é torturado na sede do governo (Chico Rei)..................................................................................245 Frame 27 – Plano da confusão contra a prisão de Chico Rei, observad a pelo governador (Chico Rei)..........................................................246 Frame 28 – Plano da conversa na prisão entre Seixas, o governador e o capitão Vasconcelos (Chico Rei)....................................................248 Frame 29 – Plano do sargento -mor de ceroulas jurando fidelidade ao rei (Xica da Silva ).........................................................................251 Frame 30 – Plano geral da fazenda do major Seixas (Chico Rei)..................................................................................253 Frame 31 – Plano do comboio de escravos s endo vendido nas ruas de Vila Rica (Chico Rei)....................................................................255 Frame 32 – Plano do padre, na igreja, lavando a cabeça dos negros para recolher o ouro extraviado (Chico Rei)............................ ........258 Frame 33 – Plano do serviço de extração diamantina (Xica da Silva )..............................................................................260 Frame 34 – Plano geral do serviço de extração diamantina (Xica da Silva ).................... ..........................................................261 3. Gráficos Gráfico 1 – Categorias temáticas dos projetos apresentados ............158 Gráfico 2 – Temporalidades nos projetos apresentados .................. 160 Gráfico 3 - Temporalidades para filmes históricos ........................... 161 Gráfico 4 – Categoria temáticas para filmes históricos .....................162 Gráfico 5 – Filmes com temáticas históricas em processo de pesquisa: temporalidades ..................................... ........................................165 Gráfico 6 – Projetos fílmicos com temáticas históricas inscritos e aprovados.............................................................................. ......166 TABELAS Tabela 1 - Referências a Chica da S ilva e Chico Rei nos livros didáticos (1978-2006).................................................................................308 Tabela 2 - Categorias temáticas referentes a Chica da Silva nos livros didáticos (1978-2006).............................. .................................... .311 Tabela 3 - Categorias temáticas referentes a Chic o Rei nos livros didáticos (1978-2006).................................................................. .317 SIGLAS Agência Nacional de Cinema – ANCI NE Centro Popular de Cultura – CPC Comissão Nacional do Livr o Didát ico – CNLD Conselho Federal de Cultur a – CFC Departamento de Análises de Projetos da Embraf ilme – DAPRO Departamento de Or dem Política e Social – DOPS Divisão de Censura e Diversões Públicas da Polí tica Federal – DCDP/PF Doutr ina de Segurança Nacional – DSN Empresa Br asileira de Filmes S/ A – EMBRAFILME Faculdade de Educação/ Universidade Federal de Minas Ger ais – FaE/ UFMG Faculdade de Educação/Universidade de São Paulo – FE/USP Fundação de Desenvolvi mento da Educação de São Paulo – FDE/SP Instituto de Patrimônio Histór ico e Artístico Nacional – IPHAN Instituto Nacional de Cinema – INC Instituto Nacional de Cinema Educat ivo – INCE La Union Cinematográf ica Educativa – LUCE Leis de Diretr izes e Bases do Ensino – LDBEN Livros Escolares – Biblioteca do Livro Didático – LIVRES – FE/USP Museu da Imagem e do Som/SP – MI S/SP Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s Ser viço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN União Nacional dos Estudantes – UNE Universidade do Est ado de São Paulo – USP Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Universidade Federal Fluminense – UFF SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................ 20 1. A CONSTRUÇÃO DA TEMÁTIC A HISTÓRICA: REPRESENTAÇÕES DE XICA DA S ILV A E CHICO REI........ ........56 1.1. Chica da Silva e Chico Rei: múltiplas representações narrativa s............................... .60 1.1.1. No campo literário.................. ................................... 61 1.1.2. No campo carnavalesco......................... ....................80 1.1.3. No campo musica l..................................................... .88 1.1.4. No campo turístico.......................... ...........................99 1.1.5. O campo historiográfico e a iconog rafia sobre o escravismo. ..........................110 2. CINEMA E CONHECIMENTO HISTÓRICO........................ ..........125 2.1. História do cinema: a narrativa fílmica se apropria da História................... ..125 2.2. Cinema e educação no Brasil: do Ince à Em brafilme......147 2.3. Os projetos fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei..........171 2.3.1. Xica da Silva ........................................... ..............173 2.3.2. Chico Rei ........................................ ......................183 3. XICA DA SILVA E CHICO REI: ANÁLISE FÍLMICA. ....................195 3.1. Imaginários de liberdade e resistência ...........................195 3.1.1. Quilombo: da resistência clássica à integração..... .....203 3.1.2. Alforria: a liberdade dentro das regras ..................... 212 3.2. Ponte temporal: da ditadura à colônia........ ....................224 3.2.1. Liberdade, ainda que tardia .................... .................. 226 3.2.2. Administração política: jeitinho luso-brasileiro...........234 3.2.3. Militares, sem continência........... ................... ..........242 3.3. Lições cinematográficas de história ...............................252 4. REVERBERAÇÕES DE XICA DA SILVA E CHICO REI: HISTÓRI A PÚBLICA...........................................2 65 4.1. Repercussão: debates pela imprensa......................... ....266 4.1.1. 4.2. Das patrulhas ideológicas à ampla audiência .............287 Apropriação filmográfica para fins educativos ............. ..301 4.2.1. Xica da Silva e Chico Rei na escola: livros didáticos e capacitação docente. ................. ....303 4.2.2. Problematizando com Xica da Silva e Chico Rei.........325 CONSIDERAÇÕES FINAIS................... .....................................338 FONTES .................................................................................347 Filmográficas............................................ .....................347 Ficha técnica dos filmes ...............................................347 Roteiro........................................................................348 Músicas......................................................... ................349 Fundo Embrafilme (Acervo Cinemateca Brasileira).........350 Legislação......................................................... ............351 Livros didáticos ......................................................... ....356 Periódicos........................................................ .............360 Chico Rei....................................................................360 Xica da Silva...............................................................363 Sites......................... ................................ .....................371 FILMES CITADOS.......................................................... ..........373 REFERÊNCI AS.................................................................. ......375 20 INTRODUÇÃO O trabalho Cinema, História Pública e Educação: circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) almeja compreender o filme de gênero histórico 1 no que tange à mediação, divulgação e produção do conhecimento histórico, tanto na educação em espaço escolar, quanto não-escolar 2. Problematiza -se esse gênero fílmico e sua perspectiva educativa a partir da análise dos imaginários sociais 3 presentes nos filmes, construídas na interface entre a historiografia e outros campos narrativos, com o a literatura, a música e o carnaval. Tais reflexões são desenvolvidas a partir da análise dos filmes Xica da Silva (dir. Cacá Diegues, 1976) e Chico Rei (dir. W alter Lima Júnior, 1985) 4. Ambos recorrem à narrativa sobre os personagens -título para estrutu rar seus enredos, que transcorrem no contexto da América Portuguesa, no período da exploração de ouro e pedras preciosas em Minas Gerais, no século XVIII. O primeiro filme enfatiza a vida da ex -escrava Chica da Silva, que teve um longo caso amoroso com o contratador dos diamantes , João 1 O s f i lm es X ic a d a S i l v a e C hic o R e i s ão e nt e nd i dos aq u i c om o f i lm es d e g ê ner o h is t ór ic o , c o nf or m e c o ns id er aç õ es a s e g u ir s obr e es s e g ê ner o f í lm i c o. 2 A ed uc aç ã o n ã o - e s c o lar é, a i n da , i nc i p ie nt e n a pr o duç ã o em his tór i a d a ed uc aç ã o . Mar i a G o hn a pr es e nt a três m oda l i da d es ed uc at i v as : a f orm al , a i nf orm a l e a nã o- f or m a l, p e l a s q ua is o c in em a é c ons i d era d o c om o e d uc aç ã o i nf orm al . Co nt u do , bus c a - s e r e c on h ec e r n es t a p es q u is a o f i lm e d e gê n e ro h is t óric o c om o um a pr át ic a e duc at i v a , t a nt o f orm a l, q ua n to nã o - f orm a l, p o is a pro duç ã o f í lm ic a e o es p ec ta d or po d em es ta b el ec er d iá l o gos qu e v i a bi l i zem s ua ed uc aç ã o p ar a o c on h ec im ent o h is tór ic o. Pa r a ed uc aç ã o n ã o - f orm al; c f .: G O HN , M ar ia da G l ór ia . A ed uc aç ã o n ã o - f or m al e a r e laç ã o es c ol a - c o m uni da d e. I n. : Ec c os : rev is t a c i e nt íf ic a , S ão Pa u l o, v . 6, n. 2, p. 3 9 - 6 5, de z. 2 00 4; G O HN , M ari a d a G l ór i a . Ed uc aç ão n ã o for m a l e c u lt ur a p ol ít ic a . 3 . ed . S ão P au l o: C o rte z, 2 00 5. 3 Par a o c o nc e i to d e i m agi nár i o s oc i a l; B AC ZKO , Bro n is la w. Im ag i naç ã o S oc i a l. I n: E nc ic l o pé d i a E i na u di . L is b o a: Im pre ns a Nac i on a l; C as a d a M oe d a; E d . P ort u gu es a, 19 8 5, v. 5: An tr op os - H om em . 4 Q ua n do o t ex t o s e r ef er ir a os f i lm es X ic a d a S ilv a e C h ic o Re i , a d ot o u - s e a gr af i a em itá l ic o . Q u a nd o s e r ef er ir a os p ers on a ge ns C hic a d a Si l v a e C h ic o R e i, t a nt o n o c on t ex t o f í lm ic o o u em o utr o s u p ort e n arr at i v o, m ant e v e - s e a gr af i a s em d es t a qu e . 21 Fernandes de Oliveira, um dos homens mais poderosos do Império Português. O romance demonstra inversões na ordem social vigente na sociedade escravocrata do arraial do Tejuco (atual Diamantina/MG), centro da exploração diama ntina; aspecto bastante explorado no filme, que representa uma ex-escrava a exercer poder sobre os brancos. Já Chico Rei narra a história sustentada na tradição popular de Galanga, rei tribal africano que foi escravizado e vendido para um proprietário em Vila Rica (atual Ouro Preto/MG). Rebatizado como Francisco, seu proprietário concedeu -lhe a alforria em reconhecimento ao trabalho realizado na mina de ouro da Encardideira. Com a ajuda da irmandade religiosa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, C hico Rei adquiriu a Mina da Encardideira e, com o ouro explorado , pôde comprar a carta de alforria de muitos escravos, estabelecendo liderança junto aos negros. Embora ambos os filmes procurem ressaltar uma inversão social ao destacarem a liberdade e auton omia vivenciadas por Chica da Silva e Chico Rei, a sociedade mineira no século XVIII se caracterizou pelo considerável número de negros livres, muitos dos quais ex -escravos que conseguiram sua alforria. Atribui -se essa opção narrativa como finalidade dramá tica para o enredo, provocando o espectador e seu conhecimento histórico referente ao escravismo corrente no senso comum, pelo qual era inviável a mobilidade social para os negros. As direções fílmicas de Cacá Diegues e de W alter Lima Júnior diferem. Enquanto Chico Rei é desenvolvido em uma linguagem dramática, Diegues optou pelas marcas da comédia para representar Chica da Silva. Apesar da diferença de estilos, há muitas interseções nos sentidos produzidos pelas narrativas de Xica da Silva e Chico Rei, sendo estas estimulantes para a reflexão histórica . Em parte, as proximidades podem ser reconhecidas como heranças da formação dos diretores em suas inserções na história do cinema nacional. Contemporâneos, W alter Lima Júnior nasceu em Niterói, em 1938, enqua nto o alagoano Diegues, dois anos mais novo, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na infância. Como ressaltam em 22 suas biografias 5, o tornar-se diretor decorreu da paixão pela sétima arte desenvolvida em cineclubes cariocas, onde as discussões estabelecidas os incentivaram a pegar em câmeras e realizar seus próprios filmes. Ambos foram partícipes do Cinema Novo, que se destacou na cinematografia por procurar desenvolver o cinema brasileiro em perspectiva inovadora, como uma maneira de pensar o Brasil a parti r da estética e da abordagem de temas sociais 6. Mesmo que Xica da Silva e Chico Rei não se configurem essencialmente em exemplos da estética cinemanovista, ao abordar a história desses ex-escravos como mote para representar a sociedade escravocrata, os di retores afirmavam que se tratava de filmes sobre a liberdade e a resistência, e que ajudavam a compreender o Brasil. No contexto da ditadura militar, abordaram o passado para problematizar o presente; e o fizeram pela perspectiva do tema marginal. As artim anhas e táticas usadas pela ex-escrava do Tejuco e pelo líder negro de Vila Rica exaltavam a história de oprimidos, ao mesmo tempo ressaltavam a esperança no próprio povo para reverter o quadro histórico desfavorável de opressões e injustiças. A proposta desta pesquisa é analisar o papel do cinema -história como articulador de narrativas históricas 7, bem como perscrutar a conexão 5 entre produção historiográfica e educação para o Par a b i o gr af ia d e W alt er L im a J ú n ior , c f .: M AT T O S, C ar los A lb e rto . W alt er Li m a J ún i or, v iv e r c in e m a . R io de J a n e iro : Cas a da P al a vr a, 2 0 02 . Em bor a n ão s ej a pro pr i am ent e um a b i o gr af ia , Cac á D ie g ues a na l is a s u a f orm aç ã o prof is s io n al em DI EG U ES , C ar los ; C A M ARG O , M ar i a S íl v i a. O que é s er d ir et or de c in e m a : C ac á Di e gu es . R i o de J a n e ir o : R ec or d, 2 00 4. V er, a i nd a, os v er b et es : O RO Z , Sí l v i a. Di e gu es , Cac á . In .: R A MO S, F er nã o; MI R A ND A, Lu i z F e li p e. (O r gs ). Enc ic l o pé d ia do c i ne m a br as i l eir o . 2. ed . S ã o Pa u lo : E d. S EN A C, 20 0 4, p. 17 0 - 1 71 ; S A L E M, He l en a . L im a J r , W alt er ; I n. : R A MO S , F e rnã o ; M IR A ND A , Lu i z Fe l ip e . (O r gs ). E nc ic l o pé d i a do c in e m a br as i l e ir o . 2 . e d. Sã o P au l o: E d. S E N AC , 20 0 4, 3 2 7 - 32 8. 6 Par a o C i nem a N o v o; c f .: X AV I ER , Is m ai l. Al e g ori as d o s u b d es e nv o lv i m e nt o: c i nem a n o v o, t r o p ic a lis m o, c i nem a m arg in a l. S ão P au l o: B ras il i e ns e , 1 9 93 ; B ER N AR D ET , J e a n - C l au d e. Br as i l e m t em p o d e c i ne m a: e ns ai os s ob re o c i nem a bras i l e ir o . 3. e d. R i o d e J an e ir o: P a z e T err a, 1 97 8 ; VI A N Y, A l ex ; A V E LL A R, J os é Car l os . O pr oc es s o d o c i ne m a n ov o . R i o d e J a ne ir o, RJ : A er op l an o E d i tor a, 19 9 9; RO C H A, G la u ber ; X A V IE R, Is m a il . R ev o l uç ã o do c in e m a nov o. Sã o P au l o: C os ac & Na if y, 2 0 04 . 7 O c onc e it o d e n ar r at i v a h is t ór ic a e s ua c on s truç ã o na c on ex ão e n tre a im ag in aç ão e a r ea l i da d e, pe ns ad o p or Pa u l R ic ou er , es ti m u lo u as r ef l ex ões a res p e it o d o f i lm e de gê n er o h is t ór ic o/ h i s tór i a p úb l ic a/ e duc aç ão des e n vo l v i d as n es ta pes q uis a ; c f .: RI CO U E R, P a ul . T e mp o e Na rra t iv a . S ã o P au l o: W MF Mar t i ns F o nt es , 2 01 0 ; RI CO U E R, Pa u l. A m e mó r i a , a h is t ór i a, o es qu ec i me n to . Cam p in as : U n ic am p, 2 00 7. 23 conhecimento histórico 8. Os pontos de tangência entre os filmes – liberdade/resistência – orientaram a escolha por Xica da Silva e Chico Rei para serem analisados: narrativas que abordassem a sociedade mineira setecentista a partir da história da escravidão e liberdade. Soma-se a esse aspecto o fato d e as narrativas estarem inseridas em terrenos distintos, já que a trajetória de Chica da Silva é tratada como biografia histórica por estar devidamente documentada. Enquanto Chico Rei se circunscreve ao campo da lenda, sustentado pela tradição popular. Não obstante, ambos revelam -se presentes e significados no imaginário social, especialmente aquele relacionado à resistência negra mineira. As informações existentes sobre os referidos personagens constituem outro f ator a ser destacado. Há muitas coincidências nos registros relativos à Chic a da Silva e ao Chico Rei. Correntes na tradição popular, a história da ex -escrava do Tejuco foi registrada ainda no século XIX por um memorialista da região diamantina 9, enquanto o rei negro recebeu menção em livro sobre a história de Minas, em 1904 10. Na década de 1950, a poetisa Cecília Meireles dedicou a Chica da Silva e ao Chico Rei alguns cantos em seu Romanceiro da Inconfidência , poema sobre a Inconfidência Mineira, reconhecendo -os na cultura popular mineira e, ao mesmo tempo, alçando suas histórias p ara todo o território nacional 11. Aproximadamente uma década depois, em 1966, foi a vez do literato 8 As s um e- s e n es te tr a ba l h o a i de i a d e e du c aç ã o p ar a o c o nh ec i me n to h is tó ric o , te n do em vis t a a pr e o c up aç ão em pro b lem a ti za r o p ot e nc ia l ed uc at i v o d o f i lm e d e gê n er o h is tó r ic o p ar a a lém d o es p aç o es c o lar . E n ão o c o nc e it o de e d uc aç ã o h is t ór ic a dec or r en t e das pr o p os iç õ es d e J örn R üs e n e P et er Le e . No Bras i l , o La b or at ór io d e P es q u is a em E d uc aç ã o His t óric a d a Un i v ers i da d e F e der a l d o P ara n á ( LA P E DU H) , p or m ei o da pr od uç ão de M ar ia A ux i l ia d or a Sc hm idt , r ef orç a ta l d is c us s ã o c om ênf as e às pr át ic as d oc en tes . Par a a d is c us s ão s obr e e duc aç ão h is t ór ic a ; c f .: LE E , P et er . Em dir eç ão a u m c onc ei t o d e l i ter ac i a h is t ór ic a . I n .: Rev is ta E duc ar : D os s i ê E d uc aç ã o H is t ór ic a, Cur i t ib a: UF PR , 2 00 6 ; L E E, P et er . His t or y i n th e c las s r o om . In. : Ho w S t ud e nt s . W as hin gt on : T he n at i on a l ac a dem ies pres s , 2 0 05 ; R U SE N, J or n . R a zã o his t ór ic a . Bras í l ia : U n B, 2 0 0 1; SC H MI DT , M ar ia A ux i l i a dor a; B AR CA , I s ab e l. Apr e nd er h is t or i a : p ers p ec ti v as d a ed uc aç ã o his t ór ic a . Ij u í: l n ij u i , 2 00 9. 9 S A NT O S , J oa q u im Fe líc i o dos . Me m ór i as do D is tr i t o Di a m an t in o da c om arc a do S erro Fr i o. 6 . ed . B e lo Hor i zo n t e: I ta t ia i a, 19 76 . 10 V A S CO N C EL O S , D io go d e. H is tór i a A nt i g a de Mi n as G era is . B el o H or i zo nt e : It at i a ia , 1 99 9. 11 M E IR E L E S, C ec í l i a. Ro m anc e ir o da I nc o nf i dê nc i a . R i o de J an e ir o : Le tr as e Ar tes , 19 6 5. 24 Agripa Vasconcelos dedicar um volume para cada um deles, compondo a coleção de seis títulos de romances históricos que integram a Saga do País das Gerais 12. Por fim, a escola de samba carioca Acadêmicos do Salgueiro desenvolveu seu enredo carnavalesco em cima das histórias de Chica da Silva (1963) e de Chico Rei (1964), quando se sagrou campeã e vice -campeã, respectivamente. Após o lançamento dos filmes, as nar rativas continuaram a despertar interesse: houve a telenovela Xica da Silva (1996), exibida com bastante sucesso pela Rede Manchete 13, e Chico Rei foi tema de um episódio da série televisiva Cidades Secretas: Ouro Preto , exibido pela rede internacional Hist ory Channel (2009). A produção dos referidos filmes e a política governamental voltada para o cinema nacional também merece m destaques. Conforme se analisará, programas governamentais associavam o cinema e a educação. No Brasil, a maior expressão dessa pr ática foi o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE) 14, constituído meses antes da implantação do golpe do Estado Novo. A ideia do INCE perdurou mesmo após o golpe civil -militar de 1964, que instituiu uma nova ditatura. O órgão foi suprimido pela refor ma administrativa, mas a Embrafilme 15 – empresa voltada para organizar o cinema nacional – 12 V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic a q u e m an d a . B el o H or i zo n te : It at i a i a, 1 9 66 . V A SCO NC E LO S , A gr i pa . C hic o R e i . Be l o H or i zo nt e : It at i a ia , 1 96 6 . 13 En tr e 1 9 96 - 9 7, a ex t i nt a R e de M anc h et e d e T ele v is ã o pr o du zi u a te l en o v e la X ic a da S i lv a, di r i g i da p or W alter A va nc i n i e r ed i g id a p or W alc yr C arr a s c o. Res s a lt a - s e qu e o v i és pr ed om in a nt e n es s a pr od uç ão e x p lor a um a re pr es e n t aç ã o d e C h ic a d a S i l va s e ns u a l i za d a e vo l u pt u os a , in a ug ura d a pe l o f i lm e d e C ac á D i eg u es , c on tr ib u i nd o par a o s u c es s o p op u l ar d a no v e l a. A pro t ag o nis t a f o i i nt er pre t ad a pe l a i nic i a nt e T ha ís Ar a új o, qu e t e ve s ua c arr e ira de atr i z p roj et a d a d e v id o a o s e u des em pe n ho , as s im c om o oc or re u c om Ze z é Mo tt a, s u a i nt ér pre t e no c i n em a e qu e te v e p ar t ic i paç ã o es pe c i al na n o v e la c om o m ãe de C h ic a da S il v a . 14 RO S A , C r is ti n a So u z a d a. Im a ge ns qu e e duc a m: o c i n em a ed u c at i v o n os a n os 19 3 0- 19 4 0. 20 0 2. D i s s er t aç ão ( M es t ra d o em His t ór i a) – U n i v ers id a de Fe d er al Fl um in ens e . Ni t er ó i ; CA R V AL H A L, F ern a n da C ar o l in e d e A lm ei da . L u z, c â m er a, ed uc aç ã o ! O I ns t it u to Nac i on a l d e Ci n em a E duc a ti v o e a f orm aç ã o d a c u lt ur a áu d i o im ag ét ic a es c o l ar . 2 00 8 . D is s ert aç ão ( M es tr a do em Ed uc aç ã o) – U n i vers i d ad e Es t ác i o d e S á, F ac u l da d e d e E d uc aç ã o. Ri o d e J a n e iro ; MO RET T IN, E du ar d o V ic t ór i o. H u mb er t o Ma ur o , c i n em a , h is t ór ia . S ão Pa u l o: A l am ed a, 20 1 3 . 15 S obr e a Em br af i lm e; c f .: A M ÂN CIO , T un i c o. Ar tes e ma n has da E m bra f i lm e : c i nem a es ta ta l br as i l e i r o em s ua é p oc a de o uro ( 1 97 7 - 19 8 1). Ni t er ó i: Ed UFF , 2 0 00 ; G AT T I, An dr é P ier o . E mbr a fi l m e e o c i n em a b ras i l ei ro . Sã o P a ul o: Ce n tro C u lt ur al S ão Pa u l o, 2 0 07 . 25 incorporou em seu estatuto a preocupação com o aspecto educativo do filme, ainda que não pensado mais exclusivamente no espaço escolar. O objetivo maior da Embrafilm e era estimular a produção brasileira e divulgá -la no exterior. Cacá Diegues e W alter Lima Júnior estabeleceram importantes parcerias com a empresa para viabilizarem seus filmes, ainda que em circunstâncias distintas. O diretor de Xica da Silva obteve sobretudo, apoio na da Embrafilme divulgação e como distribuição produtora, das cópias que em atuou, território nacional e no exterior. Certamente, a atuação da parceira ajuda a explicar o sucesso de público e de bilheteria alcançado pelo filme. Já Chico Rei apresenta uma complexa história de produção, que pode ser dividida em dois momentos. O primeiro foi a política de incentivo financeiro lançada pela Embrafilme para filmes históricos , em 1977 16. Uma associação entre produtores alemão e brasileiro propôs o projeto para filmar a história em dois formatos: filme e série televisiva. O segundo momento se efetivou após a aprovação do projeto, quando o desenvolvimento da produção apresentou contratempos, levando à ruptura entre os parceiros estrangeiros e nacionais. Uma longa disputa foi estabelecida pelos direitos do material já filmado, levando a Embrafilme a se associar como produtora para garantir a finalização do filme: montagem e sonorização. Observa -se, ainda, que o momento da distribuição e divulgação de Chico Rei, diferentemente da quela década anterior, encontrou a empresa em dificuldades políticas e financeiras, haja vista a transição para a democracia e a crise econômica vivenciada no país em 1985, prejudicando a exibição do filme. As políticas governament ais para filmes de gênero histórico reiteram a importância desse tipo de filme no que concerne às proposições educativas. Pensá -la permite vislumbrar como a representação fílmica potencializa a educação para o conhecimento histórico mesmo em espaços não -escolares. 16 O proj e to v is a va es tim u lar pro d uç ã o c om tem át ic as h is tó ric as ; c f .: O f íc io nº 12 7 /7 7, em it i d o p e l a D ir et or i a G er al , em 04 de m ai o d e 19 7 7. F u nd o : A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P. 26 O registro do tempo presente é inerente à produção fílmica, revelando aspectos conflituosos do contexto em que foram produzidos, exemplificado pelas pressões da censura política e cultural vigentes durante as filmagens Reconhece -se que o de Cacá cinema Diegues de gênero e W alter histórico Li ma se Júnior. propõe a apresentar ao público uma leitura do passado. Entretanto, é, também, um importante documento da época em que foi produzido, podendo revelar no filme, por meio de metáforas, sugestões ou c histes, aspectos da sociedade contemporânea. Os personagens de Xica da Silva e Chico Rei funcionam como mote para a narrativa fílmica abordar aspectos sócio -históricos do período da América Portuguesa , sobretudo relativos ao escravismo e à administração do poder, com suas estruturas e implicações sobre a população. No entanto, seus planos, por vezes, sugerem aspectos mais do momento de sua filmagem do que propriamente as representações setecentistas filmadas. Os contextos de Chica da Silva e Chico Rei distam, aproximadamente, dois séculos da época em que foram lançados. Contudo, a representação filmada por Cacá Diegues e W alter Lima Júnior dos militares do século XVIII, praticando autoritarismo e violência, soa como denúncia à opressão vivenciada na ditadur a militar. A análise, portanto, assume duas vias temporais em estreito diálogo. A primeira diz respeito ao passado histórico e ao conhecimento produzido sobre essa temporalidade , no caso específico, as minas setecentistas. Por esse percurso se buscou perc eber as apropriações e ressignificações de imaginários sociais que dizem respeito à história. A segunda perspectiva analítica se voltou ao tempo presente da construção do filme como uma expressão do contexto político, social, econômico e cultural do Brasil ditatorial, ou seja, tensões do momento que podem ser refletidas/expressas na produção cultural. A questão do sentido histórico decorrente da versão cinematográfica referente aos contextos de Xica da Silva e Chico Rei indica a percepção que se pode ter d o filme como produtor de reflexões históricas. Esse processo pode ser mensurado em duas principais 27 situações. A primeira, pela repercussão desencadeada pelo filme, avaliada pelo debate provocado pelas críticas publicadas na imprensa. A segunda, pelo impac to do filme no cotidiano escolar por meio dos materiais didáticos produzidos para o aluno, o que permite dimensionar a inserção do filme como prática metodológica de ensino, bem como assinala o diálogo com a orientação historiográfica do livro. Por todo o exposto, ao pensar histórico/história pública/circularidade alguns se passos fizeram a do tríade filme de conhecimento necessários. Embora gênero histórico, apresentados separadamente, são interdependentes. Assim, ao eleger os filmes Xica da Silva e Chico Rei para analisar o papel do cinema -história na educação escolar e não -escolar, procurou -se: 1. a relação cinema história e as dimensões do filme de gênero histórico; 2. a história da educação e a história do cinema considerando projetos políticos relativos à utilização de filmes para fins políticos -educativos; 3. as produções fílmicas Xica da Silva e Chico Rei, ao identificarem nas fontes a apropriação e ressignificação, a circularidade de referências relativas ao passado histórico brasileiro, indicando pe rmanências e/ou rupturas nas representações referentes às narrativas sobre a temática; 4. imagens canônicas correntes nas representações da sociedade brasileira, e como imagens não -canônicas podem ser usadas de forma a ressignificar es sas representações; 5. aspectos internos e externos das produções repercussão, fílmicas destacando em seu processo pontos de tensão de criação entre e também as informações fílmicas e o saber historiográfico; 6. aproximações e distanciamentos entre os filmes, a historiografia e a educação escolar e não -escolar. Acredita-se que percorrer esses pontos de investigação – da identificação das fontes que construíram o tema abordado no filme até maneira como foi apropriado pelo roteiro fílmico, passando pela reflexão acerca da dimensã o do filme de gênero histórico e analisando a repercussão dos filmes na imprensa e na educação escolarizada – favorece a compreensão da relação entre cinema e história pública e o consequente impacto na educação para o conhecimento histórico. 28 A organização do texto segue esses passos diretivos, tendo sido estabelecidos quatro capítulos. No primeiro, A construção da temática histórica: representações de Chica da Silva e Chico Rei se propõe identificar e analisar suportes narrativos sobre esses personagens. A partir da tradição popular, buscou -se avaliar sua inserção na literatura, na poesia, no teatro, no carnaval, na música. Além das produções nesses campos, direcionadas à Chica da Silva e ao Chico Rei, abordagens historiográficas e iconográficas relativas ao escravismo também foram analisadas. Por meio desse procedimento , foi possível problematizar as formas de construção das representações dos protagonistas negros e seu contexto e a circularidade do conhecimento histórico como prática de história pública. O segundo capítulo, Cinema e conhecimento histórico, trabalha a relação entre o cinema e a história, analisando as nuances das estruturas narrativas cinematográficas e historiográficas que aproximam esses campos. A relação entre o cinema e educação é obs ervada com o intuito de reconhecer o potencial educativo do cinema conforme avaliado por políticas estatais, destacando -se as ações do INCE e da Embrafilme. Por estar diretamente ligada aos filmes Xica da Silva e Chico Rei, a atuação da Embrafilme recebeu atenção especial quanto ao desenvolvimento do projeto filmes históricos, lançado em 1977. Por meio de documentação produzida pela Embrafilme – sob guarda da Cinemateca Brasileira, mas ainda pouco trabalhada por se encontrar em processamento técnico –, foi possível analisar as diretrizes estabelecidas ao setor cinematográfico para se adequar à linha de financiamento. A partir des se material, infere-se a concepção da empresa para o filme com temática histórica e seu papel na educação não-escolar. Por fim, segue-se a análise dos projetos fílmicos de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior, enfatizando as fontes utilizadas, as apropriações e as escolhas para a construção de suas narrativas cinematográficas. As entrevistas à imprensa, as negociações com os censores e a comunicação com a Embrafilme foram fontes essenciais 29 para essa análise. No caso de Chico Rei, que se desenvolveu dentro da linha especial de fomentos filmes históricos da Embrafilme e apresentou sérios contratempos em sua produção, uma entrevista de história oral realizada com o diretor 17 contribuiu para maiores esclarecimentos sobre a história des se filme. Uma vez estabelecidos o mapeamento da construção temática referente à Chica da Silva e ao Chico Rei, o aspecto educativo do cinema pensado propos to pelo governo e os projetos fílmicos de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior, segue -se o terceiro capítulo: Xica da Silva e Chico Rei: análise fílmica. A partir do entendimento do filme de gênero histórico, algumas categorias temáticas foram estabelecidas para direcionar as análises que lançassem luzes à problemática estabelecida entre o filme/história pública/educação. Essas categorias estão estruturadas em três eixos: 1 . o imaginário de liberdade e resistência inerente à sociedade escravista, destacando o quilombo e a alforria como formas d e o escravo se tornar livre; 2 . a ponte temporal entre passado -presente estabelecida no filme, pela qual as representações sobre o passado instigam reflexões pertinentes ao contexto da produção fílmica; 3 . as lições histó ricas propiciadas pelos filmes, que indicam o cuidado didático -pedagógico em apresentar ao espectador situações e conceitos do saber histórico. Fechando a percepção da circularidade do conhecimento histórico viabilizada pelo filme de gênero histórico, o quarto capítulo: Reverberações de Xica da Silva e Chico Rei: história pública , se dedica a avaliar o impacto proporcionado por Xica da Silva e Chico Rei. O debate estabelecido na imprensa, por ocasião dos lançamentos fílmicos, indica não apenas a avaliação qualitativa do produto filme. As redações dos jornais abriram uma arena na qual as críticas desempenharam, juntamente com o filme, o papel de educadoras históricas. 17 E nt re v is ta d e h is t ór i a or a l t em át ic a (s e m i dir et a) c om W alter L im a J ú n i or – c onc e d id a ao au t or d a tes e, em 13 d e j u n h o de 2 01 3, n a c i d ad e de O uro Pr e to /M G . T rans c r iç ã o a ut or i za d a. Ac er v o d o a ut or . 30 Um vasto material foi produzido sobre Xica da Silva e Chico Rei e suas representações refe rentes à história do escravismo e das Minas setecentistas. Ao todo, cerca de 210 periódicos, entre jornais e revistas, foram consultados nos acervos da Cinemateca Brasileira (São Paulo) e da Hemeroteca Histórica Pública do Estado de Minas Gerais (Belo Horizonte). Desse material, 57 volumes eram referentes a Chico Rei e os demais a Xica da Silva. O desequilíbrio entre a cobertura da imprensa sobre os filmes se explica por dois motivos: 1 . o maior sucesso alcançado pelo filme de Cacá Diegues, levando grande p úblico aos cinemas de todo o país. Observa -se que o filme de W alter Lima Júnior não obteve da Embrafilme a mesma estrutura de divulgação e exibição usufruída por Xica da Silva; 2. diante das críticas e cobranças de fundo político ao seu trabalho, o diretor Cacá Diegues estabeleceu uma polêmica ao denunciar a existência de patrulhas ideológicas . Sua entrevista concedida à jornalista Pola Vartuck 18 repercutiu e um intenso debate se abriu nos jornais envolvendo intelectuais, artistas e críticos de cinema que se posicionavam acerca do tema. Ainda no campo da repercussão fílmica, voltou -se o olhar para o impacto na produção do conhecimento histórico em pesquisas que dialogam, direta ou indiretamente, com as obras cinematográficas e seus temas. O âmbito escolar reg ular mereceu atenção especial dada sua relevância para a educação histórica. Uma ampla análise sobre a incorporação ou não dos filmes, bem como dos temas atrelados às histórias de Chica da Silva e de Chico Rei, foi desenvolvida em livros didáticos para o e nsino de História. O acervo consultado foi o da Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP, que integra o projeto LIVRES. O recorte temporal tem como datas -limites 1978 (um ano após o lançamento nacional do filme Xica da Silva) e 2006 (data final do acervo). No primeiro momento , foram levantados 1 .248 títulos. Três momentos foram estabelecidos para organizar a análise: 1º) 1978 1985; 2º) 1986-1996; 3º) 1997-2006; abarcando livros do ensino básico 18 V ART UC K , Po l a. Ca c á D i eg u es c o ntr a a c ens ur a d as pa tr ul h a s id e o ló g ic as . O Es t a do de Sã o Pa u lo , S ão Pa u l o, p .1 6 - 1 8, 3 1 a go . 1 97 8. 31 e médio – ou 1º e 2º graus, como denominad o até a promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação ( Lei n. 9394/96). Dentro desses novos parâmetros – temporalidade e níveis de ensino –, foram analisados 83 livros didáticos para o 1º período , 113 para o 2º período , e 118 para o 3º período . *** O processo analítico desenvolvido nos quatro capítulos ultrapassa o reconhecimento do trânsito da informação – seja ela oriunda da tradição oral, literária, musical ou acadêmica –, pois favorece a percepção dos conhecimentos históricos existentes sobre a temática abordada: apropriações, significações e ressignificações. Ou seja, ao operar o diálogo entre as fontes, a produção fílmica pode, então, validar, invalidar ou recriar aspectos do conhecimento histórico, promovendo, assim, sua circularidade 19. Considera-se que o filme de gênero histórico funciona, nesse sentido, como interlocutor de fontes e produtor de uma narrativa que estimula a reflexão sobre a História. Trata-se, portanto, de um procedimento metodológico que identifique e perscrute os par adigmas indiciários, ou seja, uma análise das fontes considerando o maior número de ângulos possíveis. Como metaforiza Ginzburg: o trabalho do pesquisador deve se assemelhar à ação de um caçador que, na procura por indícios coerentes que o levem ao seu objetivo, precisa identificar e ler pistas silenciosas deixadas pela tipologias de presa 20. fontes, Dessa podem -se maneira, pelos identificar diálogos pontos de: entre as tangência, complementaridade, divergência e contradições. 19 A id e ia d e c i r c u l ar id ad e c ul t ura l d ec orr er das e la b or aç õ es de C ar los G i n zb ur g , es tr ut ur a das q ua n do s e d e br uç o u s ob re a an á l is e d o pr oc es s o enf r en t ad o por Me n oc c h i o , qu e r es p o nd i a à I n qu is iç ão c at ó l ic a por s uas c on v ic ç õ es c os m ol ó gic as her é tic as . O a ut or r e c on h ec e n o tr ab a lh o de M ik h ai l B ak ht i n a i ns p ir aç ão p ar a des e n vo l v er o c onc e it o. Cf . : G I NZ BU RG , Ca rl o. O q u ei j o e os v er mes : o c ot i di a n o e as i d e ias de um m ol e ir o pe r s e g ui d o p e l a In q uis iç ã o. S ão P au l o : C om pan h i a d as Le tr as , 2 0 0 6; B A KHT I N, Mik h a il . A C ul t ura na Id a de Mé d i a e no Re n as c i m e nt o – o Co nt ex to d e Fr anç o i s Rab e l a is . S ã o P a u lo : HU CIT E C; Br as íl i a: E di t ora da Un i v ers id a de de Br as í l i a, 1 9 87 . 20 G I NZ BU RG , Car l o. M it os , em b l em as e s in a is . 2. ed . S ã o P au l o: Com pa n h ia d as Le tr as , 1 9 89 , p. 1 5 2. 32 O uso pela produção fílmica de uma ou mais fontes com pontos de identificação histórica, dela se apropriando e/ou a ressignificando, permite uma construção narrativa que estimule a reflexão, ou mesmo , que crie novos significados. Essa dinâmica termina por estabelecer a circularidade de conhecimentos, que podem ou não ser corroborados pela produção acadêmica. Nesse processo, deve -se considerar que, às vezes, os parâmetros científicos são influenciados pelo conhecimento popular corrente, estimulando acadêmicos a se voltarem para temas colocados pelo conhecimento social circulante – naturalmente, munidos dos procedimentos inerentes à pesquisa científica. Os exemplos sobre Chica da Silva e Chico Rei ilustram essa relação dialógica, já que ambos circularam desde as tradições populares e por d iversos suportes de registros para , então, receberem a atenção de historiadores em produções universitárias. Por isso, a circularidade é entendida, nesta pesquisa, em uma perspectiva mais ampla do que a circulação. Es sa pressupõe o trânsito das informações, enquanto aquela implica transformação de sentidos decorrentes desse trânsito. Ou seja, a circularidade do conhecimento histórico diz respeito , não somente à existência das narrativas históricas (acadêmicas ou não) , mas, fundamentalmente, na influência que uma narrativa possa exercer sobre uma nova abordagem que, além de revalidar o conhecimento corrente, possa promover uma redefinição pontual ou profunda, ressignificando conhecimentos sobre um determinado fato histórico 21. Essa circularidade é fundamenta l para o estabelecimento da história pública e, consequentemente, da educação para o conhecimento histórico – dentro e f ora do espaço escolar. A história pública é comumente associada: ao acesso franqueado de informações de interesse histórico e público; à s publicações de divulgação de pesquisas acadêmicas conhecimento 21 histórico na sob área de formatos história; diversos, à divulgação como do romances O bs er v a- s e q ue as r ef l ex õ es d es e n vo l v i d as p or R og er C h art i er a p ar t ir d os c onc e it os d e a pr op r i aç ã o e r es s ig n if ic aç ã o c u l tu ra is c orr ob or a m o s ent i d o d e c irc ul ar i da d e a q ui tr a ba l h ad o; c f . : CH A RT I ER , R o ger . A h is t ór i a c u lt ur a l e ntr e prá t ic as e r e pr es e nt aç ões . L is bo a: D if e l , 1 99 0. 33 históricos, filmes documentários, programas televisivos, livros 22 didáticos . Desenvolvendo-se na Inglaterra e nos Estados Unidos, nos anos de 1970, no contexto de renovação das metodologias das pesquisas historiográficas, a história pública foi influenciada, sobremaneira, pela História Social. Na Europa, emergiu como prática do uso público da História com fins nitidamente político -ideológicos, influenciados pela ideia de uma história capaz de interferir nas relações políticas e sociais, como exemplificam os filmes produzidos por um grupo de cineastas-historiadores composto por Bárbara Abrash e Daniel W alkowitz, atrelados ao discurso militante de grupos sociais como feministas e trabalhadores sindicalizados 23. Nos Estados Unidos, por outra via, tem -se associado a história pública ao uso público da história, por exemplo , espaços museológicos e arquivísticos , logo, menos ligada ao âmbito das políticas públicas e sociais. Uma das premissas fundamentais nos momentos iniciais da história pública era levar o conhecimento histórico para além dos limites dos portões universitários, atingindo um público mais amplo e não especialista. A Universidade de Oxford, sob os esforços do professor Raphael Samuel, fundou, em 1976, o History Workshop Journal 24, sendo pioneira nesse processo. Nos Estados Unidos, Robert Kelley, docente na Universidade da California (Santa Bárbara), institui u um curso de pós -graduação pensando na atuação de historiadores nos setores público e privado para além do ensino. Na mesma universidade californiana, lançou, em 1978, a revista The Public Historian 25. Sidney Chalhoub e Paulo Fontes 26, atribuem o desenvolvi mento da ideia de história pública no Brasil ao mesmo contexto inglês, quando se 22 A L BI E RI , Sar a . H is tó r i a p ú b l ic a e c o ns c iê nc ia h is t ór ic a. I n. : AL M EI D A, J u ni e l e Ra b êl o d e; RO V A I, M ar t a G o u ve i a d e O l i v e ir a (O r g) . I n tro d uç ã o à h is t ór ia p ú b lic a . S ão Pa u l o: L et r a e v o z, 20 1 1. 23 A B R A SH , B ar b ar a; W A L KO W IT Z, D an i e l J . S ub / ve rs i o ns of his t or y: a m ed i ta t io n of a f ilm a nd h is tor ic a l , n ar r at i v e. H is tory W o rk s ho p J o urn a l , n . 38 , 19 9 4. D is p o ní v e l em : < h tt p: // h wj .ox f or dj ou n a ls . or g > Ac es s o e m : 6 f e v . 20 1 1. 24 É p os s í v e l ac es s ar p el a i nt er n et a pr od uç ão d es de os a nos i n ic i ais d a pu b l ic aç ã o. D is p on í ve l em : < ht tp :/ /h wj . ox f or d j our n a ls . org / > 25 D is po ní v e l em : < ht tp :/ /uc pr es s j o ur na ls .c om /j our n a l. p hp ?j =t p h > 26 CH A LHO U B, Si d ne y; FO NT E S, P a ul o . H is t ór i a Soc i a l do T r a ba l h o, H is t ór ia P úb l ic a. Per s e u, Sã o P au l o: Pers e u A br am o, n. 4, a n o 3 , p. 2 19 - 2 2 8, 2 0 09 . 34 ampliaram questões relativas às temáticas inerentes à história social do trabalho. Os autores reconhecem o papel do History Workshop Journal e a criação de cursos voltados par a a formação de trabalhadores, aproveitando as possibilidades do desenvolvimento da metodologia em história oral como caminho para que os trabalhadores contassem por si mesmos suas histórias. O cenário em que segmentos sociais como trabalhadores, negros, mulheres ganhavam voz para escreverem suas histórias, fortaleciam -se os laços entre a história social do trabalho, realizada por acadêmicos, e os movimentos sociais. Chalhoub organização e disponibilização de e Fontes destacam, ainda, a arquivos, cujos con teúdos têm favorecido o estabelecimento de políticas públicas como um dos aspectos que mais se desenvolveu na história pública brasileira. Algo que tende a se expandir em decorrência dos avanços tecnológicos que potencializam a variação de suportes, amplia ção da capacidade e acessibilidade quanto a conjuntos documentais de natureza s pública e privada. O conceito de história pública, portanto, não é novo. No entanto, no Brasil, é recente a reflexão mais atenta sobre o conceito e sua prática. Assinala -se o século XXI como o momento em que a academia e profissionais de outras áreas têm se dedicado com maior atenção ao tema 27. 27 Des t ac am - s e n es s e p r oc es s o o C urs o d e I ntr o duç ã o à H is tó ri a P úb l ic a, oc or ri d o na U n i v er s id a de d e S ão Pa u l o ( U S P) em f e ver e ir o d e 20 1 1 . Em j u l ho d e 2 0 12 , o De p art am ent o d e H i s tór i a/ U S P re a l i zo u o Si m p ós i o In t ern ac i on a l de H is t ór ia P úb l ic a: a h is t ór i a e s eus pú b l ic os . Em j ane ir o d e 2 0 13 f o i la nç ad a n a re d e i nt er n et a p á g in a da R ed e Br as il e ir a d e H is t ór ia P ú bl ic a ( R BH P) , d is po n í ve l em : < ww w. h is t or ia p ub l ic a. c om >. Em 201 3, f or am apro v a dos o S i mp ós i o Te m át ic o His t óri a P úb l ic a, pe l a As s oc i aç ão Nac i o na l dos Pr of es s ores d e His t óri a ( A NP UH ), por oc as iã o do s e u X X VI I C o ngr es s o, r ea l i za d o em Nat a l/ R N; e o G r u p o d e Tra ba l h o H is t ór i a Pú b l ic a e O r a l id a de , pe l a As s oc i aç ã o B ras i l ei ra de H is t ór i a O ra l (A BH O ), p or oc as i ã o do s e u Enc o ntr o R e g io n al Su d es t e , re a l i za d o em Cam pi n as / S P . Ai n da , em 201 3 , f oi r e a l i za d o o e nc o ntr o His t ór ia : v ár ios pú b l ic os , v ár ias na r r a t iv as , pr o m ovi d o p e los pr ogr a m as de p ós - gra d uaç ã o em His tór i a d a UF MG , UFF e UF R G S , n o M us e u H is t ó ric o Ab í l io B arr et o ( MH A B) , em Be l o Hor i zo n t e. Em a g os t o d e 20 1 4, oc orr er á o II Si m p ós i o I nt ern ac i on a l e m His t óri a P úb l ic a, na UF F . N o c am po d e pu b l ic aç õ es , a R ev is t a de Es tu d os H is t ór ic os , Fu nd aç ão G e t úl i o V ar gas ( FG V) , pr o gr am ou p ara s u a ed iç ã o n º 5 4, em 20 1 4/ 1 5, o dos s i ê H is t ór i a P ú bl ic a. Me nc io n a - s e, t am bém , a pu b l ic aç ã o n ac i on a l d o l i vr o s o br e 35 Concorda -se com a pertinência do viés ligado à informação histórica e aos modos de divulgá -la. Todavia, defende -se a ampliação do entendimento da história pública. Do contrário, seria reduzi -la a mecanismos de divulgação dos trabalhos realizados pelos historiadores acadêmicos, sobretudo pela publicação de revistas; nesse caso, devem-se incluir também produções não -acadêmicas ligadas aos tem as da História 28 A proposição aqui apresentada é que a história pública problematiza o conhecimento histórico, mesmo que a narrativa histórica não seja realizada por um historiador de ofício. Isso não significa abrir mão do rigor da produção historiográf ica , mas, considerar a produção do conhecimento histórico em diálogo com outras áreas, não necessariamente acadêmicas. Ou seja, pensar na perspectiva de coprodução, algo como uma autoridade compartilhada 29. Nesse sentido, reivindica -se o papel do filme de gên ero histórico como articulador de elementos de uma equação que configura a cultura histórica, qual seja: saber histórico acadêmico , conhecimento histórico social (circulante na oralidade, literatura, iconografia, livros didáticos etc.) e a narrativa cinema tográfica, propriamente dita, sobre o tema o t em a; c f : A LM E ID A , J un i e le R ab ê l o d e ; R O V AI , Ma rt a G ou v e i a de O l i v e ir a (O r g). In tro d uç ã o à his t ór i a p úb l ic a . Sã o P a u lo : L et ra e v o z, 20 1 1. 28 Pu b l ic aç õ es d e p er ió d ic os s obr e H is tór i a, ta nt o a q ue l as d e m ed i aç ã o c i e nt íf ic a, qu a nt o pr od uç ões e d it o r i ais s em l i gaç õ es ac ad êm ic as , oc orr e m há t em pos em gra n d e p ar t e da E ur o pa . D at a de 1 90 9 a p ub l ic aç ã o da r e v is t a H is t or i a, de gr an d e pú b l ic o n a F r a nç a. A par t ir da d éc ad a d e 1 97 0 , t ít u los s e a l as tr a ram pe l as b a nc as , i nc l u i nd o pu b l ic aç õ es c om diá l o go ac ad ê m ic o. N o Bras i l , re g is tr a - s e, nes s e per í od o, a p ub l ic aç ã o G r a nd es Ac o nt ec i me nt os d a H is t ór ia ( 19 6 9) , por ém c om vi da c urt a. No i níc i o d o s éc u l o X X I, p od e - s e c ons i der ar um f enô m eno n es s a l i nh a ed i tor i a l: p as s ar am a s er p ub l ic a das a N o s s a His t ór ia (2 0 03) , qu e d eu o ri g em à Rev is ta d e H is t ór i a d a B i bl i o tec a N ac i o na l (20 05) , c o nc om i ta nt e a ou tros t ít u lo s c om o, p or ex em pl o, a His t ór ia V iv a e Av e n t uras n a His t ór ia – am bas d e 20 0 3; c f . : CA RD O SO , O ld im ar . Co nc epç õ es s obr e f u nç ã o s oc i al d a H is t ór i a em rev is t as d e d i vu l gaç ã o c i e nt íf ic a. An a is A N PU H – X X V S i m pós i o N ac i o na l d e H is tór i a, For ta l e za , 2 0 09 ; FO NS E C A, T h ais Ní v i a de L im a e. Mí d i as e d i vu l gaç ã o d o c on h ec im ent o h is t ór ic o. R ev is t a A ed os , P ort o A l egr e, n . 1 1, vo l . 4 , p. 12 9 - 1 40 , s et ., 20 1 2. 29 C onc e it o e nt e nd i d o p ar a a pr od uç ão h is tó ri c a r e al i za d a nã o ex c l us i vam en t e por h is t or ia d or , m as qu e t em aut or i da d e r ec o n h ec id a e c om p art i lh a d a . A l g uns c am pos s e d es t ac am nes s a per s p ec t i v a, c om o a his t ór ia or al . C o ns i der a - s e, a qu i , a op er aç ão d o c o nc ei t o de au tor i d ad e c om par t i lh a d a par a c am po d o f i lm e d e g ên er o h is t ór ic o d e v i do a os m últ i p los d i á lo g os en tr e as n arra t i vas qu e s u bs id i am a pro d uç ão f í lm ic a – c o- au t or i d a de ; c f . : F RI S C H, M ic ha e l . A s h ar ed au t hor i ty : es s a ys on th e c r af t a nd m ea n i ng of or al an d pu b l ic h is t or y. A l b an y: S t at e U n i vers i t y of N e w Yo rk . 1 9 90 . 36 histórico. Por isso, vale ressaltar a discussão sobre a maneira de execução de trabalhos em história pública. Conforme indicado, não se trata de um trabalho exclusivo de historiadores. Isso não implica, contudo, a desqualificação da ciência histórica em favor da emergência da história pública. Antes o contrário, quanto maior o leque de áreas pesquisando de modo reflexivo o passado e promovendo a divulgação dessas pesquisas, mais ampla será a circularidade do saber histórico, favorecendo o desenvolvimento da cultura histórica entre não acadêmicos. Sob es se prisma, reitera -se a assertiva de Jill Liddington de que [.. .] a hi s t ór ia p ú b lic a é m en os s o br e “ qu em ” ou o “ qu e” , e m uito m a is s o br e “ c om o” . N em ta nt o um s ubs t a nt i v o, pr inc i p alm en t e um ve rbo . A h is tór i a p ú b lic a t em im portâ nc i a r ea l e ur g en t e, d ad a a c r es c en t e po p u lar i d ad e d as r ep r es e nt aç õ es d o p a s s ad o n os d ias d e h oj e. Em um c o nt ex t o de s egm en t aç ã o ac a dêm ic a e pr of is s i o na l i za ç ã o res tr it a, os ag e nt es d a h is t ór i a p ú b l ic a po d em f orn e c er um a m ed i aç ã o nec es s ár ia , ins p ir ad or a e r e v ig or an t e e ntr e o p as s ad o e s e us 30 pú b l ic os . O fundamental é, portanto, estabelecer uma ponte entre a reflexão sobre as narrativas históricas produzidas na academia, e , também, pelos não acadê micos e as maneiras de divulgação dessas pesquisas. As reflexões sobre história pública se fortalecem em meio ao desenvolvimento das formas de comunicação cada vez mais efetivas, rápidas e acessíveis a um maior número de pessoas. Nesse sentido, “o impacto da produção histórica e sua ampla difusão influenciam, naturalmente, no processo de educação da sociedade” 31. As nuances do filme com temática histórica evidenciam o dinamismo da sua produção, quando conhecimentos históricos em variadas narrativas são reto mados e estabelecem construções narrativas. Somado à amplitude de alcance do filme, o cinema de gênero histórico como um vetor da história pública já era reconhecido no início da década de 1980: 30 LI DD IN G T O N, J i l l. O q ue é h is t ór ia p ú bl ic a? O s p ú b l ic os e s e u s p as s a d os . In .: A LM E ID A , J u n ie l e R a bê l o d e ; RO V AI , M ar t a G o u v e ia de O l i v ei ra (O rg). In tr od uç ão à h is t ór i a pú b l ic a .. . o p .c i t. , p. 5 0. 31 FE RR E IR A , R o dr ig o de A lm e i d a. C i nem a, e duc aç ão e h is t ór i a p ú b lic a : d im ens õ es do f i lm e Xic a d a S i lv a . I n. : AL M E ID A , J un i e l e Ra b êl o d e; RO V A I, Ma rt a G o u ve i a d e O l i v eir a ( O r g) . I ntr o d u ç ão à h is t ór ia pú b l ic a . .. op .c it ., p .2 0 8. 37 Des d e o i níc i o o c i n e m a tem s e f av or ec id o de ac on t ec im e nt os h is t ór ic os e a d ap t aç õ e s d e c l ás s ic os d a l it er at ur a e c on t in u a a f a zer . N os a n os m ais rec e n tes um nov o g ên ero de f i lm es tem em er g id o , qu e c o ns is t e c om o p o nt o d e p art i da o pro b l em a d e 32 r ec u p er ar o p as s a d o a p art ir do pr es e nt e . A intercomunicação entre o film e de gênero histórico e a história pública não se restringe a recriar acontecimentos passados na linguagem audiovisual. É essencial considerar que, ao se debruçarem sobre o passado, o diretor e roteirista, bem como o elenco, partem de um saber existente – que pode ser da história ou do campo ficcional, como, por exemplo, o caso do lendário Chico Rei. Ao estabelecer o diálogo com outras narrativas – históricas ou ficcionais – sobre o tema a ser filmado, ocorre a ressignificação de inúmeros aspectos. O filme, portanto, não apenas retomará o conhecimento já circulante, mas produzirá uma versão narrativa sobre os acontecimentos passados. Por essa via, o debate sobre história pública se aproxima do cinema de gênero histórico como uma prática da educação não -escolar, já que o cinema com temática histórica se edifica a partir dos diálogos entre a historiografia e o conhecimento histórico disseminado entre a população – cuja circularidade ocorre por diversos mediadores – do mesmo modo que podem influenciar na represe ntação sociocultural. Há influência mútua, portanto, entre o cinema-história e o imaginário social. Nesse sentido, pontos de referência são reforçados e/ou recolocados pela filmografia . O s r e al i za d or es d e c i nem a – q ue t am bém f orm am part e da s oc ie d ad e - s e “ a l i m entam ” des t a p ar a ex tr a ir t em as p ara s eus n o vos f i lm es e c om tais i nf l u enc i am – s e n do , p or s u a v e z, i nf l ue nc i ad os p e l o c o nt ex t o – e c o nf orm am , de a l g um 33 m odo, a s oc i e d ad e . Ao analisar Xica da Silva e Chico Rei, assume-se nesta pesquisa a proposta de problematizar o cinema de gênero histórico e a educação para o conhecimento histórico deles decorrente. Contudo, esse processo só será perceptível se forem avaliados aspectos de suas 32 S A MU E L, R a ph a el . His t or y an d te l e v is io n . H is tory W ork s h op J our n a l, O x f ord , 19 8 1, pp . 17 2 - 17 6 ; p . 17 2 . D is p o ní v e l em : < ht tp :/ /h wj . ox f or dj our n a ls . org / > Ac es s o em : 6 f e v. 2 0 11 . T r a d u ç ão l i vr e . 33 LE R A, J os é Mar i a Ca p ar r ós . G u i a d e l es p ec ta d or d e c i n e . Ma dr i d. A l ia n za E di t or ia l , 20 0 7, p . 30 . T r aduç ã o l i vr e. 38 produções, pelos quais a circularidade de representações possa ser identificada. Sob esse prisma, além de viabilizar a continuidade da circularidade do conhecimento histórico, a narrativa fílmica permite a reflexão da narrativa histórica referente ao tema filmado. A conformação dos sentidos produzidos pelos planos de Xica da Silva ou Chico Rei sobre seus personagens e sobre a história permite vislumbrar, reflexivamente, a circularidade de conhecimentos históricos em distintos suportes, indo das tradições populares à poesia e ao carnaval, validando -os ou ressignificando -os. Como salienta Elias Saliba: A o c on tr ár io d o q ue s e c os t um a d i ze r, a “ i m agem nã o f a l a. .. por s i s ó ” . Pe ns o a qu i , n as im a ge ns c r uas , s em ne n hum c om ent ár i o o u le g en da . T ais im ag e ns p od em in ter es s ar, im pr es s i on ar , s e d u zir , c om ov er e a pa ix o nar , m as nã o po d em 34 i nf or m ar . O qu e n os i n f orm a s ã o as p al a vr as . A complexa relação entre conhecimento produzido pelas pesquisas históricas, as fontes históricas (documentos, iconografia e literatura) e o argumento construído para o filme de gênero histórico, estabelecem a circularidade do conhecimento, cujo dinamismo termina por influenciar a reflexão sobre o passado. Na realidade, ao considerar que a educação para o conhecimento histórico ocorre por diversas formas, além dos muros da escola, pressupõe -se que tal conhecimento seja vivenciado pela população. Uma preocupação pertinente, portanto, é perceber como o conhecimento elaborado academicamente e o saber de outras áreas dialogam, criam/recriam o saber histórico. Por isso, julga -se relevante perscrutar a inter-relação entre os conceitos história pública/circularidade/imaginário social, necessária à produção fílmica de gênero histórico e, então, dimensionar o potencial papel socioeducativo que pode ser exercido pelo cinema , tanto no espaço não-escolar, quanto escolar. Em amb os os casos, deve -se dimensionar o diálogo estabelecido com a historiografia e os instrumentos de apoio 34 S AL I B A, E l ias T . As Im age ns C a nô n ic as e a H is t ór i a. I n .: MO R ET T IN, Ed u ar do V ic t ór i o; S A LI B A , E li as T hom é; e t. a l. (O rgs ). H is t ór i a e C i n em a : d i m ens õ es h is t ór ic as do a u d iov is ua l . S ão P au l o: A lam e da , 2 00 7 , p. 9 4. 39 para educação escolar de História, resultando em processos de construção de um imaginário social no caso dos filmes Xica da Silva e Chico Rei, para a história brasileira do período colonial. Contudo, essa coprodução entre o conhecimento histórico e equipe cinematográfica (diretor, roteirista, elenco, equipe técnica, produtores, distribuidores, financiadores) nem sempre é simples. O aspecto comercial press iona a produção fílmica a gerar lucros e , para isso, muitas vezes, apela -se a receitas de sucesso para a elaboração do roteiro. Para as produções de Xica da Silva e Chico Rei, deve-se considerar, ainda, o papel do Estado, via Embrafilme, como outro elemento dessa equação. Nesse caso, não são incomuns deturpações interpretativas do processo histórico, contradizendo a produção historiográfica. Algo que, naturalmente, irrita os profissionais da área acadêmica, podendo indignar , até mesmo, os espectadores do fi lme. Muitas vezes, os filmes e séries televisivas de gênero histórico sequer tem um historiador como consultor. Como exemplo, cita-se o caso da série televisiva Peoples’s History (2000), sobre a história do Canadá 35. Embora um lastro acadêmico tenha sido r eivindicado, já que a produção histórica ficou a cargo de um jornalista com doutorado em história canadense, coordenando uma equipe de especialistas, a produção estabeleceu que os historiadores não tivessem poder de decisão. Em outras palavras, os historia dores estavam afastados das filmagens, mesmo quando os planos contradiziam suas pesquisas. Questionado sobre o fato, Gordon Henderson, produtor da série, ratificou a decisão, concordando que a história “de fato, era mais complexa do que nós a representamos , mas se nós desejamos falar sobre uma história, eu não quero dizer ‘por um lado’ e ‘por outro lado’” 36, criticando abertamente o formalismo da linguagem corrente entre historiadores acadêmicos. O conflito entre as formas narrativas e o interesse comercial explicita -se no exemplo da série canadense. O historiador Robert 35 FR I E SE N, J oe . Ca n a dá : a p eo p l e ’s s tor y a s j o urn a l is t h is to r y. H i s tory W ork s h o p J our n a l, O x f or d, n. 5 6, p .1 8 4 - 20 3 , 2 0 0 3. D is po ní v e l em : < ht tp :/ /h wj . ox f or dj our n a ls . or g / > Ac es s o em : 6 f e v . 2 01 1 . 36 I b id em , p .1 9 6. T r a duç ão l i vr e . 40 Rosenstone, que não se identifica com as correntes subjetivista ou objetivista para abordagens cinematográficas sobre temas históricos 37, reforça que considera esse tipo de filme relevante pa ra a compreensão do passado. Ao contrário, defende que mesmo os equívocos presentes nas representações favorecem a reflexão histórica 38. Ainda assim, o historiador questiona a superficialidade da linguagem jornalística muitas vezes predominante nos filmes c om temáticas históricas, pois, conforme assinala Friesen : Ros e ns t on e s u g ere qu e n arr at i v as hi s t ór ic as , d es s as c om i níc i o, m e io e f im , c o nt em um im pera t i vo d ram át ic o q ue d e ix a a h is t ór ia c om o um a m ens a gem m ora l, h is tór i a c om um s ent i d o de ex a lt aç ão , h is t ór i a qu e é a his t ór ia d o p ro gr es s o : ‘ a m ens ag em pas s a da p e lo f i lm e é s o bre c om o as c o is as es tã o 39 m elh or o u s e to rn ar ão m elh or, o u am bas . Dimensionar a existência dessas tensões quanto ao tipo de representação histórica construída por um filme é importante, pois, quando o cinema é o artefato onde se desenvolve o processo de história pública, percebe -se aí, não apenas a significação do conhecimento histórico, mas também os processos de negociação e sua ampla difusão. Por essa perspectiva, além de reconhecer re ferências sobre temas históricos que fundamentaram a roteirização e filmagem das películas, evidencia -se a circularidade do conhecimento histórico e a apropriação/ressignificação de representações e imaginários sociais sobre o período narrado. Ratifica -se, nesse sentido, a premissa de que o filme de gênero histórico pode exercer relevante papel para a educação do conhecimento histórico. 37 Du as im por t an tes c o nc e pç ões c r ít ic as s o b re os f i lm es d e g ê ner o h is t ór ic o d i zem res p e it o à d ic ot om ia r ea l is ta / obj et i v is t a x s ubj et i v is ta . A q u el a c obr a da na rra t i va f ílm ic a p ar âm etr os de r ec r iaç ã o his t óric a ; en q ua n to a s ubj et i v is ta é qu es t i o na d a pe l a l ic enç a p oé t ic a d as r ep res e nt aç õ es f ílm ic as , o q ue p od e r es tr in g ir a i nt erp re taç ã o h is tór ic a; N A PO L IT ANO , M a rc os . F o nt es Au d io v i s ua is : a his t ór ia de p o is d o p ap e l. I n. : P IN S K Y, C ar la B as s an e zi ; L UC A , T ân i a d e. ( O rgs ) . F o nt es h is t ór ic as . S ã o P au l o: Co nt ex to , 2 00 5. 38 RO S E N ST O NE , R o be r t. A. I n v en t an d o l a v e rda d h is t óric a e n la gr an pa n ta l l a. I n: CA M A R ERO , G ló r i a ; HE R A S, B e atr i z d e l as ; CR UZ , Va n es s a de . (O r gs ) . U na v en t an a i n dis c r e ta : l a h is t or ia des d e e l c i ne . M a dr id : E d ic io n es J C, 2 0 08 . 39 FR I E S EN , J oe . C an a d á : a p e op l e ’s s tor y. . . op .c it ., p . 19 5. T ra duç ã o l i vr e. 41 *** O procedimento analítico considera questões relativas à relação história -filme-educação. No caso dos filmes Xica da Silva e Chico Rei procurou -se identificar as temáticas sócio -históricas a partir dos diálogos com a historiografia sobre a América Portuguesa . Além de analisar aspectos inerentes à história das produções fílmicas, foram consideradas, quando possível, as r elações com as políticas culturais e educacionais do momento para dimensionar o filme de gênero histórico nessa engrenagem. Desenvolver tais procedimentos metodológicos favorece a construção de um repertório de informações que podem subsidiar uma análise f ílmica qualificada. Ao estabelecer os critérios para o processo analítico dos referidos filmes considerou -se aspectos a respeito do cinema -história. Como não se intenciona aqui reconstruir o longo debate em torno do tema, destacam-se alguns aspectos. Observa-se que a apropriação da história pelo filme remete à invenção do cinema e ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Contudo, a relação entre historiadores e o filme não se estabeleceu com a mesma naturalidade, pois tardou a ser valorizada pela ciência histórica. Em síntese, a desconfiança dos historiadores quanto ao uso do filme como fonte histórica remonta ao princípio da representação fílmica e a verdade histórica 40. Embora reflexões sobre a montagem e intencionalidade da produção de um filme te nham ocorrido ainda na década de 1920 41, essa percepção perdurou. A tensão decorrente do filme de gênero histórico entre a verdade objetiva x subjetividade, ou seja, como um testemunho imparcial ou a 40 A lc id es R am os a pr es en t a um a d et a l ha d a d i s c us s ã o s obr e o pr oc es s o d a re l aç ão c i nem a- h is tó r i a ; c f .: R A MO S, A lc i des . C a n ib a lis m o dos fr ac os : c in em a e his t ór ia d o Br as il . B a ur u : E DU S C, 2 0 02 , p. 1 5 - 48 . 41 Des t ac a - s e n es s a d i s c us s ã o , s o bre t ud o, o gru p o d e c i n eas tas r us s os c om pos t o por , en tr e ou tr os , Le v Ku l ec h o v , S erg e i E is ens te i n, D i zi g a V ert o v ; c f .: EI S E N ST EI N, S er g e i. A f or m a do f i l m e . Ri o d e J an e ir o: J or ge Z a har , 2 0 02 ; AU MO NT , J ac qu es . As t e or i as dos c i n e a s tas . 3 .e d. Cam p in as : P a pir us , 2 00 4 ; S AR A I V A, L ea n dr o. Mo n ta g em s ov i ét ic a. In .: M A S CA R E LLO , F ern a n do . (O r gs ) . His t óri a d o c i n em a m u nd i a l. 3 . ed . Cam p in as : P a p irus , 2 00 8 . 42 recriação ficcional do passado 42, os historiadores demons traram hesitação em incorporar o filme em suas pesquisas. Somente a partir da década de 1960 aproximações mais consistentes ocorreram. Atribui-se a Marc Ferro o mérito pel a abertura do diálogo entre historiadores e o cinema, devido ao seu artigo O filme: uma contraanálise da sociedade? 43 para a coleção História: novos problemas, novas abordagens, novos objetos, dirigida por Jacques Le Goff e Pierre Nora, lançada originalmente em 1974 44. Ferro defende a construção de uma metodologia para explorar a relação c inema-história, já que o filme, independente mente do gênero, pode ser lido como uma contra análise da sociedade, uma vez que a imagem -objeto ultrapassa os significados cinematográficos. Assim, o cinema se torna um documento do tempo presente, sendo possíve l ao historiador identificar no filme elementos para compreender a sociedade para além das representações operadas pelos grupos dominantes, já que o filme pode romper os controles existentes à sua produção, tanto externo s, quanto internos 45. Desde então, o cinema ganhou espaço entre os historiadores no exercício de seu ofício. Novas perspectivas revisaram uma série de posicionamentos inicialmente assinalados por Ferro. Intepretações alicerçadas nas discussões da semiótica, por exemplo, ganharam destaque a partir das proposições de Pierre Sorlin 46. Entretanto, como observa Alcides Ramos, apesar da influência junto aos pesquisadores 42 N A PO LIT A NO , Ma r c o s . F o nt es A u di o v is ua is ... o p.c i t. Pos ter i or m en te o ar ti g o f oi la nç ad o em c om pi l aç ã o c om outr os tra b a lh os d o au t or, c f .: F ER RO , Ma r c . Ci n e ma e his t ór ia . S ão Pa u l o: P a z e T err a, 1 9 92 . 44 L E G O FF , J ac q u es ; NO RA , P i err e. ( O rg s ). H is to ri a : nov os p rob l e mas , n ov as ab or d ag e ns , n ov os ob j et os . R i o d e J a ne ir o: Fra nc is c o Al v es , 1 97 6 (3 v). 45 “O f ilm e d es tr ó i a im ag em d o d up l o qu e c a d a i ns t it u iç ão , c a d a i nd i v íd u o c ons e gu i u c o ns tr u ir d i an te da s oc i e da d e. A c âm era r e ve l a o f u nc io n am ent o re a l, d i z m ais s o br e c ad a um do q u e s er ia d es ej á v el d e m os tr ar . E l a des v e nd a o s egr e d o, a pr es e n ta o av es s o de um a s oc i ed a de , s e us “l a ps os ” . El a a t in g e s uas es tr ut ur as . ( .. .) A id e i a d e q ue um ges t o p od er i a s er um a f ras e , ou um ol h ar, um l on g o d is c u r s o , é c om p le tam e nt e i ns up ort á v e l: is s o n ã o s i g n if ic ari a q ue a im ag em , as im ag e ns ( . ..) c o ns t i tu em a m atér i a d e um a o utr a h is tó ri a q u e n ã o a H is tór i a, um a c on tr a- a n á lis e d a s oc i ed a de ?” F ER RO , Ma rc . C i n em a e h is t óri a .. . op .c it . , p . 86 . 46 Cf .: SO RL IN , P ier r e . La s t or ia n e i f i l m: i nt erp re ta zi o n e d e l p as s at o. F ire n ze : L a Nu v o a I tá l i a, 1 98 4; S O RL IN , P ier re . Soc i o l og i a de l c i ne : la a p ert ura p ar a la h is t or i a de m an ãn a . Méx ic o: F on d o d e Cu l tur a Ec o n ôm ic a, 19 8 5. 43 43 que se voltam para a relação entre o cinema e a história, Sorlin reviu seus trabalhos, minimizando os limites da semiótica neste p rocesso 47. Outro nicho analítico ultrapassa a percepção do filme como fonte para os estudos históricos, procurando entender o filme a partir dele mesmo e as implicações que as representações nele realizadas t êm para a sociedade 48. ascendência sobre Michele es se Lagny, corpo de talvez o no me pesquisadores, tem de maior promovido reflexões reconstituindo o cinema como um objeto na historiografia, imprimindo análises sob perspectiva teórica, em diálogo , tanto no campo da história, quanto no campo dos estudos de cinema e da história do cinema 49. Para a autora, a defesa do uso do filme como fonte histórica – posição tão cara aos pioneiros desse debate e adotada de forma estratégica para atrair os historiadores a essa seara – se encontra consolidada. Cabe, então, ab ordar o cinema como história -problema. Robert Rosenstone também apresenta um ponto dessa interpretação ao destacar a historicidade que tem o filme. Assim, o considera para além da cinefília, reconhecendo no filme de gênero histórico uma destacada maneira de se representar o passado. Fi lm es , m in is s ér i es , doc um en tár i os e doc udr am as h is tó ric os de gr a nd e b i l he ter i a s ão g ê ner os c a d a v e z m a is im port a nt es em nos s a r e laç ã o c om o p as s a d o e p ar a o n os s o en t en d im ent o da h is t ór ia . D e ix á - l os f ora d a e q uaç ã o q u an d o p e n s am os o s en t id o d o p as s ad o s i gn if ic a n os c o n d en ar a ig n ora r a m an e ir a c om o um s egm e nt o e norm e da p o pu l aç ão pas s o u a en te n de r 50 os ac on tec im en t os e a s p es s oas q u e c o ns t it uem a h is tó ri a . O autor não subestima a tradição histórica escrita, mas se propõe a pensar a escrita da história por meio de outros suportes – um movimento 47 que acompanha a transformação social e suas “A s em io l o g ia es go t o u - s e ( . ..) . E l a c r io u f e rram ent as b as t a nt e út e is , q ue j á n ão bas t am ou s e t or nar am inú t eis ”; SO R L IN , P ierr e ap u d R A MO S , A lc i des Fr e ir e. Ca n ib a l is mo .. . o p.c it ., p. 3 2. 48 P ara um ba l a nç o d as p r i nc i pa is p ers p ec ti v as do f i lm e e s ua re laç ã o c om a pro d uç ão h is tor i o gr á f ic a ; c f .: S ANT I AG O J Ú NIO R, Fr anc is c o das C h ag as Fer na n des . Ci n em a e h is t or io gr af i a: tr aj e tó ri a d e um obj et o h is t or io gr áf ic o ( 19 7 1 20 1 0). H is tór i a d a H is t or io gr af i a, O uro Pr et o, n .8 , p. 1 5 1 - 1 7 3, a br .2 01 2 . 49 LAG N Y, M ic h è l e. C i ne e h is t or i a : Pr ob l e m as y m éto d os e n l a i n v es t i gac i ón h is t ór ic a . B ar c e lo n a: B os c h , 1 99 7. 50 RO S E N ST O N E, Ro b e r t A . A h is tór i a n os fi l mes . O s f i l m es n a H is t ór ia . Sã o Pa u l o : P a z e T er r a , 20 1 0, p . 1 7. 44 representações, cada vez mais audiovisual, em processo com curva ascendente e acelerada desde o quarto final do século XX 51. Ciente de que o sentido histórico da sociedade não é produzido mais exclusivamente pelas páginas escritas, Rosenstone reconhece que o significado histórico de um filme é distinto do saber historiográfico e, por isso, as análises sobre as narrativas históricas impressas e cinematográficas precisam levar em conta suas peculiaridades. Aliás, reservadas as particularidades existentes entre autores/escolas referentes ao cinema -história, tem-se como princípio que um filme é um filme, uma produção artística e comercial e , não, um trabalho produzido segundo os ditames acadêmicos. Quase meio século após as primeiras reflexões mais elaboradas sobre a relação entre a história e o cinema, o panorama da produção no Brasil comporta duas grandes tendências. Conforme Santiago Júnior 52, um primeiro grupo seria representado por trabalhos inscritos na perspectiva da história social, sendo caracterizado por maio r flexibilidade quanto aos métodos e menos fechado nas questões teóricas. O autor destaca que as problemáticas dessas pesquisas relacionam a produção do cinema com questões sociais, políticas e econômicas, além de se preocuparem com a circulação dos filmes. O outro território dialoga mais proximamente com a prática da história cultural, destacando as apropriações e representações sociais n o cinema. Os autores que desenvolvem trabalhos sob esse viés t êm, segundo Santiago Jr., procurado estreitar suas análises a uma carga teórica e conceitual, em especial às reflexões de Roger Chartier 53. Ressalva -se que essa classificação proposta para as pe squisas em história-cinema é entendida com finalidade didática e operacional, o 51 A es c r it a v i d eo gr áf ic a ex em pl if ic a a di v ers if i c aç ã o d a es c ri t a da H i s tór i a por m ei o da l in g ua g em aud i o vis ua l ; c f .: M AU A D, An a Ma ri a . Fo nt es d e m em ór ia e o c o nc e i to de es c r it a v id e ogr áf ic a: a pr o pós i to da f a t ur a d o t ex t o v id e ogr áf ic o M i lt o n G u ra n em três t em pos . Rev is ta de H is tór i a O ra l , R io de J an e ir o, v. 1, n º 13 , . 14 1 - 15 1 , 2 01 0; M AU A D, An a Mar i a; DU MA S , F ern a nd o . Fon t es or a is e v is ua is na pes q u is a h is t ór ic a : n o vos m éto dos e pos s i b i li d a des nar ra t i vas . In : J u n ie l e A lm e id a R eb e lo ; Ma rt a G ou v e ia d e O l i v e ir a R o va i . (O r g). In t rod uç ã o à H is t ór ia P ú b lic a . Sã o P au l o: Le tr a e V o z, 20 1 1. 52 S ANT I AG O J Ú NI O R, Fr a nc is c o d as Ch a gas Fe rn a nd e s . C i nem a e h is t or io gr af i a. .. o p.c it . 53 I b id em , p .1 6 4 - 16 5. 45 que nem sempre é qualitativo. De forma alguma se deve entender que tais produções são excludentes: ou se enquadram no cenário da história social ou da história cultural. Os diá logos entre os procedimentos de pesquisa desses trabalhos (metodologias, escopo conceitual, problematizações) são intensos e reforçam a concepção aqui seguida de abordar o cinema como uma construção histórico social, bem como entender o filme como objeto e specífico ao qual se desenvolvem a interpretação e crítica histórica. A presente tese – Cinema, História Pública e Educação: circularidade do conhecimento histórico em Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1985) – exemplifica o entrelaçamento desses campos. A proposição metodológica desta tese considera as interseções entre aspectos da história social (como problematizar o cinema de temática histórica e a educação não -escolar; perscrutar as relações entre política e educação no momento de realização dos filmes ; analisar o processo de produção dos filmes; identificar o circuito de circulação e dimensionar o impacto socioeducativo das películas) e da história cultural (passando da preocupação em atrelar a análise fílmica a parâmetros conceituais como aspectos da narrativa, representação cultural, circularidade cultural à representação cinematográfica da história e à produção do sentido histórico decorrente do filme). Embora a relação entre história e cinema seja contemplada pela bibliografia especializada, o mesmo não se pode dizer sobre a precisão das características dos filmes inspirados pela história 54. Se o binômio cinema-história delineia o campo do estudo, entretanto, permanecem imprecisões quanto ao tipo de filme que se propõe abordar a história. O uso de expressões variadas reflete a compreensão difusa em torno desse tipo de produção. Robert Rosenstone, por exemplo, opta por usar o termo filme histórico para toda produção que se propõe a recriar 54 J os é N or ie g a p r o p ôs , no I Co n gres s o In te r nac i o n a l d e H is t ór i a e Ci n e, r e a li za d o em 20 07 , em Ma dr i, o c onc e it o d e c in e ma - m em ór i a c om o s u bs t it u to a o c i nem a h is t ór ia . N ão o bs ta nt e , es s a t es e n ão s eg u e ta l p ro p os iç ã o; N O RI EG A, J os é Lu i z S ánc h e z. De l a “ pe l íc u la h is t ór ic a” a l c i ne de l a m em ória . I n .: C A M AR E RO , G l or i a; HE R A S, B e atr i z d e l as ; CR UZ , Va n es s a de . (O r gs ) . U n a v e n t an a i nd is c r et a : la h is t or ia des d e de l c in e . Ma dr i d: Ed ic i on es J C , 20 0 8. 46 de forma consciente o passado 55. Opção que comporta ressalvas, já que temas da história do tempo presente podem motivar enredos e roteiros de filme ficcionais. O que se percebe necessário, portanto, é o estabelecimento de um olhar mais preciso para os tipos de produção fílmica que dialogam com a história. Nesse sentido , a categoria gênero se apresenta como um caminho coerente. Reflexões sobre gêneros narrativos, realizadas primeiramente no campo da teoria da literatura 56, permitiram correspondências para o gênero cinematográfico. O gênero cinematográfico constrói arquétipos e representações cuja circulação dentro do público consumidor daquele gênero facilita o reconhecimento da mensagem, estabelecendo padrões compartilhados. De modo geral, os gêneros são organizados pela própria indústria cinematográfica. Um gênero torna -se reconhecível pelos seus elementos estéticos, de elenco e narrativos. Assim, a partir de uma iconografia, fotografia, cenário, atores e tipo de história, se estabelece um lugar específico que espera ser o do filme em sua comunicação com o público. Dessa maneira, o gênero fílmico reforça a própria engrenagem da economia em torno da indústria do cinema. Por outro lado, é preciso considerar que alguns gêneros não tiveram seu estabelecimento atrelado à indústria, como exemplifica o filme noir 57. Compreendido por esses ângulos, o cinema tem variados gêneros que agrupam filmes pela estrutura narrativa, linguagem audiovisual, formato como os gêneros comédia, drama, histórico, faroeste, terror, policial etc. Assim, parece legítimo reconhecer como um gênero o filme histórico, 55 afinal há uma temática específica e cuidados RO S E NST O N E , Ro b e r t A. A h is t ór i a n os fi l mes .. . o p.c i t. , p. 1 5. “Um gên er o c om pr ee nd e um a c l as s e d e e v en t os c om un ic at i v os , c uj os ex em pl are s c om part i l ham os m es m os pr o pós i tos . Es t e s pr op ós it os s ão rec on h ec id os pe l os m em bros es p ec ia l is ta s da c om un i d ad e dis c urs i va d e o ri g em e, po rta nt o , c o ns ti t uem o c o nj u n to d e r a zõ e s par a o g ê ner o . Es t as r a zõ es m ol d am a es tr u tur a es q u e m átic a do d is c ur s o e inf lu e n c i am e l im it am a es c o l ha d e c on t eú d o e de es t i l o”; tr a duç ã o l i vre , c f .: SW ALE S, J oh n M . G e nr e an a l y s is . N e w Yo rk : Ca m brid ge U n i v ers it y Pr es s , 1 9 90 , p .5 8. 57 Cf .: S IL V E R A la i n; UR S IN I J am es . Fi l m no ir . N e w York : Lam e l ig ht , 20 0 4; NO G U E IR A , L uís . Man u a is d e C in e ma II : G é ner os C i n em ato g ráf ic os . C o v i l hã : L i vros L a bc om , 2 01 0. 56 47 supervalorizados pela produção e pelo público, como detalhada pesquisa para caracterizar o período temporal representado. A reconstituição visual do passado onera consideravelmente es se tipo de produção, tanto que uma das justificativas dadas, em 1977, pela direção da Embrafilme em abrir vultosa linha de crédito de fomento a produções do gênero era viabilizá -la, já que o mercado nacional cinematográfico praticamente não tinha condições para encarar a empreitada. Uma das consequências dos elevados custos era restringir a produção, além de prejudicar produtores que tentavam, pois o orçamento insuficiente exigia improvisações constantes. O esmero inerente à reconstituição temporal cenográfica, dos costumes, figurinos, gestos são importantes características do filme de gênero histórico, entretanto, também o são dos demais gêneros. Por isso, apenas a reconstituição temporal não é suficiente para definir o filme histórico. Além disso, ainda que no campo da imaginação, filmes sobre o futuro e de ficção científica exigem a mesma atenção de produção. Então, quais outros elementos podem ser elencados para definir o filme de gênero histórico? Ciente dos riscos e sem pretender uma resposta definitiva para a questão, é possível sugerir algumas proposições sobre o filme de gênero histórico. Entre elas, acredita -se que quatro aspectos inerentes a qualquer produção fílmica, do faroeste à ficção científica, adquirem outra dimensão no filme de gênero histórico. O primeiro aspecto diz respeito à percepção do recorte temporal em que se desenvolve a narrativa fílmica, podendo ser um passado distante, recente ou mesmo imediato. Os filmes se desenvolvem dentro de uma temporalidade específica . Contudo, a problematização dessa temporalidade é singular ao projeto do filme de gênero histórico, já que a narrativa é significada na abordagem do tema nessa temporalidade. Assim, pode-se considerar a representação temporal no filme de gênero histórico o elemento desencadeador da constr ução argumentativa e de elaboração do roteiro. O segundo se refere ao cuidado com a observação dos elementos audiovisuais da narrativa fílmica (figurino, cenário, fotografia, 48 mobiliário). Este cuidado não deve ser entendido, porém, como uma camisa de força, pela qual, se houver alguma incongruência , o filme deixa de ser considerado de gênero histórico. Mesmo porque muitos diretores recorrem à licença artística e inserem elementos anacrônicos ao período temporal narrado, muitas vezes , com o intuito de problematizar a relação passado -presente 58. Terceiro, a compreensão da intencionalidade explicativa sobre o objeto histórico narrado. Mesmo que o filme não se proponha a ser uma aula de História, o diretor tem a consciência de que seu filme representa a oportun idade de apresentar uma versão sobre a história, que pode ser inédita para muitos ou, ao menos, se colocar diante do saber histórico, de modo complementar ou conflituoso. Em quarto, considera -se que todo filme se inicia com uma pesquisa para seu desenvolv imento. Mas a pesquisa temática para uma produção histórica possui dimensões relevantes, como o diálogo com a historiografia e, quando houver, outras narrativas referentes ao assunto abordado. Talvez seja essa a premissa fundamental do filme de gênero histórico, pois é a pesquisa que permitirá estabelecer elementos para construir a narrativa sobre o tema e a temporalidade recortados. A esse respeito, duas breves observações: a) a pesquisa para elaboração do roteiro não implica transpor as informações recolh idas em arquivos, bibliotecas e outros suportes para o filme, afinal não se trata de filmar a produção anterior, mas criar uma narrativa cinematográfica para a temática; b) uma vez filmado, o trabalho de investigação promove , não apenas a recuperação de um evento histórico, passado ou atual, mas termina por favorecer a circularidade do conhecimento sobre o objeto fílmico, validando, refutando e/ou ressignificando esse saber junto ao público que toma contato com o filme. A partir dessas considerações, ratifi ca-se a compreensão do filme de gênero histórico como produtor de história pública. Ao abordar um 58 C it am - s e, c om o ex e m plo, os s o l d ad os r o m anos arm ad os c om m etra lh a dor a o u ta n qu es no d es er t o p er s e g u in d o J ud as , e m J es us Cr is t o S up er s tar ( 1 9 73) ; ou a pres e nç a d e um par d e t ê n is d e gr if e na c o l eç ã o d e c a lç a dos d a r a in h a d a F ra nç a, em ple n o s éc u lo X VI II, no f i lm e Mar ia A nt o ni e ta ( 20 0 6); c f .: J ES U S C RI ST O SU P E R ST AR . J EW ISO N, N or m an. U ni v ers a l, 1 97 3, 1 0 8 m in .; M AR I A ANT O N I ET A. CO P PO L A , S of i a. C o l um bi a P ic t ur es , 20 0 6, 12 7 m in. 49 tema histórico, esse tipo de filme desenvolve ampla pesquisa, ressignifica e contribui para a construção e a difusão de conhecimentos históricos. Embora o entendimento dess e gênero fílmico ajude a delimita r sua abordagem dentro do campo cinema -história, ainda persistem alguns pontos que precisam ser dimensionados. Is so porque um filme com essa rubrica pode ter especificidades, sobretudo em relação à intencionalidade da produção. Segundo o historiador do cinema José Caparrós Lera, há três tipos de filmes no campo cinema -história 59: 1º) Com valor histórico ou sociológico , mas que não tem intenção de ser uma representação histórica, quer dizer, são contextuali zados em determinadas temporalidades sem que is so imprima uma marca explicativa sobre o período. Nesse tipo de filme, a estrutura narrativa não tem foco no acontecimento passado, mas a ambientação temporal permite inferências históricas e sociológicas 60; 2º) Histórico, que se sustenta em personagens, acontecimentos e conjunturas, construído a partir de ampla pesquisa em variadas fontes, porém sem se ater a uma rigorosa reconstituição. Destaca -se nessa proposta fílmica a problematização histórica sem a premis sa de recriar o passado conforme o princípio objetivista, logo, nesse tipo de filme se permite a incoerências e anacronismos, às vezes , de maneira explícita e provocativa 61; 3º) Co m intencionalidade histórica , cujo objetivo é representar um acontecimento co m o intuito de reconstruir o passado em uma produção que se propõe a recriar o mais próximo possível à temporalidade representada. Predomina nesse tipo de superprodução a perspectiva de 59 L ER A , J os é M ar i a Ca p ar r ós . E l c i ne c om o d oc um ent o h is t ór ic o , R ev is t a A nt hr op os , nº 17 5, 19 97 . 60 O ov o d a s e r p e nt e ( 1 97 7) , p o de s er pe ns ad o c om o ex em pl o des t a ti p o lo g ia , po is re ve l a as p ec tos d a s oc ie d ad e a lem ã q u e c u lm i nar am c om os par âm etr os do na zi s m o, en tr et an t o, s em enf oc ar a p o l ít ic a n a zi s t a em s i; c f .: O O VO D A S ER P E NT E. B E RG M A N, I ngm ar. Pa ram ou n t, 1 9 77 , 1 20 m in . 61 C om o ex em pl o d es t a s u bc a te g or ia , a l ém os f i lm es Xic a d a S i lv a ( de C ac á Di e gu es , 1 97 6) e C h ic o Re i ( d e W alter L im a J r., 1 9 85) ; c f .: J E SU S C RI ST O SU P E R ST AR . J EW ISO N, N or m an. .. o p.c i t. 50 que o audiovisual fílmico funcione como uma janela temporal para o espectador 62. Percebe-se propostas, o pontos que é de tangência compreensível por entre as estarem subcategorias inscritas a uma categoria maior: cinema -história. As tipologias podem, muitas vezes, iluminar processos analíticos a partir das características da pesquisa. Para a tese aqui desenvolvid a, considera -se pertinente a proposição metodológica de José Maria Caparrós Lera, especialmente as referentes ao tipo de filme histórico, pois compreende -se Xica da Silva e Chico Rei nessa subcategoria, já que esses f ilmes se sustentam na História de Minas Gerais e do escravismo, inclusive recriando cenários e figurinos, porém com ampla liberdade na construção de seus roteiros. A análise fílmica é um processo complexo e com variações de procedimentos. Um dos pontos ba silares das análises aqui empreendidas é procurar ultrapassar o aspecto realista frequentemente enfrentado pelos filmes de gênero histórico. Como filmes ficcionais inspirados e orientados pela História, entende -se lícito que o produto desse gênero utilize dos dados histórico -acadêmicos e de outros formatos narrativos para criar livremente sua narrativa fílmica. Por outra via, também se procurou reconhecer a subjetividade excessiva ao delinear parâmetros decorrentes das narrativas que trabalharam a s histórias de Chica da Silva e de Chico Rei. Ou seja, a análise empreendida visa escapar das limitações decorrentes das cobranças polarizadas entre realismo/subjetividade, valorizando , na estrutura fílmica, elementos que permitam a reflexão da construção da narrati va histórico -cinematográfica como história pública , posto que o filme dialoga com a história, e não a substitui . T r a zer f i lm e, tex tos f ic c i on a is e o utr os pr o du tos ar tís t ic os par a a c e na da P es q u is a e do Ens i no de His t óri a , po rt an t o, é f a zê l os d i a l og ar em c om o tr ab a lh o d os h is t or ia dor es , ao i n v és de os tr a tar c om o parc e iros m e nor es e i gn ora n tes , a s erem c or r ig i d os p e la c i ênc i a. E d es c ob ri r q ue m u it as s ã o as v o ze s 62 In de p en d ênc i a o u Mo r te , d e C ar lo s Co im br a , é um ex em p lo de f ilm e n ac io n a l c uj a pro p os t a f o i es t a b e l ec er um a repr es en taç ã o f id e di g na do pas s ad o ; c f .: IN DE P E ND Ê NC I A O U MO RT E . CO IM B R A, C ar los . Em braf i lm e, 19 7 2, 1 0 8 m in . 51 c om dir e it o à f a l a r ef l ex i va ( n o p l an o do c o nc e i to o u n o p la n o 63 do s ens í ve l) s obr e H is tór i a . Desde as primeiras considerações de Marc Ferro sobre o cinema história, os procedimentos metodológicos inerentes à análise têm recebido os devidos cuidados. Apesar de variáveis, em síntese , a análise contempla duas dimensões interdependentes: externa e int erna. Assumem-se aqui quatro etapas analíticas 64. 1ª) contextualização: tanto histórica, em que se abordam as referências históricas e sociopolíticas do período representado , quanto fílmica, analisando o momento da produção do filme; 2ª) produção artística e comercial: que procura entender o processo de criação, composição artística, financiamento e distribuição; 3ª) análise do filme: o pesquisador deve atentar para desvendar as proposições ideológicas, os elementos estéticos, as mensagens e a recepção públi ca do filme; 4ª) o impacto do filme: avaliar a repercussão sociocultural, tanto no momento do seu lançamento, quanto ao médio e longo prazo s. Considerando tais diretrizes, as análises dos filmes Xica da Silva e Chico Rei são estabelecidas a partir das prob lematizações referentes à circularidade do conhecimento histórico e da educação escolar e não escolar. Etapas analíticas de fundo externo foram abordadas considerando as construções de representações sobre os personagens protagonistas em variados suportes , dos seus projetos fílmicos e da repercussão via imprensa . Quanto à análise interna do filme, é corrente o uso da decupagem fílmica como procedimento metodológico. Conforme Ismail Xavier, esse processo de desmontagem do filme permite entendê -lo constituído [.. .] d e s e qu ê nc ias – u n id a des m enor es d e nt ro de l e, m arc a das por s u a f u nç ão dr am átic a e/ o u pe l a s ua p o s iç ão n a narr a ti v a . Ca d a s eq u ê nc i a s er i a c ons t i tu í da d e c e n as – c ad a um a das par t es d o ta d as d e u n id a de es paç o - tem po ra l. P art i n do d aí , def in am os po r en q u a nt o a d ec up a ge m c o m o proc es s o d e dec om pos iç ão d o f i lm e (e p ort a nt o d as s e qu ê nc ias e c e n as ) 63 SI L V A, M ar c o A nt ô n io . A c a ric a tur a c o m o pens am ent o : a C ar lo ta de Car l a. Rev is ta O Olho da H is t ór ia , n .1 0, 2 00 8, p .8 . Dis p on í v el em : < ht tp :/ /o o l ho d ah is to r i a .or g/ ar t ig os / I M AG EN S - c ar ic a t ura - c ar l ot a- c ar l a - m arc os s i l va . pdf > Ac es s o em : 27 ag o. 20 0 8. 64 L E R A, J os é M ar ia C a par r ós . A ná l is is h is tór i c o d e l os f i lm s d e f ic c i on . Cu a de rn os Ci n em a to gr áf ic os , n º 10 , 1 99 6 . 52 em pla n os . O p l an o c orr es p o nd e a c a d a t o m ada d e c e na , o u s ej a , à ex t ens ã o de f i lm e c om pre e nd i d a en tre d o is c ort es , o qu e s ig n if ic a d i ze r q u e o pl a no é um s egm en t o c o nt ín u o d a 65 im ag em . Ao realizar o exercício de decupagem dos filmes Xica da Silva e Chico Rei, foi possível reconhecer aspectos temáticos e estéticos em suas estruturas. Entretanto, apesar da reconhecida validade deste procedimento, optou -se por não aprofundá-lo diante dos objetivos centrais da tese, que ultrapassam os aspectos estéticos dos planos do filme 66. O fato é que a análise fílmica implica escolhas e olhares específicos que atendam ao propósito do empreendimento analítico. Não por acaso o filme t ermina por ser revisto várias vezes, a fim de viabilizar o cruzamento problematizado dos elementos fílmicos representados com informações coletadas em pesquisas nos âmbitos interno e externo da produção. Nesse sentido, a análise de um filme ou de seu fragmento implica [.. .] d es pe d aç ar, d e s c os t ur ar, d es un ir , ex tr a ir, s e p ara r, des t ac ar e d en om in ar m ater i a is q ue n ão s e p erc eb em is ol a dam e nt e “a o l ho nu” , um a v e z q u e o f i l m e é tom ad o pe l a to ta l i da d e. Par t e - s e , p ort a nt o, do t ex to f ílm ic o pa ra “ des c o ns tr u í - lo” e o b t er um c onj u nt o d e el e m entos d is t i nt os d o pr ó pr i o f i lm e. Atr a v é s des s a et a pa , o a n a lis t a a d qu ir e um c er t o d is t a nc iam en t o d o f ilm e. [.. .] Um a s eg u nd a f as e c o ns is t e, em s egu i d a, em es ta be l ec er e los en tr e es s es e l e m entos is o la d os , em c om pre en d er c om o e les s e as s oc iam e s e t or n am c úm pl ic es p ara f a ze r s urg ir um 67 to d o s i gn if ic a nt e: r ec o ns tr u ir o f i lm e o u o f ra gm ent o . É estabelecido, portanto, um processo de desconstrução e reconstrução, no qual se descreve o filme para , então, interpretá-lo. Deve-se atentar procedimentos 65 para não incorrer complementares e em desequilíbrio interligados . Quer entre dizer esses que o X A VI E R, Is m a il . O d i s c ur s o c i n e m at o gr áf ic o . 3. e d. Sã o P au l o: P a z e T err a, 20 0 5, p. 2 7. 66 “A de s c r iç ã o pl a n o p or p la n o apr es e nt a o inc o n ve n ie n te de pr i v i le g i ar prec is am en te o p la n o c om o u ni d ad e ( e is s o em vár i os ní v e is : n arr at i v o, dr am át ic o , p lás t ic o , a n a lí t ic o) . O r a, um f ilm e t am bém s e a pr es en ta c om o um c onj u n to d e c onj u nt os d e p la n os , agr u p ad os d e ac o rd o c om c rit ér i os nar ra t i vo s , pl ás tic os e tc .” ; NO YE , Fr a nc is ; G O L IO T - L ÉT É, A nn e . E n s a io s o bre a an á l is e f íl m ic a. 7. e d. Cam pi n as : Pa p ir us , 2 0 12 , p .7 9. 67 I b id em , p .1 4 - 1 5 53 exercício descritivo não seja confundido com o trabalho interpretativo, ou, ainda, que a interpretação se sustente em uma frágil descrição. Ressalva-se o aspecto interdependente deste processo, afinal tais etapas fazem parte de um mesmo movimento, já que se interpreta ao descrever e vice -vesa, ou seja, a distinção em etapas é uma formalidade operacional. Dessa maneira, minimizam -se os riscos de se realizar uma análise que extrapole o próprio filme – que deve ser o ponto de partida e chegada do trabalho analítico 68. De acordo com a natureza da presente pesquisa – que objetiva compreender o filme de gênero histórico como produto/produtor de história pública –, procura -se analisar os elementos fílmicos em diálogos com questões tematizadas que permitem reconhecer o intercâmbio entre as narrativas realizadas sobre Chica da Silva e Chico Rei e as narrativas cinematográficas, vislumbrando tanto a circularidade do conhecimento histórico , quanto a ressignificações desse conhecimento. Assim, a análise ocorre por meio de eixos norteadores definidos a partir da própria estrutura fílmica e atrelados à produção historiográfica sobre a sociedade mineira setecentista, com destaque para as relações escravistas. O período desenvolvem histórico ambos os da América filmes Portuguesa favorece a no qual se representação e problematização de temas inerentes àquela sociedade como relações escravistas, religiosidade e papel da Igreja, atividades de trabalho tanto escravo quanto livre , aspectos da administração colonial. Esse conjunto de representações construídas a partir dos protagonistas Chica da Silva e Chico Rei é analisado por meio do diálogo estabelecido com referências hi stóricas e sociopolíticas do período abordado pelos filmes, em consonância com outras fontes que serviram de subsídio para a realização dos filmes. Ambas as películas apresentam uma estrutura narrativa construída em torno de representações sobre liberdade e resistência – 68 Par a pr oc e d im ent os d e a ná l is e f ílm ic a, c f .: AU MO NT , J ac qu es ; M AR I E, M ic h e l. A an á l is e do f i lm e. 2 .e d . L is b o a: T ex t o & G r a f ia , 20 0 4; V ANO YE , F ranc is ; G O L IO T L ÉT É, A n n e. E ns ai o s obr e a a ná l is e fí l m ic a. .. o p.c it .; X A V I ER , I s m ail . O d is c urs o c i ne m at o gr á f ic o .. . o p. c it . 54 binômio por excelência inerente à dinâmica social do período. É em torno desse eixo que os títulos fílmicos serão anal isados. Ressalta -se que, como o filme de gênero histórico diz muito sobre o período em que foi realizado, essa temática tam bém estava em voga a partir da segunda metade da década de 1970, quando foram produzidos alguns títulos fílmicos concomitantemente ao processo de abertura política com a gradativa reorganização da sociedade civil durante a ditadura militar 69. Sob o prisma da ideia de liberdade, optou -se por estabelecer três eixos condutores para a análise de Xica da Silva e Chico Rei. O primeiro aborda as representações de liberdade nos filmes, abarcando suas variadas matizes para a dinâmica da sociedade setecentista mineira idealizada pelos diretores – da intrínseca submissão escrava às liberdades social, política e econômica. Já o segundo recorte diz respeito à meta -história, ou seja, “[...] o recurso de filmar um determinado período histórico e atribuir nas suas cenas ele mentos do momento contemporâneo” 70, que intenta trabalhar temas inerentes aos contextos das filmagens deslocados para temporalidade apresentada na narrativa fílmica. Enquanto o terceiro segmento analítico se volta ao viés didático e pedagógico, uma vez que muitas sequências dos filmes assinalam a preocupação em explicar ao espectador fatos e conceitos históricos. Ressalva-se que os eixos recortados são parâmetros analíticos , que assumem a função balizadora . Deve-se, assim, evitar considerá -los de modo estanque e segmentado, pois se articulam com toda a 69 Al g uns tí t u l os pr o du zi d os nes s e p er ío d o c on t in h am c rític as v e l ad as , o u m esm o d ire tas , à d it a dur a m ili ta r , e nf re nt an d o, p or is s o, pr ob l em as c om a c ens ur a go v er n am ent a l; c f .: I RA C E M A, U M A T R AN S A AM A ZÔ N IC A . B O DA N SC K Y, J or g e. St o pF i lm . 19 7 4, 9 0 m in.; E L E S N ÃO U S A M BL A C K TI E . H IRZ S M AN , Le o n. Em braf i lm e. 1 9 81 , 12 3 m in .; P R Á F R ENT E BR A S IL . F A RI A S , R o b ert o. Em braf i lm e. 19 8 2, 1 10 m in .. S o br e a a ber t ura p o lí tic a ; c f .: Z AV E RU CH A , J org e . R u mor d e S abr es . Tu te l a m i l i tar ou c o ntr o le c iv i l? S ão P au l o: E d it ora Á t ic a , 1 99 4 ; D´ AR A ÚJ O , Ma ri a C e l in a; C A ST R O , Ce ls o; et .a l . De m o c rac ia e Forç as Ar m a das no C o ne S ul . Ri o d e J an e ir o: E d it or a FG V , 20 0 0; S I LV A , Fra nc is c o C ar los T eix e ira d a. Cr is e da d it ad ur a m il i tar e o pr oc es s o d e ab ert u ra p o lí t ic a n o B ras i l , 1 97 4 - 1 98 5. In .: FE RR E IR A , J or g e & D E LG A DO , L uc íl i a d e A lm ei d a Ne v es . O Br as il R e pu b l ic a n o, v o l. 4 . R io d e J a n ei r o , E d . Ci v i l i za ç ã o B ras i l e ira , 2 00 3 . 70 En tr e vis t a d e J e an - Cl a u de Be rn ar de t g ra va d a p ar a o ex tr a d o D VD O s Inc o nf i de nt es ; c f .: O S IN CO N FI D ENT E S . A ND RA D E, J o a qu im P e dro d e . F i lm es d o S erro / Em br af i lm e. 1 9 7 2 ( 2 00 7) , 82 m in . 55 estrutura fílmica. Como dito, o conceito principal de ambos os filmes é a liberdade, sendo que as categorias propostas – imaginários de liberdade, meta-história e o aspecto pedagógico do filme – interagem com esse conceito por toda a narrativa cinematográfica. Destarte, procurou -se desenvolver as análises da pesquisa, que se localizam na interface cinema, educação e história, a partir do s possíveis significados produzido s pelas representações fílmicas. Dessa maneira, buscou-se evitar considerar os planos do filme com uma expressão que confirmasse o saber histórico existente. Para tanto, estabeleceram-se diálogos entre as variadas fontes narrativas a respeito de Chica da Silva e Chico Rei e seus contextos sócio históricos, o conhecimento historiográfico referente à temática e o sentido produzido pela narrativa cinematográfica na perspectiva da história pública. A preocupação representações central, f ílmicas portanto, sobre não determinado foi conferir se acont ecimento as ou personagem histórico ratificam a produção historiográfica ou são recriações artísticas apartadas da pesquisa acadêmica , mas, sim, reconhecer no processo de construção da narrativa cinematográfica com temática histórica a circularidade de fontes que serviram para elaborar a produção fílmica e a reflexão histórica que pode m proporcionar, delineando cenários favoráveis , a educação para o conhecimento histórico. 56 1. A CONSTRUÇÃO DA TEMÁTICA HISTÓRICA: REPRESENTAÇÕES DE CHICA DA SILV A E CHICO RE I Os enredos sobre os escravos Chica da Silva e Chico Rei, que conquistaram a liberdade e obtiveram destaque na sociedade do século XVIII, têm sido apresentados em múltiplas possibilidades narrativas. A literatura, a música, o carnaval, o cinema são algun s dos meios de expressão que contribuíram para construir o imaginário social 71 em torno desses protagonistas e seus contextos sócio -históricos. As narrativas realizadas nessas linguagens revelam um movimento essencial para a sociedade: a construção da memór ia. A narrativa não é um encadeamento aleatório de acontecimentos. A escolha do que narrar e por qual perspectiva o fazer são complexas e estão atreladas à relação temporal passado -presente. A negociação presente na disputa pela construção e ressignificaç ão da história, por meio da recuperação, produção e organização de narrativas sobre os acontecimentos, incorre na elaboração também dos referenciais de pertencimento, cuja leitura produz sentido. Narrativa esta que, também, passará a ser objeto de análise das gerações de historiadores, bem como das demais pessoas que procuram ressignificá -la. Para analisar o processo de construção de narrativas, recorre -se a Paul Ricouer e suas reflexões relativas à temporalidade histórica. Segundo o autor, a história se ap roxima da imaginação. Dela, porém, se distingue dada a sua determinação temporal e intencionalidade em 71 “O im ag i nár i o s oc i a l é um as pec t o d a v id a s oc ia l , d a at i v id a de g l o ba l d os a g en tes s oc ia is , c uj as p ar t ic u l ar id a des s e m anif es t a m na d i v ers id a de dos s eus pr od ut os . O s im ag i nár i os s oc i ais c o ns t i tu em ou tr os ta n tos p o nt os d e r ef er ênc i a no v as t o s is tem a s im bó l ic o qu e q u a lq u e r c ol et i v i d ad e pr o du z e a tra v és d o q u a l, c o m o dis s e Ma us s , e la s e per c e pc io n a, di v i de e e la b ora o s s eus pr ó pr ios o bj et i v os ”; B ACZ K O , Br on is l a w. Im ag in aç ão S oc i al .. . op .c it ., p .3 0 9 . 57 recuperar o passado, enquanto a imaginação é imprecisa e se encontra no campo ficcional 72. Para Paul Ricouer, a memória se localiza no nível intermediári o entre a experiência temporal humana e a operação narrativa, que procura dar sentido à experiência vivida. Nes se ponto, o autor distingue a narrativa ficcional da narrativa histórica. Enquanto a primeira está inscrita no campo da imaginação, a segunda alm eja o conhecimento do passado, pautando -se pelos vestígios localizados e datados, sendo o uso de documentação uma das linhas divisórias entre história e ficção 73. A construção da narrativa histórica, entre quase ficcional e quase realidade, não é mera suce ssão de episódios dispersos. Na tentativa de atribuir sentidos à experiência vivida, opera -se o encadeamento de eventos que são significados/interpretados em narrativas temporais. Por meio dessa ação, “ [...] o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal” 74. São necessários, portanto, pontos de reconhecimento para que as narrativas permitam sentidos interpretativos do passa do-presente. O escritor/narrador está imbuído dos valores do seu tempo presente, porém não pode se furtar aos acontecimentos do período histórico abordado, seus personagens, datas. Por outra via, o leitor/espectador 72 Pa u l R ic o u er , em tr a ba l h os c om o Tem p o e Narr at iv a (2 01 0) , en t en d e a n arr at i v a h is t ór ic a c om o um ex er c íc i o de f ic ç ão e at re l ad o a m et o do l og i a d a p es q uis a h is t ór ic a . Par a o a ut o r , p or t a nt o, a es c r i ta h is t or io gr áf ic a d ec orr e da r e laç ã o e ntr e im ag i naç ã o e r e a l i da de . Ric o u er r e c o n hec e a n arr a ti v a h is t ór ic a en tr e o q u as e fic c i o na l e o q uas e r ea l i da d e , m as s u a po s iç ão re v e l a p os s í ve i s c o ntr a po nt os a o d is c urs o h is t ór ic o c o m o nar r a ti v a l i ter ár i a, l i vr e e f ic c io n al , c o nf orm e pr o pos t o por H yd e n W hite em s e u tex to Me t ah is tór i a p ub l ic a d o em 1 9 73 ; RI CO U ER , P au l . Te mp o .. . o p.c i t. ; W HITE, Ha yd e n . Me ta- h is t or ia : a im ag i naç ã o h i s tór ic a d o s éc u l o X IX . 2. e d. Sã o Pa u lo : ED U S P, 1 9 9 5. 73 Pa u l R ic o u er r es s a l v a n ão c om pree n d er o d oc um en t o c om o s en t id o d e re a l, c om o ver d ad e ; um a p er s pec t i va c orre n t e d ura nt e a es tr ut u raç ã o d a c i ê nc ia h is t ór ic a n o s éc u l o X I X , m as qu e a in d a h oj e ec o a, s o bre t ud o, n a es f er a d o s ens o c om um . O d oc um en t o a pr es e nt a im ens o v a l or e é im pres c i nd í ve l p ara a r ef l ex ã o h is t ór ic a , m as de v e s er d e v id am en te pr ob l em ati za d o , af in a l a e l ab o r aç ã o d e um doc um en to - m o num en t o ou a i n ter pr et aç ão d e um ves tí g i o c om o d oc um en t o prec is a l e var em c on ta a i nt enc i o na l i da d e e m s ua e la b or aç ã o; RI CO U E R, P a ul . Te mp o .. . o p.c i t. P ar a a r el aç ã o e ntr e h is tó ri a , m em ória e d oc um en t o, c f .: L E G O F F, J ac q u es . H is tór i a e Mem ór i a . 5 . ed . Cam p in a s : Un ic am p, 2 00 3. 74 RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it ., p .8 5 . 58 precisa transitar por esse cenário e tem poralidade contando com repertório que lhe propicie o reconhecimento ou, então, o estranhamento. As narrativas fílmicas Xica da Silva e Chico Rei são, nesse sentido, emblemáticas, ainda que distintas – já que Cacá Diegues optou pelo viés da comédia para re presentar, em sua visão, a doidice brasileira; enquanto W alter Lima, ao se afastar do estilo samba do crioulo doido, desenvolveu um drama que valorizasse a objetividaderealidade. Entretanto, é notória, em ambos os diretores, a preocupação com a forma narrativa a ser construída, cientes de que os espectadores poderiam ser levados à reflexão sobre as histórias contadas em seus filmes. Percebe-se, portanto, a ideia do cinema -história como mediador do conhecimento histórico, em um processo de construção de his tória pública – ainda que esse conceito não lhes fosse familiar, tampouco corrente no Brasil ao período em que produziram os filmes. A pluralidade de registros, nos mais variados formatos, sobre Chica da Silva e Chico Rei, endossa a ideia de que os filme s sobre suas vidas decorrem das escolhas realizadas pela equipe de produção. Essas representações estão sujeitas a interpretações distintas e , até mesmo, contraditórias, dentro do próprio filme. Compreender como são construídas, seus sentidos e sua signifi cação, é essencial para entender o filme e seu potencial educativo, escolar e/ou não -escolar. Afinal, a realização de um filme com temática histórica se desenvolve a partir de intenso diálogo com as narrativas sobre o período a ser representado. Em pr im eir o lu g ar, os in te l ec t u a is e c o ns u l tor es f or nec em ao d ir e to r o q u ad ro g er a l – a le i tu ra d o tem a or i un d a j á d e um r ec o r t e b i bl i o gráf ic o , as f ont es es c ri t as e v is u ais a s er em c ons u lt a das e r ep ro d u zi d as , o m at er i al m us i c a l a s er ut i l i za d o e a p os iç ã o d a ob ra de n tro d e um c o nj u nt o de in ic i at i v as d e 75 ép oc a . Todavia, a análise dessas representações inerentes aos filmes , seja composta por image ns canônicas, quer dizer, aquelas que “[...] constituem 75 pontos de referência inconscientes, sendo, MO R ET T IN, E d uar d o V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . o p.c i t. , p .2 2. portanto, 59 decisivas em seus efeitos subliminares de identificação coletiva” 76, seja a sua contraposição não -canônica, deve ser realizada considerando os referenciais com os quais dialogam. Sobretudo porque, conforme pensado por Bronislaw Baczko, o imaginário social se constitui c omo um aspecto da organização sociopolítica 77. A sociedade é, assim, significada a partir de narrativas histórica s e/ou ficcionais que lhe permite m se identificar nesse passado -presente. A construção dessas narrativas estabelece, inclusive, a demarcação de posições entre os grupos sociais. Por isso, sua relevância não deve ser considerada secundária dentro das relações políticas . Es s e im ag i n ár io , d o q ua l f a zem p art e as i d e ias de l i ber d ad e , c or a g em , a bn e gaç ã o , s ac rif íc i o, p a tri o ti s m o, tem um a ex is t ênc i a h is t ór ic a ef et i v a, n ão p o de n do s e r c o ns id er ad os n o s en t id o do irr e a l, do f an t as i os o e d o i l us ór i o e , m ui to m en os , c om o um a m era d ef o rm aç ão do r e al . O im ag i n ár io e o m i to po l ít ic o s ão r ec o n hec i d os s oc ia lm en te e p erc eb i dos s ubj et i v am en te , o q u e t or na p os s í v e l s u a ut i l i zaç ã o c om o i ns tr um ent os de l eg i ti m aç ão. É o q ue p er m ite q u e o po d er po l ít ic o – q ue par e c e ter s em pre a pr eoc u paç ã o d e s e apr o pr ia r d e a lg um as das m ais c aras re pr es en t aç õ es c o le t i vas – pr oc ur e d om in ar o im ag i n ár io s oc i a l e um c o nj u nt o d e s ím bol os , t r a ba l h an do - os no s en t id o de f ort a l ec ê - l os , 78 ar t ic u la n do - os às prá t i c as p ol ít ic as d o pr es e nt e . Bronislaw Baczko, portanto, amplia a lente de análise 79 destacando o processo de articulação entre representações e seu papel na conformação social, a partir do c onceito de imaginários sociais. O poder simbólico, decorrente do imaginário social, contribui para divulgar e reforçar a legitimidade de ações políticas e culturais de grupos específicos; ressalvando que não se deve desconsiderar as relações 76 já estabelecid as e validadas entre o imaginário e as S AL I B A, E l ias T . As Im age ns C a nô n ic as e a H is t ór i a. I n .: MO R ET T IN, Ed u ar do V ic t ór i o. S A LI B A , E li as T h om é. (e t. a l). ( O rgs ) . H is tór i a e C i ne m a: d i me ns õ es h is t ór ic as do a u d iov is ua l . S ão P au l o: A lam e da , 2 00 7 , p. 8 8. 77 B A CZ KO , Br o nis l a w. I m agi naç ã o S oc ia l .. .o p .c i t. 78 FO N S EC A , T ha ís N . d e L im a e . D a i nf âm ia ao a lt ar da p á tri a : m em ória e rep res e nt aç õ es d a I n c onf i d ê nc ia M i ne ir a e d e T ir ad e nt es . 2 0 01 . T es e ( Do ut or a do em His t ór ia) – F ac u l d ad e d e F i l os of ia e C i ênc i as H um an as , U n i v ers id a de de S ão P au l o, Sã o P a u lo , p .1 3. 79 J ac qu es R e ve l r e f le te s o br e a pers pec t i va a n a lí tic a p a ra a pes q u is a h is t or io gr áf ic a, des ta c an d o a im port â nc i a na def in iç ã o d o o bj e t o d e es t u d o e a m ane ira c om o s er á ab or d a d o: “ Var i ar a o bj e ti v a n ã o s i g n if ic a a pe nas aum e nt ar (o u d im in uir ) o t am an ho d o o bj e to no v is or, s ig n if ic a m od if ic ar s u a f or m a e s ua tr am a”; RE V E L, J ac q u es . Mic r oa n á lis e e c ons tru ç ã o do s oc i a l. I n: R E V E L , J ac q u es (O rg) . J og os d e Es c a l as : a e x per i ê nc ia d a m ic r o an á lis e . Ri o d e J a ne ir o : FG V , 1 99 8 , p. 2 0. 60 experiências sociais 80. Além disso, o imaginário social pode, também, deslegitimar determinada realidade, favorecendo a ruptura e a inauguração de um novo projeto político, pois o im ag in ár i o s oc i a l e la b ora d o e c o ns o li d ad o p or um a c o le t i vi d ad e é um a das res p os t as q ue e s ta d á a os s eus c onf l it os , d i vis õ es e v i ol ê nc ias r e ais o u p ot enc i a is . T o das a s c o le t i vi d ad es t êm os s eus m od os de f u nc io n am ent o 81 es p ec íf ic os a es t e t i po d e r e pr es e nt aç ões . As representações que compõem e sse imaginário social, portanto, podem estabelecer pontos de reconhecimento, de pertencimento. Uma análise contrária também é pertinente, ou seja, uma leitura às avessas dos cânones imagéticos ajuda a identificar ideologias e interesses de grupos. 1.1. Xica da Silva e Chico Rei: múltiplas representações narrativas Os personagens Chica da Silva e Chico Rei foram construídos, significados, apropriados e ressignficados 82 pelos suportes da literatura, da música e do carnaval. A análise, aqui proposta, destaca aquelas produzidas até o momento em que esses registros se tornaram fontes para os desenvolverem cineastas suas Cacá narrativas Diegues fílmicas e – W alter em Lima 1976 e Júnior 1979, respectivamente. Isto se explica porque se almeja trabalhar com os materiais disponíveis para a equipe cinematográfica quando o filme foi produzido, logo, com os quais foi possível estabelecer diálogo. Contudo, como os temas continuaram a ser reapropriad os após as produções fílmicas, por exemplo, nos campos da música, do turismo e da educação escolar, foram realizadas an álises visando reconhecer a 80 T ha is Fo ns ec a c h a m a a at enç ã o p ara a pr eoc u paç ã o de B ron is l a w Bac zk o c on tr ap or s ua c o nc ep ç ão d e im ag in ár i o s oc i al a o c o nc e it o de i de o lo g ia , po is es t e c om pre en d e o im a gi n ár io n o c am po do irr ea l , da i l us ã o ; FO NS EC A , T h ais N . d e L im a e . Da in f âm i a. .. o p.c i t. p .1 3 . 81 B A CZ KO , Br o nis l a w. I ma g i naç ã o S oc ia l .. .o p .c i t. , p. 3 0 9. 82 T rab a lh a - s e, a qu i , n a pers p ec t i v a d e R o g er C h art i er, par a q uem as rep res e nt aç õ es c ul t ur a is têm um va lor i m pres c i nd í v el n a c o nf orm aç ã o s oc i a l, de v e nd o s er an a l is ad as c om rig or q u e p rim e pe l as s ua s es p ec if ic i d ad es de v i d am ent e h is t or ic i z ad as ; CH A RT IE R, R o g er. A h is t ór ia .. . op .c it . 61 circularidade do conhecimento histórico em torno de Chica da Silva e Chico Rei e seus contextos 83. 1.1.1. No campo literário As histórias de Chica da Silva e Chico Rei – este considerado pela historiografia uma lenda – são conhecidas pela tradição popular oral. Na década de 1970, os cineastas Cacá Diegues e W alter Lima Júnior declararam que os trabalhos do memorialista Joaquim Felício dos Santos, da poetisa Cecília Meireles e do literato Ag ripa Vasconcelos foram essenciais como fontes para elaborarem os roteiros de seus filmes. Ao perscrutar como esses registros foram construídos, objetivando reconhecer reapropriações e ressignificações, constata -se o intenso diálogo entre eles. Desde o século XVIII, memórias relacionadas ao escandaloso romance entre a escrava Francisca e o contratador dos diamantes , bem como sobre a esperança de liberdade envolta no mito de Chico Rei, circulavam pelas regiões mineiras. A literatura, ao narrar as trajetórias de vida desses consolidação de ex-escravos, uma versão representou importante histórica/ficcional, cujos papel na elementos principais se mantiveram à medida que eram ressignificadas por outros registros. Sob essa perspectiva, a vida de Franscisca da Silv a recebeu um tratamento literário ainda no século XIX. Reconhece -se no memorialista Joaquim Felício dos Santos a primeira notícia a respeito da negra do arraial do Tejuco. O autor publicava as histórias do Distrito Diamantino no jornal diamantinense O Jequitinhonha, a partir de 1862. Anos depois, seus textos foram compilados no livro Memórias do Distrito Diamantino e do Serro Frio, cuja primeira edição foi lançada em 1868 84. Republicano atuante, Joaquim Felício dos Santos, em suas Memórias..., matizava negativamente personagens ligados à monarquia 83 A a n á lis e da i ns er ç ã o d os t em as Ch ic a d a S i l v a e Ch ic o R e i na e duc aç ão f o i rea l i za d a no c ap ít u lo 4 – R e v erb er aç õ es d e X ic a d a S i lv a e C h i c o R ei ; i t em 4.2. A pro pr i aç ã o f i lm ogr áf i c a p ar a f i ns e duc a ti v o s . 84 S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias d o .. . op .c it . 62 portuguesa e sua descendência brasileira, como o contratador João Fernandes de Oliveira. Por outro lado, valorizava aqueles que, de certo modo, contestaram a política metropolitana, como o caso de Felisberto Caldeira Brant, que também arrematou o Contrato de Extração dos Diamantes 85. Nota-se, ainda, na narrativa de Joaquim Felício, o pouco espaço ocupado pelas mulheres. Apesar dessa característica, compreensível, em certa medida, pela baixa representação pública fem inina no século XVIII, Francisca da Silva recebeu sua atenção. A passagem referente à ex-escrava não é extensa, porém o memorialista a retratou pejorativamente. Fo i c é l e br e es t a m ul h er, ú nic a pes s o a a nt e qu em s e c ur v a va o or g u l hos o c o ntr at a dor ; s u a vo nt a d e er a c e ga m ente o be d ec id a , s eus m ais l e ves o u f rív o los c apr ic h os pr o nt am ent e s a t is f e it os . Dom in a d or a n o T ij uc o , c om a i nf l uê nc i a e po d er do am an te , f a zi a a l ar d e d e um l ux o e gr an d e za , q u e des l um bra vam as f am íli as m ais r ic as e im por ta nt es [. .. ]. F ra n c is c a d a S i l va er a um a m ulat a d e b a ix o n as c im ent o. [. .. ] T inh a as f eiç õ es gr os s e ir as , a lt a , c or p u le nt a , tr a zi a a c a beç a r ap a da e c ob er ta c om um a c a be l e ir a an e la d a em c ac h os p en d en t es , c om o en t ão s e us a v a; n ã o p os s uí a graç a , n ã o pos s uí a be l e za , n ão pos s u ía es p ír it o, n ã o t i v era e d uc aç ã o, en f im , nã o p os s uí a 86 atr at i v o a l gum , qu e p u des s e j us tif ic a r um a f o rte p a ix ão . Reflexos da sociedade escravista e de desqualificação da população negra corrente nos oitocentos? Pelo visto, o abolicionismo republicano deste diamantin ense se limitava ao ato político e , não, ao social. Ressalta -se, ainda, que as duras críticas dirigidas por Joaquim Felício dos Santos à Chica da Silva atingiam, também, o contratador 85 Fe lis b er t o C a ld e ir a B r an t f o i o t erc e iro c o n tr at a dor dos d iam a nt es , en tre 17 4 8 - 52 . S ua a dm in is tr aç ã o f o i c er c ad a d e p o l êm ic as e ac us aç ões d e d es c am i nh o d e pe dr as , ao po n to de s er pr es o e rem et i do a L is bo a p ar a pr es t ar c on tas à j us t iç a rea l . J oã o Fer n an d e s d e O l i ve ir a, f i l ho h om ôn im o d o p rim e iro c o nt r a ta d or d iam an t in o , ar r em ato u o 4 º c o nt ra to e o ren o vo u a t é 1 77 1, qu a nd o a C or o a as s um i u d ir et am ent e o m ono pó l i o d a ex tra ç ão d iam an tíf e ra . P ar a a h is tór i a d a s oc ie d ad e d i am ant i n a c om ênf as e n o d es c am in ho de d i am an tes s ob o re g im e de c on tr at os : F ER R EI R A, R o dr i g o de A lm ei da . O d es c am i n ho d e d i a ma n tes : r e laç õ es de p o de r e s oc i a b il i d ad e n a Dem arc aç ã o Di am an t in a n o per í od o dos c o n tra t os (17 4 0- 17 7 1) . B e l o H or i zo n te : F um arc ; S ã o P au l o: L e tra e V o z, 20 0 9. P ar a a v i da d o c on tr at ad or J o ã o F er n an d es de O l i ve ir a, c o m ê nf as e em s u a r e l a ç ão c om C h ic a d a S i l va : FU RT AD O , J ún i a Fer r e ir a. Ch ic a d a S i lv a e o c on tra t ad or dos d iam an t es : o ou tr o l ad o d o m it o . S ã o P au l o: C i a . das Le tr as , 2 0 03 . 86 S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias .. . op .c it . , p . 12 3- 12 4 . 63 João Fernandes, pois sua submissão aos caprichos da amásia terminava por desqualificá -lo. O fato é que, pelas Memórias do Distrito Diamantino foram lançadas as bases de representação de Chica da Silva, retirando -a do anonimato e favorecendo sua posterior consolidação no imaginário social, que atravessaria o século XIX e ecoa ria no vindouro. As Memórias... revelam incômodo da sociedade diamantina diante de um misto de contradição entre a origem africana e o prestígio que Chica atingiu. Em sua chácara, cuja depredação era lamentada pelo autor, ocorriam festins suntuosos, que contavam com exclusivas encenações teatrais. As festas e o luxo em que vivia coroava m a inversão social, elevando a ex-escrava “[...] à condição das senhoras das famílias mais distintas!” 87. A indignação do memorialista em sua narrativa sobre o paradoxal casa l atinge seu auge quando informa que [.. .] Fr a nc is c a d a Si l v a, qu e nu nc a t i nh a s a íd o d o T ij uc o , p or um c apr ic h o f em in in o, q u is t er i d ei a d e um nav io ; J o ã o Fer na n des a pr es s ou - s e em s at is f a zê - l a : m ando u a br ir um v as t o t a nq u e e c ons t ru ir um na v i o em m in ia tur a , q ue p od i a c on t er o i to a d e z p es s oas , c om ve l as , m as tr os , c a bos e to d os 88 os m ais ap ar e lh os d as gr a nd es em barc aç ões . As linhas gerais da Chica das Memórias... estabeleceram um a consistente representação . Mesmo sendo reapropriadas por outros registros no decorrer do século XX, como o filme produzido um século depois, por Cacá Diegues, é perceptível a representação oitocentista dessa cativa que fugiu aos espaços tradicionalmente ocupados pelos escravos. Processo semelhante ocorreu com Chico Rei, especia lmente por se tratar de um personagem inscrito no campo da ficção. Apesar desta avaliação, segundo os preceitos da academia histórica, as comunidades interioranas de Minas Gerais, sobretudo naquelas onde se estabeleceu intensa extração de ouro à base do tr abalho escravo, significam a representação de Chico Rei. Evidencia -se que sua existência transcende sua vida física. O que importa para essas 87 88 S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias .. . op .c it . , p. 1 25 . I b id em , p .1 2 4. 64 comunidades, tanto nos séculos do escravismo como na contemporaneidade, é o significado subjetivo des se rei negro: a esperança da liberdade àqueles que viviam sob o infortúnio do cativeiro – e da miséria moderna 89. Uma perspectiva de abordagem, aliás, apreendida pela direção fílmica de W alter Lima Júnior, como será analisada no momento oportuno. O primeiro registro en contrado sobre as histórias em torno de Chico Rei data do início do século XX , no livro de Diogo de Vasconcelos em História Antiga de Minas , editado em 1904 90. O historiador mineiro desenvolv eu seu texto conforme procedimentos da época, ou seja valorizando a cronologia, recortando acontecimentos com destaque político e militar, devidamente calcados pela comprovação das informações por meio de documentação considerada legítima. Por essa prática, não provoca surpresa que Chico Rei apareça em seu texto como uma expressão poética e popular, sendo explicado em nota de rodapé. Diogo Destaca, de em Vasconcelos seu texto, a se posicion ou desumanidade contra o escravismo. inerente à escravidão, viabilizada pela capturada de negros no continente africano, cujas péssimas condições do transporte marítimo forçado ceifava boa parte da vida dos cativos ainda em alto mar. Para exemplificar seu argumento, ressalta que poderia citar vários casos, mas prefere aquele “[...] que deu lugar à legenda tão bizarra, quão verdadeirame nte 89 Cf .: S IL V A , R u b ens A l v es da . Pe rf or ma nc es c o n ga d e iras e at u al i za ç ão d a s tra d iç õ es " a fr o - br as i l e ir as " e m Mi n as G er ais . 2 00 5 . T es e (d o ut ora d o em A ntr o po l og i a Soc i a l) – S ão P au l o: FF L CH /U S P; A MO R M INO , L uc i a n a . N arr ar ex p er i ênc i as : a r e l aç ão e ntr e as n arra t i va s or ais e a m em óri a de P o nt i n ha . X X X Co n gres s o B r as i l ei r o de C i ê nc i as d a C om u n ic aç ã o. Sa n tos : In t erc om , 2 00 7 . 90 Af o ns o Ar i nos r e g is t r ou a le n da d e Ch ic o Re i n o art i g o At a la i a B an d e ira nt e , em 19 0 4, qu e in t egr o u o l i vr o H is t ór ia e Pa i za ge m , um a c om pi l aç ã o de s eus art i g os , l anç a do em 1 92 1. N e s s e s en t id o , c o ns i der a - s e o li vr o d e Di o go d e Vas c o nc el os (19 0 4) c om o pr im eir o r eg is tr o l it er ár io d o t e m a; V A S CO N C EL O S, Di o go de . H is t ór ia A nt i ga .. . o p .c i t. Em to d o o c as o , as v ers ões nar ra d as p or Ar i nos e V as c o nc e los n ão s e c o ntr a d i zem , c om o s e c ons t at a n o ex c er to de At a l ai a Ba n de ir an t e: “ À c us ta de um tra ba l h o i ns a n o, f e it o nas c urt as h oras res e r va d as ao d es c an s o, o es c r a v o r e i pa g ou a s u a a lf or r i a. For r o , r es er v o u o f r ut o d o s e u tr ab a l ho par a c om prar a l ib er d ad e d e um dos da tr i b o; os d o is tr ab a lh ar am j un tos p ar a o terc e ir o; o u tros par a o q u ar t o , e as s i m , s uc es s i v am ent e, l i ber t ou - s e a tr i b o i nt e i ra. En t ão , er ig ir am a c ap e l a d e S an ta If i gê n i a, pr i nc es a d a N úb i a. A li , a o l a d o d o c u lt o à p adr o e ira , c on t in u ou o c u l to a o r e i n e gr o, q ue , p el os s eus , f o i h on ra d o c om o s o ber a no e le g ou às g eraç õ es d e a g or a a le n d a s u a ve do C h ic o - R e i”; AR INO S , Af ons o . H is t ór ias e pa i za g e ns . R i o d e J a n e ir o : Fr a nc is c o A l ves , 19 2 1. 65 poética do Xico Rei (sic), que dominou Vila Rica. Esta figura nobre de um preto, cuja vida acidentada aqui finalizou, imensa luz derrama aos painéis daquela sombria época” 91. No parágrafo seguinte, prossegue o texto abusando de adjetivos para reforçar o sofrimento vivenciado pelos escravos e a esperança que a lenda representou. Contudo, é na nota de rodapé que os elementos da “legenda tão bizarra quanto poética de Xico Rei (sic)” é apresentada 92. O autor explica sua escravização na África e transporte p ara Vila Rica (capitania de Minas); como se libertou e conseguiu alforriar outros cativos; sua relação com a irmandade religiosa; e a apropriação popular da história pelas festas religiosas. A importância desse registro reside no fato de ter construído uma representação cultural que perpassou outras narrativas, incluindo a cinematográfica , ainda que tenham ocorrido ressignificações próprias a cada período em que a história era recontada. Dada sua relevância, apesar da sua extensão, vale citar na íntegra a n ota de rodapé . Fr a nc is c o f o i a pr is i on ad o c om tod a s u a tr i bo , e v en d i do c om e la , i nc lu i n do s u a m ul her , f i lh os e s ú d it os . A m ulh er e t od os os f i lh os m orrer am no m ar, m enos um . V i eram os res ta nt es par a as m in as d e O uro Pr et o. Res i gn a do à s ort e, t i d a p or c os t um e n a Áf r ic a, h om em int e l ig e nt e, tr a ba l h ou e f orr ou o f il h o; am b os tr ab a lh ar am e f orraram um c om patríc i o; os tr ês , um quar to , e as s im por d i a nt e a té qu e , l i ber ta a tr i bo , pas s ar am a f orr ar ou tr os v i zi n h os da m es m a n aç ã o. F orm aram as s im em Vil a R ic a u m Es ta d o n o Es ta d o; Fra nc is c o e ra R e i, s eu f i l ho o Pr í nc i p e, a nor a a Pr i nc es a . P o s s uí a o Re i p ar a a s ua c o le t i vi d ad e a m ina ri q uís s im a da E nc ar d id e ir a o u P a lác i o V el h o. A n tec i p ou - s e es t e ne gr o a er a da s c o op er at i v as , e pr ec ur s o u o s oc ia l is m o c ris tã o . C om o n aq u e le tem po t od a ir m an da d e es t a va u n i da à i d éi a r e l ig i os a d e um s an to p atr o no , tom ou es ta o pa tr on a to d e Sa nt a Ef i g ê ni a , c uj a i nt erc es s ão f oi- l hes tã o ú t i l; e d es s e ex em pl o n as c eu o c u lt o ar d en te , q u e s e v o lt a a i n da à m ila g ros a im ag em do A lt o d a Cr u z. O s irm ã os er ig ir am um bel o t e m plo qu e ex is t e s o b a i n v oc aç ã o d o Ros ár i o. No d i a 6 d e j an e ir o , o Re i , a Ra i n ha e os Prí nc ip es v es t i dos c om o t a is eram c o nd u zi d os em ru i dos as f es tas af r ic an as à i gr ej a par a as s is t ir em à m is s a c an t ad a e d ep o is per c or r i am em da nç a s c ar ac t erís t ic a s , toc an d o i ns tr um ent os m ús ic os in dí g e nas da Áf ric a, pe l as r uas . Er a o R e i na d o d o Ros ár i o, f es t as q u e s e im ita ram em to dos os po v o ad os das M in as . V em tam bém da í a n om enc l at ur a dos m es ár i os d o Ros ár i o em to das as i rm and ad es d e pr et os en tr e nós . N o A lt o da Cr u z a i nd a s e v ê a p ia d e p ed ra n a qu a l as n egr as 91 92 V A S CO N C E LO S, D i o g o de . H is t ór ia An t ig a . .. op .c it , p. 3 44 . I b id em , p .3 4 4. 66 em poa d as d e o ur o l a v a vam a c a beç a p ar a de ix á - lo na q ue l e 93 d ia p or es m o la o u d o n at i v o . A partir das Memórias do Distrito Diamantino e da explicação que reconhecia a tradição oral do escravo rei em História Antiga de Minas Gerais, esses personagens adquiriram uma nova conformação, cuja maior contribuição talvez tenha sido a durabilidade e ampliação de circulação decorrente do suporte livro. É a força do registro escrito que termina por influenciar a memória, readaptando -a e estabelecendo uma tradição na maneira de narrá -la. Como dito, a Chica das Memórias... e o Chico da História Antiga... se abordagens tornaram ou de referências, interpretação mesmo tenham que ocorrido alterações no futuro. de Um momento significativo na revalidação e reapropriação dessas versões ocorreu em meados do século XX. A poetisa Cecília Meireles apresentou em um mesmo trabalho pontos de diálogo para a construção do imaginário social em torno de Chica da Silva e Chico Rei. Lançado em 1953, Romanceiro da Inconfidência recuperava a história do movimento insurrecional mineiro de 1789, destacando seus personagens e a realidade socioeconômica do período 94. O livro se destaca pela construção narrativa a partir de fatos conhecidos d a história de Minas e organizados cronologicamente em Cantos ou Romance. Ressalta-se que o poema inspirou outro filme sobre a história: Os Inconfidentes 95. Dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e lançado em 1972, é provável que a projeção deste filme tenha contribuído para evidenciar o livro de Cecília Meireles, ao menos entre Cacá Diegues e W alter Lima Júnior, colegas do diretor. A lenda de Chico Rei é apresentada no início do livro, logo após discorrer sobre as duras condições do trabalho escravo. O romance VIII ou do Chico Rei indica a origem africana e astúcia do monarca negro 93 94 95 V A S CO N C E LO S, D i o go de . H is t ór ia An t ig a . .. op .c it . , p .3 4 4. M E IR E L E S, C ec í l i a. Ro m anc e ir o . .. op .c it . O S IN CO N FI DE NT E S . A ND R AD E , J o aq u im P edr o d e. .. o p.c i t. 67 para obter a liberdade do cativeiro escondendo ouro em pó nas cabeleiras. O tr o no é de lu a, de es tr e la e de s ol . V am os a br ir a l am a, p o vo , r em ex er c as c a lh o , gu ar d a na c ara p i nh a, ne gr a, o v é u do our o em p ó! Mu i to lo n g e, em L ua n d a, er a bom vi v er . B at e a e nx a d a c om ig o , po v o , des c e p e las gro t as ! - L á n a b an d a em qu e c orr e o Co n go eu t am bém f ui R e i. Ma is o ur o, m ais o ur o, a in d a v êm bus c ar . Do br a a c a beç a , e es p era , p o vo , qu e es te c at i v e i ro j á nos es c orr e ga dos om bros , j á nã o p es a m ais ! Outro aspecto que reafirma a conhecida tradição popular, moldada por Diogo Vasconcelos, é a religiosidade, associando Chico Rei à irmandade e culto a Santa Efigênia – algo reforçado no romance seguinte. O l ha a f es ta arm ada : é v er m el h a e a zu l . Ca nt a e d a nç a ag or a, m eu p o v o, l i vr es s om os t od os ! Lo u v ad a a V irg em d o Ros ár i o, v es t i da de lu z. E no romance IX ou de Vira -e-Sai. S an ta If ig ê n ia , pr i nc es a n úb i a, p is a n a m in a do C h ic o - Re i . Fo lh a g ens d e o ur o, ra í ze s d e our o nos s eus ves t id os s e v êm pre n de r. S an ta If ig ê n ia f ic a i n v i s ív e l , en tr e os es c r a vos , d e s o l a s o l. O u v em - s e os n e gr os c an t ar f e l i ze s . T oda a m on ta n ha f a z - s e o uro em p ó . Se, por um lado, Cecília Meireles foi conservadora quanto à manutenção da linha narrativa de Chico Rei , por outro lado, as primeiras transformações quanto à representação de Chica da Silva 68 são identificadas em seu poema. Entre os romances XI e XIX, a história do Arraial do Tejuco é narrada. O romance XI ou do punhal e da flor retoma a administração de Caldeira Brant, atribuindo sua desgraça política ao comportamento desrespeitoso do Ouvidor para com sua sobrinha. Salienta -se que essa versão passional para as denúncias de fraudes no contrato, que culminaram com a prisão de Brant, está muito próxima da contada por Joaquim Felício dos Santos 96 em suas Memórias do Distrito Diamantino . O romance XII contextualiza o leitor à perspectiva macro das relações Portugal-Brasil, descrevendo o Marquês de Pombal em sua preocupação quase religiosa para aumentar as rendas da Coroa, alertando que a riqueza vivenciada seria substituída por um período de violências e condenações: a inconfidência mineira. Os romances seguintes trazem como eixo narrativo a administração da riqueza dos diamantes e cobranças d a Coroa durante o contrato de João Fernandes. Cecília Meireles mant ém a estrutura do poema de mostrar os personagens. No caso do romance XII, o contratador é apresentado já no contexto do seu embaraço com o governo, representado pelo Conde de Valadares, qu e vai até o Tejuco para investigá-lo. A apresentação de Chica da Silva é feita pelo contratador, que a coloca em elevada estima, pois se dispõe a oferecer todos os mimos ao governador, com exceção da sua amada . A qu i t en d es m eu pa l ác i o, os v i nh os d a m i nh a m es a , os m eus es p e lh os d o u rad os , c am a c o b ert a d e s e da , o ar om a d a m i nh a q u i nt a, a m in h a c a pe l a ac es a , e, f or a a Ch ic a d a S i l v a, m inh as m ul a tas e ne gr as . Assim como o herói negro de Vila Rica, a poetisa reservou um romance especial para a negra do Tejuco: romance XIV ou da Chica da Silva. Nesse romance a influência da Chica das Memórias... é contundente: sua feiura, autoritarismo e até o episódio do seu barco são preservados, como se lê nos excertos abaixo . 96 S A NT O S , J o aq u im Fe líc i o d os . Me m ór ias .. . op .c it . , p . 89- 9 7. 69 Q u e an d or s e a ta v i a na q ue l a v ar a nd a ? É a C h ic a d a Si l v a: é a C hic a - q ue- m an d a! Car a c or d a n o it e o lh os c or d e es tre l a. V em ge nt e d e l o ng e par a c o n hec ê - l a. ( P or b aix o d a c a b el e ir a, ti n ha a c ab eç a r a pa d a e at é d i zem qu e er a f e i a.) Es c r a vas , m or dom os s eg u em , c om o um ri o, a d on a d o d on o do Se r r o d o Fr i o E em t an q ue d e as s o m bro v e lej a o n a v io da do n a do do n o do Se r r o d o Fr i o. ( De z h om ens o t ri p u la v am , par a q u e a n egr a e n te nd es s e c om o a n dam b arc os n as á gu as .) Contudo, já no romance seguinte, XV ou das cismas da Chica da Silva, uma ressignificação se opera. Os versos destacam a inteligência de Chica que, desconfiada do Conde de Valadares , alerta João Fernandes. No romance XVI ou da traição do Conde , o contratador dará razão à sua amásia e suas cismas quando o Conde not icia a ordem de remetê-lo ao reino. A fra gilidade do contratador contrapõe-se à presença forte de Chica que havia percebido, em vão, as tramas da Coroa contra sua casa. Os romances XVI e XVII narram a desgraça de João Fernandes remetido preso ao reino. Como consequência, a decadência se abate também sobre Chica da Silva. Na realidade, todo o Tejuco sente o peso do Estado português. O desfecho, por razões políticas, do inusitado romance que tanta polêmica provocou na sociedade diamantina, é trabalhado por Cecília Meireles como um péssimo presságio para a opressão que se abateria sobre Minas Gerais – retomando o romance XII. A autora usa o momento da queda de João Fernandes e o recolhimento de Chica da Silva para finalizar a primeira parte do 70 Romanceiro da Inconfidência, como no romance XIX ou dos maus presságios. Ac ab o u- s e aq u e le t em po do c on tr a t ad or F ern a n des . O n de es t ais , C hic a d a S i l v a, c r a vej a da de br i l h an te s ? Nã o t in h a S a nt a If i gê n i a, pe dr as tã o b em l ap i d a das , por la p i dár i os d e Fl a n dres .. . S obr e o t em po vem m a is tem po , Ma n dam s em pr e os q u e s ã o gra n d es : e é gr an d e za de m in is tros r ou b ar h oj e c om o d an t es . V ão- s e as m in as n os n a v ios .. . P el a t er r a d es p oj a d a, f ic am l ág r im as e s a n g ue . Antes, porém, de apresentar a mudança de rumo na história de Minas, que viveria tempos difíceis, o poema traz a inqui etação para quem perscruta a história, à busca de informações sobre os personagens que lhe fora m apresentados. Os versos do romance XVIII ou dos velhos do Tejuco , parecem ter inspirado outros que se debruçaram sobre a história de Chica da Silva, inclusive Cacá Diegues. A in d a v a i c h eg ar o di a de nos v ir em p er gu n ta r: - Q u em f oi a Ch ic a d a S i l va , qu e vi v e u n es t e l u gar ? ( Q u e tu d o pas s a .. . O pr a ze r é um i nt er v a l o na des gr aç a .. .) J á v er eis no u tro n a v i o , l e va d o po r hom e ns gr an d es , i gu a l a um n egr o f u gi d o, o c o ntr at a dor F er na n d es . ( Q u e tu d o ac a b a! Q u em di z q u e m on t an ha de o ur o nã o d es ab a ?) S e o v e nt o d á n o T ej u c o, l e va c o l u na e v ara n da , l e va a pom pa , l e v a o l ux o e m ais a Ch ic a - qu e- m an d a. Em meados do século XX, a representação de Chica da Silva e Chico Rei em um poema maior sobre a Inconfidência Mineira chama a 71 atenção, visto que eles não foram personagens na trama rebelde 97. Apesar de não terem participado do movimento inconfidente, Chica da Silva e Chico Rei circulavam nas tradições populares de Minas Gerais , ao ponto serem qualificados ao propósito da autora , de reconhecido mérito no campo literário , valida ndo-os como temas a serem registrados. Compreende-se, assim, que os ex -escravos tiveram suas vidas cantadas pela poetisa como mote para se entender o contex to colonial, marcado pela exploração e divisão étnico -social. A abordagem feita por Cecília Meireles permanecia próxima daquelas realizada s na virada para o século XX, sobretudo , referentes ao Chico Rei. Não obstante, nota -se a ressignificação da represen tação de Chica da Silva nos versos do Romanceiro..., já que a poetisa canta uma Chica digna, diferente dos registros produzidos pela tinta oitocentista de Joaquim Felício dos Santos. Rica, poderosa e astuta são adjetivos permitidos para qualificar a Chica do Romanceiro... Tendência que se acentuará nos anos seguintes. Antônio Callado produziu quatro peças teatrais que ficaram conhecidas como Teatro Negro, composta por: Pedro Mico (1957), O tesouro de Chica da Silva (1958), Uma rede para Iemanjá (s.d.) e A Revolta da Cachaça (ca.1959) 98. Explorando a comédia, “aparentemente leves, as quatro peças tematizam problemas profundos da sociedade brasileira, marcada pelo estigma da escravidão e do preconceito, da discriminação e da marginalização do negro, no passado e no presente” 99. Segundo Lígia Chiappini, a peça O tesouro de Chica da Silva foi encenada no auditório da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, em Salvador, em 1958, havendo outras poucas exibições, porém 97 D en tr e a v as t a pr o du ç ão s obr e a I nc o nf i d ê nc ia M i n e ira , d es t ac a m - s e: M AXW ELL , K en n et h. A d ev as s a d a dev as s a : a Inc o nf i d ênc i a M in e ir a: Br as i l e Po rt ug a l 1 75 0 18 0 8. 5 . ed . S ã o P au l o: Pa z e T err a, 2 0 01 ; FO N S E C A, T ha is N í v i a de Lim a e . Da i nf âm i a. .. o p.c i t. ; FU R T ADO , J o ão P in t o. O ma nt o de P en é l op e : his t óri a , m ito e m em óri a da I nc onf id ê n c i a M in e ir a de 17 8 8 - 9 . S ã o P a ul o : Ci a . Das Le tr as , 2 0 02 . 98 Em 198 3, la nç ou - s e u m a c om pi l aç ã o c om as qu atr o p eç as : C A LL AD O , An tô n i o. A rev o l ta da c ac h aç a: t e atr o n eg r o . R io d e J a n e iro : No v a Fr on t eir a , 1 98 3 . 99 CH I A P PI NI , Lí g i a. L e v e za e hum or n a enc e naç ã o d a c at ás tr of e . S ig n ót ic a , v. 1 6 , n. 1 , p. 81 - 9 5, j a n. /j un . 20 0 4, p . 88 . 72 sempre com repercussões 100. A narrativa enfoca a pressão sofrida pelo contratador com a chegada do governador Conde de Valadares ao Tejuco. Chica da Silva tenta suborná -lo, mas, insatisfeita com os valores, a autoridade manda prender João Fernandes e recolocá -la na senzala. Nesse momento, o dramaturgo introduz personagens e situações criadas para sua trama, imprimindo o trágico à peça. O filho do governador, Dom Jorge, se apaixona pela negra, a ponto de contrariar as ordens do pai e impedir a prisão de Chica da Silva, chegando ao extremo de assassinar o capitão encarregado da missão. Sua valentia lhe rendeu a recompensa de passar uma noite de sexo com a Chica. Diante do escândalo de ver seu filho apaixonado por uma negra e ainda assassino de um agente da lei, o Conde cede e liberta João Fernandes, mas não sem antes atender a um último pedido de Chica: que seu amado passasse mais uma noite na prisão, para aprender a ser corajoso. A versão de Antônio Callado apresenta uma Chica forte, que domina o mundo branco e dá lições aos seus representantes do poder . O autor cria situações, inclusive personagens, não verificadas no até então circulante conhecimento sobre Chica da Silva. Para o autor, porém, narrar uma história aos moldes biográficos não era o objetivo do trabalho. De fato, como atesta m as demais peças do seu teatro negro, Antônio Callado instigava a reflexão sobre os problemas socioeconômicos atrelando -os às questões raciais e escravistas da nossa história. Uma discussão emergente durante o governo de Juscelino Kubistchek, quando o país vivenciava uma urbanização e discurso progressista acentuados 101. Entretanto, foi na década de 1960 que novos enfoques às histórias de Chica da Silva e Chico Rei se consolidaram. Naqueles anos, a Editora Itatiaia lançou a coleção A Saga do País das Gerais. O médico e escritor Agripa Vasconcelos foi convidado pelos editores e 100 C HI A P PI NI , Lí g i a. L e v e za e hum or. .. o p.c i t. , p .8 3 . “A gr a vi d a de d o t em a c on tr as t a c om a l e v e za d o es t i l o de m od o a t or ná - l a m ais im pres s i on a nt e. O es p ec t a dor r i, m as ri c u lp ad o , pr inc i p alm e nt e s e e le é br anc o e bem d e v i d a. O c us t o d o s eu r is o é um c ert o m a l - es t ar q ue d ura par a a l ém do es p e tác u lo ” ; I b id em , p .8 8. 101 73 assumiu a responsabilidade pela série, composta por seis volumes , cujos títulos versavam sobre a história de Minas, estruturados a partir de personagens conhecidos da sociedade mineira , dentro de uma temática específica 102. O projeto era um empreendimento da editora mineira Itatiaia, que cuidou para que os títulos fossem ilustrados por Yará Tupinambá, artista plástica cuja carreira se consolidava naqueles anos e logo passou a associar suas atividades a rtísticas com o ensino de arte. Destacam-se em sua obra temas sobre a história e a cultura mineira s, como exemplificam seus diversos murais e mosaicos 103. Tupinambá desenvolveu estudos de especialização com o gravurista Oswaldo Goeldi, sendo bastante percept ível a influência des sa sua fase nas gravuras que ilustram seu trabalho para a editora Itatiaia. Para o projeto Saga no País das Gerais, ela realizou, ao todo, 120 desenhos, que compõem os livros e reforçam, por meio da linguagem visual, imaginários sobre os períodos das tramas narradas na coleção. Os seis volumes redigidos por Agripa Vasconcelos são apresentados como romance histórico. Por se tratar de uma abordagem a partir de uma personagem histórica, talvez fosse mais apropriado considerá-los como biografias romanceadas. A preocupação de Agripa Vasconcelos em validar seu trabalho o levou a destacar que sua produção deriva de cuidadosa pesquisa documentada de evidências históricas. Essa é uma característica imperativa no gênero biográfico tradicional, ou seja, cabia ao biógrafo recuperar a trajetória de vida do biografado e apresentá -la de forma organizada. Não obstante, estudos biográficos 102 atuais t êm se caracterizado pela experimentação na A c o leç ã o é c om pos ta p or : Fo m e em C an aã ; S in h á Br ab a: D on a J o a q ui n a d e P om p éu ; A v i d a e m f l or e m D o na B e ja ; G o n go S oc ô : o b arã o d e Ca tas A lt as ; C hic a qu e m an d a; Ch ic o Re i. A h is t ór i a de c a da um des s es p ers on a g e ns - t ít u lo i n te gr a um a tem át ic a da Sa g a no P a ís d a G er aes , q ua l if ic a da c om o Ro ma nc e do c ic lo d o .. . As s im , c a d a tít u l o p er te nc e, r es p ec t i v am ent e, a o R om a nc e do C ic l o do : l at i fú n d io ; agr o p ec u ár ia ; p ov oa m en t o; o ur o; d i a ma nt es ; es c r av id ã o . 103 Par a a pr es e nt aç ã o b i ogr áf ic a e c urr ic u l ar d a art is t a v a le c ons u lt a r os c an a is d e c om un ic aç ã o m an ti d o s p or e la e p e la s u a f u n daç ã o na i n ter n et , on d e a lg u ns tra b al h os t am bém po d em s er v is ua l i za d os : < ht tp :/ / www. ya ra tu p yn a m ba.or g .br / > < ht tp :/ / ya r a tu p yn am b a .c om .br /s it e/ i nd ex .p h p > e a i n da o I ns ti t ut o It aú C u lt ur a l: < ht tp :/ / www. i t a uc u l tur a l. o r g . br / a pl ic Ex ter n as /e nc ic lo p ed i a _ic / in d ex .c f m ?f us eac t i o n = art is tas _ b io gr af i a &c d _ v er b e te = 3 57 2 &c d_ i te m =1&c d _ id i om a= 2 85 5 5 > Ac es s o em : 2 5 s et . 2 0 13 . 74 construção narrativa, levando o escritor a mesclar informações históricas com reflexões sobre motivações e consequências dos fatos narrados, bem como acrescer personagens a fim de melhor compor a trama a ser narrada e, ainda, agradar ao leitor 104. Essa é também uma característica deste conjunto de livros do autor, tornando difícil classificar sua obra, pois [.. .] Agr i p a Vas c o nc e los , bus c a nd o s e at er à v er d ad e h is t ór ic a , e, a o m es m o tem po, c om po r u m tex to d e c u nh o l it er ár io , m ani p u lo u a bi o graf ia tra d ic i on a l e pr od u zi u um a nar r a t i va h í br id a, qu e es c a pa a c las s if ic aç ões e c on f un d e o c r ít ic o. Es t as nã o p o dem s er es t ud a das e nq u an t o b io gr af i as tí p ic as , p o is rom pem c om m uit os d os pr es s u pos t os te ór ic os d o gê n er o. T am pouc o s ã o rom anc es , ou b io gr af i as f ic c io n ais per s e ( c om o O rl a nd o, de V ir g i ni a W oolf ), v is t o q u e as pr o t ag o n is t as ex i s ti ra m de f ato e q u e p ar te do c o nt e úd o é v er í d ic o . Des s a f orm a , s em s a ber a o c ert o em qu e c at eg or i a en q ua dr ar os tex t os d o a ut or m in e ir o, s ó n o s c ab e d e tec tar o 105 qu e n e les há d e p ar tic u lar e in o v a dor . Apesar dos comentários de Lúcia Flórido remeter a pon tos questionáveis entre os historiadores, como verdade histórica ou conteúdo verídico , de fato, o autor da coleção Saga no País das Gerais intencionou recuperar o passado , mesmo que, muitas vezes, valendo se da imaginação . Com essas características foram p ublicados Chica que manda (romance do ciclo dos diamantes nas Gerais) 106 e Chico Rei (romance do ciclo da escravidão nas Gerais) 107, como personagens síntese de uma época . Observa -se que Agripa Vasconcelos imprimiu uma nova representação a essas histórias, tornando os ex-escravos protagonistas de um título literário – lembrando que, desde a virada do século XIX até aquele momento, afora a tradição popular, os registros escritos sobre ambos se limitaram a algumas notas e cantos poéticos 104 S obr e o g ên er o bi o g r áf ic o e s u a re l aç ão c om a his t ór ia : AV E L AR , A lex a ndr e . Fi gu raç õ es d a es c r i ta bi o gr áf ic a. R ev is t a A rtC u lt ur a, U b er lâ n d ia , v. 1 3, n. 22 , p . 13 7- 1 55 , j an . - j u n ., 2 01 1 ; L EV I, G i o va n ni . O s us os d a b i ogr a f ia . I n : A M ADO , J an a ín a; S CH M IDT , B en i to B is s o. G r af i a da v i da : r ef l ex õ es s obr e a n arr at i v a b io gr áf ic a. H is t ór i a U n is i n os , v . 8, n. 1 0, p . 13 1 - 1 42 , j u l /d e z. , S ã o Le o po l do , 20 0 4; FE RR E IR A , Ma r i e ta d e M or a es (O r g). Us os e a bus os d a h is t ór i a o ra l . 6 .e d . R io d e J an e ir o: FG V, 20 0 5. 105 FLÓ RI DO , L úc ia . A g r i pa V as c onc e l os e a b io gr af i a: um a q u es t ão d e gê n er o. Rev is ta D is c en t e do C E LL – n º 0 – 1 º s em ., O ur o Pr et o, 2 0 10 , p. 6 0. D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. i c hs . uf op . br /c e l l/c e l l/ i nd ex . p hp /c e ll / art ic l e/ v i e w/7 > Ac e s s o em : 2 4 s e t. 20 1 3. 106 V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic a q u e m an d a . . .o p.c i t. 107 V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i . .. op .c it . 75 (com exceção da peça teatral do destacado dramaturgo Callado). Reside, nesse ponto, uma primeira Antônio transformação significativa na abordagem desses personagens devido ao fôlego e consistência do texto apresentado (Chica que manda foi publicado com 390 páginas; Chico Rei com 246). Agripa Vasconcelos operou, ainda, uma reapropriação da história de Chico Rei ao abordá -lo destacando sua existência histórica , minimizando, desse modo, o viés lendário com que era correntemente abordado. Como em todos os livros da coleção, o autor de stacava a preocupação em checar as informações para constar da narrativa, consultando diversos arquivos, inclusive estrangeiros, refutando as lendas consideradas inverossímeis. No caso de Chico Rei, devido ao universo mítico em torno do personagem, essa pr eocupação foi ressaltada e vale destacar a apresentação da orelha redigida pelo editor para a primeira edição . [.. .] c om o ac on t ec e u c om Don a Bej a, p ers o n ag em qu e o au t or m ine ir o, p or as s im di ze r, r ed es c ob ri u e re v e lo u a o m un do , e qu e d es de en t ão t em s id o o bj e t i vo de f re q ue n tes es t ud os , o l eg e nd ár i o r e i af ric a n o tam bém i rá t or nar - s e tem a o bri g at ór i o de d is c us s ões , ta n to n a pr o ví nc ia l it erá ri a c om o n o t erre n o dos h is t or i ad or es . P a ra es c re v er es t e li v r o, o a u tor n ão s e l im ito u – c om o s eri a perf e i tam en t e l íc i t o ao f ic c i o nis t a – a im ag i nar s it u aç õ es m ais o u m enos p l aus í v e i s , em que a f i gu ra de Ch ic o R e i f os s e m u it o m ais s im pl es f ic ç ão , d o q u e, c om o de f a t o oc orr eu , um a pes s o a q u e re a lm ent e ex is t iu , e , m ais d o qu e is s o , um a p es s oa q ue f o i m es m o o q u e os m en os i nf or m ad os af irm av am tra t ar - s e d e pur a l e nd a . Ao c o ntr ár i o, des c e nd o “ às r aí z es do as s u nt o” , c ons e gu i u A gri p a V as c o nc e los re u ni r m at er ia l s uf ic i e nt e p ara d em ons tr ar q ue a s ua h is t ór i a t em m uit o m ais d e re a l id a de d o q u e de l e nd a: é , 108 i ne q ui v oc am ent e , His t ór ia , c om m aiús c u la . Nesse convite ao leitor, é latente o conflito entre a chamada verdade e a lenda a respeito de Chico Rei. O editor procura reconhecer no autor méritos por fazer conhecer uma história pautada na documentação e que as liberdades ficcionais u tilizadas não eram aleatórias. A editora apostava que, após a leitura do romance histórico, pesquisas seriam levadas a cabo sobre o tema, tanto no âmbito 108 V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i . .. op .c it ., or e lh a . 76 literário, quanto entre os historiadores. Se o trabalho do autor era valorizado como “resultado de investigações no curso das quais Agripa Vasconcelos revolveu ‘tudo, até a Torre do Tombo’” 109, contudo, não há precisão quanto à identificação das fontes consultadas, prejudicando a orientação para futuras pesquisas. Em diversas passagens o autor recorre a Diogo de Vasconcelos, apresentado como “pai da história mineira” 110 e que parece ser sua maior referência. Em sua narrativa, numa nota de rodapé, cita que “há na Torre do Tombo carta datada de Vila Rica d e Ouro Preto, de um padre Agostinho Cerqueira de Macêdo, acusando Chico [Rei], ao governador Conde de Bobadela, como arregimentador de homens contra o colonialismo” 111. A informação poderia acenar para registros documentais sobre Chico Rei, ainda inéditos. E ntretanto, não é possível precisar temporalmente a emissã o da carta, já que houve dois governadores da capitania de Minas que ostentavam o título de Conde de Bobadela, sendo que os mesmos administraram a região por quatro períodos durante o século XVIII , somando quase 30 anos 112. Também não foi possível localizar informações sobre o referido padre delator. Ademais, embora cite o arquivo da Torre do Tombo como guardião do documento, o autor não fornece nenhuma indicação da localização da carta naquele vasto acervo . Em seu intuito de apresentar Chico Rei próximo do que seria a realidade histórica, revolvendo arquivos e tradições , o autor promoveu um significativo acréscimo nas narrativas literárias até então conhecidas. Trata -se da parte africana da história. Nem Diogo de Vasconcelos, nem Cecília Meireles se voltaram para esse aspecto, bastando-lhes indicar que Chico Rei havia sido chefe tribal naquele continente. 109 V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i . .. op .c it , ore l h a. I b id em , p .1 9 7. 111 I b id em , p .1 9 7. 112 O s go v er na d or es e s uas r es pec t i vas a dm i nis tr aç õ es f or am : G o m es Freir e de A ndr a de , 1 º c o n de d e Bo b ad e l a: 1 73 5 - 3 6; 1 73 7 - 52 ; e 17 5 8 - 1 7 63 ; J os é A n tô n i o Fre ir e de An dr ad e , 2º c on d e de Bo b ad e l a: 1 75 2 - 5 8; c f . : V A SC O N CE LO S , Di o go de . His t óri a Mé d ia d e Mi n as G er a is . Be l o Ho ri zo nt e: I ta t i ai a , 19 9 9, p . 2 41 - 2 4 6. 110 77 Francisco foi o nome recebido no batismo compulsório quando o rei negro foi escravizado. Parece ter sido Agripa Vasconcelos quem grafou primeiramente Galan ga como seu nome africano. Entre os capítulos I e III do seu livro, apresentou a trajetória de Galanga até se tornar rei do seu povo, feito realizado após conduzir o exército à vitória na árdua batalha de Maramara. O cotidiano no continente africano foi retratado, demonstrando como Galanga era querido na sua tribo, até ser escravizado pelos portugueses. O capítulo seguinte narra o drama da travessia marítima 113. A partir daí, o autor prossegue a narrativa mantendo os elementos já conhecidos, como o trabalho n a Mina da Encardideira, pelo qual Chico Rei conseguiu se libertar e alforriar companheiros de cativeiro, a relação com a irmandade religiosa, a festa negra. Se na história de Chico Rei Agripa Vasconcelos acrescentou elementos, na de Chica da Silva ele oper ou ressignificações. O início desse movimento, conforme visto, é perceptível na Chica do Romanceiro..., mas se consolida na versão de Saga no País das Gerais. A começar pelo título do livro: Chica que manda. A expressão parece ser derivada da leitura popu lar sobre o período em que a ex escrava era uma espécie de primeira dama do arraial do Tejuco, já que essa inversão na ordem social foi a tônica das queixas de Joaquim Felício em perdurou, suas embora Memórias numa do Distrito pers pectiva Diamantino . positiva, em Vertente que Romanceiro da Inconfidência, como atesta o verso reiteradamente cantado no poema de Cecília Vasconcelos, Meireles. Contudo, depreende -se o como título destaque escolhido para Chica por da Agripa Silva desempenhando um papel social espe cífico de comando e prestígio. O que é reforçado pelos capítulos do livro. 113 As p ar tes af r ic a na e m ar ít im a da n a rr at i v a d e Agr i p a V as c onc e l os f oram i nc or p or a d as n o f i lm e Ch ic o R e i, oc u p an d o c erc a d e 2 0% dos m om ent os i n ic ia is (ap rox im ad am ent e 25 m inut os ) . P os ter i orm ent e, W alter L im a J ú n i or c o nf es s o u q ue a ex is t ê nc i a d e um n a v i o ne gr e iro na tr am a f o i dec is i v a p ara ac e it ar a d ir eç ão do proj et o , r e v el a nd o - s e f as c i na d o c om b arc os e f ilm es d e p ira t a; c f .: W ALT ER. DO C – o tem po é s em pr e pr e s en t e. FO R M AG G IN I, B et h. 4 V e nt os . 20 0 9, 58 m in . 78 A narrativa da vida da ex-escrava também mant ém os elementos estruturais anteriormente vistos, embora acrescido de detalhes que serão recorrentemente relembrados em novas abordagens . Um exemplo é o exótico episódio do barco construído para satisfazer seu desejo. O fato pitoresco já havia chamado a atenção dos outros autores, mas em Chica que manda recebeu a ilustração feita por Yará Tupinambá, favorecendo, assim, a construção imagéti ca em torno do fato (figura 1), apropriado no filme de Cacá Diegues (frame 1). Fi gu r a 1 – Na v i o d e C h ic a d a S i l v a ( Ya r a T u p in am bá , 19 6 6) Fo nt e – V A SCO N CE L O S , Ag ri p a. C h ic a q u e ma n da . B e lo H or i zo nt e: It at i a ia , 1 96 6. 79 Fra me 1 – P l an o d a i n au g ur aç ã o d o n a vi o d e C h ic a d a S i l v a ( X ic a da S i lv a , 1 97 6) Além de uma abordagem em que Chica da Silva se torna protagonista, é relevante a ressignificação no aspecto psicológico da negra do Tejuco. Uma personalidade forte e caprichosa sobressai nas histórias narradas em sua biografia romanceada. Nesse cenário, emerge uma natureza egoísta e vingativa, por vezes, sádica, contra aqueles que a desagradavam. Exemplifica essa transformação o episódio em que, m otivada por ciúmes pelo elogio do contratador ao sorriso de uma escrava, Chica ordena que os dentes da cativa fossem extraídos, dando-os de presente a João Fernandes. Esse viés psicológico influenciará outras versões sobre Chica da Silva, sendo a tônica do filme de Cacá Diegues. É possível perceber, nesse sentido, uma originalidade decorrente do registro impresso por Agripa Vasconcelos. Por exemplo, seu olhar sobre Chica da Silva a representa com a mesma altivez anteriormente caracterizada por Cecília Meire les, embora mais descolada da figura do contratador. O desenvolvimento psicológico da ex-escrava, destacando a personalidade forte e vingativa, também passa a caracterizá-la. Já, em Chico Rei, Agripa Vasconcelos minimiza o aspecto lendário e 80 procura recolocar a história do rei negro naquilo que entende por realidade. Para tanto, valoriza o documento como prova dos acontecimentos – algo há tempos superado na metodologia de pesquisa histórica. Embora não apresente fontes que corroborem essa sua opção pela veracidade documental, Vasconcelos inaugura uma abordagem do passado africano de Galanga/Chico Rei, intencionando, assim, atribuir maior legitimidade à estrutura narrativa de sua história. Cecília Meireles insere Chica da Silva e Chico Rei em uma história maior: a da Inconfidência Mineira. Agripa Vasconcelos os têm como protagonistas em sua redação, ainda que suas trajetórias se desenvolvam dentro de contextos mai s amplos: os ciclos dos diamantes e da escravidão. Se a biografia romanceada – ou romance históric o – favoreceu uma abordagem de maior fôlego pelo autor da coleção Saga no País das Gerais, as representações de Chica da Silva e Chico Rei decorrente s do Romanceiro da Inconfidência (nove romances, de um total de oitenta e cinco ) também contribuíram para a construção de imaginários sociais referentes a esses personagens e à sociedade escravocrata colonial. Ambas as representações circularam, sendo possível reconhecê -las em vários planos das produções fílmicas homônimas, objetos dessa tese. 1.1.2. As No campo carnava lesco manifestações carnavalescas têm sido analisadas com bastante apuro por historiadores, antropólogos, sociólogos, dada a potencialidade do estudo dessas festas para a compreensão de temas relativos às relações sociais, culturais e políticas 114. No caso do carnaval contemporâneo, em especial , a estrutura de desfile das 114 P ar a es t ud os r e l at i v o s a o c a rn a v al e H is t ó ri a; c f . : B A KHT I N, M ik ha i l . A C u lt ur a na I da d e Mé d ia e n o Re n as c i m e nt o – o Co nt ex t o de Fra nç o is R a be l a is . S ão P a u lo : HU CIT E C; Br as í l i a: E d it or a d a U n i v ers id a de de Br as í l i a, 19 8 7; M A TT A, R o ber t o d a. Car n av a is , m a l an dr os e h er ó is : par a um a s o c i ol o g ia d o d i lem a bra s i le ir o. 3 .e d. R io de J a n eir o : Z ah ar , 1 9 81 ; D A V I S, N at a li e Z em on. C ul t uras d o po v o: s oc i ed a de e c u lt ura n o i n ic io d a F r anç a mo d er na : o i to ens a i os . R i o d e J an e i ro: P a z e T err a, 19 9 0; SO I H ET , Rac h el . A S u bv ers ã o p e lo r is o : es t ud os s o br e o Ca rna v a l c ar i oc a da B el l e É po q u e a o tem po d e V ar gas . R i o d e J an e ir o: E d it or a F un d aç ã o G e tú l i o V arg as , 19 9 8. 81 escolas de samba cariocas, considera -se os sambas-enredo como destacadas fontes documentais por abordar em temas históricos e culturais nacionais, construindo representações que, sendo a ceitas e/ou rejeitadas, circulam para um amplo público, haja vista a reconhecida inserção da cultura carnavalesca na sociedade brasileira. Ressalva -se que, mesmo antes do desfile de carnaval carioca das escolas de samba do Rio de Janeiro passar a ser telev isionado, era ampla sua repercussão mediante a cobertura da imprensa por periódicos de circulação nacional 115 e também por cinejornais 116. Antes de terem suas narrativas filmadas, Chica da Silva e Chico Rei foram temas de samba -enredo na década de 1960. Coub e a uma mesma agremiação o feito: a escola de samba carioca Acadêmicos do Salgueiro. Poucos anos depois de fundada (1953), o Salgueiro começou a inovar ao promover leituras sobre a história do Brasil a partir de protagonistas negros, como no carnaval de 19 57: Navio Negreiro, sobre o tráfico de escravos 117. A ousadia logo lhe rendeu louros. Em 1960, o Salgueiro conseguiu seu primeiro título com o enredo Quilombo dos Palmares, homenagem a Zumbi, com alegorias representando o quilombo e a África. Abria-se a década em que o Salgueiro se consolidou como importante agremiação no carnaval do Rio de Janeiro. Os temas negros continuaram a se destacar em seus enredos, muitas vezes proporcionando bons desfiles, como Chica da Silva, em 1963, quando conquistou seu segundo título e, no ano seguinte, obtendo o vice campeonato com Chico Rei. 115 A lém dos j o r n a is im p r es s os , d es tac a v a - s e a c o b ert ur a f ot o - j or n a lís t ic a s o bre o c arn a v a l, r ea l i za d a por r e v is t as c om o O Cru ze i ro ( p ert e nc en t e a os D iár i os As s oc i a d os ) , F at os e Fot os e Ma nc he te ( am bas ed i ta d as pe l a B l oc h) . 116 Pr od uç ão s er i ad a d e s en v o l v id a p or pr o du t ores pr i v ad os , em d i v ers os m om en tos i nc e nt i v a da pe l o Es t a do . O c i n ej or n a l, ex i b i do an t es d as s es s õ es de c in em a, t e v e v ár ias c ar ac t er ís tic as , de ac or d o c om o per ío d o, pr o du zi n d o d e p eq u en os doc um en tár i os a um c l ip e de no tíc i as . Na déc a da de 1 97 0 t or no u - s e a n ac rô n ic o d ia nt e d a po p ul ar i za ç ão d a te l e v is ã o e d o t e lej or na l ; SO U Z A, J os é I n ác io d e Me l o e. C in ej or n a l. I n. : R A MO S, Fe r n ã o; MI R AN DA , Lu i z Fe l i p e. (O rgs ). Enc ic l op é d ia d o c i ne m a br as i l e ir o . 2 .e d. Sã o P a u lo : E d. S EN AC , 2 00 4 , p. 1 33 - 1 35 . 117 O s tem as c ar na v a l es c os d o S al g ue ir o n a d éc a d a d e 19 5 0 f or am : 1 9 54 : Ro m ar ia à B ah i a; 19 5 5: Ep o p e ia d o s a m ba ; 1 95 6 : B ras i l, f o nt e d as ar tes ; 1 95 7: N a v i o ne gr e iro ; 19 5 8: U m s éc u l o e m e io a s erv i ç o d o Br as i l – f u zi l e i r os n av a is ; 19 5 9: V ia g e m h is t ór ic a e p it or es c a ao Br as i l – a p in t ura de D e bre t. Dis po ní v e l em : < ht tp :/ / www. s al g ue ir o . c om .br > Ac es o : 2 1 j u n . 20 0 8. 82 Em 1963, a escola levou para a avenida Presidente Vargas, onde ocorriam os desfiles, o enredo: Chica da Silva , do carnavalesco Arlindo Rodrigues, estruturado em três partes . A or ig em da es c r a v a X ic a ; a l ib er d ad e ap ó s o c as am e nt o c om o c on tr at a dor J o ã o F ern a n des d e O l i v e ira ; e s e us c a pric h os , r ep r es e nt ad os pe l o l a go qu e m an dar a c o ns tru ir par a p as s ea r de bar c o , o te a tro , a l it e ira par a as s is t ir à s m is s as e t od o o 118 l ux o q u e os t e nt a v a . A escola desfilou em 24 de fevereiro com 2.300 componentes. O samba-enredo Chica da Silva, composto por Noel Rosa de Oliveira e Anescarzinho, reiterava o subjetivo padrão de beleza oitocentista cunhado por Joaquim Felício dos Santos, principal referência da direção de carnaval. O samba, cujo trecho segue, caiu no gosto popular e foi um grande sucesso . A pes ar d e n ão pos s u ir gr a nd e b e le za X ic a da S il v a S ur g i u n o s e io Da m ais a lt a n o bre za O c o n tr a ta d or J oã o Fe r n a nd es d e O l i v e ira A c om pr o u p ar a s er a s ua c om pan h e ira E a m ul at a q ue e ra es c ra va S en t iu f or te tr a ns f orm aç ã o T r oc an d o o g em id o d a s e n za l a P el a f i da l g ui a d o s a l ã o Com a i nf l u ê nc i a e o p od er d o s e u am or, Q u e s up er o u A b ar r ei r a d a c or , Fr a nc is c a d a Si l v a 119 Do c a t i ve ir o zom bo u ô ôô ô ô Entretanto, se a beleza da ex-escrava permanecia secundária na letra do samba, o desfile apresentou as bases representativas para uma Chica da Silva poderosa e sedutora . A foliã que a representou foi Isabel Valença, então esposa do presidente da escola de samba. Paradoxalmente ao samba-enredo, a beleza e interpretação de Isabel Valença repercutiram positivamente entre os espectadores, jurados e imprensa e, certamente, contribuiu para que a escola ganhasse o 118 D is p o ní v e l em : < ht tp :// w ww. s a l gu e ir o.c om .br/ S 2 00 8/ I nd ex . as p > Ac es s o em : 2 1 j un . 2 00 8. 119 I b id em . 83 campeonato daquele ano 120. A atuação da primeira dama do Salgueiro lhe valeu o título de eterna Chica da Silva. Associação que se repetiu também com as atrizes Zezé Motta, intérprete da personagem no cinema (1976), e Taís Araújo, que deu vida a Xica da Silva na telenovela homônima veiculada pela extinta Rede Manchete de Televisão, entre 1996-97. O desfile daquele ano se destacou não apenas por retratar uma personagem negra, pouco conhecida já que não fazia parte dos conteúdos programáticos escolares de história (figura 2). Percebe-se a consolidação dos temas negros como enredo d as escolas de samba cariocas. E, ainda, a popularização de representações sobre Minas Gerais inscrevendo a história da região em uma dimensão nacional , especialmente n aquilo que concerne ao período do escravismo e a riqueza do ouro e das pedras preciosas . A escola sagrou -se campeã ao realizar um desfile considerado perfeito e que contribuiu para a renovação da história do carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro. Além das luxuosas fantasias, que exigiram um elevado investimento financeiro, o Salgueir o inovou ao levar uma ala composta por 12 casais que dançaram um minueto coreografado (figura 3). A representação teatralizada agradou e passou a ser incorporada pelas demais agremiações carnavalescas. Mesmo correndo riscos ao introduzir um ritmo diferente do samba no enredo, terminou aceito e se justificou pela narrativa construída, já que danças de salão faziam parte das festas promovidas por Chica da Silva em sua ostentosa Chácara da Palha. O Salgueiro abria alas para o desfile espetáculo que passou a ca racterizar o carnaval como indústria da cultura 121. 120 V IE IR A , Cl á ud i o. M ar v erm el ho e bra nc o. s /d . Dis p on í v el em : < ht tp :/ / www. s al g ue ir o . c om .br /s 2 00 8/ A R. as p? T 1= AR 2 76 2 > Ac es s o e m : 21 j u n. 2 0 0 8. 121 A pr of is s io n a l i zaç ã o no c ar n a va l , c om a c ont ra taç ã o d e c ar n a va l es c os e a c om erc i a li za ç ã o d e f a nt as ias d e d es f i l e p ar a p es s o as de f or a d a c om un id a de , c om o prej u d ic i a l a i de i a d e pur e za da m an if es t aç ã o c ul t ura l n e gra e d os m orros c ari oc as ; c f .: G O NÇ A L V ES , Re n at a de Sá . Cr on is tas , f o lc l or is t as e os r a nc h os c arn a v a les c os : p er s p ec t i v as s o br e a c u l tu r a p op u l ar. Rev is ta Es tu d os H is t ór ic os , n. 3 2, R io d e J a n ei r o , Fu nd aç ão G et ú li o V ar gas , p. 8 9 - 1 05 , 20 0 3; MO U R A, R o ber t o. Car n a va l - da R ed e nt or a à Pr aç a d o A p oc a l ips e . R i o d e J a n e iro : Za har , 1 9 8 6. Po r ou tr o l a do , a i d e ia d e um c ar n a v a l p ur o, no q ua l c ód i g os c u l tu ra is s e gm en ta d os en tr e e li t e e po p u lar s ão inc o nc il i á v eis , t a m bém é ref u t ad a; c f .: M AT T A, R ob er to 84 Fi gu r a 2 – Car r o a l e gó ric o do S al g ue ir o , c ar na v a l 1 96 3 Ac er vo - Ac a dêm ic os do Sa l g ue ir o. Fi gu r a 3 – I n o va d or a c ore o graf ia da c om is s ão de f re n te do S al g u eir o , c ar na v a l 1 9 63 Ac er vo – Ac ad êm ic os do Sa l g u e ir o. da . C ar nav a is . .. o p.c i t .; VI A NN A , H erm an o. Mis t ér io d o S a m ba . Ri o de J a ne ir o: Za har /U FRJ , 19 9 5. 85 A repercussão do desfile A mulata que era escrava ultrapassou o campo carnavalesco. O diretor Cacá Diegues, em entrevistas atreladas ao lançamento do filme Xica da Silva, reiteradamente reforçou que começou a pensar em filmar a história após o carnaval do Salgueiro – projeto que se concretizou uma década depois. O impacto cênico do desfile pode ser reconhecido, ainda, na tônica carnavalesca que empreendeu à narrativa cine matográfica, pois como foi observado , Di e gu es c o nc eb e u o f i lm e c om o um a “f a rs a h is t ór ic a” . O s per s o n ag e ns s ã o tr a ta d os d e m ane ir a s im pl es , s em um des e n vo l v im en to ps ic o ló g ic o ac e n tu a do . O qu e im por t a é a f ant as i a. Es s e c ará t er m ític o, es s a des c o ntr aç ã o s e r a dic a l i za no de c or r er das f i lm a ge ns at é a ti n g ir um v erd a d eir o c l im a de 122 f es ta bár b ara . O sucesso de público e crítica levou a Acadêmicos do Salgueiro a apresentar no carnaval seguinte novamente um tema relacionado à cultura e identidade negra a fim de te ntar o bicampeonato. Em 1964, foi a vez do enredo O Sonho Dourado de Chico Rei desfilar na Praça XI . O tema de Chico Rei parecia um complemento natural ao enredo de Chica da Silva, cuja perspectiva da cultura e identidade negra tornava -se uma marca salgueirense. O samba-enredo foi novamente interpretado por Noel Rosa de Oliveira, que o compôs juntamente com Geraldo Babão, Djalma Sabiá e Binha. A canção reiterava os elementos da narrativa popular e literária, ou seja, o rei africano capturado e vendido como escravo para trabalhar nas minas de ouro de Vila Rica, onde conseguiu se alforriar e libertar seus companheiros de cativeiro. A estratégia de esconder ouro em pó nas cabeleiras e recuperá-los na igreja da irmandade dos negros era exaltada, atestando a astú cia e liderança de Chico Rei. A religiosidade também era enfocada, já que o samba terminava com seus parceiros libertados e, em homenagem, uma igreja em devoção a Santa Efigênia foi erigida, como se depreende dos trechos selecionados . V i v ia n o li t ora l af r i c a n o Um r ég i a tr ib o or d e ira Cuj o r e i er a s ím bo lo De um a te rra la b or ios a e h os p i ta l e ir a. Um di a, es s a tr a nq u i l i da d e s uc um bi u 122 X IC A D A SI L V A, d o is an os d e p es q u is a. O E s ta d o de Sã o Pa u lo , 2 2 a go . 1 97 6. 86 Q u an d o os p ort u gu es e s i n v ad ir am , Ca pt ur a nd o h om ens P ar a f a zê - los es c ra v o s n o Br as i l. Um r ic o f i d al g o os c o m prou, P ar a V il a R ic a os l e v o u. A i d ei a d o re i f o i ge n i a l, Es c on d er o p ó d o ou ro e ntr e os c a b e los , As s im f e z s e u p es s oa l . A o c at o l ic is m o s e c o n v ert e u, No p o nt o m a is a lt o d a c i da d e Ch ic o - R e i Com s e u es pír i to d e l u z Ma n do u c o ns tru ir um a i gr ej a E a d e nom i no u 123 S an ta Ef i g ên i a d o A lt o d a Cr u z! A construção do enredo se deu a partir do recolhimento de material sobre a história realizado pelo carnavalesco Fernando Pamplona, quando ele esteve em Minas Gerais para pesquisar outro roteiro: Aleijadinho, tema do carnaval de 1961. Como estava na Alemanha, estabeleceu à distância as linhas gerais do enredo e autorizou o carnavalesco Arlindo Rodrigues a conduzir o trabalho. Decorrente do sucesso campeão criou-se grande expectativa em torno do desfile de 1964. A produção carn avalesca procurou manter os aspectos que havia dado certo no ano anterior, como o luxo das fantasias. Um cuidado especial foi dispensado para o fator surpresa. Mercedes Batista, coreógrafa do minueto presente no desfile da Chica da Silva, se empenhou no no vo trabalho, que encenava a lavagem dos cabelos dos negros na pia batismal para recolher o ouro desencaminhado. O efeito plástico agradou ao público e aos jurados. No entanto, a produção esmerada terminou por prejudicar a escola. O aumento no número de componentes, que chegou a cerca de 2.800, atrapalhou a harmonia do desfile. A arquibancada não se empolgou com a escola, cobrando dos componentes que cantassem o samba. Segundo cronistas, dois fatores atrapalharam nesse aspecto: muitas fantasias com máscaras cobrindo todo o rosto; e a concentração dos foliões em seguir as marcações das complexas coreografias – o que levou Arlindo Rodrigues a fazer um mea culpa pelas suas exigências . Ainda assim, a 123 D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. s a l gu e ir o.c om .br > Ac es s o em : 2 1 j u n. 20 0 8. 87 escola conquistou o vice -campeonato, perdendo para a campeã Por tela, que terminou um ponto à frente. Diferentemente do ano anterior, as proposições do Salgueiro provocaram dúvidas quanto à adequação à linguagem do carnaval, rendendo duras críticas ao modelo adotado pela agremiação . S ua pr im ei ra a l a f o i p o uc o m en os q ue r id íc u l a c om s o ld a di n hos m ui t o b em arrum ad in h os , e s p in g ard i n ha nas c os t as , d a n do d o is pas s i n hos p ar a c á e um pra lá n a per s e g uiç ã o a os ín d io s q u e s e e nc o nt ra v am a s e u l a do . T u d o m uito b em ens a ia d i nh o, m as lo n ge d o es p ír it o das es c o las d e s am ba e p róx im o d os s ho ws d e te a tro . O S al g u eir o p rim o u, m ais um a v e z, d o pr in c íp i o ao f im - e is to é q ue é im p ort an t e: em to das as a l as - p or te a tra l i za r s e u des f il e , s em s e im po rt ar s e is s o o v ai af as t an do d o v er d ad e ir o es p í rit o d o es pe tác u l o das es c o l as d e s am ba , ou n ã o. [.. .] O S a lg u e iro f a z c om que s e a pr ox im e c ad a ve z m ais a pas s os m a is lar g os o des f ec h o de s h o w p uro q u e m ui tos pr e v e em par a o f u t u ro das es c o l as de s am ba. En q ua nt o , por ém , o d es f i l e a i n d a f or d e s am ba , o S a lg u ei ro tem q ue 124 es t ar p er de n do p o nt os c om o q u e f a z . Ainda assim, a representação da história de Chico Rei no carnaval de 1964 favoreceu a ampliação desse conhecimento para uma população distante da cultura popular corrente na região mineira de Ouro Preto. Semelhante mente ao que ocorreu com Cacá Di egues e sua inspiração para filmar a história de Chica da Silva, W alter Lima Júnior se recordava do desfile do Salgueiro como sendo seu primeiro contato com o tema, juntamente com as tradicionais festas de congada, quando foi convidado a filmar a história 125. Para fins de registro, outro enredo carnavalesco em torno de Chico Rei foi desenvolvido em Belo Horizonte. A escola de samba Inconfidência Mineira produziu, para o carnaval de 1977, o samba enredo Na corte de Chico Rei. Embora não tenha ocorrido desfile naquele ano 126, a letra do samba, composto por José Geraldo de Paula, permite reconhecer os aspectos centrais da história presente s na tradição popular. Ressalta -se que os versos desconsideram a parte 124 CA ST RO , Mar c os d e . Sa l gu e ir o e um a s a u da d e. J o rn a l d o Br as i l , 13 f e v . 1 96 4 . Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.s a lg u ei ro .c om .br > Ac es s o em : 2 1 j u n. 20 0 8. 125 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor , em 1 3 j u n. 20 1 3. 126 Nã o f oi pos s í v el p r ec is ar o m oti v o d o c anc e lam en t o, m as inf er e - s e es ta r re lac i o na d o às f or t es c h u vas q ue pr o v oc ar am enc he n tes n a c ap it a l, n o i níc i o d o an o . 88 africana, atribuindo o início da história de Chico Rei a parti da sua presença em Vila Rica. Q u e l in d a h is t ór i a A I nc o nf i d ênc i a v em m os tr ar Nas c i da lá em V il a R ic a Ca nt a da em to do lu g ar E o n e gr o es c ra v o a lf o rri ad o Fe z o tr a ba l ho as c e n d er P ar a c ons tru ir o s eu r e in a do 127 E p od er lu ta r por s ua ge n te 1.1.3. No campo musical A música foi outro campo relevante para a construção do imaginário social em torno de Chica da Silva e Chico Rei. Nota -se o refinamento das reflexões acerca do uso da música como fonte por historiadores 128. O registro sonoro como fonte deve ser anali sado em sua totalidade: produção, significados, estética, aspectos ideológicos etc. Esse trabalho deve ser realizado mediante outras referências conhecidas, favorecendo, assim, a percepção , não só das revalidações de narrativas, mas das ressignificações e da circularidade do conhecimento histórico. Trabalhar com essa tipologia de fonte não é tarefa simples, sobretudo por conta dos vícios decorrentes da supervalorização do registro escrito, que induz a análise segmentada entre letra e música, contexto e ideo logia; por exemplo. Para tanto, uma análise histórica a partir de registros musicais deve observar [.. .] o c ar á te r po l is s ê m ic o d o d oc um e nt o m us ic a l n ão é um obs t ác u l o i ntr a ns p o ní v e l e as p os s ib i l id a d es d e t ra b al h o d o h is t or ia d or a nc oram - s e n o m ap eam en t o da s “ es c ut as ” h is t ór ic as (c r ít ic a, p úb l ic o e os p ró pr i os art is t as qu e s ão tam bém o u v in t es ) q ue dã o s e nt i d o h is t ór ic o às o bras m us ic a is . A q ues tã o c e ntr a l é q ue , em qu e p es e a es tru tu ra i n ter n a da obr a e as i n te nç ões s ubj et i v as do c om pos it or, o s en t id o s oc ia l , i d eo l ó gic o e h i s tór ic o d e um a obr a m us ic a l res i d e em c on v e nç õ es c u lt ur a is qu e p erm it em a f orm aç ã o d e um a re de 129 de es c u tas s inc rô n ic a e d iac r ô n ic a . 127 P AU L A, J os é G e r a l d o d e. N a c or te d e C h i c o R e i. In .: S a mb as - e nre d o d e 19 7 7 . Com pac t o. B e l o Hor i z on t e: B em ol , 1 99 7 . 128 P ar a a r e laç ã o t e ór ic o - m eto d ol ó g ic a e n tr e His t óri a e m ús ic a ; c f .: CO NT I ER , Ar na l d o D. , M ús ic a e His t ór i a . R ev is t a d e His t óri a , n .1 1 9, Sã o P au l o: Hum an i tas , J u l. /d e z, 1 98 5 - 19 8 8; NA P O L IT AN O , Marc o s . H is t ór ia e Mús ic a . Be l o H or i zo n te : A ut ên t ic a , 2 00 2; N A P O LIT A NO , Marc os . F o nt es A ud i o v is u a is . .. o p .c i t. ; HE R M ET O , M ir iam . Ca nç ã o p op u l ar br as i le ir a e e ns in o de H is t óri a : p a la vr a s , s o ns e t a nt os s en t id os . B e lo H or i zo n te : A ut ê nt ic a, 2 0 12 . 129 N A PO LIT A NO , Ma r c o s . F o nt es A u di o v is ua is ... o p .c i t. , p. 2 59 . 89 No caso de Chico Rei, sua presença em termos musicais era sentida nas festas religiosas do congado 130. Das tradições populares, a vida do ex-escravo de Vila Rica passou a ser representad a nas câmaras de música. O deslocamento dos cortejos festivo -religiosos, que desfilavam memórias do rei africano pelos calçamentos de pedra das cidades coloniais mineiras, para o s teatros de música erudita ocorreu pela regência do jovem maestro Francisco Mignone 131, que naquela época flertava com a música popular, assinando peças nesse estilo com o pseudônimo de Chico Bororó. Segundo o Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasil eira, quando se especializava em Milão, em 1920, Francisco Mignone produziu sua primeira ópera: O contratador de diamantes; divida em 3 atos. A composição se baseia na peça teatral homônima escrita por Afonso Arinos, em 1917 132, destacando o período do contratador Felisberto Caldeira Brant. A primeira execução completa da ópera se deu em setembro de 1924, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Embora enfoque o período imediatamente anterior à administração de João Fernandes, a peça revela o conhecimento das h istórias da região diamantina. Por volta de 1928, Francisco Mignone reaproximou-se de Mário de Andrade, amigo dos tempos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. As discussões modernistas, que passavam pela questão da cultura popular 133, foram essenciais para que o compositor se 130 P ara as c o ng a das e s ua r e l aç ão c om as irm an d ad es ne gr as ; c f .: S C AR A NO , J u li t a. D ev oç ã o e es c r av id ã o : a irm an d ad e d e N os s a S en h ora do R os ár io dos pre t os no D is tr i to D i am ant i n o n o . 2 . ed . 1 97 8 ; SO U Z A, M ar in a de M e l lo e . Re is ne gr os no Br as i l e s c r av is t a : h is t ór i a da f es t a de c or o aç ã o de re i C o ng o . Be l o Hor i zo n t e: UF MG , 2 00 0. 131 Fra nc is c o M i gn o ne f o i um des t ac a d o m ae s tro e c om pos it or da m ús ic a eru d i ta nac i o na l . A i nd a c r ia nç a a pr e n d eu c om o pa i , o im i gra n te it a l ia n o A lf er i o M i gn o ne , f la ut a, i ns tr u m en to e m que s e di p l om ou, a lém do p ia n o e r eg ênc i a, em 19 17 . De p ois d e s e es p ec i al i za r em M i l ão , c om Vi c en zo F err o n i, r et or n o u ao Br as i l e, em 19 3 4, s e t or n o u pr of e s s or de r e g ênc i a n o I ns t i tu to N ac io n a l d e Mús ic a. Em 19 51 , as s um i u a d ir eç ã o do T ea tr o Mu n ic i pa l d o R io d e J a ne ir o ; D is p on í ve l em : < ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .br /f ra nc is c o - m ign on e /b i ogr af ia > Ac es s o em : 15 s et . 20 1 2. 132 A RI NO S, Af o ns o . O c on tr at ad or d e d i am a nt es . R i o de J a n e iro : S er v iç o N ac io n a l de T ea tr o, 1 9 73 . 133 P ar a o t em a d o m od er n is m o br as i l e ir o nas d éc a d as d e 19 2 0 - 30 ; c f .: BO M E N Y , He l en a . O s G u ar di ã es da R a zã o : M o de rn is t as M i ne ir os . R io de J an e ir o: E di t ora da UFRJ , 19 9 4; V E L LO S O , Mô n ic a Pim e nt a. O m oder n is m o e a qu e s tã o nac i o na l . I n : 90 libertasse da sua influência erudita italiana e se voltasse ao tema popular nacional. O s es tu d i os os d i v i dem s u a obr a em du as f as es : a pr im eir a , de i nf l uê nc ia i t al i a na , m es m o te n do c om pos to nes t a f as e s o br e tem as br as i l e iro s , e a s e gu n da , q ua n do a p art ir d e i nf l uê nc i as do am ig o M ár io d e An dr ad e ac a bo u p or e ng aj ar - s e no 134 m ovim en t o m od er n is t a . A ópera O contratador de diamantes se enquadra nas características da primeira fase do maestro. Nela, porém, há um trecho intitulado congada, em referência às festas negras presentes na peça de Afonso Arinos. Congada, já havia sido encenada dois anos antes (1922) e , depois, foi incorporada à ópera 135. Esse dado indica a proximidade de Mignone com o tema da cultura negra, que será retomado a partir da fase mais nacionalista do compositor. A permanência do imaginário de Chico Rei como rei da congada foi trabalhada no bailado Maracatu de Chico Rei. Refletindo a determinação em voltar sua produção para temas populares, Francisco Mignone abriu mão do pseudônimo com que preservava sua imagem erudita e assinou o bailado . Datado de 1933, foi encenado em primeira audição no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em outubro de 1934 136. Em 1937, o bailado recebeu acréscimo de coro, sendo encenado no encerramento do I Congresso da Língua Nacional Cantada, realizado em São Paulo 137. Mas “somente em 1939, foi apresentado em sua forma cênica completa, com coreografia de Maria Olenewa” 138. FE RR E IR A , J or g e ; N E V E S, L uc íl i a d e A lm ei da . ( O rg) . O Br as i l R e pu b l ic a n o. R i o d e J an e ir o: Ci v i l i za ç ã o Br as il e ir a, v .1 , 2 0 03 ; VE LL O S O , Mô n ic a P im en ta . Em bus c a da i de nt i d ad e nac i o na l : d if er e n tes ex pr es s õ e s do m oder n o e d a br as i l i da d e. I n: G O ND R A, J os é G onç a l ves ; M A G A L DI , An a M ar i a. (O rgs ) . Ed u c aç ã o no Br as i l: His t óri a , c u lt ur a e p o li t ic a . Br a ga nç a P a u lis t a: E d us f , 2 00 3, v. 1 , p. 3 4 9 - 37 3; B AR BO S A , D an i e l. O mi to m od er n is t a. 20 04 . T es e (D o ut or ad o em His tór i a) – De p art am ent o de H i s tór i a d a F ac u l d a de de F i l os of i a e C i ênc i as H um an as , UN IC A M P, C am pi nas . 134 D ic io n ár io Cr av o A lb i n d a Mú s ic a P op u l ar Br as i le ir a . D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .br /f ra nc is c o - m ign on e > Ac es s o em : 15 s et . 20 1 2. 135 I b id em . 136 Co nf or m e i nf or m aç õ e s do s is t em a d e b i b l io tec as d a UF MG s o br e a p art i tu ra da peç a q u e pe r t enc e à c o leç ã o Cur t L an g e, d is po n í ve l n a B i b l io tec a Un i v ers it ár ia . 137 D ic io n ár io Cr av o A lb i n d a Mú s ic a P op u l ar Br as i le ir a . D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .br /f ra nc is c o - m ign on e > Ac es s o em : 15 s et . 20 1 2. 138 M IG NO N E, Fr anc is c o ; MA CH A DO , D a v i d ( Re g.) ; O S MG (O rq u es tra S i nf ô n ic a d o Es t a do d e Mi n as G er a is ) . Mar ac at u de Ch ic o R e i. F es ta das I gre j as . B e lo Hor i zo n t e, 1 9 93 . CD . 91 Segundo o crítico musical Cravo Albin, o amigo Mário de Andrade foi o responsável pelo argumento do bailado, cuja narrativa destaca o papel de Chico Rei liderando os negros de sua tribo na construção da igreja do Rosário, em Vila Rica. A peça foi dividida em 10 movimentos, com destaque para o amálgama de outras tradições populares com a lenda de Chico Rei, como em: II – Chegada do maracatu; VI – Dança do Chico Rei e da Rainha N’Ginga; X – Dança geral 139. Constatam-se na peça, portanto, várias influências populares para a construção do tema Chico Rei. A começar pelo título do bailado , já que maracatu é uma dança característica do nordeste brasileiro, embora a narrativa se passe em Minas Gerais. A lenda da rainha N’Ginga 140 também foi incorporada, formando com Chico Rei uma espécie de corte real negra e mítica. A liberdade permanece send o o maior legado de Chico Rei, como reafirmado no epílogo do bailado que culmina com a libertação dos escravos. Ressalta-se, ainda, que, com o Maracatu Chico Rei, o compositor reiterava o esforço dos modernistas em repensar a cultura nacional, elegendo, para isso, a cultura barroca mineira como mote. Nesse sentido, movimento assinala a incorporação de um imaginário social de abrangência nacional, pois sintetiza va diferentes manifestações étnico culturais. O que, em certa medida, ganhou projeção por se rela cionar com o projeto de nacionalismo estabelecido pelo Estado Novo, criando 139 N a i nt er pr e taç ã o f e i t a pe l a O rq u es tr a S i nf ôn ic a d e M in as G er a i s , o ba i l ad o é apr es e nt ad o em d e z m ovim en t os : I - B a il a d o ; I I - Ch e ga d a d o Ma rac at u; I II - D anç a d as Muc am bas ; I V - O Pr ín c i pe Da nç a; V - D a nç a das T r ês Mac o tas ; VI - Da nç a d o C h ic o Re i e d a Ra i n ha N ’ G i ng a ; VI I - D a nç a do Pr í nc i p e S am ba; VI I I - D anç a d os S e is Es c r a vos ; IX - D a nç a d os Pr ínc i p es Br a nc os : m in ue to G a vo t a; X - D anç a F in a l; I d e m. Em 20 07 , a O S ES P i nt er p r e to u o b a i la d o em no ve m o v im ent o s , s e n do es t a a es tr ut ur a: I - I ntr o duç ã o; I I - C h eg a da do M a rac a t u; I II - Da nç a d as M ac um bas ; I V Da nç a d as T r ês M ac ot as ; V - D anç a do C h ic o Re i e da R a in h a N ’G i n ga ; VI - D anç a d o Prí nc i pe S am ba; VI I - Da nç a d os S e is Es c r a v os ; VI II - Da nç a d os P rínc i pes Br anc os ; IX - L i ber t aç ã o d os E s c r a v os – Da nç a G era l e F i na l ; MI G N O N E, Fr anc is c o; NE S CH I LI NG , J o hn ( Re g.) ; O S E P (O r q ues t ra S inf ô n ic a d o Es t a d o d e S ão P a u lo) . Ma rac at u d e C h ic o R e i. F es t a d as Igr e j as . Si n fo n ia Tr o p ic a l . S ã o P a ul o : B is c oi t o Cl ás s ic o, 2 0 07 . CD . A c om pan h a l i vr et o. 140 P ara a h is tó r i a da r a i nh a N ’G i n ga , G in g a o u J i n ga , c f .: SO UZ A , Ma ri n a d e Me l l o e. A r a in h a J in g a d e Ma t am b a e o c at o l i c is mo – Áf ric a c en tr a l (s éc u l o X V II) . Co n gres s o In t er n ac i o na l L as r e lac i o nes d is c ret as e ntr e l as m on a rqu í as his p an a y por t ug u es a : L as c as as d e l as r ei n as ( s i gl os X V - X IX ) , M ad ri, Un i v ers i da d e A ut on om a d e M ad r i , 2 00 7 ; FO N S E CA , M ar i a na Br ac k s . N zi n ga M b an d i e as g ue rras de res is tê nc i a em An g o la n o s éc ul o X V II . 20 12 . D is s er taç ã o ( M es t rad o em H is t ór ia) – F ac u ld a de de F i los o f ia , Le tr as e C iê nc i as Hum an as , Un i v ers id a d e d e S ão Pa u l o. 92 referências de identificação. Mesmo trabalhando na chave da perspectiva festiva e folclórica, Francisco Mignone contribui para criar um novo local em que o tema Chico Rei passasse a circular. As trilhas sonoras dos filmes Xica da Silva e Chico Rei são outros registros realizaram musicais seus relevantes 141. filmes Naturalmente baseando-se importantes elementos dos filmes, nelas, os mas diretores as trilhas não são colaborando na con strução de significados da representação audiovisual sobre os protagonistas e seus contextos históricos . Considera-se, nesse sentido, que as composições musicais se sustentaram no imaginário social existente sobre os protagonistas e seguiram as orientações indicadas nos roteiros. As músicas dos filmes , porém, contribuíram, também, para significá -los. A parte musical foi , ainda, relevante veículo para a circulação da temática de Chica da Silva, Chico Rei e d e aspectos da sociedade colonial mineira , tanto no espaço do cinema , quanto pela sua execução nas rádios e no formato de discos . O filme de Cacá Diegues teve Roberto Menescal à frente da direção musical. Seu trabalho não passou despercebido , incorporando à trilha sonora músicas em alusão aos diferentes g rupos da sociedade colonial representados no filme. O músico foi autor dos temas barrocos, inspirando-se nas composições setecentistas de Lobo de Mesquita. Foi também o autor das partes percussivas, executadas por Hélcio Milito. Canções folclóricas foram p esquisadas por Fernando Lebeis e gravadas pela atriz Zezé Motta 142. Não obstante, a música-tema Xica da Silva 143, composta e executada por Jorge Ben 144, ofuscou a produção musical. A canção s e tornou imediatamente um grande sucesso e, passados mais de trinta anos, permanece importante no repertório do artista . Cacá Diegues o 141 Ao q ue tu d o i n dic a , nã o f o i la nç ad o o r e g is tr o f o no gr áf ic o d a tr i lh a s on or a d o f ilm e X ic a d a S i lv a. P ar a C h ic o R e i; c f .: T I SO , W agner; V I S SU N G O , G r u po ; et .a l . Tri l ha So n or a do f i l m e C h ic o R e i . R i o d e J a n e iro : S om L i vre , 1 98 5 . L P . 142 X IC A da Si l v a es p er a v oc ês . Es ta d o d e Mi n a s , 2ª s eç ão . 2 6 f e v . 1 9 77 , p . 1. 143 A m ús ic a f o i la nç ad a em dis c o p e lo c an t or; B EN , J or g e. Áfr ic a Br as i l. R i o d e J an e ir o: Ph i l ips R ec or ds . 1 9 76 . L P. 144 A pa r t ir d a d éc ad a de 19 8 0 o c a nt or p a s s ou a gr af ar s e u n o m e c om o J org e B enj or. O p to u - s e, n es s a t es e, por c o ns id er a r o n om e c om o q u al o art is ta as s in o u a m ús ic a- tem a d o f i lm e X ic a da S ilv a . 93 considerava o nome ideal para a tarefa, contudo a agenda do cantor o impediu de acompanhar o processo de produção do filme. A solução foi realizar o trabalho via correios, quando Jorge Ben [.. .] r ec eb e u um a c a r ta de c i nc o l a ud as e n v ia d a p or C ar l os Di e gu es , qu e l he p e d ia o t em a. A lg um as s em an as de p o is , Di e gu es r ec e b ia de v o lt a um a f it a c om c erc a e 1 0 m in ut os , on d e es t a v a gra v a d o o tem a qu e , s eg u nd o o d ire t or, n ã o po d ia s er m ais a pr opr i a do , c om o s e o c om pos it or t i ves s e v is t o 145 v ár ias ve ze s o f i lm e . A letra com duplo sentido, sobretudo quando atrelada à interpretação faceira e sensual que a atriz Zezé Motta empreendeu à personagem, favoreceu uma conotação sexual e debochada, algo próximo da linguagem carnavalesca . X ic a da , X ic a d a, X ic a d a X ic a da S il v a , a Ne gr a ! ...(2x ) X ic a da S il v a A N egr a! A N egr a! De es c r a v a a am an te Mu l h er ! Mu l h er d o f i d a lg o tr at a dor J oã o Fe r n a nd es A i! A i! Ai! ... X ic a da , X ic a d a, X ic a d a X ic a da S il v a , a Ne gr a ! ...(2x ) A im per a tr i z do T ij uc o A d on a d e D i am ant i na Mo r a v a c om a s u a c or t e Cer c a da de b e l as m uc am as .. . Num c as te l o Na C h ác ar a d a P a l ha De ar q u it et ur a S ól i d a e r e qu i nt a d a O n de t i nh a a té Um la g o art if ic i a l E um a l ux u os a ga l er a Q u e s eu am or J oã o Fe r n a nd es , o tra t ad or Ma n do u f a ze r, s ó p ar a e l a A i! A i! Ai! ... X ic a da , X ic a d a, X ic a d a X ic a da S il v a , a Ne gr a ! ...(2x ) Mu i to r ic a e i n vej a da T em ida e o d ia d a P ois c om as s uas per u c as Ca d a um a d e um a c or. .. 145 X IC A da Si l v a es p er a . .. op .c it . 94 J ó ias , r o up as ex ót ic as Das Í n di as , L is b o a e P ar is A n eg r a er a o br i ga d a A s er r ec e b id a Com o um a g ra n de s e n hor a Da c or t e Do R e is L uís ! Da c or t e 146 Do R e is L uís ! ... Como música-tema, a letra reitera a estrutura narrativa inaugurada nas Memórias do Distrito Diamantino , mas seguindo a inversão psicológica da Chica que Manda, de Agripa Vasconcelos. O compositor destacou o luxo em que a ex-escrava vivia, como algo exótico para o período da escravidão. Símbolos materiais do seu poder, como a suntuosa Chácara da Palha e o seu navio abrem terreno para a confirmação do seu poder, já que todos deviam reverenciá-la. Contudo, a dubiedade dos versos iniciais – também refrão da canção – e o ritmo contagiante levam o espectador a associar o poder de Chica da Silva ao seu desempenho sexual. A música introduz de modo subliminar essa característ ica da ex-escrava. Concomitante a posição dominante com que passou a ser representada na literatura e no carnaval, os planos do filme reforçaram a característica sensualizada de Chica da Silva. A trilha sonora de Chico Rei também se destaca no filme. W alter Lima Júnior a considera essencial para a leitura poética acerca da ideia de liberdade presente em sua narrativa fílmica. Lançado em 1986, pelo selo Som Livre , o disco teve direção musical de Rita Luz e arranjos creditados a W agner Tiso e Grupo Vissungo 147. Participaram, ainda, Milton Nascimento, Clementina de Jesus e Naná Vasconcelos. A peça gráfica promocional do filme também foi utilizada nas capas do disco e da cópia em VHS. A imagem do disco de vinil recupera o plano inicial da película em que três escravos fogem acorrentados. Acima, o título Chico Rei e, logo abaixo, os nomes de 146 B E N, J or g e. Áfr ic a Br as il .. . op .c it . G ru po s ur g i do em 19 74 , no R i o d e J a ne ir o, s o b o n om e d e S arar am i ô l o, te n do à f rent e os ir m ãos An tô n io J os é d o Es p ír it o S an t o e A nt ô ni o do Es p íri t o S a nt o, c om a pro p os t a de c an t ar e d i vu l g ar a c u lt ur a ne gr a. D is p o ní v e l em : < ht tp :/ / www. d ic i o nar i o m pb.c om .b r / v is s u n go > Ac es s o em : 1 5 s e t. 2 01 2 . 147 95 Milton Nascimento, W agner Tiso, Clementina de Jesus e Grupo Vissungo. Em segundo plano, o rosto de um homem negro compõe a imagem com o céu, onde pássaros voam . Os signos sugerem o binômio escravidão -liberdade. especialmente fotografias A visuais . dos planos contracapa Além das fílmicos traz muitas músicas e remetem seus aos informações, intérpretes, personagens, sobressaindo-se cenas da escravidão e violência. Fi gu ra 4 – Ca p a e c on tr ac a p a d o d is c o T ri lh a S on or a Ch ic o R e i Ac er vo – Dis c o tec a P ú b lic a . 96 Os estilos musicais presentes permitem ler a trilha sonora em dois grupos: um ligado à música e cultura branca, outro à cultura negra. Do primeiro grupo fazem parte os arranjos do maestro W agner Tiso e as músicas-tema cantadas por Milton Nascimento ( Santa Efigênia e Chico Rei). Apesar da identidade negra que marca o filme, predomina nas cenas do personagem Chico Rei a música estruturada em bases harmônicas características da cultura europeia . Por outro lado, nos planos em que grupos de negros são representados, como no quilombo, predomina a sonoridade arranjada pelo Grupo Vissungo. Estas se caracterizam pela musicalidade percussiva, inclusive com algumas canções de domínio público que remontam a ritmos afro -brasileiros sendo executadas pelo próprio grupo, por Clementina de Jesus e Naná Vasconcelos. A música Santa Efigênia reforça o aspecto religioso da história, representando, ainda, a incorporação e uso dos signos da cultura branca pelos negros. No filme, a canção narra e intensifica a sensibilidade representada na sequência em que Chico Rei encontra, acidentalmente, um enorme veio de ouro na Mina da Encardideira . A sequência mescla a admiração do protagonista com a visão da santa Efigênia, enquanto a música ocupa o espaço de forma elucidativa e didática. A s a nt a r e v e la O c am i nh o d o o uro Do ve n tr e d a t err a Q u em ou v e a p a la vr a da s an ta S er á r ei S er á c or o a do S an to é o o uro De q u em s ó c o biç a A l i be r d a de A h, m in ha Sa n ta Ef i gê n ia M in h a n egr a 148 E m i nh a i gr ej a O momento final do filme apresenta um cor tejo de congada à frente da igreja do Rosário, em Ouro Preto, que tem Chico Rei coroado, observando seus súditos, representados por integrantes do grupo 148 T ISO , W agner ; VI S S U NG O , G r up o ; et .a l . T ri l ha So n ora do f i l me C h ic o R e i . R i o de J an e ir o: S om L i vr e, 1 9 85 . L P. 97 Vissungo e guardas de congada. A música des sa sequência é Chico Rei, na voz de Milton Nascimento, cuja letra reitera o conhecimento popular da história e reforça a associação do rei negro com a esperança da liberdade, como pode ser lido nos excertos . Q u em é r e i s em pre s e rá S e s e u r e i no Es t á p la nt a d o N o c or aç ã o D e s e u po v o C h ic o R e i C h ic o R e i, n os s o r e i S em pr e s e rá Fr anc is c o é p a la vr a - v i da P or q ue n ã o n as c e u P ar a s er es c r a v o O o ur o d a t err a M o ed a q u e de v o l v e a l ib er d ad e Um a um e l e l ib er ta Um a um e l e r e ún e Um r e i é f a zer s eu po v o 149 Um r e i é f a zer o s e u r e in o Em outra via, sequências ret ratando o cotidiano negro, como o trabalho nas minas ou a organização no quilombo, foram sonorizadas com elementos que destacavam a percussão, o ritmo e letras que narravam a vida e papel social de Chico Rei, mas também com referências à cultura africana. Registra -se que a última gravação de Clementina de Jesus – cujo valor para a música popular e cultura negra lhe conferiu o respeitoso e mítico apelido Rainha Ginga – ocorreu para a gravação da música Xico Reina. Seu debilitado estado de saúde, que levou a o seu falecimento pouco tempo depois, só lhe permitiu colocar voz na parte introdutória da música, concluída pelo líder do Vissungo, Antônio José do Espírito Santo e seu parceiro Samuka. A participação do grupo Vissungo, entretanto, ultrapassou o trabalho musical. É possível apreender sua relevância para o aspecto artístico do filme a partir de uma carta -resposta redigida pelo líder do grupo ao Jornal do Brasil, que havia veiculado reportagem sobre os contratempos 149 enfrentados pela produção T ISO , W agner ; VI S S U NG O , G r up o .. .o p.c i t. do filme, destac ando 98 problemas de ordem policial contratados como figurantes provocados pelos grupos negros 150 . O diretor musical do grupo, Antônio José do Espírito Santo, foi enfático ao protestar, em nome de todos os negros que trabalharam no filme, contra o “racismo expr esso na matéria”. No c as o do G r u po V is s un g o, al ém de n os p rep ar arm os pa ra a e la b or aç ã o d a tr i lh a s on or a t íp ic a, pu d em os f ornec er à d ir eç ã o do f ilm e d a dos s o bre o p os s í v e l f i gur i n o de d anç a dor es de c on g ad a n o s éc u l o X VI II , c ons tr uím os ins t rum ent os m us ic a is es p ec i ais b as ea d os em doc um ent os c om m uit a d if ic u l da d e ad q u ir id os . A l ém di s s o, c o ntr at am os u m a c ent e na d e c on g ad e ir os de n o s s as r e laç õ es , c om os q ua is n os pr e p ar am os par a d anç ar e t oc a r no qu e s er i a (o u s er á?) um a i ne g a ve lm en te be l ís s im a rec o ns t i tu iç ã o de um a f es ta ti p ic am ent e af ro - br as i l e ira . S ó es t e o bj e t i vo j á j us t if ic ar i a a im p o rtâ nc ia do f i lm e, ha v e nd o , n o e nt an t o, o tr ab a lh o d e o u tras pes s o as , ne gr as e br a nc as , t ã o im por ta n t e q ua nt o o n os s o. [.. .] A o l ad o d is s o, nã o po d erí am os a dm it ir q ue n os s a c on d iç ão d e ne gr os s ej a ut i l i za d a p ara es c am ote ar a v erd a de , nos c o l oc a n do a to d os c om o m argi n ais e arr uac e ir os , n o ex at o m om ent o em qu e c ol oc am os n os s a ex p er i ênc i a a s er v iç o d e i nt er es s es a bs o lu tam e nt e br as il e ir os , tr a ba l ha n do c om va l or es qu e c o n hec em os por e x per i ê nc ia e por e s f or ç o. Pr ot es t am os , po rt an t o, em nom e de t od os os n e gros q u e tr a b al h am ou tra b a lh aram no f i lm e X ic o - R ey (s ic ) , c o ntr a o r ac is m o ex pres s o na m atér ia . Lam en tam os prof un d am ent e qu e s e per m i ta t an ta p o br e za d e es pír i to n a d i s c us s ã o d e c o is a s 151 tã o s ér i as p ara n ós t o dos , n egr os e bra nc os d o Br as i l . Os problemas com o grupo Vissungo não se limitaram ao período da produção fílmica. Seu líder reivindicou crédito como compositor para a trilha sonora do disco, único gravado na carreira do grupo. Antônio José do Espírito Santo , por meio do seu blog oficial 152, afirmou que a gravadora preferiu destacar no disco nomes famosos como estratégia de venda. Para o líder, apenas Carlos Alberto Mattos 153 reconheceu o papel do seu grupo na produção de Chico Rei . O G r up o Vis s u ng o , e m s ua f us ã o d e ar te e m ili tâ nc i a, t e v e pa p e l dec is i v o na f o rm ataç ã o s o no ra d o f i lm e, qu e a in d a m obi l i zo u íc o nes d a m ús ic a n e gr a br as i l eir a c om o M il t on 150 T O RR E S, M a ur í l i o. Dir e tor es a l em ães d e C hic o R ei s om em e i nt err om pem as f ilm ag e ns em M in as . J or n a l d o Br as i l , C a der no B, p . 6, 2 7 f e v. 1 9 8 0. 151 S ANT O , A nt ô n io J os é do Es pí ri t o. X ic o R e y. J or n al d o Bras i l , c a d ern o B , p .2 , 29 m ar. 1 9 80 . 152 < h tt p: //s p ir it os an to . wor d pr es s .c om > Ac es s o em : 15 s e t. 20 1 2. 153 J orn a l is t a e a ut or d a bi o gr af i a s o bre o dir et or W alte r L im a J ú ni or; c f : M AT T O S , Car l os A lb er to . W a lt er L im a J ú n ior , v iv e r c in em a . R i o de J a n ei ro : Cas a da P a l a vra , 20 0 2. 99 Nas c im en to , Cl em en t i na 154 G er al d o Fi lm e . de J es us , Na n á V as c o nc el os e Ainda no esforço pelo reconhecimento das atividades do grupo, Antônio José do Espírito Santo constatou que até o renomado Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira incorria no mesmo equívoco: minimizar a participação do Vissungo contraposta à supervalorização do maestro W agner Tiso na elaboração da trilha sonora do filme. Alertado pelo diretor do Vissungo, a equipe do Dicionário Cravo Albin efetuou as correções em sua versão disponível na internet 155. Acrescentou, também, que os prêmios que a trilha sonora do filme recebeu na Bélgica e Colômbia nunca foram comunicados nem entregues ao grupo, que lhe caberia por direito como coautores da trilha. Ao contrário, seus integrantes sequer conheciam a modalidade da premiação: medalha, estatueta, certificado ou prêmio f inanceiro. 1.1.4. No campo turístico As narrativas construídas a respeito de Chica da Silva e Chico Rei consolidaram gradativamente representações desses personagens no imaginário social. A linguagem audiovisual do cinema, que tanto bebeu nas fontes literárias, ca rnavalescas e iconográficas colaborou para viabilizar representações. reapropriações Pragmaticamente, e as ressignificações cidades de Ouro dessas Preto e Diamantina incorporaram em sua narrativa turística relativa à cidade colonial as histórias de seus famosos ex-escravos. Esse movimento é mais sensível no século XXI, quando a exploração de atividades turísticas passou integrar o planejamento social e a geração de recursos financeiros, estimulando atividades econômicas sustentáveis com o envolvimento da po pulação local. Chica da Silva e Chico Rei integram a oferta de turismo histórico e cultural 154 M AT T O S, C ar l os A l b er t o. Um c i n em a q ue q uer s er m ús ic a. R e v is t a V er ed as , CC B B, R i o d e J a ne ir o, N o v. , 2 00 0. 155 D is po ní v e l em : < ht tp :/ /s p ir it os a nt o. wor d pr es s .c om > Ac es s o em : 1 5 s e t. 2 0 12 . 10 0 aos visitantes das cidades de arquitetura colonial e barroca de Minas Gerais. A inserção de Ouro Preto nesse circuito de visitação com fins culturais é anterior às narrativas trabalhadas até o momento sobre Chico Rei. Em 1924, alguns intelectuais, entre eles a pintora Tarsila do Amaral, o poeta suíço Blaise Cendrars, e os escritores Oswald e Mário de Andrade, realizaram uma caravana pelas cidades coloniais mineiras , com o objetivo de melhor conhecer a cultura nacional 156. As leituras da arte e arquitetura barroca/rococó daquelas cidades, em grande medida degradadas 157, faziam parte da reflexão sobre a identidade nacional desenvolvida no período 158. A pertinência do tema l evou o governo Vargas a encampá -lo nos primeiros anos após o golpe de 1930. A cidade de Ouro Preto se tornou monumento nacional 159, sinalizando o esforço do governo e de intelectuais em desenvolver a ideia de patrim ônio em uma vertente atrelada à história , à cultura e à identidade. A patrimonialização e preservação se tornaram a tônica das reflexões, que culminaram na criação do (SPHAN) 160 156 Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico , administrada por Rodrigo Melo Franco de Andrade Nacional 161 . Pa ra a c ar a v an a às c id a des c o lo n i ais m i ne ir as ; Cf .: A M AR A L, Ara c y. B la is e Ce n drars no Br as i l e o s Mo der n is t as . S ão Pa u lo : E d it or a 34 , 1 99 7 . 157 Por r e pr es e nt ar o p as s a d o c o l on i a l br as i l eir o , n os a nos q ue s e s e gu ir am à Pr oc lam aç ã o d a R e pú b l ic a , po l ít ic os m i ne ir os p art i dár i os d o no v o go v er n o c ons e gu ir am apr o var a tr ans f erê nc i a d a c a p i t a l p ara um a c i da d e a s er p l a nej a da , no c as o B e l o H or i zo nt e, q ue de v er i a re pres e nt ar os s i g nos do pro gr es s o e m oder ni d ad e i nc or p or ad os ao d is c u rs o r e pu b lic a no . Par a as p ec to s da m ud a nç a d a c ap i ta l m in e ir a e as r ep r es e nt aç õ es p o lí t i c as ; c f .: BA ND E IR A DE M EL L O , Ci ro Fl á v io . A no i v a do tr a ba l h o: Um a c a p it a l p a ra a R e pú b l ic a . In .: D UT RA , E li a n a. B H: Hor i zo n t es H is t ór ic os . B e l o Hor i zo n t e: C om Art e , 1 99 6. 158 Par a um a d is c us s ã o s obr e id e nt i da d e n ac i on a l, em es pec ia l nes s e p erí o do ; c f . : O RT IZ, R e na to . C ul t u r a br as il e ir a e i d en t id ad e n ac io n a l . Sã o P a u lo : Br as i li e ns e , 19 8 5; O L I V EI R A, L úc i a Li p p i. A qu es tã o nac i o na l n a Pr i m ei ra R ep ú b lic a . S ão P au l o: Br as i l i ens e , 19 90 . 159 D ec r e to nº 2 2. 9 28 , de 12 de j u lh o de 19 3 3. D i s po n í ve l em : < ht tp :/ / le g is .s e na d o. g o v. br / l e g is l ac ao / Lis t a P ub l ic ac o es .ac t io n ?i d = 32 1 22 > Ac es s o em : 1 5 n o v. 2 0 13 . 160 Cri ad o p e la Le i n º 3 7 8, d e 1 3 d e j an e ir o d e 19 37 , e re g ul am en ta do pe l o Es ta d o No v o, p e lo D ec r et o - L e i n º 2 5 no d i a 30 d e n o vem bro d o m es m o a no . Em bri ã o do at u al I ns ti t ut o d o P atr i m ôni o H is t ór ic o e Art í s tic o N ac io n al ( IP H AN ) 161 Fic o u à f r en te do ór g ão des d e s u a c r iaç ã o at é 1 9 67 , q u an d o s e ap os en t ou . P a i do c i ne as t a J o a qu im P edr o d e An dr ad e , im por t an te nom e d o C i n em a No v o e c om f ilm es c uj as h is tór i as s e d es en v o l vem nes s e u n i ve rs o h is t ór ic o m ine ir o, c om o O s Inc o nf i de nt es e o c ur t a - m etr a g em A l ei j a di n h o ( 1 97 8) . 10 1 Vale lembrar que Mário de Andrade, que trabalhou no SPHAN, foi o autor do argumento do Maracatu de Chico Rei composto por Francisco Mignone, sendo plausível que o escritor tenha tido contato com a lenda nessa caravana feita à cidade. Manuel Bandeira, poeta ligado aos modern istas de 1922, também trabalhou no SPHAN. Em 1938 publicou Guia de Ouro Preto 162. O livro, ilustrado por Luís Jardim, ia ao encontro da perspectiva de monumentalização da cidade, patrimônio nacional, que abrigaria poucos anos depois o Museu da Inconfidência (criado por decreto em 1938 e inaugurado em 1944). Antes de apresentar as atrações turísticas, Manuel Bandeira pontua aspectos da história da cidade e recuper a registros de viajantes estrangeiros que estiveram na região , desde o período colonial . Ao abordar as atrações religiosas, apresenta a tradição de Chico Rei , vinculando-a construção da Igreja de Santa Efigênia 163. O autor cita como fonte das informações a mencionada abordagem de Diogo de Vasconcelos 164, mas reconhece ter sido Afonso Arinos o primeiro a registrar a história em Atalaia Bandeirante . Além de recontar sinteticamente como o ex-escravo conseguiu sua liberdade e a de outros escravos, sugere relação entre o líder negro e o cortejo festivo que se dirige à Igreja em 6 de janeiro, liderados por um re i e uma rainha. Por fim, reforça a invenção de tradição 165 de Chico Rei ao indicar que “ainda existe à entrada da Igreja a pia de pedra onde as negras lavavam os cabelos para nela deixar como donativo o ouro de que estavam empoados” 166. A difusão de um imagi nário de Chico Rei foi potencializada com a descoberta do que teria sido a Mina da Encardideira , em 1946. Localizada no terreno da casa de Maria Bárbara de Lima 167, a entrada da mina estava encoberta por pedras e foi achada acidentalmente por 162 T raba lh a- s e a q ui c om a qu ar t a e d iç ão , re v is ta p or C ar l os Drum m ond de An dr a de , tam bém f unc i on ár i o d o S PH A N, e e di t ad a pe l a E d io ur o; c f . : B A ND EI R A, M a nu e l. G u ia de O ur o Pr et o. 4 . ed . S ã o P au l o: E di o ur o, s / d. 163 I b id em , p .1 1 2 - 11 4. 164 V A S CO N C E LO S, D i o go de . H is t ór ia An t ig a . .. op .c it . 165 P ar a o c o nc ei t o de i n v enç ã o d as tra d iç ões ; HO B S B AW M, Er ic ; T ER E NC E , Ra n ger . As inv e nç õ es das tr a d iç õ es . S ão Pa u lo : P a z e T er ra , 1 98 3 . 166 B A ND E IR A , M an u e l. G u ia .. . op .c it .; 1 1 4. 167 D on a M ar i a zi n h a, c o m o er a c on h ec i d a, f a l ec e u em j u l ho d e 2 0 13 . 10 2 seu filho Giovanni, em 1946. Ao remover os entulhos, percebeu -se tratar de uma mina, que julgaram ser a mesma adquirida pelo famoso ex-escravo 168. Contudo, não há nenhum registro que comprove a inferência. Mesmo assim, a população da cidade e a secretaria de turismo do munícipio reiteram a notícia. Na entrada da casa da família Lima, uma placa de informação turística esclarece que a tradição considera aquela a mina onde trabalhou Chico Rei e sintetiza sua história ao visitante. Como a mina não produz mais ouro, a família passou, então, a explorá-la como ponto turístico. Para tornar mais atrativa aos turistas, rebatizaram-na como Mina do Chico Rei. Uma sala com alguns objetos relacionados ao ex-escravo proprietário e à escravidão, como imagens, reportagens, quadros, criam uma vaga noção de museu temático. Em uma das paredes, se destaca o quadro emoldurado em vid ro que exibe um pôster do filme de W alter Lima Júnior. Ali, mediante pagamento de ingresso, o turista pode conhecer as condições de extração de ouro de mina em um passeio guiado à galeria; a mesma que serviu de locação para o filme Chico Rei. Cruzando o quintal, onde há um poço d’água batizado como Fonte dos desejos de Chico Rei, chega-se à entrada da mina, identificada por um enorme letreiro sobre sua abertura. Ao lado, uma espécie de altar feito com pedras brancas abriga uma imagem de Chico Rei coroado e com capa vermelha (figura 5). Segundo os proprietários, a mina é extensa, cortando subterraneamente partes da cidade. São muitos túneis estreitos e baixos , com elevada umidade e excessivo calor . O guia explica como ocorria o trabalho, assinalando as marcas das ferramentas nas rochas decorrente da procura pela riqueza. Por questão de segurança , só é permitido explorar o local , iluminado por energia elétrica, por alguns metros, mas o suficiente para perceber as árduas condições de trabalho às quais os escravos eram submetidos 169. 168 Is t o É. 2 0 m a i. 1 9 98 . O d ir e to r d o f i lm e C h ic o Re i obs er v a qu e i nt érp re te d o pr o t ag o n is t a, d es t o a d o pe r f il , s ubm et i d os à qu e le ti p o d e m iner aç ão , p o is a das m in as pe d ia h om ens m ais b aix os . Po r ém , 169 o p erf i l do a tor S e v ero D ’ Ac e l i no , p or e l e im a gi n a d o, d os es c ra v os pró pr i a c o nd iç ã o d e es paç o d e ntr o e le d es ej a v a c r i a r um a im agem d e 10 3 Fi gu r a 5 – M in a d o C h ic o Re i /E nc a di d e ira – en tr ad a (f ot o graf ia) Ac er vo – P es s o a l. O empreendimento familiar conta, ainda, com um restaurante – Boca da Mina – que serve comida típica mineira. Assim como a antessala para a mina, sua decoração remete ao líder negro, pintado em alguns quadros, à igreja de Santa Efigênia e objetos antigos típicos de fazenda. Um folder explicativo 170 é disponibilizado ao visitante. Além de algumas fotos e serviços disponibilizados, a lenda é recontada na seção bilíngue (português/inglês) Breve relato sobre Chico Rei (figura 6). Embora, sem identificação autoral, estão citados o trabalho de Agripa Vasconcelos e o livro infanto-juvenil de Carlos Góis 171. Nesse Breve relato, acrescentam-se muitos dados e situações supostamente vivenciadas por Chico Rei, como o nome do padre que o crismou: Dom Manoel da Cruz. Informa, ainda, que o ex-escravo se casou com Ch ic o R ei a lt o e f or te , r ep r es en ta n do , as s im , um a id e i a d e or g ul h o e f orç a d o l íd er ne gr o. Is s o o aj u do u a o pt ar pe l o a t or p a ra o p ap e l. E ntr e v is t a d e W alt er L im a J ún i or a o a ut or d a tes e, em 1 3 d e j u nh o d e 20 1 3. 170 M IN A d o C h ic o R e i. O ur o Pr et o. F o ld er. 171 G Ó IS , C ar los . H is t ó r i as d a te rra m in e ir a . 1 3. ed . B e l o Ho ri zo nt e: P au l o d e A ze v e d o, 1 9 42 . 10 4 Antônia, filha do sacristão da Igreja de Santa Efigênia, sendo o sacramento realizado por Dom Manoel Teixeira. Contudo, a especificidade desses dados se torna nula, pois não há referência problematizada a nenhuma fonte que possa corroborá -los. Chega-se a determinar a idade de morte do líder negro: 72 anos. As fantasias do folder, todavia, culminam ao asseverar a causa do falecimento de Chico Rei: hepatite. Fi gu ra 6 – F o l der Mi n a d o C hic o R e i Ac er vo – MI N A d o Ch i c o Re i . O ur o pr et o. F o l der . 10 5 Apesar de algum as narrativas sobre o personagem serem identificadas no espaço histórico -cultural a Mina do Chico Rei, como o livro de Agripa Vasconcelos e o filme de W alter Lima Júnior, o texto informativo ao turista não estabelece diálogos com essas fontes. Ao contrário, o folder cria arbitrariamente uma narrativa. É certo que as representações de Chico Rei foram criadas a partir de tradições populares que se legitimaram gradativamente no imaginário social. Os acréscimos que as narrativas em outros formatos fazem, entretanto, não são de conteúdo à história, mas interpretativos do personagem e seu contexto , como o Chico de Agripa em relação ao Chico do Romanceiro . O que o folder apresenta são dados novos, que vão contra a própria tradição das narrativas validadas, marcadas por pontos obscuros na trajetória do líder negro, o que reforça, de certo modo, sua aura mítica. As informações contidas no folder, por mais deta lhadas que sejam, são inverossímeis pelo próprio fato de não haver indicação de onde foram retiradas. Elas refletem um anacronismo ao transpor para o contexto histórico de Chico Rei aspectos do cotidiano do seu redator, marcado pela burocratização contempo rânea na qual certidões regulamentam a vida do indivíduo como certidão de casamento e atestado de óbito. A experiência em visitar a mina e tomar contato com a história de Chico Rei, ainda que lendária, pode estimular problematizações a respeito da história da escravidão e das Minas coloniais, especialmente pelo perfil do público visitante: alunos de escolas em excursão e turistas nacionais e estrangeiros 172. Mas o folder, ao valorizar o encantamento do turista, não somente superficializou como banalizou a complexa história por trás da lenda. Por essa escolha, praticamente se anula qualquer ação voltada para a educação do conhecimento histórico naquele espaço. Estudos sobre a atividade do turismo cultural e histórico ressaltam os problemas da superficialidade em criar objetos e locais econômica, que é a falta da significação do atrativo . 172 C onf or m e l i vr o d e r e g is tr o d e v is i ta n tes . para exploração 10 6 Nes s a d in âm ic a d o t er s i do e d o d e v ir é qu e s e p ro b lem at i za a h is t ór ia . Ne l a é q u e o v is it a nt e d e um es p aç o h is t ór ic o - c u l tur a l d is t i nt o po d e t om ar o atr at i v o c om o pr o bl em a par a s e pe ns ar, c om o pe ns am e nt o es c l arec e dor , c om o c om pree ns ã o pra ze r os a [.. .] . O t ur is t a q u e n ão es q u ec e, q u e rec om end a a o utr os e qu e v ol t a é aq u e l e q u e t e ve pr a ze r na ap re e ns ã o pr o b l em ati za d o ra . E n qu a nt o o atr at i v o f or um a p eç a d e c ur ios i d ad e ap e nas m om ent ân e a, e l e s e rá im ed ia t am ent e 173 es q u ec id o a pó s o s e u c ons um o . A cidade de Diamantina também explora economicamente a história de Chica da Silva. As representações sobre a ex -escrava do Tejuco, conforme visto, alcançaram ampla repercussão nacional, maior até do que Chico Rei, embora praticamente ambos tenham circulado pelos mesmos suportes narrativos , produzidos pelos mesmos autores. O romance com o contratador dos diamantes parece ser o elemento que destaca sua história, já que é o viés amoroso que predomina nas abordagens turísticas de Chica da Silva pelos diamantinenses. Compõe o circuito turístico a visita ao museu Casa de Chica da Silva e à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, onde a torre construída no final da nave é atribuída a um capr icho da poderosa amante do contratador. A população explora o imaginário do poder alcançado pela ex-escrava, significando -o como uma inversão social. No comércio, vendem-se produtos que fazem a ela referências. As representações audiovisuais construídas pe lo filme de Cacá Diegues e a novela exibida duas décadas depois são as maiores referências com as quais se dialoga, sendo reapropriadas nessa relação de exploração da imagem construída de Chica, a história e o turismo. A torre construída na parte posterio r da Igreja do Carmo, uma solução única da arquitetura barroca mineira, por exemplo, dimensiona a supervalorização de uma Chica da Silva poderosa e ardilosa tal qual exibida no filme. A Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo teve como prior João Fernande s de Oliveira, que se responsabilizou diretamente a obra da construção do templo religioso, situado defronte à Casa do Contrato, praticamente finalizado em 1765 174. O IPHAN não 173 M EN E S E S, J os é N e wt on Co e l ho . H is tór i a e t ur is m o c ul t ura l . B el o Hor i zo n t e: A ut ên t ic a , 2 0 04 , p. 2 2. 174 Par a o pr oc es s o d e c o ns tr uç ão e c ar a c ter ís t ic as d a I gr ej a do C arm o d e Di am an t in a: Á V IL A , Af o ns o . Ba rroc o: Mi nas G er a is Mo nu m e nt os H is tór ic os e 10 7 localizou os registros dos planos arquitetônicos , nem os de execução da obra, portanto, não se sabe os motivos da construção da torre diferentemente do padrão executado à época 175. A singularidade motivou duas hipóteses explicativas, correntes na tradição oral e que são repassadas ao visitante por meio dos moradores e guias turísticos. A primeira deve -se à proibição da entrada de escravos na igreja para além da torre, salvo em determinadas situações . Mesmo os negros livres tinham restrições de acesso de acordo com a irmandade religiosa gestora do espaço religioso . Inverter a posição da t orre, então, permitiria a Chica da Silva transitar no templo. Em certa medida, conforme será analisado no capítulo 3, essa questão foi tangenciada no filme, quando a ex-escrava é proibida de assistir a missa por ser negra, ainda que livre. Essa hipótese pe rmite problematizar alguns aspectos da história do escravismo, do papel social ocupado pela população negra livre e da religiosidade colonial. A possibilidade problematizadora , contudo, é inviável para segunda hipótese, que atribui a construção da torre nos fundos da igreja a uma exigência de Chica da Silva: não ser incomodada pelo barulho do sino , já que sua casa era próxima d o local. Essa alegação não tem fundamento , haja vista que alguns metros para frente ou para trás não impediriam o som do sino ecoar pelo arraial do Tejuco. Desse modo, a explicação se banaliza a um representações capricho exóticas de de Chica suas da Silva, narrativas, reforçando especialmente as das produções audiovisuais , para o encantamento do turista. O imaginário de uma Chica da Silva bela e sensual decorre , conforme visto, do filme e da novela, e circula entre a população local que parece considerar pertinente identificá -la com a história de Diamantina e também explorar comercialmente essa face da ex escrava. Contudo, a circulaçã o dessa representação ultrapassou as ruas e chegou ao espaço histórico -cultural, que é o museu Casa de Art ís t ic os : o c ir c u it o d os d i am an tes . 2. ed . B e lo H ori zo n t e: F un d aç ão J o ã o Pi n he ir o , 19 9 5, p . 28 8 - 29 8 . 175 Em al g um a d as r ef or m as oc orr id as n o s éc u l o X IX , a t orr e f oi d em ol id a e rec o ns tr u í da na f ac h ad a da Igr ej a. Em 194 7 /4 8, o I P H AN f e z um a in te r ve nç ão , res t i tu i n do a t or r e à par t e pos t eri or d a I g rej a ; Á V IL A , Af o ns o . B arroc o .. . o p.c i t. , p. 2 92 . 10 8 Chica da Silva. O casarão onde viveu a ex-escrava, junto ao seu protetor, está aberta a visitação, existindo um núcleo expositor sobre a história da casa, da ex-escrava e de João Fernandes. Em 2000, o artista plástico diamantinense Marcial Ávila produziu a coleção Sete ve zes Chica . A obra temática associa a ex-escrava aos sete pecados capitais. Um oitavo quadro compõe a coleção. Lembrando um tríptico, porém não articulado, os temas representam a redenção de Chica da Silva após ser abandonada por João Fernandes de Oliveira : Esperança, Fé e Caridade 176. Pintados em grande proporção 177, as peças têm como padrão representar Chica da Silva em primeiro plano e cen as sombreadas em segundo plano, sugerindo dinâmica à narrativa. Os quadros são fortemente inspirados no viés que a representação como uma mulher que utilizou a astúcia e a sensualidade para reverter a situação desfavorável da escravidão. O diálogo com o fi lme de Cacá Diegues, nesse sentido, é explícito. Na tela A soberba (figura 7), por exemplo, a personagem é representada em uma cadeira, ao lado de um vasilhame abarrotado de joias. Sentada e bem vestida, com peruca e ornada com colares e braceletes, Chica da Silva está com o rosto pintado de branco . Trata-se de uma releitura da sequência fílmica , quando a escrava recepciona o governador e demais autoridades do Tejuco . Na ocasião, ela maquia seu rosto para ironizar a autoridade, que antes a havia humilhado por ser negra. Em segundo plano, estrelas indicam uma recepção noturna na qual a ex-escrava, que está sentada, é servida por várias mucamas – também planos recorrentes no filme . 176 As te l as p od em s er ac es s a d as p el a pá gi n a p es s o a l d o art is ta ; c f . : < ht tp :/ / www.m ar c i a la v i l a.c om .br/ p in t uras . htm l > Ac es s o em : 2 5 a go . 2 0 13 . 177 O s q u ad r os q u e r ep r es e n tam os s e te p e c ad os c a p it a is pos s u em 0. 80 x 1. 10 m etros . O f a ls o tr íp t ic o 2. 4 0 x 1 . 10 m etros . 10 9 Fi gu r a 7 – A s o b erb a ( Ma rc i a l Á v i l a, 2 0 00 ) Ac er vo – Cas a d e Ch i c a d a S i l va / Marc i a l Á v i la . O que chama a atenção dessa coleção é que o artista a doou, em 2000, ao IPHAN. Desde então, a obra integra o museu Casa de Chica da Silva como exposição permanente . As obras decoram as salas do museu, criando uma referência visual para quem o visita. Isso implica na corroboração pelo IPHAN das representações de uma Chica da Silva voluptuosa, reapropriada pelo artista, principalmente, da narrativa fílmica. Ressalta -se que, em 2008, durante o Festival de Inverno da UFMG/Diamantina, a organização não governamental Animare realizou a oficina Projeto Anima Lendas , resultando no vídeo 7 vezes Chica, uma adaptação da obra de Marcial Ávila 178. Inspirado na exposição da Casa de Chica da Silva , o resultado do trabalho, em termos de conteúdo histórico , reproduz a leitura decorrente da s telas, não havendo questionamentos so bre a mulher Chica da Silva e seu tempo. 178 < h tt p: // a n im ar e. or g. br /b l og / ?p a ge _ i d =8 6 > A c es s o em : 2 5 a go . 2 01 3. 11 0 Assim como no caso da Mina do Chico Rei, o museu Casa de Chica da Silva reitera uma abordagem da história pela vertente da personalização, calcado no exótico e que visa seduzir o visitante. Acredita-se que os mesm os locais, com suas representações existentes sobre os famosos ex -escravos, poderiam suscitar problematizações históricas, potencializando o aspecto educativo desses espaços e narrativas. Retomando a reflexão a respeito da vulgarização do atrativo turístico histórico -cultural, destaca-se a relevância para se estabelece r um diálogo entre a representação e as fontes que favoreceram sua construção. T udo q u e é o bs er va d o nec es s it a de um tr ab a l ho pr é v io d e i nt er p r e taç ã o, p o is o s o bj e tos , as c o is as , as m an if es taç õ es nã o f a lam por s i s ó e a to d os a qu i l o q ue s ã o. El es d e v em s er l id os , in t erp re ta d os , pre e nc hi d os de s ig n if ic ad os , o u m el hor , das p os s i b il i d ad es d e s i g n if ic aç õ es q ue po dem c o nt er . Com o na a t i v id a de in te rpr et a ti v a d o h is t or ia d or, o pres e nt e é o p o nt o de p ar t id a p ara a in t erp re taç ã o do pa tr im ôn i o. D aí d ec or e a 179 h is t or ic i d a de d as i n ter pre t aç õ es . Como assinalado por José Meneses, as possibilidades de significações são múltiplas. Nos casos das representações s obre Chica da Silva e Chico Rei; calcadas nas tradições populares desde o século XIX e incorporada por suportes narrativos como a literatura, o carnaval, a música, o cinema ; suas possibilidades para a educação do conhecimento histórico são potencializada s quando articulada s com o contexto histórico em que viveram. Por isso, é necessário cuidado no tratamento das informações, da sua produção à disponibilização e interpretação. 1.1.5. O campo historiográfico e a iconografia sobre o escravismo As produções que se propuseram narrar as trajetórias de Chica da Silva e Chico Rei se depararam com representações de um contexto histórico bastante característico . Joaquim Felício dos Santos, Francisco Mignone, Cecília Meireles, Antônio Callado, Agripa Vasconcelos, Yara 179 M E N E SE S , J os é Ne w to n C oe l ho . H is t ór i a e. .. op .c it ., p .5 5 . 11 1 Tupinambá, Fernando Pamplona, Arlindo Cruz e, claro, os diretores de cinema Cacá Diegues e W alter Lima J únior, precisaram dialogar com o conhecimento historiográfico existente sobre as Minas setecentista s, sobremaneira com as questões ligadas ao escravismo , ambas inerentes ao período da América Portuguesa . Sem almejar fazer um balanço historiográfico referente às Minas coloniais e ao escravismo, pode -se entender essa produção – até a segunda metade da década de 1970, quando os filmes Xica da Silva e Chico Rei foram realizados – em três grandes blocos 180. Reitera-se não se trata r de um exercício de identificação autoral e cronológica, mas procurar reconhecer as destacadas referências . Os primeiros olhares sobre o passado brasileiro foram coevos e datam, portanto, do Brasil -português. Tornaram-se, porém, mais estruturados após a independência , em 1822. No século XIX, a história se estabelecia em termos metodológicos quanto à produção rigorosa de saberes. Concomitantemente , o conhecimento histórico atrelava -se à percepção ideológica que o utilizava como lastro para forjar princípios de identidade nacional . O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) 181 promoveu, em 1840, um concurso sobre um plano de redação para a história do Brasil, vencido p elo bávaro Karl von Martius 182, que não levou a termo seu projeto. 180 C om o r ef er ê nc i a par a a a pr es e n taç ã o s o bre a pr o duç ã o h is t or i ogr áf ic a br as i l e ir a; c f .: MO T A , Car l os G u i l her m e. ( O r g). Br as i l e m p ers p ec tiv a . 15 . ed . S ão Pa u l o: D if e l, 19 8 5; L IN H AR E S , M ar i a Yed d a. (O r g). H is tó ri a g era l d o B ras i l. 9. e d. R i o d e J a ne ir o: E ls e v i er , 1 99 0; IG L É SI A S , Fra nc is c o. His t ori a d ores do Br as il : c a pí t ul os d e h is t or io gr af i a br as i le ir a. Sã o P a u lo : N o va Fr on t eir a , 2 00 0; F R EIT A S, Marc os C e za r de . (O rg) . H is t or i ogr af i a br as il e ir a e m p e rs pec t iv a . 5 .e d . S ão Pa u lo : C on tex t o, 20 0 3; R E I S, J os é C ar l os . As i d en t id a des do Bras i l : d e V ar nh a ge n a FHC . 6 .e d. Ri o de J an e ir o: Fu n daç ã o G et ú l io Va rg as , 20 0 6. 181 Dur an te o c o nf l it u os o per ío d o re ge nc i al , f o i c ria d o, em 18 38 , o I n s ti t ut o H is t ór ic o e G eo gr áf ic o Br as i l e ir o ( I HG B) , c uj o m ai or p rop ós it o er a re d i gi r a h is t ór ia d o Bras i l . Fru to d a i nic i at i v a d a s oc ie d ad e c i v i l, o Es t ad o l og o s e a tre l ou a o I HG B, q u e t e v e c om o p atr o n o o im per ad or D .P e dr o II, am ig o de Fr a nc is c o V ar n h ag e n, c o ns i der a do o h is t or i ad or of ic i a l do Im pér i o. O s tr ab a l hos des e n vo l v i do s pe lo IHG B s e c arac t er i zar am c om o lau d at ór i os e c or o gr áf i c os . D es tac a - s e, a in d a, a c o ntr i b uiç ã o do I HG B , e i ns t i tu iç õ e s es p el h os q ue s e f un dar am nas pr o ví nc i as , par a a i nc i pi e nt e org a n i zaç ã o d e ar q u i v os e o t ra tam e nt o doc um en ta l n o p aís , bem c om o p ara d i vu l gaç ã o da h is tór i a n ac i o n al p or m e io d a p ub l ic aç ã o i n in t erru p ta d a Rev is ta d o Ins t it ut o H is t ór ic o e G e ogr áf ic o B ras i l ei ro , des de 1 8 39 . S o br e o IHG B , i nc lus i v e ac es s o a os n úm er os d e s u a r e v is t a: < h tt p :/ / ww w. i hg b. or g. br /i h g b. ph p > . 182 B ot â nic o e n at ur a l is ta , Ka r l vo n Ma rt i us perc orr e u v ári as r e g i ões d o Br as il , doc um en ta n do as pec t os g e ogr áf ic os , m iner a ló g ic os , d a f a un a e f lor a. O s t ex t os or ig i n ais , em c oau t or i a c om J oh a nn v o n S pix , f or am ree d it ad os p e l os Ed i tor a 11 2 Segundo as diretrizes da tese vencedora, deveria ser explorad a a confluência dos três elementos étnico -culturais constituintes do Brasil: o indígena, o português e o negro. A obra considerada primeira linhamestra da historiografia nacional, História Geral do Brasil foi produzida por Francisco Adolfo de Varnhagen, publicada entre 1854 e 1857 183. Apesar do seu envolvimento com a produção do IHGB, o autor não seguiu os pressupostos definidos no concurso supracitado. Em sua História Geral do Brasil, o autor destaca a interpretação do Estado como agente histórico. Por essa via, os indígenas e negros são considerados grupos sociais complementares aos portugueses que, na sua avaliação, foram os responsáveis pelo desenvolvimento de um exitoso projeto civilizador. Por isso, em sua narrativa sobre a formação brasileira sobressai o elemento de matriz europeia 184. Marcada pela produção intelectual do século XIX, a obra se destaca pelo pioneirismo, sendo possível reconhecer longeva influência n o estabelecimento de marcos políticos da história luso -brasileira, como parâmetros organizadores do ensino de História do Brasil, ao menos até a década de 1980. No início do século XX, a pesquisa histórica incorporou novas questões como a tendência em analisar a sociedade brasileira n ão apenas sob o ângulo da ação estatal. Mesmo que a tendência não tenha alcançado hegemonia na produção histórica do período, vale citar, como exemplo, os trabalhos de Capistrano de Abreu e Manoel Bonfim 185. A escravidão, contudo, só foi enfrentada como temá tica histórica décadas depois. Uma variações quanto às primeira problematização atividades de trabalho. diz respeito às Ou seja, dentro do cotidiano do trabalho escravo, pod em ser identificadas atividades It at i a ia ; c f . : S PIX , J oh a nn Ba p t is t v o n; M ART IU S , K ar l Fri e d ric h P h il i p p v on . V ia g e m p e lo Br as i l: 1 8 1 7- 18 2 0. 4. e d. B e l o H or i zo n te : I t at i ai a ; S ão P a ul o : U S P, 19 8 1. 183 V AR NH AG E N, Fr a nc is c o A d olf o d e. H is t ór ia ge ra l do Br as i l: an tes d a s u a s ep ar aç ão e in d ep e nd ênc i a d e P ort u ga l . 10 . ed . B e lo H or i zo n t e: It at i a ia ; S ão Pa u l o: US P , 1 98 1 . 184 R EI S , J os é Car l os . A s i d en t id a des do Br as i l. .. o p .c it. , p .2 1- 50 . 185 Cf .: B O M FI M, Ma n oe l . O Br as i l n aç ã o : r e a li da d e d a s o b era n i a br as il e ir a. 2 . ed . Ri o d e J a n e ir o : T op bo ok s , 19 9 6; AB R EU , J o ão C a p is tr a no de . C ap ít u los d e h is tó ri a c o lo n ia l . 7. e d. Be l o H or i zo nt e : It at i a ia ; S ã o P au l o : Pu b l if o lh a , 2 00 0. 11 3 específicas como, por exemplo , âmbito doméstico , ligadas à agricultura e criação de animais , atividades rurais e atividades urbanas , negros de ganho, mineração. A própria condição de ser cativo e as possibilidades de se tornar livre se tornaram temas de reflexão. Os códigos culturais e valores da população escrava também passaram a ser estudados pelos pesquisadores. Nessa renovação de abordagem é que se configura o segundo bloco, cujos trabalhos podem ser associados a uma perspectiva cultural e social, pela qual aspectos das relações cotidianas inerentes ao escravismo são abordados. O pernambucano Gilberto Freyre se tornou referência dessa linha analítica publicando , em 1933, seu ensaio Casa Grande e Sen zala 186. No livro, o autor analisa a formação patriarcal brasileira, com ênfase para a relação paternalista extensiva às relações senhor-escravo, a miscigenação e a adaptabilidade aos trópicos. O autor apresenta um trabalho pioneiro, tanto pelas temáticas lançadas , quanto pela interdisciplinaridade e variação de fontes com que trabalhou, muitas delas incomuns para o período. Contemporâneo de Gilberto Freyre, outro texto dilatou as fronteiras da abordagem cultural da história do Brasil. Trata -se do ensaio Raí zes do Brasil, publicado em 1936 , por Sérgio Buarque de Holanda, também autor de Monções (1945) e Caminhos e Fronteiras (1957) 187. Holanda, que logo se tornaria um respeitável nome da historiografia brasileira , prosseguiu com uma análise da sociedade brasileira em seus aspectos históricos e sociais, bem como valorizou aspectos regionais, sobretudo o papel do band eirante paulista na formação do Brasil. Entretanto, há que se ressaltar que seus trabalhos não corroboravam o elogio à colonização portuguesa, como se identifica em Freyre 188. 186 FR E YR E , G il b er t o. C as a G r an d e e S e n za l a . 51 . ed . S ão P au l o: G l ob a l, 20 0 6. HO L A ND A , Sér g i o B uar q u e d e. R aí ze s d o Bras i l . 3 .e d . R i o d e J a n e iro : J os é O l ym p i o, 1 95 6 ; HO L AN D A, S ér gi o Bu ar q ue d e. C a m in h os e fro nt e ir as . Ri o de J an e ir o: J os é O l ym p io , 19 5 7; HO L AN D A, Sé rg io Bu ar q ue d e . Mo n ç ões . 3 a e d. S ã o P au l o: Br as i l i ens e , 19 90 . 188 A o s e d e br uç ar s o br e a ut ores qu e i nt er pr et ar am a s oc ie d ad e b ras il e ir a, J os é Car l os Re is es t a be l e c e do is p os ic i o nam e nt os : 1 º) os e lo g i os os à c o l o ni za ç ã o por t ug u es a par a a f or m aç ão br as i le ir a, ex e m plif ic a d os em Franc i s c o V ar nh a ge n e G i l ber to F r e yr e ; 2 º) os r ed es c obr i d ores do B ras il , q u e t ec em c rít ic as à c ol o n i zaç ã o 187 11 4 O terceiro bloco interpretativo aqui proposto foi também inaugurado por um contem porâneo de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, porém em uma perspectiva oposta. Encontram-se nos livros Formação do Brasil c ontemporâneo (1942) e História econômica do Brasil (1943) 189, de Caio Prado Júnior, os pilares da historiografia brasileira marxista. O autor retornava ao período colonial para entender o presente do país. Suas conclusões não foram animadoras, pois associava o escravismo ao entrave econômico brasileiro. influenciou a a Sua perspectiva ser superado leitura sobre explicativa para a para o desenvolvimento escravidão o Brasil certam ente segundo o materialismo histórico . Re a lm ent e a es c ra v i d ão , n as d uas f u nç õ es qu e ex e rc er á n a s oc ie d ad e c o lo n i al , f at or tr a ba l h o e f ator s ex u a l, n ão de t er m in ar á s e n ão re l aç õ es e l em ent ar es e m uito s im pl es . O tr a b al h o es c ra v o n u n c a i rá a lém do s e u p on t o d e p ar ti d a: o es f or ç o f ís ic o c o ns tr a ng i d o; n ã o e duc ar á o in d i ví d uo , n ão o pr e p ar ar á p ara um pl an o de v i d a h um an a m ais e le v a d o. N ã o l hes ac r es c en t ará e l e m entos m ora is ; p e lo c on tr ár io , de gr a dá l o- á , e l im in an d o m e s m o ne l e o c o nt e ú do c ul t ura l q u e por v e nt ur a t i ves s e t ra zi d o d o s e u es ta do pr im it i vo . As r e laç õ es s er v is s ão e p erm an ec er ã o re l aç õ es p ur am ent e m ater ia is d e tr ab a l ho e pr od uç ão , e n ad a o u q uas e n ad a m ais 190 ac r es c e nt ar ão ao c om p lex o c u lt ur a l d a c o lô n i a . No início da década de 1950, a U nesco financiou uma pesquisa de natureza étnico -racial, por entender o Brasil como um país onde as tensões dessa natureza eram mínimas. A intenção da entidade era utilizar o Brasil como um modelo contrário às intolerâncias, como as barbaridades nazistas reveladas no pós-guerra. Os pesquisadores era m liderado s por Florestan Fernandes, que estava à frente de outros nomes que se destacariam no cenário intelectual e político do país: Otávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Francisco W effort. O s resultados encontrados, contudo, divergiram c om int u it o d e s u p er ar en tr a v es d ec orr en tes des s e pr oc es s o : C ap i s tra n o d e A br eu , S érg i o B u ar q u e de H o la n da , Ne ls o n W ernec k S odr é , C a i o Pr a do J r. , F l or es t a n Fer na n des e F er n a nd o H enr i q ue Car d os o s ão os a ut or es a n a lis a dos nes s e gru p o; c f .: R EI S , J os é Car l o s . As i d en t id a des do B ras il .. . o p.c i t. 189 PR A DO J Ú NI O R , C a io . A f orm aç ã o d o Br as i l c o nt e mp or ân eo . Sã o P au l o: Br as il i e ns e ; P u bl if ol h a , 20 0 0; PR A DO J UN IO R, C a io . His to ri a ec o nô m ic a d o Br as i l . 41 . ed . S ão P au l o: Br a s i l ie ns e, 1 9 94 . 190 P R AD O J ÚN IO R , Ca i o. A for m aç ã o d o Br as i l. .. o p.c it . , p. 35 4- 3 55 . 11 5 diametralmente da hipótese inicial. Seguindo o rastro das críticas tecidas por Prado Júnior a respeito das mazelas do escravismo , os pesquisadores destacavam as práticas de racismo existentes na sociedade brasileira . O grupo do Projeto Unesco, como ficou conhecido, projetou suas carreiras acadêmicas questionando, por meio de outras pesquisas, a ideia de convivência quase harmônicas entre senhor e escravo 191, representadas no livro Casa grande e sen zala. O combate à interpretação de Gilberto Freyre , acusando-o de propor um cenário de democracia racial, praticamente o levou ao limbo; na mesma proporção que a influência marxista se fazia sentir nos departamentos universitários de ciências humanas – mesmo durante a restrição de liberdade de expressão corrente nos tempos da ditadura civil -militar 192. Jacob Gorender, mesmo desenvolvendo sua produção fora da academia, abordagem talvez tenha marxista sido sobre o um dos maiores escravismo , representantes embora seja tardia da a publicação de seu livro, que se tornou referência . Em O escravismo colonial, de 1978, o autor delineia um amplo quadro para aquele contexto histórico, considerando, inclusive, a escravidão nas áreas mineradora s 193. Mesmo diante do curto período de intensa atividade, quando comparada à realidade agrícola, Jacob Gorender reconhece as particularidades da sociedade aurífera e as muitas problematizações dela decorrentes. A elevada concentração populacional, a flexibilidade de trânsito do cativ o e um considerável núm ero de libertos viabilizava m 191 MA IO , Mar c os C h or . O Pr oj et o U n es c o e a ag e nd a d as c i ê nc ias s oc ia i s n o B ras i l dos a n os 4 0 e 5 0. R e v is t a Br as i l eir a d e C iê nc ias Soc i a is . vo l .1 4, nº 4 1, p . 1 41 - 1 5 8, 19 9 9. 192 A pe n as em f in ais d a déc a da d e 1 9 70 o tr a b a lh o d e G i l ber t o Fre yr e p as s ou a s er re v is i t ad o , d es p id o de q u es t ões p o lí t ic o - i de o l óg ic as , es ta b el ec e n do pr of íc uos d iá l og os c om o s oc i ó l og o d e Per n am buc o. Des d e e n tã o, tr ab a l ho s em bas ad os em doc um en taç õ es ar qu i v ís t ic as e or i gi n a is tem am pli a do o e nt en d im en t o das r e laç õ es c ot i d ia n as e es c r a v i s tas c o ns id er a nd o o c a ti v o c om o ag e nt e h is t ór ic o ; c f . : M AT T O SO , Ká t ia M. de Q ue ir ós . S er e s c rav o n o Br as i l . 3. ed . Sã o Pa u lo : Br as il i e ns e , 20 0 1; C HA L HO U B , S id n e y. V is õ es d a l i b erd a d e : um a h is t ór i a d as u lt im as d éc ad as d a e s c r a v id ã o na c or te . S ão P a u lo : Com pa n h i a de B o ls o, 2 01 1 ; P AI V A , E du ar do Fr an ç a. Es c r av os e l ib er t os nas Mi n as G era is d o s éc u l o X VI II : es tr at é g ias d e r es is t ê nc ia a tr a v és d os t es t am ent os . 2 . ed . S ão P au l o: An n ab l um e, 19 9 5. 193 G O RE ND E R, J ac o b . O es c rav is mo c ol o n i a l . Sã o Pa u lo : Át ic a, 19 78 . P ar a o tra b al h o n a r e gi ã o m iner ad or a, es p ec ia l m ente : c a pí tu l o X X I: es c r av is mo n a m in er aç ã o . 11 6 um tipo de escravidão menos asfixiante em relação ao escravo do campo. S om ent e n o c am po o n e gro es t e ve s u bj ug ad o i n te ir am ent e à v on t ad e d o s en h or. [. . .] M i ner a dor , n egr o d e of íc io , er a a bem d i zer a ut ô nom o o tr a ba l h o d o es c r a vo . Nã o t e v e p ar a le l o em par t e a l g um a do p aís , em per í od o c om par á ve l , o n úm er o de es c r a v os q u e enc o ntr aram m odos e m an e i ras d e c om prar a a lf or r ia . A le n da d e Ch ic o - R e i, o r e i n e gro d e V i la R ic a , i lus tr a, p el o m en os , o s em - núm ero d e oc a s iõ es , q ue t in h am os es c r a v os , d e am e al h ar bo a s om a d e di n h eir o c om que es c a p ar 194 às a gr ur as d e s u a s or t e . Ressalta-se que, mesmo considerando Chico Rei no campo lendário, Jacob Gorender reconhece seu papel como exemplo da dinâmica que perpassava as relaç ões escravistas em Minas . Por inferência, estende as possibilidades de se obter vantagens na relação senhor-escravo estabelecida em território mineiro também a partir de combinados sexua l, como no caso de Chica da Silva . Aliás, uma consideração também pres ente no trabalho de Gilberto Freyre . Esse é, portanto, o cenário da produção historiográfica disponíve l à época em que os diretores produziram Xica da Silva e Chico Rei. A educação histórica recebida enquanto estudantes da formação básica nas décadas de 19 40/50 e em leituras posteriores, certamente colocaram Cacá Diegues e W alter Lima Jr . em contato, direto ou indireto, com as perspectivas políticas de Francisco Varnhagen; culturais de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda; e marxistas de Caio Prado Jr. e Jacob Gorender. Elementos dessa formação são perceptíveis nos filmes, como exemplifica o letreiro em que W alter Lima Júnior no qual indica as principais obras consulta das para a fundamentação histórica de Chico Rei, destacando-se O escravismo colonial Jacob Gorender. Ao conjunto de fontes, compost o por produções historiográficas, literárias, carnavalescas e musicais, soma m-se os registros iconográficos. Em relação às imagens com sentido histórico d estaca-se a produção iconográfica realizada entre o final do século XVIII e o final do século XIX. À parte as características contextuais próprias de cada 194 G O R E ND E R, J ac o b. O es c r av is mo .. . o p.c i t. , p. 4 28 . 11 7 período, as pinturas , como as realizadas por Jean Baptiste Debret 195 e Jean Moritz Rugendas 196, retratam cenas de paisagem e do cotidiano , consequentemente asp ectos da sociedade escravocrata . Essa iconografia se tornou uma importante referência para a conformação de imaginários sociais relativos ao escravismo e formação da sociedade brasileira. Funcionam, portanto, como importantes objetos de mediação cultural 197 que favorecem a circularidade do conhecimento histórico, já que são reproduzidas em larga escala em suportes como livros didáticos de história e filmes – alguns de grande sucesso de público, como Independência ou Morte (1972) 198. Todavia, a iconografia como fonte histórica precisa ser tomada com os mesmos cuidados inerentes às demais tipologias de fontes documentais, ou seja , [.. .] o u s o d a im ag e m , da ic o no gr af i a e das re pr es en taç õ es gr áf ic as p e l o his t ori a dor vem pr op ic i a nd o a apr es en t aç ã o d e tr a b al h os r e no v a do res e , t am bém i ns t i g an d o no v as ref lex õ es m etod o l óg ic as . [ .. .] é im por ta nt e s ub l i nh ar qu e a im ag em não es g o ta em s i m es m a. Is t o é, h á s em pre m uito m a is a s er apr e e nd i do , a lém da q u il o q ue é, n e la , da d o a l er o u a v er . P ar a o p es qu is a dor d a im ag em é n ec e s s ár io i r al ém d a d im ens ã o m ais v is í ve l o u m ais ex p líc it a d e la . H á lac u nas , s i lê nc i os e c ó d ig os qu e p rec is am s er d ec if ra dos , id e nt if ic a d os e c om pr e e nd i d os . N es s a p ers pec t i va a im a g em é um a es p éc i e de po nt e e ntr e a re a l id a de r etr at a da e ou tras re a l i da d es , e 195 B AN D EI R A, J ú l io ; L A G O , Pe dr o C orr e a. De bre t e o Br as i l: ob ra c om p l et a . R io d e J an e ir o: C a pi v ar a, 20 0 7. 196 RU G E N DA S , J o ha n n M or it z. V ia g e m p it or es c a a tr av és d o Br a s i l . 8 .e d . B el o Hor i zo n t e: I ta t ia i a, 19 79 . 197 P ar a o c onc e it o d e m edi aç ão c u l tur a l; G RUZ IN S K I, S er g e. O p e ns a m en t o mes t iç o . 1 2. e d. Sã o P au l o: C om pa n hi a d as Le tr as , 2 0 01 . 198 IND E P E ND ÊN CI A O U MO RT E . CO I M B RA .. . o p.c i t. A lém da ic on o graf ia o it oc e n tis t a, I n de p en dê nc i a o u m or te te v e no t ra b al h o d e Fr an c is c o V ar nh a ge n ou tr a im por ta n te f o nt e . La nç a do n o s es q u ic en t en ár i o da i nd e pe n dê nc i a, em pl e na d it ad ur a m il i tar , o f i l m e s e tor n ou ref e rê nc ia p ara um a l i n ha de p ens am en to go v er n am ent a l r e la t i v a aos f i lm es h is tó ric os por tr a ba l h ar tem as c aros a o nac i o na l is m o, c onf or m e ex em pl if ic a e l og i os o t e le gr am a d o pr es id e nt e ge n era l Em íl i o G ar r as t a zu M é d ic i e us ad o na pu b l ic id a de do f i lm e: B E RN AR D ET , J e an Cl a ud e . P ir a n ha n o ma r d e r os as . S ã o P au l o: N o be l , 1 9 8 2; p. 60 . P ara a n á lis es s obr e o f i lm e; c f .: F O N S EC A, V it ór i a A ze v ed o d a . H is t ór ia i ma g in a da e c i ne m a : an á l is e de C ar lo t a J o aq u i na : a pr i nc es a d o Br a zi l e I n de p en d ê nc i a ou Mor t e. 2 0 02 . Dis s er taç ã o ( m es tr a d o em His t ór ia) - I ns t i tu to de F i los of i a e C i ênc i as H um anas , Un i v ers id a de Es ta d ua l d e C am pi n as , C am p in as ; CO R D EI RO , J an a ín a M ar t ins . Le m br ar o p as s a d o, f es t e jar o pres e nt e : as c om em oraç õ es d o S e s qu ic e nt en ár i o d a In d ep e nd ê nc i a e ntr e c ons e ns o e c o ns e nt im ent o ( 1 97 2) . 20 1 2. T es e. (D ou t ora d o em His t óri a) – I ns t i tu t o d e Ci ê nc ias H um an as e Fi l os of i a ( IC HF), U n i v ers i d a de F ed er a l Fl um in ens e , Ni t er ó i . 11 8 ou tr os as s u nt os , s ej a no pa s s a d o, s ej a no pres e nt e. E é p or 199 is s o qu e e l a n ão s e es go t a em s i . Como assinalado, essa iconografia, em grande medida, funciona como imagens canônicas, cujas representações visuais terminam por influenciar outras formas de ex pressão, como a literatura, mas, especialmente, o carnaval e os filmes devido a sua característica plástica. Os cuidados metodológicos necessários à análise iconográfica e fílmica são relevantes para não se considerar uma representação cultural feita no sé culo XIX como sendo verdade histórica. Talvez, um dos exemplos mais significativo s do uso da iconografia oitocentista para representar o passado escravista tenha ocorrido na telenovela A Escrava Isaura. Adaptação do livro de Bernardo Guimarães feita por Gilberto Braga, com direção geral de Herval Rossano. A novela estreou em 1976 e constituindo-se um dos maiores sucessos da emissora Rede Globo, sendo exibida também no exterior. A ampla audiência torna ainda mais significativ o o sentido histórico construído a partir da abertura da novela , estruturada em uma sucessão de pinturas pintadas por Debret 200. A filmagem das gravuras recebeu pequenos efeitos, criando a ilusão de movimento das cenas retratadas. Infere-se que sua concepção era provocar a sensação de trânsito temporal, pelo qual o telespectador vivenci asse a experiência do mundo escravista ao assistir à história ilustrada passando à sua frente. A apropriação de elementos iconográficos para criar uma nova representação é um procedimento recorrente na produç ão audiovisual. Sobre o trabalho de pesquisa para ambientação histórica de Xica da Silva, Cacá Diegues afirmou que “muitas cenas são cópias fiéis dessas reproduções” 201. De fato, a operação é reconhecíve l em alguns planos 199 P AI V A , E d ua r d o Fr a nç a . H is tór i a e I ma g e ns . 2. e d. B el o Hor i zo nt e: A ut ê nt ic a, 20 0 6, p . 19 . 200 < h tt p: // ww w. yo u t u be . c om /wa tc h ? v = 4N Uhk S zF wJ M > Ac es s o em : 1 0 o ut . 20 1 3. 201 SI L V A, F er n an d o J os é D i as d a. X ic a d a S i l v a e do S uc es s o . J o rna l d a Tar d e , p. 2 4, 24 s e t. 1 97 6 . O te or d a d ec l araç ã o de C ac á D i eg u es , c orr ob or a o us o da ic on o graf ia c om o or i e nt aç ão p ara d ir eç ã o d e c e n a, c o nf orm e p od e s er v is to em O des c o br im e nt o d o Br a s i l , d e H um bert o M aur o ( 1 93 7) e I nd e pe n dê nc ia o u Mo rt e , de Car l os C o im br a ( 1 97 2) ; c f . : MO R ET T IN, E du ar do V ic tór i o . Hu m ber t o Ma uro , 11 9 dos filmes Xica da Silva e Chico Rei, tanto para aspectos da cenografia quanto de cena. Detalhes dessas pinturas , especialmente de Rugendas e Debret, como liteiras, móveis e instrumentos de castigo aos escravos , parecem ter inspirado a produção fílmica . Contudo, se destacam os planos que parecem a própria composição iconográfica, como a pintura Jantar brasileiro, de Debret, reproduzida na sequência da recepção oferecida pelo contratador ao governador Conde de Valadares, na Chácara da Palha (figura 8 e frame 2). Debret se preocupou em demonst rar uma cena do cotidiano de uma família abastada representada durante o jantar. A filmagem de Diegues mantém a leitura informativa de prestígio e poder em torno da mesa: fartura de alimentos, luxuosa mesa, presença de escravos , cativa com abanador para re frescar o ambiente , crianças negras em torno da mesa. Contudo, o diretor aproveita o motivo da tela para promover as inversões inerentes à história de Chica da Silva. Num primeiro momento, a ressignificação é cênica: quem alimenta delicadamente as criança s negras é o contratador. Na sequência, revela-se a transgressão da ordem social e política. Além da inversão dos papéis homem/mulher, a ex-escrava (que não está enquadrada no frame 2), depois de ter sido destratada pelo governador e convidados do festim, comparece com o rosto pintado de branco e debocha desafiadoramente da maior autoridade da capitania e dos convivas, assistindo -os degustarem o banquete , sabotado por ela momentos antes. Seu amásio assiste a tudo intrigado, submisso , embora ciente da gravidade e risco da postura da sua amante negra. c i ne m a. .. op .c it . ; FO NS E C A, V i tór i a A ze v ed o da . H is tó ri a i ma g in a da .. .. .. o p.c it .; CO R D EI RO , J a n aí n a Ma r t i ns . L e mbr ar o pa s s ad o .. . o p.c i t . 12 0 Fi gu ra 8 : Um j an t ar br as il e ir o ( J . B. De br et , 1 82 7) Fo nt e – B AN D EI R A, J ú li o ; LA G O , P e dr o C o rrê a d o ; C A R V AL HO , J os é M ur i l o de . De br et e o Br as i l : o br a c om pl et a, 18 1 6 - 1 83 1 . 3. e d. R i o d e J a ne ir o: Ca p i va ra , 20 0 9. Fra me 2: Pl a no do j a n tar d e rec e pç ã o a o g o v ern a d or ( X ic a da S i lv a, 1 9 76) 12 1 Em Chico Rei, o uso das fontes iconográficas também foi recorrente, haja vista identificações de pinturas em vários momentos: das condições do transporte de escravos , desembarque no Brasil, mercado nas vilas, festas religiosas negras. Das muitas possibilidades para análise, destaca-se o desenho de J.M.Rugendas: Negros no porão do n avio (figura 9). Produzido por volta de 1825, remete às condições às quais africanos escravizados eram submetidos na travessia atlântica: acorrentados, amontados no insalubre e mal iluminado porão do navio, sujeitos a doenças e mortes. De aspecto informativo, o trabalho foi ressignificad o, tornando-se uma imagem canônica pela qual se denuncia a crueld ade do sistema escravocrata 202. É habitual encontrá-la reproduzida em livros didáticos de história, onde também recebe como legenda o nome com o qual esse tipo de embarcação passou a ser denominad o: tumbeiro, em alusão ao risco de morte a que estavam sujeito s os cativos. Às vezes, na mesma sessão no livro escolar se reproduz trechos do poema Navio Negreiro, de Castro Alves, reforçando a condenação do escravismo . O significado político do desenho é, assim, revalidado no imaginário social. Como foi assinalado, W alter Lima Júnior subtitulou seu filme como uma história de liberdade , tornando compreensível o tom de denúncia que faz do escravismo; por consequência, o uso do porão de Jean Moritz Rugendas como inspiração para algumas sequências do navio negreiro. Embo ra não haja um plano geral do porão, a recriação do espaço e seus elementos de denúncia são facilmente perceptíveis em suas sequências, como o frame 3. 202 S eg u nd o es t u dos , o d es e n ho f o i f e it o, pr o v a v e lm ent e, e ntr e 1 82 5 - 28 , na Fra nç a. P os t er ior m e nt e l i to gr a f ad o, es s e s er v iu d e bas e p ar a um a vers ão a qu ar e la d a e ac a b ad a . As pés s im as c on d iç õ es n o tr a ns po rte de es c r a vos era u m dos arg um ent os de s oc i ed a d es a nt i es c r a v is t as qu e s ur gi am na E ur o pa a p art ir d e f in a is do s éc u lo X VI II , c om o a S oc i e ty for t h e A b o li t io n of S l av e Tr a de . Par ec e, p ort a nt o, um tem a qu e d es p er to u i nt er es s e a R u ge n das . Em bora o re g is tr o n ão s ej a s uf ic ie n te p ar a qu a l if ic á - lo c om o ab o l ic i o n is t a , s e u d es e n ho m un ic io u os def e ns or es d es s a c au s a , es p ec i alm e nt e n o Br a s i l, n os d e ba tes qu e s e i nt e ns if ic a ram n o d e c orr er do s éc u l o X IX ; D I EN ER , Pa b l o. O c at ál o go f u n dam en t ad o d a o br a d e J .M .R u ge n das e a lg um as i de i as p ar a a in t er pr e taç ã o d e s e us tra ba l h os s o br e o Br a s i l. Rev is ta US P , S ão Pa u l o, n .3 0 , p. 4 6 - 57 , j u n. /a g o. 1 9 96 . 12 2 Fi gu ra 9 – Ne gr os n o por ã o d o n av i o (J . M. R ug e nd as , c .1 8 25) Fo nt e – R UG EN D A S, J oh a nn M or it z. V i ag e m pi t ores c a a tr av és d o Br as i l . 8. ed . B el o H or i zo n te : It at i a i a, 1 9 79 . Fr a me 3 - Es c r a v as n o p or ão d o n a v i o ne gr e i ro ( C hic o R e i ) 12 3 Por todo o exposto, reconhece m-se, nas variadas produções narrativas sobre um determinado fato ou personagem histórico , sentidos que adquirem significado e s e ressignificam a partir do diálogo inerente às formas e suportes de representações. No caso de Chica da Silva e de Chico Rei, os múltiplos registros tornaram -se, muitas vezes, fontes para novas produções. Literatos, carnavalescos, historiadores, músicos, pintores, cineastas promove ram o intercâmbio desses registros, se apropriando das representações sobre os personagens e do contexto em que viveram para ressignificá -las. Por esse processo, por exemplo, foi possível representar a ex -escrava do Tejuco com autonomia psicológica e a lenda de Galanga/Chico Rei ganhou produzido nessas legitimidade histórica. A compreensão do sentido histórico representações depende do respeit o à natureza de cada produção. Por exemplo: salvo o projeto fílmico intencionar uma função didática, não se deve esperar do filme de gênero histórico uma abordagem escolar. Ou seja, a narrativa cinematográfica permanece como um trabalho de arte, cultura l e econômico, cabendo o ensino metodológico de conteúdos disciplinares aos professores de ofício. Isso não implica hierarquizar os saberes, mas procurar reconhecer o potencial problematizador nas abordagens de um tema histórico resultante do diálogo entre di versas representa ções. A complexidade da produção cinematográfica é potencializada quando se volta para temáticas históricas , sobretudo porque o cinema é profícuo ao usar outras produções artísticas e acadêmicas como lastro para seus argumentos. O filme t orna-se, assim, um mediador de comunicação de conhecimentos, que os “incorpora a um circuito de produção e perpetuação da memória” 203. Cacá Digues e W alter Lima Júnior leram o variado conjunto de representações sobre Xica da Silva e Chico Rei como cidadãos d a segunda metade da década de 1970 , reverberando nos roteiros fílmicos as demandas de seu tempo. Sob esse prisma, destaca-se a relevância em analisar a circularidade de conhecimento 203 e práticas culturais representadas, cujas MO R ET T IN, E d uar d o V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . o p.c i t. releituras 12 4 corroboram ou alteram determinado tema. o conhecimento histórico referente a um 12 5 CAPÍTULO 2: CINEMA E CONHECIMENTO HISTÓRICO 2.1. História do Cinema: a narrativa fílmica se apropria da História Pensar uma produção fílmica de gênero histórico como história pública tem pertinência, pois o filme se associa conhecimento histórico em uma produção à produção do coletiva com possível repercussão social. Entretanto, a linguagem cinematográfica tem suas particularidades, da mesma maneira que a pesquisa histórica lança mão de procedimentos inerentes ao ofício do historiador. Essas particularidades tensionam, muitas vezes, o diálogo entre o historiador e o cineasta e entre o filme exibido e o espectador. Nesse sentido, torna -se relevante compreender, mesmo primariamente, o desenvol vimento da narrativa cinematográfica e a apropriação da história como tema de roteiros. A proposta é pensar algumas relações entre a narrativa fílmica e temas históricos no filme de gênero histórico. desenvolvimento Não se trata de realizar um panorama do da linguagem cinematográfica que , em princípio, continuará a ocorrer enquanto se fizer cinema. Por isso, a década de 1920 foi estabelecida como limite para essa reflexão, pois foi o momento em que cinematógrafo já não era mais uma novidade e refletia-se sobre a narrativa do filme e a história de modo mais elaborado 204. Em 28 de dezembro de 1895, na cidade de Paris, os irmãos Luis e Auguste Lumière promoveram um evento cujas repercussões ultrapassariam as fronteiras francesas alcançando, em poucos anos, os 204 P ar a tr a b a lh os s o br e a nar ra t i va c i n em at ogr áf ic a ; c f .: G AU DR E AU LT , A ndr é ; J O ST , Fr a nç o is . A nar r at iv a c i n em at o gr áf i c a . Br as í l i a: E d .U N B, 2 0 09 . 12 6 demais continentes. Naquele dia, as trinta e três pessoas presentes no Grand Café pagaram o elevado valor de um franco pelo ingresso para assistirem à bem-sucedida exibição de filmes realizados pelos irmãos Lumière, constituindo-se, assim, naquele que é cons iderado o primeiro público de cinema 205. Apesar deste evento ser assinalado como marco inaugural do cinema, há alguns questionamentos 206. Logo filmagens e projeções em outras cidades se popularizavam. No Brasil, atribui -se a Afonso Segreto, italiano residente no país, a autoria do primeiro filme nacional. Es sa relação se deve aos negócios da família Segreto, cujo irmão, Paschoal, atuava no ramo de jogos e diversões. Paschoal inaugurou na capital o Salão de Novidades Paris no Rio, configurando-se como o maior p rodutor e exibidor de filmes no final do século XIX e primeira década do século XX no Brasil 207. Trabalhando na empresa da família, o caçula Afonso se voltou para o setor de filmes. Em 1898, viajou para Nova Iorque para comprar fitas, seguindo, depois, à Fra nça, onde estagiou na Pathé Filmes. Ao retornar, trouxe em sua bagagem um cinematógrafo Lumière . Em 19 de julho de 1898, ainda a bordo do navio, filmou os fortes da baía de Guanabara, naquela que é considerada a primeira filmagem feita no 205 S o bre a ex i b iç ã o pr o m ovi d a pe l os irm ãos L um ièr e e o c r es c im e nt o des s a pr át ic a por e n tr e os c af és p ar is i e ns es , at é o es t ab e l ec im e nt o das pr i m eiras s a l as d e c i nem a; J E AN CO L A S , J ea n - Pi err e. Nas c im en t o e d es e n v o l vim e nt o d a s a l a d e c i nem a. I n. : Rev is t a O O l h o d a H is t ór ia , S a l v ad or , an o 1 0 , n. 6, j u l . 20 0 4, p . 17 - 1 9. 206 His tor i a dor es d o c in e m a têm as s in al a d o im prec is õ es em s e tra b a lh ar c om um a da t a in a ug ur a l par a o c i n em a, c f .: B E RN AD ET T , J e a n - C l a u de . H is t or io gr af i a c l ás s ic a do c i ne m a b r as il e ir o. 3. e d. Sã o P a u lo : A n n ab l um e, 1 9 95 ; CO ST A , Fl á v i a Ces ar i no . Pr im eir o c i n em a. I n. : M A S C AR E L L O , F ern a nd o . (O r g.) Hi s tór i a d o c i ne m a mu n d ia l . 3. e d. C am pi n as : Pa p ir us , 2 0 08 . 207 Pas c h oa l S egr e to , “ e m 31 de j u l h o d e 1 89 7, em s oc ie d ad e c om Cu nh a Sa l es , f un da n a pr i v i le g i ad a r ua d o O u v i d or o S a lã o de Nov i d ad es P ar is n o R i o , a p rim e ira s a la ‘f ix a ’ de ex ib iç ã o c i nem at og ráf ic a d o p aís . C om o ex t ra or di n ár io s uc es s o d e pú b l ic o do Sa l ão , o c i nem a s er i a a m en i na dos o l h os de Pas c h o a l, in v es t im en t o no qu a l ap os t ar i a a n tes qu e qu a l qu er ou tr o aq u i. [. .. ] Em rel aç ã o às s es s ões d e c i nem a, s eu dif er e n c i al es t a v a ex at am ent e n a ex i b iç ã o , j un to c om as f ita s es tr a ng e ir as , d as f il m agens loc a is d e Af ons o , ab or da n d o t em as qu e es c o lh i a c u id a dos am en te . Em 1 90 0, os irm ã os m on t am u m es tú di o ‘ p ara f i lm ag em de at u al i d ad es ’ e um la bor a tór i o, o p rim e iro de qu e s e t em no tíc i a n a c i d ad e , m ante n do- s e a em pr e s a at é 1 9 07 c om o o ú n ic o ex i b i dor e pr o du t or de c i nem a reg u l ar n a c ap i ta l e no pa ís . D e 1 89 8 a 19 0 1, re a l i za c erc a de 60 f i tas , q ue po d erí am os r es um ir c om o f itas q ue r e gi s tram os ri tu a is d o po d er e s eus pers o n ag e ns ” ; MO U R A, Ro b ert o. S EG R E T O , Pas c ho a l. In .: RA MO S , Fer n ão ; MI R AN D A, L u i z F e l ip e. E nc ic l op é di a d o c i ne m a br as i l e ir o . 2 . e d. S ã o P au l o: Ed . S EN A C, 2 0 0 4. p .5 0 3 - 4 . 12 7 país 208. Contudo, inexistem registros da exibição pública des se filme de Segreto, mesmo sendo seu irmão o proprietário de um espaço de exibição de filmes 209. Pesquisas recentes indicam que , em 1897, já haviam sido registrados filmes no país, como Maxixe, realizado por Vitor d i Maio 210. Independentemente da legitimidade da certidão de nascimento quanto à invenção do cinema ou, mesmo, quanto à autoria dos primeiros filmes produzido no Brasil, pode -se inferir o impacto provocado pelas primeiras projeções fílmicas. Os primeiros fil mes apresentavam cenas do cotidiano, sobressaindo -se a intenção de registrar o acontecimento com imagens em movimento. Em função dos recursos técnicos disponíveis as filmagens eram curtas, geralmente com a câmera fixa capturando, por meio de plano panorâmi co, pessoas em suas atividades rotineiras. As projeções dos irmãos Lumière ilustram o gênero fílmico des se primeiro cinema. Seus filmes – por exemplo, A saída dos trabalhadores da fábrica e A chegada do trem à estação 211 reverberaram em filmes 208 B E RN A D ET T , J ea n- Cl a ud e . H is to ri o gr af i a ... o p.c i t. , p. 2 9- 3 0; M O UR A , R o b ert o. S EG RET O , Af ons o . In .: R A MO S, Fer n ã o; M IR AN D A, L u i z Fe l i pe . E nc ic lo p éd i a d o c i ne m a br as i l e ir o. .. op . c it . , p . 50 2 . 209 J e an- C l au d e B er n ar d et r es s a l v a qu e os pr im eir os h is t or i ad or es do c in em a n ã o eram v er s ad os na m e to d ol o g ia d a p es qu is a h is t ór ic a e , p or is s o, po d em ter s id o i ng ê nu os ao v a li d ar i nf or m aç õ es q u e a tr i bu em a Af o ns o S e gr et o a a ut or ia d o pr im eir o f i lm e br as i l e i r o. J e a n - C l a ud e B er n ard e t pro b l em ati za , p or ex em plo , d e os f atos d as i nf or m aç õ es d a f i lm ag em ter em s i do d i v u lg a das n a im pr ens a p e la pr ó pr ia f am íli a S eg r e to , c om i nt u it o d e pro p ag a nd a par a s e us n eg óc ios . E a i nd a, q u e n em m esm o a f i lm agem é c er t a de ter oc orr i do , j á q u e Af ons o po d er ia ter m ir ad o a b aí a de G u a na b ar a a p en as p el o v is or do c i n e m ató gr af o, s em f ilm e de ntr o da m áqu i n a. O u, a in d a, qu es ti o na a c a p ac i d ad e de f i lm a r de S egr e to , j á qu e a t éc n ic a rec ém apr e n di d a po r el e n a E ur o p a d i z r es p e it o à s c o nd iç õ es de lum i n os id a de b as t a nt e d is t i nt a da luz n at ur a l d os t róp ic os ; BE R NA D E T , J ea n - Cl a ud e . His t ori o gr af i a. .. op .c it . , p .2 9- 33 . 210 SI MI S , A n it a . Es ta d o e C in e ma no Br as i l. 2. ed . S ã o P a u lo : A n na b l um e, 2 00 8, p. 1 9. O utr a r e i v in d ic a ç ão d e p a ter n i da d e d o c in em a br as i le ir o f o i f e it a p or J os é Ro b ert Cu n ha S a l es , ex - s óc i o de P as c ho a l S egr e to , q u e t er i a t i rad o “f o t ogr af i as v i v as ” n a ba ía d e G u a na b ar a, em 27 d e no v em bro de 18 9 7; SO UZ A, J os é I n ác i o de Me l o. D es c ob er to o p r im eir o f i lm e br as i le ir o. I n. : Rev is ta U S P , S ão Pa u lo , n .1 9, s et ./ o ut. / no v . d e 1 99 3, p .1 7 1. 211 No f i lm e A s aí d a do s tr a b a lh a dor es d a f á br ic a , os tr a ba l h ad or e s s ão f i lm ad os de ix a nd o s e u t ur no a tr a v és d os p or tõ es . I n ic i a lm en te , as m ul he res pas s am pe l a c âm era, m as a os p o uc os hom e ns pre e nc hem o q u adr o , t am bém i n v ad i d o por al g uns c ac h orr os . O s tr a b al h ad or es s eg u em em s ua m ai or ia a p é, m as b ic ic le t as , c a va l os e c arr u a ge ns s ão v is t os c om o m ei o d e tr a n s por t e. J á o f ilm e A c he g ad a do tr em à es t aç ão é f r e q u en tem en t e ac l am ad o na h is tór i a do c i n em a c om o o pr im eir o f i lm e rea l i za d o . S obr e e l e, é c or r en te a l e n da q u e es p ec ta d ores d e ix ar am o es p aç o d a proj eç ão em pâ n ic o qu an d o a im ag em d a l oc om oti v a s ur g i a em d ia go n a l na t e l a. 12 8 realizados por outras pessoas, inclusive em outros países. No Brasil, essa estrutura dos planos e o aspecto testemunhal parecem se repetir na descrição do filme (ainda que sem registro de exibição), realizado por Afonso Segreto, dos Fortes da baía de Guanabara. A disseminação do filmar levou à variação dos registros, que passaram políticas a e, captar também cenas de famílias gradativamente, temas recreativos e e personalidades artísticos. Essa tendência foi seguida nas produções fílmicas, como é atestado pelos títulos das produções dos irmãos Segreto entre 1898 -1901. Es s es f ilm es s e c o ns t i tu íam de f i tas d e c ur ta dur aç ão , c om pos t os de p l a nos a ut ô nom os , qu e a bor d a vam , i nic i a lm ent e , os r it u a is e os re pr es e n t an t es d o p o de r, ger a lm en te a p ar iç õ es d os pr es i d en t es da R ep ú bl ic a , e o m ovim en t o d as tr op as , n i t id am en te f a ze n do p art e da p o lí t ic a de bo a v i zi n h anç a q ue P as c h o a l p os s u í a c om as el it es d o pa ís , [. .. ] o u q ue doc u m enta v am part es e at i v i da d es p it or es c as da c i d ad e . [ .. .] Pr o g res s i vam en t e s u rg em f it as qu e ti n h am c om o tem a es p e t ác u l os ar tís t ic os , c ôm ic os , c or eo gr áf ic os o u 212 m us ic a is . Em fins do século XIX, a euforia em torno do progresso e da tecnologia, que empolgava a população dos grandes centros urbanos, parece ter encontrado no cinema um digno representante. No entanto, o cinema também encontrou resistências quanto ao seu valor como produção artística de qualidade, especialmente entre intelectuais. O poeta brasileiro Olavo Bilac, por exemplo, se manifestou na Revista Kosmos, em 1906, criticamente à difusão do cinema pelas ruas do Rio de Janeiro e à qualidade do espetáculo . J á há n a A v en i d a C e ntr a l qu a tro o u c i nc o c i nem at ó graf os ; e, a lém das c as as e s pec i a lm ent e d es ti n a das pa ra es s es es p e tác u los , j á a m an i a c in em at og ráf ic a i n va d iu t od os os te atr os e t om ou c o nt a de t o das as p ar e des e d e a n da im es em qu e é p os s í ve l es t ir ar um vas to q ua dr ad o de pa n o br a nc o [. .. ]. E d aq u i a p o uc o , n ão p od er em os dar um p as s o pe l a c i da d e, s em enc on tr ar d i a nt e dos o l hos um d es s e s l enç ó is a l vos em qu e as c e n as d a v i da h um ana a p arec e m def orm adas pe l o tr em or c o n vu ls i v o d a f it a, e on d e as f i gur a s de h om ens e de m ulh er es ap ar ec em at ac ad as d e d e lir i u m - tr e m ens o u d e 213 c or e i a, num a tr ep i daç ão ep i l ét ic a . 212 213 MO UR A , R ob er t o . Af o ns o Se gr et o .. .o p.c i t. , p. 5 02 . B I L AC , O l a vo , a pu d B ER N AD ET , J e a n - C l au de . H is t or i ogr af i a. .. op .c i t. , p. 7 5. 12 9 Não obstante as críticas feitas, sobretudo, por artistas e intelectuais, quanto à qualidade das apresenta ções fílmicas, esse mesmo grupo foi essencial para requalificar o trabalho cinematográfico e seu prestígio social. Ao acompanhar o desenvolvimento da crítica cinematográfica francesa a partir de revistas especializadas, João Cunha 214 destaca o papel de Ricci otto Canudo e a publicação do Manifesto das Sete Artes (1911), no qual reivindica o cinema como sétima arte – aposto que passou a designá -lo 215. A arte cinematográfica se estabelece também na profissionalização, considerando a definição do crítico Luis Dellu c de que o cineasta era o “[...] artista que se expressasse por imagens” 216. Na década de 1920, as revistas que falavam sobre o cinema já o consideravam estabelecido como uma expressão artística válida e moderna. Contudo, o aprimoramento das técnicas e da l inguagem trazia outras questões internas ao seu desenvolvimento. Os filmes produzidos durante a primeira década da história cinematográfica são classificados como cinema de atrações 217. Esses filmes são caracterizados por uma narrativa que supervalorizava o plano, autônomo em relação à história. Conforme a ideia do cinema de atração, cada plano filmado visava destacar um elemento visual, despertando a atenção do espectador ao aspecto maravilhoso da própria imagem em movimento. Por isso, ao assistir a esses fi lmes décadas depois, tem -se a sensação de uma narrativa 214 fragmentada e descontínua, sem precisão temporal 218. CU NH A , J o ã o M a no e l dos S a nt os . Av a nt - g a rde , l it er at ur a e c i n em a. In .: R ev is t a O O lh o d a H is t ór i a , S a l v ad or , an o 1 0, n. 6, j u l .2 0 04 , p. 2 4 - 32 . 215 Par a a d is c us s ã o s o br e o c i n em a c om o s ét im a art e ; X A VI E R, I s m ail . S ét i ma art e: um c u lt o m o der n o - o i d ea l is m o es té t ic o e o c in em a. S ã o Pa u lo : P ers p ec ti v a , 19 7 8. 216 C UN H A , J o ã o Ma n oe l d os S a nt os . Av a n t - g a rde .. . op .c it . , p .2 5 . 217 O c ham ad o pr im eir o c i n em a pos s u i um a d im ens ão de c i ne ma de atr aç ões , c onf orm e c h am ou o h is t or ia d or T om G u n n in g. P ara o a ut or , o o bj e ti v o d es s e c i nem a er a m en os n ar r ar e m ais m ar a v il har , c h am ar a a t e nç ão , at e nd e nd o as ex p ec ta t i vas do p úb l i c o q u e f req u en t a va as f e iras e p ar qu es . Nes s e s e nt i d o, de pr e en d e- s e o as pe c to tes t em unh a l dos f ilm es d es s e per í od o. Cf .: G UN NI NG , T om . T he c i nem a of at tr ac t i ons : ea rl y f i l m , its s pec t at or an d a v an t - gar d e. I n. : E L SA E S S E R, T . ( O r g) . E ar ly c i ne m a: s p ac e - f ram e- narr a ti v e . L o nd res : Br i t is h Fi lm Ins t it ut e, 1 9 90 ; G U N N ING , T om . E ar l y am er ic an f i lm . In .: HI L L, J .; G I B SO N , P. C. Th e O x fo r d g u i de t o fi l m s t ud i es . O x f or d/ No v a I orq u e: O s f or d Un i v ers it y Pre es , 19 9 8; CO ST A , F lá v i a Ce s ar i no . Pr i me ir o c i n em a .. . op .c it . 218 P ar a es c l ar ec im ent o d as pr inc i pa is c ar a c ter ís t ic as téc n ic as e n arra t i v as d o pr im e ir o c i ne m a ( 1 89 5 - 19 1 5) ; c f .: C O ST A, F l á v ia C es ar in o. Pr im eir o c i nem a, o p .c it. 13 0 Contudo, o início do século XX foi também, um período de experimentos, destacando -se aqueles relacionados à organização dos planos temáticos, mesmo p orque, cada vez mais, tornava -se comum o uso de multiplanos nos filmes. Pouco mais de uma década das primeiras filmagens, [.. .] em 190 7 , a m a ior i a d os f i lm es j á proc ur a va c on t ar h is t ór ia . [. .. ] As his t ór i as er am im puls io n ad a s por p ers on a ge ns do t ad os de v o n t ad es , m as os es p e c ta d ores t i nh am d if ic ul d ad es p ar a v is ua l i za r m ot i v aç õ es e s en t im ent os . A lém d is s o , o p ú b lic o n ã o c ons e gu i a en te n d er c la ram en t e as r e laç õ es es pac i a is e t em por ais en tr e os p l a nos . O p erí o do de tr a ns iç ã o , e ntr e 19 0 7 - 19 1 3/ 1 5, v erá o d es en v o l v im ent o das téc n ic as d e f i lm ag em , at u aç ã o, i l um in aç ão , en q ua dr am en to e nar r a t i vas . C om at u aç õ es m en os af et a d as e o us o m a is f r eq ue nt e d e i n ter tí t u los , s ã o c ri ad os p ers o n a ge ns m ais v er os s ím eis , m ais pró x im os d a l i te ra tur a e do t e atr o r e a l is t as do qu e os p er s o na g en s his tr iô n ic os do c in e m a de atr aç ões . O us o m ais f re qu e nt e d a m ont ag em e a dim i nu iç ã o da d is t ânc i a en tr e a c âm era e os a tor es dif ere nc i am o pe río d o d e tr a ns iç ã o 219 do c in em a de atr aç õ es . É certo que a montagem de planos já existia e era uma preocupação dos cineastas, como exemplificam os filmes de Georges Méliès desde os primeiros anos do cinema. Do mesmo modo, os temas históricos já inspiravam a produção de filmes durante o chamado primeiro cinema 220. Todavia, foi a partir da década de 1910 que passaram a ser frequentemente trabalhados por cineastas. Muitas das estruturas narrativas fílmicas , então, desenvolvidas, como a montagem paralela 221, permanecem atuais e correntes na filmografia contemporânea, ressalvando -se que o processo de renovações de linguagens e técnicas permanece. Nessa década, a apropriação da História para a narrativa fílmica também se estabelece e se consolida. O diretor norte -americano David 219 C UN HA , J o ã o Ma n oe l d os S a nt os . Av a n t - g a rde .. . o p.c i t. , p. 4 1. A nt es de 1 91 0, h á os f i l ms d ’a r t (Fr anç a ) c om o O as s as s in a t o d o du q u e d e G u is e (1 9 0 8) , d e A nd r é Ca lm et tes , e a pro duç ã o it a l ia n a qu e c u lm in a em Ca bír i a (19 1 4), de G io v a n i P a s tr o n e. 221 A nar r a ti v a f í lm ic a d es c r e v e du as o u m ais aç õ es de f orm a a p a rec e r q u e e l as ac o n tec em ao m esm o tem po: “s eq u ê nc i a e /o u c e n as d if er en tes in terc a l ad as n o m esm o f lux o n ar r at i v o , ger a lm en te c ulm i na n do na c on v er gê nc i a de aç õ es / es p aç os ”; NA P O L IT AN O , Mar c o s . C om o us ar o c in e ma n a s a l a d e au l a. 4. ed . Sã o P au l o: Co nt ex to , 2 00 8, p. 22 9 . 220 13 1 W .Griffith é frequentemente lembrado nesse quesito 222. Em 1915, ele lançou o seu mais conhecido trabalho: O nascimento de uma nação, cuja história se desenrola durante a guerra civil americana. Abordar a constituição dos EUA como nação explica, em parte, o grande sucesso alcançado junto ao público. Entretanto, acredita -se que a maior força do filme decorre da maneira como o diretor construiu sua narrativa. Os críticos do período reconheceram essas características e produziram textos que ajudaram a construir o trabalho de Griffith como marco para a narrativa cinematográfica. Contudo, [.. .] h á m ui tos a n os , os es t ud os c i nem at o g ráf ic os qu es t i o nam es t a le n da . Só n o Bra s i l, au t ores c om o Is m a il X a v ie r e Ar l in d o Mac h ad o d eram ex pr es s i vas c o ntr i bu iç õ es par a a dis c us s ã o de q ue G r if f it h nã o f o i o pr im eir o a us ar e n q ua dr am ent os m ais f ec h ad os nos s e us at ores ( c l os e- up , pl a no am eric a no , p l a no m édi o) o u m on ta g em par a l e la . P or o utr o l a do , m u it os d es s es tex tos d ef e nd em tam bém a i de i a d e q u e a c on tr ib u iç ão d e G r if f it h f o i d ec is i va par a q ue es tes rec ur s os de l i n gu a gem f os s em s is t em ati za d os e m e lh or c om pre e n di d os pelo 223 pú b l ic o . Charles Chaplin é outro exemplo de diretor que frequentemente se apropriou da temática histórica em seus filmes. Ao menos três de seus títulos abordam temas da história do tempo presente, sendo os filmes uma crônica crítica dos acontecimentos: Shoulder Arms (1918), Tempos Modernos (1936) e O Grande Ditador (1940) 224. Desses, Shoulder Arms (traduzido no Brasil como Carlitos na Trincheira ) exemplifica o desenvolvimento da narrativa cinematográfica tematizada pela História em meados da década de 1910. M antendo seu já consolidado estilo em fazer comédia, o filme conta a história do recruta 222 X A VI ER , Is m a il . D . W . G riff it h , o nas c i me nt o de u m c i n em a . S ão P au l o: Br as il i e ns e , 1 98 4. 223 V A L E, M ar c os . 1 00 an os d e um a f orm a d e c on ta r h is tó ri as . I n. : R ev is t a L aik a , S ão Pa u l o, v. 1, n . 1, j u l. 2 01 2 , p. 2. 224 O G ra nd e Di t ad or c o m eç ou a s er f ilm ad o e m 193 7 c om o um a c rí t ic a a o go v er no de H i t ler . Q u a nd o la nç a d o, em m eio a os horr or es d a S eg u n d a G ra n de G uer ra Mu n d ia l , s e t or n o u u m a im por ta nt e pr o pa g an d a a nt i na zi s ta . Te mp os Mo de rn os , o ú lt im o f i lm e s i l e nc i o s o do d ir et or , ab or da o m om ento p ós - c ris e de 1 9 29 , de n unc i a nd o a v u ln e r ab i l i da d e dos tr a ba l ha d or es d i a nt e do d es em pr eg o e da ex p l or aç ã o p atr o n al . Há am pl a pr od uç ão s o br e o c i n eas t a C har l e s Ch ap l i n. En tr e as q u e s e vo l tam par a as p ec tos d a s u a c onc epç ã o de c in em a; c f . : B AZ IN , A n dre . Ch ar l i e Ch a pl i n. R i o d e J an e ir o: J or ge Za h ar , 2 00 6 ; EI S EN ST EI N, S er g ei ; B LE I M AN N, M ic ha e l; KO Z INT S E V , G r ig or i. ( O r gs ) . E l ar t e d e Ch ar les C h a pl i n . B ue n os Ai res : E d ic io n es Los a ng e , c 19 5 6. 13 2 Carlitos (interpretado por Chaplin) que, em sonho, se torna um herói da Primeira Grande Guerra Mundial. Por meio de situações extraordinárias e risíveis, o diretor tece críticas aos conflitos que se arrastavam pelas trincheiras abertas na Europa desde 1914, tornando -se um cronista que usa o cinema para narrar a história do seu tempo. Temas históricos eram elaborados pelos cineastas de modo a promover a reflexão. Ultra passava -se o registro do acontecimento pela câmara, com intenção documental. A história, seja por um tema do passado ou do exemplificado, tempo presente, respectivamente, podia pelos filmes ser de abordada David como Griffith e Charles Chaplin. Na década de 1920, a percepção da imagem como valor da verdade, conforme assinalou Boleslas Matuszewski em 1898 225, também foi colocada em discussão. Conforme visto, Lev Kulechov, Dziga Vertov e Sergei Eisenstein se destacaram como referências no debate. Os cineastas russos usaram o cinema como forma de contribuírem para o projeto político e ideológico bolchevique , da guerra civil à consolidação do novo governo. Em síntese, chamavam atenção para a intencionalidade da produção fílmica. Para o grupo, o processo de corte, edição e montagem consolidava o posicionamento autoral e seletivo iniciado com a captura de imagens pelo cineasta 226. Todo esse processo de escolhas e controle possui relação direta com a estrutura narrativa estabelecida pelo diretor. Outras discussões rele vantes para a linguagem do cinema prosseguiram àqueles anos, como a sonorização dos filmes, suas questões técnicas e artísticas 227. Contudo, considera -se que os princípios fundadores da linguagem narrativa, a intencionalidade da imagem e a relação do filme c om a História se alicerçam nesse 225 “O c i nem at óg r af o n ã o dá t a l ve z a his t ór ia i nt e gr al , m as pe l o m en os o q u e el e f orn ec e é i nc on tes t á v e l e d e um a v er d ad e a bs o l ut a” ; M AT US Z EW SKI ap u d KO RN I S, M ô n ic a Alm e id a. H is tó ri a e c in em a: um de ba t e m etod o l óg ic o. R ev is t a d e Es t u dos H is t ór ic os : F G V , Ri o d e J a n eir o , v o l. 5, n . 1 0, 1 9 92 , p. 24 0. 226 Cf .: EI S EN ST E IN , S er ge i . A for m a . . . o p .c it. ; A UM O NT , J ac qu es . As te or ias .. . op .c it ; S AR A I V A, Le a ndr o. Mo n ta g e m s ov ié t ic a .. .. o p.c i t. 227 Atr i bu i- s e ao O C a n tor de J a z z, de 1 92 7 , o pr im e iro f ilm e s o nor o . O s a nos s eg u i nt es f or am de a pr im or am ent o t éc n ic o e a da pt aç ã o p ar a a no v a t ec n o lo g i a e l in g ua g em do c in em a. 13 3 período. É verdade que nos anos seguintes continuou a ser repensada e transformada, mas as bases foram ali estabelecidas. Para os filmes que se sustentam em temáticas históricas, a estrutura narrativa é crucial. A credibili dade ou a invalidação são sentenças possíveis de uma avaliação quase sempre presente às análises desse tipo de filme. Algo que pode ser entendido como uma armadilha, como alerta Marcos Napolitano, para a análise dos filmes de – a polaridade: gênero histórico ou “objetivista”, que procura o testemunho da história nas imagens e na sonoridade; ou “subjetivista”, não apreensível para o conhecimento histórico por estar no campo artístico. A q u es t ã o, no en t an t o, é p erc eb er as f o n t es a u di o v is ua is e m us ic a is em s u as es tru tu ras i nt er nas d e l i ng u ag em e s e us m ec an is m os de re pr e s en t aç ã o d a re a li d a de , a p art ir d e s e us c ód i g os in t ern os . [ .. . ] N os s a pers p ec t i v a a po nt a p ar a um c onj u nt o d e p os s ib i l i da d es m eto do l ó g ic as pa ut a das [. ..] n a nec es s i da d e de ar t ic u lar a l i n gu a gem t é c n ic o - es t é t ic a d as f ont es a ud i o v is ua is e m us ic a is ( o u s ej a , s e u s c ó d ig os i nt er n os de f unc i on am en to ) e as re pr es en taç õ es da rea l i d ad e his t ór ic a ou s oc ia l n el a c on t id as (o u s ej a , o s e u “c on t eú d o” n arr at i v o 228 pr o pr i am ent e d i to) . A fim de extrapolar a leitur a fílmica para além do falacioso ângulo dicotômico objetividade/subjetividade, para explorá -lo a partir da análise interna, retoma -se a problemática sobre a narrativa histórica levantada por Paul Ricouer 229. Ao trasladar as considerações feitas pelo autor quanto à escrita da história, caracterizada pela quase ficção e quase realidade, ao campo cinematográfico, considera m-se os filmes Xica da Silva e Chico Rei como objetos emblemáticos para o estabelecimento da reflexão acerca das construções narrativas entre a ficção/história. No capítulo 3 (Xica da Silva e Chico Rei: análise fílmica) desta pormenorizados. tese, Por aspectos hora, relativos valem a alguns esse processo comentários serão quanto à narrativa cinematográfica/histórica estabelecida nesses títulos f ílmicos. Ambas as películas desenvolvem suas narrativas a partir de um personagem-título e também carregam semelhanças: Chica da Silva e 228 229 N A PO LIT A NO , Ma r c o s . F o nt es A u di o v is ua is ... op .c it . , p .2 3 7. RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it . 13 4 Chico Rei foram escravos da região mineradora durante o século XVIII e obtiveram a alforria. Contudo, é preciso destac ar que a ex-escrava, de fato, viveu no arraial do Tejuco e foi amásia do contratador dos diamantes. Em contrapartida, inexiste documentação que comprove a materialidade de vida de Chico Rei. Portanto, em uma análise mais apressada, poder-se-ia considerar o filme de Cacá Diegues sob a perspectiva do seu realismo histórico, enquanto o filme sobre a lenda de Chico Rei perderia sua objetividade histórica por se tratar de uma representação da imaginação popular. Estabelecer uma narrativa cinematográfica a partir de um personagem, quase uma cinebiografia, é recorrente em filmes sobre temas históricos. Sob essa perspectiva, conforme observa Nathalie Zemon Davis, o filme pode revelar estruturas, códigos sociais e conflitos, passíveis da análise histórica 230. Assim, considera-se essa possibilidade descortinadora de relações sociais e suas implicações a partir da análise fílmica, como observado por Nathalie Zemon Davis, mais relevante do que reduzir Xica da Silva ou Chico Rei ao campo da polaridade objetividade/subjetivi dade. Nesse ponto reside outra proximidade entre os filmes. Ambos estabelecem representações sobre o século XVIII mineiro, caracterizado por uma sociedade escravocrata, cuja economia principal girava em torno da exploração aurífera e de pedras preciosas. Como visto no primeiro capítulo, as fontes para a criação dos personagens título foram variadas, porém sem diálogos com a inexistente, naquele momento, produção acadêmica sobre ambos. Não obstante, Xica da Silva e Chico Rei são narrativas ficcionais calca das em uma realidade histórica conhecida, ou seja, objeto da produção da pesquisa em História. Nesse sentido, o potencial dessas películas para o conhecimento histórico ultrapassa a personalização dos alforriados Francisca da Silva e Chico Rei. E, acredita -se, problematizar o diálogo 230 “Na f or m a h a bi t ua l d a H is tó ri a , o f i lm e p o de rec o nt ar o pas s a d o no m o do d e b io gr af i a h is t ór ic a e ‘m ic r o - h is tór i a ’. [ .. .] N as s uas ‘m ic r o - his tór i as ’, os f i lm es po d em r e ve l ar as es tr ut ur as s oc i a is e os c ó d ig os s oc ia is em um d et erm in a do t em po e lu g ar, f o n tes e f or m as d e a l ia nç a e c o nf l i to , e a te ns ão e ntr e o tr a d ic i o na l e o no v o” ; D A VI S , N a ta l i e Z em on. S l av es o n s c ree n : f i lm an d h i s tor ic a l vis i o ns . Cam br id g e: H ar v ar d U n i ver s i t y Pr es s , 20 0 0, p. 6. T ra duç ã o l i vr e. 13 5 entre suas narrativas fílmicas e a narrativa histórica é o caminho para compreender seus significados. Dimensiona-se que, desde o início, essas películas revelam a preocupação em produzir significado histórico. Ambas recorrem a uma prática comum em filmes com temporalidades distintas de sua produção, sobremaneira os de gênero histórico. Trata -se do recurso de apresentar, logo na abertura, informações sobre o período em que se desenvolverá o filme. A estratégia foi usada de forma similar pelos diretores: uma cartela informativa, cujas legendas são complementadas pelas falas dos atores, explica didaticamente o contexto histórico em que a narrativa se desenvolve. Fra me 4 – Ca r t e la d e ab er tur a , p la n o de X ic a d a S i lv a ( X ic a da Si l v a , 1 9 76) O plano de abertura em Xica da Silva traz a fotografia de campos escarpados da região diamantina mineira. Um letreiro apresenta a demarcação espaço -temporal da história que , embora não especifique o ano, situa o espectador na segunda metade do século XVIII (frame 4). Houve o cuidado de denominar como o Arraial do Tejuco é 13 6 atualmente conhecido: cidade de Diamantina. Os planos seguintes complementam as informações do letreiro de que se trata de uma região de extração aurífera e diamantífera, sendo que es sa produção visava enriquecer a Coroa Portuguesa . A sequência inicial apresenta dois momentos. No mesmo cenário de campo aberto, o primeiro momento apresenta três brancos tocando música, enquanto alguns escravos negros seguram suas partituras e observam. Terminada a prática, o diálogo estabelecido entre a dupl a de músicos e o forasteiro, que logo se revelará ser João Fernandes, o novo contratador dos diamantes (interpretado por W almor Chagas), explica a riqueza da sociedade diamantina, ao mesmo tempo em que os músicos criticam a postura dos administradores e da Coroa em ignorar a pobreza do povo, extorquindo -o cada vez mais e restringindo sua sobrevivência 231. Nesse ínterim, estabelece-se o segundo momento quando um grupo de negros cerca ameaçadoramente o contratador. Em meio à tensão, o diálogo segue a direção d a conversa já estabelecida, ou seja, uma crítica ao sistema colonial que explorava duramente o povo de Minas. O líder negro, Teodoro (interpretado por Marcus Vinícius ), explica a João Fernandes como se encontram os diamantes, reforçando a crítica de que qu em usufrui da riqueza não sabe como extraí -la. Comparado ao trabalho de Cacá Diegues, o uso de letreiro s explicativos feitos por W alter Lima Júnior indica com maior veemência 231 P e lo s is t em a de c o n tr a tos d e ex pl or aç ão dos d i am ant es ( 1 73 9 - 17 7 1), a C oro a P ort u gu es a c o nc e d ia ao c on tr at ad or a rrem a ta nt e a ex c l us i v id a de nos ne g óc ios d e ex tr aç ão e c om ér c i o d as p e dr as . Dif ere n tem en t e d a ec o n om ia au rí f era, p ort a nt o, a po p u laç ã o nã o p od i a p ar t ic i par d ir et am en t e des s e s et or ec o nô m ic o, a nã o s er pres t an d o s er v iç os à I nt e nd ê nc i a d os Di am ant es (c om o a l ug a n do es c ra v os ) o u pe l a i le g a li d ad e , des c am in ha n do d i am an tes ; c f . : F E RR EI R A, R o dr ig o d e A lm ei da . O des c a m in h o d e d i am an t es : r e l aç ões de p od er e s oc ia b i l id a de na D em arc aç ão Di am an t in a no p er ío d o dos c o ntr a tos (1 7 4 0 - 1 7 7 1). B e lo H or i zo nt e: Fum arc ; Sã o P au l o: L e tr a e Vo z, 20 0 9. Ap ós 1 77 1 , o s is t em a f o i ex t i n to e a Cor o a as s um iu d ire tam e nt e a r es p o ns ab i l i da d e p e los s er viç os ex tra t i vos , m ant en do a p op u l aç ã o à m argem dos n e góc i os , a n ão s er c om o pres ta d or a d e s er viç os e / ou des e nc am i nh a do r a . E s s e n o v o s is t em a f o i de n om in ad o de R e a l Ex tr aç ão d os Di am an tes , c uj o r i g or do s e u re g im en to , c on h ec id o c om o L iv r o da Ca p a V er de – um a c om pi l aç ão d e l e is a dm in is tr at i v as e c o ib i ti v as s o br e os s er v iç os e s oc i e da d e d iam an t in a –, s e t or n ou um a r ec or re nt e r e pres e nt aç ão d o ex c es s o adm i nis tr at i v o l us i t an o p ar a a r eg i ã o; c f .: FU RT ADO , J ú n i a F err e ira . O L iv r o d a Ca p a V erd e : o reg im en t o d iam a nt i no de 17 7 1 e a v id a n o Dis tr it o D i am ant i no no per ío d o d a Re a l Ex t raç ã o. S ã o P a ul o : A nn a b lum e, 1 9 96 . 13 7 a preocupação do filme com o conhecimento histórico. O diretor vai além da breve contextualização e revela as fontes nas quais se baseou para desenvolver Chico Rei (frame 5). Assim, outros registros da lenda são identificados pela cartela (frame 6) enquanto três negros fogem em disparada por um campo aberto. A câmera acompanha a carreira fugitiva em direção ao primeiro plano. Então, uma tomada por câmera alta os revela escalando uma pedra. O esforço e a dificuldade da fuga enfatizam as informações apresentadas referentes à crueldade do sistema escravista, aliviada somente quando os negr os conseguem arrebentar suas correntes e alcançarem um quilombo. Uma liberdade , portanto, conquista da por meio do risco da fuga. Fra me 5 – A b er t ur a de C h ic o R e i, c a rt e la ex p lic a ti v a s o br e o tr áf ic o d e es c ra v os ( Ch ic o R ei , 1 98 5) 13 8 Fra me 6 - Pl a n o de C h ic o Re i , f o nt es d e i ns p ir aç ã o p ar a r ot e ir o ( Ch ic o R ei , 1 98 5) A sensibilização do espectador para o drama da escravidão negra prossegue no plano que se dese nvolve no quilombo. A câmera passa a acompanhar um negro , Kindere, que veio para o Brasil junto com Chico Rei. Andando lentamente pelo quilombo, ele observa seus companheiros em atividades cotidianas, como o reforço dos muros de pedra que cercam o local ou um batuque com dança de capoeira. Então, o quilombola se senta em uma pedra e assume a função de griot (contador de histórias nas tribos africanas). Apoiado em seu cajado, como símbolo de sua experiência e sabedoria, altivamente mira o horizonte e inicia a narrativa por meio de jargão próprio dos contadores de histórias: “Há muito tempo atrás, havia um rei chamado Galanga. Grande herói da batalha de Maramara. E esse reino era de todos os negros do Congo. Meu e de todos vocês”. Estabelece -se, assim, a cumplicidade entre o narrador -espectador-história. 13 9 Os planos de abertura usad os nos filmes revelam uma abordagem da História do Brasil. Os personagens-título só aparecem após ocorrer a contextualização para o desenvolvimento d a narrativa fílmica. A crítica ao sistema colonial e ao escravismo é logo apresentada e indica a perspectiva de leitura que se terá no desenrolar do filme. Com W alter Lima Júnior, a preocupação em sustentar historicamente a narrativa o leva a explicitar suas fontes, ainda que reforce a perspectiva lendária de seu protagonista quando identifica a memória como principal fonte: tradição oral mineira e memória do negro brasileiro. A informação sobre o tráfico negreiro e a coisificação do cativo 232, que mesmo assim manteve sua luta pela liberdad e, insere o filme no campo da História. Os lastros de identificação para validar a narrativa que será apresentada retornam ao final de Chico Rei com mais um letreiro. Dessa vez, destoa da prática comum nas produções fílmicas com temáticas históricas, quan do, frequentemente, o prosseguimento da vida dos personagens principais é indicado. Nos créditos finais, uma cartela (frame 7) traz o seguinte título: Fontes Essenciais de Consulta , sendo citados livros de referência sobre o escravismo; os africanos no Brasil e o texto de Agripa Vasconcelos (1966). 232 O c onc e it o d e c o is if i c aç ã o , p e lo q ua l o es c ra vo er a d es t i tu í do d a s u a n a tur e za hum an a , s e nd o c on d i c i on a do a um obj et o de tra b a lh o, f o i d if un d id o n a pro d uç ã o ac a d êm ic a de v i és m ar x is ta , pre d om in an t e e ntr e as d éc a das d e 1 9 60 - 8 0; G O R EN D ER , J ac ob . O es c r av is mo .. . o p .c i t. 14 0 Fra me 7: F on tes bi b l io gr áf ic as de c ons u lt a, c art e la f i n a l ( Ch ic o R ei , 1 9 85) O livro de Jacob Gorender, cujas características principais já foram comentadas, está próximo das reflexões do francês Roger Bastide sobre as relações escravistas a partir das práticas religiosas. Lançado em 1958, Roger Bastide interpreta em s eu livro o sincretismo religioso estabelecido entre as práticas religiosas exercidas pelos negros e o catolicismo praticado pela sociedade branca colonial , como tensões e arranjos inerentes ao conflito de classes 233. Conforme visto, trabalhos com o viés marxista tiveram no pós-1945 consideráve l ascendência mundial na produção intelectual e cultural . Nesse sentido, o texto do argelino Frantz Fanon , publicado em 1961, sobre os processos de descolonização africana, em especi al o caso da Argélia , se tornou uma referência canônica para os projetos políticos de esquerda das décadas de 1950 -70 234. A influência desse tipo de literatura para a construção fílmica pode ser dimensionada na postura adotada por W alter Lima Júnior durante as filmagens dos planos da travessia marítima de Chico Rei. Enquanto a escuna se dirigia ao local das filmagens, no litoral de Parati/RJ, o diretor fazia no convés leituras públicas d a obra Os 233 B A ST ID E , R o ger . As r e li g i ões a fr ic a n as n o Br as il : c on tr ib u iç ão a um a s oc io l o g ia das in t er p e ne tr aç õ es de c i v il i za ç ões . S ã o P au l o: P io n e ira : E DU S P , 19 7 1. 234 FA NO N , Fr an t z. O s c on d en a dos d a t err a . Ri o de J a ne ir o : C i v i li z aç ã o Br as il e ir a, 19 6 8. 14 1 condenados da terra, pois, no seu entendimento , era preciso t rabalhar a consciência da negritude com o enorme grupo de negros atores e figurantes que o acompanhava. Conforme salient ou, a prática era realizada no sentido de devolutiva por participarem do filme , e não uma tentativa de impor uma visão sobre o assunto. E u te n ho um a po pu l a ç ão ne gr a n es s e f i lm e . E u pr ec i s o d ar a es s a po p u laç ã o um c ont e úd o id e ol ó g ic o po l í tic o . E u t en h o q u e f a zer c om q ue el es t e nh am um a c ons c i ênc i a d a s ua n e gr it u de . Is s o é o m ínim o a q ue e u t e nh o qu e c he gar . E u n ã o q u ero f a zer a c a b eç a de n e n hum . E u s ó q u ero de v o l ver a e les aq u i lo 235 qu e é d e l es . A fala do cineasta remete à ideia de missão. Vislumbra -se, ainda, a possibilidade formativa do cinema não apenas quando o filme é exibido, mas em sua própria produção. Apesar de ressalvar não ter intencionado “fazer a cabeça” de ninguém, o diretor reivindica uma contrapartida social a ser realizada junto ao elenco negro, cuja maioria de figurantes contratados era, segundo suas palavras, de comunidades pobres. No decorrer da entrevista, W alter Lima Júnior relatou, com orgulho, que o objetivo das leituras públicas foi atingido. Isso porque, grande parte do grupo educado na escuna seguiu para as filmagens em Ouro Preto. Quando houve o problema com os produtores alemães, a maior parte do elenco, segundo o cineasta, demonstrou consciência da importância do trabalho desenvolvi do para a história e identidade negras, dando apoio à equipe de produção. A ideia de consciência política e ideológica revela traços da formação de engajamento político e social de uma parcela de pessoas ligadas à produção cultural, intelectual e universitária entre as décadas de 1950 e 1970, exemplificadas por grupos articulados nos cineclubes e no Centro Popular de Cultura da UNE 236. 235 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor , em 13 j u n. 20 1 3. Em 1 9 61 , a U n iã o N ac io n al dos Es t u da nt e s f un d ou C e ntr o P o pu l ar de C u lt ur a (C PC /U NE ) c om a pr op os ta d e r e a li za r u m a art e r e vo l uc i on ár i a. O C P C at u ou i nt ens am en te n a pr o m oç ão e d em oc rat i za ç ão d a c u lt ur a, d es e n vo l v e nd o aç ões c om o a U N E Vo l an t e : ar t is t as e es t u d an t es vi aj a vam em c ara v an as ao i nt er i or of ert a nd o of ic i nas de ar t e. No c i nem a, pr oc uro u es t im ul ar a pr od uç ã o , c h eg a nd o a l anç ar o l on g a - m etr ag em f ilm e C i nc o v e ze s Fav e la . A p ós o g o l p e c i v i l - m il it ar d e 19 6 4, a s e d e d a UN E f oi inc e nd i a da e, c o m a pro ib iç ã o d e a t ua r, t od os os C P C’s f oram f ec h ad os . Dis p o ní v e l em : 236 14 2 Ambos os diretores compartilham, portanto, a preocupação em referenciar historicamente seus enredos. Contudo, eles se distinguem quanto à definição narrativa de seus enredos. Cacá Diegues optou não centralizar a função de narrador em uma personagem. O diretor reservou a Chica da Silva a maior responsabilidad e pela condução do espectador aos acontecimentos, sem que, contudo, a protagonista se apresente como narradora. Como dito acima, alguns personagens assumem o papel de narrador em determinados momentos da trama. No início de Xica da Silva, por exemplo, são os músicos que exercem a função ao apresentar a sociedade diamantina e os contexto s temporal e espacial, porém não prosseguem nessa tarefa. Durante o desenrolar do filme, personagens coadjuvantes, ou mesmo secundários , atualizam o espectador dos acontecime ntos históricos, como o jovem e rebelde José Rolim (historicamente, o padre Rolim) que, por volta da metade do filme, deixa de aparecer em decorrência de uma viagem para Ouro Preto. Ao final da narrativa, na condição de foragido das forças reais por conspiração, retorna ao Tejuco em busca de refúgio . Recebe ajuda de Chica da Silva para se esconder no convento, ao que retribuirá quando a protagonista se encontrar abandonada por João Fernandes e perseguida pelos vingativos moradores do arraial diamantino. Interpretado por Stephan Nercesian, José Rolim é o filho do sargento-mor, o proprietário de Chica da Silva que a vendeu ao contratador. Responsável pelas críticas à dinâmica de exploração da América Portuguesa , o personagem foi abordado de modo teleológico, dadas as inferências ao levante da Inconfidência Mineira 237. Embora < ht tp :/ /c pd oc .f g v. br / pr od uc ao / dos s i es /J a ng o /ar t ig os / N a Pres i d enc i a Re p ub l ic a/ Ce n tr o_ P o pu l ar _d e _C u lt ur a > Ac es s o em : 13 de z. 20 1 3. P ara o C P C/ UN E; c f . : HO L AN D A, He l oís a B uar q ue d e. Im pr es s õ es d e v ia g e m: C PC , v an g uar d a e d es b u nd e ( 1 96 0 19 7 0). Sã o P a u lo : Br as il i e ns e , 1 98 0; B ER L IN CK , M an o e l T os ta . O C en tr o P op u l ar de C u lt ur a d a UN E . C am pi nas : P a pi rus , 1 98 4. O f i lm e C i nc o v e ze s Fav el a f o i c om pos t o por c inc o e p is ó d i os : Um F av e l ad o (d e Ma rc os F ar ias ) , Zé d a C ac h or r a ( d e M i gu e l B org es ) , Es c o la d e S am b a A l eg ri a d e V iv e r ( de C ac á Di e gu es ) , C o ur o d e G a to ( d e J oa q u im Pe dr o d e A ndr a d e), P e dr eir a de S ã o D i o go ( d e L e on H ir zs m an) ; C IN CO V EZ E S F A V E L A . A N DR AD E , J oa q u im P edr o ; et .a l . Ce n tr o P op u l ar d e Cu l tur a. 19 6 2, 9 9 m in. 237 De n tr e a v as ta p r od uç ã o s o br e a I n c onf id ê nc ia M i ne ir a , d es t ac am - s e: M AXW ELL, K e nn e th . A dev as s a. .. o p.c i t. ; FO N S EC A , T ha is Ní v i a de L im a e . D a i nf âm i a. .. o p.c i t. ; F URT AD O , J o ã o P i nt o. O m an t o. .. o p.c i t. 14 3 incorrendo em anacronismo, já que a sedição ocorreu anos depois do período assinalado no filme , o diretor desenvolveu nesse personagem o papel de contrabalanço temporal . As críticas estabelecidas pelo personagem do padre Rolim à realidade setecentista, especialmente à corrupção e aos militares – simbolizado em seu pai –, são realizadas em paralelo ao momento ditatorial vivido pelo país na segunda metade da década de 1970 . O taberneiro no mercado também tem função narrativa importante, especialmente pela dimensão temporal e rítmica decorrente de sua participação, apesar de uma única aparição. No mercado, onde vende bebidas ao jovem Rolim e outros clientes, explica a um tropeiro como João Ferna ndes sobremaneira, comentários a se beneficiava executada sorrateiros e por da mineração Teodoro. críticos ao clandestina, Prossegue relacionamento tecendo entre o contratador e sua amásia. Inaugura -se, assim, um novo momento no filme: o início da decadênc ia de Chica da Silva. Em Chico Rei, três focos narrativos se destacam. O personagem título predomina como condutor da trama. W alter Lima Júnior acompanha a história de Chico Rei . Por isso, seu int érprete (Severo D’Acelino) se destaca como o olhar da câme ra, o testemunho direto das ações do herói negro. O protagonista como narrador se estabelece após a travessia marítima , na Mina da Encardideira , onde recebe as instruções para desempenhar seu trabalho. A partir do diálogo com seu senhor e um colega escravo , o espectador compreende o cenário no qual parte das ações será desenvolvida. Chico Rei, em outros momentos, determina também o ritmo do filme, como na de cisão de omitir ao seu senhor que havia descoberto um veio aurífero subterrâneo, que passou a ser explorado clandestinamente pelos escravos. Outro personagem relevante como narrador da trama é o padre espanhol, que revela a reflexão e sentimento de culpa em relação aos negócios da escravidão. Presente no navio negreiro que transporta o lote de escravos no qual Galanga/Chico Rei se encontra , desenvolve forte crise de consciência do seu papel como agente da Igreja nos 14 4 negócios da escravidão . Essa crise o leva a se refugiar no quilombo , onde redige uma carta em que explica ao e spectador a dinâmica da vida aquilombada e seu significado para os negros; narrada em som off 238. Embora expulso do quilombo, continua solidário à luta pela liberdade negra e passa a ajudá-los por meio da irmandade religiosa, tornando-se aliado de Chico Rei. Não obstante, o narrador que amarra a ficção com a história é o negro quilombola que aparece no início do filme. Naquele plano citado, sua autoridade se revela pela sobriedade com que observa os demais companheiros e contempla o horizonte, postura ratificada pela posse do simbólico cajado. Kindere conhece a história de Galanga/Chico Rei e começa a contá -la tal qual um griot. Recorda-se, aqui, a importância dada pelas sociedades tribais africanas ao cronista ou o guardião da memória. O diretor reconhece a importância desse tipo de pers onagem, afinal, como destacou, parte das suas fontes está assentada no campo da memória e da tradição. A estrutura narrativa n ão abusa de vo z off, tampouco de flashbacks. O desenrolar da história de Galanga, desde a travessia do Atlântico até sua liberdad e em Vila Rica (como Chico Rei), ocorre de forma autônoma. O s narradores aparecem em determinados momentos, explicando temas inere ntes ao desenvolvimento da história do filme, como em uma discussão no quilombo a respeito dos caminhos possíveis para se alca nçar a liberdade: a fuga e aquilombamento, ou a negociação de alforrias? Entretanto , sobretudo nas sequências finais, quando explica o paradeiro desconhecido de Chico Rei , embora sua presença tenha permanecido nas festividades do congado mesmo após o término da escravidão. Nesse sentido, o imaginário social em torno de Chico Rei representou a esperança da liberdade para a comunidade negra desde os tempos da escravidão . Dessa maneira, fecha -se o ciclo 238 O s om of f é o s om f or a d o c am p o, s e nd o es te “ a po r ç ão d e es p aç o tri d im ens i on a l q ue é p er c e b i da a c a da ins ta nt e n a im ag em f ílm ic a”; o u s ej a , o s o m of f é ex t er no a os e lem en t os q u e i nt eg ram ao p l an o , em b o ra o es p ec ta d or es t a be l eç a a c o n ex ã o; A U MO NT , J ac q u es ; M A RI E , M ic h e l. D ic i on ár i o t e óric o e c rít ic o de c in e m a. R i o de J an e ir o: P a p irus , 2 00 3 ; p. 4 2. 14 5 da narrativa histórica permeada pela imprecisão ficcional , sem, contudo, deixar de lhe conferir significação histórica. José Carlos Reis, s eguindo a linha de pensamento de Paul Ricouer, observa que para esse autor “[...] as narrativas históricas são variações interpretativas do passado, com configurações difere ntes, mas realistas, porque devem ser reconhecíveis como abordagens de uma mesma situação histórica” 239. A partir destas reflexões, concorda se sobre a importância da construção da narrativa histórica, em seus conflitos, como interpretação para a sociedad e. Ainda que a fronteira entre o ficcional e o real se toquem em muitos momentos, é por esse processo que se desenvolve a narrativa histórica. Para Paul Ricouer, embora a narrativa ficcional se distinga da narrativa histórica, sobretudo pelo diálogo desta com as fontes temporalmente delimitadas, em oposição à ficção, cuja conectividade dos fatos narrados ocorre pela imaginação, não há entre elas hierarquia. Defende, assim, a necessidade de imaginação para a construção da narrativa histórica 240. Contudo, o discu rso histórico não implica um mergulho na ficção. Quando muito, a narrativa histórica poderia reivindicar para si o “ [...] duplo estatuto de realidade e ficção” 241. Cabe, então, contrapor nesse quadro o papel do historiador diante das produções cinematográfic as com temáticas históricas, já que o cinema tem como sopro vital a imaginação. Como ponto de partida, não se deve esperar do cinema-história a recriação da História. Essa dimensão é melhor percebida no filme de ficção, porém é mais polêmica quando se tra ta de documentários. Neste gênero fílmico, o documento tende a ser supervalorizado, tanto entre produtores, quanto pelo público, assumindo o sentido de recuperação do 239 passado 242. Todavia, nem mesmo o trabalho realizado pelo R EI S , J os é Car l os . O des a fi o h is tor i o grá f ic o . R i o d e J a ne ir o : FG V E di t ora , 2 01 0 , p. 7 6. 240 RI CO U ER , P au l . A m em ór i a. .. o p.c it . 241 B AR RO S , J os é D ’ As s um pç ão . P au l R ic o e ur e a n arr at i v a h is t ór ic a. In .: H is t ór i a, i ma g em e n ar r at iv a. 12 a br. 2 01 1 , p. 5. D is p o ní v e l em : < ht tp :/ / www. h is t or ia im ag em .c om .br/ e d ic a o 12 abr i l 2 01 1/ p au lr ic o eur . pdf > Ac es s o em : 30 no v . 2 0 1 2. 242 C om o o o bj e to d es s a p es q u is a é o f i lm e de g ên er o h is t ór ic o f ic c i on a l, os lim i tes des s a t es e n ã o p er m it em apr of un d ar a dis c us s ã o s obr e d oc um en tár i o e a h is tór i a. 14 6 historiador, seguindo os parâmetros da metodologia de pesquisa acadêmica, é capaz de fazê -lo. Antes de qualquer coisa, os agentes produtores de cinema – equipe de produção, atores e financiadores – esperam do filme muito mais do que recontar o passado. Mesmo que realizado sobre uma minucio sa pesquisa histórica, as interpretações artísticas são livres. Sem falar que a recepção do público é imprevisível, devendo ser considerado, também, o papel dos críticos de cinema e da própria academia para a significação de um filme. Ainda assim, filmes s obre o passado são relevantes na construção de sentidos. Além do mais, a natureza da linguagem cinematográfica, composta em essência pelo audiovisual, favorece a reflexão decorrente pela emotividade inerente à narrativa fílmica. Michel Pollack captou bem e sse cenário ao reconhece r a relevância do filme para a construção histórica . A in d a qu e s ej a t ec n ic am ent e d if íc i l o u im po s s í ve l c a pt ar t o das es s as lem br anç as e m obj e tos d e m em óri a c onf ec c i o n ad os hoj e, o f ilm e é o m el h or s u por t e p ara f a zê - l o: d o nd e s e u p a pe l c r es c e n te n a f orm aç ão e re or ga n i za ç ã o , e , p or ta nt o , no en q ua dr am ent o d a m em óri a. El e s e dir i g e n ão a p en as às c ap ac i da d es c o g n it i v as , m as c a pt a as e m oç ões . O f i lm e tes tem un h o e doc u m entár i o t or no u - s e um ins tr um ent o po d er os o par a os r e a rra nj os s uc es s i v os d a m em ória c ol e ti v a 243 e, a tr a vés d a t e le v is ã o, d a m em ória n ac io n a l . Entende-se, desse modo, o filme com temática histórica como um olhar sobre o passado que , a partir da sua representação , pode contribuir para problematizá -lo e divulgá-lo. Dessa maneira, é possível não só a construção de sentidos, mas também a revisão interpretativa sobre a sociedade. Ressalva -se que, diferentemente da narrativa histórica, estabelecida há milênios, a narrativa cinematográfica tem pouco mais de um século . Por isso, ainda aprimora sua linguagem quando busca narrar o passado 244. P ara o tem a; c f .: T E IX E IR A , Fra nc is c o E l i na l d o. (O r g). D oc um e nt ár io no Br as i l : tra d iç ã o e tr a ns f or m aç ão . S ã o P a ul o : S um m us , 2 0 04 ; NI C HO L S , B i l l. I ntr o duç ã o a o doc u me n tár i o . 2. e d. C am pi nas : P a p irus , 2 0 0 5; MO R ET T IN, Ed u ar d o; N A PO LIT ANO Ma rc os ; KO RN I S M ôn i c a A lm ei d a. (O rgs ). H i s tór i a e d oc u m e nt ár io . R io de J a n e iro : FG V , 2 01 2 . 243 PO LL A C K, M ic he l . M em ór i a, Es qu ec im en t o, S i lê nc i o. Rev is ta d e Es t ud os His t óric os , R io d e J a n e ir o : FG V, v. 2, n . 3, 1 9 89 , p .1 1. 244 D A VI S , Na t al i e Zem o n. Sl av es . .. o p.c it . 14 7 Por todo o exposto, percebe -se na história do cinema a constante problematização em relação à sua realização e seus significados: o valor das imagens, a maneira em se contar uma trama , a realidade e a ficção como objeto , a história como tema , a tênue linha entre narrativa histórica e narrativa cinematográfica . Ainda que a concepção do cinema como registro da verdade histórica fosse gradativamente problematizada, reconhece -se em Matuszewski uma matriz ampla mente difundida e ainda presente que atribui ao cinema o valor de verdade. Esse posicionamento trará impactos no desenvolvimento dos filmes com temática histórica, como se verá a seguir. 2.2. Cinema e educação no Brasil: do Ince à Embrafilme Nas ações pública s, frequentemente alvo das lentes dos primeiros cinegrafistas, a dimensão de realismo das imagens foi logo apropriada pelos governos para fins políticos. Esse movimento e seu impacto social são perceptíve is na Primeira Grande Guerra Mundial, quando governos beligerantes passaram a registrar imagens das batalhas e dos soldados com fins propagandísticos 245. Após o conflito essa relação continuou a ser refinada. Diante dos avanços técnicos e estéticos do período entre guerras, autoridades e educadores percebera m que o cinema poderia ser útil na conformação da sociedade por meio dos projetos de governo. Pioneiro em atrelar a propaganda estatal ao cinema para uso aplicado nas escolas, o líder fascista italiano Benito Mussolini incentivou a criação do LUCE (La Union Cinematografica Educativa ) 246, em 1924 247. A proposta ganhou adeptos na Liga das Nações, que recomenda va aos seus signatários segui r o exemplo italiano. Nesse organismo internacional , o empreendimento contava, inclusive, com a 245 F ER RO , Mar c . C in e m a. .. o p.c it ., p . 70 - 7 3. A pr od uç ão d o L UC E, e nt re f i lm es e f o to gr af i as , es t á pr es er v a da e d is p o ni b i l i za d a p el o Ins t it ut o L uc e C in ec it tá . D i s po n í ve l em : < ht tp :/ / www. a r c h i v i o lu c e.c om /arc hi v i o/ > 247 RO S A, Cr is t in a S o u za d a . O C i nem a E duc at i v o a tra v és d o s d is c urs os de Mus s o l i ni e Var g as . I n. : Mne m oc in e , Cam pi n as , 20 0 8. Dis p on í ve l em : < ht tp :/ / www.m n em oc i n e. ar t . br / i nd ex .p h p/c i ne m a - c ate g or ia / 25 - h is t or i a - n o- c i nem ah is t or ia - d o- c in em a/ 12 6 - c r is t i na - ros a > Ac es s o em : 2 0 a go . 2 0 13 . 246 14 8 Revista Internacional do Cinema Educativo, publicada em vários idiomas, sendo que seus números eram considerados “ [...] riquíssimo repositório de informações tiradas de todos os periódicos consagrados ao cinema e constitui a fonte bibliográfica mais interessante e autorizada para o est udo da crescente difusão do cinema educativo” 248. A intenção era estimular produções cinematográficas voltadas para a educação, fomentar a reflexão do uso pedagógico do filme e favorecer a troca de experiências entre os países signatários. Parece que houve sucesso nesse intento, já que o professor brasileiro Jonathas Serrano foi entusiasta do projeto da Liga das Nações e defensor da fundação de um instituto de cinema educativo no país, à semelhança do L UCE 249. No Brasil, pensar o cinema com finalidades educati vas remonta à década de 1920. Fernando de Azevedo , por exemplo, chamou a atenção para o uso do cinema na educação , em 1928 250. Na realidade, sua posição refletia a de outros educadores sobre o tema, como se pode depreender das manifestações dos signatários do Manifesto dos Pioneiros pela Educação (1932), documento do qual Azevedo foi um dos propositores e principais articuladores 251. Entretanto, foi em 1932 que o governo federal procurou proteger a produção de filmes no país, 248 S ER RA NO , J o na t has ; V E NÂ NC IO F IL HO , Fra nc is c o . C in e m a e ed uc aç ã o . S ã o P au l o: Me l ho r am en t os , 19 3 1, p . 33 . 249 J on at h as S er r an o s e des tac o u n os as s un t os re l at i v os à e d uc aç ão nas déc a das de 1 92 0- 3 0. O bs er va - s e qu e s ua p os iç ã o es t a v a es tr ei t am ent e a tr e la d a à s u a f orm aç ão c a tó l ic a. N o s ar ti g os pu b l ic ad os n o per í od o, r ei t era v a s ua c o nc epç ã o do us o d o f ilm e par a a c onf or m aç ão m ora l da j u ve nt u de . P ar a a d is c us s ã o d o c in em a ed uc at i v o e o p ap e l d e J o na t has S err an o n es s e de b at e; C AM P E L O , T aís . J on a th as S erra n o, n ar r at i v as s obr e c i n em a. I n. : Es p ec iar i a , I lh é us , v . 1 0, p. 5 7 - 76 , 20 0 8; MO R ET T IN, Ed u ar do V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . op .c it . 250 S I MI S , A ni t a. Es t ad o e. .. o p.c it ., p . 25 . 251 Ma n if es to d os P i o ne ir os da Ed u c aç ã o N ov a ( 1 93 2): Dis p on í v el em : < ht tp :/ / www. d om i ni o pu b lic o .g o v. br /p es qu is a/ De ta l h eO b raF orm .d o ? s e lec t_ ac ti o n = &c o_ o br a =2 0 52 1 0 > Ac es s o em : 1 9 s e t. 20 1 3. Pa ra s ín tes e do pos ic io n am ent o dos pr inc i p ais s i gn at ár i os e ar t ic u la d ores do Ma n if es to em relaç ã o ao c i n em a; c f .: FR EIT A S , Ê n i o T ade u. H is tor i a e Ci n em a na s a l a d e a u la . 2 01 1 . D is s er t aç ã o (M es tr ad o em Ar t es ) – I ns ti t ut o de Ar t es , U n i vers i d ad e Es ta d ua l P a ul is ta , S ão P au l o. So br e a i nf l uê nc ia d o Ma n i fes t o na ed uc aç ã o n ac io n a l; c f .: X A V I ER , Mar i a do C arm o . Ma ni f es t o dos P i on e ir os d a E duc aç ão : um leg a do ed uc ac io n al em de b at e. R i o d e J a ne ir o : FG V , 2 00 4. 14 9 tornando obrigatória a exibição de filmes brasileiros e regulamentando a censura 252. Getúlio Vargas demonstrou seu entusiasmo com as novas tecnologias de comunicação, como rádio e cinema 253. Em discurso proferido em 1934, o presidente vislumbrava que, [.. .] e ntr e os m ais út e i s f ator es d e i ns tr uç ã o , d e qu e di s p õ e o Es t a do m o der n o, i ns c re ve - s e o c in em a. E l em ent o de c u lt ur a i nf l ui n do s o br e o r a c i oc i n o e a im ag i naç ão , el e ap ur a as qu a l id a des de obs er v aç ã o , aum e nt a os c a b ed a is c i e nt íf ic os e d i vu l ga o c o n hec im en to das c o is as . [. .. ] P ara as m as s as d e an a lf a be t os , s er á es s a a d is c ip l i na pe d ag ó g ic a m ais p erf e it a , m ais f ác i l e im pre s s i v a. P ar a os l e t rad os , p ar a os r es p o ns á ve is p e lo êx it o d a nos s a a dm in is traç ã o, s er á um a 254 adm ir á ve l es c o l a . Como se percebe, a visão do presidente Getúlio Vargas sobre o cinema era otimista, destacando seu potencial para uma ampla educação não-escolar. Logo no início do ano de 1937, o ainda democrático governo de Vargas sancionou a Lei n. 378, voltada para a reforma do Ministério da Educação e Saúde. Es sa lei instituía, pelo artigo 40º, o “Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), destinado a promover e orientar a utilização da cinematografia, especialmente como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular em geral” 255. Notadamente inspirado no LUCE , o INCE muito contribuiu para a ditadura varguista iniciada com o golpe do Estado Novo , que soube aproveitar os meios de comunicação como mecanismos privilegiados de divulgação de propaganda e controle da circulação de ideias, como atesta a criação do Depa rtamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em 1940 256. 252 Dec r et o nº 2 1. 24 0 , de 4 de abr i l de 1 9 32 . D is po ní v e l em: < ht tp :/ / www. a nc i ne . go v. br / > Ac es s o em : 2 0 s et . 2 01 0. 253 C A P EL AT O , M ar i a H e le n a Ro l im . P ro p ag a nd a p o lí t ic a e c o n tro l e dos m ei os d e c om un ic aç ã o. I n. : P A NDO LF I, D ulc e . R e p e ns a n do o Es t a do N ov o . R i o de J a n ei ro : FG V , 1 99 9 . 254 S I MI S , A ni t a. Es t ad o e. .. o p.c it ., p . 29 - 3 0. 255 Lei nº 3 7 8, de 13 de j an e i ro de 1 9 3 7. D i s po n í ve l em : < ht tp :/ /p or ta l .m ec .g o v . br / ar qu i v os / p df /L 3 7 8. p df > Ac es s o em : 20 s e t . 20 1 0. A le i r e gu l am ent a v a as a t i vi d a des d o órg ã o, q ue f u nc i on a v a d es de 1 93 6 ; MO R ET T IN, Ed u ar do V ic t ór i o. H u mb ert o Ma uro , c i n em a .. . o p.c i t. , p .1 2 7 - 1 2 8. 256 Par a a r e l aç ão d o pr im eir o g o ve rn o V ar g a s (19 30 - 4 5) e as p o lí t ic as c u lt ur ais e de c om un ic aç ão , c f .: SO L A, L our d es . O G o l pe d e 37 e o Es ta d o No v o. I n: MO T A , 15 0 O INCE funcionou por 40 anos, sendo extinto em 1967. Sobre sua existência, Sheila Schvarzman (2004) propõe sua compreensão em duas fases principais: 1ª) da criação, em 1937, até 1947, quando foi dirigido por Roquette-Pinto, e teve Humberto Mauro como responsável técnico, assinando, por isso, grande parte dos filmes produzidos. Neste período, predominaram obras exaltando a natureza brasileira e também com caráter científico; 2ª) de 1947 até 1966, quando foi dirigido por Pedro Gouvêa (até 1961) e por Fl ávio Tambellini (de 1961 a 1966). Nessa fase, considera -se que a produção com base na cientificidade perdeu espaço, enquanto a cultura popular e interiorana ganhou destaque nos novos filmes 257. O INCE priorizou o uso pedagógico dos filmes diretamente no espaço escolar, voltado , tanto para o conteúdo das disciplinas , quanto para a formação docente. Em Cinema e educação, trabalho pioneiro sobre a temática, lançado em 1931 , por Jonathas Serrano, em coautoria com Francisco Venâncio Filho, as possibilidades da aplicação cinematográfica na sala de aula são apresentadas, destacando -se as áreas da saúde e ciência. Contudo, Jonathas Serrano, que era professor de História, condena o seu uso na disciplina por entender que [.. .] na H is t ór i a, q u e e s tu d a o pas s a do , o c i nem a tam bém c a b e po uc o. Ca b erá , s im , d ag or a p or di a nt e p ar a f ix a r os ac o n tec im en tos c o n te m porâ ne os , q u e j á de v i am ter ex i gi d o o r ec o l h im ent o d os f i l m es que f os s em doc um ent os p ar a a His t ór i a , c om o j á há e m Hai a. O s d e res ta ur aç ã o h is t ór ic a nã o s ão ac o ns el h á ve is . P or m a ior q u e s ej a o l ux o de a l g uns , h á s em pr e l ar ga p orç ão d e f a nt as i a, em qu e nã o é p os s í v e l Car l os G u i l her m e. Br as il em Pe rs p ec t iv a. Ri o d e J a n eir o : B ertr an d - Br as i l, 1 9 88 ; CA P E L AT O , M ar ia H e le n a Ro l im . Mu l t id õ es e m c e na : pr o pa g an d a p o lí tic a n o v arg u is mo e per o n is mo . Pa p ir us : Cam p i nas , 1 9 9 8; D UT R A, E l ia n a. O Ar d il Tot a l it ár i o: I ma g i nár i o P o lít ic o n o Br as i l d os A nos 3 0 . B el o Hor i zo n t e: Ed . UF MG / UFRJ , 1 99 7 ; O LI V E IR A, Lúc i a L ip p i. S in a is d a m od er n id a d e na era Var g as : v i da l i ter ár i a, c i n em a e r ád i o. I n. : F E RR E IR A, J or g e; D E LG AD O , Luc í l ia d e A lm ei d a Ne v es . ( O r gs ) . O Br as il r ep u bl ic a no : o t em p o d o nac i o na l - es ta t is m o . R i o d e J an e ir o: C i v i l i zaç ã o Br as il e ir a, 2 0 03 . 257 De ntr e tr a ba l hos q ue an a l is am tem as de n tro da pr od uç ão do I NC E ; c f . : A LM E ID A , C l áu d i o A gu i ar . O c i n e ma c o mo a g it ad or d e a l m as . S ão P a u lo : A nn a b lum e, 19 9 9; SC HV A RZ M AN , S h e i la . H um b ert o Ma ur o e as i ma g ens d o Br as i l . S ão P a u lo : E d it or a UN E S P, 2 0 04 ; CAT E LL I, R os a n a E l is a . Dos n at ur a is ao doc u me n tár i o: c i n e ed uc at iv o nos a n os 2 0 - 3 0. 2 0 07 (T es e d e d o ut or ad o) – Un i v ers id a de Es t ad u a l d e C am pi n as : Un ic a m p, Cam p in as ; C A R V A LH A L, Fer n an d a Car o l in e d e A lm e id a. Lu z, c âm er a, e d uc a ç ão ! O Ins t it ut o N ac i on a l d e C in em a E duc at i v o e a f or m aç ão d a c u l tur a á u di o - im ag ét ic a es c ol ar . 2 00 8 . D is s er taç ã o (M es tr ad o em Ed uc aç ã o) – U n i vers i d ad e Es t ác io de S á. Ri o de J a ne ir o; MO R ET T IN, Ed u ar do V i c t ór i o. Hu m ber t o M aur o , c i ne m a. .. o p.c it . 15 1 dem ar c ar a l in h a d i v i s ór ia d a re a l id a de . É es s a a o p i ni ã o d a 258 m aior i a dos es p ec i al is tas d e c i n em a e de h is tór i a . Sobressaem no trecho duas concepções que, apesar da distância temporal, ainda ecoam em relação à narrativa cinematográfica sobre temas da História. A primeira segue a perspectiva do objetivismo/subjetivismo, de que um filme não recupera o passado tal qual teria ocorrido devido à liberdade de criação . A segunda reafirma a tradição inaugurada por Matuszewski de que o registro da câmera tem valor de verdade. Os autores corroboram , ainda, a preocupação do filme como desencaminhador da juventude quanto aos valores morais vigentes 259. Novamente, percebe -se a convergência do pensamento educacional com o governamental, no caso, o varguista e a proposição de conformação do cidadão brasileiro desejáve l 260. Sob esse aspecto, o INCE praticava o cinema educativo conforme definido pela lei de 1932, que considerava, não somente o filme com intuito de divulgação de conhecimentos científicos, mas também “ [...] como aqueles cujo conhecimento musical ou figurado se desenvolver em torno de motivos artísticos , tendentes a revelar ao público os grandes aspecto s da natureza ou da cultura" 261. Assim, embora priorizasse o ambiente escolar, o INCE também considerava em suas 258 S E RR A NO , J o n at has ; V E N ÂN CIO FI LH O , Fr anc is c o. C i ne m a e ed uc aç ã o , o p.c i t. , p. 7 9. Pa r a um a an á l is e d o d e ba te e ntr e os e duc a do res a p art ir dos tex t os pu b l ic a d os em r e v is t as es p ec i al i za d as d o s a nos 1 9 2 0 e 19 3 0; c f .: MO R ET T IN, E du ar do V ic t ór io . H u mb er to Ma ur o, c in e ma ... o p.c i t . 259 Em m ead os da d éc a da d e 1 9 20 , o ris c o de o dram a c in em at o gráf ic o e ns in ar err on e am ent e os j o v e ns f o i as s i n a la d o por i nt e lec t ua is c om o C an u to M en d es e Lo ur e nç o F i l ho . Em c on tr a p art i d a a o m au us o d o f i lm e p ara a e d uc aç ã o, pro p u nh am - s e o d es en v o l v im ent o do c i n em a e duc at i v o; MO RET T IN, E d ua rd o V ic t ór i o. C in em a e d u c at i v o: um a a b ord a g e m his t ór ic a . I n .: Rev is ta C om u n ic aç ã o e E duc aç ão , S ã o P a ul o , n.4 , 1 3 - 19 s et ./ de z. 1 99 5 . Rec or da - s e , a i nd a, q u e J o na t has S erra n o a tu o u c om des t aq u e n a pr o duç ão de art i g os em v eíc u los c at ó l ic os reaf irm an do o c om pr o m is s o da f orm aç ã o m ora l da j u v e nt u de e o pa pe l d o c in em a nes s e as p ec t o; C A M P E LO , T aís . J o na th as S err an o, narr a ti v as .. .o p .c i t. 260 RO S A, Cr is t in a S o u za d a . O C i nem a E duc at i v o a tra v és d o s d is c urs os de Mus s o l i ni e V ar g as .. .o p.c i t. 261 Dec r et o nº 2 1 .2 4 0, de 4 de a br il de 19 3 2. D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. a nc i ne . go v. br / > Ac es s o em : 2 0 s et . 2 01 0. 15 2 ações o espaço não-escolar, como as salas de cinema em si mesma e os cines-jornais que nelas eram veiculados antes das sessões 262. Essa perspectiva perdurou mesmo após o golpe civil -militar de 1964 263, quando o governo autoritário criou o Instituto Nacional de Cinema (INC), em 1966 264. O regulamento do INC, aprovado no ano seguinte, determinava, em seu artigo 42º, a incorpo ração do antigo INCE, normatizando especificamente o setor voltado para o cinema educativo (art.17º) 265. No final do ano de 1969, foi criado um órgão de cooperação com o INC: a Embrafilme 266, cujo objetivo era desenvolver o mercado interno, divulgar e distrib uir o cinema nacional no país e no exterior. O novo órgão, porém, gradativamente, tornou -se central na política de estímulo e distribuição da produção cinematográfica nacional, levando o governo militar a extinguir , em 1975, o INC – cujas atribuições foram oficialmente incorporadas pela Embrafilme 267. O Estatuto Social da Embrafilme, em seu artigo 5º, inciso II, mantinha a preocupação com o filme educativo. Ademais, a relação entre cinema e educação parece ter sido redimensionada, já que roteiros com temática s consideradas 262 A im pl a nt aç ã o d o Es t ad o N o v o ge ro u um a c ris e d e j ur is d iç ã o s o bre a pr od uç ão do IN C E, es p ec ia lm en t e as m até ri as c í v ic as , c ol oc an d o em ris c o a pr ó pr ia ex is t ênc i a do ór g ão en tr e 1 9 37 - 1 9 39 . Is s o p or q ue , d es de 1 9 3 4, a C e ns ura er a s ub or d in a da a o M i n is t ér io d a J us tiç a , q ue r e i vi n d ic a d ire i to d e a v a l i ar os f i lm es do IN CE , en tr an d o em c hoq u e c om a p as t a da E duc aç ão . Cf . : BO M E N Y, He l en a M ar ia B ous q ue t; e t. a l. T e mp os d e Ca p an e ma . S ã o P au l o: ED U S P, 1 9 84 . 263 De nt r e a pr od uç ão r e f er e nt e a a n á lis es s o b re a d i ta d ura m il it ar d e 1 9 64 - 8 5, c f .: FE RR E IR A , J or g e; D E LG ADO , L uc íl i a. ( O rgs ). O Br as i l R ep u b lic a no . R i o d e J an e ir o: Ci v i l i za ç ã o B r as il e ir a, 2 00 3 ( 4 v); F ICO , C ar los . R e i nv e nt an d o o o ti m is mo : d it ad ur a, pr o p ag a nd a e im a g in ár i o s oc ia l no Br as i l . R io de J a ne ir o: FG V , 1 99 7 ; RE I S F I LHO , Da n i el A ar ã o ; RI DE NT E , Ma rc e l o ; MO T T A, Ro dr i go P. d e S á . (O r gs ) . O g ol p e e a d it a d ur a m i li t ar : q uar e nt a an o s de p o is ( 19 6 4 - 2 0 04) . B aur u : ED U SC , 20 0 4; A L V E S, M ar i a He l en a M or ei ra . Es t a do e o p os iç ã o no Br as il : 1 96 4 - 19 8 4. B aur u : ED U SC , 2 00 5 . 264 Dec r et o- L ei nº 4 3, de 18 de n o v e m bro de 19 6 6. D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. s ol e is . a d v .br /c in em ap o li t ic a n ac i on a l. h tm > Ac es s o em : 1 3 d e z. 2 0 10 . 265 Dec r et o nº 60 .2 2 0, de 15 de f e ve re iro de 19 6 7. D i s po n í ve l em : < ht tp :/ / www. a nc i ne . go v. br /c g i /c g i l u a. ex e /s ys /s t art .h tm ?i nf o i d =2 2 5 & s i d =6 9 > Ac es s o em : 1 3 de z. 2 0 10 . 266 Dec r et o- L ei n º 86 2 , d e 12 d e s e te m bro d e 1 9 69 . D i s po n í ve l em : < ht tp :/ / www. s ol e is . a d v .br / > Ac es s o em : 1 3 d e z. 2 0 10 . 267 Le i nº 6. 2 81 , de 9 de d e zem b ro de 1 97 5 . D i s po n í ve l em : < ht tp :/ / www. s ol e is . a d v .br /c in em ap o li t ic a n ac i on a l. h tm > Ac es s o em : 1 3 d e z. 2 0 10 . 15 3 importantes para a compreensão política e histórica eram avaliados como projetos relevantes 268. Portanto, mesmo sob uma nova ditadura (1964 -85), a supressão do INCE não significou o esquecimento do papel do cinema no processo educacional. Coube à Embrafilme fomentar políticas para o desenvolvimento do cinema, a criação de um mercado interno e a distribuição internacional. Como empresa estatal mista, a Embrafilme seguia os pressupostos do governo autoritário, ou seja, as diretrizes d a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) e critérios estabelecidos pela censura 269. Ainda assim, a Embrafilme atuou de forma decisiva na produção brasileira nas décadas de 1970 -80, até ser desativada , em 1990, como parte do projeto de desestatização do governo de Fernand o Collor de Melo 270. Para Roberto Farias, diretor da estatal entre 1974 -79, a Embrafilme contribuiu para o desenvolvimento da indústria nacional do cinema devido à atuação dos próprios cineastas que, mesmo sendo minoria societária (o governo tinha mais de 90% das ações), participavam ativamente das reuniões e forçaram o governo a ouvir as reivindicações da categoria 271. Mesmo que a ênfase educativa não se equipare à prática do INCE, um dos critérios de apoio estabelecido pela Embrafilme à produção cinematográfi ca era incentivar filmes que abordassem a cultura e a história brasileiras. A potencialidade educativa dos filmes 268 S o bre a Em br af i lm e; c f .: A M ÂN CIO , T u ni c o. Ar t es e Ma n has da Em br af i l me : c i nem a es ta ta l br as i l e i r o em s ua é p oc a de o uro ( 1 97 7 - 19 8 1). Ni t er ó i: Ed UFF , 2 0 00 ; G AT T I, An dr é P ier o . E mbr a fi l m e e o c i n em a b ras i l ei ro . Sã o P a ul o: Ce n tro C u lt ur al S ão Pa u l o, 2 0 0 7 . 269 A c e ns ur a f oi b as t a nt e at u an te n a h is t ór i a r ep u bl ic a na br as i le ir a, c om du a s a lt eraç õ es s ubs ta nc i a i s em r el aç ão a os per í od os a nt er ior es à di t a dur a c i v i l - m il i tar : 1ª) at é o g o lp e, em 19 6 4, a c e ns ur a c l as s if ic a v a, m as n ão c or ta v a; 2 º) a L e i n º 5. 5 36 , de 21 d e n o v e m br o d e 1 96 8 , prof is s i on a l i zo u o c ar g o de c ens or , of ert a n do , i nc l us i v e, c ur s os d e c ap ac it aç ão t éc n ic a qu e s e es te n de ram a té 19 8 5; P INT O , Le o no r S ou za . O c i ne m a br as i l e ir o f ac e à c ens ur a im pos t a p el o r eg im e m il it ar n o Br as il 1 9 6 4/ 19 8 8. I n: C H AG A S, C l au d i a M ari a d e Fre i tas ; et .a l . (O r gs ) . Cl as s if ic aç ão i nd ic at iv a n o Br as i l : d es af ios e p ers pec t i vas . Bras í l i a: Mi n is t ér i o d a J us t iç a, 2 0 06 , p . 75 - 9 4. 270 So br e pr oj et o d e pr i v at i za ç ã o n o g o v er n o C ol l or : A L M EI D A, Mô n ic a P ic c o lo . Re for m as n eo l i be r a is n o Br as i l: a pr i v at i z aç ã o n os g o ver n os C o ll or e F ern a nd o He nr i qu e C ar d os o. 2 0 10 . T es e ( D ou t ora d o em His tó ri a) – F ac u l d ad e d e H is t ór ia , Un i v ers id a de F e der a l Fl um in ens e , Ni t eró i . 271 SE L IG MA N, F l á v ia . O r ga n i zaç ã o, par t i c i paç ã o e p o lí tic a c i nem at o gráf ic a bras i l e ir a no s a n os 7 0 . I n .: U NIr ev is t a, S ão Le o po l d o, v. 1, n . 3, j u l. 20 0 6. p . 6. 15 4 ultrapassa, portanto, sua produção para uso pedagógico, sendo inerente mesmo nas produções comerciais, afinal “ [...] o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte” 272. Uma parcela da documentação da Embrafilme sob guarda da Cinemateca Brasileira 273 revela o interesse do governo em promover a construção de um ima ginário social sobre o passado brasileiro, direcionando a configuração de uma identidade nacional. Como parte desse intuito, foi lançado, em 1977, um programa pela Embrafilme, vinculado ao MEC, para financiar a produção de filmes com caráter histórico e, ainda, a possibilidade inédita de estender o financiamento à produção de séries televisivas. Dentre os projetos que se realizaram nessa proposta está Chico Rei, conforme será analisado. A ação da Embrafilme estimulava a produção cinematográfica e a divulgaç ão de aspectos histórico-culturais brasileiros. Em telegrama emitido pelo presidente da entidade, Roberto Farias, às associações regionais de cinegrafistas, explicava -se a proposta . O Mi n is t ér i o d a E d uc aç ã o e C u lt ur a res o l v e u es t im ul ar , atr a v és d a Em pres a B ras il e ir a d e Fi lm es S . A. – E M BR AF I LM E , um pr ogr am a de pr o duç ã o d e f i lm es his t ór ic os , c o nc e d i dos de n tr o d e um a p ers pe c ti v a d a af irm aç ã o d a n os s a i d e nt i da d e nac i o na l . Com es s e pr o gram a o M i n is t ér i o o bj et i v a nã o s ó p rom o ver o r ee nc o ntr o d o p úb l ic o bras i l e ir o c om a riq ue za tem át ic a d e s u a h is t ór ia , m as tam bé m produ zi r ob ras qu e c o ntr i b uam par a m aior e le v aç ão d o ní v e l ar tís t ic o - c u lt ur a l do n os s o c i n em a, m ante n do s im u lt an eam en t e p o nd er á v e l í nd ic e de 274 c om un ic a b i l id a de . A criação do projeto Filme histórico foi avaliada por Jean -Claude Bernardet como uma interferência estatal com fundo ideológico e político. Para o autor, “[...] uma reflexão sobre o sistema que envolve o 272 N A PO LIT A NO , Ma r c o s . Co m o us a r. .. op .c it ., p .1 2 . P art e d a doc um en ta ç ão d a Em braf i lm e f oi c ed i d a pe l a A nc in e par a g ua rd a d a Ci n em atec a Br a s i l e ir a , q ue es t á tr a ba l h an d o e org a n i za n do o ac er vo . Por h ora , o m ater ia l e nc o nt r a - s e em r es er v a t éc n ic a . Nã o obs t an te , f o i a ut or i za d o par a es s a pes q u is a o ac es s o à par t e do m ater i a l j á pr oc es s a do . Re i ter a - s e aq u i os agr a d ec im en t os a os f unc io n ár ios d a C i n e m atec a Br as i le ir a p e l o a p o io n es s e s en t id o . 274 O f íc i o n º 12 7/ 7 7, em i ti d o p e l a D ir et or ia G e ra l, em 04 d e m ai o d e 1 9 77 . F un d o: A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P. 273 15 5 filme histórico pode sugerir como funciona um mecanismo de pressão acionado pela classe domin ante, ou um segmento dela, no sentido de promover a produção de obras que sirvam diretamente seus interesses ideológicos e estéticos” 275. Como resultado, entendia -se que esse tipo de filme se preocupava mais com o conteúdo do que com a estética. É razoável inferir que o governo e grupos apoiadores procurem se apropriar da estrutura pública administrativa para seus interesses, especialmente em regimes autoritários, como assinalou Bernardet. Contudo, acredita -se que filmes desse gênero podem tamb ém trabalhar, como linguagem, as questões estéticas. Parte da pesquisa desenvolvida nessa tese se debruçou sobre documentação referente ao projeto Filme histórico, produzida pela Embrafilme, mas ainda com restrições de consulta . Pela análise estabelecida, percebeu -se nuances relativas às diretrizes do projeto e como a categoria cinematográfica o recebeu. A partir da leitura de pareceres, projetos fílmicos, consultas e comunicações internas, constatou-se que a intenção da direção da Embrafilme ao estipular temáticas de interesses para serem financiadas não teve a correspondência esperada entre as proposições apresentadas . Quer dizer, mesmo no contexto autoritário , havia espaços para negociação entre o órgão fomentador e os profissionais da área cultural . Percebe-se, sim, cinema para preconizada a por a permanência da concepção utilitária do conformação Getúlio histórico -cultural da Vargas, na década nação, de tal 1930 . qual Nessa perspectiva, são elucidativas a s ponderações de Arthur Cesar Ferreira Reis, relator da Comi ssão da Câmara de Ciências Humanas do Conselho Federal de Cultura (CFC) . Ao emitir parecer recomendando temáticas de interesse para a recém-criada linha de financiamento Filme histórico, o relator parabeniza va a iniciativa da Embrafilme por trabalhar pela reversão de um cenário no qual o Brasil, como produtor cinematográfico, subutilizava seu patrimônio histórico , sendo que [.. .] o c i n em a é um do s i ns tr um en tos d e di v u l gaç ã o c u l tu ra l em ter m os d e m as s a. E m tod a p art e , v em s en d o us ad o c om s uc es s o p ara a f orm a ç ão d a c ons c i ê nc i a c ív ic a das n aç ões . 275 B E RN A RD ET , J e a n - C l au d e. P ir a nh a .. .. .. op . c it ., p . 57 . 15 6 Nã o é ap e n as um pr od u to v is a nd o a o la z er, à d is t raç ã o, à a le gr i a p o pu l ar . T em e d e ve a um ent ar s e u p ot e nc i a l art ís t ic o e 276 ao m es m o tem p o ed uc at i v o e c u lt ur a l . A Embrafilme justificava sua participação no projeto devi do aos elevados custos e complexidade para se produzir filmes com temáticas históricas. Além da verba destinada às proposições, dispunha -se a mediar alocações de patrocínio complementar em empresas públicas e privadas. Para tanto, precaveu -se por meio de um edital que exigia um detalhado projeto a fim de verificar a viabilidade da realização d a produção. O pr im eir o obs tác u l o à re a l i za ç ã o de um progr am a c om o es t e é a d if ic ul d ad e d e i n v es t im en to em ro te ir o e p es q u is as par a pr o d uç ões a i n da nã o as s e gur a das . L og o a et a pa i nic i a l é c on tr at ar c om pro d ut o res / d ir et or es – e a p ar tir d a s u ges tã o d e tem as d e vi d am ent e a pro v a d os p a ra (s ic ) E m pres a – p roj et os de f i lm es qu e p erm it am pel o s e u gr au de ac a bam en t o um a a va l i aç ã o pr ec is a d e qu a l id a d e e c us t os . Es t es pr oj et os c om pr e en d erã o ro te ir o de t al h ad o c om a ç ões e d i á lo g os , pes q u is as de c os t um es , f i g ur in os etc, de v e nd o s er 277 c om pl et a dos d e ntr o d e um pr a zo m áx im o d e qu a tro m es es . Contava-se, portanto, com verba a ser rateada entre os projetos, que deveriam obedecer aos critéri os estabelecidos pela empresa, como roteiros construídos a partir de detalhadas pesquisas históricas, pautando, assim, a cenografia, figurinos, desenho e outros aspectos da produção. As verbas destinadas às produções fílmicas de “temas históricos” era apro ximadamente cinco vezes maior d aquelas destinadas aos filmes que não se enquadravam nessa rubrica 278, caso aprovada essa etapa de pré -produção . A resposta do meio cinematográfico ao programa foi positiva. No final do mês de junho , de 1977, o Departamento de Análises de Projetos da Embrafilme (DAPRO) havia recebido 74 inscrições na linha 276 P ar ec er n º 2. 4 06 / 77 , em it i d o pe l o Co ns e l ho Fe d era l d e Cu l tu r a/ Câm ar a de Ci ê nc ias Hum an as , e m 14 de s et em bro d e 19 7 7. F un d o: A nc in e/ Em braf i lm e, s ér ie 11 0 .1 /0 0 29 7 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P. 277 Ro t ei r os e P es qu is as par a Fi l m es His t ó ric os . 1 5 de a br i l de 1 97 7. F un d o: A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bra s i l e ira / S P. 278 “No i níc i o d os a n os 7 0, po r ex em pl o, a pr o duç ã o c om um de um l on g a - m etr ag em , v i nc u l ad a à Em br af ilm e, t i nh a c om o t et o d e f ina nc i am ent o 2 7 0 m il c ru ze i r os (h oj e [2 0 06 ] a pr ox im ad am ent e R $ 4 83 .4 9 3, 9 6). No c as o d e s er um f ilm e d e c ar át er h is t ór ic o , a v er ba po d er ia c h e ga r at é Cr $ 1. 50 0 .0 0 0, 00 ( um m ilh ã o e q ui n he n tos m il c ru ze ir os , e qu i v a l en te s a R $ 2 .6 8 6. 07 7 ,5 0) e, a in d a p or c im a, m eta d e d es t a s om a era c ons i d er a d a c om o s ub v e nç ã o” ; S E LIG M A N, F lá v i a. O r ga n i za ç ã o . .. o p.c i t. , p. 9 . 15 7 Filmes históricos 279. Os títulos propostos indicam alguns parâmetros para se compreender a linha interpretativa de história inerente ao programa da Embrafilme, bem como dos produtores que apresentaram as propostas 280. Na leitura da documentação referente a esse primeiro momento de inscrições de projetos , a recorrência de alguns temas permitiu , para fins metodológicos dessa pesquisa, estabelecer algumas categorias temáticas. Foi assim com Maria Quitéria e sua participação nas lutas pela independência: quatro propostas; o poeta Castro Alves e seu envolvimento no debate abolicionista; Frei Caneca e seu destacado papel na insurreição pernambucana de 1817 propostas cada; e a história de Chico Rei, – ambos com três que motivou duas proposições. Outras categorias temáticas se destacam , como aquelas relacionadas ao território: da ocupação colonial à sua defesa expansão ; revoltas coloniais e provinciais; guerras, como e as holandesas e a do Paraguai; arte, enfatizando personalidades literárias e musicais. Ressalva-se que foi estabelecida, ainda, a categoria mulher. Essas cinebiografadas poderiam se enquadrar em outras chaves, mas, devido ao destaque recebido em muitos projetos, optou se por privilegiar a discussão como questão de gênero. Diante da multiplicidade de temas inscritos, alguns títulos não corresponderam a nenhuma categorização estabelecida, sendo classificados como indeterminado 281. A partir dos filtros aplicados, foi possível mapear as temáticas fílmicas inscritas por cineastas e produtores , como mostra o gráfico 1. 279 M em or a nd o n º 6 4/ 77 , em iti d o p el o D ep ar t am ent o d e Pr oj e tos à D ire t or ia G e ra l da Em br af i lm e, em 6 de j u l h o d e 1 97 7 . Fu nd o : A nc in e / Em braf i lm e, s éri e 11 0 .1 /0 0 29 7 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P. 280 I b id em . 281 O s q ua tr o tí t u los q ue c om põ em a c at e gor i a i nd et er m in a d o s ã o: Fi l mes s /H is tór i a do Br as i l, A go n i a r o m ân t ic a , J orn a da d e h e ró is , O ú lt i mo b a il e d o i m p ér io ; es t e, ap es ar de s e tr a tar d o f im do 2 º R e in a do , é im prec is o o enf o q u e d e ab or d ag em . Cf .: M em or a n do n º 6 4 /7 7, em it id o pe l o D ep art am en to de Pr oj e tos à D ire to ri a G era l da Em br af i lm e, em 6 de j u l h o d e 1 97 7 . Fu nd o : A nc in e / Em braf i lm e, s éri e 11 0 .1 /0 0 29 7 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P. 15 8 Gráfico 1 - Categorias temáticas dos projetos apresentados Temáticas fílmicas propostas Arte Cientista/inventor 23% 24% Escravismo 5% 12% Guerra 8% Indígena 4% 4% 10% Mulher 10% Revolta Território Indeterminado Fo nt e – M em or a nd o n º 6 4/ 7 7 – D A PRO à Di r et or ia G er al / Em braf i lm e . Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P. A adaptação de livros também se revela uma prática corrente. Em função da natureza desta pesquisa, apenas os projetos relativos ao Chico Rei foram consultados. Ainda assim, os títulos apresentados permitem inferir a circula ção da temática histórica no universo literário para a narrativa cinematográfica. Exemplificam esse movimento as propostas para: O assalto, baseado no romance histórico de Afonso Schimidt; O sonho das esmeralda s, redigido por Paulo Setúbal; O sargento Pedro, do autor baiano Xavier Marques; e o próprio Chico Rei, redigido por Agripa Vasconcelos. O autor mineiro, aliás, foi referência também para projetos fílmicos de Dona Beja, feiticeira do Araxá e O império de Sinhá Braba – ambos romances históricos que integraram o projeto da editora Itatiaia Saga no país das gerais ; ao qual Chico Rei está vinculado. Outra conclusão diz respeito aos re cortes temporais dos títulos fílmicos, sendo preponderantes temas que se desenrolam n o período Colonial (43%), seguido de Império (28%) e República (18%); contando temporalidade indeterminada 11% . Quando se considera como referência a organização socioeconômica, e não mais o marco político, constata-se cerca de dois terços (2/3) dos temas ligados à sociedade 15 9 escravocrata (71%). Apesar de reconhecer que a curta história republicana – sequer secular em 1977 – influencia essa preferência temporal; acredita -se que os temas de um passado longínquo à República, ou seja, nos períodos da Colônia e do Império, tenham maior apelo histórico como imaginário canônico. Nesse ponto, os elementos de um roteiro que se desenvolve no período da escravidão e da monarquia traze m elementos dramáticos e plasticamente mais a finados ao gosto do público para os chamados filmes de época . Há que se considerar, ainda, o sucesso de Independência ou morte , dirigido por Carlos Coimbra, que se tornou uma referência para filme de gênero hist órico ao procurar reconstruir em grande produção a independência brasileira 282. Os produtores demonstra vam, ainda, preferência por filmar histórias com viés biográfico : quase o dobro dos filmes não -biográficos. Sob esse filtro, as personalidades coloniais cinebiografadas se sobrepõem amplamente às que viveram no s demais períodos históricos. Por outra via, quando se trata dos filmes não -biográficos , há uma baixa representatividade propostas), de contraposto acontecimentos ao equilíbrio republicanos entre os (apenas períodos duas colonial, imperial e temporalidades indeterminadas por inferência ao s títulos (7, 8 e 8 propostas, respectivamente). 282 Cf .: FO NS E C A, V it ór i a A ze v e d o da . H is t ór i a i m ag i n ad a. .. .. . op .c i t. ; CO R D EI RO , J an a ín a M ar t i ns . Le m b r ar o p as s ad o. .. o p.c i t. 16 0 Gráfico 2 – Temporalidades nos projetos apresentados Propostas fílmicas e as temporalidades históricas Número de Propostas 35 30 25 20 15 10 5 0 Temas NãoBiográficos 7 8 2 8 Temas Biográficos Colônia Império República Indeterminado 25 13 11 0 Total 32 21 13 8 Fo nt e - Mem or a n d o nº 6 4/ 7 7 – D A PRO a Di r et or ia G er al – Em braf i lm e . Fu nd o A nc i ne / Em br af i l m e, s ér i e 1 10 .1 / 00 2 97 , C i n em atec a B ras i l ei r a/ S P . Depois de passar pelo DAPRO, o programa filmes históricos foi submetido à Câmara de Ciências Humanas, sendo encaminhado também aos conselheiros das Câmaras de Letras e a do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional , para o delineamento mais preciso dos parâmetros temáticos a ser em estimulados e observados nas propostas. As demais Câmaras seguiram a sugestão do relator Arthur Reis, estabelecendo os seguintes temas . Em bo ab as , m as c at es , i nc o nf i d ênc i a b a i a na , i nc onf id ê nc ia m ine ir a, r e v ol uç ão n or des t in a de 1 8 17 , c am pa n ha d a ab o l iç ã o, S an tos Dum on t e a c on q u is t a d o a r , R u y e s u as c am pa n has c ív ic as , o b a nd e ir is m o p au l is t a , O r e l la n a e o d es c o br im en to d a Am a zô n ia , a c am pa nh a da im pl an t aç ã o d a R ep ú b lic a , ex p u ls ão dos h ol a n des es , n ord es t i nos e a n o v a c o nq u is t a d a Am a zô ni a , o en g e nh o d e aç úc ar , o c ic l o d a m in er aç ão , o A le ij a di n ho e a ar t e b ar r oc a , H i p ól i t o da C os t a e o C o rre io Bras i l e iro , a i nc or p or aç ã o do R io G ra nd e, a ex pa ns ão n ord es ti n a e o c ic l o do g a do , a f orm aç ã o d a f ro nt e ir a oes te , a Ca b an a gem , a Re v o luç ã o F arr ou p i lh a, os pr on u nc i am en to s l i ber a is de 1 84 2 , O s wa l d o Cr u z e o s a ne am en to d o R i o de J an e ir o, o c ic lo d o 283 c af é . 283 A de n do a o Par ec e r n º 2 .4 0 6/ 7 7, Co n s e lh o F ed er a l d e A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 2 97 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P. C u lt ura . F u nd o: 16 1 Pouco tempo depois, dois temas foram acrescentados, ambos ligados ao jornalista e escrito r Euclides da Cunha e sua experiência como cronista em distintas regiões do país : Euclides no nordeste e Euclides na Amazônia; completando, assim, o que os conselheiros denominavam capítulo da formação histórica brasileira 284. A partir da correspondência entre o CFC – por meio de suas Câmaras – e a Embrafilme, é possível visualizar a distribuição dos temas sugeridos dentro dos grandes marcos histórico -temporais da história brasileira: Gráfico 3 - Temporalidades para filmes históricos Filmes Históricas: Temporalidades 26% 48% COLÔNIA IMPÉRIO 26% REPÚBLICA Fo nt e – A d en d o a o P a r ec e r nº 2 .4 0 6/ 7 7, CF C a DG / Em braf i lm e . Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P . Os indicativos de temas pelo CFC para produção de filmes históricos podem, ainda , ser categorizados para além da sua periodização. Nesta pesquisa, por entendê-los em torno de eixos comuns, optou-se por agrupá-los nas seguintes categorias que são temas ligados à formação territorial; temas que abordam revoltas populares ocorridas no Brasil monárquico ; temas referentes às atividades econômicas; temas que destacam o indivíduo e um tema voltado para a escravidão/abolição . 284 As s i n am c om o r ela to r es d as C âm aras d e Art es e a d o P a tr im ôn io H is tó ric o e Art ís t ic o Nac i on a l, O c tá v i o de F ar i as e Af ons o Ar i nos , res p ec ti v am en te , ac om pa n h an d o a s u g es t ã o d e Ar t hur R e is , in te gr a nt e da C âm ara d e C iê nc i as Hum an as ; c o nf or m e A de n do a o P ar ec er n º 2. 4 06 /7 7 , em 0 9 de n o vem br o d e 1 97 7 . Fu nd o: A nc i n e/ Em br af i lm e, s ér i e 11 0 .1 /0 0 2 9 7, C i nem at ec a Br as i le i ra/ S P . 16 2 Gráfico 4 - Categorias temáticas para filmes históricos Filmes Históricos: Categorias Temáticas Biografia 23% Economia 31% Escravismo 27% 4% 15% Revoltas Território Fo nt e – A d en d o a o P a r ec e r nº 2. 4 06 /7 7 , CF C a DG / Em braf i lm e . Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P . Sobressaem nessas categorias alguns indicativos que permitem vislumbrar a concepção presente no progra ma de filmes históricos da Embrafilme para educação não -escolar. Uma primeira observação é a reafirmação do conhecimento h istórico escolar, didaticamente ensinado nos compêndios escolares . As revoltas clássicas brasileiras, tais como as Inconfidências Mine ira e Baiana ou as Revoltas Provinciais exemplificam a história escolar como referência . Um segundo aspecto é a compreensão da economia brasileira dentro da interpretação dos ciclos (açúcar, mineração, café), tal qual proposta por Caio Prado Júnior , em A formação do Brasil contemporâneo (1942). As interpretações de Caio Prado influenciaram a educação escolar, mas também se amplificavam, especialmente pela ideia de que o país se desenvolvia quando um setor da economia se destacava 285. A industrialização era , então, o discurso dominante nos projetos econômicos desenvolvimentistas do governo militar, reiterando as projeções nessa mesma linha realizadas nos períodos administrados 285 A l ém da a va l i aç ã o s obr e o s is t em a es c ra v is t a e s uas c o ns eq u ênc i as pa ra o des e n vo l v im en to ec o n ôm ic o n ac io n al , o utr a im por ta nt e c o ntr i b uiç ã o de C a io Pra d o f oi s u a le i tur a d os c i c l os ex tr at i v is t as br a s i le ir os , p e l os qu a is os pro d ut os er am ex p l or ad os à ex aus t ão o u e nq u an t o o c en ár i o ec o nôm ic o i nt ern ac i on a l f os s e ren t á ve l . Es s a l e it ur a f oi am pl am ent e i nc or p ora d a na e duc aç ão c o m o ex em pl if ic am os l i vr os d i d át ic os e s eus c a pí tu l os s o br e os c ic l os ec o nôm ic os do p au - br as il , d o aç úc ar , da p ec uár i a, da m in er aç ã o, d o c af é e d a b orr ac ha ; PR A D O J ÚN IO R, C ai o . A f orm aç ão do Br as i l .. . op .c it . 16 3 pelos presidentes Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-54) e Juscelino Kubistchek (1955 -60). O terceiro aspecto trata de vários temas relativos à formação do Brasil enquanto portuguesas, território , quanto a abarcando, defesa tanto territorial as e descoberta s a nova onda desenvolvimentista que planejava colonizar terras ainda não habitadas . Esse quesito parece reafirmar a DSN – ideologia corrente à época com a qual o governo autoritário civil -militar procura va justificar sua manutenção no poder. A proposição dos temas da descoberta do Amazonas e a nova ocupação daquele território pela ação de imigrantes nordestinos, por exemplo, é aqui lida como parte do projeto governamental Brasil Grande, sintetizado na Transamazônica 286. Ao mesmo tempo, trabalhar cinematograficamente a conquista amazônica desqualificaria as queixas feitas por militantes de esquerda e de uma nascente militância governamental, ambiental burocraticamente que acusavam estruturado em esse movimento torno do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), de defender o latifúndio e o agronegócio em detrimento do trabalh ador rural, comunidades indígenas e da própria natureza. Uma quarta reflexão está em um aparente paradoxo. Apesar d e o período do encaminhadas escravismo pelo CFC concentrar à quase Embrafilme, há 75% uma das sugestões única rubrica explicitamente voltada para a escravidão. Por se tratar de um governo ditatorial que enfrentava uma crescente oposição civil (após passar por uma desgastante luta armada contra opositores) , infere-se que a administração autoritária procurasse evitar situações sectárias. Desse modo, apresentar a história do Brasil sob o ângulo da escravidão enfatizando o conflito, no qual direitos e liberdade foram conquistas obtidas por meio de ações de mobilização e revolta, não parecia uma 286 O pr oj et o Br as il G r an d e vi s a v a t or nar o p aís um a p ot ê nc i a in t ern ac i on a l, tor n an d o- s e pr o p ag a n da d o r e g im e m il i tar . P ara t a nt o, aç õ es n ac io n a is eram nec es s ár ias . G r an d es obr as s im bol i za r am es s e pr oj e to , c om o a c o ns tr uç ão d a po n te R io - N it er ó i, i n i c i ad a em 19 68 , e d a ro do v i a T rans am a zô n ic a i nt e gra n do a reg i ã o n or t e - nor d es t e por um a v i a l es t e - o es t e: P ara íb a - Am a zo nas , i n ic ia d a em 19 6 9. P ar a a pr o p a ga n da p ol ít ic a d o r eg im e a ut or it ár i o, c f .: F ICO , C ar los . Re i nv e n ta n do .. . o p .c it. 16 4 escolha acertada. Assim, ao abordar o escravismo a partir da abolição , constrói-se o argumento da negociação intermediada pelo Estado, que concedia a solução para um complexo problema na formação brasileira. Em última instância, estabelecia -se, assim, uma correlação histórica entre a questão escravocrata/abol icionista nacional com o governo ditatorial no tempo presente, algo similar ao Leviatã hobbesiano 287: o Estado deve se responsabilizar pel os temas políticos e públicos; não a população civil. Por fim, o quinto e último aspecto extraído da leitura dessas categorias para roteirizar filmes sobre a história brasileira é a biografia, e ela apresenta duas dimensões complementares. A primeira diz respeito a tradicional personalização da História. Embora questionada entre os historiadores, assinala a manutenção dess e tipo de abordagem sobre o passado. Ainda que se constate equilíbrio nas categorizações apresentadas (com exceção para o escravismo), essa individualização reflete uma análise do processo histórico heroificado, diminuindo, dessa forma, a margem para críti cas aos problemas sociais e econômicos nacionais . A segunda dimensão reforça a opção frequente , inclusive pela cinematografia estrangeira, em realizar filmes com temáticas históricas a partir da biografia. Tal prática é plenamente legítima. construída Entretanto, nesse eixo ressaltam-se incorre em os não riscos que uma película explorar historicamente o contexto do personagem -título, caso a abordagem se inscreva no heroísmo, cuja representação tende a supervalorizar o indivíduo e a ocultar os conflitos iner entes à sociedade. Uma vez definid as as categorias sobre o passado brasileiro consideradas válidas , Roberto Farias comunicou ao CFC que já haviam sido iniciadas pesquisas para uma dezena dos títulos sugeridos , sendo que todas as indicações poderiam ser a proveitadas “[...] bastando, para tanto, que recebam aprovação de cineastas dispostos a assumir as responsabilidades 287 da produção, naturalmente HO B B E S, T h om as . L ev i a tã , ou , Ma t ér i a, fo rm a ec les i ás t ic o e c iv i l . S ã o P au l o: A br il C u lt ur a l , 19 7 4. e com p od er apoio de um da es t a d o 16 5 Embrafilme” 288. Os títulos indicados no ofício emitido corroboram a preferência por narrativas desenro ladas durante a monarquia escravocrata, embora houvesse a inversão da história colonial pelo período imperial como prevalência de temporalidades para os filmes com temáticas histórica s. Gráfico 5 - Filmes com temáticas históricas em processo de pesquisa : temporalidades Filmes em Pesquisa: Temporalidades 6 Colônia 4 5 Império 2 República 3 2 0 Fo nt e – O f ic io nº 37 2/ 77 , DG a o CF C . Fu nd o – Anc i ne / Em br a f ilm e, s ér i e 1 10 . 1/ 00 2 97 , C in em at ec a Br as i l e ira / S P . Os filmes cujas pesquisas históricas haviam sido iniciadas priorizavam a biografia, tendo como pano de fundo acontecimentos históricos. Dos títulos apresentados, 70% individualizava m protagonistas, abordados de modo heroificado, como: Maria Quitéria na Revolução Nordestina de 1817; Castro Alves e José do Patrocínio nas campanhas abolicionistas; Santos Dumont e Oswaldo Cruz como cientistas, inventores e brasileiros ilustres. Acontecimentos históricos somavam 20%, sendo representados pe la: colonização (O Assalto) e a história militar ( Retirada da Laguna , ainda que a fonte desta batalha seja a memória de Visconde de Taunay , cuja juventude também foi proposta como título dentre as 74 inscrições ). Um título em pesquisa se aproxima do viés documentário ao abordar o coletivo na história: a ocupação da região amazônica pelos imigrantes nordestinos. Como se percebe, a expectativa da Embrafilme quanto ao programa de filmes com temáticas históricas era elevada . Porém, sua 288 O f ic i o n º 3 7 2/ 7 7, e m iti do p e la D ire t or ia G er al , em 26 de d e z em bro de 1 97 7 . Fu nd o: A nc i n e/ Em br af i lm e, s ér i e 11 0 .1 /0 0 2 9 7, C i nem at ec a Br as i le i ra/ S P . 16 6 direção parece ter subestimado o interesse dos cineastas. Dos 74 projetos apresentados, apenas 18 foram aprovados, sendo que apenas quatro ultrapassaram a etapa da pesquisa histórica, sem, contudo, serem concluídos. No ano seguinte, mais três projetos foram incorporados, embora a penas um tenha sido lançado: O homem do pau Brasil (1981), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade 289. Gráfico 6 - Projetos fílmicos com temáticas históricas : inscritos e aprovados Filmes Históricos Inscritos x Aprovados filmes inscritos filmes aprovados 18 17 9 7 6 3 3 7 2 1 3 2 1 3 2 4 3 1 Fo nt e - A M AN C IO , T un ic o. Ma nh as e ar ti ma n has d a E m bra f i lm e. N it er ó i: E dUF F, 2 0 00 , p. 2 4 5 . A exigência da Embrafilme de um projeto com o máximo de detalhes para a valiar a viabilidade ou não do filme funcionou como filtro. Essa parece ser a principal explicação para o elevado número de projetos reprovados: determinadas 76%. temáticas, Embora daqueles não houvesse cotas pré -aprovados para para o desenvolvimento da pe squisa histórica, constata -se que categorias de grande interesse dos produtores , como revoltas e territórios , obtiveram poucas propostas aprovadas por rubrica (17,6% e 16,6%, respectivamente). Uma hipótese para compreender o desequilíbrio 289 A M A NC IO , T un ic o. M an h as . .. o p.c it . , p. 87 . 16 7 entre projetos ap resentados e projetos aprovados dentro de temas épicos, como ocupação territorial, guerras e revoltas, são os elevados custos desse tipo de produção . Apesar de atrativos ao público, as encenações de movimentos militares exigem maior contingente de figurantes e cenografia, inflando o orçamento. A biografia é outro dado presente, reafirmando a dinâmica em se trabalhar a história nacional por meio de personalização de exaltação que projeta o indivíduo para o panteão dos heróis. A única categoria que teve 100% dos projetos aceitos foi a de cientistas/inventores , com as propostas de cinebiografar Oswaldo Cruz, Vital Brasil e Santos Dumont. Por outra via, chama a atenção nenhum projeto considerado na rubrica Arte ter sido aprovado , embora nomes de representantes da história cultural nacional, como José Maurício (padre e maestro na corte joanina), o maestro Carlos Gomes ou o poeta modernista Oswald de Andrade, constassem das propostas. A novidade relativa ao incentivo de produções fílmicas no formato de seriados, voltados para a televisão , evidencia a intenção governamental de aproveitar a ampla audiência oferecida por esse canal de comunicação, cada vez mais presente nos lares do país. Os projetos deveriam conter um piloto para avaliar sua viabilidade. Foi intensa a procura: 97 projetos inscritos, sendo 22 selecionados (23%). Contudo, a negociação para exibição da série não se desenvolveu como esperado, conforme relatou posteriormente Roberto Farias 290. Apesar do fracasso do programa, f oi justamente por e le que o projeto para filmar a história de Chico Rei foi apresentado pela produtora brasileira StopFilm, conforme será analisado adiante. Retomando a ideia de história pública, percebe -se, nas ações promovidas pelo governo, tanto pelo INCE , quanto pela Embrafilme, em incentivar a produção de filmes e séries televisivas com temáticas históricas a preocupação com a memória e identidade nacionais. Observa-se, ainda, que tais ações estatais relativas à produção e uso de filmes com características educativas coincidem com os regimes 290 A M A NC IO , T un ic o. M an h as . .. o p.c it . , p. 92 . 16 8 autoritários republicanos: o Estado Novo (1937), e a ditadura militar (1964-85). O cenário político autoritário favoreceu análises que en tendem a imposição de diretrizes ideológicas estatais junto à população, aproveitando alguns veículos para atingir seu objetivo, como o caso do cinema – utilizado, tanto no âmbito escolar , quanto não-escolar 291. Por essa perspectiva, explicações sistêmicas para os regimes terminam por maximizar o poder de decisão de autoridades e/ou instituições, criando uma dicotomia entre Estado/ sociedade, agressor/vítima. Enfatizar esse aspecto da produção cultural ocorrida na ditadura militar é relevante, pois burocrática e financeira associados ao governo por procurarem disponibilizada, autoritário. usufruir muitos Entretanto, da estrutura nomes o fato foram de um cineasta/roteirista procurar as linhas de crédito disponibilizadas pela Embrafilme, não tornava seu filme uma demanda oficial; tampouco fazia do diretor/roteirista um seguidor e ideólogo da ditadura: A m ai or i a dos c in e as t as q ue m an d aram proj et os h is tór ic os n ã o o f i zer am n ec es s ar i am en t e por s im pat i a p e lo g o v ern o, nem p or af i n id a des i d eo l ó g ic as , n em p or c om ung ar c om um a v is ão d a h is t ór ia , em bor a o s im p les f a to de m an d ar p roj e to i nd i q ue qu e nã o h á inc om pa ti b i l id a de c om p l et a. É, p ara os c i n eas tas , um a pos s i b i li d a de de pr od u zi r em f ilm es – his t ór ic os o u n ã o – a i n da m ais po d en d o s e be nef ic iar em de s u b v en ç ão , a l ém de c o pr o d uç ão , e d e t er e m f ina nc i am en to p ar a r ot e ir o, o q u e é 292 ex c e pc i on a l n a h is t ór i a d o c i nem a n ac i o na l . Apesar da lúcida ressalva feita por Jean Claude Bernardet, permaneceram comuns críticas de fundo ideológico que julgavam um produtor cultural como adesista por pleitear o financiamento junto ao estado ditatorial. No entanto, muitos diretores que bateram à port a da Embrafilme em busca de suporte o fizeram para viabilizar a realização de seus filmes, como assinalou Cacá Diegues, por ocasião do lançamento de Xica da Silva. Nós t em os s i d o ac us a dos d e a des is m o p orq ue t em os re l aç ões c om a Em braf i lm e, e a Em braf i lm e é um a e m pres a d o Es t a do . E u q uer o d i ze r, em prim eiro l u g ar, q u e um a c o is a é v oc ê us ar o s eu d ir e it o d e c i ne a s ta - c i da d ã o, s o l ic it an d o os r ec urs os q u e o Es ta d o r es er va p ar a o c i n em a, atr a v és de f i n anc i am ent os , 291 292 S I MI S , A ni t a. Es t ad o e. .. o p.c it . B E RN A RD ET , J e a n - C l au d e. P ir a nh a .. . o p.c i t ., p .6 1. 16 9 c opr o d uç õ es e a v a nç os à d is tr ib u iç ão (o pe raç õ es q u e im pl ic am um retor n o , um c om prom is s o q ue n a da t em de pa t er n a l is m o o u m ec en a to) ; ou tr a c o is a é v oc ê n eg oc i ar, tr oc ar es s es r ec urs o s por f a v or es j u n to ao G o v ern o qu e 293 r ep r es e nt a es s e Es ta d o . Concorda-se com a historiografia revisionista sobre os Estados políticos autoritários que entende o problema a partir da complexidade entre os atores sociais, que negociam , dentro das condições possíveis, constantemente no âmbito político, entendendo o governo autoritário como um produto social 294. O fato é que muitos ci neastas atuaram ativamente na Embrafilme e obtiveram apoio financeiro para seus projetos, mas também travaram embates , foram censurados, seus filmes foram apreendidos, mutilados, e, por vezes, chegaram a ser presos. A relação entre Embrafilme e os cineast as se configura com o um desses espaços de negociação. Apesar do autoritarismo em 1975, o governo militar procurou alocar na direção da Embrafilme um presidente ligado às questões cinematográficas. Sendo que a atuação da classe de cineastas junto à empresa reverteu em ações importantes para o cinema nacional, conforme observou seu ex -presidente Roberto Farias. Revela-se, no caso, a existência de uma rede de sociabilidade em torno da cultura e assuntos cinematográficos essenciais para a adequação da categoria aos ditames autoritários, mas também relevante para demarcar a posição, o espaço e demandas desses profissionais. Além disso, o delineamento de um conjunto temático para nortear os Filmes históricos, estabelecido pela Embrafilme e o Conselho 293 A BO R B O L ET A de v id r o em p ap e l d e pa re d e . O G lo b o, 4 s et. 19 7 6 , p. 3 5. P ar a um ba l anç o d as per s p ec t i v as i nt er pre t at i v as s obr e o Es t ad o, s oc i ed a de e o go l p e c i v i l - m il i tar de 19 6 4; c f .: F E RR E IR A , J org e; D E LG A DO , L uc í l i a d e A lm ei d a Ne v es . O Br as i l r e p u b lic a no : o t e mp o d a d it ad ur a - re gi m e m i l i tar e m ov i m e nt os s oc ia is e m f i ns d o s é c u lo X X. R i o d e J a ne ir o: C i v i l i zaç ã o Br as i l e ira , 2 00 3 ; R EI S FIL HO , Da n ie l Aar ã o; RI D ENT E, M arc e lo ; MO T T A, Ro dr i go P. d e S á. (O r gs ). O go l p e e a di t ad ur a m i l i tar : q u ar en ta a nos d ep o is (1 9 64 - 2 00 4) . Ba ur u: E DU S C, 20 0 4; RO L L E M B ERG , D e nis e; Q U AD R AT , S am an t ha V i z. A c o ns tr uç ã o s oc ia l dos re g im es au t ori t ár ios : L eg i t im id ad e , c on s e ns o e c o ns e n tim e nt o n o s éc u l o X X (Bras i l e Am éric a L at i na) . R io d e J an e ir o: C i v il i z aç ã o Br as i le ir a , 2 0 1 0; N A PO LIT A NO , Ma rc os . O g o lp e d e 19 6 4 e o r eg im e m il i tar br as i le ir o: a p on t a m entos p ar a um a re v is ã o h is t or i ogr áf i c a . R ev is t a C on t em p orâ ne a H is t or i a y pr o bl e mas de l s i g lo X X . V. 2 , an o 2 , 2 01 1. 294 17 0 Federal de Cultura, não significou uma imposição governamental. Se propor um filme conforme sugestão estatal podia torná-lo bem visto aos olhos dos avaliadores do projeto, isso não implicava, porém, na aprovação do financiamento, como atesta a elevada taxa de reprov ação (76%). Ademais, havia possibilidade de se propor outros temas. Ou seja, os critérios de qualidade e viabilidade, cujos parâmetros são inerentes à própria linguagem cinematográfica, eram essenciais para o processo. Ainda no campo dos projetos de filme s/seriados com temáticas históricas, ressalta -se a individualidade do cineasta e roteirista em apresentar sua leitura sobre um determinado tema na busca de financiamento para concretizá -la em filme. Se o roteiro fosse aprovado, o trabalho dos censores ocor reria após o fim do processo, avaliando a realização do produto final, sugerindo classificação etária, readequações, cortes ou mesmo a proibição total. Dessa forma, no caso do cinema, observa -se que o governo financiava os filmes por meio de um órgão, para , no final, censurá -lo via outra pasta administrativa – a censura estava alocada na Polícia Federal, que integrava o Ministério da Justiça 295. Claro buscava-se que, diante desenvolver dos parâmetros roteiros que conhecidos evitassem o da censura, confronto que pudesse restringir a exibição do filme ou até gerar problemas judiciais. Ressalva -se que, uma das táticas usadas para burlar a censura era apresentar cenas explicitamente condenáveis, pois estas chamariam a atenção do censor para determinado trecho, o q ue poderia amenizar seu rigor com outras passagens do filme. Os diretores Cacá Diegues e W alter Lima Júnior, cada um ao seu modo, realizaram em seus trabalhos de temática histórica críticas 295 Par a o t em a da c ens ur a no per í od o n es t e per í od o; c f . : S IMÕ E S , In im á Ferre ir a . Ro te ir o d a in t ol er ân c i a : a c ens ur a c i n em at ogr áf ic a no Br as il . S ã o P a u lo : T erc e ir o Nom e: E d. S E N AC , 19 9 9; P INT O , L eo n or S ou za . O c in em a b ras il e ir o f ac e à c ens ur a im pos t a p e l o r eg im e m il it ar no Br as il 1 96 4/ 1 9 88 . I n: C HA G AS , C l á ud i a Ma ri a d e Fr e it as ; et . a l. ( O r gs ). C l as s if ic a ç ão i nd ic at iv a n o Br as il : d es af i os e pers p ec t iv as . Br as í l i a: Mi n is t ér i o da J us t iç a, 2 0 0 6; SE L IG M A N, F l á v ia . O rg an i za ç ão , p ar t ic i p aç ã o e po l ít ic a c i n e m atogr áf ic a br as i l e ir a n os a nos 7 0. UN Irev is ta , v. 1, n. 3 , S ão L eo p ol d o, j ul . 20 0 6; M ART IN S , W illi am de S o u za Nu n es . As m últ i p l as f or m as de c e ns ur a n o c in em a br as i le i r o: 1 97 0 –1 9 80 . I be ro A m er ic a G l ob a l, v. 1 , n. 1, f e v .2 00 8 , 17 1 políticas e sociais pertinentes ao tempo da s filmagens. Os projetos fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei revelam as concepções iniciais, enquanto o resultado final indica a dinâmica interna do filme , como será analisado a seguir. Ou seja, mesmo procurando controlar esse tipo de produção, o Estado não tem garantias de que o filme sairá como seus funcionários imaginam, pois há o elemento autoral que transgride e tece negociações em cada processo de produção/realização . Afinal, a construção e circulação do conhecimento histórico são também inerentes às produções comerciais . Como a sociedade é polissêmica e as representações refletem interesses de reconhecimento e exercício de poder pelos grupos sociais, a configuração de imaginários sociais calcados na história contribui para divulgar e reforçar a legitimidade de ações políticas e culturais de grupos específicos. Pode, entretanto, também, deslegitimar determinada realidade, favorecendo a ruptura e a inauguração de um novo projeto político, conforme assinalado por Bronislaw Baczko 296. 2.3. Os projetos fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei A análise dos projetos fílmicos de Xica da Silva e Chico Rei propiciam o entendimento do processo de construção da pesquisa histórica e a realização da narrativa cinematográfica. Por meio desse procedimento, pode se reconhecer a circulação do conh ecimento histórico em diferentes suportes e os filmes em destaque como exemplos da construção da história pública , delineando, portanto, um relevante espaço de educação não -escolar. Conforme visto no primeiro capítulo, na década de 1960, as histórias de Chica da Silva e Chico materialidade em diversos registros. Rei já havia m adquirido Além das coincidências que marcam o processo de criação dos referidos filmes – como o fato de os protagonistas terem sido escravos e alcançado a alf orria, obtendo reposicionamento social nas Minas setecentistas; circularem na memória popular , considerados na poesia de Cecília Meireles, em 296 B A CZ KO , Br o nis l a w. I m agi naç ã o s oc ia l .. .o p . c it . 17 2 Romanceiro da Inconfidência; terem sido registrados em romance histórico de Agripa Vasconcelos; tematizarem dois desfile s carnavalesco s da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro –, ambos foram realizados durante a existência da Embrafilme, tecendo relações diretas com o órgão, embora em níveis distintos. Cacá Diegues rodou Xica da Silva em 1975, ano em que a Embrafilme incorporou as funções do extinto INC. Ainda não havia sido lançado o programa de filmes históricos, porém a empresa assumiu responsabilidade s como produtora e distribuidora junto ao projeto Xica da Silva. A pasta referente ao processo do filme, contudo, extraviou-se do acervo da Embrafilme 297. Tentou-se localizar uma cópia do referido processo junto à empresa do cineasta, Lu z Mágica Produções , porém sem sucesso. Tampouco foi viável incompatibilidade de agenda do mesmo entrevistar o diretor, por 298 . Não obstante, a análise referente ao projeto de Xica da Silva foi desenvolvida a partir de documentos como seu roteiro original e certificados de censura . Contudo, principalmente pela ampla divulgação ocorrida na imprensa por ocasião do lançamento do filme, conta-se com muitas entrevistas concedidas aos jornais por Cacá Diegues, Jarbas Barbosa (produtor) e Zezé Motta, int érprete da protagonista. Por essa documentação, foi possível reconhecer as principais matrizes delineadoras do roteiro, influências estéticas, intenções e percalços durante sua realização até sua liberação pela censura. Chico Rei, por outro lado, foi o tema de filmagens apresentado por duas produtoras junto à Embrafilme, dentro do programa Filmes históricos: pela N.T.M., recusado, e outro proposto pela StopFilm, aprovado como seriado. Ressalva -se que, mesmo tendo sido recusado, a análise do projeto fílmico da N.T.M. permite refletir sobre a circularidade do conhecimento histórico. 297 A p as ta C o ntr at os d o f i lm e X ic a d a S i lv a / P roc es s o tr a z a a no t aç ão : A n ex os d e c on tr at os d o pr oc es s o 0 04 2 1/ 7 4 ex tr av i ad os . F un d o: Anc i n e/ E m braf ilm e, s é r ie 11 0 .1 /0 0 07 5 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P. 298 S obr e a ex i s t ênc i a d e d oc um ent aç ão ref e r en t e a X ic a da S i lv a, f oi f e i to c o nt at o c om a em pr es a p or m eio d e c om u nic aç ão el etr ô n ic a ( em ai l) e te l ef o ne , c o nt u do s em ret or n o . T r ês t e nt at i v as de a g en d ar um a en tr e vis t a c om o d ir et or f o i s o l ic it ad a à s u a as s es s or i a d e i m pr ens a, p or ém f oram n e ga d as em f unç ão d e s u a ag e nd a . 17 3 Quanto ao filme realizado e lançado por W alter Lima Jr. , as análises são profícuas. Além do r esultado final, h ouve uma série de problemas durante sua produção que o enriquecem. Os percalços vão desde a reelaboração do roteiro por exigência do cineasta – que julgava inapropriadas muitas abordagens de acontecimentos históricos –, até os conflitos en tre os produtores nacionais (StopFilm e Embrafilme), a produtora alemã (Provobis) e o diretor, resultando no rompimento da parceria. O acervo da Embrafilme mantém documentos importantes para elucidação desse confuso processo que envolveu Chico Rei. Outra fonte relevante para se analisar o litígio protagonizado pelos produtores e diretor do filme, especialmente nos anos da ruptura na produção (1981) e do seu lançamento (1985), é a imprensa. Assim como em Xica da Silva, os periódicos serviram , também, como relevantes divulgadores do filme e espaço para o diretor explicar o processo de construção fílmica, sua importância para o conhecimento histórico, bem como esclarecer aspe ctos do imbróglio judici al em que se envolveu para concluir o filme . Soma-se a essas fontes o trabalho de história oral realizado com o diretor, que concedeu um valioso depoimento na cidade mineira de Ouro Preto, cenário de Chico Rei, por ocasião da 10ª edição do CINEOP (Festival de Cinema de Ouro Preto), em junho de 2013, quando foi o cineasta o homenageado do evento. 2.3.1. Xica da Silva A ideia de filmar a história de Chica da Silva começou em meados dos anos 1960, mas o projeto só foi viabilizado em 1974, quando o Jarbas Barbosa encampou a proposta. Sobre esse processo, o produtor afirmou que, [.. .] d es d e qu e a g e nt e f e z j u nt os O s He rd e ir os , em 6 8- 69 , e u e Cac á s em pre c o n v e rs am os s o br e es t e pr oj e to . Em m ead os de 74 , e l e m e prop ô s a pro d uç ã o d e um out ro f i lm e, c uj o r ot e ir o eu n em c h eg u e i a le r, p or qu e d is s e l og o a e l e: “ S e v oc ê qu er f a ze r um f ilm e, v am os f a zer X ic a d a S i lv a ” , ou tro nã o m e in t eres s a . Ac ho qu e el e a i n da v ac i l ou , n ão ac r ed i to u 17 4 qu e a g en te pu d es s e l e va n tar os rec urs os n ec es s ár i os . [ .. .] E u ac r e d it o m a is em ta l en t o e c om p et ênc i a do q u e em m uit o 299 d in h ei r o . Para colaborar na criaç ão do roteiro Cacá Diegues convidou o escritor carioca João Felício dos Santos , sobrinho-neto d o memorialista Joaquim Felício dos Santos . Além do laço familiar que aproximava João Felício à história da região diamantina, o autor tinha publicado outros romances inspirados na história 300. A parceria estabelecida com o diretor ultrapassou a roteirização . O literato foi convidado para interpretar o padre do arraial do Tejuco , tornando -se, também, uma espécie de consultor sempre por perto. A experiência o incentiv ou a adaptar o roteiro e publicá -lo como livro após as filmagens 301. Sabe-se que os filmes com temáticas históricas , devido aos custos com pesquisas e reconstituições inerentes à produção , costumam ter um elevado orçamento, justificando a preocupação de Cacá Diegues quanto à obtenção de recursos. O papel da Embrafilme, nesse sentido, foi importante . No final de 1974, a empresa assinou parceria como coprodutora e distribuidora exclusiva do filme, ficando assim estabelecidas as responsabilidades entre as partes envolvidas: JB Produções: 55%; Cacá Diegues: 15%; e a Embrafilme: 30%. Conforme o contrato, o orçamento estimado do filme era de Cr$911.000,00, sendo que a Embrafilme adiantava Cr$273.300,00 para viabilizar o projeto 302. Ao final das filmagens, contudo, esse valor mais que dobrou. Além do aumento nos custos da produção, houve o naufrágio com o barco de Xica – felizmente ninguém se feriu , embora estivesse 299 A BO R B O L ET A de v id r o . .. o p.c it ., p. 34 . Des t ac am - s e em s uas p u bl ic aç ões i ns p ir ad as pe l a h is tór i a: S ANT O S, J oã o Fe líc i o d os . Ma j or Ca l ab ar . R io d e J a n eir o : Fra nc is c o A l v es , 19 6 0 ; S A NT O S, J o ão Fe líc i o d os . G a n ga- zu mb a . R i o d e J an e iro : T ec no pr i nt , 1 9 67 ; SA N T O S, J o ã o F el íc i o dos . Car l ot a J o a qu i n a: a r a i nh a d e vas s a . R io d e J a ne ir o: C i v i l i zaç ã o Br as il e ir a, 19 6 8. D is p o ní v e l em : < ht tp :/ / www. j o a of e l ic i od os s an t os .c om .br/ h o m e.htm l > Ac es s o em : 3 j u n. 2 0 1 1. 301 O l i vr o f o i l anç a do c om o hom ôn im o d o f i l m e: X ic a d a S i lv a. S o bre o f a to , C ac á Di e gu es o bs er v ou q u e s e tr a ta v a d e um “c as o rar o d e um f ilm e que de u or i g em a um l i vro” ; Es t ad o d e M i nas , 3 m ar. 20 0 7. 302 Co ntr at o d e C o - Pr o duç ã o, as s i n ad o em 10 d e d e zem br o d e 1 97 4 . Fu nd o : A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 0 75 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P. 300 17 5 tripulado no Entretanto, foi momento grande do o acidente , prejuízo inclusive financeiro, por já que Zezé Motta. foi preciso reconstruir o navio, que consumiu cerca de Cr$50.000,00 e dava toques de superprodução para os padrões do cinema nacional, além de materiais da produção que foram a pique junto com a embarcação. Em função do acidente, Cacá Diegues soli citou à Embrafilme novo adiantamento, concedido no valor de Cr$300.000,00 , atrelando a renda de bilheteria como garantia de recebimento da dívida 303. Diante do descompasso financeiro, foram redefinidas as cotas de responsabilidade e participação nos resultados do filme. A Embrafilme elevou sua parte a 40%, adquirindo partes da JB Produções, que reduziu sua parcela para 50% , e do diretor que passou a ter 10% 304. Entre os adiantamentos realizados, o aumento em sua participação e a compra de mais 10% das cotas do s produtores, o aporte total da Embrafilme em Xica da Silva somou Cr$1.087.239,10 – bem mais do que o valor total inicialmente projetado para o filme. Considerando as proporções de participação, i nfere-se que o custo final do filme alcançou Cr$2.718.097,75 . Apesar do elevado valor para uma produção nacional, Cacá Diegues ponderou que “ Xica da Silva apenas utilizou de maneira adequada os recursos disponíveis no cinema brasileiro [...] e [o filme] representa uma produção pouco acima da média” 305, sobretudo quan do comparado ao dobro da receita orçamentária consumida em Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto) e Tenda dos Milagres (Marcel Camus). O diretor relativizou, reiteradamente, o orçamento da produção por considerar que, ao se enfatizar o aspecto econô mico, a discussão sobre a qualidade do filme ficava em segundo plano. Além disso, percebe-se a tentativa de dissipar as incômodas críticas que o colocava como integrante de um grupo de cineastas com privilégios junto à Embrafilme. 303 Ad i tam e nt o e Re - Ra t i f ic aç ão a C o ntr at o d e Dis tr ib u iç ã o , as s i na d o e m 2 d e a br il de 19 7 5. Fu n d o: A nc i n e/ Em br af ilm e, s ér ie 1 1 0. 1/ 0 00 7 5, C i nem at ec a Br as i le ir a/ S P . 304 Ad i tam en t o a o c o ntr a to de c o- pr o duç ã o a o fi l m e X ic a d a S i lv a , a s s i na d o em 24 de n o v em br o d e 19 7 5 . F un d o: Anc i ne / Em braf i lm e, s ér ie 1 1 0. 1/ 0 0 07 5 , C i n em atec a Br as il e ir a/ S P . 305 X IC A D A SI L V A, d o is an os .. . o p.c i t. 17 6 Mesmo não sendo considerado pelo diretor uma superprodução, o elevado orçamento e sucesso comercial atingido logo nas primeiras semanas de exibição imprimiram um peso a Xica da Silva especialmente por representar parte d a história nacional. Por ocasião da première do filme, Cacá Diegues observou que “ [...] eram poucas as referências históricas [sobre Chica da Silva] , sendo familiar o enredo de Salgueiro (1963), Cecília Meireles e Joaquim Felício dos Santos” 306. De fato, produção histórica no campo acadêmico sobre a vida da ex-escrava que se tornou amásia de um dos homens mais importantes do império português era inexistente. Talvez, por isso, desde o início das filmagens, o diretor procurou se esquivar das cobranças por produzir uma narrativa cinematográfica pautada na ideia de verd ade histórica. Em 1975, quando o filme ainda era produzido, Diegues pontuou não intencionar discutir a crônica histórica do país. Entretanto, reconhecia pensar o filme como um mediador para promover essa reflexão. O q ue s a b em os da X ic a d a S i l va , a lém das r ar as f o n tes er u d it as , n os f o i tr a ns m iti do p el a im ag in aç ã o p o pu l ar a tr a vés da tr ad iç ã o o ra l o u p e los r om anc es , p eç as de t ea tr o, p oem as e s am bas . T an t o m el hor . N ã o é i nt e nç ã o do f ilm e dis c u tir a c r ôn ic a h is tór ic a d o p aís , s e b em que p os s a m os c ola b orar c om e la . Pr et en d em os a p en as ac en d er um a l u z n o va s o br e um im por ta nt e pers o na g e m m ític o br as i le ir o e , atr a v és d e le , f a zer o e lo g io p o ét ic o d a l i ber d ad e , da im a gi n a ç ão c r ia d ora e da 307 s ens u a li d ad e d e um p o vo – o n os s o . A percepção do filme como mediador do conhe cimento histórico reapareceu quando apresentou seu filme para a imprensa. Nas entrevistas próximas ao lançamento nacional, em setembro de 1976, o diretor destacou a importância da reconstituição cenográfica a cargo d e técnicos do IPHAN (Instituto do Patrim ônio Histórico e Artístico Nacional), que, segundo Diegues, se superou na árdua tarefa de tentar deixar o casario das ruas da cidade de Diamantina o mais próximo das existentes no arraial do Tejuco, no século XVIII: “ [...] repintando casas, igrejas, reconstruindo muros, ‘maquiando’ postes” 308. Orgulhosamente, 306 RA NG EL , M ar i a L úc i a. C i n em a No v o: s e g u nd a d e nt iç ão . O p o vo nas te l as e n as s a las . J or na l d o B r as i l , 31 j u l . 1 97 6. 307 S I L VA , A l b er t o. A f a n tás t ic a X ic a d a S i l v a. Crí tic a , 9- 15 j u n. 19 7 5 , p. 2 1. 308 X IC A D A SI L V A, d o is an os .. .o p.c i t. 17 7 Cacá Diegues reiterava a realização de intensa pesquisa histórica para empreender as filmagens . Mas , c om o h a vi a m ui t o p ouc a c o is a s o br e a X ic a d a Si l v a, nós tom am os um c am in ho d e r ec o ns t i tu iç ã o his tór ic a da é p oc a e pus em os o p ers o n a ge m em c im a. C a da el e m ento em c ena é a r ec o ns ti t u iç ã o r i g or os a de d oc um ent os e gr a vu ras , pr inc i p alm en t e D e bre t e R u ge n das , pes q u is ad os nos m us eus de B e lo Hor i zo n t e e do Ri o de J an e ir o. Mu i tas c en as s ão c óp i as f ié is d es s as r e pro d uç ões . [. ..] As r o up as e os c e n ár ios f or am to d os r ec o ns t i t uí d os , c om ex c eç ã o de X ic a , qu e é a 309 i nt er ve nç ã o na H is tó ri a . Percebe-se, portanto, a dubiedade de Cacá Diegues quanto ao filme de gênero histórico. Se, em determinados momentos, procurou fugir da carga educativa de um filme histórico, ao mesmo tempo ressaltava o trabalho de pesquisa e reconstituição históricas como lastro de qualidade de seu Xica da Silva. Esse comportamento torna-se compreensível diante da crítica realizada pelo diretor a respei to do papel social reivindicado pelo cinema nacional, sobretudo do cinema novo, movimento do qual foi partícipe. O cineasta avaliou que os temas sociais haviam perdido sua eficiência pelo excesso de proselitismo, o que afastava o público do cinema . A g en t e c om eç o u f as c i na d o p el o p o v o, d e po i s s e d ec epc i o no u. V ei o a f r us tr aç ão e a ge n te f ic ou n um a pos iç ã o agr es s i v a, c om o s e o p o v o f o s s e c u l p ad o. [. .. ] H a v ia um a ref l ex ã o r ea l is ta qu e f oi f rus tr ad a , e a ref lex ã o ac ab o u s e t orn a nd o um a es péc i e d e a ut od es tr u iç ã o , a t é q u e os f i lm es v ir ar am um a abs tr aç ã o l o uc a . E os rea l i za d or es c ons c i e nt es es tã o s a i nd o 310 d is s o e r et or na n do ao po v o . No seu entendimento, r etornar ao povo era uma necessidade do cinema brasileiro. Segundo o diretor, o país vivia um momento próximo a um marco zero. Es t am os em erg in d o de um p er ío d o ne gr o, d o lo ros o, e é pr ec is o nes te m om ent o ac re d it ar na c r i at i v i da d e, por q ue qu a nd o os ins trum e nt os f a l h am , q ua n do o s i ns t rum en t os de m odif ic aç ão d o r e a l s e m os tr am in o per a n tes , v oc ê n ã o v ai f ic ar lam en t an d o o rea l , v oc ê m uda os i ns tr um en tos . P ar a po d er a t i var a s u a c r i at i v i da d e v oc ê t em qu e s er po l i tic am en te r i gor os o, es t ar s e m pre ao l ad o do po v o, m as s er 311 i de o lo g ic am ent e irr es p ons á v e l, c om o a X ic a . 309 SI L V A, F er n a nd o J os é D ias da . X ic a d a S i l v a e d o S uc es s o. J or n a l d a Tar de , 2 4 s et . 1 97 6, p. 24 . 310 V ART UC K , P o l a. Um a v ir a da d o C in em a No v o n o ex pr es s i vo X ic a d a S i lv a . O Es t a do de Sã o Pa u lo , 9 s et . 1 97 6 . 311 I b id em . 17 8 No período, quando falava sobre suas motivações para filma r Xica da Silva, Diegues ressaltava que “[...] o que mais o atraía no projeto era a possibilidade de realizar um filme sobre a maravilhosa doidice brasileira” 312. Iria ainda mais longe, defendendo uma ideia de brasilidade que se aproximava daquela desenvolvi da pelo movimento tropicalista 313. Nesse sentido, o desfile da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro (1963) foi uma importante referência para filmar a história da ex -escrava do Tejuco , culminando na elaboração de um roteiro que consolidava a inversão do i maginário oitocentista sobre Chica da Silva. A partir de então, a negra passou a ser narrada como uma pessoa de personalidade forte , atrevida e senzualizada. A linguagem carnavalesca foi o estilo narrativo adotado na película de Cacá Diegues. Sobre a linguagem carnavalesca no cinema, Marco Silva 314 observa que muitas produções cinematográficas nacionais se aproximam do estilo alegórico e caricatural próprios do gênero. Contudo, para o historiador, essa prática não invalida o uso do filme como fonte, já que a narrativa fílmica termina por oferecer possibilidades para a crítica histórica . A c ar n a va l i za ç ã o n ã o s e l im it a a f a ze r p i ad as c om um un i v er s o t em át ic o . E la pos s i b i li t a a pr es e n tar o h is tór ic o c om o i nt er p r e taç ã o ex p lí c it a , [. .. ] in tr od u zi n d o in v ers ões h ier ár qu ic as e c ro no l ó gic as c om f ina l id a de c r ít ic a e e v id e nc i a nd o laç os de es c l ar ec im ent o r ec í pr oc o en tre o 315 pr es e nt e d e f i lm agem / ex ib iç ão e o p as s a d o t em ati za d o . 312 R AN G EL , M ar ia L úc i a . C i n em a N o v o. .. op .c it . Pa ra o m ov i me n to tr o p ic a l is t a ; c f .: SC HW ARZ, Ro b ert o. Cu l tu ra e p o lí t ic a , 1 9 64 69 . I n: O p a i d e fa mí l i a e o utr os e ns a io s . Ri o d e J a n e iro . P a z e T erra 19 7 8; FA V A RET T O , Ce ls o F. T r o p ic á l i a: al e go ri a, a l e gr ia . S ão P au l o, Ka ir ós , 19 7 9; VI L L AÇ A , M ar ia n a. T r op ic a l is m o: e ntr e va ng u ar das e m anif es t os . I n: P o li f on i a tro p ic a l : ex p er i me nt a l i s mo e e ng a j am e nt o n a mús ic a p o p ul ar ( Br a s i l e C ub a , 1 9 67 19 7 2) . Sã o P a u lo : H u m anit as , 20 0 4. Cac á D i e gu es er a c a s ad o c om a c a nt or a Nar a Le ã o, te n do rec on h ec id o t râ ns it o c om o gr u po tr op ic a l i s ta . Em s eu f i lm e O s Her d e iros (1 9 69) , há a par t ic i p aç ão d a s ua es p os a e d e Ca et a no Ve l os o em um a s e qu ê nc i a b as t a nt e m us ic a l , b em ao es t i l o tro p ic al is ta de e x per im en t aç ã o e re l e it uras c ul t ura is . 314 SI L VA , M ar c o A nt ô ni o. A c ar ic a t ura c om o pe ns am ent o : a Ca rl o t a d e Car l a. I n .: Rev is ta O O l h o d a His tór i a , n . 10 , 2 00 8 , pp . 1 - 8. Dis p on í v el em : < h tt p: // oo l h od a h is t or ia . o rg/ ar ti g os / IM A G E N S- c ar ic a tu ra - c ar l ot ac ar la- m ar c os - s il v a .p df > Ac es s o 2 7 a go . 2 00 8. 315 I b id em , p .8 . 313 17 9 O sucesso de público indicava que seu intento em fazer um cinema mais popular era alcançado. Ai nda assim, sua opção pelo tom caricatural e carnavalesco com que representou Xica da Silva e seu contexto histórico lhe rendeu duras críticas 316. De modo geral, e las o acusavam de deturpar a história e explorar a sexualidade – quase aos moldes do gênero pornochanchada 317, deslocada para contexto colonial – com o intuito de obter sucesso econômico . Es s e apr e n di za d o c o m erc ia l, e n tre t an to p arec e c am i nh ar n a pr o p or ç ão c o nt rár i a do a pr en d i za d o h is t ór ic o , ou s ej a, o c i ne as t a pref ere s ac r i f ic ar gra n de p art e d a riq u e za p ol ít ic o et n ol ó g ic a qu e e n v ol v e a p ers on a gem em f unç ã o d o r is o f ác i l, 318 m as gar a nt i do , d a p l at e ia . Ressalva -se que f ilmes de gênero histórico , como Xica da Silva e Chico Rei, são obras ficcionais cujos argumentos são construídos em estreito diálogo com a História. Tornam-se, nesse sentido, obras de quase realidade 319. sobrecarrega as A intercessão películas dessa entre história nature za pelo e imaginação viés histórico reivindicado, recebendo intensa cobrança por parte de historiadores e críticos acerca da veracidade dos acontecimentos do passado representados no filme. Reitera-se que não se trabalha nesta tese a perspectiva de procurar a verdade histórica nas representações fílmicas. Inclusive, concorda -se com Robert Rosenstone que as incongruências hist óricas (temporais e personagens, por exemplo) presentes nas representações 316 No a n o d e 1 97 8 os c r ít ic os am pl i a v am as qu e ix as a o d ir et or p ar a a l ém do f ilm e X ic a d a S i lv a . Cac á Di e gu es r es po n de u a c us a n do - os d e pa tr ul he ir os i de o l óg ic os , tem a qu e s er á d is c ut i d o n o c ap ít u l o 4, it em 4 .1 . 317 “O gê ner o p or n oc h a nc h a da – c o nj u nt o de f ilm es c om tem átic a s di v ers as m as c om f or m as de pr o d uç ã o a pa re nt a das – i d en t if ic ad o c om c o m édi as eró t ic as , rap i d am ent e c o n qu is t ou am pl as p arc e l as d o m erc ad o. ( .. .) O ter m o de s g as t o u- s e pe l o us o in d is c r im in a do , des i g na n do t an t o f ilm es de pr o duç ã o apr es s a da e m a l ac a b ad a , c om o ou tr os d e c ons tr uç ã o e l ab or a da , m as o c rit ér io bás ic o é a pr ior i d ad e n a ex i b iç ão an a tôm ic a f em in i na (m es m o qu e em c onf l i to c om o des e n vo l v im en to dr am át ic o ) e o d es en v o l v im en t o d e ro te ir os c om ênf as e em pi ad as ou s i tu aç ões er ót ic a s ” ; A B R EU , N un o C és ar . Por n oc ha nc ha d a. In .: RA MO S , Fer nã o ; M IR A ND A , L u i z Fe l i pe . (O r gs ). E nc ic l o pé d i a d o c in e m a br as i le ir o . 2 .e d . S ão Pa u l o: E d . S E NA C, 2 0 04 , p. 4 32 . 318 F ER R EI R A, J a i r o. Um n ã o à p orn oc ha nc ha d a. F ol h a d e S ão P au l o , 8 s et . 1 97 6 . 319 RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it . 18 0 são pontos a serem explorados para reflexão sobre o conhecimento histórico 320. Percebe-se, portanto, a consciência do diretor em carregar nos tons caricaturais em sua releitura de Xica da Silva. Para Cacá Diegues, pela comédia e inversão da ordem, recurso narrativo tão caro à linguagem carnavalesca, era possível reaproximar -se do público e promover reflexões sobre o passado histórico. Além das críticas realizadas pela parcela da imprensa defensora da perspectiva objetivista nos filmes de temática histórica, condenando a opção pela verossimilhança abordagem histórica, outra carnavalesca dificuldade em detrimento enfrentada por da Cacá Diegues foi com a censura. Embora a Embrafilme tenha sido uma parceira essencial para Xica da Silva , antecipando recursos e promovendo a distribuição das cópias, inclusive no exterior, a relação com o governo se operava com reservas. A censura, sob responsabilidade da Polícia Federal, estava ativa em 1976 e continuava a bloquear a produção cultural brasileira 321. A presença do departamento censor pode ser sentida no comentário de Cacá Diegues referente aos problemas que o filme enfrentou com os censores do Estado , destacando a preocupação do órgão com a críti ca política, sobremaneira a violência repressiva da ditadura, e , também, os aspectos morais de natureza sexual. O f i lm e d em oro u um m ês par a s er l i be ra do . E l es qu er i am c or t ar a t or tur a d o f i n a l, to d os os p a la v rõ es , um pa p o d o A l ta ir L im a c om o J os é W ilk er . Es ta v am qu er e nd o c ort ar c o is a pr a bur r o . F in a lm en te ac a bo u t e n do um c ort e s ó , n aq u e la pr im eir a c en a d e s ex o e n tre o W alm or e a Ze zé . N ã o p as s ar am : um n u do W alm or, um a c e na n os l e nç ó is e u m a c on v ers a de 322 tr a v es s ei r o e n tre el es . 320 RO S E NST O N E , Ro b e r t. A . I nv e nt a n do la v e rda d e. .. o p.c it . No p ós - 1 96 4, a li b er da d e d e ex pr es s ão f o i s upr im id a , s o b o r es pa l d o d a L e i d e S eg ur anç a N ac io n a l, t or n a n do- s e um a pr át ic a q ue va ri o u, t a nt o n o qu e d i z r es pe i to à s u a s is t em at ic id a de , qu a nt o à s u a i nt ens i d ad e . C ar ac t er i zo u - s e c om o m ec an is m o de c o n tr o l e s oc i al c o m pos to p or d u as d im ens õ es i ntr íns ec as , 1 ) o re g im e m il i tar (des )a ut or i za v a os as s un t os v e ic ul a d o s , po r m eio d e l is t as d e pr o ib iç ões em it i das pe l o M i n is t ér io d e J us tiç a ; 2) s u g ere - s e c om o a l gu ns t em as de v er i am s er trat a dos . A o re g ul am en tar e ins ti t uc i o na l i za r a c ens ur a, os g o ve rn os m il it ar es pr e oc u p a vam s e em “ ve l ar ” as aç õ es c e ns ó ri as , n o i n tu it o d e nã o c om pr om eter a im ag em do go v er n o p or s eu as pec t o pr o i bi t i vo ; M A RT IN S, W ill iam de S ou za N u n es . As m últ ip l as f or m as de c ens ur a. .. op .c it . ; PI NT O , L eo n or S ou za . O c i nem a bras i l e ir o .. . op .c it . ; SE LIG M A N, F lá v i a. O r ga n i zaç ã o. .. op .c it . 322 C i nem a. R ev is t a Fa to s e F ot os G e nt e , 31 o ut . 1 97 6, p. 13 . 321 18 1 Considera-se de fundo político a preocupação dos censores com a cena de tortura do negro quilombola Teodoro, pelas forças do Estado, sob supervisão direta do governador Visconde de Barbacena , pois poderia ser entendida como um endosso crítico às denúncias de tortura correntes no regime militar. Apesar disso, terminou liberada. Os pareceres da Divisão de Censura e Diversões Públicas da Política Federal (DCDP/PF) indicam o predomínio dos aspectos morais na análise censora do filme. A única cena de corte recomendada foi a referida por Cacá Diegues. Contudo, onze falas – das personagens Xica da Silva e Sargento Mor – com expressões populares, termos chulos e palavrões deveriam ser suprimidas 323. Apesar das restrições, o filme terminou liberado para a faixa etária de 18 anos, constando os selos de Boa Qualidade e Livre para Exportação. Algumas observações do DCDP sobre o filme se destacam , como o entendimento , na avaliação de uma censora, de que o filme não apresentava apelo erótico. Fi lm e hi s t ór ic o , re tra t an d o ac on t ec im e nt os da ép oc a d o Br as i l c o lô n ia , r es s a lt a nd o as ri q ue za s res u lt a nt es d a ex tr aç ão de our o e pe dr as pr ec ios as . C h ic a da S i l va , p e rs on a g em len dá ri o , é m os tr a d a em to d a s ua ex te ns ão h um ana e s u a nu d e z s ur g e de um m odo n at ur a l e s im pl es , s em n en h um a ex i b iç ã o 324 er ó t ic a . Ou a qualificação elogiosa do filme quanto aos seus aspectos artístico e fotográfico, realizada por Carlos Rodrigues , que parece ter se impressionado, sobremaneira, com a locação de Diamantina . Rar am en te t em os o p ort u ni d a de d e ex am i nar f i lm e n ac io n al c om a c a te g or ia d e s ta “X ic a da S i l v a”, ta nt o p el o g ui ã o c i nem at o gráf ic o , d es e m penh o d os art is t as e pr i nc ip a lm ent e as f ilm ag e ns d a c i da d e de D i am ant i n a, q u e g uar d a a i nd a t od as as c a r ac ter ís t ic as do Br as il C o lo n ia l . F e it o – c om es p ec i al pr a ze r – es t e re g i s tro s obr e o f i lm e , c uj a l ib er aç ão e v id e nt em ent e t erá q ue s er n a f aix a e tár i a m áx im a, d e v erá 323 P ar ec er 4 5 94 /7 6 , as s i na d o p or C le us a Ma ri a F err e ira B arr os , em 2 0 d e a gos t o de 19 7 6. D CD P /P F. Ar qu i v o N ac i o na l /D is tr it o Fe d er al – Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac in e b r.c om .br /a rq u i vo / 00 5 0 03 4 C0 0 80 1. h tm l > Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 . 324 P ar ec er 4 0 45 /7 6 , as s i na d o p or M ar ia H e l en a M ed e ir os , em 15 d e j u l ho 1 9 76 . DC DP / PF . Ar qu i v o N a c i on a l/ D is tr i to F ed er a l – Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac i n eb r.c om .br/ ar qu i v o/ 0 05 0 03 4C 0 01 0 1. htm l > Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 . 18 2 s of r e a p en as um c ort e e el im i naç ã o d e tr i lh a s on ora c onf orm e 325 s e s e gu e . Cacá Diegues não se abalou diante das sugestões de cortes e solicitou a revisão do parecer. Essa possibilid ade reitera comentário anteriormente realizado sobre os espaços de negociação existentes entre o cineasta e Estado, apesar do momento ditatorial e natureza coercitiva do órgão censor. Infelizmente, o documento está incompleto e não foi possível localizar a resposta oficial à solicitação – embora o filme revele o sucesso nas reivindicações. Ainda assim, é interessante perceber os argumentos usados pelos produtores, destacando a qualidade técnica do filme e a pertinência dos termos por uma questão cultural. Co ns id er a nd o o e l e va do n í v el t éc nic o e ar tí s tic o e o tr ab a l ho v er d a d eir am en te art e s an a l r e a li za d o s c om o f i lm e X ic a d a S i lv a , gr an d e v enc e d or d o úl t im o F es t i v a l d e Br as í l i a de Ci n em a B ras i l ei ro e , s em d ú vi d a, um a das m ais s ér i as te n dê nc ias d e af as t ar o c in e m a n ac i o n a l d as c h am adas “ po r n oc ha nc ha d as ” , o qu e s ó tr ar á b e nef íc i o s ao es p ec t ad or , e à i n d ús tr i a c i n e m atogr áf ic a nac i o n a l, v im os m ui r es p e it os am ent e , c om o i nt u it o de m ant er a i nt eg ri d ad e d a obr a , s ol ic i tar a V. S a. q ue rec o ns id er e o c o rte d et erm in a do n o s eg u nd o r o l o d o f ilm e. S ol ic i ta a i nd a q ue s ej a r ec o ns i d er ad a a d et erm in aç ã o d e s upr es s ã o das ex pr e s s ões “ M ER D A” e “ BU ND A ” qu e s ã o c o loc a das s em int u it o d e d e boc h e o u p orn o gr af i a, j am a is gr a t ui t am ent e, e q u e , d es s e m od o, a n o s s o v er, n ã o t em s en t id o o bs c en o m as c ôm ic o. T am bém a ex pres s ã o “ FI LH A D A PUT A” é c o l oc a d a c o m um s ent i do tr ag ic ô m ic o e ac re d it am os qu e s ej a a ún ic a ex p res s ã o g en u in am en te bra s i l e ir a c a bí v e l 326 no m om ent o e n a s it u a ç ão em qu e é pr of er i d a . Apesar dos contratempos técnicos e com a censura, a ampla pesquisa que fundamentou a cenografia, os figurinos e o roteiro, somada à linguagem cinematográfica pontuada pela comédia e alegoria carnavalesca, colaborou para o filme se tornar um grande sucesso de público. Logo nas primeiras semanas, o valor d e arrecadação cobria 325 Pa rec er 45 8 7/ 76 , as s i na d a p or C ar l os R o dr ig u es , em 20 d e a gos t o d e1 9 76 . DC DP / PF . Ar qu i v o N a c i on a l/ D is tr i to F ed er a l – Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac i n eb r.c om .br/ ar qu i v o/ 0 05 0 03 4C 0 06 0 1. htm l > Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 . 326 So l ic i taç ã o a o d ir e to r da DC D P (d oc um en to i nc om p le to ) , em 31 a g o. de 1 97 6 ; DC DP / PF . Ar qu i v o N ac io n al /D is tr it o Fe d er al – Dis p on í v el em : < ht tp :/ / www.m em or iac i ne br .c om .br / arq u i vo / 0 05 0 03 4 C0 1 10 1 .h tm l > Ac es s o em : 2 2 m ar. 2 0 13 . 18 3 seus custos. Na capital mineira, onde se desenvolve a trama , o governo do Estado uniu-se à Embrafilme e ao produtor Jarbas Barbosa para divulgá-lo nos jornais, convidando os mineiros a assistirem 327. Uma semana após a estreia , numa quarta-feira de cinzas, já havia rendido mais de Cr$700.000,00, assim, “[...] tudo indica que conseguirá facilmente superar todos os outros lançamentos anteriores do cinema nacional em toda a história cinematográfica de Belo Horizonte” 328. Em balanço divulgado pe la Embrafilme sobre as bilheterias de 1977, Xica da Silva arrecadou 12 milhões de cruzeiros, figurando entre os sete filmes com renda superior a 10 milhões de cruzeiros 329. 2.3.2. Chico Rei O programa filmes históricos, lançado pela Embrafilme em 1977, recebeu dois projetos para financiamento com a história de Chico Rei . Em julho, a N.T.M. 330 inscreveu esse título e mais outras três propostas: Maria Quitéria, mulher soldado ; Castro Alves: gondoleiro do amor; e O Império de Sinhá Brabá 331 – todos recusados. Destaca-se, influenciados aqui, pelos a proposição romances de históricos dois de temas Agripa diretamente Vasconcelos , elogiosamente apresentado “[...] como dono de uma pena magistral por demonstrar uma faceta até então desconhecida do povo brasileiro: a força do homem negro, diante da potência latifundiária do homem 327 D i ári o d a Ta r d e , 23 f e v. 19 7 7, p . 13 . X ic a d a S i lv a j á de u 70 0m i l. Es t a do d e Mi n as , Co l un a Re g is tr o C u lt ura l , 3 m ar. 19 7 7, 2 ª s eç ã o , p. 3. 329 A re l aç ão d os f i lm es nac i on a is em orde m dec res c e n te p or a rrec ad aç ão ( em m ilh õ es ) n o a no d e 1 97 7 : D o na F lor e s e u s d ois m ar i dos (6 2) ; O s Tra p a lh õ es no p la n al t o dos m ac ac o s ( 3 1) ; J ec ã o. .. u m fo fo q ue ir o n o c éu ( 2 1); O Me n i no da por t ei ra ( 2 0) ; X ic a d a S i lv a ( 1 2); G e nt e f i na é o utr a c o is a ( 12 ); O S em i n ar is t a (1 1) ; Nos s o c i n em a: c us t os e l uc r os . J or n al da T ar de , 1 0 j an . 1 97 9 , p. 2 4. 330 Pr o du t or a de N e ls o n T eix e ir a M e nd es , em pres á ri o q u e na d éc ad a de 19 6 0 e 7 0 pas s o u a in v es ti r em c i nem a r e al i za n d o , s obr e tu d o, f i lm es p op u lar es l i ga d os a tem át ic as r ur a is , s us p ens e e al g u ns tí tu l os de por n oc h a nc ha d a; c f .: M IR A ND A , L uís Fe l ip e. M E ND E S , N e l s on T e ix e ir a. In .: R A MO S, Fer n ã o ; MI R AN DA , Lu i z Fe l i pe . (O rgs ) . Enc ic l op é d ia do c i n em a br as il e ir o . 2. e d. S ã o Pa u l o: E d. S E N AC , 2 0 04 , p. 3 74 . 331 Mem or an d o nº 6 4/ 7 7 – D A PR O à c i n em at ec a Bras i l e ira / S P. Co nf orm e vis t o, S in h á Br ab á é ou tr o t í tu l o d e A gr ip a V as c on c e los , q u e in t egr a a S ag a n o P a ís d as G er ais . 328 18 4 branco” 332. Contudo, ao autor é atribuída uma abordagem do herói negro no limite do anacronismo, já que Chico Rei é tomado como exemplo da “[...] luta em prol da liberdade de toda sua gente [e isso] é o que de mais dignificante se pode perceber num país que, embora escravagista, permite aos seus homens o direito à luta” 333. No projeto da N.T.M., identifica -se uma linha ideológica de conflito de classes a partir das relações escravocratas , mas com explícita referência ao presente político do país, então às voltas com a luta pela redemocratização . O projeto prossegue com uma sinopse confusa, romântica e com equívocos históricos . A gr ip a c o ns e g ue m os t rar C hic o R e i c om o u m rebe l d e de v al or , m as tam bém é p at en te a do a os s e nh or es f eu d a is um a v is ã o m ais s im pá t ic a d e on de s e p od e p erc e b er qu e s e os hom ens s ão r u ins , s ã o m ov i do s por f orç as ex ter i or es , e q u e l hes s e nd o da d o o d ir e it o d e s er b om , es s e h om em s abe rá s ê - l o. As s im f ic a a q u es t ã o qu e s e im põ e nes s a h i s tór i a qu e f o i re a l, por t an to di g na de c o nh ec im en to p ú b lic o m ais am p lo : Ch ic o Re i f o i um her ói ou c o v ard e ? N ão qu er a po s s í ve l f it a m os tr ar 334 is t o , m as s im doc um e nt ar os f at os . Como se percebe, apesar de destacar Chico Rei como modelo de resistência, há um rec eio da produtora em explicitar esse objetivo no filme. Como subterfúgio, recorre ao potencial divulgador do conhecimento histórico existente no filme como justificativa do projeto. A previsão de custos também reitera as imprecisões e dubiedades da sinopse e justificativa , afirmando que “[...] dentro de um esquema racional, as despesas poderão ser atendidas satisfatoriamente com a quantia estipulada pela Embrafilme” 335. Diante da fragilidade do projeto, não é de surpreender sua negação pela empresa. Diferente da proposta da N.T.M., percebe-se no projeto da StopFilm, representada por Jorge Bodansky 336, maior zelo, afinal o 332 O f ic i o n. 1 2 9/ 7 7 – D ep ar tam en t o Com erc ia l/ Pr oj et os Es p ec i a l, e m 5 d e j u lh o d e 19 7 7. F un d o: Anc i ne / E m br af ilm e, s éri e 1 1 0. 1 /0 0 45 4, C i n em atec a B ras il e ir a/ S P . 333 I b id em . 334 I b id em . 335 I b id em . 336 J or g e Bo d a ns k y er a um nom e c on h ec i do n o m e io c in em a t ogr áf ic o , te n do par t ic ip a do c om o f ot ó gr af o d e v ár i as p ro d u ç ões . Em 19 7 4, d ir ig i u Ir ac e ma , um a tra ns a a ma zô n ic a q u e , em bor a o f i lm e s ó t en h a s i do l ib er ad o n o Br as i l em 1 98 1, ob t e ve gr a nd e r ep er c us s ã o p or m ei o de f e s ti v a is . S u a es t ad i a n a A lem an h a, o nd e es t u do u f ot o gr af ia , f a vor ec e u c on t at os n a ár ea te l e v is i v a e c in em ato gr áf ic a, 18 5 documento foi entregue em mãos ao presidente da Embrafilme, Roberto Farias, em 30 de junho de 1977. A proposta era realizar um filme e uma série televisiva. A justificativa reitera va o papel emblemático do protagonista que, [.. .] c om o f ig ur a hi s tór ic a, C h ic o R e i en g lo b a um a p art e im por ta nt e d a h is t ór i a n ac i o na l , a bra n ge n do o per í od o q u e c on v e nc io n ou c h am ar d e c ic l o d o o ur o, c om a i nc i pi e n t e c u lt ur a n ac i o n al , a i nt egr aç ã o d as raç a s , o s inc r e tis m o r e li g i os o , da nç as , f ol c l ore , m ús ic a e c os t um es q ue d e po is 337 v ir iam a c ons t it u ir a b as e da c u l tu ra br as i l ei ra . A boa perspectiva comercial do projeto também foi usada pela produtora como justificativa, caso o mesmo fosse aprovado. Segundo Jorge Bodansky, a StopFilm se colocava apta a finalizar negócios de distribuição e comercialização no exterior, já tendo, inclusive, realizado sondagens reais de colocação do filme/seriado no mercado internacional. Conforme proposição inicial, uma série televisa com 13 episódios seria rodada, decorrendo des se material um longa metragem. Caso aprovado, o procedimento padrão da Embrafilme para séries exigia a confecção de um episódio -piloto a fim de ratificar o financ iamento. Nesse sentido, o orçamento apresentado pela StopFilm era detalhado, indicando as etapas de execução de pesquisa , considerando que “[...] enquanto os pesquisadores, o historiador e o fotógrafo estiverem realizando os respectivos levantamentos de ca mpo, o roteirista irá catalogando o material e esboçando o roteiro, sob a coordenação do diretor de produção e o controle da produtora” 338. Percebe-se que elementos destacados pela política da Embrafilme como importantes signos da cultura nacional, como a es t a be l ec e n do par c er i as c om pro d ut or es a l em ães c om o W olf G au er , c om qu em pro d u zi u Ir ac e m a. . . A par c er i a f o i re e di t ad a no pr oj e to C hic o R e i. Des s a v e z B od a ns k y, c om o r e p r es e n ta nt e da S to pF i lm , in t erm ed io u a par t ic ip aç ão d a pro d ut or a a lem ã Pr o v ob is . P ar a b i o graf ia do f ot ó gr af o, c i n eas t a e pro d ut or ; c f .: M AT T O S, C ar l os Al b e r to . J or g e B od a n zk y : o h om em c om a c âm era . S ão P a u lo : Im prens a O f ic i a l d o Es t a do de S ão P au l o : Cu l tur a - Fu n da ç ã o Pa dr e A nc hi e ta , 20 0 6. ; H EF FN E R, He r na n i; M IR A ND A , L u ís Fe l ip e. B O D A N SK Y, J org e . I n. : R A MO S , Fer nã o ; M IR A ND A , L u i z Fe l i pe . (O r gs ). E nc ic l o pé d i a d o c in e m a br as i le ir o . 2 .e d . S ão Pa u l o: E d . S E NA C, 2 0 04 , p. 5 9 - 61 . 337 Pro j et o C h ic o Re i , enc am in h ad o a D AP RO . F un d o: A nc i n e/ E m braf ilm e, s ér i e 11 0 .1 /0 0 41 2 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P. 338 I b id em . 18 6 religiosidade e a festividade, eram considerados pelos produtores como trunfos para o sucesso do filme. A presença de um historiador compor a equipe de pesquisadores revela a preocupação em adequar as representações ao contexto histórico, prestando -se, portanto, também à função educativa. Todavia, sua autonomia estava subordinada ao diretor e à produtora. De fato, não se sabe se o papel do historiador seria mesmo respeitado, pois a produtora intencionava [.. .] r e a li za r um f ilm e h is t ór ic o d e aç ã o e a v en tu ra , c om s uf ic i en tes a tra t i vos par a o m erc a do ex ib i dor m u nd i a l. Pr et e nd e- s e c o l oc ar n os e p is ó d i os i nf orm aç ão s uf ic i en t e p ara r etr a tar os f at os his t ór ic os re l ac io n ad os c om a f ig ur a d e Ch ic o Re i , s em qu e c om is t o ve n h a a s e r pr ej u d ic a da um a l in g ua g em c i nem at o grá f ic a c a pa z de d es per t ar as a t enç õ es d o gr an d e 339 pú b l ic o . A produtora contratou Mário Prata como roteirista. A sinopse dos 13 episódios que comporiam a série foi encaminhada ao DAPRO, em 16 de agosto. O documento revela que a cronologia à história do Bras il seria parcial e se caracteriza va por elevada liberdade poética na adaptação, abordando fatos e personagens históricos , muitas vezes , descontextualizados. O conhecimento histórico circulante sobre Chico Rei foi respeitado: sua origem e realeza africanas , a escravidão e a libertação do cativeiro. Entretanto, ao associar Chico Rei ao grupo da Inconfidência Mineira, perpassando por elementos que envolviam “[...] a cultura (Aleijadinho, etc.), o folclore (congadas, etc.) e a religião (cultos africanos, etc.)” 340, reconhece -se a preocupação dos produtores em adequar aquilo que entendiam como “[...] suficientes atrativos para o mercado exibidor mundial” 341. A Embrafilme deu o aval para que se fizesse um piloto. No contrato firmado em novembro de 1977, a StopFilm aparece como 339 Pro j et o C h ic o R e i , e nc am i nh a do ao DA P R O . Fu n do : A nc in e / Em braf i lm e, s ér ie 11 0 .1 /0 0 41 2 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P. 340 I b id em . 341 Co nf or m e pr oj e t o, a s ér ie a pres e nt ar ia os s eg u i nt es c a p ít u los : 1 º) Áf ric a; 2 º) N o na v i o n e gr eir o ; 3 º) M ar c h a par a o d is tr i to do O ur o; 4º ) C he g ad a e Re v o l uç ã o em O ur o Pr et o; 5º) Le i l ão ; 6º ) M in a e s e n za l a ; 7º ) Q u i lom bo ; 8 º) G o n za g a ; 9º ) T err or; 10 º) A lf o r r i a ; 11 º) Ri q ue za ; 12 º) D ia d os R e is M ag os ; 13 º ) I lus ã o. Fu n d o : A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 4 74 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P. 18 7 produtor, enquanto a Embrafilme como coprodutor e distribuidor 342. Um adendo a esse contrato foi assinado em 27 de agosto de 1978, quando a StopFilm assumiu sua associação com a Provobis, representante de um grupo televisivo alemão, ligado a Igrej a Católica e com experiência em séries televisivas, muitas delas com fim educativo 343. Nesse momento, os produtores con vidaram W alter Lima Júnior para assumir a direção do projeto. Quase uma década depois do lançamento do filme em festivais, o cineasta relembrou assim seu primeiro contato com o projeto . Ch ic o R ei t i n ha s i do m uito d if er en te do qu e m e f ora of erec i d o at é e n tã o, a l he i o a to do o es q u em a qu e e u h a v ia v i v i do at é a li . Fu i pr oc ur ad o p or um a pro d uç ã o es tra n g e ira , d a T V a lem ã, e c o n v id a do par a f a ze r es s e f i lm e: m e der a m o rot e iro pa ra eu l er , er a um a s ér ie d e T V es c r i ta po r um au tor d e n o v el a c ham ad o M ár i o Pra t a . Eu n ã o c on h ec ia o tr ab a lh o d e le . L i, gos t ei d e m ui tas c o is a s , m as nã o c o nc or d e i c om m uit as ou tr as qu e e l e p ôs n o ro te ir o , pr inc i p alm e nt e c om a l i ber d ad e q u e e l e tom a va c om pers o n ag e ns m ui to em bl e m átic os d e nos s a His t ór i a . No m eu e nt e nd er , a qu i l o er a um a es p éc i e de “s am ba do c r i o ul o do i d o”. E l e m is tur a v a C h ic o R e i c om T irad e nt es , f a zi a um a ba g u nç a . Ac he i um a m al uq u ic e , es ta v a m ex e n d o c om o inc o ns c i en t e nac io n a l. En tã o pr op us a os a l em ães m udar a h is tó ri a , t ir ar tu d o a q u il o , q u e a í eu f ar ia o f i lm e, e 344 r ees c r e v i o r ot e iro . O diretor considerava o excesso de adaptações e liberdades históricas no roteiro -piloto um problema grave, pois implicava pe rverter parte da memória nacional. Percebe-se seu entendimento d a relação entre cinema e história e a mediação do conhecimento histórico, exigindo, portanto, que o trabalho de direção fosse realizado com cuidados redobrados e respeito a uma produção especi alizada. Ao reescrever o roteiro, procurou suprimir os excessos. Contudo, manteve boa parte da estrutura original. Em entrevista concedida para esta pesquisa, W alter Lima Jr. recordou a dramaturgia meio barata inicialmente proposta por Mário Prata, salien tou que é um apaixonado por História e que, para além do Chico Rei, percebeu a possibilidade 342 Co ntr a to d e c o - pr o duç ã o e d is tr i b uiç ã o de f ilm e c in em at ogr áf ic o d e s ér ie , as s in a do em 10 d e n o v em bro d e 19 77 . F un d o: A nc in e/ Em braf i lm e, s ér ie 11 0 .1 /0 0 47 4 , Ci n em at ec a Br as i l e ir a/ S P. 343 A tr ad uç ão j ur am en t ad a d es te doc um en to da ta de 12 de ab ri l de 19 7 9. F u nd o: A nc i n e/ Em br af i lm e, s é r i e 11 0 .1 / 00 4 74 , C in e m atec a Bras i l e ira / S P. 344 LI M A J ÚN IO R , W alte r . C o n vers a nd o s o bre c i nem a: R ev is t a Q ua dro a Q u a dro , v. 1 , n. 1, p. 2 3 - 2 6, ag o. 1 9 94 . p. 2 6. 18 8 de abordar a dinâmica do escravismo, do tráfico às relações sociais 345. Quando perguntado sobre o pré -conhecimento do tema, ressaltou que não era novidade, sendo as festas de congada e o desfile d os Acadêmicos do Salgueiro (1964) seus primeiros contatos, embora frisasse que todo esse conhecimento estava inscrito na tradição oral. Por isso, ao se debruçar sobre o projeto, começou pela leitura de biografias romanceadas e [.. .] c om eç ou a tr a ba l har no ro t eir o f ix ad o m uito na i d e ia d e qu e o tr áf ic o d e es c r a v os er a o tem a c e n tra l e q ue a q u es t ão da l ib er d ad e er a , v a m os di zer as s im , um tem a s u bj ac e nt e a tu d o is s o qu e v a i d es em boc ar n o C h ic o R ei , q ue t em um tr u q ue p ar a c o ns e g u i r es s a l i ber d ad e . E v i d e nt e q u e , d en tro d e um pr oc es s o d e dr am at ur gi a , v oc ê us e de r ec urs os q u e es t ã o à m ão . Q ue ao m es m o tem po c r ie um a pr o gres s ã o dr am átic a . Com o c o nt ar /rec o nt ar es s a h is t ór i a, c om os e l em ent os de His t ór i a qu e eu t e n ho , us an d o, às ve ze s , r ec urs os de f ic ç ã o, par a j u nt ar um a c o is a c om a outra ? Fo i o qu e e u f i z. Eu s aí um pouc o do A gr ip a V as c onc e l os , f u i ba t er n a C ec í l i a Me ir e l les . O u v i m u it a g en t e c on ta r his t ór i as do C h ic o R e i. .. V er s õ es , as m ais des bar a ta d as , o q ue m e de ix o u t ot a lm en te 346 s o lt o . No contexto de lançamento do filme, W alter Lima Jr. reiterou em entrevistas sua consciência da profícua relação cinema -história. O diretor perceb ia não apenas uso do filme como fonte histórica, como também reconhecia que novos discursos históricos pod iam ser escritos a partir da película , num exemplo de construção da história pública. O filme ajuda a estabelecer diálogos com outros campos do conhecimento. Exemplifica esse processo a apresentação da história de Chico Rei e sua relevância , não só para se entender o passado, mas, fundamentalmente, seu papel político pensado no tempo presente da produção do filme . T r ata- s e d e um f ol h e tim em t orn o d e um a d as m a is de ns as f ig ur as d a his t ór ia d o n e gr o n o Br as il . U m a his tór i a m ui to es q u ec id a, nã o t ão c e l ebr a d a qu a nt o Zum b i ou C h ic a da S il v a . Cr e i o q u e C h ic o re i é m ais d e ns o e p o li t ic am e nt e m ais 347 c ons e qu e nt e . 345 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3. I b id em . 347 AZ E R EDO , El y. C h ic o R e i, o m it o n e gro . O G l o bo , 2 º Ca d ern o , 23 a go . 19 8 7, p. 1. 346 18 9 Contudo, a história do filme Chico Rei foi bastante tumultuada, recheada de contratempos que colocaram em risco a própria conclusão do empreendimento, com o pode ser compreendido pela reconstrução sintética dos principais acontecimentos desse imbróglio. Desde a aprovação do projeto, desentendimentos entre os produtores e a Embrafilme começaram a acontecer, sobretudo quanto ao descumprimento de prazos. Como a verba liberada para o filme se destinava para o piloto da série, os produtores alemães reivindicavam alterar o roteiro. Nesse sentido, Mário Prata queixava-se que “[...] os alemães tinham sua própria visão dos fatos (interessava -lhes somente o aspecto exótico) e começaram a fazer uma série de objeções e exigências entre as quais uma participação maior da Embrafilme” 348. A relação se deteriorava, até que , em fevereiro de 1980, as filmagens que aconteciam em Ouro Preto foram interrompidas com a saída da produtora Provobis, que alegava descumprimento do orçamento original. A interrupção gerou desconforto entre os atores e muitos prestadores de serviços na cidade mineira procuraram a polícia para garantir seu pagamento, bem como por pessoas que emprestaram objetos antigos para compor os cenários. Além das questões financeiras, é possível perceber as divergências entre o filme idealizado pelo diretor e a produção. Os argumentos usados pela Provobis para deixar o projeto e tentar montar o filme por conta própria, na Alemanha, eram o prazo e o orçamento extrapolados. W alter Lima contra -argumentava que “[...] por exigência do roteiro, havíamos transferido as filmagens para Ouro Preto, onde, como em Parati (locação original), também chove muito. Além disso, a produção era muito desorganizada. Tudo isso gerou o atraso” 349. Durante esse período, houve grande indisposição dos ouro pretanos com toda a equipe, pois com a suspensão dos pagamentos os comerciantes começaram a cortar os créditos em bares e hotéis. O diretor reuniu todos. 348 T RÊ S c i n eas t as r e i v i nd ic am s eus di re i tos . O Es t ad o d e S ã o P au l o, 4 m ar. 1 98 0, p. 1 7. 349 CUN H A, W ils on. A d i f íc i l l ut a d e C h ic o Re i & Um a be l a vi t óri a . J orn a l d o Bras i l , Ca d ern o B , p .4 , 2 7 ag o. 1 9 87 . 19 0 Dec i d im os perm an ec e r ref ém na c i da d e. A té el es p a ga rem . E nt ão , eu t in h a q u e f a zer a l g um a c o is a . E u t i n ha a lg um ne g at i v o q ue t i nh a s o bra d o , q u e a g en t e g uar d o u es c o n d id o dos al em ães , q ue f or a m em bora. .. E aí , t od o s os di a s e u f a zi a 350 um pl a n o. P e l o m en os pr a m a nt er a e q ui p e v i v a . Mesmo com a falta de recursos e de técnicos, já que alguns abandonaram Ouro Preto após a suspensão dos pagamentos, soluções foram encontradas para dar prosseguimento ao filme. Exemplifica esse empenho a montagem do quilomb o criado na cachoeira das Andorinhas . Aquele cenário foi realizado graças ao esforço físico de parte do elenco de figurantes, que carreg ou pedras e madeira no trabalho. Para W alter Lima, o comprometimento do elenco principal com o projeto, o fato de boa parte dos figurantes serem os mesmos que atuaram nas tomadas de Parati e a disputa contra os alemães cri aram uma cumplicidade única em sua trajetória cinematográfica. Ne n hum ou tro e le nc o de f i lm e q ue eu te nh a f e it o t e v e o m esm o c om port am en t o q u e o C hic o Re i . E u c a lc u lo q ue e u ti v e um a c er t a s or te c om is s o . O f at o de eu ter um ele nc o ne gr o e es t ar f a la n do de um a c ois a bri os a p ar a o n e gro! Um a c o is a q ue f al a de tr a ba l h o , de i n te l i gê nc i a ... d e as t úc ia ! Em qu e e le n ã o é c ar ic at ura d o s ó p e l o f at o d e l e s er n e gro . Is s o des p er t o u n o e l e nc o um a atr aç ã o m ui t o gra n de p or es s e im ag i nár i o . En t ão , e l es f oram ex trem am ent e c úm pl ic es . E u l e ve i m u it o t em po p ar a ac a b ar o f i lm e. E n unc a e u d e ix e i d e ter um de l es m e dan d o f orç a . Nu nc a. O u er a um tel ef o nem a “e aí , c om o é q ue es tá ?” , “e aí , s a iu ?” . E nc o nt r a va n a r u a e f a zi a f es ta . Er a um a c o is a m uito r ic a. O f i lm e f oi c on tam i na d o. E l es f or am c ont am in a dos pe l o f i lm e e e l es d e vo l v er am para o 351 f ilm e . Apesar dos problemas financeiros para concluir o filme e o escândalo decorrente do calote dado nos comerciantes d a cidade que acolhera a equipe, a maior gravidade consistia no risco de ver todas as latas de filmes serem enviadas ao exterior, ao que W alter Lima Júnior acusava a Provobis de “pirataria internacional” 352. O diretor recorda que várias foram as tentativas dos alemães para adquirir os negativos dos filmes, como induzir um funcionário que prestou serviço à produção a acionar a justiça para leiloá -los e, assim, obter seu pagamento. W alter Lima diz que ficou sabendo do leilão dias antes , por meio do amigo e 350 351 352 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3. I b id em . L IM A J Ú NI O R , W alter . C o n v ers a n do s obr e c i nem a. .. op .c it . , p . 26 . 19 1 cineasta Maurice Capovilla. Em sua narrativa, durante a entrevista, afirma que no tribunal só havia alemães , prontos para dar um lance pelo valor do negativo virgem , e nesse momento objetou . Mas n ã o é is s o nã o. O va l or n ão é es s e . O v a lo r é m ui to m aior . Is s o é um ne ga ti v o im pres s o. T em o v a lor d a pr o duç ã o qu e tá c o nt i do n o ne g at i v o . Fa l e i: “ Is s o a í nã o s a iu p ar a n ós por m en os do qu e d o is m ilh õ es e m ei o de d ól ar es . V oc ês es t ã o m e l e v an d o po r d u ze n tos m il ! ” . A í e les t om aram um s us t o. E f a le i : “ D e po is nã o tem s ó e les a c o bra r, tem a c i da d e de O ur o Pre to , q u e c obr a is s o .. . T em vá ri os m em bros da 353 eq u i pe” A justiça foi, então, acionada e o diretor conseguiu impedir o leilão dos negativos e que os mesmos saíssem do país. Além do argumento de que se tratava de um trabalho já realizado, portanto acrescido de valor, W alter Lima confessa ter usado como artimanha a cobrança pela sua participação na reescrita do roteiro, já que não havia recebido por esse serviço – não previsto no orçamento inicial . Mesmo assim, a pressão da Provobis era intensa e delineava situações dramáticas, pois [.. .] e s t a va p i p oc a n do d í vi d a de f i lm e. C om f i lh a p eq u en a ; el a ti n ha ac a b ad o d e n as c er. Ba rra pes a da ! O c ara m e le v a n o Lux or H o te l , a qu i em O uro Pr et o. M e of er ec er am vi n h o: e u f al e i “ n ã o! Eu n ã o b e b o. E u vo u tr a b al h ar a m anhã d e m an hã” . Aí d e n o v o: aq u el a m es m a enc e n aç ã o de d e s c obr ir a f ra qu e za do ou tr o. D e re p e nt e , e le bo to u “ o c h eq u e” do qu e e u c o br a v a na m es a . O qu e e u d i zi a er a o v a l or do m eu tra b a lh o : bo t ei l á em c im a, uns v i nt e m i l d ó l ares . E le b ot ou o c he q ue d os vi n te m il d ó lar es e c o n v ers ou c om o c h eq u e a q u i n a m es a , s a b e? T ão s u t i l q u an t o um e lef a n te [r is os ] . E eu d ur o, o lh a nd o pr a q u el a m erd a [r is os ] a l i , d i ze n d o nã o ! Nã o! N ão! Sa í da l i , e qu a nd o eu c he g ue i em c as a f al e i is s o p ara m in h a m ul her [m uda a v o z, im it an d o a es pos a ] : “ voc ê é m al uc o! ”. Nã o d á! Eu nã o v ou j o gar f or a , as s im , to d os os m eus d i as d e t ra b al h o. E u nu nc a m ais v ou s ab er f a zer . P or q ue a ge n t e a pre n de na v id a de v ár ias m an e ir as e es s a é um a m ane ir a d e a pr en d er t am bém 354 a n ão f a ze r . Eu n ã o v o u n es s a , m as f o i c h oc an t e aq u i lo . Estava garantida a permanência do filme no país , mas concluí -lo era a outra parte do problema . Depois de muitas negociações 355, a Embrafilme socorre u a produção, financiando também a montagem e 353 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3. I b id em . 355 “F iq u e i c inc o a n os num ver d ad e ir o c a l vá ri o, l us tra n do ba nc o da Em braf i lm e. T odo d i a d e m an hã e u i a lá , f ic a v a n a es p era d e res o l v er es s a t rag é d ia – is s o f o i em 197 9 ( s ic ) , c a lc u l e, o f i lm e s ó f o i c onc l uí do em 198 5”; LI M A J ÚNIO R, W alter. Co n v ers a n do s obr e c i nem a. .. o p .c i t. , p .2 6. 354 19 2 sonorização. W alter Lima Jr. se associou a Paulo César Ferreira, que terminou produzindo boa parte do filme , inclusive sanando as pendências deixadas em Ouro Preto . A montagem contou com a colaboração de Mauro Carneiro. Entretanto, o processo foi desgastante e lento, como se depreende da cobertura da imprensa a première. Ha v i a um m ater ia l qu e d a va m 48 h or as de f ilm e, a par t ir d as qu a is g er o u o c o pi ã o de 1 7 h oras – d e o nd e s e t irar i a o r es u l ta d o f i na l d e 1 1 5 m in ut os . [. .. ] Em a gos t o d e 1 9 85 , no Ho te l M er id i e n, Ri o , era a pr im eir a s es s ão pr i v ad a e, em de zem b r o da q ue l e a no , C h ic o Re i es t a v a n o F es t i v al d e Ha v a na . Em ou tu br o de 1 9 8 6 , a br i a, c o m s uc es s o, o X IX Fes t i v a l d e Br as í li a , ro la n do t am bém no I I R io - C in e . Hoj e, 356 f in a lm ent e, es tr e ia n o Ri o . Nesse interim, W alter Lima Jr. viajou para Hamburgo, sede da Provobis, aonde assistiu, na mesa de edição, à série que os produtores alemães montaram com o copião do filme. O seriado, que foi exibido na televisão, tinha muito mais material e incluía história s paralelas de personagens que não constam no filme nacional. Para o diretor, a série alemã até fazia sentido, mas, para fechar o longa -metragem, faltavam pontos da história que estavam no Brasil, especialmente sequências referentes ao protagonista 357. O extenso número de horas a ser editada proporcionou alguns contratempos na montagem, especialmente aquelas filmagens realizadas durante a ruptura com os produtores, pois a escassez de recursos levou improvisações, como trabalhar com closes momentos que a n atureza épica do filme solicitava uma panorâmica em 358 . Mesmo depois de concluído, o filme demorou dois anos para estrear no circuito comercial. Até então, circulava entre festivais nacionais e internacionais . Por outro lado, a montagem foi identificada como o maior problema, pois o farto material decorrente do projeto 356 C UN HA , W ils o n. A di f íc i l .. . o p.c it ., p . 4. C onf or m e W alter L i m a J ún i or, o ro te ir o t e le v is i v o t i n ha o d es en v o l v im ent o d e pers o n ag e ns p ar a l e l o s à his t ór ia d e C h ic o R e i qu e nã o c o ns t am do s eu l o ng a m etrag em , c om o a f i l ha d o Maj or S e ix as , qu e te v e um rom anc e c om um m ula to . S eg u nd o o d ir et or , “ el es [a l em ães ] m ont ar a m o qu e p u der am m ontar . F a zi a s en t id o. E u v i a s ér i e t o da l á, na m es a de e d iç ã o. Q ua n do v i aq u i lo , m e d eu at é um alí v i o. Fa le i as s im : “ Pô! O f i l m e ex is te! ”. N ã o e ra u m a luc u braç ã o da m in ha c a b eç a q u e j á es t o u h á c i nc o a n os , há q u atr o an os c om e s s a his t ór ia” ; E ntr e v is ta d e W alter Lim a J ún i or a o a ut or d a tes e, em 1 3 d e j u nh o d e 20 1 3. 358 I b id em . 357 19 3 original, que era uma minissérie, precisou se r condensado em cerca de duas horas para o longa metragem 359. O contexto político de seu lançamento era o da transição para a democracia. Com a disten são política, a censura não interferiu no filme, liberando-o sem restrição etária para o cinema. Para a televisão classificava -o para maiores de 16 anos e exibição após às 20 horas. Como avaliação geral, os censores observavam “cenas de recrutamento, trans porte, castigos e insultos aos negros, enforcamento, tortura de brancos e negros por ordem do governador e violência sexual” 360, mas sem gravidade. Esse parecer foi ratificado pela autoridade superior, que anotou , a mão, no documento, que estava [.. .] d e ac or do , um a v e z qu e as c e nas d e vi o lê nc ia s ã o is e nt as de de ta l h es e, a l g um as v e ze s , a p e nas ins i n ua d as . Su g er im os qu e s ej am ac res c e nt a das n os c er t if ic ad os a s c ha nc e las : “ Bo a Q u al i d ad e ” e “ Li v re p ara Ex p ort aç ão ” , c onf orm e pr ec e i tu a a 361 l eg is l aç ã o v i g en t e . Embora liberado pela censura, o contexto de transição política terminou por afetar a saúde financeira da Embrafilme. Como resultado, a distribuição de Chico Rei foi restrita . Isso fez com que o filme ficasse pouco tempo em circuito e em poucas praças . Sua estreia em Belo Horizonte se deu em apenas uma sala, e não foi possível constatar o mesmo incentivo estatal que Xica da Silva recebeu. No campo da publicidade, c hama a atenção o cartaz de divulgação do filme veiculado nos jornais mineiros , pois o texto parece associar o filme com temática histórica a uma ópera . Ao mesmo tempo, reforça um sentimento de identidade local ao destacar a participação de Milton Nascimento na trilha sonora – desconsiderando o grupo Vissungo e Naná Vasconelos como núcleos criadores . 359 R AC Z, G eor g es . C h ic o Re i : um gr it o d e es p era nç a e l i b erd a de . R ev is t a V is ão , 2 6 ag o . 19 8 7, p . 22 . 360 Par ec er n º 1 71 / 87 , DC DP / PF , as s in a do p or T elm a C. L i n o, M a ris a F. B arr os , J oa n a S. P as s os , em 19 d e j a ne ir o de 1 9 87 . Arq u i v o N ac io n a l/ Dis tr it o F e der a l Dis p on í v el em : < ht tp :/ / www.m em or iac i ne br .c om .br / arq u i vo / 0 26 0 16 6 C0 0 30 1 .h tm l > Ac es s o em : 2 2 m ar. 2 0 13 . 361 P arec er d o D CD P à C o ns id er aç ã o s up e ri or, DC D P/ PF , as s in ad o p or Vi lm a He l en a S . D om in go , e m 30 de j a n e iro d e 1 9 87 . Ar q u i vo N ac io n a l/ Dis tr it o Fe d era l Dis p on í v el em : < h tt p: // ww w.m em ori ac in e b r.c om .br /a rq u i vo / 02 6 0 16 6 C0 0 40 1. h tm l > Ac es s o em : 2 2 m ar . 2 01 3 . 19 4 Nar r a nd o o i t in er ár io do C h ic o R e i, um es c ra vo af r ic an o q ue c ons e gu e p as s ar a c on d iç ão d e d on o d e um a m in a e s e l ib er tar na o pr es s i va V i la R ic a ( O ur o Pr e to) , no Bra s i l C o lo n i al do s éc ul o X VI II . C h ic o Re i n ã o é um m ero f i l m e de ó pe ra , m as s im um dr am a c on t u nd en t e q ue c l am a pe l a l i ber d a de em tod os os s e n ti d os . É um f ilm e r ic o em im age ns , q u e m arc a c om pl et am ent e , c om p le ta n do c om a m ús ic a c om pos t a e 362 c an t ad a p or M i lt o n Na s c im ent o . À parte os transtornos que enfrentou com os produtores estrangeiros e coprodu tores nacionais e a dificuldade em levar seu filme ao cinema, destaca -se a relevância de Chico Rei como objeto de análise para a relação cinema -história-educação. Mesmo sendo uma lenda, pois inexistem evidências documentais sobre a pessoa Galanga/Chico Rei , o diretor demonstrou preocupação com o papel educativo do cinema ao trabalhar o passado escravista nacional. Uma preocupação que corroborava o projeto implantado pela Embrafilme de incentivar produções ligadas à história. Havia uma demanda reprimida nesse campo e os cineastas brasileiros poderiam preenchê-la, conforme se infere pela divulgação do projeto de filmar a lenda de Chico Rei: “h istória belíssima que certamente motivará a aceitação do público nacional e estrangeiro, cioso das coisas históricas do Brasil como principal líder do 3º mundo” 363. Ao pesquisarem, direta ou indiretamente, os múltiplos registros de seus personagens -títulos para a produção de seus filmes, Cacá Diegues e W alter Lima Jr. viabilizaram a circularidade do conhecimento histórico. Mesmo sem serem historiadores – tampouco almejarem em sê-lo – suas narrativas fílmicas delineiam narrativas históricas. Nesse sentido, problematizar esse processo torna-se relevante. Para tanto, deve-se analisar as representações e significados decorrentes dessas narrativas a partir da estrutura interna do filme articuladas às demais representações históricas sobre o objeto fílmico. 362 363 E ST R E IA S . Es ta d o d e Mi n as , 2ª s eç ã o, 1 s et . 1 98 7, p. 5. X IC O Re i . Úl t i ma H or a, p . 12 , 2 7 abr . 1 9 79 . 19 5 3. XICA DA SILVA E CHICO REI: ANÁLISE FÍLMICA 3.1. Imaginários de liberdade e resistência Os diretores de Xica da Silva e Chico Rei qualificaram seus filmes com a expressão liberdade. Em entrevistas à época do lançamento, Cacá Diegues reiterou diversas vezes que procurou lançar sobre o passado colonial e escravista do país um olhar bem ao espírito carnavalesco e irreverente , aos quais é frequente mente associado o brasileiro 364. compreender, W alter por Lima meio Júnior de também Chico pontuou Rei, a luta que procurava pela liberdade, entendendo-o como referência heroica dessa batalha, ao ponto de subtitular seu trabalho como um filme sobre a liberdade. Os cineastas abordaram o passado colonial para melhor compreender o momento presente do Brasil; a história de um povo em constante luta pela liberdade e dignidade. Conforme recuperado nas narrativas sobre os ex-escravos títulos dos film es, é possível perceber que a poesia de Cecilia Meireles, a literatura de Agripa Vasconcelos e os enredos carnavalescos d os Acadêmicos do Salgueiro também o fizeram nessa mesma chave interpretativa. Na década de 1950, quando lançou Romanceiro da Inconfidê ncia, ao inserir em sua narrativa dois personagens alheios à Inconfidência Mineira, a poetisa promove u a identificação de personagens históricos marginalizados. A mesma qualificação é constatada nos romances de Vasconcelos, quando protagonistas da Chica coleção da para Silva uma e Chico história Re i mineira se a torna ram partir da personalização , porém distante do patriarcado local . As figuras de Chica e de Chico (ainda que uma lenda) representam o popular e seu poder, já que subordinados pela opressão das relações escravistas 364 Par a o im ag i n ár i o de s s e j e it o b ras i l ei ro c a rnav a l es c o ; c f .: M AT TA, Ro b ert o d a . Car n av a is .. . o p .c i t. 19 6 conseguiram sua liberdade de forma triunfal, hiperb ólica, como a linguagem carnavalesca. Em meados do século XX, constata -se a preocupação em reinterpretar a história brasileira, com destaque para o papel do popular com o agente históri co. Nesse cenário, a dinâmica da sociedade da América Portuguesa , dada sua composição hierárquica e política bem definida (livres versus escravo; branco versus negro; europeu versus nativo), se tornou um fértil terreno para promover a revisão histórica. Sobre o período colonial brasileiro , de modo geral, identifica -se um longo predomínio de análises sob o viés da dominação portuguesa, estabelecendo um cenário de exploração asfixiante para o desenvolvimento. A opressão portuguesa se fazia não apenas pelo intervencionismo político e econômico, usurpando a riqueza natural do país, carreada para o enriquecimento dos reinos europeus. Mas, também na esfera social o torniquete colonial se impunha aos colonos por meio dos costumes e subjuga ção dos povos, massacrados como os indígenas, ou condicionados a exploração do trabalho escravo de africanos e seus descendentes 365. Ressalta-se o pioneirismo da abordagem de Gilberto Freyre , especialmente em Casa grande e sen zala, ao repensar o lugar de sujeitos para a população negra e pobre do período colonial, m esmo com os limites reconhecidos e críticas ao seu trabalho, conforme visto . Na década revisionistas de 1960 , sobre a prosseguiram -se abordagem trabalhos polarizada entre com nuances dominantes e dominados. O didático pacto colonial passou a ser abordado de modo a problematizar as relações entre colonos e europeus 366. Todavia, foi a partir da década de 1980 /90 que renovações na produção historiográfica lançaram luzes de maior alcance para entender o Brasil como parte integr ante da dinâmica política e econômica na chamada 365 Co nf or m e v is t o, a ab or d a g em elo g ios a d e V a nh ar ge n s o br e o p ap e l d a c o lo n i zaç ã o p or t ug u e s a par a a c i v i l i za ç ã o bras i l e ira t em na a n á l is e m arx is ta s e u ex tr em o o p os t o . A ut o r es c om o C a io Pr ad o J ú n ior , Fl or es t a n F e rna n d es e J ac o b G or en d er e nf at i za r a m em s eus tr ab a l h os a n at ur e za a ut o rit ár i a n a re l aç ã o P ort u ga l- Br as i l. 366 HO L A ND A , S ér g io B u ar q u e d e . (O rg .) . H is t ór ia g era l da c iv i l i zaç ão br as il e ir a: a ép oc a c o lo n i a l: 4 .e d . Ri o d e J a ne ir o : Dif el , 19 7 7 (T om o 1, v. 1 e 2 ). 19 7 idade moderna (séculos XVI -XVIII). Sob esse ângulo, residentes na colônia (sobremaneira integrantes da elite econômica e política ) encontravam espaço para estabelecer negociações em defesa de seus interesses, ainda que, em uma dimensão macro, fosse limitada a autonomia da colônia – já que integrava o império português 367. Não obstante o predomínio des sa perspectiva nos programas de pós graduações em História desde o século XXI, ainda é corrente em diversos espaços da sociedade brasileira – como na imprensa, em materiais escolares e nas próprias instituições universitárias – a visão polarizada entre colonizador-colonizado. Embora os títulos fílmicos em análise tenham sido produzidos no momento em que teses acad êmicas sobre a escravidão iniciavam esse processo de renovação historiográfica, seus diretores não conseguiram dialogar diretamente com os resultados das novas pesquisas a tempo de concluírem a edição dos filmes. W alter Lima Jr., por exemplo, finalizou Chico Rei somente em 1985, porém manteve relacionada como referências de consulta sobre a escravidão obras ligadas ao pensamento marxista. A tradição popular, a poesia, a literatura, o carnaval e o cinema , portanto, se apropriaram de Chica da Silva e Chico Rei como baluartes da resistência, da perseverança, da astúcia e da vitória de oprimidos em busca da liberdade. O contexto da escravidão certamente favorece esse tipo de abordagem por apresentar uma situação extrema de definição da condição social: ou liv re ou cativo, na qual valores morais, como justiça, são problematizados à luz dos acontecimentos históricos. Entretanto, como esses valores universais são representados em Xica da Silva e Chico Rei? Em ambos os filmes, nos planos de abertura, a questão da liberdade e do seu cerceamento é apresentada e, logo, o espectador a reconhecerá como tônica por toda a película. 367 Par a p r o d uç õ es q u e r ef l et em es s a m uda nç a in te rpr et a ti v a ; c f .: FR AG O SO , J o ã o; BI C A LHO , Mar i a Fer n a n d a B ap t is t a; G O U V E A, M ar i a de Fa t im a; O a n ti g o r eg i m e nos tr ó pic os : a di n âm ic a im per i al p or tu g ues a (s éc u l os X V I - X V II I) . R i o de J a n eir o : Ci v i l i za ç ã o Br as i le ir a, 2 00 1; FU RT A DO , J ú n i a F err eir a . (O r g). D i á l og os oc e â n ic os : M in as G e r a is e as n o vas ab or d ag e ns p ar a um a h is t ór ia d o im pér i o u l tram ar i no por t ug u ês . Be l o Hor i zo n t e: E d it or a UF M G , 20 0 1; BI C AL HO , M ar ia F er na n da B ap t is t a; SO UZ A, L au r a d e Me l l o; F URT AD O , J ú n ia Ferr e ir a. O g ov er n o d os pov os . S ão Pa u l o: A l am ed a, 20 0 9; 19 8 Em Chico Rei, as sequências iniciais apresentam a corrida de três negros acorrentados em fuga, intercaladas a letreiros sobre a história da escravidão, que culmina com a ruptura dos ferros e a chegada a um quilombo. Suas expressões refletem a alegria em se tornarem livres e dispensam qualquer diálogo entre os fugitivos. A mesma questão está presente nas primeiras sequências de Xica da Silva. Após tocarem uma peça musical, em meio a um descampado, músicos estabelecem um diálogo com o (ainda anônimo) andarilhos contratador dos diamantes. Alheios ao fato de estarem diante de uma autoridade portuguesa, os músicos pontuam denúncias ao sistema colonia l, acusando os administradores da Coroa de explorarem a riqueza local à custa de arbitrariedades e corrupção, enquanto os moradores permaneciam na pobreza. A partir dessas aberturas, p ropõe-se reconhecer o tratamento d a temática da liberdade em dois vetores, que se interagem, tanto no filme de Lima Júnior, quanto de Cacá Diegues. O primeiro vetor está diretamente ligado ao tema do escravismo, no qual a luta pela liberdade é o fio condutor. Enquanto o segundo se volta para a liberdade no campo administrativ o, da autonomia política – nesse sentido, favorece o exercício da meta -história cinematográfica (conforme será analisado no subitem 3.2). A complexa relação inerente ao escravismo levou o diretor de Chico Rei a procurar as origens desse sistema. Quando o já mencionado griot quilombola assume a função de narrador, a sequência é cortada para um plano de uma construção em que se destaca uma cruz ao alto. A legenda África, meados do século XVIII localiza o espectador, enquanto um movimento de câmera lento e de scendente revela o pátio onde negros e negras de todas as idades estão amontoados, acorrentados e desorientados , sendo vistoriados por mercadores de escravos e observados por padres impassíveis ao caos estabelecido. Trata-se de um depósito onde negros recé m-capturados no interior do continente eram negociados e mantidos em quarentena até seu embarque para serem vendidos no Brasil (frame 8). Nesse cenário, o representante do mercado anuncia a outros comerciantes 19 9 que havia negros conhecedores d e mineração e, também, que nobres haviam sido capturados: trata-se do rei Galanga e sua família. Um padre espanhol transita entre os desafortunados prisioneiros e asperge água benta sobre todos ao realizar um batismo compulsório, bradando seus novos nomes cristãos: Maria ! Francisco! Fra me 8 – P l an o d o p á ti o d e af ric a n os r ec ém - es c r a vi za d os ( Ch ic o Re i , 19 8 5) A emotividade perdura na sequência : a câmera revela uma praia para onde os escravos são levados . Severamente vigiados por capatazes armados e montados a cavalo, os cativos em correntes são embarcados. A dramaticidade se eleva quando um negro tenta fugir, mas é prontamente cercado e laçado pelos feitores. No navio negreiro , reconhece-se a imagem canônica do tumbeiro como referência para as representações ali desenvolvidas. Os negros escravizados estão encarcerados nos porões e scuros, abafados e sem espaços, os africanos sofrem os abusos da tripulação. Durante uma tempestade, o capitão não hesita em mandar lançar ao mar um grupo 20 0 de mulheres para estabilizar o navio, optando por perder 20 peças, mas preservar a vaca. Na cabine de um integrante da tripulação, uma africana está apartada dos demais . O português lhe obriga a colocar uma peruca, empoa seu rosto deixando -o branco e tenta estuprá -la. À luta física da mulher contra seu algoz, segue um corte que traz o padre espanhol, o mesmo que batizou os negros em África, batendo e entrando à cabine do capitão do navio. Enquanto eles conversam, o som em off tem gritos indicando que o estupro na cabine vizinha se concretizava. Observa-se que, em Xica da Silva há, também, uma sequência em que a negra tem seu rosto empoado . Contudo, os significados dos planos de Cacá Diegues e de W alter Lima Júnior têm sentidos diferentes. Chica da Silva é quem se maquia com o intuito de integrar a sociedade branca, ainda que ironicamente. Já em Chico Rei a negra é violentamente travestida de branca e luta para manter sua identidade, estabelecendo o conflito de negação à submissão (frames 9 e 10). Fra me 9 – P la n o em f orç a do ( C h ic o Re i , 1 9 85) q ue a m ul h er r es is t e ao em b ran q u ec i m en t o 20 1 Fra me 10 – Pr im eir o p l an o d e Ch ic a d a S i l v a c om o ros t o m aq u ia d o d e br anc o dur a nt e j a nt ar c om o g o ver n a dor ( X ic a d a Si l v a, 1 9 76) A sequência que representa o aprisionamento de africanos, seu embarque, transporte e chegada ao Brasil constitui uma parte específica do filme, consumindo cerca de um quinto da película (aproximadamente os 20 minutos iniciais). É o momento de maior ação da trama, sendo sua dinâmica narrativa muito próxima da então praticada pela linguagem da televisão – recorda -se que o projeto original incluía uma série televisiva. Para W alter Lima Júnior , essa sequência (cuja influência do romance de Agripa Vasconcelos e da iconografia oitocentista é notória, embora o diretor tenha ressaltado que procurou se afastar da narrativa do literato 368) “[...] inicial do filme, até a chegada deles [negros] à cidade de Ouro Preto, até a venda dos escravos, é uma das melhores coisas que eu fiz no cinema” 369. A avaliação positiva do cineasta em relação ao seu trab alho em Chico Rei deve-se à questão estética inata à narrativa cinematográfica 368 369 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3. I b id em . 20 2 alcançada. Contudo, também, ao entendimento de que conseguiu representar o tráfico de escravos e problematizá -lo. Um procedimento em consonância com as propostas correntes de Hi stória Pública no Brasil. Esses planos iniciais sugerem a perda da identidade dos prisioneiros condicionados à mercadoria . Ao mesmo tempo, o diretor procurou revelar a complexidade dos negócios escravocratas. Em tom de denúncia, elenca os atores sociais envolvidos no infame comércio humano: mercadores diretamente ligados ao aprisionamento e transporte dos cativos; negociantes lusobrasileiros como sócios -investidores do tráfico; o Estado português que gerenciava todo o processo por meio de leis e lucrava c om impostos cobrados sobre a atividade; e a Igreja Católica que avalizava moralmente a situação ao reconhecer legítima a submissão de um ser humano como propriedade de outro 370. Como resultado, a direção de W alter Lima Júnior produziu um filme cuja abordagem da escravidão versus liberdade foi estabelecida por uma dramaticidade intensa. Por outro lado, ao optar pelo gênero carnavalesco, Cacá Diegues trabalhou a temática por meio de estereótipos, fazendo de Xica da Silva uma comédia. A opção pelo riso 371, contudo, não minimiza o valor de seu filme como meio para a educação histórica, pois a reflexão decorrente desse recurso de linguagem é potencializada pelo viés didático com que temas históricos são apresentados. 370 Co nf or m e as s i na l ad o, a lg um as ref er ê nc i as b i b li o gr áf ic as q u e s us t en t aram a ab or d ag em s obr e as r e laç õ es es c r a v is t as e o tr áf ic o de es c r a v os f oram c it ad as a o f in a l de C h ic o Re i . Em es pe c íf ic o p ar a o a pri s i on a m en to d e c a ti v os n o c o nt i ne n te e s eu tr ans p or t e m ar í tim o, c f . : G O R EN D ER , J ac o b. O es c r av is m o . .. o p.c i t. ; V A SCO NC E LO S , Agr i pa . Ch ic o R e i. O p .c i t. P es q u is as m ais r ec e n tes s o br e a tem át ic a t êm am pl i ad o a n á lis es ac er c a do s is t em a es c ra voc ra ta ; c f .: A L EN CA ST RO , L u i z Fe l ip e de . O tr at o dos v iv en t es : f orm aç ão d o B ras i l n o At l â nt ic o S ul Séc u l o s X V I e X VI I. Sã o P au l o: C om pa nh i a d as Le tr as , 2 0 00 ; RO D RIG U E S, J a im e. De c os t a a c os t a : es c ra vos , m ari nh e ir os e i nt erm ed i ár ios do tráf ic o n egr e ir o de A n go l a ao R io d e J an e ir o ( 17 8 0- 1 8 60) . S ão P au l o: C om pan h i a das Le tr as , 2 0 05 . 371 P ar a um a ab or d ag e m s obr e o r is o e s e u im pac t o n o im ag in ár io s oc i a l; c f . : S A LI B A, E l i as T hom é . R aí ze s do ris o : a rep res e nt aç ã o h um orí s tic a na h is tór i a bras i l e ir a : d a B e ll e é p oq u e a os pr im eir os t e m pos d o r á d io . S ão P au l o: C om pa nh i a das Le tr as , 2 0 02 . 20 3 Não obstante a representação extremada da comédia, uma sutileza pode ser percebida na abordagem da liberdade no filme. Durante as sequências em que os personagens são apresentados, enquanto aguardam a chegada do contratador dos diamantes ao arraial do Tejuco, a câmera de Cacá Diegues filma por plano geral uma igreja, onde um escravo com uma gargalheira cumpre castigo. O plano compõe a jornada de João Fernandes rumo ao povoado. Ocorre que, nas sequências finais, quando o contratador é levado preso para o reino e Chica da Silva desesper ada corre até o lago onde estava ancorado seu navio, o mesmo escravo é novamente focado, ainda com os ferros de castigo e no adro da mesma igreja. Parece razoável considerar essas sequências para além de planos de transição. Elas funcionam como marcos temporais da narrativa fílmica: demarcam a chegada e a partida de João Fernandes ; consequentemente , o prestígio e a derrocada de Chica da Silva. É possível, portanto, entender essas inserções como uma crítica à realidade do escravismo que permanecia inalterada, mesmo que alguns escravos tenham conseguido obter sua liberdade e reposicionamento social. Delimitado por esse recorte simbólico -temporal, o diretor abordou, no decorrer da sua narrativa , outras nuances da relação escravista naquela sociedade , quase sempre marcadas por iro nias, deboche e inversões . Conforme salientado, a questão da liberdade para os escravos perpassa ambas as películas, que ora a aborda de maneira mais poética, ora didática e explicativa ( essa perspectiva receberá maior atenção no item 3.3). Nesse sentido, sobressaem dois campos de representação acerca do imaginário de liberdade e resistência : o quilombo e a alforria. 3.1.1. Quilombo: da resistência clássica à integração A história do escravo que se negava à submissão e fugia para viver em liberdade com outro s negros fugitivos encontra , no líder palmarino Zumbi, a principal referência como memória da luta pela 20 4 liberdade. A história do Quilombo de Palmares circulava no imaginário social brasileiro graças a variadas construções narrativas 372. Esse processo se deu de modo semelhante ao ocorrido com Chica da Silva e Chico Rei: pela tradição popular; pela literatura, com destaque para os cordeis; por enredo carnavalesco – coincidentemente, coube também aos Acadêmicos do Salgueiro fazer o desfile Quilombo dos Palmares , com o qual conquistou seu primeiro título, em 1960; e até mesmo em registros cinematográfico s 373. Contudo, uma relevante diferença entre o líder quilombola e os ex-escravos de Minas Gerais existe quanto à sua circulação como conhecimento histórico . A história de Palmares e de Zumbi também estava presente no âmbito escolar como exemplo da resistência escrava mais duradoura do Brasil colonial, enquanto os negros mineiros não tinham ess a presença na educação oficial. A historiografia corrente no período de produção dos filmes, tanto aquela produzida segundo parâmetros do materialismo histórico quanto a realizada sob um âmbito mais cultural, reconheciam no quilombo a principal forma de resistência escrava. A relevância do tema figura em Chico Rei já no início do filme, pois é o espaço onde os negros fugitivos das sequências iniciais encontram refúgio. Depois de romperem os grilhões, eles atingem um elevado e a câmera passa a filmar vários negros construindo paliçadas e muros de pedra. Uma música percussiva é tocada efusivamente por dois negros , enquanto 372 D es t ac a - s e q u e, a p ar t ir d a d éc a d a de 19 50 , a l e it ur a c orr en te s o br e Z um bi o as s oc i a à r es is t ênc i a c om o ex em pl o p ar a os op rim i dos em bus c a por j us tiç a s oc ia l . P ara um a an á l is e s obr e c ons tr uç õ es nar ra t i vas a res p ei t o d e Zum b i em pers p ec t i v as h is tór ic a s dis t in t as : c o l ô n ia ; Br as il i nd e pe n d en te ; e o Z um bi d os opr im i dos ; FR A NÇ A , J ea n M ar c e l C ar va l h o ; FE RR E IR A , R ic ar d o Al ex an dr e. Tr ês v e zes Z u mb i : a c o ns tr uç ã o d e um h eró i b ras i le ir o. S ão Pa u l o: T rês Es tr e las , 2 01 2 . 373 Cf .: ZU M B I DO S P A LM A R E S. C H ER Q U E S, S an i n. 1 96 3, 2 3 m in. C onf o rm e ac er v o d a C i nem at ec a, em 1 9 77 , o pr o d ut or d es s e c urt a m e tra g em , M o ys é s W eltm an, i ns c r e v e u o pr oj e to , na c on d iç ão d e d ir et or , na c a te g ori a d e Fi lm es His t óric os da Em br af i l m e, te nd o s id o r e pr o v ad o . S em obt er f i n an c i am ent o, i nf er e s e q u e o d ir et or n ão o c o nc l u iu , p o is um a o bs er v aç ã o i nd ic a qu e o f i lm e es tá des a pa rec i do . O tem a t am bém r ec e be u at e nç ã o do d ir et or d e X ic a d a S i lv a , qu e f e z um f ilm e s obr e o s u bs t it u to d e Zum b i c om o lí d er pa lm ar in o; G A NG A Z UM B A . DI EG U E S, Cac á. Co p ac a b an a F i l m es . 19 64 , 1 2 0 m in. O dir e tor v o lt o u a o te m a de P a lm ares du as d éc a d as d ep o is , r e e di t an d o a parc er i a bem - s uc ed i d a de X ic a. .. c om o c o rot e ir is t a J oã o F e líc i o dos Sa nt os ; Q U I LO M BO DO S P AL M A R ES . DI EG U ES , Cac á. Em br af i lm e. 1 9 84 , 1 2 7 m in ; < ht t p: // ww w.c i nem at ec a. g o v. br/ > Ac es s o em : 25 no v . 20 1 3. 20 5 um terceiro homem dança freneticamente uma coreografia . O regozijo dos fugitivos que alcançaram a sonhada liberdade cede espaço para a figura de um quilombola, que observa seus companheiros e mira o horizonte, assumindo a função de narrador da história de Chico Rei. O quilombo é assim apresentado ao espectador (frame 11). Fr a me 11 – P la n o d e q u il om bo l as f or t if ic a nd o e v ig i an d o q ui l om bo ( Ch ic o R ei , 1 98 5) Outra cenário. O importante som do passagem berimbau do filme anuncia o se desenvolve retorno da nesse câmera à comunidade negra. Dentro da cabana, Kindere continua a desempenhar seu papel de guardião da memória negra ao narra r histórias da travessia marítima separação das a que foram forçados a fazer , mulheres e filhos . As sentinelas destacando a quilombolas interceptam e cond uzem Muzinga, filho de Chico Rei e em fuga do seu proprietário – o cruel capitão-do-mato Paranhos –, e o padre espanhol, cuja crise de consciência o levou a também acompanhando o negro na busca do quilombo . buscar refúgio, 20 6 A presença do clérigo branco perturba os aquilombados. Muzinga tenta interceder a seu favor, sugerindo que o padre poderia ensiná -los a ler e escrever. Mas a ideia é rechaçada pelo líder quilombola que diz não haver serventia para eles a letra dos brancos. Autorizado a permanecer apenas para descansar, o padre passa a registrar os acontecimentos – assim como fizera no navio negreiro . Seu diário o recoloca na posição de narrador secundário. Suas observações descrevem o modo de vida no quilombo, caracterizando aquele espaço como uma recriação dos modos africanos , em que imperavam a liberdade e solidariedade tribais. Planos representando momentos cotidianos são alternados, enquanto uma música percussiva permite o foco para uma dança de capoeira . As descrições das representações dirigidas por W alter Lima Júnior para a dinâmica do quilombo trazem a lguns elementos que reiteram o conhecimento sobre o tema circulante , na década de 1970. Na realidade, tais representações reforçam estereótipos aos quais o negro é frequentemente associado, quase como uma marca identitária. Como exemplo do uso de imagens canônicas nesse sentido, citam-se a música percussiva e as danças de capoeira que apresentam o quilombo ao espectador. Ainda que de modo inconsciente, cria -se a ideia de que um grupo negro não está fide dignamente representado se não houver batuque e danças acrobáticas. Associar o cotidiano dos negros, sobretudo quando relacionados à escravidão e ao continente africano, a modos de vida rudimentares é outra percepção que perdura como herança do discurso ci vilizatório europeu escravocrata. A ideia do quilombo como espaço onde o negro recriava hábitos próprios da sociedade africana, especialmente ligados à natureza, também aparece em Cacá Diegues . Sob sua direção retoma-se a representação do quilombola como ameaça à ordem social vig ente, cuja construção é perceptível desde a documentação produzida entre autoridades dos séculos XVIII e XIX , preocupadas em coibir as fugas escravas 374. Contudo, mesmo à margem social, esse grupo é dignificado 374 Cf .: C AR N EI RO , Ed is on . O Q u i lo m b o dos P a lm ar es . 2 . ed . S ã o P a u lo : Com p an h ia E di t ora Nac i o na l , 1 9 58 ; R EI S , J o ã o J os é ; G O M E S , Fl á v i o d o s Sa nt os . (O rg) . 20 7 na narrativa fílmica, sobretudo quando confrontado aos administradores portugueses. Essa valorização do elemento oprimido na história também é reconhecid a na abordagem dos quilombolas por W alter Lima Júnior, em Chico Rei. Nas sequências iniciais, logo após tocar com músicos andarilhos, o contratador é surpreendido por um grupo de negros. Assim como ocorre na apresentação do quilombo em Chico Rei, uma trilha sonora percussiva, com destaque para a cuíca, cria a tensão do encontro. A câmera filma a silhueta do líder negro em cima de uma rocha, transmitindo a sensação de poder. Aos saltos e armado, ele desce e é reconhecido como Teodoro, famoso contraventor na região diamantina . O líder apresenta aos comparsas uma mostra do cascalho minerado clandestinamente, como bons indícios de haver muitos diamantes no local. Teodoro, então, se volta ao contratador, com quem estabelece um diálogo questionando a aptidão de João Fernandes para o negócio: “Vossa excelência já viu algum diamante na sua vida, senhor contratador? Fora do pescoço das senhoras de Lisboa, é claro!”. Prossegue, ironicamente, deslegitimando o monopólio imposto pela Coroa Portuguesa para extrair as valiosas pedras ao afirmar que os diamantes “brotam em cascalhos iguais a esse. E , para isso, não precisam da autorização do r ei de Portugal. Como eu não preciso dela para ir buscá-los”. Acuado, o contratador ainda perde sua montaria, pois o fora da lei a requisita porque o seu cavalo havia quebrado a perna. Apesar da tensão, acentuada pelo berimbau em ritmo de capoeira, Teodoro se apresenta sereno , com um sorriso irônico , no controle da situação . Essa sequência revela o poder paralelo dos quilombolas à administração oficial e representa uma das muitas inversões sociais e de poder que caracterizam a relação entre os negros e a el ite tejucana em Xica da Silva. L ib er da d e p or um f io : h is t ór ia d os q u i lom bos no Br as i l. S ão P au l o: Com pa n hi a das Le tr as , 19 9 6; A N A ST A SI A , C ar l a M . J . V a s s a los r e be l d es : v i ol ê nc ia c o le t i va n as M in as n a pr im eir a m et ad e d o s éc u lo X VI II . B e lo H or i zo n te : c / Art e , 19 9 8. 20 8 No decorrer do filme, quando o contratador percebe que suas tentativas para demover o governador de investigar sua administração não surtem efeito, sua amásia decide intervir. Sozinha , vai à procura de Teodoro em seu esconder ijo. O caminho é difícil , cheio de obstáculos e animais como aranhas e insetos – imagens que reiteram o quilombo como um local de perigo. Sem perceber, Chica é observada por vigias, que alertam sua presença tocando tambores, cujo som passa a preencher o plano geral aberto no qual muitos negros (homens, mulheres, velhos e crianças) são representados em várias atividades (frame 12). Teodoro está sentado no topo de uma pedra, tal qual um re i tribal em seu trono da natureza , vestido com uma pele de animal . Fr a me 12 – P la n o g er a l do qu i l om bo d e T e o dor o ( Xic a d a S i lv a, 1 97 6) Chica propõe que ele ajude o contratador, organizando seus homens, para expulsar o governador e sua tropa do Tejuco. O líder quilombola desce até sua mulher, que embala o filho do casal, e diz se importar pouco com os administradores portugues es, mas que poderia ajudar porque João Fernandes permitia que ele atuasse sem maiores 20 9 repressões. Estabelecidas as condições, Chica revira os olhos, treme o corpo e diz que está lhe dando uma zoeira – quadro marcante no filme e que assinala a deixa para a protagonista se entregar à volúpia que tanto enlouquecia os homens. Agarra-se, então, a Teodoro e deitam -se na própria pedra, à frente dos quilombolas, que assistem impassíveis. As descrições acima permitem atribuir às representações de quilombo estabelecidas por Cacá Diegues ainda mais radica is quanto ao reforço da ideia de sse espaço como ameaça à ordem social, política e econômica da sociedade branca . O quilombola, encarnado em Teodoro, está à margem e, ainda assim, tem poder e se sobrepõe à maior autoridade do Tejuco: o contratador. Contraposto à autoridade, sua dignidade é exemplificada em várias situações: ao encontr ar João Fernandes exercitando música, demove seus comparsas de assassiná lo; manda devolver o cavalo que havia tomado emprestado ao contratador; aceita o pedido feito por Chica para ajudá -lo. Dignidade não correspondida por João Fernandes que, ao ser informado por Chica onde Teodoro se escondia, decide denunciá -lo para demonstrar ao governador sua lealdade à Coroa. Ou seja, enquanto o homem negro representa a lealdade, o branco se pre sta à traição. Ainda assim, a representação do quilombo como espaço de natureza selvagem, n o qual os escravos fujões viviam em meio a animais peçonhentos e sem pudores , ao ponto de assistirem seu líder copulando com Chica, sugere a violência e a incivilidade como característica desse grupo social. Elementos dessa leitura alimentaram contestações ao diretor, acusado de representar o negro sob o olhar colonizador 375. Retornando ao quilombo representado em Chico Rei, no momento em que a voz do padre narra suas impressões sobre o grupo, um novo plano é aberto com a chegada de um emissário negro e integrante da Irmandade do Rosário. Sua missão era convencer Muzinga a retornar para Vila Rica. Um acalorado debate sobre a liberdade é estabelecido. 375 As p ec t os d es s a c r í t ic a r e al i za d a a C ac á Di eg u es s er ão d is c ut i d o s n o c a pí tu l o 4 – Re v er ber aç õ es de X ic a d a S i lv a e Ch ic o Re i , it em 4. 1. R e p erc us s ã o: d e ba t es pe l a im pr e ns a. 21 0 O irmão do Rosário questiona se de fato era livre quem vivia em fuga, já que o quilombola poderia ser recapturado a qualquer momento por um capitão-do-mato. Muzinga, como porta voz dos companheiros de quilombo, afirma que a lib erdade dos negros ia além de usar correntes e argolas. Tratava -se, para eles, de uma liberdade interna. Por isso, desconsideravam a alforria, pois uma vez obtida o negro deveria conviver dentro das regras da sociedade branca. Mantendo essa posição, o filho de Galanga permanece no quilombo, enquanto o emissário e o padre retornam para Vila Rica. Como se constata, ambos os diretores representaram o quilombo como local da liberdade, embora estereótipos tenham sido reforçado s, como a associação dos negros à capoeira, sempre sonorizadas por percussão que sugere tensão . A percepção do quilombo como expressão máxima da luta contra a condição escrava predominava na produção histórica 376 e chegava até ao ensino básico de História , especialmente pela memória em torno da história de Zumbi de Palmares. Em determinados momentos, os filmes de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior se aproximam d e uma interpretação mais radical sobre o quilombo, entende ndo-o como ação contra-aculturativa dos negros. Essa visão considerava a existência do quilombo com o tentativa de se criar uma comunidade em que os valores culturais negros e africano s fossem reestabelecidos, sem a influência branca 377. Essa possibilidade interpretativa é mais explícita em Chico Rei, quando o padre exalta o 376 De m od o ger a l, es s a in ter pr et aç ão l i ga d a à tr a diç ã o m arx is ta c om pre en d e as f ug as c o m o ex pr es s ã o d a lu ta d e c l as s e s , p ort a nt o, i ner e nt e s ao h ier ár qu ic o s is t em a es c r a v oc r at a . É c er t o q ue , p or es s a l i nh a d e r ac i oc í n io , a re if ic aç ã o ( o u c o is if ic aç ã o) d o es c r a v o s e tor n a um po nt o par a d ox a l n a tes e, j á qu e , par a f ug ir , o ne gr o t er i a q u e a dq u ir ir c o ns c iê nc i a de s ua in d i v id u a l id a de . N ão obs ta n te es s e s en ã o a n a lí tic o , v a l i o s os tr a ba l hos f oram pro d u zi d os c om o in t u it o d e ex p l ic ar a es c ra v i d ão br as i le ir a e as f or m as d e r es is t ênc i a. Al ém das ref er ênc i as j á c it a das par a o tem a; c f .: C O ST A , Em íl i a Vi o t t i da . D a s e n za l a a c o l ôn i a . Sã o Pa u l o: Dif us ã o E ur o p e ia d o L i vr o, 1 96 6 . Va l e des t a c ar, a i nd a , os tr ab a l ho s d e a u tor es q ue pu b l ic a ram os r es ul t a dos de s u as p es q u is as n o i n íc i o d a déc a da de 1 98 0; c f . : MO U R A, C l ó v is . O s q u il o m bos e a r eb e l iã o n eg ra . S ão Pa u l o: B ras il i e ns e , 1 98 1 ; G UI M AR Ã E S , Car l os Ma g no . A n e gaç ã o d a or d em es c r av is t a : qu i l om bos em Mi n as G er ais no s éc . X VI I I. 1 98 3 . D is s er taç ã o (m es tra d o em Ci ê nc ia P o l ít ic a) – Un i v ers id a de F e der a l de Mi n as G er a is , D e p art am en to d e C i ênc i a P ol ít ic a, 19 8 3. 377 D en tr e au t or es r ef er enc i a is p ara es s a i nt er pre t aç ã o, d es t ac a - s e ; c f . : CA RN E IR O , E d is on . O Q u i l om b o d os P a lm ar es . .. o p.c it . 21 1 modo africano e solidário que imperava na convivência entre os negros do quilombo, aproximando aquele grupo ao mito do bom selvagem 378. Apesar de o aquilombamento não chegar a ameaçar o sistema escravocrata, pois dependia da ação individual do cativo, sendo quase sempre pontual, a existência do quilombo se inscrevia no imaginário social como um risco à ordem social, política e econômica. A força simbólica do quilombo tendeu a se acentuar após a independência do Haiti, quando se criou , entre a elite colonial branca , o temor da haitinização (receio de uma rebelião generalizada dos negros contra os senhores), perdurando por todo o lento processo legislativo que restring ia a prática escravista no Brasil, até culminar na abolição, em 1888. Assim, [.. .] s e n ã o f ig ur a vam c om o am eaç a ef et i v a à es c r a v id ã o, e les [os q ui l om bos ] p as s ar i am a re pres e nt ar um a am eaç a s im b ól ic a im por ta nt e , po v o an d o o p es ad e lo de s e n ho res e f u nc i on ár i os c o lo n ia is , a l ém de c ons e gu ir f us t ig ar c om ins is t ênc i a 379 des c o nc e r t an t e o r e g i m e es c ra v is ta . Ressalta-se que, em meados da década de 1970, novas hipóteses sobre o papel do quilombo na sociedade escravista começa ram a fundamentar pesquisas que se desenvolveriam nos anos seguintes. A principal proposição era entender o quilombo de modo integrado ao cotidiano social. A possibilidade da fuga, assim como a esperança da alforria, aliviava a tensão na relação entre senhor -escravo, e poderia minimiza r uma rebelião generalizada 380. Isso não significa que o quilombo fosse desejado ou tolerado pelos senhores, afinal sua existência implicava desestruturação da transtornos cadeia locais: produtiva e fuga de de mão serviços , de obra, aumento de assaltos para abastecimento dos quilombolas. 378 Cf .: RO U S S E A U, J e an J ac qu es . Em í l io ( ou d a ed uc aç ã o) . 3 . ed . S ão P a ul o : Ma rt i ns F o nt es , 2 0 0 4. 379 R EI S , J oã o J os é; G O M E S, F lá v i o d os S a nt os . (O r g). L i b erd a d e p or u m fi o ... o p.c i t. , p. 1 8. 380 Em b lem át ic o n es s e s en t id o f o i a tes e d e d ou t ora d o r e al i za d a po r K á ti a M a tt os o na Fra nç a, em 19 7 9, pos t er i or m en t e l a nç ad a em l i vr o; c f . : M AT TO SO , Ká t ia M . de Q u eir ós . S er es c r a v o no Br as i l . 3 .e d . S ã o P a u lo : B r as i l ie ns e, 20 0 1; R A MO S , Do n al d . O qu i l om bo e o s is t em a es c ra v is ta em Min as G er a is do s éc u lo X VI II . I n: RE I S, J oã o J os é; G O M E S, F lá v i o d os S a nt o s . (O r g) . L ib er da d e p o r u m f i o. .o p.c i t . 21 2 A discussão empreendida entre o negro forro e Muzinga a respeito da liberdade revela os difíceis caminhos para se tentar romper com a condição de escravo. A credita-se que o espectador de Chico Rei – a partir da ponderação do ex-escravo de que a constante fuga limitava a liberdade e da contraposição crítica de Muzinga de que a alforria funcionava como cooptação pela sociedade branca – possa ficar sensibilizado para o problema da experiência em ser livre com plenitude. 3.1.2. Alforria: a liberdade dentro das regras A alforria é o outro campo profícuo para se analisar essa questão. A carta jurídica podia ser obtida por concessão unilateral do senhor (afetividade; reconhecimento; compaixão; recompensa) ou negociada (coartação) 381. Tanto Cacá Diegues , quanto W alter Lima Júnior exploraram em seus filmes as nuances da obtenção da liberdade por esse instrumento legal. Os diretores foram didáticos ao explicar como se dava esse procedimento. Em Xica da Silva, por exemplo, o esclarecimento ocorre no início do filme . Depois do já analisado encontro do contratador com os músicos e o grupo de Teodoro , ele ruma para o arraial do Tejuco – momento em que os letreiros indicam os atores do filme . A câmera corta para o pátio de uma casa, onde a negra Chica da Silva debulha milho. O jovem José Rolim, filho do proprietário da escrava, a interpela galhofeiramente e, após persegui-la, entram em um porão. A câmera permanece focando a porta com o interior escuro, de onde sussurros sugerem uma relação sexual. A nova sequência traz Chica em primeiro plano, com um lenço azul à cabeça e seios nus. Ela pergunta ao jovem se ele já acabou? Com aparência e xausta, José tenta manter a escrava 381 A c o ar t aç ão er a o es ta b el ec im en to p e lo s e nh or d o preç o q ue o es c ra v o d e ver i a pa g ar, em um d et er m i na d o pr a zo d e a n os , p ara ob te r s ua li b er da d e; SO UZ A , L aur a de Me l l o e . Co ar taç ã o: p r o b lem át ic a e e p i s ód i os ref e re nt es a M in as G er a is n o s éc u l o X VI II . I n : SI L V A, M ar i a Be at ri z N i z za da . (O r g). B ras i l : c o l o ni za ç ão e es c rav i d ão . R io de J a ne ir o: N o v a Fro n te ir a, 20 0 0. 21 3 com ele e diz que queria presenteá -la. Com olhar expressivo , a cativa diz que queria “[...] um vestido e sapato branco. Roupa de gente!”. José retruca dizendo que ela só pensava em futilidades. À porta, o jovem a chama e diz que “[...] quando seu pai morresse, ele a herdaria e, então, lhe concederia a alforria. Mas, se o velho demorasse a morrer, ele a compraria pelo dinheiro pedido”; ao que a escrava sorri graciosamente. Toda a sequência , além de apresentar a protagonista e expor o tom da narrativa ao destacar a volúpia de Chica e seu poder de sedução sobre os homens , o dilema da escravidão -liberdade é colocado. No caso, José a concederia por questões afetivas. No decorrer do filme, durante um jantar na casa de Chica, que nessa altura já vive como amásia do contratador, outras duas situações interconectadas recolocam a alforria em discussão. O negro Cabeça, assessor de João Fernandes, interrompe o jantar para chamar seu senhor, que se dirige à varanda que circunda o pátio interno da casa . Do segundo andar , a autoridade reconhece o negro Teodoro , que o procurou para propor a compra de uma escrava pertencente a João Fernandes: Celeste, com quem tinha um caso e que estava grávida d o quilombola. Estabelecido o negócio, Teodoro joga um saco com o dinheiro e diz que a diferença de valores deveria ser distribuída aos pobres. Chica observou toda a conversa e se emocionou com a atitude do líder negro em se arriscar para comprar a liberdade de sua amada. Então, passa a cobrar que João Fernandes lhe concedesse a alforria. O contratador tenta d issuadi-la, explicando que ela já possuía tudo e que ele não se arriscaria em libertá -la, pois poderia perdê-la. A escrava insiste e argumenta que se ele realmente a amas se deveria correr o risco. Convencido, João Fernandes promete providenciar o documento na manhã seguinte. Eufórica, Chica seduz seu amante ali mesmo na varanda, alega a zoeira e se entregam a um amor nada silencioso, com o contratador gritando isso não! Chica! Os berros constrangem os convidados do jantar, com exceção do padre, que elogia a comida enquanto se lambuza ao saborear uma suculenta manga. 21 4 Os planos seguintes têm as ruas do Tejuco como cenário . A câmera acompanha Chica da Silva , ricamente paramen tada em um vestido amarelo e rendas brancas, acompanhada por uma comitiva de doze mucamas também luxuosamente vestidas . Com a carta de alforria em mãos, a ex-escrava percorre as ruas acuando a elite branca ao apresentar desaforadamente aos transeuntes o documento que a tornava livre (frame 13). A música-tema de Jorge Ben embala esse clímax da liberdade c onquistada e legítima . Fra me 13 – P la n o d e Ch ic a d a S i l va nas r ua s d o T ej uc o c om s ua c art a d e a lf orr i a ( X ic a da S i lv a , 1 97 6) O diretor constrói nessa sequência uma importante representação de inversão da ordem social escravocrata, com o elemento negro se sobrepondo à sociedade senhorial. A representação se tornou uma imagem canônica, sendo recorrente em clipes e cartazes promocionais do filme, mas também com ampla circulação como referência imagética a respeito da conquista da alforria . 21 5 Se esse é o ponto alto da representação da ascensão da ex escrava, a continuidade da sequência apresenta os limites à liberdade de Chica, que prossegue em sua efusiva caminhada até uma igreja, onde pessoas aguardam o in ício da missa. Do alto da torre, d.Hortência, esposa do intendente dos diamantes e desafeta declarada de Chica, protesta contra sua entrada. O padre alega que preferia não impedir, mas concorda que não poderia deixá -la entrar. Orgulhosa, a ex-escrava apresenta a carta de alforria e diz que pr eferia ser chamada de Francisca da Silva, pois agora era livre e súdita da Coroa Portuguesa. O padre a parabeniza, mas ainda objeta -lhe a entrada: o regulamento da irmandade religiosa, além de proibir cativos, exigia brancos sem mistura de sangue por pelo menos seis gerações. O religioso se volta para os fiéis, exortando-os a entrarem para iniciarem o ritual. O adro se esvazia. Uma das mucamas desce as escadas. O padre, então, cerra as portas da igreja. Desolada e furiosa, Chica desfere ofensas a todos (frame 14). Fr a me 14 – P la n o d e Ch ic a d a S i l va ao s e r pro i b i da d e e ntr ar n a i grej a ( X ic a da S i lv a , 1 97 6) 21 6 A representação da euforia e o desolamento de Chica da Silva , devido à percepção de que a sua alforria encontrava restrições na sociedade escravocrata, problematizam o tema da liberdade. Mesmo sendo legalmente livre e amante de um dos homens mais poderosos do Império Português, Francisca da Silva tem sua liberdade limitada pelas regras sociais, como os interditos de uma irmandade religiosa que impede a entrada de pessoas negras em seu templo 382. A colocação do problema por Cacá Diegues vai ao e ncontro da crítica feita por Muzinga às imposições culturais da sociedade branca sobre a população negra. Apesar de lançar mão do personagem de Muzinga para reconhecer e assinalar os limites da carta de alforria dada aos negros, W alter Lima Júnior constrói sua narrativa fílmica na perspectiva da liberdade negociada. conhecimento Por existente esse e procedimento, circulante sobre o diretor Chico reitera o que se Rei , caracteriza por conseguir alforria r seus companheiros. Em Vila Rica, o major Seixas arremata Galanga/Chico em um leilão. Em sua propriedade, Seixas conduz seu novo escravo à Mina da Encardideira. O local é escuro, iluminado por candeias que realçam um dourado nas rochas. Apesar da pouca luminosidade, veem -se outros escravos minerando. Ao abrir as algemas, diz para Galanga esquecer seu nome africano, devendo ser conhecido como Francis co. Um escravo próximo parece ter reconhecido Galanga. Chico a tudo observa e recebe quantidade a promessa de ouro, de ao liberdade que retr uca, caso encontre estabelecendo uma grande um diálogo politizado e crítico : Chi co Re i – E u s ó p os s o s er l i vre s e m eu po v o f or l i vre . Eu s ou r ei . M ajor S e ix a s ( im pac i en t e) – N ão m e am o l e s e u Ch ic o Re i! E c om ec e a tra b a lh ar . Pa ra enc o ntr ar o o uro q ue e u es to u de v e nd o a o o utr o re i : o r e i d e P ort u ga l . M ajor Se ix a s (a p o ia do n a p are d e e às gar g al h a das ) – E nq u an t o um re i m e t r a z o o uro , o o ut ro m e l e va t u do . 382 P ar a as ir m an d ad es e r e l i gi os as e s u a re laç ã o c om a s oc ie da d e c i v i l; c f .: BO S CH I, Ca i o C es a r . O s le i g os e o po d er : irm an d ad es l e ig as e p o l it ic a c o lo n i za d or a em Mi nas G er a is . Sã o P au l o: Át ic a, 1 98 6. P ara es t u do das irm an da d es r e li g i os as es t a be l ec id as p or ne gros ; c f . : SC A R ANO , J u li t a. Dev oç ão e es c rav i d ão .. . o p.c i t.; BO RG E S, C é li a M a i a. Es c r av os e l i b ert os n as ir m an d ad es d o Ros ár i o: d e voç ã o e s o li d ar ie d ad e em M in a s G er a is (s éc u l os X V I II e X IX ). J u i z de For a: Ed i tor U FJ F, 2 0 05 . 21 7 Ao deixar a mina, Seixas ordenou que todos trabalhassem. Chico Rei junta-se aos demais cativos. Novamente o cenário é a mina de ouro. A câmera se detém à entrada, mas logo conduz o espectador ao seu interior, em um mergulho lento. Uma ladainha se mistura ao som de marretadas e picaretadas. Naquela luminosidade opaca com relances de dourado, negros são filmados desbastando a rocha. Um escravo mais velho se escora na parede, pega um cande eiro e caminha lentamente, passa mal e cai. Chico Rei corre para ajudá -lo. Aos sussurros, o moribundo pede que lhe providenciasse um enterro bonito com o ouro que trazia escondido na cabeça: “[...] eu juntei pensando que pudesse ser livre ”. Chico Rei ordena que s oassem os tambores para indica r a morte do companheiro. Outra sequência que também tem como cenário a Mina da Encardideira, apresenta Chico Rei em primeiro plano , marretando a rocha. Ao desf erir um golpe, o chão se rompe e ele cai no buraco , praticamente em pé . Encoberto pela poeira, s ua expressão revela um misto de susto e surpresa ao observa r o espaço. O dourado predomina na iluminação e o zoom da câmera sugere que havia muito ouro ali. Simultaneamente, sobe a música de Santa Efigênia, na voz de Milton Nascimento, que funciona como legenda para o momento: a santa revela o caminho do ouro no ventre da terra. No escuro da galeria, uma figura feminina, negra, envolta em panos brancos, remete à aparição da Santa Efigênia, como que abençoando Chico Rei e o achado subterrâneo (frame 15). Concomitantemente, na parte de cima da mina outros escravos procuram por Chico Rei para lhe informar que acharam um veio aurífero. Novo corte para o subterrâneo da mina, onde Chico Rei se recompõe da surpresa da sua descoberta. A câmera o acompanha em movimento ascendente que reforça a grandeza do achado ao filmar as paredes douradas. Novamente junto aos seus companheiros de cativeiro, o líder negro não conta da gal eria subterrânea e disfarça seu contentamento ao vistoriar o veio encontrado pelos outros escravos, irradiantes com a perspectiva da liberdade. 21 8 Fra me 1 5 – P l an o da S an ta Ef ig ê n ia a in d ic ar o o uro n a g a l eri a d es c o b ert a por Ch ic o Re i ( C h ic o Re i , 19 8 5) Nesse momento, a percepção da liberdade como valor atinge o clímax. W alter Lima Jr., o fe z por meio de uma linguagem poética e emotiva, cuja construção foi elaborada desde o desmoronamento de parte da mina onde Chico Rei trabalhava e a visão de Santa Efigênia mostrando a galeria rica em ouro , até a incontida alegria dos escravos pela descoberta do veio aurífero que poderia garantir a concessão da alforria aos descobridores, como prometido pelo major Seixas . Por toda essa sequência, a música parece unificar os planos. O conjunto de emoções leva Chico Rei extravasar sua euforia, correndo em dispa rada pelos corredores escuros d a Mina da Encardideira rumo à saída, de onde salta à luz com os braços ao alto e grita: livres! (frame 16). 21 9 Fra me 16 – Pr im eir o p l an o d e Ch ic o R e i qu e gr i ta p or li b er da d e ap ós ac har o ur o na m in a ( C hic o R e i, 1 98 5) A alforria, contudo, demora a se concretizar, pois o major Seixas termina encarcerado sob acusaç ão de traição ao desrespeitar publicamente o governador durante uma peça teatral . Somente depois de libertado, ordena que os escravos fossem chamados. Manco e cego de um olho, consequências das torturas na prisão, o major está na varanda da fazenda, deitad o à rede, sendo abanado por um a cativa. Dita à sua mulher os termos da carta de alforria de Chico Rei que, assim como seus companheiros, não cont ém a emoção enquanto ouvem sua liberdade se r redigida. Ao assinar a carta, o major Seixas pronuncia uma frase e mblemática: “Agora, você também é feitor”. (frame 17) 22 0 Fra me 17 – P la n o d e Ch ic o Re i r ec e b en d o a c ar ta de a lf o rr ia ( C h ic o Re i , 1 98 5) Chico Rei continua a trabalhar na Encardideira, mantendo bom relacionamento com seu antigo proprietário. Ao comunicar-lhe, porém, que o veio tinha se esgotado, não confess a ao Seixa s que havia descoberto uma grande quantidade de ouro em uma galeria subterrânea. Diante da crise financeira de Seixas, Chico Rei propõe sociedade à irmandade do Rosário para comprar a mina . Seu objetivo é usar o ouro para libertar os cativos. Feito o negóc io, uma espécie de cooperativa se estabelece, com os negros trabalhando para adquirir a alforria dos demais. Como consequência dess a inversão social, em que um negro se torna proprietário e reestabelece fortes laços de solidariedade em torno de sua autoridade, Chico Rei desperta inveja e raiva entre as autoridades do filme . Quando uma escandalosa fraude relativa à remessa de ouro para o reino é descoberta, o governador não hesita em acusar o rei negro de estar por tr ás da trama. 22 1 Em filmagem externa, em meio a um milharal, Muzinga e outros quilombolas visitam Chico Rei. O filho do líder negro diz que eles queriam saber se era mesmo verdade o que se falava sobre sua prosperidade. O pai explica que os negros que não trabalhavam na mina estavam no campo, aran do, plantando e que a terra era boa. Um plano aberto revela soldados montados se aproximando. Chico Rei está em meio aos seus, que , com enxada, trabalham a terra. Em contracampo, os soldados chegam e procuram por Chico Rei, que se identifica e recebe a intimação para prestar esclarecimentos ao capitão Vasconcelos, autoridade militar . Ao perguntar o motivo, o soldado lhe diz que devia explicar onde havia escondido o ouro do rei. Ordena ao outro soldado quilombolas para amarrá -lo. Escondidos entre a observam. Chico Rei é levado preso plantação, os para provocando tumulto entre os negros que ali estão (frame 18). Fra me 18 – P la n o d e Ch ic o Re i p res o, c on d u zi d o p or m i l it ar es ( Ch ic o R ei , 1 98 5) a Vila, 22 2 A dramaticidade presente na descrição desses planos assinala a ambiguidade em se obter a liberdade por meio da alforria . Muitos morreram enquanto tentavam acumular o pecúlio necessário para comprá-la. Tais planos fílmicos endossam, em grande medida, a leitura de que a esperança da alforria ajudava a manter a ordem entre os cativos, facilitando a dominação e aculturação – haja vista a percep ção de Seixas de que o liberto se tornava apto a ser feitor de escravos. Um processo que, independente mente do estatuto de livre, mantinha a discriminação em função das raízes africanas, negras e escravas, como exemplifica a prisão arbitrária de Chico Rei, mesmo sendo um próspero minerador e agricultor. Os diretores ressaltam, portanto, as dificuldades inerentes ao processo de alforria e suas limitações para a inserção do negro livre na sociedade, fazendo des sa tensão a força propulsora d e suas narrativa s cinematográficas. W alter Lima Júnior, não obstante, se posiciona favoravelmente à estratégia da conquista da alforria por ser legítima, evitar confrontos e violência 383. Em seu filme, Chico Rei obteve sucesso em seu empreendimento : libertar seu povo do cativeiro. Mesmo que a sociedade branca lhe apresent e interditos, como também sentiu na pele a Chica de Diegues, o negro alforriado não poderia ser reescravizado – ao contrário daquele que procurava p ôr fim à escravidão pela fuga. Nesse sentido, W alter Lima Júnior declarou compreender a história de Chico Rei distintamente das trajetórias da Chica da Silva e de Zumbi dos Palmares. Ch ic o R e i é um m ito qu e n ã o a t in g e a c o ns c iê nc ia n ac i o n al c om o zum bi d os p a l m ares , q u e eu , par t i c u larm en t e, ac ho to ta lm en te e ng a n os o , j á q u e p as s a um s en t i m ento s e par a tis t a e de d er r ot a . C h ic o Re i , ao c o nt rár i o , é um m ito d a c onc i l i aç ã o, on d e o ne gr o us a o p ró pr i o s is t em a, t ira n do 384 pr o v e it o d e l e e f a ze n d o a s u a l i ber d ad e . 383 Nã o er a i nc om um , c on t ud o, q ue o s e nh or, m es m o te n do rec eb i d o o v a l o r c om bi na d o p e la c o ar t aç ã o , s e ne g as s e a en tr eg ar a c ar ta d e a lf orr ia , a l e ga n do i nc l us i v e o nã o pa g a m ento . N es s es c as os , a c ha nc e p ar a o c at i v o c o ns eg u ir re ve rt er a q ue br a de c o ntr at o er a p or u m proc es s o j u dic i a l, s en d o a pr im eir a d if ic ul d ad e e nc o n tr ar um tut or q ue o re pr es en t as s e j u nt o à j us t iç a; c f . : G RI N B ERG , K ei l a. L i ber at a , a le i d a a m bi g u id a de : As aç ões d e l i be rd a de da C ort e d e A pe l aç ã o do R i o d e J a ne ir o n o s éc u l o X IX . R i o d e J an e iro , Re l um e - D um ará, 19 9 4. 384 B AZ I, Ser g i o. C hic o Re i , o “m it o da c o nc i l i aç ã o”. C orr e io Bras i l i ens e , p. 32 , 1 3 m aio d e 1 98 8 . 22 3 A incógnita sobre o destino d e Chico Rei municia o cineasta para reiterar sua relevância no imaginário social a partir da estratégia de luta empreendida contra a escravidão . As palavras de Kindere, narrador inicial e que também fecha a história , são emblemáticas para essa valorização. Mesmo desconhecendo se o líder, após muito ter trabalhado para libertar os escravos, havia permanecido no Brasil ou retornado à África, assevera que Chico voltou a ser rei: “Rei de uma festa que conta a sua glória. Rei da Congada, que os negros do Brasil ainda hoje cantam e dançam”. O corte da sequência traz a Igreja do Rosário (Ouro Preto), em cujo adro guardas de congada estão em festa . A câmera fechada foca Galanga/Chico devidamente paramentado como rei da fest ividade, observando os dançantes de sua corte (frame 19). O cântico de congada é substituído pela canção entoada por Milton Nascimento: Chico Rei, Chico Rei! Quem é rei, sempre será! Fra me 19 – P l a no de Ch ic o R ei c om o rei da c on ga d a, la d ea d o p e l a ra i nh a e o c h ef e d a ir m an d ad e d o Ros ár i o ( Ch ic o R e i, 1 9 85) 22 4 Por meio das narrativas fílmicas , os cineastas perseguem o tema da liberdade e da resistência à opressão no contexto do escravismo. A partir dos elementos históricos, Cacá Diegues e W alter Lima Júnior problematizam a temática, as formas de se tornar livre e os limites da liberdade naquela sociedade. Seus filmes de gênero histórico , não apenas promovem a circularidade d o saber a respeito de perso nagens – provavelmente desconhecidos pa ra a maior parte do público dess es trabalhos. Eles possibilitam ao espectador tomar contato reflexivo com o passado brasileiro graças à narrativa audiovisual construída, independentemente de predominar na tela a lingu agem dramática, comédia, poética ou carnavalesca. Nesse sentido, os referidos títulos fílmicos agem como intermediários para uma história pública : divulgam, interpretam, problematizam o passado em uma construção narrativa histórica cinematográfica, viabili zada por meio do diálogo estabelecido com outras variadas fontes narrativas sobre o tema. 3.2. Ponte temporal: da ditadura à colônia O ato cinematográfico é imbuído de intencionalidades, como já assinalou Marc Ferro ao desenvolver suas primeiras reflexões so bre a relação do cinema com a história. O autor indicou que o filme , não apenas representa o homem no tempo, mas termina por documentar o contexto em que foi realizado 385; observação, aliás, extensiva às demais produções audiovisuais 386. A linguagem artística tem sido uma destacada cronista histórica. Artistas costumam atribuir significados políticos em suas produções, algo que se destaca e m períodos autoritários, sobretudo, a despeito das ações cerceadoras da liberdade que acompanham esses governos. Considerando as observações assinaladas por Bernardet, infere -se que, em momentos autoritários, o exercício da meta -história se torna 385 F ER RO , Mar c . C in e m a. .. o p.c i t. Cf .: SI L V A, Fr anc is c o Car l os T e ix e ira da . (O rg ). H is t or i a e i m ag e m. R i o d e J an e ir o: U FRJ , 1 99 8 ; HAG E M E YE R , R af a e l Ros a . H is t ór ia & au d i ov is u a l. Be l o Hor i zo n t e: Au tê n tic a , 20 1 2. 386 22 5 um importante recurso de expressão 387. Daí a recorrência percebida em filmes de gênero histórico produzidos durante governos ditatori ais em deslocar para o roteiro questões pertinentes às tensões do tempo presente. Cacá Diegues e W alter Lima Júnior vivenciaram a violenta ditadura civil-militar implantada e m 1964 – cujo histórico acumulava infames registros como atos institucionais, cas sações de direitos políticos, exílios, torturas, assassinatos, censuras . Apesar das dificuldades do período, os cineastas d eram prosseguimento às suas carreiras. As produções de Xica da Silva e Chico Rei distam apenas cinco anos, tendo sido realizadas no c ontexto da abertura política, conforme anunciado no governo do general -presidente Geisel (1974 -79) e reiterado por Figueiredo (1979 -85). Nesse cenário político, recordam se os problemas enfrentados por Diegues com os cortes sugeridos pela censura; interferências pelas quais não passou W alter Lima com Chico Rei – já que a edição final do filme ocorreu no final do governo militar, quando a censura já não atuava com a mesma intensidade . Mesmo nesse contexto, destaca -se, em Xica da Silva e Chico Rei, uma ironia que transita pela ponte histórica entre a realidade colonial e o período ditatorial. Algumas críticas do tempo presente deslocadas para o passado são sutis, outras mais expl ícitas, embora pareça que os censores não atentaram para a veia crítica contemporânea dos filmes. O que reforça a ideia de que o filme de gênero histórico , muitas vezes, é lido somente na perspectiva da reprodução do passado. Para favorecer a análise acerca das práticas de meta -história nos filmes, foi estabelecido um recorte que privi legia as críticas relacionadas à ideia de liberdade política , à denúncia à corrupção administrativa e ao autoritarismo militar. 387 B ER N AR DET , J ea n Cl a ud e ap u d O S IN CO NF ID E NT E S. A ND RA D E, J oa q u im P edr o d e. .. o p.c i t. 22 6 3.2.1. Liberdade, ainda que tardia Sobressaem metáforas e sugestões em tons críticos à realidade autoritária brasileira, vivenciada s quando os filmes foram produzidos. Todavia, como é ampla a produção bibliográfica analítica a respeito do contexto ditatorial brasileiro, não se procederá a uma discussão pormenorizada sobre os fatos inerentes ao período 388. A abordagem ocorrerá intrinseca mente à meta-história desenvolvida nos planos analisados. Cacá Diegues e W alter Lima Júnior discorreram longamente sobre a liberdade como valor existencial a partir da escravidão. As relações administrativas representadas em seus filmes são mais favoráveis para tratarem a liberdade no campo político. Nesses momentos, os diretores usam da ambiguidade para questionar as relações coloniais Portugal Brasil e seu impacto no cotidiano dos brasileiros, que podem ser ressignificadas para a luta contra a ditadura e pela redemocratização do país. Personagens e fatos históricos funcionam como mote para a meta-história. É o caso de F ilipe dos Santos, um dos líderes da Revolta de Vila Rica de 1720 389, contra a instalação das casas de fundição de ouro por Portugal. O perso nagem aparece em Chico Rei quando vai ser executado, em Vila Rica, que momentos antes foi apresentada ao espectador por meio de uma imagem panorâmica. A câmera acompanha a chegada de um lote de escravos à vila. Do alto, tem -se como plano o mercador de escravos à frente, seguido pelo padre espanhol e o grupo de negros acorrentados – Chico puxa a fila –, subindo a ladeira, enquanto feitores gritam para que andassem. O corte abre um contracampo no qual um homem branco, com as mãos amarradas, é conduzido 388 pelo c arrasco, ladeado por soldados que tocam nos Res s al v a - s e q u e a l gu m as r ef erê nc i as s o br e tem as l ig a dos à d i ta d ura c i v i l - m il i tar bras i l e ir a s ã o i nd ic a d as nes s a tes e . R ec urs o qu e s er á m ant i d o a f im de r ef er en d ar c o loc aç ões a pr es en ta das e apr ox im ar o l e it or a os es t u dos s obr e a tem át ic a. 389 Par a a Re v o lt a d e V i la R ic a d e 1 7 20 , o u R e vo l ta de F i l ip e d os S a nt os ; c f .: SO UZ A, L a ur a d e M e l l o e. D is c urs o h is tó ric o e p o lí tic o s o br e a s ub l ev aç ã o qu e n as Mi n as h o uv e n o a n o d e 1 72 0. B el o H or i zo n t e: F un d aç ã o J o ã o P i n he ir o; C e ntr o d e Es t u dos H is t ór ic os e Cu l tur a is , 19 9 4. 22 7 tambores uma marcha. Transeuntes observam o caminhar do réu que , sereno, passa pelo cadafalso montado. Enquanto sobe a escada, o mercador e seu lote de escravos chegam ao parapeito da rua atrás do local de execução, diminuindo a marcha para observarem (Frame 20). Fra me 20 – P la n o d o e nf or c am ent o d e Fi l i pe dos Sa n tos ( C h ic o Re i , 19 8 5) Em primeiro plano, um homem com chapéu observa recostado à parede da igreja – trata-se de Paranhos, capitão -do-mato, importante personagem na trama. Seu pensamento é revelado pelo som em off: “Patriota imbecil. Vê quanto vale o teu exibicionismo !”. Em contracampo, do outro lado da rua, também recostado em um muro, um negro bem vestido, com chapéu e casaca – trata-se de Felipe, alferes e fiscal da Intendência do Ouro –, parece trocar olhares com Paranhos. Seu pensamento confirma a oposição sugerida pelo jogo de câmeras campo e contracampo: “Cínico. E ainda se diverte com a própria vítima. Pobre Filipe!”. Em meio ao som dos tambores, um soldado a cavalo lê a 22 8 sentença expedida pelo governador Conde de Assumar, que determina a execução do condenado por traição ao rei de Portugal. No cadafalso e com a corda no pescoço, tendo o lote de escravos em segundo plano, Filipe profere um último discurso, assim que os tambores cessam : “Riqueza grande da t erra! Quantos por ti morrerão?”. Primeiro plano no padre espanhol que faz o sinal da cruz. Primeiro plano novamente em Filipe que, ao som de relinchos, sente o alçapão se abrir em sua queda para a morte por enforcamento. Os espectadores vibram com o ato. Corte para um negro livre (trata -se de Antônio, mestre artesão) que roga a proteção divina a F ilipe “por ter sonhado uma nação livre ”. Segundo o diretor, o personagem de Filipe dos Santos solucionou a demarcação temporal do filme, fugindo do anacroni smo presente no roteiro original protagonista (proposto ao por movimento Mário da Prata), no Inconfidência qual integrava Mineira. o Conforme declarou, a lenda de Chico Rei se passava no início do século XVIII, por isso, atrelá-la ao episódio da Revolta de Vila Rica a tornava verossimilhante 390. Ao inscrever sua narrativa fílmica à atmosfera de resistência política aos desmandos portugueses de episódios mineiros, W alter Lima Júnior reafirma seu compromisso em fazer um filme para refletir sobre a liberdade. O s pensamentos expostos dos observadores dos planos descritos reiteram a contextualização histórica representada: a tensão decorrente entre ser colono e as restrições impostas pela Coroa Portuguesa 391. Se, por um lado, há quem condene Filipe dos Santos, outros reconhecem seu heroísmo. Ao mesmo tempo em que valoriza a rebeldia e a resistência, é possível inferir algumas questões subliminares. Uma delas diz respeito ao capitão -do-mato, figura histórica odiada pelos negros, dada a função 390 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 d e j u n h o d e 20 1 3. So br e as c h am ad as r ev o lt as c o l o n ia is , c om des t aq u e p ar a a s oc orr i das na c ap i ta n i a de M i n as C ar la An as t as i a, ref le t e s obr e a a b ord a gem q ue e n te n de as an t eri or es a m ea dos d o s éc u l o X VI II c om o n at i v is t as , e n qu a nt o as p os t er ior es c om v i és s e p ar a t is t a; A N A ST A SI A , C ar l a M.J . V as s a l os r eb e l des .. . o p . c it . E, a i nd a, c f . : FIG U E IR E DO , L uc i an o Ra p os o d e A lm ei d a . R e be l i ões n o B ras i l C ol ô n ia . Ri o d e J an e ir o: J or g e Z ah ar , 2 00 5 ; L O PE S , E l ia n e Mar t a S an tos T eix e ir a. C ol o n i za d or c o lo n i za d o: um a r e l a ç ão e duc a ti v a no m o v im ent o d a h is t ór ia . B el o Hor i zo n t e: E di t ora U FM G , 1 9 85 . 391 22 9 de capturar escravos f ugitivos, mas que também sofria desconfianças entre os brancos que contratavam seus serviços. Intencionalmente, W alter Lima Júnior o batizou de Paranhos, uma irônica homenagem ao delegado do Departamento de Ordem Política e Social ( DOPS) Sérgio Fernando opositores Paranhos do Fleury, regime militar cuja lhe violenta rendeu ação no denúncias combate de aos tortura e assassinato 392. Outro aspecto é o fato de que são negros os que aprovam a resistência do branco F ilipe. Nesse ponto, infere -se a compreensão do diretor para a ideia de povo. A escravidão de africanos e seu transporte até o interior do país marcam indelevelmente a condição de exploração à qual estava sujeita a maioria da população. Essas raízes históricas parecem se reafirmar com a luta justa e valo rosa, porém duramente reprimida e deslegitimada pelos valores dominantes ou como asseverou Paranhos: patriota imbecil. Na mesma linha, pode -se ler que as sequências do enforcamento de Filipe dos Santos aprovam a ação daqueles que se opõem ao governo autoritário, mesmo que a consequência seja a morte. Rodado no momento em que a Lei da Anistia foi aprovada, a euforia vivenciada pelo retorno dos exilados da ditadura é refletida na valorização desses heróis da liberdade, daqueles que sonharam um país livre. Mantendo o olhar para personagens históricos envolvidos em revoltas contra o poder constituído, ressalta -se a representação do jovem José Rolim. Cacá Diegues seguiu as fontes que assinalavam que Chica da Silva pertencia ao pai de Rolim, sargento -mor, antes de ser vendida ao contratador. O padre Rolim teve atuação destacada na 392 En tr e vis t a d e W alter Lim a J ú n ior ao au t or da t es e, em 13 de j un h o d e 2 0 13 . S obr e o DO P S , c uj a e s tr u tu r a m on ta d a n a d it a dur a m i li t ar a pr o ve i to u a ex pe ri ê nc ia dos De p ar t am en tos E s ta d ua is de O r d em Po lí tic a e S oc ia l ( DE O P S), c r i ad os em 19 2 4, e as f or m as de at u aç ã o d o ór gã o re pr es s i vo n o p ós - 19 6 4; c f .: A Q U INO , M ar ia A par ec i da . N o c or aç ão d as tr ev as : o D E O P S/ S P v is t o por d e ntr o. S ã o P a ul o : Im prens a O f ic i al d o Es ta d o, 2 0 01 ; FI CO , C ar los . Co m o e l es ag i a m: O s s ub t errâ n eos d a d i ta d ur a m i l it ar – es p io n ag em e po l íc i a po l ít ic a. Ri o de J an e ir o: Rec or d, 2 00 1. Es p e c if ic am ent e s o bre o de l e ga d o Par a nh os Fl eu r y; SO UZ A, P erc i va l d e . Au tó ps i a do m e d o : v i d a e m ort e do d e l eg a do Sér g i o P ara n hos F l eur y. S ão Pa u l o: G lo b o, 2 0 0 0. 23 0 Inconfidência Mineira, mas antes do movimento já se encontrava em problemas com a justiça 393. No filme, Rolim ainda não havia se ordenado religioso. Ele é representado de modo irreverent e e questionador inferindo -se em diversas passagens seu envolvimento em ações subversivas. Sua relação com Chica é de rec íproca admiração e apoio, ao ponto de contracenarem na abertura e no final do filme. Logo após a sequência inicial, quando a escrava e José Rolim mantêm no porão uma relação carnal e conversam sobre alforria, eles sobem para a casa, onde seu pai, o Intendente dos Diamantes e sua esposa, dona Hortência, se preparavam para receber o novo contratador. Chica pergunta o que é um contratador, ao que José responde: “Um homem nomeado pelo rei de Portugal para levar o que não pertence a ele”. O intendente dos diamantes reprova com um olhar, ao que o sargento-mor se apressa em dizer que não passava de uma brincadeira de seu filho. José não acompanh a a comitiva de recepção ao contratador. Contudo, na janela de sua casa, chama a escrava para também assistir, enquanto ironiza a festividade: “ Veja só como o povo gosta de quem o explora. Esse aí veio para levar o que é deles e eles ainda soltam foguetes, batem palmas... uns idiotas!”. No decorrer da trama, Rolim sai de cena devido à sua viagem à Vila Rica. Apenas no final do filme retorna, porém na condição de perseguido político. Na mesma igreja onde havia sido impedida de entrar, o padre recebe Chica, que entra sorrateiramente por uma porta lateral. O objetivo do encontro é pedir ajuda para seu afilhado, José, que aparece no altar. A ex -escrava diz que podia escondê -lo no convento que ela mandou construir só para pretos. Cavalgando junto a José 393 até seu esconderijo, assinala desconfiar das inten ções do Pa ir a v a s o br e o p adr e, e n tr e ou tr as , ac us a ç ões de c on tr ab a nd o de d iam an tes e es t u pro . N os a ut os da de v as s a s o bre a inc o nf i dê nc ia , s om e nt e T ira d en t es f oi i nt err og a do m ais ve ze s d o q ue el e . S obr e o p a dre R o l im ; c f .: A U T O S. D ev as s a d a Inc o nf i dê nc ia Mi n e ir a. Br as í li a : Câm ar a d os Dep u ta d os ; Be l o H or i zo n te : Im pr e ns a O f ic i a l, 1 9 76 ; F URT AD O , J o ão Pi n to . O m an t o . .. o p.c i t ; RO DR IG U E S , An dr é Fi gu e ir ed o . O C l er o e a c on j ur aç ã o m i ne ir a . S ã o Pa u lo : H um an it as , 2 00 2; A LM E ID A , Ro b er t o W ag n er d e. E n tre a c r u z e a es pa d a: a s a ga d o va l e nt e e de v as s o P a dr e R o l im . S ão Pa u l o: P a z e T err a, 2 0 02 . 23 1 governador, já que recebia muitos presentes do contratador e nunca anunciava sua partida. O confidente afirma que sabi a das ordens para levar João Fernandes preso, a não ser que ele resistisse, já que tinha condições para armar um exército e enfrentar o governador. Ao avistar o convento, Chica se despede do amigo. Quando o contratador cai em desgraça, Chica sofre a vingança da elite tejucana. Desamparada, está vestida toda de preto, sem as cores vibrantes nem as perucas que caracterizaram a personagem. O contraste no vestuário acentua seu atual momento, contraposto à época em que usufruía do poder de seu protetor. Chica f oge até chegar ao convento. Numa sala mobiliada com uma grande mesa, conversa com José Rolim, em hábito religioso, enquanto toma uma sopa. O amigo procura animá -la, bradando contra as autoridades e simulando que urina sobre a cabeça delas ( Frame 21). Irreverente, diz que, [.. .] e s s e pa ís n ão é f eit o s ó d e f ro u x os , c om o o s e u c on tr at ad or . N ós a i nd a v am os s a ir d a qu i j un t in h os , Ch ic a, e v am os m i jar n a c ab eç a d o c o nd e, d o in t en d en t e, da m ul her d o i nt en d en t e. .. x i i i i i i. .. E n ã o dem or a na d a ! Fr a me 2 1 – P l an o d e J os é R o l im dis c urs an d o par a C hic a d a S i l va c on tr a as a ut or id a d es c o lo n ia is ( X ic a d a Si lv a, 1 9 76) 23 2 Apesar de rir, Chica continua a afirmar que, sem seu João Fernandes, tudo havia acabado. José protesta : “Você vai existir para sempre! Enquanto houver amor...”. Nisso, Chica encara José Rolim e revira os olhos: “A moooor...tá me dando uma zoeira...”. José a alerta que ali era uma igreja; que não era lugar para isso. Em vão, Chica o persegue torre acima. “Is so não, Chica!” grita José, enquanto badala os sinos. A música -tema de Jorge Bem preenche a sequência, que tem um plano geral da cidade, enquanto os créditos surgem na tela. O tema das lutas anticoloniais também foi abordado por W alter Lima Júnior, especialmente na sequência em que a sociedade de Vila Rica vai ao teatro assistir a uma peça. A comédia a que assistem tem elevado teor de crítica política. As falas dos atores restabelece o teor dos discursos contra a opressão apresentados na sequência da execução de Filipe dos Santos. Ocorre que o m ajor Seixas está eufórico por ter encontrado ouro em sua mina. Rindo desregradamente, chama a atenção da plateia e termina reprovado por um irritado governador, que o acusa de “[...] estar se acumpliciando publicamen te com os insatisfeitos com Portugal”. Investido de sua autoridade, alerta: “E saiba m todos os presentes que o rei está atento aos rebeldes e aos devedores. O senhor está liderando um clima de galhofa e anarquia. Incomodando o público presente. E ameaçando a figura d’El Rei”. A plateia se manifesta contrariamente ao governador e brada: “Viva a liberdade! Viva o Brasil!”. Diante da surpreendente manifestação, Seixas retruca ironicamente dizendo que era o governador quem parecia liderar os manifestantes (frame 22). Ao final da peça, Seixas foi intimado a comparecer imediatamente ao palácio para prestar esclarecimentos . 23 3 Fr a me 22 – P l an o do c am arot e d o t ea t ro o nd e o go v er na d or tr a ns m it e or de ns a o c ap i tã o V as c o nc e l os ( C h ic o R e i, 1 9 85 ) O teor debatido nessa sequência do teatro político tem paralelo com o diálogo estabelecido entre José Rolim e seu pai, q ue vai atrás do filho no mercado. Nesse cenário, bebendo com amigos, José continua a bradar suas reprovações à relação Portugal -Brasil, personalizada no contratador, partícipe do saque geral que assola o pobre país. Ao pedir mais uma caneca, seu pai chega. Transtornado, reprova o fato de o filho estar de partida para Vila Rica, dizendo saber que ele ia encontrar com outros vagabundos e se meter em baderna política. E isso ele não podia permitir, pois era um agente da lei. Termina, porém, ignorado pelo filho rebelde. Seguindo o rigor cronológico, essas representações dirigidas po r Cacá Diegues e W alter Lima Júnior incorrem em anacronismo. Em Xica da Silva, por exemplo, a insurreição referenciada em diversos momentos é a Inconfidência Mineira (1789) , ratificada pela participação do padre Rolim, embora só tenha eclodido quase duas décadas depois do retorno do contratador ao reino. W alter Lima Junior demarca 23 4 temporalmente a história de Chico Rei em Minas com a Revolta de Filipe dos Santos (1720). E, um diálogo entre o major Seixas, combalido após ser torturado na prisão, e sua esposa assinala o conhecimento de movimentos de contestação ao Antigo Regime , sugerindo que em breve a onda de revoltas atingiria também o Brasil, em mais uma alusão ao movimento dos incon fidentes mineiros . De certo modo, ambos os diretores recorrem à Inconfidência Mineira por integrar uma educação histórica 394 e que, poucos anos antes das filmagens de Xica da Silva e Chico Rei, havia recebido uma interpretação cinematográfica com Os Inconfidentes (Joaquim Pedro de Andrade, 1972). anticolonial Nesse como caso, estímulo para utiliza da histórica sublevação se pensar a pertinência em se questionar o regime ditatorial. Se , em primeiro plano , a crítica é contra a dominação colonial, tem -se como p lano de fundo uma exortação pela liberdade política , validando-se, portanto, o valor idealizado da liberdade, ainda que tardia. 3.2.2. Administração política: jeitinho luso-brasileiro Consequência natural da reflexão a respeito das relações de dominação portuguesa para o desenvolvimento do país e sufocamento da autonomia administrativas política, das os diretores autoridades questionam representantes do as práticas poder político lusitano. Em ambos os filmes, tais personagens são construídos destacando-se a inépcia, o autoritarismo e a corrupção como marcas da conduta administrativa na capitania de Minas. No filme de W alter Lima Junior, u m encontro entre o fiscal da Intendência do Ouro, Felipe, e o mestre artesão Antônio, na escuridão da noite, indica o planejamento de uma ação contraventora por parte 394 Sã o m uit os os tr a b a l hos s ob re a Inc o nf i d ê nc ia M in e ir a, t a nt o s o bre o m ov im ent o em s i, qu a nt o s e us im pac t os s im bó l ic os , c om o a e le v aç ão de T ir a de nt es à c at e gor i a de h er ó i n ac io n al . Nes s e s e nt i do , des t ac a- s e o pa pe l d a ed uc aç ã o h is t ór ic a es c o l ar e n ão - es c o lar par a o d e s en v o l v im ent o d es s e im ag i nár i o s oc ia l ; c f .: FO N S EC A , T h a is Ní v i a de Lim a e . Da in fâ m ia .. . op .c it . 23 5 do funcionário do rei. O diálogo entre eles reforça a ilegalidade que praticam, pois o fiscal elogia a perfeição do carimbo com o selo real encomendado e lamenta ninguém poder apreciar a obra de arte . Mestre Antônio concorda ter feito um bom trabalho, mas pedia cuidado porque não queria se r envolvido em problemas. Ao corte, o novo plano tem o alferes em seu quarto, sentado à cama , admirando alegremente o carimbo. Ao som de uma música no estilo barroco , ele esconde o objeto em um oratório que está sobre um móvel, fazendo o sinal da cruz. O diretor prossegue a narrativa dando pistas sobre a trama de Felipe. O major Seixas, depois de apresentar Chico Rei ao seu trabalho na Mina da Encardideira , vai até à Intendência do Ouro pagar os impostos devidos. Sentado de frente a Felipe, separados por uma balança, iniciam uma conversa enquanto os valores do pagamento eram pesados. O alferes comenta que o rei repreend eu duramente o Conde de Assumar pela execução sumária de Filipe d os Santos. Percebe-se no filme os contornos do movimento que o alçaria à condição de mártir, algo assinalado por Cecília Meireles nos cantos iniciais do lamentavam seu a Inconfidência 395. Romanceiro da morte enforcamento por do Os personagens rebelde , embora esperançosos de que outros nasceriam, pois ele era uma boa semente . Historicamente, se processa uma ilação entre Filipe dos Santos e Tiradentes. A conversa política se dá em tom baixo, próprio de quem confabula (frame 23). O novo plano abre para Felipe em uma sala da Intendência, durante a noite, falsificando papéis de controle de pagamento, selando-os com seu carimbo ilegal. 395 Ro ma nc e V ou Ro m anc e ir o. .. op .c it . da des tr uiç ã o de O ur o P o dre ; M E IR E L ES , C ec í l i a. 23 6 Fr a me 2 3 – P la n o do a lf er es F e l ip e r e c eb e nd o In te n dê nc i a do O ur o ( Ch ic o Re i , 1 98 5) Embora ciente de que o alferes se im pos tos apropria do na aparato administrativo estatal para benefício próprio, o espectado r não tem a dimensão do impacto dessa prática corrompida. A surpresa ocorre quando o correio real chega apressado ao palácio do governo e entrega ao Governador uma carta de sua majestade com a notícia de que os caixões de ouro enviados ao reino continham c humbo ao invés do metal precioso 396. Enfurecido, o governador explica o ocorrido a o capitão Vasconcelos e ordena que ele reúna a tropa: “Escândalo! Esses vermes brasileiros! Ousam me expor ao ridículo, perante ao rei, mas hão de pagar caro pelo insulto que e ssa fraude provocou!” E afirma que, se fosse preciso, prenderia toda Vila Rica. Enquanto de sce as escadas, se vira para o capitão e amaldiçoa: país de merda! As providências tomadas, conforme visto, foram culpar e prender Chico Rei , inocente na fraude. 396 A i ns p ir aç ão par a r e pr es e nt ar es s e e p is ód i o e nc o ntr a - s e n o R o ma nc e V I o u d a tra ns mu t aç ã o d os m et a is ; M E IR E L E S, C ec í l i a. R o ma nc e iro .. . o p .c i t . 23 7 A maior autoridade da região diamantina teve sua capacidade para o ofício questionada por um quilombola, Teodoro, logo na abertura do filme, conforme analisado . A avaliação negativa da população sobre os administradores na Demarcação Diamantina é reiterada no diálogo estabelecido com os músicos . Desconhecendo que aquele flautista amador era o novo contratador, Matias, um dos artistas, pergunta se ele sabia do fantástico roubo no c ofre dos diamantes? E complementa, destacando que as suspeitas recaíam sobre o pr óprio intendente diamantino 397. Ao chegar ao Tejuco, depois da festiva recepção, o contratador recebeu o sargento-mor e o intendente dos diamantes. Na audiência, as autoridades explicaram que o descaminho das pedras era o principal problema para aumentarem a arrecadação, sendo necessário incrementar a força repressiva para coibir o ilícito. Olhando o mapa da demarcação, João Fernandes pergunta em qual local Teodoro havia sido visto pela última vez. O militar responde que fazia tempo, numa grupiara no ribeirã o do Inferno. Com um alfinete, João Fernandes marca o mapa e determina que os serviços de extração seriam instalados naquele local. E explica que o quilombola era um bom minerador, mas, clandestino, precisava deixar rapidamente os locais explorados. O que o contrato faria era deixar que o garimpeiro descobrisse onde os diamantes apareciam e, então, montar a estrutura para extrair a maior quantidade possível de pedras. Para viabilizar a operação, João Fernandes determina que o bando de Teodoro fosse vigiado , que se seguisse cada um dos seus passos, mas que não o prendessem , mesmo que pudessem. O intendente se mostra contrariado e objeta: “Receio que Lisboa não concorde com isso. Esses garimpeiros são contrabandistas, malfeitores, bandidos. Inimigos da Coroa”. E assevera que era contra a 397 Na a dm in is tr aç ã o d e Fe l is b er to C al d e ira Br an t, a nt er i or à d e J oã o F ern a n des d e O l i v eir a , h o u ve um r ou b o n o c of re di a m anti n o, o po n do o c on tr at ad or e o In te n de n te , q ue s e a c us a v am . Nas Me mó r i as do Dis tr it o D i am a nt i no , o a u tor s e pos ic i on o u f a v or á v el a Br an t q ue t erm in o u c u lp a do e f o i r em et i do p res o p ara L is b o a. Co nf or m e v is to , s ua p os iç ã o p ol ít i c a r ep u b lic a na o l e v ou a tr at ar c om dem as ia d a p ar c i a li d a de os p ers o n ag e ns d e s u as Me m ór i as . .. P ara um a a n á l is e s obr e o pr oc es s o e d a i n v es t i g aç ã o s o br e o c of r e d a I nt e nd ê nc i a d os D i am an tes ; FE RR E IR A , Ro dr i go d e A lm ei d a. O d es c a m i nh o d e d i am a nt es . .. o p .c i t. 23 8 lei. O contratador sobe o tom: “Contra a lei? Contra a lei? Sr. Intendente, quando o s enhor fez o último recolhimento de impostos ?” O intendente hesita e desconversa . Justifica -se afirmando que os prazos exigidos pela adminis tração real eram curtos e que não se devia levar em conta as histórias contadas: “ O povo exagera muito, sabe...”. Perspicaz, o contratador aproveita as informações colhidas com os músicos e pergunta em tom ameaçador : “Por falar nisso, gostaria de ouvir mais sobre uma história que ouvi. É sobre o roubo de um cofre da intendência ”. Visivelmente constrangido, o intendente titubeia: “bem, isso aí... ”. Ouve-se uma algazarra na antessala e a audiência é interrompida com a entrada intempestiva de Chica. Os arran jos diamantes concessões para estavam de administrar estabelecidos. benefícios, as o Por contrato meio autoridades de de extração dos chantagens sobrep unham e seus interesses privados aos da administração pública. Em outra ocasião, João Fernandes reforçará as bases dos acordos em que eles se comprometiam a ignorar as irregularidades praticadas em seus ofícios. Esta se passa na solenidade para inaugura r o barco de Chica. Refletindo a etiqueta e teatralidade social corrente no século XVIII, a elite do arraial do Tejuco, ainda que constrangida, comparece às margens do lago para prestigiar o evento . Enquanto o barco navega pelas águas, o intendente ensaia uma delicada conversa com João Fernandes. Em primeiro plano, o intendente toma coragem e informa que Lisboa o havia cobrado a respeito de denúncias sobre abusos no contrato de extração dos diamantes . O teor das denúncias versava sobre o não cumprimento das condições do contrato com pontualidad e, que se minerava com número superior de cativos ao autorizado, desrespeitavam-se os limites das terras demarcadas para mineração, entulhavam-se os córregos e danificavam -se terrenos, destruindo tudo com barragens em flagrante desrespeito às leis da Coroa. Ao terminar de compartilhar com o contratador o conteúdo da comunic ação recebida da corte , o intendente respira aliviado e acrescentava que havia “também algumas coisas da d ona Chica, mas isso deixa para lá...” (frame 24). 23 9 Fra me 24 – P l a no em qu e o in te n d en te c on v ers a c om o c ont ra ta dor s o bre de n únc i as c o ntr a s u a adm i n is tr aç ã o ( Xic a d a S i lv a , 1 9 76) Com o semblante sério, João Fernandes se volta para o intendente e o adverte, ameaçadoramente: “Se o senhor quer me apontar lei, eu hei de lhe apontar léguas ”. Mais calmo, o contratador prossegue: “Se eu precisar voltar a Lisboa antes do tempo, [...] eu saberei gratificar com generosidade os meus amigos e colaboradores. Como, aliás, eu t enho feito desde que aqui cheguei ”. O intendente concorda e se justifica: “Só estou querendo evitar que chegue algum fiscal da corte ”. O diálogo é interrompido com a chegada esbaforida do encarregado de um serviço diamantífero, informando que a barragem havia estourado e que muitos homens haviam morrido e outros fugiram. A tensão no olhar do contratador corrobora o agravo de sua situação, pois esse novo fato tornava inevitável o envio pela Coroa de uma autoridade para investigar o que se passava nas terras diamantinas. O responsável por averiguar as denúncias contra o contratador foi o próprio governador da capitania : Conde de Valadares. Depois de ser recepcionado, um almoço é servido para a autoridade . O intendente, 24 0 sua esposa e o padre estão entre os convidados. A mesa está ricamente posta, com muitos pratos, frutas e velas. Escravos servem os convidados. À mesa, João Fernandes apresenta ao governador o santo do pau oco, e repete a mesma história sobre o descaminho de diamantes que ouviu quando chegou ao Te juco. Inclusive , que Teodoro era o principal desencaminhador de riquezas. É a deixa para o intendente continuar o discurso sobre a necessidade para melhor equipar a guarda, mas que isso custa va dinheiro. Atento, o Conde de Valadares observa os objetos e re truca: “Dinheiro não parece faltar ali. Um só bule de prata daqueles seria o suficiente para ele se livrar de algumas dívidas”. O contratador entende a sugestão de suborno. Quando o governador vai para seu aposento, ricamente decorado, com uma cama com dossel e travesseiros, predominando o tom vermelho em contraste com o azul no oratório adornado com quadro e peças sacras , onde observa uma baixela . Seu ajudante, um oficial, pega um bilhete sobre uma bandeja com o bule de prata. O conde lê e se admira: “Tanta riqueza pode ser útil para se usar com os amigos, sobretudo , os endividados”. Volta -se para a cama, retira os óculos e pensa alto: “ O ar do Serro vai me fazer bem à saúde. Eu ando precisando dele”. Sabedor da delicada posição em que se encontrava o contratador, sendo investigado diretamente pela maior autoridade da capitania, o governador procura tirar proveito da situação. Ele guarda uma carta em uma caixa. Tira a peruca e diz que não tem pressa em usá -la. Já deitado e antes de apagar as velas diz : “Vamos ganhar tempo, major”. Os diretores denunciam a má administração por meio dos próprios agentes, rompendo com o discurso das personagens que representam o poder de que a culpa dos problemas do Brasil devia -se ao seu povo , como dizia o governador em Chico Rei: país de merda! Ao destacar, por exemplo, a ambígua ação de Felipe como alferes em funções fiscais e falsificador, responsável por uma grave fraude aos cofres reais, W alter Lima Júnior sugere que sua atitude deve-se à consciência política derivada de uma crescente insatisfação dos colonos, cuja relação entre eles e as autoridades impostas pela Coroa Portuguesa 24 1 tornavam-se cada vez mais tensionadas. Ao mesmo tempo, denuncia a corrupção e uso do bem público em benefício próprio. Seguindo sua linha satí rica, Cacá Diegues desenvolve a crítica à administração escolhendo como alvos integrantes da alta hierarquia governamental. Por esse viés, não apenas refut a a tendência em responsabilizar a população pela sua penúria, mas formaliza uma denúncia contra os g overnantes da nação. A postura do governador em sugerir ser corrompido escancara o paradoxo entre a função administrativa e o mau exemplo do administrador. O descrédito à autoridade é reconhecível pelo desgaste que os personagens passam em seu filme. O intendente, por exemplo, num primeiro momento , tentou fazer frente à conduta inapropriada do contratador, mas se curvou à sua chantagem . A partir de então, sua representação no filme se dá em crescente debilidade, como na ocasião em que ensaia infantilmente como alertar João Fernandes de que a Coroa se incomodava com denúncias de abusos no arraial do Tejuco. Quando o contratador dos diamantes se reapropria da explicação do descaminho de pedras por meio do santo do pau oco, explicita-se a necessidade de acobertar seus desvios administrativos. Temeroso, suborna o Conde de Valadares. Fragilizado, trai Teodoro denunciando o esconderijo do quilombola. Por fim, como última cartada, concorda que Chica seduzisse seu algoz. O g overnador usufrui as ofertas do suspeito, mas não cede e conduz João Fernandes preso à corte. Nesse sentido, a mensagem é implacável, pois escancara o descompromisso de um agente de poder corrupto , cujas ações o distanciam , tanto dos interesses da população – pelos quais deveria zelar –, quanto do próprio governo. A caracterização política e cultural do brasileiro como pouco afeito às formalidades e respeito à esfera pública é explicada pela categoria do jeitinho brasileiro 398. A reafirmação dessa característica 398 Cf .: H O L A ND A , S ér g i o B ua r q u e de . R aí ze s do Br as i l . 3. e d. R i o d e J a ne ir o: J os é O l ym p i o, 19 5 6; M AT T A, R o ber t o da . O qu e f a z o Br as il , Br as i l? R io de J a n e iro : Roc c o, 1 9 86 ; B A R BO S A, L í v ia N e v es de H o la n da . O j e it i n ho br a s i le ir o : a ar te d e s er m a is i gu a l q ue os ou tr os . 2 .e d . Ri o d e J an e ir o: 1 9 92 . 24 2 termina por legitimar a má condut a e improvisos na administração política e econômica, abrindo margem para naturalizar ações corruptoras e desviantes. Nos filmes, as relações de troca de favores entre as autoridades são recorrentes e assinaladas como desvio de conduta, ao menos moral 399. Ao identificar tais práticas enraizada s na América Portuguesa , é possível ressignificar essa adaptabilidade brasileira como um jeitinho luso-brasileiro. endêmica na Isso não sociedade significa, brasileira porém, absolver contemporânea. a Pelo corrupção contrário, W alter Lima Júnior e Cacá Diegues aproveitam a exposição pejorativa de seus personagens para propor uma reflexão a respeito da conduta administrativa dos governantes brasileiros em meio à ditadura, quando a violência e a censura do regime restringiam a circulação de informações sobre as práticas de poder . Dessa maneira, nas décadas de 1970/80, mantiveram audíveis as críticas dos Teodoros, Filipes, Seixas, Rolins. 3.2.3. Militares, sem continência Ao estabelecerem o trânsito temporal entre o presente e pa ssado, W alter Lima Júnior e Cacá Diegues abordaram com sutileza os temas da liberdade e do zelo político . Todavia, as críticas estabelecidas ao militarismo e suas ações autoritárias foram mais diretas. Os personagens fardados, em ambos os filmes, simboliza m opressão e abuso de poder. Inevitável não associar os dragões do período da América Portuguesa aos generais do tempo em que rodaram os filmes. A violência da tortura é explicitamente trabalhada por Cacá Diegues quando Teodoro foi preso, a mando do contratador, na esperança de que entregar um dos homens mais procurados nas terras 399 A m ont ag em da a dm i n is tr aç ã o pú b l ic a as s e nt a da em relaç õ es d e s ol i d ari e da d e, c ons t it u in d o r e des c l i en t el ar es , p a ut ad as p or i nt er es s e s rec ípr oc os foi c arac t er ís t ic a das m u n ic i p a li d a des por t ug u es as q ua n do da c e ntr a li za ç ão d o p od er rea l , e per d ur ou nas r e laç õ es n o Im pér i o u ltr am ari n o p or tu g uês ; c f .: H E S PA NH A , A nt ón i o M a nu e l. P od er e i ns t it u iç õ es n a E uro p a d o a nt i go r eg i me : c o l et ân e a d e tex tos . 2 . ed . L is b oa : Fu nd aç ão G u l be nk ia n , 1 98 4 ; H E S P AN H A, A nt ón i o (c oor d .). His t óri a d e P or tu g a l: O An t ig o R e g im e. L is b oa : Es tam p a, v. 4, 1 9 9 3. 24 3 diamantinas seria uma prova de competência e lealdade à Coroa, favorecendo -o no caso em que era investigado pelo governador. A representação da tortura se inicia com um forte gr ito. Então, a câmera, em primeiro plano , mostra uma prensa de ferro puxando a língua de Teodoro, todo ensanguentado e preso a uma trave (frame 25). O major assistente do governador é quem aplica a sessão de castigos. Ele pergunta de onde tira os diamantes, ao que Teodoro, mesmo enfraquecido, responde que eles estavam na natureza, pertenciam a deus – relembrando a primeira conversa que teve com o contratador. A câmera corta para um canto da sala, onde o governador e o intendente observam as respostas do neg ro. Com um sorriso irônico, o Conde de Valadares se aproxima da vítima passando por um crucifixo dependurado na parede. Quando Teodoro responde sua pergunta dizendo que vendia as pedras a quem comprasse, o governador desfere um leve golpe na barriga de Teo doro, que recua o corpo dependurado , e pede calma com seu sarcasmo característico . Fra me 2 5 – Pl a n o e m qu e T eo dor o é to rtur a do pe l o g o v er na d or e s e u as s is t en t e m i li t ar ( X ic a d a S i lv a , 1 97 6) 24 4 João Fernandes entra afobado na sala e pede ao intendente que parasse com a tortura, do contrário o homem podia morrer. O governador o ironiza, dizendo para se acalmar , pois o caso e stava sob responsabilidade do governo . E observa que João Fernandes estava muito preocupado com a sorte do bandido. Próximo ao contratador, mas em um patamar mais alto, insinua: “Bem que eu ouvi um boato de que havia um pacto entre esse Teod oro e o senhor”. O contratador protesta, alegando que ele havia mandado prender o quilombola. Perspicaz e com a contumaz ironia, o conde ressalva que a atitude só foi tomada quando percebeu que seus dragões o prenderiam. E pede que contratador lhe dê licença. Voltando-se para o prisioneiro, de costas para a porta, a câmera faz um movimento de aproximação em direção à cabeça do conde e, com close em sua peruca, diz: “João Fernandes, o senhor tem que decidir de uma vez de que lado quer ficar.” Esteticamente, o plano funciona como uma alegoria pela qual o poder ameaçador do governo é algo sem rosto e amorfo. Ao sair da sala de tortura, Chica o aguarda e censura João Fernandes por ter tentado ajudar Teodoro depois de mandar prendê -lo. Chico Rei também sofre co m o autoritarismo governamental. Quando preso injustamente sob acusação de ser o responsável pela fraude na remessa de ouro para o reino, seu interrogatório foi realizado sob violência. Na sala, Chico Rei está preso à cadeira. O capitão Vasconcelos pergunt a sobre sua ascensão, tendo como resposta que trabalha va duro, junto com os negros da Encardideira. É a vez d e Paranhos, também presente, questionar se apenas o trabalho lhe havia dado condições de se tornar proprietário. Chico explica que a irmandade o ajuda e que os negros trabalham na mina para pagar sua alforria. A algazarra fora do prédio é grande. Uma pedra quebra a vidraça. Paranhos se aproxima da janela e, voltando-se ao capitão, diz: “Os negros aqui estão ficando muito insolentes”. Lembra que Chico é o pai de Muzinga, seu escravo fugitivo, por isso, devia estar envolvido com aqueles antropófagos dos quilombos . O capitão conjectura que era preciso muito ouro para realizar tudo o que Chico realizava. Entretanto , 24 5 como a mina estava exaurida, seu grupo negro seria o responsável pelo roubo do ouro real. O governador chega de liteira por entre a multidão bastante agitada. Ele participa da tortura física ao prisioneiro. O plano é aberto com um forte grito de Chico Rei enquanto seu corpo é esticado na roda. Na sala, além de Chico, estão o governador, o capitão Vasconcelos e o capitão -do-mato Paranhos. Mesmo nessa situação (frame 26), o líder negro faz um discurso reafirmando seu desejo de que todos os negros da Encardideira fossem livres e que eram benvindos os negros que desejassem trabalhar com ele para conseguir comprar a alforria. Fr a me 26 – C h ic o Re i é tor t ura d o n a s ed e d o g o v ern o ( C h ic o R e i, 1 98 5) Impaciente, o governador diz que ele já conseguiu a liberdade e havia se tornado proprietário, por isso , contava com a proteção do rei. Entrento, que essa proteção não tolerava infidelidade. O corte da cena desloca a ação para a Mina da Encardideira , onde os negros, liderados por Muzinga, discutem que atitude tomar. Concluem que , se Chico Rei 24 6 não fosse solto em breve, eles invadiriam a prisão para resgatá-lo. Sozinho, o governador pondera sobre a tensão e decide libertar Chico Rei para evitar o acirramento dos ânimos 400. (frame 27) Fra me 2 7 – P la n o da c o nf us ão c o ntr a a obs er v a da p e l o go v e r n ad or ( C h ic o R e i, 19 8 5) pris ã o de C hic o Re i , Os planos descrevendo a tortura a Teodoro e a Chico Rei são denúncias dirigidas à violência estatal. A brutalidade é explícita e provocativa. A veia mais poética de W alter Lima Júnior permite que , mesmo em ferros, o protagonista prof ira um discurso sobre a liberdade . Por outro lado, representações a pesar em Chica do da tom caricatural Silva, não que par ece caracteriza exagero as quando Teodoro tem sua língua puxada pelo major e em frangalhos permanece amarrado a uma trave , sujeito às crueldades sarcásticas do senhor Conde de Valadares. 400 P or oc as i ã o d a Re v o lt a d e Vi l a Ric a , o g o v ern a d or C o nd e de A s s um ar re d ig i u um a c ar t a d ur a c on tr a o c ar át er d os m in e i ros , qu a l if ic ad os c om o i nd is c i p l in a do e da d o a t r a iç ões ; c f . : SO UZ A, L a ura d e M e l lo e . Di s c urs o. .. o p.c i t. T rec h os des s e doc um en to s ã o a pr opr i ad os n o f i lm e e c it a d os p e lo g o ver n a dor q ua n do e l e or d en a a s o lt ur a d e Ch ic o Re i em m eio aos p ro tes t o s d o p o vo . 24 7 Em ambas as cenas, o poder civil assume a responsabilidade da tortura, mas a supervisão está a cargo do chefe militar. A omissão de agentes da lei, como o Intendente, e mesmo a Igreja – representada pelo crucifixo – não passa despercebida. Recorda -se que, em meados da década de 1970, apesar da repressão às informações ainda permanecer, denúncias e cobranças por desaparecimentos e torturas motivadas por questões políticas se ampliavam, sobretudo após a extinção do AI -5 e da publicação da Lei da Anistia 401. A representação da tortura sofrida pelo major Seixas é ainda mais emblemática, pois traz outros elementos além da denúncia da barbárie . Apesar de tentar tranquilizar a família e amigos quando se dirigia para o Palácio do Governo , onde deveria prestar esclarecimentos após o entrevero que teve com o governador durante a peça teatral, uma tensão predominava entre todos enquanto, escoltado por soldados, subia a rua escura. O breu faz o corte para u m plano no qual uma porta é aberta e aparecem dois soldados. No contracampo do porão, Seixas está encolhido no canto , já descomposto do traje que vest ia no teatro. Um dos soldados salta o degrau para levantar o preso . O major Seixas agora está amarrado com as mãos acima da cabeça, em uma prancha inclinada. Sua aparência é de exaustão . Sua camisa branca está suja e manchada de sangue. O capitão Vasconcelos está bem próximo e fala ao seu ouvido . Observa-o e calmamente diz que sua dívida com a Coroa era maior do que se imaginava, mas que, até o momento, ele não dava sinais de como saldá-la. Enquanto fala, um outro homem passa pela lateral com uma corda. O capitão prossegue: “Afinal, liderar uma manifestação pública contrária à autoridade de sua majestade é muito significativo para um perdulário cínico e agitador”. O militar olha para o lado, como que autorizando o segundo homem a agir. Gemidos são ouvidos e Seixas nega que seja verdade a 401 Ce rt am ent e h ou v e v o ze s qu e d en u nc i ar am o es t ad o d e v io l ê nc ia e des res p ei t o aos d ir e it os h um an o s d ur an te o r eg im e m il it ar, c om o ex em p lo as s im bó lic as at u aç õ es d o a d v o ga d o Bar b os a L im a S obr i n ho , q u e rec orr eu a o d i re it o d e pr o teç ã o aos a n im ais p ar a pe d i r tr at am ent o m a is j us t o aos s e us c l i en tes , e d os bis p os dom Hé l de r Câm ar a e d om Iv o L or s c h e it er , re pr es e n ta nt e s d a p arc el a da I grej a q ue s e op ôs a o g o ve r n o, s obr et u do a q ue l es i nt e gr a nt es l i ga d os à T e o l og i a d a L ib er taç ã o. 24 8 acusação. Um primeiro plano , com a câmera posicionada de baixo para cima, foca seu rosto se contorcendo de dor. A esposa de Seixas decide intervir. Vestida de preto , reúne-se com o governador e pede clemência, ressaltando a lealdade do marido e que, em breve , as dívidas com a Coroa seriam quitadas. O governador e o chefe das tropas vão ao calabouço . Através de uma janelinha na porta, conversam com o prisioneiro Seixas, que está ferido, com a cabeça enfaixada, cobrindo um ol ho (frame 28). Fra me 28 – P l an o d a c on v ers a n a pr is ão en tre Se ix as , o g o ver n a dor e o c a pi t ão Vas c o nc e l os ( C h ic o R e i, 19 8 5) O governador pergunta se Seixas havia melhorado do tombo que sofreu. O diálogo que se desenvolve é pontuado por cinismo e ameaça. Apesar de extenso, merece ser transcrito . S ei xa s – Me u t om bo. .. ? G ov e rna do r – A h. .. P a rec e qu e a m em ória t a m bém f oi af et a da . S ei xa s – Se h á a l gu m a c ois a n o m un do qu e eu j am ais v ou es q u ec e r , s er á s em pr e is to . 24 9 G ov e rna do r – Com o o s e n hor d e ve s e le m brar, c lar am en te , qu e q u an d o f u g i a da s ua c el a , c a iu d a es c a d a . S ei xa s – M e l em bro bem c om o f u i am a rr a do n a ro d a e c om o f ui c as t ig a do . E e le [ c ap i tã o Vas c o nc e l os ] de v e s e l em brar , por q u e es t a v a per t o. G ov e rna do r – I nf e l i z m ente , a s u a m em ória p es s o a l n ão é a m em ór i a of ic ia l . N ós s ó qu er em os l h e aj u d ar. O u s er á q ue o s en h or pr ef er e f ic ar a qu i p ar a s em pre ? S ei xa s – Aq u i. .. ? G ov e rna do r – O s e nh or ac h a q ue p o dem os s o lt ar a lg u ém por aí , m os tr a n d o a s u a c ab eç a e a s u a per n a , e af irm a nd o qu e nós f om os os r es po n s á ve is po r is s o ? Af in a l d e c o nt as , a té es t e po n to o s e nh or de v e e nt en d er de p o l ít ic a p ar a t am bém s ab er q u e is to é im pos s ív e l . S ei xa s – Eu c aí .. . G ov e rna do r – A o t en t ar f u g ir . O aprisionamento do major Seixas revela o temor do go verno autoritário à subversão da ordem. No teatro, a euforia de Seixas devia se à boa notícia da descoberta do ouro, ainda que em outras passagens do filme , tenha demonstrado insatisfação com as condições políticas e econômicas. Uma vez preso, os agentes governamentais conduzem o processo de modo a confirmar as acusações, valendo -se de dados e evidências alheios ao teor da denúncia, mas que são articuladas de modo a confirmarem os motivos da prisão. No caso, a situação econômica e tributária do major Seixas é usada como embasamento para ele tramar uma subversão à administração real. A repressão política é, portanto, apresentada. Con tudo, o diálogo entre o governador e Seixas, no qual a autoridade apresenta as condições para libertá -lo, é revelador da manipulação de informações . As sequelas físicas de Seixas são explicadas por uma versão mentirosa construída pelo Estado. Destaca -se, nessa linha explicativa , que a vítima é responsabilizada pelos danos sofridos. E, ainda, para sobreviver, se aceita a condição imposta, quebrando o orgulho e honra do prisioneiro 402. É exemplar nesse diálogo a fala de que a memória pessoal não é a memória oficial. Em última instância, permite refletir as disputas em 402 Des t ac a - s e q ue es s e ti p o d e s i t uaç ã o/ d en ú nc ia ap ar ec e em O s In c on f id e nt es , d e J oa q u im Ped r o de A ndr a d e. E t am bém em Como era g os t os o me u fr a nc ês , d e Ne ls on P er e ir a d os S an tos , n um a d im ens ão irô n ic a. Cf . : O S I NCO NFI D ENT ES . AN DR A D E, J o a qu im P edr o d e. .. o p.c i t. ; C O MO E R A G O ST O SO M E U F R AN C ÊS . S ANT O S, N e ls o n P er e ir a dos . C on d or Fi lm es . 19 7 1, 7 9 m in. 25 0 torno da memória e sua historização quando elaborada em narrativa , como observa Paul Ricouer 403. Durante o processo de redemocratização brasileiro, um episódio traumático tem paralelo com as sequênc ias de tortura de Seixas. Trata -se da morte de Vladimir Herzog, jornalista e diretor da TV Cultura, pouco tempo depois de ter sido preso pelo DOI CODI/SP, em 1975 404. Oficialmente, alegou-se suicídio, sendo divulgada uma foto do preso enforcado em uma janela . A versão oficial foi contestada e a foto bastante criticada como evidência de fraude, pois naquela situação não havia condição de falecimento. A repercussão foi grande, com muitos protestos e a realização de culto ecumênico na Catedral da Sé, capital pau lista. O episódio reforçou os argumentos pró -abertura política , que se consolidaria anos depois. Contudo, além do barbarismo inerente ao papel do militar no governo, a ironia também perpassa como crítica aos homens das armas. Nesse caso, a veia carnavalesca do filme de Cacá Diegues o torna mais propenso para desencadear esse tipo de abordagem. O sargento-mor é o personagem militar por meio do qual a seriedade desejada no mundo militar, d e hierarquia e disciplina , é questionada. Sua primeira aparição indica esse perfil. Ele grita p ela casa à procura de Chica, que está no porão junto ao seu filho, José Rolim. Vestido apenas com a casaca do uniforme, aparece de ceroulas em plena sala, onde o intendente e dona Hortência o aguardavam para recepcionar o governador. Constrangido, redobra os berros p ela escrava a fim de saber onde ela havia posto suas calças. A sequência se torna ainda mais patética quando José Rolim explica à escrava que o contratador era o responsável por levar as riquezas do país embora. Para evi tar que seu filho ficasse na mira política do intendente, alega fidelidade ao rei D. José I e presta deferência em posição de sentido em trajes íntimos (frame 29). 403 RI CO U ER , P au l . A m em ór i a . .. o p.c it . A p es ar d os r is c os , lo g o s ur gi u um a p ub l ic aç ã o s o br e o as s u n to q u e pos t eri or m en t e, r ec e be u ou tr os tr ab a l hos ; c f .: AL M E ID A F IL HO , Ham i lt o n. A s an g ue - q u en te : a m o r te do j or na l is t a V la d im ir H er zo g . S ã o P a u lo : A lf a - O m eg a, 19 7 8; M A RK UN , P au l o. V l ad o : re tr at o da mo rt e d e u m ho m em e d e u ma é p oc a . 2. e d. S ão P a ul o : Br a s i l ie ns e, 19 8 5; M A UÉ S, F lam ar io n; W ENDE L, A br am o Zi l ah . P el a d e moc r ac i a, c on tr a o ar b ít ri o : a o pos i ç ão dem oc rá t ic a, d o go l p e de 19 6 4 à c am pan h a d as D ir e t as J á . S ão P au l o: F un d a ç ão Pe rs e u A br am o, 2 00 6 . 404 25 1 Fr a me 2 9 – Pl a n o d o s ar ge nt o - m or d e c er ou l as j u ra n do f id e l id a de ao r ei ( X ic a da S ilv a , 19 7 6) Quando vai ao mercado atrás de seu filho, também se apresenta em situação vexatória. Chega aos berros, chamando José Rolim de vagabundo e que sabia o que ele pretendia em Vila Rica. Seu filho não lhe dá muita atenção. Quando sa em do mercado, o sargento-mor diz que não podia permitir sua partida para se meter em baderna política, afinal ele não podia se esquecer que era filho de um agente da lei e, então, atola o pé num monte de estrume , ao que vocifera: “Bosta!”. O uso do riso para a reflexão é conhecido desde os tempos do teatro na Grécia antiga , quando a comédia ajudava na edu cação da população 405. As imagens de um militar prestando continência de 405 P ara um p a nor am a s obr e a h is tór i a ger a l d a ed uc aç ão ; c f .: CA M B I, Fr a nc o . His t óri a d a P e da g og i a . S ão Pa u lo : U nes p, 1 99 9 ; M AN A CO R D A, M ar io . H is t ór ia d a ed uc aç ã o : d a a n ti g u i da d e a os nos s os d i as . 12 . ed . Sã o Pa u l o: Cor te z, 20 0 6. Es t u dos s o br e a r i d ic u l ar i za ç ã o c om o tá t i c a par a des l eg i t im ar go v ern os é p erc e b i do em vár ios m om ent os h is t ór ic os c om o no I l um i nis m o e n a R e vo l uç ão Franc es a ou na Pr im eir a R e pú b l ic a Br as il e ir a; c f . : D AR NT O N, R o be rt ; B o em i a l it e rár ia e r ev o l uç ã o : 25 2 ceroulas ou afundado o pé no estrume funcionam , ao menos, como imagens não-canônicas, pelas quais a representação esperada sobre o militar é desconstruíd a de modo ridículo. O desenvolvimento da meta-história é uma constante nas películas de W alter Lima Júnior e Cacá Diegues. As categorias de análise – liberdade política, administração e tortura – aqui propostas permitem o seu reconhecimento . Os planos descritos reiteram, ainda, outra perspectiva para a compreensão do filme de gênero histórico : como intermediário da construção da história pública, que é estimular o entendimento do cenário presente em diálogo com o passado. 3.3. Lições cinematográficas de história Uma característica do film e de gênero histórico é a preocupação pela reconstituição audiovisual de elementos históricos – como vestuário, objetos, costumes inerentes à temporalidade representada. Ao perseguir uma reconstituição histórico -temporal qualificada, a equipe de produção d elineia outro relevante aspecto des se tipo de filme: a pesquisa temática. Nesse sentido, muitas representações que compõem a trama fílmica se destacam pelo preciosismo , reconstitutivo ou não, quando, geralmente é acusa da de equívocos e anacronismo s. O fato é que o filme de gênero histórico em diversos momentos adota um tom didático, quase professoral, ao representar fatos históricos. Chico Rei e Xica da Silva não fogem a essa perspectiva. As variadas narrativas sobre Chica da Silva e Chico Rei, bem como a desenvolvida historiografia a respeito do período colonial, orientaram a ampla pesquisa de produção . Em ambas as narrativas cinematográficas, o espectador recebe explicações claras sobre a história dos protagonistas devidamente contextualizados, resultando em um mergulho sobre as representações referentes à sociedade colonial brasileira. o s u bm und o d as l et r a s n o a nt i go r eg im e. S ão Pa u l o: C om pa nh i a das Le tras , 1 9 87 ; S A LI B A, E li as T hom é. Ra í zes do r is o .. . o p .c it . 25 3 Muitos planos de transição terminam por ambientar o espectador. Entre a compra de Chico Rei e o início de seu trabalho na Mina da Encardideira, por exemplo, planos mostram o major Seixas chegando com o escravo à fazenda, onde aspectos do trabalho rural são apresentados: negros conduzindo carros de boi, selando cavalos, pilando, transportando barris, capinando (frame 30). Fr a me 30 – P la n o g er a l da f a ze n d a d o m aj o r S e ix as ( Ch ic o R e i, 1 98 5) Em ambos os filmes, planos de transiç ão entre as ações desenvolvidas em Vila Rica e arraial do Tejuco, importantes núcleos urbanos do período, são exemplares para a apresentação de aspectos cotidianos. Nesses momentos , é possível reconhecer o transporte pelas liteirinhas, de variados modelos, carregadas por negros. Durante o dia, as ruas estão sempre movimentadas, quase sempre por negros desempenhando alguma atividade ou desocupados. As pontes de Vila Rica estão sempre cheias de pessoas, branca s e negras, sendo intenso o comércio de frutas, flores, cestas. No arraial do Tejuco, o diretor aproveita as instalações do mercado para revelar 25 4 alguns pormenores do cotidiano colonial 406. Em um plano geral, a construção azul d o mercado, com seus arcos bonina, é filmada em segundo plano, atrás do pátio on de muitos tropeiros descarregam suas tropas, revelando o movimento comercial elevado no local. No seu interior, o escravo florista mantém sua mercadoria fresca ao cuspir água sobre elas. No mercado, aspectos do comércio de escravos também são explicados. Em primeiro plano , um negro vestido e com chap éu anuncia: “Ladinos e de ganho! 35 patacas o macho. 14 a fêmea” – conforme escrito no cartaz redigido em algarismos romanos (catorze está grafado errado). Enquanto repete a informação, três negros acorrentados são observados por três homens, que comentam que as “peças” pareciam novas, mas não valia m as 35 patacas. Em Vila Rica, o comboeiro expunha seu lote de cativos em praça . O comprador vistoriava o escravo que lhe interessava, observando -lhe os dentes, olhos, estrutura do corpo, idade. Qualidades como força e conhecimentos em mineração valorizavam a peça. Os mais valioso s eram vendidos por leilão, como Chico Rei , possuidor de muitas virtudes, inclusive pertencer à nobreza de sua tribo, arrematado por 10 mil réis (frame 31). Nos planos filmados, revelam -se alguns critérios para se escolher o escravo, como a observação dos dentes, associando boa formação à resistência e saúde, e a idade para projetar o tempo de produtividade dos serviços a serem explorados. A v alorização do cativo podia ser maior caso ele soubesse algum ofício. Diferencia, ainda, o escravo ladino, relativamente conhecedor da cultura local, do boçal, que precisava aprender o idioma português. A variação de preços, segundo o sexo, também é enfatiz ada, pagando-se mais pelo homem por sua força física, necessária para serviços mais pesados. As negras eram, 406 O rig i n a lm ent e, a c o n s tr uç ã o d o m erc ad o é de 1 8 3 5, c om f in al i d ad e c om erc i al pr i va d a. Ap ós s e r d es at i v ad o p e l o pr opr i e tá ri o, a po p u laç ã o e nc a m inh ou , em 18 89 , um ped i d o à m un ic i pa l id a d e p ara tr ans f o rm ar o es paç o em loc a l de d is tr i b uiç ã o d e m erc ad or ias ; o qu e f oi a t en d id o , t or n a nd o - s e c o nh ec id o c o m o Merc a do d os T rope ir os ; c f .: Á VI L A, Af o ns o . B arr oc o. .. op .c it ., p . 35 4 - 35 5 . 25 5 geralmente, escolhidas para tarefas domésticas, de amamentação e para lavoura 407. Fra me 31 – P l an o d o c om bo io de es c ra v os s en d o v e nd i d o n as ru as d e V i l a R ic a ( Ch ic o R ei , 1 98 5) A escravidão estava viabilizada no Brasil colonia l por meio da regulamentação jurídica do Estado, aval moral da Igreja e culturalmente aceita pelos habitantes. Não se pode desconsiderar, contudo, que a violência era o recurso ao qual se lançava mão para fazer valer o escravismo como um pilar da sociedade brasileira. A resistência cativa podia ocorrer em situações de confronto aberto, fugas ou negociações. Os castigos eram aplicados para eventual risco à disciplina imposta pelo senhor ao seu cativo. O castigo possuía um aspecto pedagógico . Por isso, muitas vezes, era aplicado em público – nos pelourinhos urbanos, em troncos nas propriedades rurais – ou tornado público ao impor um instrumento de castigo usado 407 Cf .: G O R EN D ER , J ac ob . O es c rav is m o. .. o p. c it . 25 6 pelo escravo em seu dia a dia 408. A inserção do castigo no cotidiano da sociedade escravista pode ser dimensionada pela sua recorrência n a iconografia produzida no período. Carlos Julião, Jean Baptiste Debret e John Rugendas, entre outros artistas, produziram muitos registros de castigos, em diversas situações, que servem de fontes para as representações audiovisuais e escolares para o tema , inspirando também o campo cinematográfico. O escravo com gargalheira que aparece no início e no final de Xica da Silva revela a publicização da penalidade. O chicote fazia parte do cotidiano do cativo. Nas áreas de mineração parece ter sido bastante usado a fim de coibir que o escravo -minerador tentasse esconder ouro ou diamante em seu corpo. Ao sair da Encardideira, o escravo era severamente revistado. Mina da Chico Rei presencia um companheiro ser flagrado . No tronco, localizado entre a casa grande da fazenda de Seixas e a senzala e área de serviços , o desencaminhador é penalizado na frente dos demais negros , cotandose 25 chibatadas. Quando Chica da Silva foi barrada na Igreja por ser negra, ela procurou pelo contratador no serviço diamantífero. Ao chegar ao local, jogou sua carta de alforria sobre João Fernandes e diz que de nada valia. Retornando para a liteirinha, passa por um negro amarrado ao tronco, sendo açoitado. Observa a situação e por alguns segundos sua expressão sugere apiedar -se. Entretanto, retoma o diálogo e c ontinua a lamentar com seu amásio o fato de os brancos não a deixar em participar da missa, e não dá atenção para o feitor lavando com sal as costas do escravo para favorecer a cicatrização , tomada como plano aberto. Além da preocupação em representar os cruéis castigos que mantinham a disciplina dos cativos, os diretores usaram seus filmes para explicar outro ponto recorrente na história de Minas Gerais: o 408 O Es ta d o c ons i d er a v a d o âm bi to pr i v ad o a re laç ã o s en h or/ es c r a v o. S om ent e n o f in a l d o I I r ei n ad o br a s i le ir o ho u v e um a in te rv enç ã o d ir e ta n es s a r e laç ã o, por m e io da L e i n º 3. 3 10 d e 1 5 d e ou t ubr o d e 1 8 86 , q u e pr o i bi u o s en h o r de aç o it ar s eu es c ra v o . D is po n í ve l e m : htt p: // pr es re p ub l ic a.j us br as i l.c om .br /l e g i s l ac a o/ 1 04 0 53 / l ei 33 1 0- 86 Ac es s o em : 1 5 d e z. 2 0 13 . 25 7 descaminho de riquezas 409. Quando a Coroa não mais conseguia auferir a quantia de 100 arrobas anuais de ouro , cota estabelecida como pagamento pela extração n a capitania de Minas, a p artir de 1763, três linhas explicativas eram apresentadas: falta de capacidade técnica de extração, descaminho feito por escravos e brancos , natureza efêmera da riqueza – esta, com fundo moral religioso 410. Dessas explicações, culpar os desencaminhadores era a mais recorrente entre as autoridades. Seguindo essa linha, Cacá Digues recorre duas vezes ao santo do pau oco para explicar a engenhosidade dos extraviadores, que usavam imagens religiosas ocas para ocultarem ouro e diamantes. A primeira ocorre quando o intendente e o sargentomor explicam ao contratador, recém -chegado ao Tejuco, como era o processo. Da segunda vez, o contratador se apropria do conhecimento e a explica ao governador. Um processo mais elaborado de contrabando foi trabalhado por W alter Lima Junior. É o caso do alferes Felipe, que desviou o ouro recolhido pela Intendência sem despertar suspeitas ao falsificar o selo real nos despachos burocráticos. A representação revela possibilidades de irregularidades dentro da própria máquina administrativa realizada por funcionários corruptos. O principal alvo da repressão , entretanto, continuava a ser o escravo, por ser o responsável direto pela mineração . As táticas de subtração eram semelhantes, tanto para o ouro , quanto para as pedras preciosas. Quando Chico , por exemplo, ao ser apresentado, na Mina da Encardideira, questionou por que se trabalhava cantando , recebeu como resposta que ao cantar se evitava que o escravo engolisse o ouro. W alter Lima Júnior permanece didático ao mostrar o descaminho. O chamado ouro de carapinha é explicado quando o negro que morreu nos braços de Chico Rei revelou ter ouro escondido nos cabelos. 409 Pa ra o t em a d e d es c am in ho ( g ar im po, ex tr a v io e c o n tra b an d o), s uas f o rm as de oc or rê nc ia e l eg is l aç ão r e pr es s or a – es p ec ia lm en te p ara a r e g iã o di am an t in a; FE RR E IR A , Ro dr i go d e A lm ei d a. O d es c a m i nh o d e d i am a nt es . .. o p .c i t. 410 La ur a d e M e l lo e S ou za s in t et i za as tr ês li n h as e s e us arg um en t os ; SO U Z A, La ur a d e M el l o e . De s c l as s i f ic a d os d o o ur o : a po br e za m in e ira n o s éc u lo X VI II . 4. e d. S ã o P a ul o : G r a a l, 20 0 4. 25 8 Depois, era lavar a cabeça em uma pia para recolher o resultado do desvio. A tática foi estimulada entre os negros da Encardideira e contou com o apoio da Irmandade do Rosário e do padre espanhol . Em uma cena icônica , os negros fazem fila para que o clérigo lavasse na pia batismal as cabeças dos contraventores (frame 32). Fra me 32 – P l an o d o pa dr e, na igr ej a, la v a nd o a c ab eç a d os n eg ros p ar a rec o l h er o o ur o ex tr a v i ad o ( C h ic o R e i , 19 8 5) A riqueza extraviada derivava do trabalho minerador. Assim como os castigos, esse tema foi amplamente abordado pela iconografia e produção bibliográfic a, bastante referenciada nas produções fílmicas. Na escura Mina da Encardideira , os cativos mineram com picaretas e marretas, desbastando a rocha cujos fragmentos eram retirados em caixotões para serem lavados e , assim, o ouro ser apurado. O momento em que Chico Rei descobriu a galeria subterrânea, seu companheiro revela que um enorme veio foi encontrado na rocha. A câmera dirigida por Lima Jr. acompanha seu movimento com as mãos , seguindo a marca na parede da mina , esclarecendo como o ouro era encontrado . 25 9 Não obstante, a mineração predominante na região acontecia nos leitos e nas margens dos rios, chamadas de grupiaras. Nesse aspecto, Cacá Diegues dedicou especial atenção para representar os modos de extração dos diamantes. Em três momentos de Xica da Silva são dadas explicações. A primeira referência está na primeira audiência entre o contratador e as autoridades da Demarcação Diamantina , quando determinou que se seguissem os passos de Teodoro para minerarem em seus achados. A segunda ocorre no mercado, q uando o comerciante que vende bebidas detalha o procedimento adotado, explicando a um tropeiro que Teodoro não tinha condições técnicas para aprofundar a extração, tampouco podia permanecer no local sob o risco de ser preso. Depois de minerar na superfície , o contratador dos diamantes montava a estrutura para desenvolver o serviço. O terceiro momento é o clímax, pois o espectador visualiza os procedimentos. O passeio pelas etapas de extração, narradas por João Fernandes a Chica – que estava no local para re clamar de ter sido proibida de entrar na igreja – revelam a circularidade do conhecimento em torno das táticas de mineração e de representações iconográficas. Por um plano geral, negros perfilados, em pé e ligeiramente encurvados, são representados bateia ndo o cascalho no rio. João Fernandes narra ter mandado construir a barragem : “Mudamos o curso do rio. Passamos a minerar o leito seco dele. Um cascalho onde ninguém botou os olhos, as mãos ou os pés. Assim os diamantes brotam feito capim. Cada um maior do que o outro ”. Enquanto sua voz em off explica os procedimentos , uma sucessão de cortes rápidos e enquadramentos por plano s gerais apresentam a dinâmica do serviço: negros retiram barris de água e repassam a outros escravos que estão em níveis mais elevado s (secagem do rio) (frame 33). Por uma passarela, na altura da barragem, cujos detalhes transparecem a fragilidade da construção, negros carregam bateias e carumbés. Toda a movimentação é vigiada de perto por fiscais paramentados com casacas, chapéus e chi cotes. Outra tomada em plano geral, com câmera alta, dimensiona a grandeza do serviço (frame 34): barragem, 26 0 passarela, negros bateia m, negros transporta m cascalho, corredeira. E orgulhosamente conclui: “E tudo isso é nosso , Chica. Quer dizer, nosso e do nosso amado rei ”. No rio, um rebuliço entre os escravos , que sussurram olha o tamanho. Um negro bate palma s assinalando o achado, enquanto o administrador sai apressadamente para avaliar. Do rio, chama por João Fernandes, que está com sua amásia no barracão do serviço, observando do alto de toda engenharia construída. Quando o contratado chega ao rio, o administrador do serviço diz ter certeza de que se trata do maior diamante jamais encontrado no mundo. Fra me 33 – P la n o d o s er v iç o d e ex tr aç ã o d i a m anti n a ( X ic a d a S i lv a , 19 7 6) 26 1 Fra me 34 – P la n o g er a l do s er v iç o d e ex tra ç ão di a m an t in a ( X ic a da S ilv a , 1 97 6) Outra temática tratada com didatismo – e que termina por explicar parte do passado ao espectador – é sobre as irmandades religiosas ; uma associação civil cujos integrantes se reuniam 411. Em Minas, onde as ordens religiosas regulares estavam proibidas, as irmandades foram essenciais para a manutenção de serviços para a fé católica como contratação de padres regulares , rituais funerários, construção e manutenção de templos religiosos , realização de festas em devoção do santo padroeiro . Observa-se perspectivas distintas sobre que essa os diretores apresentam organização : a duas integração e a segregação 412. Em Chico Rei, no navio negreiro, depois de passada a tormenta e as agressões aos cativos, a embarcação encontra -se em calmaria. Um tripulante sobe ao mastro e grita terra à vista! Uma alegria geral toma conta de todos, inclusive dos escravos que estão no convés, e aos 411 Cf .: BO SC HI , C a io C é s ar . O s l e ig os e o po d er. .. o p.c it . Do n a ld R am os pr o bl em ati za os l im it es da irm an d ad e r e l ig i os a c om o es paç o d e s oc ia b i li d a de p ar a os ne gr os e c om o es p aç o f ac i li t ad or pa ra a ac u lt uraç ã o bra nc a, as s im c om o o f e z p ar a os q u il om bos e s ua i nt egr aç ã o à s oc ie d a de es c r a v oc ra ta ; c f .: R A MO S , Do n a ld . O q u i lo m b o e o s is te m a es c r av is t a. .. op .c it . 412 26 2 sorrisos se confraternizam. Ressalva -se o estranhamento dessa presença negra no plano, pois contradiz a tônica das primeiras cenas em que são representados, quando os africanos sofrem a violência dos marujos. Durante os preparativos para o ancoramento da embarcação , os escravos são perfilados e um marujo negro passa óleo em seus corpos com o intuito de melhora r-lhes a aparência e, assim, facilitar sua venda aos mercadores no território. Enquanto besunta os cativos, informa que eles viajariam para o interior: Vila Rica. Ao chegar à terra do ouro, recomenda que procurassem pela irmandade do Rosário, formada por um grupo de negros, que os auxiliaria. O plano na mina da Encard ideira em que o velho que morre nos braços de Chico Rei indica a importância da irmandade para os negros, já que ele pede a contratação de um enterro digno , o que deveria ser feito junto à irmandade. Chico Rei só toma contato com a irmandade do Rosário apó s ser libertado. Vai à igreja e se apresenta aos irmãos como Galanga, do Congo , e ex-escravo que, depois de muito trabalho , conseguiu a alforria. A mesa diretora o recebe ressaltando estarem felizes pela sua chegada e que ele tenha sobrevivido, já que muit os não passavam de sete anos de cativeiro. Depois de ouvir o lamento sobre as duras condições do trabalho escravo, Chico conversa reservadamente com um irmão. Ainda desconfiado, pede explicações sobre a fé dos negros: “O que fez a igreja esse tempo todo para você perder a sua crença? Onde está zambi para você? ” Nesse momento, o irmão presta esclarecimentos sobre o papel da irmandade, sua função para os negros e relação com a sociedade branca . E u, a bs o lu tam e nt e , n ão per d i n ad a d a m in ha c r enç a . S e s o u us a d o, t am bém pos s o us ar. N ã o es q u ec i n ad a d e Z am bi . A o c on tr ár io . E u tr oux e par a a igr ej a to d os os or ix ás , a p en as tr a ns f or m ad os . É im p ort a nt e es s a pos iç ã o m inh a d e ntr o d a i gr ej a. Im po rt an t e par a m im e p ara os ne gr o s . O diálogo reforça a ideia da integração, com mútuos benefícios para os negros e para os brancos. O sincretismo religioso entre elementos da cultura negra e a religião oficial católica também é 26 3 assinalada 413. Pouco depois, desenvolve -se a cena no quilombo, onde se estabelece o debate entre Muzinga e o irmão do Rosário sobre as formas de liberdade, reforçando a estratégia da irmandade em se adequar às regras estabelecidas para obter benefícios e criar espaços de convivência entre negros e brancos. Por fim, a irmandade do Rosário, com o auxílio do pad re, se torna parceira de Chico Rei para adquirir a Mina da Encardideira e acobertar o descaminho de ouro, conforme a citada sequ ência de lavagem das cabeças à pia batismal. Em Xica da Silva, por outro lado, a irmandade é apresentada não apenas como uma associação para negros. A extensão do grupo social implica outra perspectiva analítica para essas organizações : o reforço da hierarquia, algo caro à sociedade setecentista. Participar de uma irmandade significava expressar a devoção religiosa, mas também era uma questão de qualificação socioeconômica. Por isso, determinados santos de devoção eram comumente associados a grupos e suas ocupações na sociedade 414. O interdito imposto pela irmandade dos brancos à entrada de Chica, mesmo alforriada, em seu templo exemplifica a segmentação por tr ás dessas associações. Nem mesmo João Fernandes poderia interferir, pois, como ele explica, as irmandades tinham liberdade para redigir seus estatutos, que deviam ser aprovados pelo Papa. Nas narrativas fílmicas, as abordagens relativas à irmandade, à mineração, aos descaminhos e ao cotidiano dos escravos dão sentido à trama em que estão inscritos os personagens principais. Para além da perspectiva da narrativa cinematográfica, o s planos são elucidativos para a compreensão de um a atividade de grande importância para a compreensão da história brasileira, frequentemente inscrita nos livros escolares como ciclo do ouro ou da mineração. Os diretores se apropriam de variadas fontes para, com esmero, representar ao 413 Ref e r e nc ia d o ao f in a l do f i lm e, o tra b a lh o de R og er B as t i de s e gu e es s a l i n ha ex p l ic at i v a; B A ST ID E, Ro g er . As r e l ig i ões afr ic an as n o Br as i l. .. op .c it . 414 Por ex em pl o: os ne gr os s e or g an i za v am em torn o de No s s a S e nh or a d o Ros ár i o, Sa n ta Ef i g ên i a, Sã o B en e di t o, N o s s a S e nh or a d as Me r c ês , os m il it ar es pref er iam a ir m and a d e d e Nos s o S en h or d o Bo nf im , e n qu a nt o in te gr an tes d a el i te ec o n ôm ic a s e as s oc i a v am às or de ns T erc e ir as d o Carm o e d e S ã o Fr anc is c o. 26 4 espectador um saber bastante específico, talvez pouco apreendido e, certamente, poucas vezes visualizado. Nesse sentido, reconhece -se outro viés do filme de gênero histórico como um veículo de história pública: a perspectiva educativa, pela qual se estabelece a divulgação e explicação sobre um fato histórico. Ressalva -se que esse viés é entendido de modo complementar, integrado e dialético , às duas outras perspectivas analisadas: promover a reflexão histórica por meio de uma narrativa sobre determinado tema e problematiza r o presente em uma ponte temporal com o passado. 26 5 4. REVERBERAÇÕES DE XICA DA SILVA E CHICO REI: HISTÓRI A PÚBLICA Os filmes em análise proporcionaram discuss ões públicas ainda em suas fases de produção. Quando os projetos foram anunciados, o diretor de Xica da Silva concedeu entrevistas em que ressaltava a relevância do filme , enquanto Chico Rei foi destacado por se inscrever na linha de projetos de filmes históricos da Embrafilme e estabelecer uma inédita parceria com produtores internacionais 415. À época do lançamento dos filmes , a cobertura da imprensa permaneceu ativa, potencializando o debate sobre os filmes de gênero histórico e sua relação com a cultura histórica . O sucesso de público e de bilheteria de Xica da Silva se refletiu na intensa discussão estabelecida nos veículos da imprensa escrita . Dois anos após o lançamento, as críticas positivas e negativas sobre o filme ecoavam e serviram de combustível para o acirrado debate sobre a liberdade de criação e compromissos políticos na produção de representações sobre a história do país . Esse debate ficou conhecido pela expressão patrulha ideológica , uma referência de Cacá Diegues aos seus críticos mais exacerbados 416. A cobertura sobre Chico Rei, por outro lado, foi menos intensa quanto a sua exibição – fato parcialmente explicado pelas abordagens que dificuldades retomavam de o distribuição litígio em que –, se sobressaindo-se envolveram a Embrafilme, W alter Lima Júnior e os produtores alemães. Recuperar aspectos 415 das críticas sobre os filmes contribui, portanto, para Ca pí t ul o 2: c i n em a e c on h ec im ent o his t ór ic o – 2 .3 . O s proj et os f í lm ic os d e X ic a da S il v a e C h ic o Re i . 416 Par a p atr u l has id e ol ó g ic as ; c f .: HO LA N DA , He l oís a B u arq u e d e. ( O rg) . P atr u lh as i de o ló g ic as . S ã o Pa u l o: Br as i li e ns e , 1 98 0; N A PO L IT A NO , M arc os . O c as o d as pa tr ul h as id e ol ó g ic as na c e na c u lt ur al br as i l eir a do f in a l d os a n o s 19 7 0. I n : J o ão Ro b ert o M ar t i ns F i lh o . ( O r g) . O g o lp e d e 64 e o r eg i m e mi l i tar : nov as pers p ec t iv as . S ão C ar l os : ED UF SC A R, 2 0 06 . 26 6 dimensionar o papel do filme de gênero histórico como divulgador do conhecimento, sua circularidade e nuances da sua receptividade . Mensurar a incorporação de Xica da Silva e de Chico Rei no âmbito escolar – considerado ponta de lança para a construção do conhecimento histórico – é outro caminho para se reconhecer a s reverberações desses filmes no espaço público. Nesse sentido, uma trilha a ser investigada elege os livros didáticos de História, a fim de perceber se os títulos fílmicos propiciaram – e de que maneira – uma nova abordagem sobre temas como o escravismo e as minas coloniais ou, até mesmo, a constituição de cursos de capacitação para docentes considerando o diálogo com as referidas produções . Tal avaliação pode apresentar resultados panorâmico que ma is procure amplos reconhecer mediante impactos um levantamento nas produções acadêmicas. Isso porque a produção de materiais didáticos e o desenvolvimento de procedimentos metodológicos voltados para o ensino-aprendizagem se relacionam diret amente – ainda que não imediatamente – com renovações na produção acadêmica . A crescente oferta de cursos de pós-graduações, vivenciados no ensino superior brasileiro desde a década de 1990, estreita e amplia ainda mais essa relação. Por essa perspectiva, assinala-se a relação entre o filme e a reflexão histórica escolar -acadêmica e a circularidade desse conhecimento. 4.1. Repercussão: debates pela imprensa Os textos jornalísticos sobre lançamento de filmes com temática histórica apresentam uma estrutura similar, pois geralmente trazem informações sobre o período abordado , aspectos da reconstituição temporal (cenografia, figurino, costumes etc) , os maiores desafios para realizar o filme, custos de produção, enfim, recuperam dados do processo de produção. Mesmo quando a matéria inclui entrevista com o diretor, integrante da produção ou elenco, esse quadro é perceptível. Ao abordar o filme priorizando as questões supracitadas, a imprensa reporta dados técnicos referentes à película, cumprindo com 26 7 seu objetivo primordial: a notícia 417. Contudo, também, permite ao leitor tomar contato com a temática, colocando em pauta um conhecimento histórico prévio, cujas apresentação e repercussão podem até instigá -lo a ir ao cinema assistir ao filme em busca de mais informa ções. Nesse sentido, a cobertura jornalística favorece a amplificação do impacto público da obra, visto que o jornalista costuma recorrer ao saber histórico elaborado, especialmente acadêmico, como lastro para o seu texto – ainda que o diálogo com a histor iografia circunscreva-se aos conhecidos limites de uma matéria de jornal (do espaço a ser ocupado na página do veículo ao tempo para apuração das informações). Com os filmes Xica da Silva e Chico Rei não foi diferente . O teor das matérias que anunciaram as filmagens sobre a famosa ex-escrava da região dos diamantes e o lendário rei negro de Minas era abertamente elogios o. A expectativa positiva nesses textos jornalístico s terminava por promover os filmes consultada não permita – ainda que a documentação qualificá -los como parte da estratégia promocional. As matérias realizadas durante a produção permitem, também, inferir aspectos como o reconhecimento da capacidade da produção nacional em empenhar vultosos recursos na empreitada , a valorização do filme de gê nero histórico e a demanda represada pela realização desse gênero fílmico. Próximos de serem lançados, os jornais divulgavam os empreendimentos fílmicos redigindo linhas elogiosas. Em 1975, um ano antes do lançamento, a Revista Crítica publicou A Fantástica Xica da Silva, cuja frase de abertura sinaliza o tom da matéria: “Cacá Diegues realiza nesse filme um dos projetos mais ambiciosos do cinema brasileiro em termos econômicos – a fita custará mais de Cr$ 1 milhão” 418. No início de 1976, um panorama sobre as produções cinematográficas nacionais em andamento destacava Chica da Silva 417 Par a as p ec tos da pr od uç ão j or na l ís t ic a; c f .: SO U S A, J org e P e dro . T eor i as d a no tíc i a e do j or n a l is mo . C h ap ec ó: Arg os ; Flo ri a nó p o l is : L e tras Co nt em por ân e as ; 20 0 2; T RA Q U IN A, N e l s on . Te or i as do jo rn a l i s mo . 2 .e d. F l o r ia n óp o l is : I ns u lar , 2 00 5 . 418 S I L VA , A l b er t o. A f a n tás t ic a X ic a d a S i l v a . .. o p.c i t. 26 8 (ainda grafada com Ch), em estágio de montagem , sendo o único título, dentre as demais indicações, a ser qualificado com sinopse 419. O custo final da produção mais que dobrou e as cifras, acima de 2 milhões de cruzeiros , despertaram atenção. O eixo da discussão girava na contradição entre uma indústria cinematográfica nacional marcada por crises financeiras e a realização de um filme com incomum receita orçamentária. Inevitavelmente, a avaliação do filme passava pelo critério se o dinheiro teria sido bem empregado. Às vésperas do lançamento, em entrevista à W ilson Cunha, Cacá Diegues abordou o tema. Ac ho qu e é prec is o p e rde r es t e c om p lex o d e c ul p a em rel aç ã o ao q u e o c in em a re qu er c om o i n v es t im e nt o. Um f ilm e q u e c us t a 2 m i lh õ es d e c r u ze ir os e r e nd e 10 [ m ilh õ es ] n ã o é um f ilm e c ar o ; um qu e c u s ta 5 00 m il e r e nd e 1 00 m il é c arís s im o. T udo es tá em f unç ão d o m erc a do . R ec us o es t a h is t ór i a d e c i nem a r ic o. Ag or a, s e o c i n em a bras i l eir o q uis er v i ver de x ic as d a s i lv a , es t á l i q u id a do . Um a das gr a n des q u al i d ad es d o nos s o c in em a é, ex at a m ente , o s eu p lur a l is m o, a pos s i b i l id a de 420 de f a ze r , d e d i v ers as m ane iras , os f i lm es m a is d i vers os . Na mesma entrevista, o diretor reforça o argumento para não considerar Xica da Silva uma superprodução: seu custo foi de aproximadamente 200 mil dólares, cerca de 50% do valor da produção norte-americana Easy Rider 421, clássico da contracultura e exemplo de produção realizada com baixo orçamento. Concorda-se com a avaliação feita por Cacá Diegues de que o retorno financeiro de um filme integra a complexa equação para dimensionar seu custo. E, ainda, que a consolidação qualidade de não uma pode indústria considerar cinematográfica apenas os competitiva recursos e de monet ários disponíveis, pois é essencial manter a liberdade criativa na produção, 419 O u tros c inc o f ilm es t i nh am es tr e ias p re v is tas p ar a 19 7 6 e f or a m c las s if ic a d os c om o q u as e pr o nt os : Do n a F l or e s e us d oi s m ar id os (d ir . Br u no B arre t o); A no iv a da c i d ad e ( di r . A lex V ia n y) ; G eraç ã o a q uá ri us (d ir . C ar l os Im pe ri al ); F o go m ort o (d ir. M ár io F ar ia) e G or d os e m agr os ( d ir . Má ri o Ca rn e ir o). L is t a ram - s e, t am bém , proj et os f í lm ic os c om f in anc i am en to apr o v ad o p e la Em braf ilm e e c opr o d uç ã o c om a es t at a l – des s es , a pe n as G en t e f i n a é o utr a c o is a (d ir . De n o yr O l i ve ir a) enc o ntr a v a - s e em et a pa d e f i lm agem ; c f .: E S CH E V E RR I A, R e g in a. Um a s up er pr od uç ão d o c i nem a n ac i o na l . O u pe l o tí tu l o n i ng u ém d es c o nf i a , m as Mac h ad o d e As s is as s i na a l g uns r ot e iros . J o rna l d a T ard e . 23 m ar. 1 9 76 . 420 DI EG U E S, Cac á a p ud C UN HA , W ils on . X ic a d a S i l va : um hi no d e am or à l ib er d ad e. R ev is t a Ma nc h e te , 2 8 ag o . 19 7 6, p. 6 0 - 1 . 421 Ib id em , p. 61 . N o Br a s i l, o f i lm e f oi l anç a d o c om o E as y R id er : s em des t in o ; c f .: E A S Y RI D ER , HO O P E R, D en n is . C o l um bi a P ic t ur es . 1 9 6 9, 9 4 m i n. 26 9 evitando os riscos de trabalhos sem originalidade , que caracterizam a indústria da cultura. No entanto, percebe -se a dificuldade em romper o conservadorismo no meio cinematográfico quando, apesar de defender a superação do complexo exemplificada nas de inferioridade do críticas às produções caras, cinema o nacional, diretor se viu constrangido a se justificar e terminou por refutar ter dirigido uma superprodução. As justificativas, conforme visto, visavam também dissipar insinuações de que o diretor integrava um grupo que recebia tratamento privilegiado na Embrafilme. Ainda assim, diante do discurso consensual no meio cinematográfico pela consolidação e autonomia da indústria do cinema, configura -se uma situação paradoxal esse quase indesejável gerenciamento de um bom orçamento de produção. Não obstante os cifrões se tornarem um critério avaliativo para Xica da Silva, os espectadores e a maior parte dos críticos avalizaram o emprego dos recursos na produção do filme . É p os s í v e l c o nc il i ar t a nt o d i nh e ir o, a p ara t o t éc n ic o, es f orç o de pr o d uç ão c om as raí ze s d o c i n em a no v o – v o lt a do pa ra o po v o , d is c ut i n do pr o b lem as q u e in te res s am ao po v o, n os na t ur a is l im it es d e op i n iã o a q u e es t a m os s uj e it os ? [. .. ] Q u an d o o v i gor os o s am ba d e J org e B e n [ .. .] enc err a a pr oj eç ão f ic a p ro v a do qu e s im . E os or t od ox os , m a is um a v e z, 422 der r o ta d os . Uma sessão especial, reservada aos jornalistas e convidados, ocorreu no Rio de Janeiro em 29 de julho de 1976. O s espectadores presentes à première foram entusiastas em seus comentários: Chico Buarque mostrou -se desejoso de rever; Caetano Veloso asseverou ter sido o melhor filme brasileiro a que já tinha assistido; o cineasta Gustavo Dahl avaliava se trata r do primeiro filme brasileiro pós moderno, descolonizado das influências europeias e norte - americanas 423. A receptividade da imprensa presente se reverteu em intensa promoção para o filme: Q u em , em al gum as s es s õ es es pec i a is , j á as s is t i u a “ X ic a d a S i l va” – o m ais n o v o f i lm e d e Ca c á D i eg ues , v e nc e d or d o Fes t i v a l d e Br as í l i a des t e a n o – s en t iu an t ec i p ad am en te a s ens aç ão r es e r va d a ao q u e ir ã o v ê - lo a par t ir d o s e u 422 423 DI E G U E S, C ac á a pu d C UN HA , W ils o n. X ic a da S il v a .. .o p.c i t. , p. 6 0 . R AN G EL , M ar ia L úc i a . C i n em a N o v o . .. o p.c i t. 27 0 l anç am en to , em ou tu bro : a s e ns aç ã o d e s on h o, de a le gr i a d ia nt e da ir re v er ên c i a br as i le ir a , d as c o is as e c ore s br as i l e ir a s , d e um a c ert a irres p o ns a b i li d a d e br as i le ir a q u e o c i ne as t a s o u be tra ns m itir d e m ane ir a t ã o ver d ad e ir a. [ .. .] S eg u nd o s e u d ire to r, o f i lm e é “ um a t en ta t i v a de m os trar q u e as p ot e nc ia l i da d es do p o vo br as il e ir o s ão s u per i or es a 424 qu a l qu er c irc u ns t â nc ia h is tór ic a o u p ol ít ic a” . A partir das sessões especiais e privadas, diversos jornais e revistas publicavam sobre o filme, incluindo entrevistas concedidas por Cacá Diegues , nas quais explica va e promovia seu filme, o que se acentuou após a estreia , em setembro. Nessas publicações, uma sinopse da história era reproduzid a, destacando-se a inversão da ordem social promovida pela ex -escrava da região diamantina , linha metafórica com a qual o diretor abordou a liberdade. A esse respeito, destaca-se a entrevista de cobertura, publicada pelo jornal O Globo, ao festivo debute carioca, quando um grupo carnavalesco marcou presença em frente ao cinema Roxy . O trecho da matéria e entrevista realizada com o diretor, o produtor Jarbas Barbosa e a atriz Zezé Motta, apesar de longo, merece ser citad o por indicar o viés seguido na cobertura por outros veículos da imprensa: O G lob o – A p es a r d o m it o p o pu l ar , d o s am ba enr e do , da Is a b el V a l enç a – qu e s e t or n ou um a es p éc i e d e s i nô n im o d a per s o n ag em – d o d e s f il e f am os o d o S a l g ue ir o, p ar a m uit a ge n te X ic a d a S i l va n ão c h e ga a s er m ais do q u e o m it o o u a l en d a. C o nt a a í, Cac á , q uem f oi af in a l d e c on t as es s a X ic a d a S i l va q u e i ns pir o u o t e u f ilm e. Ca c á D i egu es – Um a es c r a va q u e v i ve u n a s eg u nd a m et a de do s éc u l o X VI II , n o A rr a ia l d o T ej uc o ( ho j e D i am an ti n a), no i nt er ior d e M in as G er a is . E l a c o n qu is to u o c oraç ã o do h om em m ais r ic o d a c o lô n i a, o f i da l go J o ão Fer n an d es d e O l i v eir a , c on tr at ad or d e d i am an tes . O G l obo – C o nt i nu em os d id á tic os . E o c o n tr at a dor e ra .. . Ca c á – O d on o d e u m c ontra to d e m ono p ó li o de ex t raç ã o d e pe dr as pr ec i os as , c e d id o p e l a C oro a Por t ug u es a . G r aç as a es t e am or , X ic a tr ans f or m ou- s e num a es péc i e de r a in h a ne gr a dos di am an tes , im po n do s uas ex tr a v ag â nc i a s , s ua im ag in aç ã o 425 ex tr a or d i n ár ia , s u a m a ra v il h os a do i d ic e . De modo geral, as notícias sobre o filme adotaram ess e modelo de sinopse, pelo qual o leitor tomava conhecimento de que Chica da Silva era uma ex-escrava que conseguiu sua liberdade ao se tornar amante do poderoso contratador dos diamantes , em meados do século 424 425 R AN G EL , M ar ia L úc i a . C i n em a N o v o . .. op .c it . A BO R B O L ET A de v id r o . .. o p.c it . , p. 34 . 27 1 XVIII. Em alguns textos, o leitor também tomava ciência de como o diretor construiu sua narrativa cinematográfica, citando as principais fontes e referências, predominando a poetisa Cecília Meireles , o literato Agripa Vasconcellos e o memorialista Joaquim Felício dos Santos. Às vezes, destacava-se Alexandre Eulálio 426 como responsável pela pesquisa histórica mais específica. Como exemplo para essa abordagem cita-se, entre outros jornais pesquisados, o texto de Alcione Silva. Com a c o la b or aç ã o c o ns t a nt e d e h is tor i a dor es e per i tos , c om o o pr of es s or A l ex an dr e E u l ál i o, c om o m an us e io at e nt o e c ons t an te de d oc um en t os c om o a Me m ór ia do Dis tr it o Di a ma n t in o , e c om as c or es v i vas e p o ét ic as nas q u ais X ic a da S i l va s e m ov e a tra v és d o déc im o o i ta v o rom a nc e do Ro m anc e ir o d a I nc on f id ê nc ia , d e Cec íl i a Me ir e les , a ex tr a or d i n ár ia n egr a re v i ve u da h is t ór i a par a o f i lm e d e 427 Di e gu es . Quando o filme foi lançado no circuito mineiro, o que só ocorreu cinco meses após a estreia nas praças paulistas e cariocas, já estava consolidado seu sucesso de bilheteria. Logo, o tratamento da imprensa local foi reforçar as expectativas sobre Xica da Silva, como ilustra o cartaz publicado em um jornal belo-horizontino. Anunciado como o melhor filme de 1976 , a chamada era reforçada por depoimentos de personalidades artísticas e críticos que avalizavam a qualidade do filme, digno representa nte do momento de recuperação do cinema nacional ao ponto de ser um legítimo concorrente nacional à maior premiação do cinema norte -americano: o Oscar . A distribuição do filme pelas salas de cinema também reflete o sucesso cinematográfico: exibido em cinco salas na capital e , simultaneamente, em seis cidades interioranas, incluindo Diamantina, no cine Trianon . 426 A l ex a n dr e Eu l á li o , c ar ioc a q ue c o ns id er a v a D i am a n ti n a s ua c as a, a pres e nt a a ree d iç ão d e Me m ór i a s d o Dis tr it o D ia m an ti n o ( 19 7 6) , d e J o aq u im Fel íc io d os S an tos . R en om ad o i nt e lec tu a l, at u ou , es pe c i alm e nt e, n a ár e a d e c rít ic a l i ter ár i a, por m ei o d e ar t ig os n a im pr e ns a e re v is tas es p ec i a l i za d as . F o i t am bém A s s es s o r S up er i or d o De p ar t a m ento d e As s u nt os Cu l tur a is d o M EC . E m 197 9, pas s o u a i nt egr ar o D ep ar tam en to d e T e or ia L i ter ár i a da U n ic am p, c om o pro f es s or d e no tór i o s ab er . P ar a m ais inf o r m aç ões ; c f .: < h tt p :/ / www. u n ic am p. br / ~b o a ve nt u/ p ag e 20 . htm >. 427 S IL V A , A lc io n e T . X i c a da Si l v a, o d e boc h e c on tr a a r epr es s ão . Fo l ha d e S ã o P au l o, s .d . Em bor a s em in dic a ti v o de d at a, p el as i nf orm aç õ es a pr es e n ta d as , pres um e- s e t er s i d o p ub l ic ad o à é p oc a do la nç am en t o d o f i lm e. 27 2 Fi gu r a 1 0 - A nú nc i o d a es tr e i a d e X ic a da S i lv a em Mi n as G er a is Fo nt e - J or n a l d a T ar d e , 2 3 f e v. 1 9 77 . Ac er vo - H em er ot ec a His t óric a Pú b l ic a / MG Na esteira de divulgação do filme, os jornais teciam esclarecimentos referentes à história do Brasil, contextualizando os leitores sobre o período em que se desenvolvia a narrativa. No ensejo da estreia nos cinemas mineiros, uma matéria de página inteira, publicada no jornal O Estado de Minas , dedicou quase metade do espaço para uma aula de história. O canto XIV do Romanceiro da Inconfidência é citado como epígrafe . Então, o leitor é informado sobre a descoberta dos diamantes, no norte da capitania, região do Serro, em 1729, e o sistema de exp loração por meio de contra tos arrematados po r particulares, exemplificado pelo contratador João Fernandes de Oliveira. A contextualização histórica do Brasil menciona , até mesmo, o marquês de comparação Pombal, a Oliver cuja postura Cromwell, administrativa líder inglês no lhe rendeu século a XVII. Historicamente, assinala que toda a riqueza do período dependia do 27 3 trabalho escravo negro e que, às vezes, uma relação entre o senhor e sua cativa poderia reverter em benefícios para a escrava, como ocorreu com Chica da Silva. Antes de abordar o filme e seu processo de construção, o jornalista reitera declarações de Cacá Diegues de que poucos registros foram preservados a respeito da ex -escrava, e salienta que, [.. .] e m v is t a d is s o, s ó o p o vo g uar d ou a s ua l em br a nç a e a m em ór i a d e s eus f e i tos . At é qu e ap ar eç a a l g um pac ie n te pes q u is a d or qu e s ej a c ap a z d e f a ze r p or e la o qu e M ic he l et f e z p or J oa n a D’ Ar c , n o s éc u lo X IX – r ed es c ob rir o per s o n ag em his t ór ic o, s ua im port â nc ia de n tr o da c i v i li za ç ã o nac i o na l , s eu pa p e l m í tic o f ac e às c ar ac t erís t ic as d o p o v o br as i l e ir o . S ó os ar t is tas t êm s e oc u p ad o de l a c om o o am or 428 qu e X ic a m er ec e . Destaca-se, nesse sentido, a percepção de que o cuidado com a construção memorialística de Chica da Silva tem sido realizado por profissionais de campos distintos. Ainda que se refira em especial aos artistas, há o reconhecimento de que as representações artísticas referentes à Chica da Silva se sustentam n a recuperação da tradição oral e da literatura , cabendo, sobretudo, ao poema de Cecília M eireles, o mérito de retirar essa personagem histórica do limbo. A negligência com a história de Chica da Silva, assim como ocorre com outros personagens à margem das produções sobre o passado nacional, talvez pudesse ser revertid a. O jornalista parece acreditar que o filme pudesse funcionar como estímulo aos acadêmicos para pesquisar sobre a ex -escrava do Tejuco , devidamente contextualizada às relações sociais, econômicas e políticas do seu tempo. Apesar de evocar Michelet para inspirar os historiadores, somente quase três décadas depois um trabalho à altura foi concluído pela historiadora Júnia Furtado : Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito 429. Considera-se, portanto, relevante esse momento em que o jornal, ao divulgar a produç ão fílmica, indiretamente faz ia circular o conhecimento histórico. Por vezes, dependendo do espaço dedicado pelo jornal ao filme, ampliava -se a abordagem histórica. Desse modo, 428 429 X IC A da Si l v a es p er a . .. op .c it . FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... o p.c i t. 27 4 por meio de um filme a respeito de uma personagem à margem do ensino de história escolar, uma contextualização sobre o período em que se desenvolve a trama e suas relações sociopolíticas eram explicadas, tornando acessível ao leitor um saber sobre o passado. A expectativa com as filmagens de Chico Rei também passava pelas condições de produção, que envolvia um parceiro estrangeiro . O ineditismo do projeto, que previa uma série televisiva e um filme de longa metragem, levou a equipe produtora a usar duas câmeras nas filmagens: uma para cada objetivo . Em fevereiro de 1980, as perspectivas eram boas: a produtora alemã Provobis previa exibir a série ainda naquele ano e lançar o filme no mês de setembro 430. Contudo, as projeções não se confirmaram e no final do mesmo mês estourava a ruptura entre os produtores, levando à suspensão das filmagens que ocorriam na cidade mineira de Ouro Preto. A situação era grave, já que os parceiros estrangeiros deixaram a cidade e levaram consigo os copiões. O rompimento selava uma tensão crescente entre os produtores e colocava em dúvida a conclusão das filmagens. Concomitante mente à retirada do grupo financiador do projeto, comerciantes ouro -pretanos que prestavam serviços para a equipe de produção , bem como figurantes, se mobilizaram para receber o que lhes era devido pelos produtores. O delegado da cidade recomendou a essas pessoas que registrassem uma ação cautelar contra os diretores ; como o fez Edson Elias Xavier, antiquário que havia locado várias peças de mobiliário para serem usadas pela cenografia. O acordo previa pagamento semanal, mas o antiquário reclamava dificuldades para receber , algo que ocorria mesmo antes da partida dos alemães 431. A batalha em que se envolveu W alter Lima Júnior para concluir seu filme já foi analisada 432. Ainda assim, a cobertura da imprensa, cujas notícias de fundo policial repercutiam em edições de jornais de 430 X IC O Re y n a T V a lem ã. O G l o bo . 9 f e v. 1 9 8 0, p . 10 . T O RR E S, M au r í l io . Dir e tor es a l em ães de C hic o r e i s om em e i nt err om pem a s f ilm ag e ns em M in as . J or n a l d o Br as i l. C a der no B, 2 7 f e v. 1 9 80 , p . 6. 432 Ca pí t ul o 2 : c i n em a e c on h ec im ent o his t ór ic o – 2 .3 . O s proj et os f í lm ic os d e X ic a da S ilv a e C h ic o Re i . 431 27 5 outros estados, pode ter favorecido indiretamente o interesse de leitores pelo processo da realização cinematográfica. Por todo o mês de março de 1980, jornais como O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Jornal do Brasil acompanharam o desenrolar das negociações. O diretor reconhecia uma dívida com comerciantes da cidade em torno de 2 milhões de cruzeiros, enquanto as dívidas das filmagens, iniciadas em outubro de 1979, chegavam a 40 milhões. Buscavam -se acordos com os ouro-pretanos, que pareciam entender o problema 433. Ainda assim, a dívida permanecia. Um novo produtor, Paulo C ésar Ferreira, foi anunciado, e a Embrafilme ingressou no projeto como coprodutora, assumindo dívidas da produção, encarregando -se de viabilizar a montagem final e distribuição do filme 434. A mudança de postura da Embrafilme, que até então se limitava a cobrar os resultados dos envolvidos, visava reaver parte do investimento, já realizado, e desfazer uma possível má reputação que pudesse dificultar negócios futuros junto a produtores internacionais. Enquanto a imprensa reportava o que se passava na cidade mineira, os produtores tentavam minimizar o estrago. Luiz Eugênio Araújo Muller, representante da produtora brasileira Art-4, respondia à matéria do Jornal do Brasil acusando esse periódico de má vontade com a produção de Chico Rei 435. Em sua carta salientava que, durante os cinco meses de filmagens em Ouro Preto, cerca de 1,5 milhão de cruzeiros foi injetado no comércio local; e a cidade ainda seria beneficiada com a exibição do filme no exterior, lembrando que se tratava de um trabalho internacional. O produtor observava também que, [.. .] a s d i ver g ê nc i as entr e os gru p os br as il e ir o e a l em ão s ur g ir am qu a nd o o f i l m e j á es t a v a 90 % pr on t o e d ec orrer am ex c lus i v am ent e d e d if er enç as d e p o nt o - d e- v is t a q ua nt o a 433 RE CO M EÇ A M em O ur o Pr et o as f i lm ag e ns d e C h ic o R e i. O Es t a do d e S ã o P au l o. 2 9 f e v. 1 9 8 0, p .1 9. 434 X IC O Re i . J or na l d o Br as il . 1 2 m ar. 1 9 80 , p. 6. 435 A Rev is ta V is ã o p u b l ic o u , em 31/ 03 /8 0 , A nov el a d e C h ic o R e i , m atér ia qu e re it er a va o t eor das inf or m aç ões pu b l ic a das pe l o J or n a l d o Bras i l s o br e o rom pim en to da par c er i a e pr o bl em as f in a nc e ir os e nf ren t ad os p e la pro d uç ão . As s im c om o s e p or t ou d ia n te dos da d os d o j or na l c ar ioc a, o re pr es en t an te da Ar t - 4 tam bém r e ba t eu as c r ít ic as d a r e v is t a; A N O V E L A d e Ch ic o Re i . Rev is ta V is ã o . 3 1 m ar. 19 8 0, p. 64 ; M U LL E R, Lu ís Eu g ên i o Ar aúj o. C in em a. R ev i s ta V is ã o . 1 4 j u l. 19 8 0, p . 5. 27 6 or ç am e nt o e p l an o de f i lm agem , e is qu e Xic o Rey (s ic ) c ons t it u i- s e d e um l on ga m etra g em par a o B ras il e Am éric a do 436 S ul e de um s er ia d o p ara os pa ís es d e lí n gu a a lem ã . Mesmo de modo adverso , os problemas com a produção ocuparam por meses as páginas dos jornais, contribuindo para divulga r a história de Chico Rei para um amplo público. Nesse sentido, destaca se a matéria do Jornal do Brasil que trouxe a notícia da ruptura , pois ao final da página, letras ga rrafais titulavam uma submatéria: A lenda do rei negro, na qual se explica va o teor da história do filme 437. O texto ressalta as incertezas em torno da história: “Rei na África, rei no Brasil, Chico Rei é uma espécie de lenda histórica, pois nunca se descob riu nada que provasse a sua existência ” 438. São apresentados os conhecidos elementos da narrativa em torno do rei negro que conseguiu a liberdade e trabalhou para alforria r companheiros de cativeiro. Seu final reforça o aspecto lendário e mítico, apropriando -se da tradição oral, ao assinalar a responsabilidade do grupo de Chico Rei na construção da igreja de santa Efigênia e por fiar-se na tradição local de que a corte real do reisado festivo mencionada no estatuto da irmandade religiosa se refere ao líder negro. No d i a 6 d e j a ne ir o d e c ad a a no , s aí a às r uas d o Re is a do d o Ros ár i o – f es t a c r i ad a p or C hic o Re i , qu e d e u or ig em aos c on g ad os – no q ua l e l e er a c arr e ga d o p e las ruas d e V il a R ic a, s obr e um tron o e d eb a ix o d o p á l io , j u n tam en te c om s ua r a in h a. [. .. ] O ún ic o v es t íg i o da ex is tê nc ia des s e l en d ár io re i ne gr o s ã o os es t at ut o s da irm a nd a de de S an t a Ef i g ên i a, qu e a in d a h oj e m an da r e a li za r o re is a d o, “c o m hu re y e h ua 439 r a in h a” . Apesar do esforço em apresentar ao leitor um perfil do protagonista do filme, perceb e-se insegurança no texto. Ao associar a vida de Chico Rei com a tradição festiva popular religiosa da congada, como corrente até então, outros elementos de fundo histórico e cultural são revelados ao leitor. Ainda que a historiografia expli que diferentemente esse tipo de festa, assuntos incomuns ao cotidiano de 436 437 438 439 M UL L E R, L u i z E u gê n i o A r a új o . X ic o Re y. J o rna l d o Bras i l . 27 m ar. 1 9 80 , p. 2 . T O RR E S, Ma ur í l i o. D i r et or es a le m ã es . .. op .c it ., p . 6. I b id em . I b id em . 27 7 um público de jornal, como irmandade e religiosidade negra na América Portuguesa, são abordados e disponibilizados ao leitor . Nesse caso, considera-se pertinente transpor para o campo da imprensa o já mencionado raciocínio de Robert Rosenstone 440 de que imprecisões históricas existentes nos filmes podem servir de inspiração para discutir aquele tema em bases mais bem elaboradas. Outro exemplo de deslocamento de informação que pode instigar a reflexão histórica decorre do uso de um frame de cena do filme, na qual negros estão acorrentados, que ilustra a matéria sobre a interrupção das filmagens 441. A legenda da ilustração pergunta: os negros brasileiros vão ficar sem a história de seu maior herói? É muito provável. Sem adentrar a discussão d e heroificação, pode-se questionar: qual a dimensão, naquele momento, de Chico Rei no imaginário social brasileiro? Ou ainda, de forma contraposta: qual o papel de Zumbi dos Palmares na comunidade negra, uma vez que er a corrente representá lo como liderança de referência na história da escravidão ? Essas duas questões conduzem à problematização: a reportagem procura uma invenção de tradição 442, substituindo Zumbi por Chico Rei como referência histórica negra ; ou se trata de uma informação não apurada adequadamente com objetivo de provocar sensação? 443. No contexto da matéria, a segunda opção parece mais pertinente, já que há uma carga dramática no relato acerca da interrupção do filme , haja vista o pessimismo expresso na lege nda. O reinício das filmagens foi comemorado pelos envolvidos na produção, incluindo os citadinos ouro -pretanos, mas a finalização do filme demoraria mais quatro anos. Ainda assim, restrita a uma sessão especial voltada para críticos , realizada no cinema Méridien, no Rio de Janeiro, em agosto de 1985 . O filme passou, então, a circular somente 440 RO S E NST O N E , Ro b e r t. A . I nv e nt a n do la v e rda d e. .. o p.c it . A N O V E L A d e C hic o Re i . Rev is ta V is ã o. .. o p.c i t. 442 Cf .: H O BS B AW M, Er i c ; T E R EN C E, R an g er. As i nv enç õ es . .. o p.c it . 443 S obr e a pur aç ão j or n a lís t ic a e s e ns ac i o na l is m o, c f .: BU CC I, E u gê n i o. S ob re é tic a e i m pr ens a. S ão P a ul o: C om pa n hi a das Le t ras , 20 0 0; FO N S EC A J ÚN IO R , W ils o n Corr ê a da . Mé t od os e t éc n ic as d e p es q u i s a em c o m u nic aç ão . 2. e d. S ã o P au l o: At l as , 20 0 8. 441 27 8 em festivais de cinema 444. O lançamento comercial de Chico Rei ocorreu dois anos depois, em agosto de 1987 . Embora as dificuldades enfrentadas por Walter Lima Junior pa ra finalizar seu filme tenham sido pontos recorrentes nas matérias realizadas, a apresentação da história e elogios ao trabalho também se fazem presentes. De modo geral, os jornalistas exaltavam o desfecho positivo de todo o imbróglio, considerando uma vit ória a conclusão do filme por W alter Lima Júnior 445. O litígio era resgatado concomitante mente ao esclarecimento de como se concluiu a montagem do filme . W alter Lim a es t a v a dec i d id o a enf r en t ar os obs t ác u l os e tr a ns f or m ar Ch ic o R e i em um lon g a - m etra g e m de p o rt e e es t il o c i nem at o gráf ic os . Nã o s e l im it ar i a a um a s i m ples r em on ta g em do m at er i a l d a te l e - s é ri e. Ex am in an d o 48 h oras f i lm ad as , f e z um r as c u nh o d e tr a b a lh o c om 17 hor as d e p roj eç ã o e, d aí par t iu p ar a v ers ão d it a da p or sua s e ns ib i l id a d e e 446 c on h ec im ent o d o tem a . Assim como ocorreu na abordagem para Xica da Silva, os textos jornalísticos traziam a sinopse da história de Chico Rei e as principais referências de sustentação da narrativa cinematográfica, com destaque para a tradição oral e a literatura de Agr ipa Vasconcelos e Cecília Meireles. O resultado apresentado na grande tela recebeu elogios, sendo ressaltada a marca pessoal na direção, ou seja, a sensibilidade poética atribuída aos trabalhos de W alter Lima Junior. Rec o ns t it u iç ão his t ór i c a, o f i lm e d e L im a J r. s e pr et en d e m enos a um a s u per pr od uç ão e m ais a um a rec o ns tr uç ão d e um s ent im en to . [ C om o d i z o di re to r]: “a l i ber d a de é prá t ic a d ia l ét ic a v i vi d a n o c ot i di a no – a m im m e pa rec e q ue es te é o v er d a d eir o s e nt i do d e s ta l e nd a n a alm a do p o vo . F o i as s im qu e eu a s e nt i, e é a s s im qu e e u te nt o m e ex pr es s ar a p ar t ir 447 do f i lm e” . As boas avaliações realizadas pela imprensa sobre os filmes, cujas informações explicavam ao leitor o contexto do período em que a trama se desenvolvia e as principais fontes usadas pa ra a recuperação 444 C UN HA , W ils o n. A di f íc i l .. . o p.c it ., p . 4 A l gu ns t ít u los d e m a tér i as s e d es t ac am n es s e s e n ti d o; c f .: A S AG A d e Ch ic o Re i . O Es t ad o de S ão P au l o, Ca d ern o 2, 15 ou t. 1 98 7, p. 4 .; C U N HA , W ils on. Nas te l as , a s ag a d e C h ic o R ei . J or n al do Br as i l. S up l em ent o d e d om i ng o – pro gr am a. 23 a go . 1 9 87 ; p. 24 .; CU NH A, W ils on . A d if í c i l l u ta d e C h ic o Re i e um a be l a v it ór ia . J orn a l d o Br as i l, C a de r no B, 27 a g o. 1 9 87 , p . 4. 446 A Z ER E DO , El y. C hic o R e i, o m i to ne gr o. .. o p .c i t, p . 1. 447 C UN HA , W ils o n. N as te l as , a s ag a. .. o p.c i t. 445 27 9 da história narrada, reiteram a percepção de que o filme de gênero histórico age como promotor da divulgação do conhecimento histórico . Contudo, essa promoção ocorre não apenas quando avaliações positivas são publicadas. As críticas funcionam, assim, como elemento do contraditório , o que termina por estimular o debate. Assim, o filme , não apenas divulga, mas enriquece representados, a ou discussão seja, a respeito colabora para dos o aspectos debate históricos sobre os conhecimentos existe ntes. Nesse sentido, reitera -se a linha defendida nesta tese de que os filmes analisados expressam características d a história pública, implicando uma tentativa colaborativa, envolvendo vários segmentos narrativos, para se produzir o saber histórico . Portanto, ultrapassa a visão de compreendê -la somente pelo aspecto da publicização da história. Apesar do reconhecimento pelo esforço em conseguir concluir Chico Rei e da importância da história narrada na tela ao lançar luzes para um tema quase desconhecido d a história brasileira , não foram poucas as críticas recebidas pelo resultado final. Ponto corrente nesse aspecto diz respeito ao ritmo da montagem 448. Ao reduzir um material bruto de filmagens, que beirava 50 horas, a duas horas de exibição, a dinâmica do filme perdeu fôlego em alguns momentos. Como exemplo do aspecto rítmico e das dificuldades em adaptar a estrutura seriada para o formato de longa-metragem, cita-se a sequência marítima da história, que engloba da escravização no continente africano ao trans porte no navio negreiro . Ocupando o que se pode chamar de primeira parte do filme, as sequências têm intensidade que não se repete quando a trama se desenrola em Minas Gerais, por exemplo, nas representações do cotidiano de trabalho na mina de ouro da Encardideira. O elevado número de personagens e figurantes , que 448 A p es ar de c r í t ic as n es s e s en t id o, há q uem d is c or das s e des s a a v a l iaç ã o ne g at i v a: “ Em pr im eir o lu g ar , n ã o tr a ns p ar ec e a o l on g o da n arr at i v a a t um ul tu a da ges t aç ã o qu e c om eç o u em 19 7 9. ( .. .) Se u s on h o em c ri ar um lo n g a - m etra g em par a c i nem a ( .. .) enc o ntr o u p l en o êx it o: ne n hum a l im it aç ão d o m e io a nt er ior (t e l e vis i v o) e n en h um r ef l ex o d as i nt er r upç õ es do t ra b al ho s e enc o ntr am n o dr am a q u e c he g a à te l a gr a nd e” ; AZ E R E DO , E l y. C h ic o, d e e s c ra vo a R e i. O G lo b o. 2º Ca d ern o . 2 7 ag o . 19 8 7, p . 5. 28 0 atendia ao objetivo de se criar uma série televisiva, também acarretou prejuízo para a montagem fílmica, já que terminou por prejudicar o desenrolar de algumas passagens e restringir a ação de alg uns atores/personagens. Essas observações são corroboradas por avaliações da crítica, como a realizada por Sérgio Bazi . W alter Lim a pre te n d eu f a ze r um f ilm e de a ve nt ur as , um f ol he t im his t ór ic o. Ma s c om o nã o p o d ia de ix ar d e s er Ch ic o Re i ac a b ou ref le t in d o a s u a pe n os a f ei t ura . O ro t eir o – q u e te v e c om o bas e um argum en t o d e Má ri o Pra ta , o l i vr o S a ga do P aís d as G era es , d e A gr ip a V as c o nc e l los , e p oem as de O Ro m anc e ir o d a I nc o nf i dê nc i a , de Cec í li a M e ir el l es – é d is p er s i v o , im pe d in d o qu e o f ilm e dec o l e. A l ém do m a is f ic a a im pr es s ão d e q ue Ch i c o R e i n ão p as s a de um a c on d ens aç ão i ns a t is f at ór i a de te l es s ér ie . Fi lm e d e a lt os e ba ix os – i nc lus i v e na tr i l h a s on or a q ue a lt er na be l os m om entos de p erc us s ã o (d o m es tr e N a ná V as c onc e ll os ) c om ba na l i da d e s c om pos t as pe l os 449 m ine ir os W agner T is o e M i lt on N as c im en to . Mesmo com o deslize em confundir o nome do livro de Agripa Vasconcelos com a coleção a que Chico Rei integrava, é inegável a contundência crítica do excerto. Até mesmo a participação dos ícones mineiros do clube da esquina 450 na trilha sonora é negativada – contrariando o destaque dado pela imprensa mineira para divulga r o filme nos cinemas das alterosas 451. As críticas, contudo, não invalidavam completamente o trabalho . Sobressaíam como positivas , especialmente, os aspectos estéticos – como a produção de imagens e a sensibilidade por elas despertada –, e a abordagem do passado ao construir uma narrativa cinematográfica sobre o escravismo brasileiro : “[...] tem, ao menos, o mérito de não folclorizar um dos maiores mitos da cultura afro-brasileira, além de resgatá-lo do esquecimento” 452. Xica da Silva também não passou incólume às críticas. É compreensível que o estilo comédia -carnavalesca adotado por Cacá 449 B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it . P ara um a h is tór i a do m ovim en t o m us ic al m ine ir o C l ub e da Es q u in a; B O RG E S , Má rc i o . O s s on h os n ão env e l hec e m: his t ó ri as d o C lu b e d a Es qu i n a. 7 . ed . S ã o P au l o: G er aç ã o E d it or i a l, 2 0 11 . 451 A di v u l gaç ã o d o f i lm e n os j orn a is m in e ir os ad o to u pos tu ra c o ntr ár ia : e l o g ia v a a tri l h a s o n or a a tr i b u in d o s e u r es u l ta d o a os m ús ic os i de n tif ic a d os c om Mi nas G er a is , e ne g l i ge nc ia v a o utr a s p ar t ic i paç õ es n o t ra ba l h o, c om o o G r u po V is s u n g o e Na n á V as c o nc e ll os ; c f .: E ST RE I A S. Es t a do d e Mi n as , 2 ª s eç ã o , p. 5, 1 s e t. 1 9 87 . 452 B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it . 450 28 1 Diegues para abordar parte da história do Brasil e da escravidão despertasse a atenção. O que foi acentuado pelo enorme sucesso alcançado por Xica. Contudo, muitas das críticas não se limitavam ao filme apresentado, recaindo em aspectos políticos e cobranças por uma postura mais combativa do diretor. Por isso, atribui-se a gênese do debate sobre a patrulha ideológica , que se estabeleceria em 1978, em parte às cobranças recebidas pela direção de Xica da Silva e à contundente resposta de Cacá Diegues àqueles que o questionavam. Algumas manifestações sobre o filme de Diegues iam de encontro às críticas positivas que, às vezes, eram quase consensuais. É o caso da atriz Zezé Motta que, pela primeira vez , protagonizava um projeto de maior porte. Meses antes da estreia, o filme foi o grande vencedor do Festival de Cinema de Brasíl ia, recebendo os prêmios de melhor es: filme, direção e atriz. Reconhecimento citado na grande maioria das notas sobre filme. Ainda assim, foi possível encontrar uma dura crítica à sua interpretação . Q u an to a o s e ns u a l is m o, Ze zé Mo tt a , p o r c om por tam en t o, f ig ur a e i n dum en tá ri a , s ó é i d ên t ic a a um tra ves t i em gra nd e f in a l d e s h o w m us ic a d o. T od a a m alíc i a d e s ua s ed uç ão n unc a é m enos d o q u e vu l ga r em s eus c l ic h ês d e om bros , o l har es e 453 s or r is os . Em sua crítica, Telmo Martino desqualifica todo o elenco do filme, considerado digno de uma apresentação teatral amadora. Para o jornalista, apenas W almor Chagas se destaca. Contraditoriamente, outros jornalistas teceram críticas rigorosas à atuação de W almor Chagas – cuja interpretação teria sido fria e demasiadamente te atral –, o que assinala as variações de critérios quanto às avaliações d e desempenho de atores. O exemplo dessas críticas contestando o trabalho da atriz, cujo desempenho a marcou indelevelmente no mundo da interpretação artística – ainda hoje Zezé Motta recorda em entrevistas o papel pelo qual 453 também é frequentemente homenageada 454 –, indica a M ART IN O , T e lm o. U m a an ed ot a en gr aç ad a a p en as n a tr i lh a s o nor a . J or n a l d a Tar de . 1 6 s et . 1 97 6 . 454 “P os s o d i vi d ir a m in ha v i da em ant es e de p o is d e X ic a da S i l v a”, por es s a dec l ar aç ã o , d ad a 2 5 a nos de p o is d o l a nç am en t o d o f i lm e, Ze zé M ot ta d im ens io n a o 28 2 predisposição à crítica ao filme, talvez motivado pelo sucesso. Em parte, tais censuras recaíam ao moralismo, acusando o filme de abusar da sensualidade e até mesmo de ser uma pornochanchada . Parte das ponderações ao filme, contudo, também apresentava outro viés. Nesse caso, destaca -se a acusação – senão de incoerências históricas – ao menos de deturpações das relações sócio histórica da América Portuguesa , em especial quanto à relação senhor escravo. A m an ip u l aç ã o n o pl a no art ís t ic o d e le n das ou f a tos h is t ór ic os dos q u a is s e dis p õe m de d a dos ins uf ic i e nt es p od e l e va r a r es u l ta d os p ouc o c o n d i ze nt es n ã o s ó c om a v er d ad e, m as , pr inc i p alm en t e, c om a p ró pr i a in te l i gê nc i a. [. .. ] F oi um ris c o qu e - t a l v e z p or is s o t ud o – C ac á D ie g ues n ão c o ns e g ui u s up er ar em “X ic a d a S i l va” , c om po nd o um dos m ais i ns ó l it os pa i n éis d a es c ra v i d ão bras i l e ira . O f ilm e d e ix a tra ns p arec er um inac r e d it á v el c l im a d e c am ara d a gem en tr e s e nh or es e es c r a v os – um c o nc ei t o qu e , bas ic am en te d e c orr e do c h am ad o “ hom em c ord i a l” br a s i le ir o e q ue , tra ns pos t o par a o utr os p la n os d a v i d a nac i o na l , t em s er v id o p ara m as c arar as m a is 455 c r ué is e t err í ve is dis t o rç ões qu e n e la po d em s er d et ec t a das . A explicação dada por Cacá Diegues de que procurou fazer um filme sobre a liberdade pelo amor não parece ter convencido parte dos espectadores do filme. A estratégia adotada por Chica da Silva no filme era obter sua liberdade, utilizando , para isso, relações interpessoais. A cordialidade 456 referida na crítica está presente nas relações coloniais, desde as trocas de favores entre administradores, até as práticas sexuais entre senhores e escravas, muitas vezes obtidas mediante coerção. Na avaliação de muitos, o diretor imprimiu uma leitura preconceituosa sobre o , im pu ls o q ue s u a i n ter pr e t aç ã o no f ilm e d e u à s u a c a rre ir a, i nc lus i v e c om o c a nt or a, at i v i da d e à q u a l ta m bém s e ded ic a c o m s uc es s o . A atr i z m ili ta , a i n da , em m ovim en t os s oc i a is c o ntr a o r ac is m o e d ef es a do a t or ne gr o; Cf . : I s to É G en te , S ão P au l o, E d it or a T r ês , 16 abr . 2 0 01 . A s e ns u a l id a de d a p ers o na g em a alç o u à pos iç ã o de s ím b ol o s e x ua l q u an d o pr at ic am en t e i nex is ti am n egr as os te nt a n do es s e tít u l o. A atr i z e c a n to r a r e c e b eu , lo g o a p ós a es tr ei a do f i lm e, c on v i te p ara p os a r nu a ; c f .: R ev is t a St at us , n. 2 8, n o v . 1 97 6 . Mas a s e ns ua l i da d e da pers o na g em u ltr ap as s o u o u ni v er s o d as r e v is t as m as c u li n as , s e f a ze n d o pres e nt e a té no po p u lar pr ogr am a i n f ant i l O s Tr ap a l hõ es , q ua n do o p ers on a gem Mus s um a enc ar n ou , ai n da q u e n o v iés d a s e ns u a l id a d e, em um dos es qu et e s n o p rim e iro a n o do gr up o na Re d e G l o bo ; < h tt p :/ / www. yo u t u be .c om /watc h ? v = _SX T f 0 zs x oc > Ac es s o em : 1 3 d e z. 2 0 13 . 455 M IO N , A d i ls o n J os é. X ic a da S il v a . O Es t a d o d e S ão Pa u l o. 2 5 s e t. 1 9 76 . 456 S CHW ARCZ, L i l ia n Mo r i t z; BO T E LHO , A ndr é . (O r gs ) . O h o m em c ord i a l . Sã o P au l o: Pe n gu i n & C om pa n h ia d as L et ras , 2 0 12 . 28 3 [.. .] c om p ort am ent o s ex u a l d a m ul he r n e gr a apr es en t ad o d a v e lh a f or m a, s e gu n do a q ua l as ne gr as s ã o v erd a d eir as a t le t as do s ex o , c o ns eg u i nd o f a zer c o is as in im a g in á v eis ( v i de os ur r os ) p e los bra nc os . [.. .] la d o es te c r it ic ad o c om o s e n do c o lo n ia l is ta at é p or e s tu d ios os c o ns er v ad o res c om o G i l ber t o 457 Fr e yr e . A conivência da ex-escrava com as relações escravistas, a levou a incorporar códigos inerentes às práticas de dominação. Exemplifica o embranquecimento de Chica a sequência em que, ao tomar café à mesa com o contratador, depois de passarem a noite juntos, humilha sarcasticamente a escrava que os servia. Ou, ainda, sua postura indiferente ao ver, no serviço diamantino, um negro ser açoitado ao tronco. Mas foi no jornal Opinião que críticas abriram um intenso debate na imprensa. Publicado em outubro de 1976, u m conjunto de cinco artigos, assinados pelo sociólogo Carlos Hansenbalg, pela historiadora Beatriz Nascimento, pelo cineasta Carlos Frederico , pelo dramaturgo Antônio Callado e pelo antropólogo Roberto da Matta 458, questionava a representação do negro decorrente do filme. Beatriz Nascimento, Carlos Frederico, Carlos Hansenbalg foram, especialmente, mais incisivos, acusando a Chica de Cacá de diminuir o negro na sociedade brasileira ao representá-lo em situações de subserviência e dependente do poder da elite branca. A historiadora, por exemplo, fez ataques virulentos ao filme entendendo-o como uma espécie de reedição empobrecida do livro Casa grande e senzala (Gilberto Freyre ), que reforça va o olha r branco/português sobre o Brasil. Mesmo considerando que o filme não era uma obra científica, objetava, entretanto, [.. .] q ue o c o nh ec im ent o d e um po v o q u e j un tam e nt e c om o br a nc o f or m ou a n aç ã o br as il e ir a es tej a a u s en t e em tod os os m om ent os do f i lm e, e q ue s e c o n te nt e c om o h um or b ar at o e gr os s e ir o em c im a do s es t er eó t ip os m a is v u lg ar es a res p e it o des t e p o vo . [ .. .] É um des r es pe i to à pr ó pr ia His tór i a d o Br as i l ut i l i zar um epis ó d io n ão es t u da d o e n ã o e la bor a d o, tr at a nd o - o 457 SO B RE I RA FI LH O , E no q ue Fe i tos a . A h is t ór ia d e p er n as pr o ar. O Mov im e nt o , n. 7 5, 6 n o v . 19 7 6. 458 O s tí tu l os dos ar t i gos e s e us res p ec t i v os a u tor es s ã o: A b ac ax ic a ( Car l os Fre der ic o) , A h i er ar q u i a dos f r ac os ( R ob ert o d a Ma tt a) , Co p i an d o o s e ns o c om um (Car l os H ans e nb a l g) , A s e n za l a vis t a d a c a s a gr an d e (B e atr i z N as c im ent o), B em Nas c i do e bem d o ta d o ( A n tô n i o Ca l l ad o) ; O p in i ão , 1 5 o ut . 19 7 6, p p. 1 8 - 2 2. 28 4 s em a d is c u s s ã o e a dram at ic i da d e qu e as c irc uns t ânc i as 459 im pu nh am . Beatriz Nascimento se destaca nesse cenário como militante do movimento negro que se rearticulava no país. Depois de se formar em 1971, permaneceu atrelada às atividades que discutiam o negro na sociedade brasileira. I ntegrou, na Universidade Federal Fluminense/ Niterói, o Grupo de Trabalho André Rebouças , fundado em 1974, no qual participavam acadêmicos e ativistas da causa negra, incluindo Carlos Hasenbalg 460. O engajamento militante ajuda a compreen der os fundamentos do discurso de Nascimento, que chegou a diagnostica r Cacá Diegues como “senil” e que ela desejava que a carreira do cineasta se encerra sse em Xica da Silva. Em sua perspectiva combativa, confessava que, com o filme, havia perdido “as esp eranças quanto à compreensão do intelectual branco brasileiro sobre a real história do negro” 461. A linha de trabalho de grupos como os de Beatriz Nascimento e Carlos Hasenbalg ajudaram a consolidar o Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, que retomaria algumas das críticas publicadas n’Opinião. Ressalta-se que, apesar das críticas feitas ao filme de Cacá Diegues, Zezé Motta abraçou a militância negra integrando o próprio MNU. Como lembrou, em função do sucesso de Xica da Silva, ela passou a ser muito que stionada quanto ao papel do negro na sociedade brasileira e se deu conta de que “não tinha uma opinião centrada, não estava preparada. Eu vi que eu tinha uma responsabilidade com a comunidade negra 462. A tensão em torno do debate das representações do negro decorrentes do filme era crescente. É verdade que algumas vozes 459 NA S CI M ENT O , B e atr i z. A s e n za l a vi s t a d a c as a gr an d e. O p i ni ã o, 15 ou t. 1 97 6 , p. 2 2. 460 P ar a um a br e v e b io gr af i a de Ma ri a B e atr i z N a s c im ent o ; c f .: < ht tp :/ / www.m u l h er 5 0 0. or g. br / d es t a qu es - c o nt e ud o. as p?c o d = 51 > Ac es s o em : 1 3 de z. 2 01 3 . 461 N A SC I M ENT O , B e atr i z. A s e n za l a v is ta .. . op .c i t. 462 ZIM M AR O , Mar i n a. Mu l h er d e R aç a: Z e z é M ot t a, R aç a Br as i l , n. 1 26 , 2 0 08 , ed iç ã o on l i n e. D is po ní v e l em : < ht tp :/ /r ac a br as il . uo l .c om .br / E d ic o es /1 2 6/ art i go 1 14 1 96 - 1 .as p > Ac e s s o em : 1 3 d e z. 20 1 3. 28 5 surgiram em defesa d a película. A elevação da temperatura pode ser mensurada pela criação da expressão “churros”, que indicava serem os críticos do filme uma soma de chatos e burros 463. Entretanto, também surgiam textos argumentativos contra as linhas de raciocínio veiculados na imprensa que contestavam a direção de Cacá Diegues . A discussão ultrapassava o meio intelectual, havendo a participação dos leitores que redigiam elaboradas cartas às redações dos jornais e revistas a favor de Xica da Silva. T or nar - s e l i vr e par a tor n ar - s e br a nc o – e s s a e ra a l óg ic a im pos t a p el a d om in aç ã o i de o l óg ic a. N a da m a is n a tur a l, por t an to , d o q u e “q u ere r - s e bra n qu e ar” d e X ic a, a i n da qu e is s o s i gn if ic as s e p ar tic i p ar d os m ec an is m os de opr es s ão . Es t r a n ho s er i a X ic a par t ic ip ar d a r i q ue za e d o m an d o d o s en h or br anc o, J o ã o F ern a n des , c om o c o nt e s ta d ora e l u ta d ora c on tr a a es c r a v id ã o ( c om o p ar ec e qu e os c rít ic os des ej ar iam ) 464 – es tr a nh o e irr ea l . Pouco mais de um mês em cart az, estabelecia -se um cenário positivo ao filme, tanto pelo desempenho de bilheteria , quanto pelos elogios recebidos. Todavia, era considerável o volume de contestações. Estas se sustentavam em pontos que identifica vam o filme como sendo demasiadamente se nsualizado e sexista (muitas vezes aproximando -o da pornochanchada), benevolente com a escravidão, minimizando a luta do negro pela sua liberdade . A secção provocada por Xica da Silva pode ser dimensionada na posição do jornalista Ricardo Leite que, semanas após o lançamento do filme em Belo Horizonte, teceu uma comparação entre o filme de Diegues e Compasso de Espera (dirigido por Antunes Filho ) 465. Segundo o jornalista, tratava -se de filmes distintos, pois Xica da Silva era uma grande produção, enquanto Compasso de Espera, filmado em preto e branco e com poucos recursos, lembrava as primeiras produções do Cinema Novo. Este apresentava como problema o 463 CA ST RO , T ar s o de . X ic a d a Si l v a d i z m ais qu e o j or na l nac i o na l . Fo l h a d e Sã o P au l o. N o v. 19 7 6. 464 T EIX EI R A, Lu i z O t á v i o. C art a: A X ic a d a S i l v a n ão é na d a s em o s eu J oã o Fer na n des ( c r í t ic a d a c r ít ic a p ub l ic ad a em M o v im ent o) . Mov i m e nt o, n . 7 0, 1 n o v. 19 7 6. P ar a o f i lm e; c f .: CO M P A S SO DE E S P ER A . F IL HO , A n tu nes . Em braf i lm e. 19 7 3, 9 8 m in. 465 L EIT E , Ric ar d o G om es . C am in hos O p os t o s . Es t ad o d e Mi n as , 2 ª s eç ão . p . 6. 1 5 m ar. 1 9 77 . 28 6 excesso de diálogos e conceitos, fruto da veia teatral de seu diretor. Já o pecado em Xica da Silva, “[...] era não nos fornecer dados suficientes para melhor situarmos a personagem central no ambiente social em que vivia. Ou seja, trata -se de um filme voltado para o espetacular, dentro da linha do cinema americano ” 466. Esse motivo reforçava sua posição crítica contra o filme, conforme hav ia apresentado anteriormente aos leitores no debate estabelecido na Seção de Cinema do jornal 467. O somatório de críticas que recebia em relação a Xica da Silva pelos mais variados motivos acirrava os ânimos. Glauber Rocha publicou n’O Pasquim um artigo no qual, entre outros temas, defendia o filme Xica da Silva. Os ataques que recebeu por es se texto motivaram o diretor Cacá Diegues a redigir um artigo para o mesmo jornal , em resposta, pois entendia que as acusações desferidas a o amigo Glauber Rocha também se endereçavam a ele e ao seu filme. Q u an to à “X ic a”, p arec e q ue um de t e rm ina do s e to r d a es q u er da br as i le ir a a in d a c ul t i va o f rac as s o c om o s ta tus r e vo l uc i on ár i o. O s u c es s o é o d i ad o p o r es ta es q uer d a r e li g i os a , pa ra a q ua l o Bem es t á n o s of rim en t o d a c u lp a e d a pe n it ê nc ia . E u p ref iro o po v o f a ze n d o a s ua f es ta b ár bar a n os c i nem as , d es f orr a nd o - s e e c e le br a nd o um a pos s i b i l id a de d e v it ór i a. Es c as s a , m as vi t ór ia . Q u e a d ire i ta tra d ic i on a l ( “ Ex pr es s o” , E l y A ze r ed o , T e lm o M art i no , e tc .) ir i a c on d en ar o f ilm e, d is s o e u n un c a t i ve n e nh um a dú v i da . M as f oi n a c on t es t aç ã o d e o u tro s s et or es , rec us an d o a v it ór i a po p ul ar , qu e m eu es p a nt o s e f orm ou. [. .. ] O u s ej a, m e c as s am o f i lm e e a pr of is s ã o . O r a b ol as , c om um a im pr en s a de “o p os iç ã o” 468 as s im , pr a q ue Arm an do F a lc ã o e AI - 5 ? No artigo, Cacá Diegues nega que se vivenciava uma explosão do cinema nacional, mas que, se esse momento estivesse ocorrendo, Xica não teria relação com o fato . Reafirma que seu filme é, sim, uma metáfora da liberdade. Mas o te ma que sobressai é em relação à censura por parte de pessoas que se intitulavam representantes da liberdade. Revelando -se atento, desqualifica as críticas recebidas em jornais como Movimento, Opinião e, até mesmo, a posição tímida d’O Pasquim ao debate que se estabelecia . 466 L EIT E , Ric ar d o G om es . C am in hos O p os t o s . Es t ad o d e Mi n as , 2 ª s eç ão . p. 6. 1 5 m ar. 1 9 77 . 467 I b id em . 468 DI E G U E S, C ar l os . O pr of et a a l ad o. O P as q u im , 2 4 f e v . 1 97 7, p. 1 5. 28 7 4.1.1. Das patrulhas ideológicas à ampla audiência O artigo publicado n’O Pasquim, no início de 1977, revela o teor da insatisfação de Cacá Diegues , não apenas contra a censura institucionalizada pelo Estado autoritário , mas também contra setores do meio artístico e intelectual pelas cobranças de fundo ideológico. As repreensões que recebia por Xica da Silva se depositavam como combustível que viria a explodir no ano seguinte. Em entrevista concedida a jornalista Pola Vartuck, publicada pelo O Estado de São Paulo, em agosto 469, o diretor se voltou contra a censura interna aos meios artísticos e intelectuais , que cobravam dos criadores artísticos uma postura ideológica em seus traba lhos. Já, na primeira pergunta, Cacá Diegues nega va que Xica da Silva representava uma traição ao Cinema Novo. Na realidade, ele entendia que havia mais uma ideologia construída em cima do movimento cinemanovista, que limitava a criação de novas propostas. Para ele, que se orgulhava de ter participado daquela geração, e ra preciso dar continuidade ao único ponto comum às pessoas envolvidas: fazer um cinema nacional. Prosseguiu afirmando que a esquerda no Brasil tinha a tendência de escolher o sofrimento, como se a alegria e a vitória não fossem dignas. E condenava os integrantes dessa esquerda por pensarem o cinema como um instrumento político para falar de alguma outra coisa, menos cinema. Nesse ponto da entrevista, denuncia va. Um ne góc i o q ue eu t a m bém ac ho m ui to g ra v e é es s a es p éc i e de p atr u l ha i d eo l ó gi c a qu e ex is t e no Br as il . [.. .] Sã o pa tr ul h e ir os q ue f ic am po l ic ia n d o p erm an en t em ent e a c ri aç ão , a c r i at i v i da d e, t e nt a n do l im itar ou di ri g ir p ara es s a ou a q u el a te n dê nc ia . Q u a nd o a gra n d e ri qu e za d o c i nem a br as i le ir o, a gr a n d e q u al i d ad e b ás ic a q ue d e ver i a s er a l im en ta d a é ex a t am ent e a s ua p l ura l i d ad e, a s u a m ul ti p l ic id a de , a s ua 470 m ult if ac id a de . A cada pergunta endurecia as respostas, criticando a postura de intelectuais que reivindicavam o monopólio do saber. E concluía ironizando a situação ao dizer que , da maneira que as coisas estavam, 469 V A RT UC K , P ol a . Cac á D ie g ues c o n tra a c e ns ur a .. .o p.c i t. DI EG U ES , C ac á a p ud V A RT UC K, P o l a. Cac á D i e gu es c on tr a a c e ns ura d as pa tr ul h as i d eo l óg ic as . O Es t ad o d e S ã o P a ul o. Sã o P a u lo , p. 1 6 - 18 . 3 1 a go . 1 97 8 . 470 28 8 para se fazer um filme, além do certificado de censura , também deveria ser apresentado um certificado das patrulhas ideológicas . Por fim, reforçava sua posição ao afirmar que, independente mente da ideologia, torturador e censor continuavam a ser torturador e censor. Por isso, ele se negava a prestar satisfações ideológicas, nem para fardados, nem para paisanos 471. O teor agressivo e direto da entrevista a fez ser reproduzida pelo Jornal da Tarde, Jornal do Brasil e republicada 10 dias depo is pelo próprio O Estado de São Paulo , além de comentários e notas em outros veículos. A polêmica logo se instaurou, fomentando um intenso debate no qual se tornou difícil não se posicionar. A discussão foi geral e, apesar de abrir o discurso, as acusações permaneciam genéricas, direcionadas a um grupo. Isso levou à troca de acusações sobre quem é patrulheiro e quem é patrulhado. Diante da torre de babel instituída, o jornal O Estado de São Paulo publicou um panorama com a posição de várias pessoas, de variados segmentos 472. De modo geral, outros segmentos artísticos se mostravam incomodados com cobranças realizadas por seus pares ao resultado do trabalho individual . Entretanto, houve também quem reprovasse Cacá Diegues, como o crítico de cinema Sérgio August o, que entendia que o diretor se indignou contra críticas ideológicas diretamente ao seu trabalho e reagiu abrindo fogo por uma metralhadora giratória 473. As críticas a que se refere Sérgio Augusto foram as mesmas assinaladas por Cacá Diegues no artigo publicado um ano antes, n’ O Pasquim 474. Nesse sentido, parecem pertinentes as ponderações d o crítico Jean-Claude Bernardet, que concordava com a baixa fundamentação dos artigos publicados no O Movimento e Opinião criticando Xica da Silva, mas nem por isso eles não deviam ter sido escritos, pois representa vam uma configuração ideológica, assim como 471 DI EG U ES , C ac á a p ud V A RT UC K, P o l a. Cac á D i e gu es c on tr a a c e ns ura d as pa tr ul h as i d eo l óg ic as . O Es t ad o d e S ã o P a ul o. Sã o P a u lo , p. 1 6 - 18 . 3 1 a go . 1 97 8 . 472 O CI N E M A em tr ans e de p o is d a e ntr e v is t a d o dir e tor . O Es ta d o de S ão P a u lo . 10 s et . 1 97 8, p. 26 . 473 I b id em . 474 DI E G U E S, C ar l os . O pr of et a a l ad o. .. o p.c i t. 28 9 o filme representa va outra configuração. E presumia que o diretor procurava restringir críticas ao seu trabalho, o que era lamentável , pois [.. .] q ua l q uer f orm a d e d e b a te , q u a lq u er f or m a de p ol êm ic a per t ur b a . Q u a nd o a r i qu e za d e um f ilm e v em em part e das po l êm ic as q ue e le d e s per t a. S e Xic a da S i lv a e C h uv as d e V er ã o m ot i v am am ores , e nt us ias m os , at aq u es o u m es m o ód i os , é q ue es s es f i lm es m ex em no c orp o s oc i a l on d e s ão ex ib i dos ; um a res p os t a u n if orm e a es tes f il m es , des f a v or á ve l ou a o c o ntr ár i o, f a v or á ve l , re v e la ri a ap at i a e s er i a b em m enos 475 pr o d ut i v a q ue a po l êm ic a, m es m o v io l e nt a . O momento da abertura política vivenciado pela sociedade brasileira se reflete na discussão das patrulhas ideológicas . A pressão pela redemocratização abria espaços para manifestações de opiniões e projetos de futuro . A denúncia feita por Cacá Diegues ao modelo de esquerda ortodoxa, formada nos ditames tradicionais do marxismo militante, exemplificada no Brasil pelos quadros do clandestino Partido Comunista Brasileiro, que procurava ocupar espaços políticos para desenvolve r projetos culturais que atendessem a difusão ideológica, pressionava a classe artística para manter a funcionalidade d a arte como meio de conscientização política 476. Uma prática que , na avaliação do diretor cinematográfico, se mostrava desatualizada frente à perspectiva de redemocratização e nova conjuntura das forças políticas e culturais. As s im , a v ira d a d a dé c ad a de 1 97 0 p ara 8 0, an u nc ia v a a c r is e ter m i na l d a c u lt ur a nac i o na l - p op u la r c om o l as tr o da a rt e en g aj a d a, o br ig a nd o a um a re a va l i aç ã o d a r e l aç ã o da es q u er da c om as c l as s es po p u lar es , ref l ex ã o qu e f o i r ad ic a l i za d a p e l a c h a m ada “n o v a es q ue rd a” q u e s ur g i a a o l ar g o d a c r is e d o PC B e da es q uer d a m arx i s ta - l en i n is t a c om o um tod o . A r ef l ex ã o em tor no d o pa p e l d o “ po v o” ( o u das “ c l as s es po p ul ar es ”) ap ar ta v a - s e d a ref l ex ão s obr e a naç ã o, na m ed id a em q ue b us c a v a um a au t on om i a em rel aç ão às v e lh as p o lí t ic as al i anc is tas qu e h a v i a s us t e n ta d o as 477 es tr at é g ias da es q ue r da nac i on a l is t a d os a n os 5 0/ 60 . Constata -se, portanto, o papel do filme como promotor de uma discussão, pois as críticas recebidas por Xica da Silva – tanto no aspecto estético, quanto da sua construção narrativa e da produção de 475 B ER NA D ET T , J ea n Cl a ud e . A f es ta de u m púb l ic o n ã o é a f e s ta de um pov o . Úl t im a h or a . 2 1 s e t. 1 97 8 , p. 1 6. 476 N A PO LIT A NO , Ma r c o s . O c as o d as p atr u l ha s ... o p.c i t. 477 I b id em , p .4 2 - 4 3. 29 0 sentido histórico – motivaram reflexões acerca da criação artística e sua relação com o conhecimento, política e projeto ideológico . Indubitavelmente, estas ultrapassaram o filme; mas a ele est avam atreladas, uma vez que o estopim e as bases da polêmica decorrem da problematização das representações fílmica s. O debate a respeito da politização da s expressões artísticas, sobremaneira o cinema, não era novidade quando ocorreu a referida entrevista de Diegues a Pola Vartuck. A conhecida política estatal em torno do cinema educativo , nos tempos do INCE (ainda que se restringissem os debates durante a ditadura varguista) e do financiamento de filmes históricos , permite reflexões nesse sentido. Recorda-se que o movimento realizado pela Embrafilme , na segunda metade dos anos 1970, para estimular filmes sobre a história agitou o mercado cinematográfico. Lançado um ano antes do edital para filmes históricos , Xica da Silva não usufruiu dos benefícios dessa linha de crédito. Ainda assim, Cacá Diegues reconheceu, em entrevista a Tércio dos Santos, a importância da crescente tendência de fortalecimento d esse gênero fílmico, considerando que [.. .] o Es t a do nã o s ó tem o d ir e it o c om o tem o d e v er d e pr es er v ar a m em ória n ac io n al , por t an to , inc e nt i v ar a f e it ura d e f ilm es h is t ór ic o s o u bas ea d os em obr as l it er ár i as d e qu a l id a de . E c a be ao c in e as t a, ao art is t a , rea l i za d o r , f a ze r c om qu e es s a c o is a n ão s e tra ns f orm e num a of ic ia l i za ç ã o d o c i nem a. E nt ã o, e u ac ho q ue n ã o h á um a c on tr ad iç ã o n is s o, o m eu f ilm e Xic a da S i lv a , i nc l us i v e, nã o é be n ef ic i ad o pe l as v an t ag e ns q ue ex is t e m hoj e no r eg u l am en to d a Em braf i lm e s obr e f i lm e his t óric o , nós nã o f om os en qu a dr ad os d en tr o 478 d is s o , n os s a c om p os iç ão c om a Em braf i lm e é n orm al . Nessa entrevista, percebe-se a dimensão do debate existente no meio cinematográfico a respeito de políticas estatais, via Embrafilme, que incentivasse m a realização de filmes de gênero histórico – o que se consolidou meses depois . Conforme visto, a s notícias sobre a 478 S ANT O S , T ér c i o . Fi l m ando a H is t ór i a, O Mov i m en t o. 2 a go . 1 9 76 . R es s a l v a - s e qu e , m es m o no d eb a t e por i nc en t i v os es t at a is a pr o duç ã o f í lm ic a , o d ir et or r e it er a s ua p os iç ã o em m ini m i zar a p art ic i paç ã o da Em br af i lm e em X i c a da S i lv a, n ão obs t an te a em pr es a te r s id o es s e nc i a l par a a d is t ri b u iç ã o e c onc l us ão d a s f ilm ag e ns , g ar a nt i nd o r ec u r s os m ed ia n te r ef orm a c on tra t ua l d e c o pro d uç ão q u a nd o ho u v e o ac i de nt e c om o n a vi o c e n ogr áf ic o e o orç am ent o i n ic ia l es t a va es t our a d o. 29 1 direção de W alter Lima Júnior em um empreendimento inscrito nessa rubrica, assinalavam a relevância em se desenvolver projetos fílmicos sobre o passado brasileiro , ainda mais que a proposta incluía uma série televisiva e uma parceria com produtores estrangeiros 479. Assim, os jornais reiteravam a grandiosidade da produção e sua relevância para o conhecimento do passado nacional . O c in em a his t ór ic o , no Br as i l, t em os c i la d o e ntr e a gr a n d i lo q uê nc ia ac ad êm ic a, a s uj e iç ã o a tex t os of ic ia is e em pr e en d im ent os a l e gór ic os o u h erm ét ic o s – es t es ú lt im os nã o as s im il a dos p e lo p úb l ic o. [ C h ic o R e i] D is t anc i a - s e do ân g u lo po p u lar es c o - b i za rr o d e X ic a d a S i lv a e da ex u b er ânc i a a le g ór ic a e das pr o e za s f orm a is d e Q u i lo mb o . [. .. ] O o l h ar des t e c i ne as ta s em pre n os tr ans m it e em oç ão e p oes i a, m as , 480 par a is s o , n ão a dm it e s ac r if íc i o d o re a l is m o . Ely Azeredo exalta Chico Rei como filme histórico de qualidade , algo incomum em sua avaliação . O crítico tem como referência a comparação a outros dois títulos: Xica da Silva e Quilombo (lançado em 1984) – coincidentemente, ambos dirigidos por Cacá Diegues. A comparação entre os títulos se estenderá devido à temática comum da história da escravidão. A qualificação do jornalista coloca os diretores em lados opostos: W alter Lima Júnior, por sua abordagem serena e realista, seria mais apropriado para realizar filme s sobre a história, enquanto Cacá Diegues não se preocupa em deturpar os acontecimentos em prol do gosto popularesco. Por trás da crítica de aspecto estético e de direção, há uma nuance também política. O próprio Ely Azeredo destacar á, em outro artigo, que o diretor de Chico Rei tem como qualidade a recusa ao “vício do discurso político ” 481. W alter Lima Junior, no entanto, sempre apresentou seu filme numa perspectiva contrária à feita p elo crítico. O diretor assinalou, reiteradamente, q ue procurou demonstrar por meio do protagonista outra maneira de se fazer política: a ação dentro das práticas e regras do sistema político, que favorecesse a conciliação ao invés da ruptura. 479 480 481 X IC O Re i . Úl t i ma H or a, o p .c i t. A Z ER E DO , El y. C hic o ... o p.c i t. , p. 5. A Z ER E DO , El y. C hic o R e i, o m ito ne gr o . .. o p .c i t. 29 2 Ressalta -se que o lançamento d e Chico Rei dista quase uma década do intenso debate referente à relação entre produção artística e o engajamento político do final da década de 1970 . Portanto, aquelas críticas encontravam-se redimensionadas e incorporadas por amb os os grupos. Ainda assim, percebe -se a manutenção de um conjunto de ressalvas ao trabalho de Cacá Diegues que teria pervertido o sentido da história brasileira e dos negros ao priorizar o gosto popularesco como eixo condutor do s seus filmes. À parte as críticas aos filmes, predominaram avaliações positivas quanto ao potencial uso do filme de gênero histórico como divulgador e promotor do conhecimento sobre o passado. O que não os isentaram de questionamentos conhecimento sobre histórico . os riscos d esse Depreende-se, gênero pelo fílmico para acompanhamento o da cobertura da imprensa aos filmes de Diegues e Lima Júnior, que Xica da Silva foi alvo preferencial para essa cobrança. Além das críticas mais comuns, que desembocaram no debate sobre as patrulhas ideológicas, algumas matérias eram mais didáticas , preocupando-se em apontar equívocos históricos cometidos pelo diretor. Exemplo imbatível dessa perspectiva foi a publicação, no jornal O Estado de Minas, de um artigo que assinala pontualmente algumas inverdades apresentadas no filme 482. O autor esclarece que havia dois João Fernandes de Oliveira, pai e filho, ambos contratadores diamantinos; que Chica da Silva tinha filhos (fruto de um caso c om um elevado administrador das terras diamantinas ) antes de se tornar amásia do contratador (João Fernandes, o filho) e, a surpresa maior, o fato de o contratador não ter sido preso , com dizia representado no filme, mas convocado a retornar a Lisboa, como revela o documento reproduzido no artigo. Além de corrigir professoralmente elementos factuais do filme, o autor alerta va para a adaptação da literatura como fonte para o cinema e , principalmente, quando o cinema se propunha a reproduzir a história nas telonas. No caso de Xica da Silva esse risco se acentuava devido a principal fonte usada pelo diretor . 482 FO NS E C A, G er a l d o. X ic a d a S i l v a e a nos s a h is tór i a. Es t a d o d e Min a s , 2ª s eç ã o . 23 m ar . 1 97 7 , p. 4. 29 3 E nq u an t o a i n ve rd a de es t á c on t id a nos l i vr os , c om o ac on t ec e c om o vo lum os o “ M e m órias d o D is tr i to D i a m anti n o ” – 2 0% de h is t ór ia d oc um ent a da , 8 0% d e o it i v a, p or o u v ir di ze r – o err o at i ng e u ns p o uc os , n ão c he g an d o a pr o v o c ar m al m aior . P or ou tr o l ad o , q ua n do t a i s li vr os s ã o l e v a do s par a o c i nem a, o u par a a te l e v is ã o, te l a ou ví de o f u nc i o nam c om o gi g an tes c as au l as de c o nf irm aç ã o d e gros s e ir as d is t orç õ es h is t ór ic as , 483 da n do - l h es f a ls a c re d i b il i d ad e . Vislumbra-se nessas ponderações 484 aquele que, talvez, seja o maior argumento dos críti cos quanto ao uso do cinema para se trabalhar a história: a noção de (in)verdade histórica. O artigo recorre à publicação documental do século XVIII para se reafirmar como verdadeiro, revelando ampla pesquisa para embasar os argumentos, inclusive, em arquivos (figura 11). Fi gu r a 1 1 - O r d em de r et orn o à Cor t e d a da a J o ão Fer n an d es de O li v e ir a, em it id a p e lo r ei n o em 17 6 9 Fo nt e - Es t a do d e Mi n as , 2 ª s eç ã o . 23 m ar. 19 7 7, p . 4. 483 FO NS E C A, G er a l d o. X ic a d a S i l v a e a nos s a h is tór i a. Es t a d o d e Min as , 2ª s eç ã o . 23 m ar . 1 97 7 , p. 4. 484 O bs er v a- s e qu e a p ub l ic aç ã o i nt egr a o r ef er id o de b at e p rom o v i do no j or na l s obr e o f i lm e q ue l e v ou R ic ar d o L e i te , a u t or d o art i g o c om par a t i v o e ntr e X ic a d a S i lv a e C om p as s o de Es per a , a c o n de n ar f i l m es s em elha n tes ao d iri g i do po r Cac á Di e gu es . 29 4 A importante certidão setecentista, devidamente transcrita no jornal, deslegitima também a fonte memorialística de Jo aquim Felício dos Santos pelo seu baixo teor de comprovação (conjecturado pelo crítico em 20%). Por trás dessa valorização do documento, revela -se uma concepção de narrativa histórica pautada pela prova dos fatos; algo que perdura , em grande medida , no senso comum. Sustentando-se por essa visão de história, o artigo conclui pelo desserviço que o filme Xica da Silva, assim como outros que se arvoram a falar sobre história, presta a sociedade. Paradoxalmente, o artigo decorre das polêmicas despertadas pelo filme. Permite-se conjecturar se haveria espaço no jornal para publicar um texto com aquela estrutura e especificid ade, caso não fosse a direção de Cacá Diegues e seus apontados equívocos históricos suscitarem um debate ? O referido artigo exemplifica a postura mais ortodoxa para a escrita da história, que valoriza o uso documental como valor de verdade. Recorda -se que se valida nessa tese a perspectiva de Paul Ricouer para a construção da narrativa histórica, que a entende em equilíbrio entre o quase ficcional e o quase realidade 485. Ainda que de modo enviesado, o artigo de Geraldo Fonseca corrobora, também, o entendimen to de que o filme de gênero histórico apresenta elevado potencial para a educação escolar e não -escolar. A possibilidade que o autor teve, a partir da análise do filme Xica da Silva, de redigir um embasado texto sobre a história de Minas atesta a circularidade do conhecimento histórico e sua ampla divulgação . Exemplifica -se assim, mais uma vez, o papel desse gênero fílmico como construtor de uma história pública. Como se percebe, foi ampla a cobertura pela imprensa sobre Chico Rei e Xica da Silva. Naturalmente, a maior força de um filme se faz na sua exibição, no contato direto do p úblico e sua narrativa audiovisual. Nesse aspecto, os filmes também se destacaram. Xica da Silva é apontado como um dos maiores sucessos do cinema nacional e 485 RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it . 29 5 levou 3.183.582 espe ctadores às salas de cinema 486. Dados nesse sentido não foram localizados para Chico Rei, mas é certo que sua amplitude foi bem menor do que o filme de Cacá Diegues 487. Contribuiu para isso os problemas de distribuição e a própria conjuntura política e econômica instável durante o governo do presidente José Sarney, que selou a transição de um regime ditatorial para o sistema democrático . Exemplifica parte das dificuldades enfrentadas por Chico Rei a inusitada situação de Severo D’Acelino, que não conseguia as sistir sua atuação como protagonista no filme porque nenhuma sala de cinema em Aracajú o colocou em cartaz. O ator e militante no movimento negro só conseguiu ver o filme por iniciativa própria, alugando uma cópia e exibindo -a em um telão no Centro de Cult ura Afro-Sergipana, que dirigia e onde desenvolvia trabalhos para formação de atores com ênfase na cultura negra. Severo D’Acelino acredita va que a Embrafilme mais atrapalhava do que ajudava na exibição da película. Acusava, ainda, o deputado federal José Queiroz, proprietário de todos os quatro cinemas da capital sergipana, de boicotar o filme. O político, por sua vez, se defendia alegando que o filme apresentava baixa bilheteria e que seus estabelecimentos dependiam da programação da Embrafilme 488. Contudo, ressalta-se que, se os problemas externos prejudicaram o êxito de Chico Rei, há, também, questões internas ao filme que frearam seu sucesso junto ao público, como as assinaladas críticas quanto à questão rítmica – lento em vários momentos –, o elevado número de personagens e atuação d e parte do elenco . 486 Co nf or m e r e l at ór io p r od u zi d o p el a A nc i n e, X ic a d a S i lv a f o i a q u in ta pr od uç ão c om m ai or pú b l ic o em 1 97 6, d e um tot a l de 3 3 t ít u los l a nç a d os n aq u e le a no q u e u ltr ap as s ar am 500 . 00 0 es p ec t a dor es . D ad os p es qu is a dos n o s it e da A nc in e , d is p o ní v e l em : < h tt p :/ /oc a. a nc in e. g o v. br /f i l m es _b i lh et er i as . htm > Ac es s o em : 6 j an . 20 1 4. A o t o do , f or am l anç a dos 8 7 t ít u los em 197 6 ; c f .: Rev is t a F i lm e Cu l tur a , Em braf i lm e, Ri o de J an e ir o, n. 29 , m ai o 19 7 8, p. 5 4. R es s a lt a - s e q u e o f i lm e perm a nec e u em c ar t a z no a n o s e g ui n te , s e nd o l anç a do em ou tr a s pr aç as a lém d e S ão Pa u l o e R io d e J a ne ir o. 487 Ch ic o Re i n ã o c o n s ta do r el a tór i o e l ab ora d o p e la A nc i n e s obr e os f i lm e s l anç a dos e n tr e 19 7 0/ 20 1 2 q ue t i v er am ac i m a de 5 0 0. 0 00 es p ec ta d ores . O bs er v a s e, c o nt u d o, q u e dos l anç am en tos d e 1 9 87 ap e nas s et e tí tu l os u lt rap as s ar am es s a m arc a d e pú b l ic o . Da d os p es q uis a dos no s i t e d a A nc i ne , d is p o ní v e l em < ht tp :/ /o c a .a nc i ne .g o v .br /f i lm es _ b il h et er i as . htm > Ac es s o em : 0 6 j an . 2 01 4 . 488 AT O R al u g a te l ão p ar a m os tr ar C hic o R e i. F o lh a d e S ã o P a ul o, A- 2 6 , 1 7 ou t. 19 8 7. 29 6 Os festivais cinematográficos foram um dos espaços recorrentes para divulgação dos filmes . Ambos os títulos participaram amplamente do circuito nacional e internacional de festivais. Chico Rei, após a sessão privada para a imprensa, em 1985, passou cerca de dois anos participando de mostras até ocorrer sua estreia comercial ; sem que uma explicação fosse encontrada para isso . Nesse intervalo, arrebatou prêmios em festivais internacionais 489, ainda que de menor expressão. Desses, destacam -se os prêmios de melhor trilha sonora, cuja coautoria é reivindicada pelo grupo Vissungo, concedidos pelo Festival Internacional de Bogotá (Colômbia, 1986) e pelo Festival de Ghent (Bélgica, 1986). Xica da Silva também teve ampla circula ção no exterior – maior do que Chico Rei, haja vista a melhor estrutura da Embrafilme à época, especialmente quando comparada à crise que a abateu em meados d a década de 1980. Meses antes da estreia no circuito comercial, o filme já despertava interesse e arrebata va os prêmios, como no IX Festival de Cinema de Brasília (1976), onde ganhou nas categorias de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz 490. Frequentador assíduo de festivais, o filme se tornou bastante premiado , destacando-se nessas ocasiões o reconhecimento à atuação de Zezé Motta 491. A exibição internacional foi ampla, alcançando importantes praças do meio cinematográfico . Em 1978, a venda de cópias para distribuidores franceses foi acompanhada de uma ação pr omocional que ajudou a boa recepção do filme . O próprio diretor viajou a Paris para divulgá-lo. Cartazes eram veiculados nos jornais , indicando os nove cinemas da capital parisiense onde o filme poderia ser visto. Críticas na imprensa exaltavam a estética diretiva de Cacá Diegues e a interpretação de Zezé Motta que , “a exemplo de Pelé se tornava a nova 489 P ar a r e laç ã o de a l g um as pr em iaç õ es do f ilm e; c f . : M AT T O S, Car l os A l ber t o . W alt er L i ma J ú n i or . .. o p.c i t. , p. 4 05 . 490 D is po ní v e l em : < ht tp :/ / www. c i n em atec a .g o v. br > Ac es s o em : 2 2 m a r. 20 1 3. 491 P ar a r e l aç ã o d a p ar tic i p aç ã o d o f ilm e e prem i aç õ es em a l gu n s f es t i v a is , v er pá g i na of ic ia l d o d ir et or Cac á D i eg u es , D is p on í v el em : < ht tp :/ / www. c ar l os d ie gu es .c om .br /os f i lm es _ f es t i va is .as p ?i dF = 7 > Ac es s o em : 22 m ar. 2 0 13 . 29 7 pérola do Brasil” (Le Matin ) 492. Outras, como a publicada no Le Fígaro, reconheciam originalidade e resistência ao padrão hollywoodiano – contradizendo alguns críticos brasileiros que acusavam o diretor de ter se rendido ao cinema industrial . Um a l iç ã o s obr e a qu a l d e v er iam m ed it ar os c i n eas tas f r anc es es , i l ud i d os p e los p res tí g ios ho l l yw oo d i an os . X ic a da S i lv a é um a o bra ex e m plar , n a m edi d a em qu e m erg ul h a n a s 493 f ont es m ais p uras de s ua c u l t ura nac i on a l . O sucesso entre os franceses rendeu nova temporada de exibição para o filme, em 1984 494. Nos anos de 1980, o filme continuava a carimbar o passaporte. Cinco anos após ser convidado para integrar a Mostra Oficial do Festival de Nova Iorque ( 1977) 495, aportou novamente nas terras americanas, em 1982, para figurar nos cinemas comerciais de Nova Iorque (EUA), depois de passar pela cidade norte -americana de Chicago. Um jornal argentino cobriu essa passagem de Xica da Silva nos Estados Unidos e recu perou a boa avaliação da imprensa local, cuja cobertura apresentava a sinopse de modo a explica r o contexto da “idade dos diamantes no Brasil” 496. O reconhecimento internacional de Xica da Silva pode ser avaliado pela sua indicação a concorrer a vaga de can didato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1976/77). Em meio às polêmicas que surgiam à sua exibição no circuito nacional, Paulo Sérgio de Almeida ironizava os críticos de Cacá Diegues ao informar que , além de ter que conviver com o sucesso do filme, o pior era receber sua indicação ao Oscar 497. Um mês depois, o filme continuava no páreo, tendo sido selecionado para a penúltima etapa: 21 filmes concorriam às cinco vagas finalistas ao maior prêmio norte -americano de cinema. Apesar de não conseguir passar pela etapa de fevereiro , reconhecia-se o mérito já 492 X IC A d a S i l v a g an h a c r ít ic as e lo g ios as no s j orn a is d e P ar is . O Es t a do d e S ã o P au l o. 3 ag o . 19 7 8. 493 I dem . 494 P RO G R AM A Ç ÃO d e F i lm es em P ar is . P ar is c op e , Ma r. abr .m ai o 1 98 4. 495 X IC A da Si l v a es p er a v oc ês . Es ta d o d e Mi n a s ... o p.c i t. 496 X IC A em Nu e va Yo r k . H er a l d o d el c in e . 17 s et . 1 98 2. 497 A LM E ID A , P a u lo A u g us t o. X ic a d a S i l va r u m o a ou tr os re i n os . F o l ha d e S . Pa u l o. 13 no v . 1 97 6. 29 8 que, até aquele momento, conseguido a façanha nenhum outro título nacional havia 498 . A indicação levantava outra questão: o preço a ser pago pel a inserção do cinema nacional à indústria cinematográfica norte- americana. Para parte de um grupo ligado ao Cinema Novo, a gradar à estrutura hollywoodiana implicava romper princípios da proposta cinemanovista, que era produzir um cinema nacional, político, social e estético. Conforme visto, o teor dessa crítica aparecer ia com força no ano seguinte, no contexto dos debates das patrulhas ideológicas, quando Cacá Diegues foi acusado de trair o movimento do qual é um dos representantes . A televisão é outro importante fator para a ampliação da audiência. A presença do aparel ho nos lares e o aprimoramento do sistema de transmissão teve crescimento vertiginoso. A Embrafilme teve a percepção desse cenário, que alterava profundamente o cotidiano doméstico , ao ponto de considerar uma linha de incentivo para produções de séries tel evisivas que, aliás, contemplou o projeto de Chico Rei. No ano seguinte à estreia comercial, o filme de Walter Lima Júnior foi exibido em cadeia nacional pela Rede Globo, que havia adquirido os direitos sobre a fita e o lançou em VHS. A data de sua exibição era simbólica: 13 de maio 1988, celebrando o centenário da abolição da escravatura. Para que a efeméride não passasse despercebida, a emissora fez uma incomum alteração em sua grade de programação, substituindo o filme “Branca de Neve e os Três Patetas” da Sessão da Tarde (faixa das 14 horas e 30 minutos reservada para exibição de filmes) 499. Praxe nos periódicos, a programação televisiva é comentada diariamente. Portanto, a exibição do filme termina por apresentar, ao menos, uma sinopse. Nesse sentido, p ercebe-se a dupla difusão de um filme de gênero histórico: impressa e audiovisual. Considerando Chico Rei, acrescentava -se à sinopse a história de sua tumultuada produção. 498 499 N A R ET A d o O s c ar . J or n a l d o Br as i l. 1 7 d e z . 19 7 6. B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it . 29 9 Concorda -se com a ressalva fei ta pelo crítico Sérgio Bazi de que Chico Rei, o filme escolhido para homenagear a história da luta contra a escravidão, merecia “[...] maior destaque. O que não terá na Sessão da Tarde, que já acostumou o público com velharia e filmes digestivos” 500. Considera-se, porém, que sua exibição tem relevância. Entre alguns motivos, citam-se: a sobrevivência de um projeto que quase foi inviabilizado por problemas judiciais e econômicos ; o reconhecimento do filme para a história do negro no Brasil; o extenso alcance de espectadores proporcionado pela televisão. A partir dos anos 2000, ampliou-se no país a demanda por televisão por assinatura, aumentando as possibilidades de exibição de filmes nacionais. Tanto Xica da Silva quanto Chico Rei figuraram entre os títulos exib idos por alguns desses canais. Quando a tv aberta Band exibiu Xica da Silva, em primeiro de outubro de 2001, a sinopse destacava a recorrência dos temas da negritude e da música popular brasileira (em referência à música-tema de Jorge Ben) na obra de Diegues 501. Passadas décadas da polêmica das patrulhas ideológicas, as sinopses e comentários divulgando a exibição do filme indicavam que a subversão de costumes também era política 502 e que o filme era um manifesto da negritude 503, parecendo ter superado o teor das críticas mais contundentes ao diretor . Em 1997, uma ação promocional da Revista Isto É contribuiu para a memória do cinema nacional: títulos fílmicos em fitas em VHS acompanhavam os fascículos da revista. Xica da Silva integrou a coleção Isto É Cinema Brasileiro, sendo o 14º título a ser lançado. Na edição anterior, o editor anunciava sobre o vídeo do próximo fascículo [.. .] qu e n em tud o o qu e s e di z s obr e X ic a (s ic ) d a S i l va , n o en t an to , é ver d ad e . J á q u e a m ai ori a d os doc um en tos s o br e s ua v i d a f o i d es tru í da pe l os i nd i gn a dos h a b it a nt es do T ej uc o . B as e a do n a o br a de J o aq u im Fel íc io dos S an t os e 500 B A ZI , S er g i o. C h ic o R e i, o m ito .. . op .c it . X IC A d a S i l va : h is tór i a c om bom hum or. O Es t a do d e S ã o Pa u l o , C ad er no 2 , 1 ou t. 20 0 1, p . 4. 502 P or oc as iã o d a ex i bi ç ão em 1 de o ut u br o de 2 0 0 1; c f . : P RO G R A M AÇ ÃO . F o l ha de Sã o Pa u lo , I lus tr ad a, 1 ou t. 2 0 01 , p . 4. 503 P or oc as i ã o da ex i bi ç ão em 1 4 d e m arç o d e 2 0 03 , a 0: 1 5 m in ut os , n o Ca n a l Br as il ; c f .: M E RT EN , L uís C ar l os . Be l e za e t a le nt o d e Z e zé Mo tt a. O Es t a do d e Sã o P au l o, C a der n o 2, 13 m ar . 2 0 03 , p. 8. 501 30 0 pr inc i p alm en t e n as l en d as pr es e r va d as p e la her a nç a Cac á D i eg u es d e u as as à im ag in aç ão . [ .. .] Na b us c a d e dr am at ur g ia v er da d ei r am ent e br as i l eir a , o c i ne as t a a br i u de pr ec i os i s m os h is t ó ric os e s oc i o l ó g ic os em f av or de 504 v is ão f ic c i on a l c ar na v a les c a . ora l , um a m ão um a Ressalta-se que a ação da editora ajudou a preservar uma cópia do filme para circulação doméstica. Em 2011, a Cinemateca Brasileira, com apoio do Ministério da Cultura, lanç ou uma cópia restaurada de Xica da Silva. Segundo o projeto, também haverá lançamento do filme em DVD 505. Já a situação do filme Chico Rei é mais complicada. Depois de lançado em vídeo pela Globo Filmes (1987), não houve relançamentos. Como não integrou a coleção Isto É Cinema Brasile iro, ou outra semelhante, tornou-se difícil encontrar cópias em bom estado. Além disso, a substituição do suporte VHS por DVD, tornando dos aparelhos reprodutores do antigo formato peças para colecionadores ou especialistas, complicou ainda mais o acesso ao filme. Contudo, há esperança, pois o diretor revelou interesse em recuperar a cópia do filme e lançá-lo em DVD: “[...] porque eu acho uma loucura não existir. Um filme que tem uma importância de informação em nível educacional muito grande. Pelo menos qu e ele esteja à mão. Que exista um DVD para que as pessoas possam usar em sala de aula ” 506. Espera-se que ambas as iniciativas se concretizem em breve, pois são importantes para a preservação e difusão da cinematografia nacional e , também, para a divulgação d e aspectos da história do país. 504 V ENT R E l i vr e: X ic a da S i l v a r ep as s a a v i da d e es c ra v a m it o ló g ic a . Is to É . 17 s et . 1 99 7, p. 13 0 . 505 Dis p o ní v e l em : < h tt p: // ww w. br as i l . go v .br /c u l tur a/ 2 0 11 /0 5 /c u l tur a - la nc a- n es ta terc a- f i lm e- 2 0 1c x ic a - d a- s il v a 2 01 d - r es t a ura d o > Ac es s o em : 1 0 j u l. 20 1 3. 506 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor d a tes e , em 13 j u n. 20 1 3. 30 1 4.2. Apropriação f ilmográfica para fins educativos O cinema se notabilizou mundialmente pela relevância cultural decorrente de suas representações, entretenimento e modos de sociabilidades urbanas, tornando -se referência nos espaços citadinos, especialmente no século XX 507. Em meados da década de 1980, porém, o aparelho de videocassete se popularizou como eletrodoméstico, proporcionando impactos na relação cinema -sociedade 508. As locadoras de vídeo facilitaram o acesso e consumo de filmes, modificando o hábito de assistir a eles, deslocando o espectador do espaço do cinema para o local privado do lar. A comodidade em assistir ao filme segundo sua própria disponibilidade de horário, no conforto doméstico , e a economia com preço de ingressos foram sedutores naquele momento. A nova tecnologia se tornou presente nas escolas. Coube, então, ao universo escolar, se adequar e incorporar reflexões de como integrar, metodologicamente, aquela modernidade no cotidiano do ensino e de aprendizagem. Esse movimento revela -se ainda necessário, já que a incessante sofisticação dos recursos tecnológicos (no campo do audiovisual, por exemplo , o VHS foi substituído pelo DVD, que perde espaço para formatos digitais – mp3, mp4, avi, wmv etc. – veiculados em programas de computador, enquanto a internet favorece o compartilhamento de produções audiovisuais em escala sem precedentes – sítios como youtube, blogs, redes sociais , telefones celulares) transforma os modos de se produzir e consumir o audiovisual 507 Par a as s a las de c i ne m a c om o es paç os c u lt ura is e d e s oc i ab i l i da d e; c f .: BR A G A , At a íd es ; et .a l . O Fi m d as Co is as : S al as de C i nem a d e B e lo Hor i zo n te . B e lo Hor i zo n t e: C R AV / P BH , 19 9 6; BAT I ST A , Ros an e P ir es . C i n em a : a s oc ia b i li d a de n a me tr óp o l e . 2 00 3 . D is s er t aç ão ( m es tra d o em S o c io l o gi a) – Fac u l d ad e d e F i l os of ia , Le tr as e Ci ê nc ias H u m anas F FL CH /U S P , S ão Pa u lo ; S A NT O R O , P au l a Fr e ir e. A re laç ã o d a s al a de c i n em a c om o es p aç o ur ba n o e m S ão P au l o: d o pr o v i nc i a no a o c os m opo l i ta . 2 00 4 . Dis s er taç ã o (m es tr a d o em Ar qu i te t ura ) – F ac u ld a de de Ar qu i te t ur a e Ur b a n is m o FA U/ U SP , S ã o P a u lo . 508 P ar a es t u dos d as tr a ns f or m aç õ es no m od o d e as s is t ir f i lm es ; c f . : T A RS IT A NO , P au l o R og er io . I nt er f er ê nc i a d o v i de oc as s et e n a a us ê nc ia da te l ev is ã o . 19 9 2. Dis s er taç ã o ( m es tr a do em Com unic aç ã o e A rtes ) – Es c o la de Com un ic aç ão e Ar tes EC A /U S P , S ão P a u lo ; A L V E S F IL HO , A lu í zi o. Pr e l úd i o às m íd i as g l ob a is . R ev is t a A LC E U, v. 13 , n .2 6, R i o d e J an e ir o: PU C, j a n ./j un ., 2 0 13 , p .1 5 4 - 1 7 5. 30 2 e delineiam uma sociedade profundamente imagética 509. A busca por compreendê-la pressupõe a educação do olhar 510. P or E d uc aç ã o d o o l har po d em os en t en d er a e d uc aç ã o d o m ovim en t o i nt er no do s er. Nes te s e nt i do , a l it er at ura ed uc ac io n al , pr e oc u p ad a c om o ac es s o dos es t ud a nt es a d if er e n tes pr od u tos da i n dús tr ia d e im age ns e s o ns em m ovim en t o, t em ab ord ad o , c o ns ta n tem en te , a nec es s i da d e de c om pr e en d erm os es t es pr o du t os e de pe ns arm os um a m etod o l og i a p ar a tra b a lh ar c om ou a pa rt ir de l es . A ex pr es s ã o ed uc aç ã o d o ol h ar to rno u- s e, p or ta nt o , m oed a c orr en t e nos tex tos q ue pr et en d em ab or dar , em gera l , as re l aç ões en tr e es c o l a e c u lt ur a. S eu s au tor es j us t if ic am o us o da ex p res s ã o pe l a nec es s i da d e e f u nç ã o d a es c o l a em f orm ar es p ec t a dor es 511 c r ít ic os . Significar historicamente um filme é, portanto, um processo. A complexidade desse movimento considera, não apenas o conhecimento histórico circulante, mas , também, a operação do pensamento histórico estabelecido intelectualmente no cotidiano escolar e na produção de pesquisas acadêmicas. Por essa perspectiva, p ara perceber de que modo os filmes Xica da Silva e Chico Rei se estabelecem como exemplos de história pública , ao promoverem o entendimento da história pela articulação do saber histórico acadêmico e o conhecimento circulante , é pertinente avaliar a existência relacional entre os filmes, a escola e a academia. No campo escolar, tal avaliação se pauta no levantamento da inserção ou não das narrativas fílmicas nos livros didáticos , bem como se há uma ação de capacitação docente quanto ao uso do filme. A percepção dessa circularidade se realiza por meio do levantamento de pesquisas atuais que têm considerado os 509 A i nt ens a r e pr e s en t aç ã o au d i o vis u a l das s oc i ed a des at u ais , c uj as c ons e qu ê nc ias de l i n e iam r el aç ões c a l c ad as na v irt u al i d ad e , p od e s er c om pre en d id a c om o c ar ac t er ís t ic a d a p ós - m oder n id a de , n a qu a l a org a n i zaç ã o s oc ia l pr oc ur a s e e s ta b el ec er a p ar tir da i d ei a d a c o ns t ru ç ão d e r ed es e des c o nec t i v id a de – c on tr ap o nd o - s e à c o nc epç ã o d e v i da m od e r na as s en t ad a na perc e pç ão d e c om un i da d e e i nt e graç ã o; c f .: B A U MA N, Z ygm u nt . Mo der n i da d e lí q u id a. R i o de J a n eir o: J or g e Z ah ar , 2 0 0 1; B A UM A N, Z ygm u nt. Te mp os l íq u i dos . Ri o d e J a ne ir o: J or g e Z a har , 2 00 7 ; B AU M AN , Z ygm u n t. V i d a p ar a c ons u mo : a tra ns f orm aç ã o d a s p es s oas em m erc ador i a. Ri o d e J a ne ir o : J or ge Za har , 2 00 8 ;. 510 Pa ra um pan or am a s obr e a e duc aç ão do o lh ar ; c f .: AU MO NT , J ac q u es . A i ma g em . S ão P a u lo , P ap ir us , 1 9 93 ; B U O RO , A n am él i a Bu e no . O O l h ar em Co ns tr uç ã o: um a ex p er iê nc i a de e ns i no e apr e n di za g em d a a r te n a es c ol a . S ão P au l o, C or te z, 1 99 8 ; MI R AN D A, C ar l os E d uar d o A l b uq u erq u e; R IG O T T I, G abr i e l a Fi or in ; e t. a l. ( O r gs ) . E duc aç ão do O lh ar : l e it uras . S ã o P au l o : G l ob a l, 2 0 10 . 511 MI R AN D A, Car l os E d uar d o A lb u qu er qu e . U m a edu c aç ã o d o ol h o: as im age ns na s oc ie d ad e ur b an a, i nd us tr i a l e d e m erc ad o. Ca d ern os C ed es , an o X X I, n º 5 4, a g o. 20 0 1, p . 29 . 30 3 filmes – senão prioritariamente ; as temáticas a eles inerentes – como objeto de estudo, pois impactam as operações educat ivas formais. 4.2.1. Xica da Silva e Chico Rei na escola: livros didáticos e capacitação docente A formação de estudantes e espectadores críticos é uma das premissas da atual LDB EN (Lei n. 9.394/96), formulada em meio à revolução tecnológica em curso. O us o do filme na escola, prática cuja reflexão advinha desde a década anterior à nova legislação educacional, facilitou a incorporação da nova perspectiva de fontes para o ensino de História . As im ag ens , os tex t os , os o bj et os d e v er i am s er, t am bém , c om pr e en d id os c om o o bras im pre gn a das t an to n os s e us c on t eú d os , c om o n as s uas f orm as – de v a lor es , p a drõ es o u d i ver g ênc i as c u lt ur ais , es t i los ar tís t ic os , v is ões d e m un do pr o d u zi d as p or gr u po s s oc i a is de t erm in ad o s . E as pr o duç õ es hum an as de v er i am s er dim ens i o na d as n os c on t ex t os em qu e f or am el a bor a d as e n os c o n tex t os em q ue f oram rec r ia d as e 512 r eu t i li za d a s . A ampliação do leque de suportes para a história ensinada, recomendada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), se deve ao predomínio dos livros didáticos com o material de apoio no ensino aprendizagem. De fato, o livro como material de consulta pelo aluno ao conteúdo ministrado facilita a articulação da matéria e seus objetivos, contudo, não está a ele restrita. Não se pode, ainda, negligenciar as ilações polí ticas e econômicas em torno dos livros e os programas político s voltados à educação, como assinalou Christian Laville 513. No Brasil, por exemplo, a ditadura estadonovista implantou, em 1938, a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) para orientar a produ ção desse tipo de material. Desde então, os livros escolares tê m sido regulamentados por órgãos 512 B R A SI L. P ar â m etr os c ur r ic u l ar es n ac i o na is : H is t ór i a. Bras í l ia : M E C/ S EF , 19 9 8. Cf .: L A VI L L E, C hr is t i an . A gu err a d as n arr at i v as : de b at es e il us ões em torn o d o E ns i n o d e H is t ór i a. R ev is t a Br as i le ir a d e H i s tór i a, Sã o Pa u l o, v. 1 9, n º 3 8 , 1 99 9, p. 12 5- 1 38 . 513 30 4 estatais, cujo objetivo maior é fiscalizar a adequação da publicação ao sistema educacional 514. Ou seja, [.. .] a c om pree ns ã o d o l i vr o c om o um es pa ç o d e r el aç ões n ão per m i te q ue s e f a l e s ob re “ o tex t o ” e m abs tra t o, c om o ex is t en t e f ora d os o bj et os es c ri t os q ue p er m item um a le it ur a, m as de um obj et o q u e res u lt a de um c onj un t o d e e l em ent os m ater ia is q u e c om põ e m o li v ro [ .. .] a pr o duç ão tex tu a l t am bém s of r e a aç ão de u m pr oc es s o c om pl ex o d as re laç õ es de po d er da r e al i d ad e s óc i o - h is t ór ic a , q u e l im it a m , res tri n gem e 515 c on d ic io n am es t a pr o d uç ã o . A história entrelinhas ascendência a nos livro s didáticos, por narrativas 516, guerra de uma concepção portanto, pela revela qual hegemônica se sobre em suas disputa o a processo histórico. Dominar as práticas de ensino e seu registro nos materiais didáticos, contudo, não significa a apreensão pelos alunos de uma história homogênea. Ao contrário, a variável humana inerente ao processo educativo favorece o desenvolvimento de metodologias de ensino que pervertam o modelo atrelado a projetos político s dominantes. Parafraseando Marc Ferro e sua visão a respeito do filme, acredita-se que uma aula de história também pode se estabelecer como uma contra-análise da sociedade. Mesmo em governos autoritários, quando órgão s estatais tendem a controlar com maior pressão a produção dos livros didáticos, há espaço para a emersão de memórias subterrâneas 517, algo acentuado quando políticos sustentados à base da força repressora são substituídos por outros grupos políticos. Nesse sentido, d o mesmo modo que não se deve crer na neutralidade do livro didático, também não se pode desconsiderá -lo do processo educativo sob o pretexto acusatório de se tratar de u m instrumento de doutrinação. Por isso, a 514 A re l e vâ nc ia do c on t r o le s obr e a pr od uç ão e d is tr i bu iç ã o d o l i vr o d i dá t ic o c om po l ít ic a ed uc ac io n a l p úb l ic a s e r ef l e te n a f r eq u en t e r ees tr ut ur aç ã o pe l os g o ve rn os na ges tã o d es s e s e t or a dm in is tr a ti v o : Comissão de Livro Técnico e Didático (COLTED, 1966); Instituto Nacional do Livro (I NL, 1971); Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 1985); c f .: C UN HA , M ar i a d e Fá t im a da; X A VI ER , Eric a da S i l va . En tr e a in d ús tr i a e d it or i al , a ac a dem i a e o es t a d o: o l i vro d id á tic o de h is t ór ia em qu es t ã o. C ad er n os do C EO M , Ch ap ec ó, An o 2 5, nº 3 4 , 20 1 2. 515 G A S P A R EL LO , Ar le te M e de ir os . C ons tr u tor es d e id e nt i da d e: p ed a go g i a d a naç ã o n os l i vr os d i dá t ic os d a es c o l a s ec u nd ár ia br as il e ir a. S ão P au l o : Ig l u, 2 00 4 , p. 2 3. 516 L A V IL L E, C hr is t i a n. A g u er r a das n arr at i v as ... o p.c i t. 517 P O L L AC K , M ic he l . M em ór i a. .. o p .c i t. 30 5 pesquisa histórica e educacional , que tem o livro didático como objeto de estudo, se faz cada vez mais presente e relevante, pois, como salienta Thais Fonseca sobre esse tipo de pesquisa, [.. .] e n tr e m u it as p os s i b i l i da d es , d es t ac a - s e a das d im ens õ es po l ít ic as e c u l tu ra is d o l i vro d i dá t ic o d e Hi s tór i a, n ão p or ém c om o m ero ag e nt e d e i nc u lc aç ão i d e o ló g ic a , o u c om o f or m ador d e um pa dr ão el i t i za d o d e c u lt ur a. I nt err o ga d o n um es f or ç o de d es c ons tru ç ão d e d is c ur s os e d e im ag ens , o l i vro d id át ic o d e H is tó ri a e nc o n tra r ic as p os s ib i l i da d es d e a n á lis e na per s p ec t i v a d os i m agi nár i os s oc i a is e da c ons t it u iç ã o d e 518 um a m em ória e d e s u a s re pr es e n taç õ es . Ao eleger os livros didáticos como objeto para avaliar se houve diálogo escola-filme, fez-se pelo viés da percepção de imaginários sociais neles representados. Ou seja, a análise foi desenvolvida privilegiando a prática dialógica entre o livro e os filmes Xica da Silva e Chico Rei, por meio do reconhecimento de troca de saberes e, não, na chave das práticas pedagógicas estabelecidas a partir dos livros 519. O ambiente político à época de produção e lançamento dos filmes era de transformações política e social , agitação que se refletiu nas narrativas cinematográficas e, também, no campo educacional. Em meio ao retorno das liberdades políticas e de expressão, editoras nacionais investiram em publicações voltadas para o ensino que incorporavam renovações nas linhas da pesquisa histórica e projetos gráficos modernizados 520. Nesse cenário, tema s e abordagens marginalizadas no ensino de história se fizeram mais presentes . Dentre 518 FO N S E C A, T ha is N í vi a d e L im a e . Da in f âm i a. .. o p.c i t . , p. 2 4 0- 2 4 1. P ar a pes q u is as s o br e o l i vr o di d át ic o e a h is t ór i a; c f . : B IT T EN CO U RT , C i rc e Ma ri a F er n a nd es . L iv r o d i dá t ic o e c o nh ec i me n to his t ór ic o : um a h is t ór ia do s ab er es c o l ar. 19 9 3. T es e ( Do ut or a do em His tó ri a) – F ac u l d ad e d e F i l os of ia e C iê nc i as Hum an as FF LC H/ U S P , Un i v er s i da d e d e S ã o P a u lo , S ã o P a u lo ; G AT T I J ÚNIO R, Déc i o. A es c r i ta es c o l ar d a H is tór i a: l i vr o d i dá t ic o e e ns i no no Br as il ( 1 97 0 - 19 9 0). S ão P a u lo : E dus c , 2 00 4 ; M IR A ND A , S ôn i a R e g in a e LU C A, T ân i a Re g in a d e. O l i vro d id át ic o d e h is t ór i a hoj e: um pan oram a a p art ir d o P N LD . Rev i s ta Bras i l e ira de His t óri a . 2 0 04 , v. 2 4, n. 4 8, p. 12 3 - 1 44 ; FO NS E C A, S e l va G u im ar ães . C a m in h os d a h is t or ia ens i na d a. 10 . ed . C am pi nas : P a pi ru s , 20 0 8; BIT T EN CO U RT , Circ e M ar i a Fer na n des . E ns in o d e h is t ór i a : f un d am ent o s e m ét o dos . 3. e d. S ão Pa u lo : Co rt e z, 20 0 9. 520 P ara um pa n or am a d a r en o v aç ã o ed i tor i a l v o lt ad a p ara o ens i n o de h is tór i a no c on t ex t o d a r e d em oc r at i za ç ã o br as i l eir a ; c f .: FO NS E C A, T h ais Ní v i a d e L im a e. His t óri a & ens i n o d e h is t ór i a . 2 .e d . B e lo H or i zo n t e: A u tê nt ic a, 20 0 6 . 519 30 6 eles, destacam-se a mulher, o negro e a escravidão 521; indo ao encontro dos eixos das narrativas fílmicas em estudo. Para viabilizar a análise da relação entre os filmes de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior e a educação histórica, trabalhou-se com o acervo da Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação/USP, gênese do amplo projeto LIVRES, que busca identificar sistematicamente parte da história da literatura didática-escolar em âmbito nacional. A constituição desse acervo, portanto, procura integrar outras instituições para além das paulistas, sendo que a maior concentração de exemplares se encontra na unidade da Faculdade de Educação da USP, na cidade de São Paul o. A pesquisa se concentrou no material disponível na sede do LIVRES 522. Os títulos consultados foram previamente selecionados via consulta online, por meio do sistema criado especificamente para os dados desse acervo. No decorrer da pesquisa, contudo, a bi blioteca da Faculdade de Educação foi transferida para um novo prédio, ficando o acervo do LIVRES inacessível para consulta nesse período. Quando reaberto, houve também a troca da plataforma online de acesso 523. Considera -se a substituição prejudicial para o pesquisador, pois o novo sistema é limitado em filtros de consulta , sendo a lacuna mais grave a impossibilidade de estabelecer um recorte temporal . Sem esse recorte, o resultado fornecido pela plataforma é muito amplo, pois termina por filtrar o material por disciplina escolar e sem organização cronológica. Felizmente, foi possível obter os registros da base antiga que permitiram complementar a seleção conforme pa râmetros já estabelecidos 524 – porém, novas pesquisas não contam mais com essa 521 Cf .: BIT T EN CO U RT , C ir c e M ari a F ern a n des . L i vr os d id á tic os e ntr e t ex t os e im ag ens . In .: BIT T EN CO U RT , C irc e M ar ia Fer na n des . ( O rg) . O s ab er h is tór ic o n a s a la d e a u l a . 7 .e d . S ão P au l o: C o nt ex t o, 20 0 2; D A V I ES , N ic ho l as . As c am ad as po p u lar es n os li v r os d e H is tór i a d o Bras i l . I n: P IN S K Y, J a im e. ( O rg). O Ens i n o d e His t óri a e a c r i aç ã o d o f at o. Sã o Pa u lo : C on t ex t o, 20 0 9. 522 Um a dup l a r a zã o j us tif ic a a es c ol h a: 1 ª) p or p os s u ir o m aior ac er vo de n tre a s dem a is u n i da d es qu e i nt egr am o proj et o ; 2 ª ) p el a v i ab i l i da d e ge o gráf ic a d a po n te B el o Hor i zo n t e - S ão P au l o, j á qu e na c a p it a l pa u l is t a t am bém s e lo c a li za v a o ac er v o da C i n em atec a e o n de as a t i v id a des in er en t es à b o ls a- s a nd u íc h e f oram re a l i za d as . 523 Cf .: < ht tp :/ / www2 .f e. u s p. br : 8 08 0 / li vr es / > 524 Re it er o a gr a d ec i m entos à b i bl i ot ec ár ia Ma ri a J os é Fa gu n des pe l a d is p o ni b i l id a de n o a te nd im en t o a o ac er v o, e s pec i a lm ent e s eu em pen h o em res g a tar da d os d a an t ig a b as e, es s e nc i a is p ar a c onc l us ã o d a s e l eç ã o e p es qu is a. 30 7 possibilidade. Por isso, espera-se que a falha seja corrigida, do contrário, termina rá por anular o objetivo do projeto que é organizar e tornar acessível o acervo com praticidade. Os parâmetros de seleção foram estabelecidos considerando três recortes temporais: 1º) 1978 -1985; 2º) 1986-1996; 3º) 1997-2006. O primeiro recorte parte de 1978 por entender que somente as edições a partir desse ano estariam aptas a dialogar com o filme Xica da Silva lançado em finais de 1976. Na outra ponta, a data final se justifica por ser o ano de lançamento de Chico Rei. O segundo período se inicia, então, com a chegada do filme de Walter Lima Júnior ao público e se encerra com a promulgação da nova LDB EN. Por fim, o terceiro período visa reconhecer, a partir das diretrizes da nova legislaçã o educacional, mudanças e permanências quanto à relação filme/livro didático . O ano de 2006 encerra o recorte por ser a data limite do acervo no momento do consulta. No primeiro levantamento ao sistema Livres foi identificado um total de 1.248 títulos, assim distribuídos segundo os período s recortados: 1º) 212; 2º) 687 e; 3º) 349. A partir desses dados, novos filtros foram estabelecidos: concentrou-se a análise sobre material destinado ao ensino básico e médio (1º e 2º graus conforme nomenclatura até 1996) 525; suprimiram-se da pesquisa títulos voltados para história geral; determinou -se uma edição para referências duplicadas 526. Considerando os novos filtros, o escopo a ser consultado é apresentado na tabela 1: 525 A p la n i lh a d os d a d o s r ec up er ad os d o s is tem a s e ref e ri a a o 3 º in t er va l o. E l a c on t in h a 3 6 r ef e r ênc i as ao ens i n o inf an t i l e du as à e d uc aç ã o d e j o ve ns e a d ul t os (EJ A) . A p es a r d e es s as m oda l i d ad es nã o ter em s id o in d ic ad a s nos i nt er v a los an t eri or es , pr oc e de u - s e s u a a ná l is e, m as s em c ons i d era r s eu res u lt a do , c irc uns c r i to a os ens i nos b ás ic o e m éd i o. Res s a lt a- s e qu e a c o leç ã o H is tór i as , Im a ge ns & Tex tos , or ga n i za d a p or C ar la M. J un h o A n as t as ia e E d uar d o Fra nç a P ai v a , i n dic a a os p r of es s or es f i lm es pa ra pr ep ar ar s u as a u l as , d e ntr e e l es : X ic a da S i lv a . 526 Na s eç ã o F o nt es – L iv r os di d át ic os f or am ref er enc i a do s s om en t e os t ít u l os qu e apr es e nt ar am a l g um ti po de oc orr ê nc i a s e g u nd o as c a t eg or i as def i n id as . 30 8 Tabela 1 - Referências a Chica da Silva e Chico Rei nos livros didáticos para o ensino básico e médio 1978 -2006 Período 1º ) 1º ) 1º) 2º) 2º) 2º) 3º) 3º) 3º) Subtotal Subtotal (B=Básico) 78/85 78/85 Total 86/96 86/96 Total 97/06 97/06 Total B M (M=Médio) B M B M B M Livros Total 61 21 82 83 30 113 100 18 118 244 69 313 Referência 3 6 9 11 10 21 20 4 24 34 20 54 Relação % 4.9 28.5 10.9 13.2 33.3 18.5 20 22 20.3 13.9 28.9 17.2 Ac er vo – LI V R ES - F E /U S P. A relação de ocorrências de referências relativas aos personagens Chica da Silva e ao Chico Rei nos livros didáticos apresenta progressivo aumento (10.9%, 18.2% e 20.3%, respectivamente), atingindo 17.2% para todo o recorte temporal. Uma observação quanto ao procedimento metodológico desfaz a interpretação que possa considerar baixo esse valor global. Ocorre que parte do material selecionável dentro dos recortes temporais compõe coleção didática voltada para o nível de ensino básico , sendo os conteúdos curriculares apresentados , geralmente, em apenas um dos anos de escolarização. Como o contexto histórico de Chica da Silva e Chico Rei diz respeito aos temas da colonização e escravidão , é muito provável que somente o livro da coleção que aborda aquele conteúdo faça referências aos personagens. Portanto, se fosse considerado apenas o livro por faixa etária/serial para os temas de colonização e escravidão, esse valor tenderia a se elevar. Outra observação de fundo metodológico pode ajudar a explicar a queda de livros a serem pesquisados no último recorte temporal. Temse como hipótese que a substituição da plataforma de consult a Livres implicou redução , pois o número de exemplares disponibilizado pela bibliotecária responsável pelo projeto – e que auxiliou no resgate de dados – é bem menor que o período anterior, contrariando a tendência 30 9 de aumento de volumes constituintes do acervo 527. Contudo, pelo instrumento de pesquisa atualmente disponível, não há como verificar se tal hipótese terminou ou não por ocultar livros do acervo. Percebe-se que, proporcionalmente, o material voltado para o ensino médio (2º grau) apresenta taxas de incidência maiores: praticamente o dobro em relação ao ensino fundamental. Dentre os períodos, o mais recente se distingue por revelar quase uma equiparação de ocorrências. Aliás, o 3º período também se diferencia por apresentar a maior taxa percentual de constatações para essa faixa de ensino. Atribui-se o maior diálogo entre os livros e o cinema como decorrência da valorização entre os professores do uso do audiovisual em suas aulas, referendada pela própria LDB EN de 1996. Por raciocínio inverso, esperava-se menor incidência para o 1º período, pois era incipiente a discussão do uso metodológico do filme para o aprendizado escolar durante a transição para a década de 1980. De fato, confirma-se a menor taxa de referências para o ensino básico nesse recorte. Não obstante, surpreende uma referência direta a Xica da Silva. O livro de Álvaro de Alencar, voltado para a 5ª série (atual 6º ano), traz uma gravura a partir de um frame do filme, assim legendada: “Lavagem de diamantes, cena de Xica da Silva , filme que narra a vida de uma escrava liberta e seu romance com um alto funcionário da Intendência dos Diamantes” 528 (figura 12). Percebe-se no texto a preocupação em explicar a singularidade da extração diamantífera, cuja lógica administrativa conferia exclusividade ao contratador, alijando a população local da riqueza. Pedagogicamente, a figura permite a visualização do modo de trabalho nas Minas setecentistas , estimulando o aspecto histórico para a discussão em que se destaca a exploração colonial e escrava . O 527 R ec or d a- s e qu e a pr i m eir a s e l eç ã o , or ie n ta da ap e nas p e l os r ec or tes t em por a is , te v e c om o in d ic at i v o p ar a os i nt er v al os : 1 º) 21 2 ; 2º ) 68 7 e 3 º) 3 4 9 ; t ít u l os . 528 A L EN C AR , Á l v ar o D uar t e. H is t ór i a d o Br as il : e v o luç ã o ec o n ô m ic a, p ol ít ic a e s oc ia l ( 5ª s ér ie) . 5 . e d. S ão P a u lo : Sar a i v a, 19 8 3, p. 7 3. A e di ç ão d e 1 9 83 é pu b l ic aç ã o m a is an t ig a d es t e tí tu l o d is po ní v e l no ac er v o L I VR E S. 31 0 romance do contratador com Chica da Silva também é abordado, ainda que, na legenda explicativa sobre a trama do filme, realça -se a conquista da liberdade da ex-escrava. Percebe-se, também, a equivocada identificação da função do contratador nessa legenda. Fi gu ra 1 2 – C a pa e i nt er ior de li v ro q u e r e pr od u z f r am e d o f i lm e Xi c a d a S i lv a Fo nt e – A L EN C AR , Á l va r o Du ar te . H is t ór i a d o Bras i l : e v o luç ã o ec o n ôm ic a, po l ít ic a e s oc i al ( 5ª s é r i e) . 5 . ed . S ão P au l o: S ara i v a, 19 8 3, p .7 3 . Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P De modo geral, esse tipo de abordagem foi frequentemente identificado nas publicações. A contestação à condição de colônia encontra na Demarcação Diamantina o exemplo maior dos abusos do Estado e de seus interesses fiscais. O outro lado da me sma moeda procura denunciar o sistema escravista, geralmente com imagens de Carlos Julião (século XVIII), Rugendas e Debret (século XIX) representando castigos , a violência senhorial e as más condições de trabalho. Ocorre que , ao abordar a região diamantin a, quase sempre o texto chama a atenção para o contratador dos diamantes e logo destaca seu romance com Chica da Silva, a ex -escrava que obteve prestígio e poder no arraial do Tejuco. A partir das recorrências de abordagens nos livros, foi possíve l criar algumas categorias. Deve -se considerar que o mapa formulado considera mais de uma abordagem temática por livro, o que é comum por se tratar de subtemas . 31 1 Para Chica da Silva foram estabelecidos seis critérios: 1º) Filme, diz respeito às referências diretas ao filme de Cacá Diegues; 2º) Fonte, quando há menção às obras sobre Chica da Silva como os livros de Joaquim Felício dos Santos, Cecília Meireles e Agripa Vasconcellos ou ao desfile carnavalesco do Salgueiro ; 3º) Diálogo com historiografia , são referências à produção historiográfica sobre a temática da personagem negra do Tejuco e seu contexto histórico; 4º) Iconografia, remete a reprodução iconográfica sobre Chica da Silva e seu período; 5º) Extração de Diamantes, o contratador e o romance , são destaques dados tanto à economia diamantífera , quanto ao romance entre João Fernandes e a ex-escrava; 6º) Elementos de ostentação, já que o lado exótico da sua história , como joias, mucamas, navio, é recorrente nos livros didáticos. Observa -se que as mesmas categor ias foram utilizadas para as análises referentes a o Chico Rei, com exceção do critério Iconografia por não ter sido constatado nenhum cruzamento nesse sentido. E dos critérios 5º e 6º por serem específicos d a história de Chica da Silva. Assim, a tabela 2 t raz a percepção de referências ao tema Chica da Silva nos livros didáticos. Tabela 2 - Categorias temáticas referentes a Chica da Silva nos livros didáticos Período/tema 1º ) 78/85 Básico 1º ) 78/85 Médio 2º ) 86/96 Básico 2º) 86-96 Médio 3º) 97-06 Básico 3º) 97-06 Médio Total Filme Xica da Silva Fonte sobre Chica da Silva Diálogo com a historiografia Iconografia 1 - - 2 2 Elementos de ostentação de Chica (navio, mucamas...) - 1 2 1 3 4 - - 1 1 3 8 1 1 1 5 2 5 - 12 5 3 - 13 3 2 1 1 1 1 1 17 10 11 11 33 5 Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P. Extração de diamantes contratador e o romance 31 2 A inusitada relação entre uma escrava e o homem mais poderoso da região também instigava pesquisas. Sobretudo a partir de 1996, os livros passaram a estimular nos alunos o conhecimento a respeit o da ex-escrava mais poderosa das Minas Gerais . Para isso, indicavam fontes que narraram sua história, como Agripa Vasconcelos, Cecília Meireles ou o memorialista Jo aquim Felício dos Santos, bastante requisitado para reforçar os aspectos extraordinários do romance, no qual o contratador fazia os desejos mais extravagantes de Chica 529. Dentre os livros consultados, alguns exemplares apresentam argumentos frágeis ao abordar o contexto sócio -histórico no qual se inseria Chica da Silva. Destaca-se, nesse sentido, a abordagem de Rubim Aquino ao informar sobre o cotidiano da ex -escrava. Ch ic a, q ua n do i a à i grej a c ob er ta d e tec i dos d e s ed a im por ta d a e d e j o ia s de o ur o e d e d i am ant es , f a zi a - s e ac om pa n h ar d e um a c om it i va d e 12 m ul at as s un tu os am ent e v es t i das . T an to lu x o e os te n taç ã o d e v iam pro voc ar o ód i o d a s f am íli as br anc as , prof u n dam en t e rac is tas , c uj o des c o nt e nt am ent o s e tor n a va m ai or por q ue à Ch ic a d a S il v a 530 es t a v a r es e r va d o o l u gar m ais im port a nt e d a i grej a . Ao narrar a ida da ex-escrava à Igreja, Aquino parece se basear na canônica sequência fílmica em que a atriz Zezé Motta interpreta Xica em seu passeio pelas ruas do arraial para ostentar a carta de alforria. Todavia, logo em seguida, o autor afirma justamente o contrário da continuidade da cena dirigida por Cacá Diegues, que é o veto à entrada de Xica à igreja, permitida não s omente aos livres, mas livres brancos. Em todo o caso, ao especular a presença da negra na igreja, o autor reitera a ideia de conflitos entre Chica e a elite branca tejucana, desenvolvida no filme. Como se percebe, a acusação de que o filme de gênero histórico – e mesmo a televisão, como o fez Mário Schmidt 531 – promove equívocos históricos, é também extensiva a professores redatores de materiais didáticos para o ensino escolar . 529 MO T A, C ar l os G u i l her m e; LO P EZ , A dr i an a . H is t ór i a e c iv i li za ç ã o : o Br as il Co l on i a l. Sã o P a u lo : Á tic a , 19 9 5, p . 10 8. 530 AQ U INO , R ub im ; et .a l . Fa ze n d o a h is t ór i a : a s s oc i ed a d es am eric a nas e a E ur op a na ép oc a m od er na . 3. ed . S ã o P au l o: E di t ora d o L i vr o T éc n ic o , 1 99 1, p . 10 2. 531 S CH M IDT , M ár io F . N ov a his t ór ia c rí t ic a d o Br as il . S P : No v a G er a ç ão , 1 99 4 . 31 3 Neste cená rio, marcado por esse tipo de abordagem, destaca -se o livro Viver a História , de Cláudio Vicentino 532. O autor aproveitou o sucesso da adaptação da história para o formato de telenovela, exibida pela Rede Manchete entre 1996/97, para iniciar o tema da colonização em Minas e da exploração do ouro. O capítulo é aberto com a reprodução de uma reportagem 533, na qual a historiadora Júnia Furtado crítica a sexualização da protagonista e a narrativa sem cuidados cenográficos. Por meio da matéria jornalística, o autor traz informações relevantes para o estudo de gênero na colônia, onde a desproporção homem-mulher configurava ampla prevalência masculina (74%), o que favorecia relações inter-raciais. Como contraponto às críticas da historiadora, o repórter também ouviu o diretor da novela que, para se justificar, recorria à liberdade ficcional e a não intencionalidade em fazer história (figura 13 a e 13 b). A reportagem-lição é ilustrada com imagens da novela, de Diamantina e do filme de Cacá Diegues – indicado no final do capítulo. O questionário que segue o texto propõe reflexões a respeito da ideia de história e sua dimensão de verdade . Entendendo que a escrita históri ca transita na fronteira do quase ficcional/quase realidade, conforme a discussão de Paul Ricouer 534, ressalta-se que não se deve esperar do livro didático d essa disciplina a verdade histórica , como se costuma , às vezes, exigir do filme de gênero histórico. Todavia, é certo que, pelo objetivo de um livro escolar, o historiador não usufrui da licença poética na mesma intensidade que um cineasta. Nesse sentido, o desejável é que o livro estimule a reflexão sobre o tema, por meio da problematização das fontes. 532 533 534 V IC E NT INO , C lá u d io . V iv er a H is tór i a ( 6ª s ér ie) . S ã o P au l o: Sc ip i on e , 20 0 2. C A ST RO , C e ls o . Fo l h a d e S ão Pa u l o, 1 d e z . 19 9 6, p . 7. RI CO U ER , P au l . T e m po .. . op .c it . 31 4 Fi gu r as 1 3 a e 13 b – Ch ic a d a S i l va : e ntr e a f ic ç ã o à h is tór i a Fo nt e – VI C ENT INO , Cl áu d i o. Viv er a H is tór i a ( 6ªs ér i e ) . Sã o P au l o: Sc ip i o ne , 20 0 2, p . 28 4 - 5. Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P 31 5 A discussão referente à objetividade histórica continua presente nos materia is didáticos. O diálogo estabelecido entre alguns autores e as fontes que ajudaram a construir as representações de Chica da Silva sinaliza para a problematização das interpretações históricas. Recorrer à historiografia para esclarecer temas históricos – como a estrutura administrativa colonial, o papel da mulher na sociedade setecentista e questões ligadas à escravidão e à liberdade – também foi um a ocorrência constatada no material pesquisado e que reforça a tendência para o ensino de uma história problem atizadora. Diferentemente da inserção das fontes nos livros didáticos , difundida após a LDBEN de 1996, as menções à historiografia são constatadas desde 1985. Observa -se, ainda, que essa incidência se faz maior nos livros de ensino médio, para o 2º período de análise. Situação que se inverte no 3º período analisado, quando predominam as publicações para o ensino básico. Conjecturam-se duas explicações para esse cenário. A primeira é uma possível concepção de que leituras de maior complexidade , comumente atribuída aos trabalhos acadêmicos, eram mais adequadas aos alunos do ensino de 2º grau. A segunda hipótese indica a possível aproximação entre a produção historiográfica e a educação histórica , estabelecendo um ensino que problematize conceitos e o processo histórico também nas faixas etárias mais novas. Observa -se que a segunda hipótese não invalida a primeira, mas assinala um movimento de renovações no campo da metodologia do ensino , expressos na documentação reguladora para a educação após 1996. Em ambos os períodos, tanto Chica da Silva , quanto Chico Rei funcionam como elementos estimuladores para a reflexão estabelecida com a historiografia, destacando -se alguns temas recorrentes. Por exemplo, a problematização das fontes literárias e cinematográficas para a representação de Chica da Silva cujo comportamento sexual seria anacrônico à sociedade setecentista 535. Ou o questionamento da 535 Des t ac a - s e a c o ntr ap os iç ão e ntr e as M em ór i as do D is tr i t o Di a ma n t in o e a pos iç ã o de J ún i a Fur ta d o; c f .: MO C E LL IN , R en at o ; C AM AR G O , R os ia n e. P as s a p or t e par a a H i s tór i a ( v ol um e 3) . R i o d e J an e ir o: E d it ora do Br as i l, 20 0 4, p. 1 59 . A l ém do c as o a na l is ad o em A Q U INO , et .a l . V iv er a H is t ór i a . .. o p.c i t. 31 6 alforria como tática considerando o luta pela aquilombamento livre 536. realmente de As relações a liberdade, única com maneira administrativas alguns autores de se coloniais tornar também favorecem que se recorra a linhas interpretativas historiográficas, como as leituras de Caio Prado Júnior ou Laura de Mello e Souza 537. Um exemplo emblemático da preocupação com a pesquisa historiográfica para orientar o ofício docente foi encontrado no livro História da sociedade brasileira (2º grau) 538, enquadrado no 1º período de análise. Na seção guia do professor leem-se as diretrizes da obra (figura 14). Fi gu ra 1 4 – M a nu a l d o pr of es s o r: C hic o Re i c om o tem a p ara r e f lex ão Fo nt e – AL E NC A R, Franc is c o; et .a l . His t óri a d a s oc i ed a de b ras i l ei ra (2 º gra u) . 3. e d. 1 9 85 , p .2 0. Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P 536 S ob res s a i a le i tur a d o qu i l om bo, g era lm en t e r ec orr e n do a o ex em p lo d e Z um bi , c om o m ane ir a p ar a s e c o nq u is t ar a l i b erd a d e; P I L ET T I, N els o n. H is t ór i a do Bras i l : da P ré- h is t ór i a do Br as il a os d ias a tu a is . 1 7. ed . S ão P a u lo : Á tic a , 1 9 94 , p. 6 6; FA RI A , R ic ar d o de M our a ; e t. a l. H is t ór ia : 2 º gr a u. 2. e d. B e lo H or i zo n te : L ê , 1 9 95 , p. 1 11 ; p. 1 82 ; M A CE DO , J os é R i v air . Br a s i l: um a h is t ór i a em c o ns tr uç ão . S ã o P au l o: Ed i to r a d o B r as i l, 1 9 96 . 537 A i nt er pr e taç ã o de u m a r el aç ão c o lo n i a l s eg u nd o os m ol d es d o pac t o - c o l o ni a l é der i v a da d e c l ás s ic os c om o C a io P ra d o J un i or ou C e ls o F urt a do , qu e c h eg am a te r trec h os d e s e us l i vr os c it a d os em a lg u ns ex em pl ares ; P or ou tr o la do , a m ed id a em qu e r en o v aç õ es h is t o r i ogr áf ic as eram pu b l ic ad as , p erc e b e - s e s ua i nc o rp or aç ã o , c om o r ef er ê nc i as à L a ur a de Me l l o e So u za ( O p ul ê nc ia e m is éri a d as Mi nas G era is ) ou à K át i a Ma tt os o ( S er es c r av o n o Bras i l c o lo n ia l ) , m ais d ir ec io n ad a a o t em a d a es c ra v i d ão ; MO T A, Car los G u i lh erm e; L O PE Z, Ad ri a n a. H is tór i a e c iv i li za ç ão .. . op .c it . , p . 10 8 . 538 A pr im e ir a e diç ã o f o i pu b l ic a d a em 19 7 9; A L EN C AR , Fra nc is c o; e t. a l. H is tór i a da s oc ie d ad e br as i le ir a ( 2º gr a u) . 3. e d. 1 9 85 , p .2 0; 59 . 31 7 A crítica à condição de colônia e a permanência do racismo como herança do escravismo orientam o professor. Os argumentos são reforçados por indicações de leitura para aprofundamento do tema: Charles Boxer e a coleção História Geral da Civilização Brasileira, organizada por S érgio Buarque de Holanda 539. Na parte voltada ao aluno, destaca -se a opressão ao trabalho escravo e a resistência . A pr es e nç a n eg ra n a c i vi l i za ç ã o qu e n as c ia n as G e ra is ap ar ec e em tip os le n d ár ios c om o Ch ic a d a S i l va , a “ Ch ic a q u e Ma n da ” , e Ch ic o Re i , o ne gr o l ib er to q ue c om pra v a c a rt as de a lf or r ia p ar a s e us ir m ãos de c or . M as s e gre g aç ão c o nt i nu a: 540 s ur g em i gr ej as e irm and a des r e li g i os as s ó p ara pre t os . A referência a C hico Rei e Chica da Silva visava estimular a discussão sobre escravidão e liberdade, usando os exemplos de vida dos ex-escravos – alguns livros trabalham o rei negro de Minas sem destacar seu aspecto lendário 541 – como alternativa ao conflito da fuga . Assim como foi feito para Chica da Silva, uma categorização relativa às referências mais comuns a C hico Rei está sistematizad a na tabela 3 Tabela 3 - Categorias temáticas referentes a Chico Rei nos livros didáticos (1978 -2006) Período/tema Filme Chico Rei - Fontes sobre Chico Rei - Diálogo com a historiografia - 1º ) 78/85 Básico 1º ) 78/85 Médio 2º ) 86/96 Básico 2º) 86-96 Médio 3º) 97-06 Básico 3º) 97-06 Médio Total - 1 1 2 - 1 - - 4 4 - 4 1 - - 7 1 10 Ac er vo - L I VR E S – F E /U S P. 539 Cf .: HO L AN DA , S ér g i o Bu ar q ue d e. ( O rg .) His t óri a g era l d a c iv il i za ç ã o .. . o p .c i t. ; BO X ER , Ch ar l es R . A i da d e de o ur o do Br as i l. 3. e d. R i o d e J an e ir o: No v a Fro nt e ira , 2 0 00 . 540 A L E NC AR , Fr a nc is c o; e t. a l. H is tór i a d a s oc i ed a de .. . o p.c i t. , p. 5 9. 541 CO T RI M , G i lb er to . H is t ór ia e c ons c i ênc i a d o Br as i l : d a c on q u is t a à i nd e pe n dê nc i a. 1 3. e d. S ã o P a ul o : S ara i v a, 1 99 7 , p. 1 20 . 31 8 Comparada a Chica da Silva, a menor incidência de referências a Chico Rei nos livros didáticos não parece se r explicada pela década que separa o lançamento entre o s filmes de Cacá Diegues (1976) e de W alter Lima Junior (1985), pois as menções à ex-escrava no 1º período são mínimas, assim como sua relação com as fontes e a historiografia. O aspecto pitoresco que envolve o polêmico romance de Chica da Silva e o sucesso – não menos polêmico – do filme de Cacá Diegues, somado à peculiaridade da administração da região diamantina, é que parecem explicar a maior presença da ex -escrava do Tejuco no ensino escolar. O 2º período parece confirmar o exotismo e polêmica como fatores para a maior inserção de Chica da Silva nas aulas de história, conforme sugere o aumento de referências inscrit as no parâmetro analítico sobre sua vida e romance com o contratador. Ainda no 2º período, quando se analisa a categoria historiografia, chega-se a um índice percentual muito próximo: Chico Rei atinge 50% e Chica da Silva tem 54.5%. Ressalva -se que, nesse parâmetro, três livros abordam ambos os personagens. Ocorre que o líder negro só foi referenciado nas categoria s historiografia, filmes e fontes ( nesta categoria , uma única vez, no 1º período). Pode-se, assim, dizer que os autores recorrem ao exemplo discussão a respeito da suscetível a polêmicas, de Chico escravidão, como as Rei para quilombo decorrentes e dos fomentar alforria uma menos excessos das representações de Chica da Silva – identificáveis nas fontes literárias, mas potencializada s após a exibição do filme e da novela . Ambos os personagens negros continuam a ser abordados no conteúdo referente à colonização. A alforria negociada permanece sendo contestada por alguns autores, como no livro História: passado e presente 542. Na página em que as autoras trabalham a violência inerente à escravidão, utilizando documentação iconográfica (Debret) e um excerto de lei setecentista para reforçar seus argumentos, apresenta-se um box com a lenda de Chico Rei. Embora não citem o filme de W alter Lima Júnior, a narrativa textual é bastante imagética ao 542 C AR MO , So n ia Ir en e S il v a d o; CO UT O , E l ia n e Fr os s ard . Hi s tór i a pas s a d o pres e nt e: Br as il c ol ô n i a ( 1 º gr au) . 2 .e d. S ão P au l o: At u al , 1 99 7 . 31 9 recuperar os elementos que explicam o processo de liberdade obtida pelo líder negro e como ele procedeu para libertar os demais . Contudo, discordando da produção historiográfica que demonstrava novos dados e análises para estudos sobre o escravismo, as autoras negam a alforria na capitania de Minas, especialmente , entre os homens. A h is t ór i a de C h ic o R e i le v o u a lg u ns h is t or i ad or es a ac r ed i ta r qu e er a c om um a a lf orr ia ( is t o é, a l ib er t aç ã o) d e es c r a vos nas m in as . M as is s o , de f a to , n ã o ac on t e c eu . A a lf orr i a f o i m ais f r eq ue n te par a as m ulh er es e da v a - s e p or m ei o d as l ig aç ões c om h om ens l i vres e br anc os . Is s o ex p l ic a o c ons i d er á v e l n úm ero d e m ul at os n a r e gi ã o. J á a q ua n ti d ad e de ne gr os e par d os l i b e rtos s ó a um ent o u q u an d o a at i v id a de 543 m iner ad or a e ntr o u em dec a dê nc i a, n o f im do s éc u l o X V II I . A produção de materiais didátic os em fins da década de 1990 absorveu a discussão em torno de novos parâmetros organizacionais da política educacional , que culminou com a lei de diretrizes e bases . Os PCN’s para as disciplinas influenciaram a organização de conteúdos e permitiram reflexões por renovações metodológicas do ensino, incluindo a incorporação de recursos audiovisuais . Na área da história, soma-se à onda renovadora das pesquisas históricas a publicação de resultados de novos trabalhos com fontes e arquivos pouco estudados, realizados a partir de problematizações originais feitas pelas novas gerações de pesquisadores . Revelando esse impacto, constata -se expressivo aumento de referências aos filmes Xica da Silva e Chico Rei a partir de 1996 . Inclusive, as menções nos livros didáticos a ambos os filmes estão concentradas nesse recorte temporal : 83.2% e 71.4%, respectivamente. A estrutura de alguns livros passou a reservar uma atenção ao filme como sugestão e referência de discussão, sendo que algumas publicações desenvolve ram ícones apropriados como se demarcassem uma sessão de indicações. Comum também se tornou a sugestão de bibliografia complementar. Contudo, às vezes, sugeriam-se títulos historiográficos cujo teor é mais complexo, considerando-se a faixa etária para quem se destina o livro. 543 C AR MO , S o ni a Ir e ne S i l va d o ; CO UT O , El i a ne Fr os s ard . H is t ór ia .. . o p.c i t. , p. 1 74 . 32 0 Como exemplo da confusão decorrente da pressão por produzir um livro atualizado , que incorpore metodologicamente novas fontes e favoreça a construção do pensamento crítico , cita-se Brasil: uma história em construção 544, voltado para o ensino básico. Na t emática do escravismo, recomenda -se leitura de autores como Eugene Genovese 545; Clóvis Moura 546; Thomas Skidmore 547. Os filmes indicados na sessão parecem adequados: Chico Rei, Quilombo e Ganga Zumba (os dois últimos dirigidos por Cacá Diegues, em 1984 e 1964, respectivamente) , sendo essas referências fílmicas mais conhecidas para a temática. Contudo, quando se discute o papel da mulher na história, pairam dúvidas a respeito d a filmografia sugerida : Xica da Silva; Mulher Índia (dir. Eliane Bandeira, 1985); A cor púrpura (dir.Steven Spilberg, 1985) ; Inocência (dir.W alter Lima Jr., 1983) 548. Os autores citados são comuns como leitura formativa nas graduações em história, mas há de se questionar sua adequação para alunos do ensino básico. Quanto aos filmes , duas observações: os títulos ligados à temática da mulher são densos, indo do viés sensualizado e carnavalizado de Xica da Silva ao extremo da violência e submissão feminina denunciadas em A cor púrpura. A segunda observação diz respeito a o problema de a indicação não ter uma sinopse esclarece dora. Recomendar um filme com objetivo educativo requer um plano de trabalho que oriente o aluno a atingir a finalidade daquela atividade 549. Acredita-se que o bom plano se inicia com informações claras do que será exibido, o que implica uma sinopse mais completa do que aquela comercial que acompanha as cópias dos filmes. Trata-se de um cuidado primário do autor e da editora . Contudo, 544 M A C EDO , J os é Ri v a ir . Br as il .. . op .c it . G ENO V E S E, E ug e ne D. D a r e be l i ão a r ev ol uç ã o . S ão Pa u l o: G lo b a l, 1 9 83 . 546 MO UR A , C ló v is . As i n jus t iç as d e C l io : o n egr o n a h is t or i og raf ia bras i l e ira . B e l o Hor i zo n t e: O f ic i na de L i vr os , 1 99 0 . 547 SK ID MO R E, T hom as E. Pr e to n o br a nc o : raç a e n ac i o na l i da d e no pe ns am ent o bras i l e ir o . R i o d e J a n e ir o : P a z e T erra , 1 97 6. 548 M AC E DO , J os é R i v a ir . B R A SI L: um a h is tór i a . .. o p.c i t. , p . 10 2 ; 1 27 . P ar a os f ilm es ; c f .: MU L H ER Í ND IA . B AN D EI RA E l i a ne . M o nt e ví d eo . 1 9 8 5, 35 m in .; A CO R PÚ R PU R A. S PI L B ER G St e v en . W arner Br os . 1 9 8 5, 1 5 4 m in. ; I NO C Ê NC I A. L I M A J ÚN IO R , W alter . Em br af i lm e. 1 98 3 , 11 8 m in. 549 P ar a r ef l ex ões r el a ti v as a o tr ab a lh o c o m o f i lm e em s a l a d e a ul a ; c f . : NA P O L IT AN O , M ar c os . C o m o us a r. .. o p.c i t. 545 32 1 apesar de ser facilmente evitada essa superficialidade , permanece recorrente esse deslize, como exemplifica o livro Navegando pela História 550. No final do capítulo, são sugeridos alguns livros sobre Minas colonial e indica ambos os filmes. Contudo, apesar do cuidado em reproduzir as respectivas capas das fitas de VHS dos filmes, sequer apresenta as sinopses, citando apenas seus títulos (figura 15). Fi gu ra 1 5 – Su g es t õ es d e f i lm es c om o s eç ã o d i dá t ic a Fo nt e – P AN A ZZO , S i l vi a ; V A Z, Mar i a L uís a. Nav e ga n do p el a h is t ór i a (7 ª s ér ie) . S ã o P au l o: Q u i nt et o E d it or i a l, 2 0 05 , p. 8 0. Ac er vo – LI V R ES – F E /U S P Por todo o exposto, Xica da Silva e Chico Rei, após décadas de seus lançamentos, se revelam presentes no universo escolar. É conhecida a crítica que os filmes de gênero históricos receb em pela liberdade poética e pelos possíveis equívocos históricos decorrentes de suas representações. O peso dessa crítica é assaz acentuado quando pensado seu uso na educação formal. Ainda assim, as resistências foram sendo superadas , e a produção editoria l e os professores de 550 P AN AZ ZO , S i l v ia ; V AZ , M ar i a L uís a. Nav eg a nd o pe l a h is tór i a (7ª s é ri e) . S ã o P au l o: Q ui n te t o E di t or i al , 2 00 5 , p. 8 0. 32 2 história, cada vez mais, consideram a pertinência do uso metodológico do filme na escola. Mais uma vez, destaca -se o papel articulador do filme para a circularidade do conhecimento histórico, já que retoma , em sua produção, narrativas e saberes sobre o tema e elabora uma nova narrativa que estimula o debate e o aprendizado, tanto n o âmbito escolar, quanto fora dele. Seguindo a indicação dos PCN’s para a disciplina, que procura vislumbrar possibilidades para se atingir as diretrizes da Lei n. 9.394/96, o filme adquiriu novo espaço na metodologia de ensino. Nesse contexto de novas normatizações para a educação e da presença cada vez maior das tecnologias nas salas de aula, uma série de publicações foram lançadas pelas editoras, já que o cinema [.. .] a pes ar d e s er u m a arte c e n te n ár ia e m uit as v e zes ao l on g o da h is t ór i a ter s i do p e ns a d o c om o l i n gu a gem e duc a ti v a , o c i n em a ai nd a t em al gu ns pr o b lem as p ara ent rar na es c o l a. Nã o a pe n as n a c h am ada “ es c o l a tr ad ic i on a l” (o qu e s er i a m ais c om pr e ens í ve l , d a da a ri g i de z m eto d o ló g ic a q ue d if ic ul t a o us o de f i lm es c om o part e d a d i dá t ic a d as a u las ) , m as tam bém de n tr o d a es c o l a r e n o va d a, g en er a l i za d a a par t ir dos a nos 19 7 0, o c i n em a n ão t em s id o ut i l i za d o c om a f re q uê nc i a e o enf oq u e d es ej á v e is . A m ai or i a d as ex p er i ênc i as r el a ta d as a in d a s e pr e nd e ao c o nt e úd o das h is t ór i as , às f a bu l as em s i, e nã o d is c ut e o u tros as pec t os q ue c om pree n dem a ex p er i ênc i a 551 do c in em a . A partir de uma observação mais à superfície, vislumbram -se entre os títulos publicados duas p reocupações predominantes. A primeira se volta à análise de filmes que possam auxiliar o professor . Nesse caso, sobressaem compilações de artigos organizados , frequentemente, em torno de uma temática 552. Apesar de alguns desses títulos realizarem análises ma is verticalizadas, predomina m nesse tipo de trabalho abordagens mais curtas, de apresentação do filme, devido à própria característica da publicação e o espaço disponível para redação. 551 N A PO LIT A NO , Ma r c o s . Co m o us a r. .. o p.c i t. p .7 . De ntr e o ut r os ; c f .: B ER N AR D ET , J e an - C l au d e; R A MO S , A lc i de s F. C in em a e His t óri a d o B r as i l. S ã o Pa u lo : C o nt ex to , 1 9 94 ; F E RR EI R A, J or g e; SO A RE S , Mar i za de C. ( or gs .) A his t ó r i a v a i a o c i n em a : v i nt e f i lm es bras i l ei ro c om ent a dos por h is t or ia d or es . R io d e J an e ir o: R ec or d , 2 0 01 ; T EIX E IR A , I n ês As s unç ã o de C as tr o; LO P E S, J os é de S o u s a Mi g u el . (O r gs ) . A es c o l a v a i ao c i n em a . Be l o Hor i zo n t e: A ut ên t ic a , 2 0 03 . 552 32 3 A outra linha editorial procura analisar o uso educativo do cinema. Ou seja, está mais voltada para a prática da ação docente. Ainda que sugestões de procedimentos metodológicos predominem, os autores costumam encontrar espaço para desenvolver reflexivamente a relação entre cinema, história e educação 553. Contudo, tal reflex ão não se iniciou somente a partir dos PCN’s, pois os profissionais da educação já estavam atentos ao processo de inserção do audiovisual, sobremaneira do filme, na educação escolar. Pode-se, inclusive, considerar a redação dos Parâmetros Curriculares um reflexo desse posicionamento reflexivo e empírico. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio da Fundação de Desenvolvimento Escolar (FDE), por exemplo, implantou um projeto para estimular e capacitar os docentes a usar o filme em suas atividades profissionais. Além da videoteca, que disponibilizava títulos fílmicos ao docente, havia a publicação de uma série denominada Apontamentos [.. .] q u e, em l in h as g era is , p o d e s er def in i d a c om o um c onj u nt o d e l i vre tos f eit os c om o obj e ti v o de s ubs i d i ar pr of es s or es d e e ns i n o f u nd am en ta l e m éd io a us a r o br as au d i o vis u a is n ão - d i dá t ic as na es c o l a, em dif ere n tes c on tex t os , e t am bém a c om pre en d er m el h or a art e e a l i ng u ag em 554 c i nem at o gráf ic a . A proposta incluía elaborar um texto analítico sobre um determinado filme para orientar sua exibição. O material era dividido em duas partes precedidas da ficha técnica: a primeira voltada para questões formais relacionadas à produção, estética e contextualização da obra e do diretor na cinematografia. A segunda se a pegava às análises relativas do conteúdo fílmico e suas possibilidades interpretativas para o objeto curricular. A redação ficava a cargo de 553 De ntr e ou tr os ; Cf . : T E IX E IR A , Fr anc is c o El i na l do . (O r g). Doc um e nt ár io n o Bras i l: tra d iç ã o e tr ans f or m aç ão . Sã o Pa u l o: S um m us , 20 0 4; MO RET T IN, E du ar do V ic tór i o. S A LI B A, E l i as T hom é. ( et .a l) . ( O r gs ). H is t ór i a e C in e ma .. . op .c it ; D UA RT E , R os á l i a. Ci n em a e E d uc aç ã o . 3 .e d. Be l o Hor i z o n t e: A ut ê nt ic a, 2 00 9 ; N A PO LIT A NO , Marc os . Co m o us ar . .. op .c it . 554 SI L V A, A n a Cr is ti n a V en â nc i o da . U m a v i de ot ec a p ar a a e d uc aç ã o : o pr oj e to Ce d uc - ví d eo , a vi d eo t ec a p ed a g óg ic a e as pu b l ic aç õ es s obr e c i n em a e ed uc aç ã o pro d u zi d as na Fu n daç ão p ar a o Des e n vo l v i m ento d a Ed uc aç ã o - FD E e nt re 1 98 8 e 19 9 7. 2 0 0 9. D is s er t a ç ão ( Mes tr ad o em E duc aç ão ) – Fac u ld a d e d e E duc aç ã o FE /U S P , Un i v er s id a de d e S ã o P au l o, p. 22 0 . 32 4 dois profissionais: um ligado à área do conteúdo disciplinar, outro mais afeito ao campo audiovisual. Ao todo, entre 19 90 e 1996, foram publicados 459 livretos 555. Por abordarem relevantes temas para a História do Brasil, destacando-se a escravidão e as relações coloniais inerentes à sociedade mineradora, era de se esperar que os filmes Xica da Silva e Chico Rei recebessem atenção nesse cenário, tendo sido objetos de análise nos fascículos 122 556 e 208 557, respectivamente. Em ambos, a responsabilidade pelo conteúdo e reflexões históricas ficou a cargo do historiador Antônio Penalves Rocha. A abordagem contextualizava historicamente a trama com informações para além da narrativa fílmica. Apesar de enfatizar o conteúdo histórico, percebe -se a permanência das polêmicas em torno de Xica da Silva, ao ponto de ser republicado no material um artigo crítico que havia saído no jornal o Movimento 558, em 1976. Chico Rei, por sua vez, tem no quilombo o mote reflexivo, inclusive, na seção Afinidades (que indica obras para dialogar com a temática), são sugeridos os filmes Ganga Zumba e Quilombo, ambos de Cacá Diegues, e o anexo publica um artigo sobre quilombos, de Clóvis Moura. No material destaca -se, ainda, o papel da Igreja nas relações escravocratas, abordado a partir da adesão de Chico Rei à irmandade e da ajuda do padre espanhol aos negros. A FDE/SP desenvolveu, também, uma revista voltada para o cinema, intitulada Quadro a Quadro. Contudo, apenas uma edição foi publicada, Júnior contando com uma entrevista do diretor W alter Lima 559 . No mesmo período (1990 -1996), foi lançada a revista Lições com Cinema, que enfatizava a prática docente interm ediada pelo filme. 555 P ara o m ap a d os p r of is s i on a is q u e a tu ar am na e l a bor aç ão d o m ateri a l e os tít u l os f ílm ic os p el os qu a is s e r es p o ns ab i l i z aram ; S I LV A , A n a Cr is ti n a V e nâ nc i o d a. Um a v i d eo t ec a .. . o p .c i t ., p .3 1 4- 3 2 1. 556 RO C H A, A nt ôn i o P en a l ves ; PI CC HI A RI NI , Ric ar d o. A po nt a m en to s : X ic a da S i lv a (v .1 2 2). Sã o P a u lo : F DE , 1 99 2 . 557 RO C H A, A n tô n io P e n a l ves ; G O NÇ A L V E S, A nt ôn i o Car l os . Ap o nt am e nt os : C h ic o Re i ( v. 20 8) . S ã o P au l o : F D E, 1 9 92 . 558 RO NC A RI , Lu is ; M A AR , W . Leo. O no v o s am ba de X ic a d a S i l va . O Mo v i m e nt o, 27 s et . 19 7 6, p . 17 . 559 L IM A J Ú NI O R , W alter . C o n v ers a n do s obr e c i nem a. .. o p.c i t. 32 5 Novamente, o diretor de Chico Rei colaborou com um depoimento para o projeto 560. Destaca-se que a ação da FDE/SP em proporcionar subsídios aos professores para poderem usar o filme no processo educativo termina por qualificar o exercício profissional, potencializando a divulgação e reflexões históricas a partir do filme de gênero histórico , no caso, os trabalhos dirigidos por Cacá Diegues e W alter Lima Júnior. A disponibilidade d este diretor em participar das publicações do projeto da FDE/SP reafirma sua compreensão e reconhecimento da importância do cinema para a educação escolar e não -escolar. Na mesma direção, percebe-se, por parte da FDE/SP, o reconhecimento a relevância do trabalho de W alter Lima Júnior para a área educativa. 4.2.2. Problematizando com Xica da Silva e Chico Rei Concomitantemente ao cuidado estatal com a capacitação docente, a abertura do mercado editorial p ara publicações voltadas para livros de análise fílmica e questões metodológicas inerentes à relação cinema e educaçã o, percebe-se o estabelecimento de debates estimulados pelas representações decorrentes de Xica da Silva e Chico Rei. À medida que os filmes se consolidaram como importantes exemplos da filmografia nacional, especialmente pelo viés do gênero histórico, mostras temáticas passaram a inserir os filmes como motivadores do debate público , atingindo também produç ões no espaço universitário. Em relação aos festivais, a mostra cinematográfica tende a favorecer a educação do conhecimento histórico pelo filme. Dependendo de como é organizada, pode-se estabelecer uma temática que viabilize o diálogo entre filmes, cineastas, pesquisadores e público. Em 1985, por exemplo, a Embrafilme e a Universidade de Brasília (UnB) 560 promoveram na capital federal o seminário Perspectivas Ao t o do , f or am pu b lic a dos 43 t ex tos e m s eis n ú m eros a v u ls os e q ua tr o c o le tâ n eas . O d e p oim en t o d e W alter L im a J ún i or oc orr e u n a 4ª c o le tâ n ea , la nç ad a c om um a ti r a g em de 1 .0 0 0 e x em pl ar es , em 19 9 6; S I L VA , A na Cr is ti n a V en â nc i o d a. Um a v i d eo t ec a p ar a a ed uc aç ã o .. . o p.c i t. , p. 2 35- 2 5 0. 32 6 Estéticas do Cinema Brasileiro , tendo por objetivo abri r discussões das quais [.. .] pu d es s em em erg ir pr o pos t as e m es m o c o nc lus õ es q ue at e nd es s em às ex ig ê n c i as do m erc a do e s e m anti v es s em f ié is às nos s as r aí ze s c u lt ura is . Es pec i a lm ent e nes s e m om ent o de r ec o ns tr uç ã o d em oc rá tic a e d e bus c a da n os s a i d en t id a de , o 561 c i nem a br as i l e ir o po d e of er ec er c o ntr i b uiç ã o im por ta nt e . A preocupação do evento, conforme indicado, era pensar os rumos do fazer cinema no país na conjuntura de redemocratização e avaliar as representações da produção cinematográfica sobre o Brasil. O seminário ocorreu na última semana de setembro, estruturado em quatro painéis 562. No último dia do evento , W alter Lima Júnior foi o conferencista ao lado dos cineastas Geraldo Moraes, Denoy de Oliveira e Geraldo Veloso . Na ocasião, Chico Rei ainda não havia estreado comercialmente. Ainda assim , o diretor teceu a seguinte consideração acerca do diálogo entre a produção cinematográfica brasileira e a história, na qual se observa tanto a preocupação com a compreensão do passado, como também o momento presente, da transição política para a democracia . Com o f ic a Ch ic o R e i ? [. .. ] E u nã o s e i c o m o es s e f ilm e f ic a de n tr o do c on tex t o de m in ha p o ét ic a c i n em at o gráf ic a , p or qu e nã o s ou c r í tic o de m im m es m o. Eu es p er o q u e e l e s e n d o en tr eg u e às p es s o as , es tas p os s am f a zer es s as a na l og i as . [.. .] Ac h o q ue o c i n e m a bras il e ir o aj ud o u a v er m ui ta c o is a de n tr o do Bras i l . [. .. ] O c in em a aj u d ou a v er as n os s as d if ic ul d ad es e as no s s as inf an t il i d ad es p o lí tic as , m os tra n do at é n as s u as f ra q ue z as e t o da es s a ex pe r i ênc i a vi v i d a e ntr e 563 nós . A exibição televisiva de Chico Rei na data da abolição da escravidão assinala a oportunidade para se discutir o tema por meio das representações da sétima arte . De certo modo, isto vai ao encontro da compreensão do diretor, exposta no seminário da Embrafilme 561 MO R A E S, M a lú . ( O r g ) . P er s pec t iv as Es té t i c as d o C i ne m a B ras i l e iro : s em i nár i o. Br as í l i a: E d . Un i v . d e Br as í l i a, 1 9 86 . 562 O s dem a is p a i né is ti v er am c om o tem a e c onf ere nc is t as : d i a 2 7 de s et em bro d e 19 8 5: C i n em a Br as i l e ir o , os a n os 7 0 (Is m ail X a v i er, Ip oj uc a P on tes ); d i a 2 8: P ers p ec ti v as Es té t ic a s d o C i n em a L at i no - Am eric a no ( Pas to r V ej a , J os é C ar los A v el ar) ; d i a 2 9: P er s pec t i vas Es té t ic as do C in em a Br as i le ir o (Sí l v i o T en d ler , W erner Sc hu n em ann , In im á S im ões ) ; MO R A E S , M a lú . (O rg). P ers p ec tiv as Es t é tic as .. . op .c it . 563 LI M A J ÚN IO R, W a lter a p ud MO R A E S , M a lú . (O rg ). Pe rs p ec t iv as Es t ét ic as . .. op .c it . p. 1 77 . 32 7 (Brasília, 1985), de que o filme de gênero histórico contribui para a construção de imaginários sociais de um país . Nesse sentido, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS) promoveu, na se gunda quinzena de agosto de 1988, o evento O cinema e a escravidão: um ciclo de filmes e debates . As atividades contavam com exibições e debates sobre os filmes e suas permeabilidades com a temática do escravismo e do negro brasileiro. Xica da Silva e Chico Rei foram projetados nos dias 24 e 29, respectivamente. O debate f inal, cuja mesa foi denominada A resistência política e cultural do negro , teve como debatedores Kabengele Munanga 564 e Beatriz Nascimento 565. Mostras em homenagem aos diretores também foram realizadas 566, tornando-se oportunidades para se avaliar o impacto de suas obras, incluindo Xica da Silva e Chico Rei, nas leituras sobre aspectos sócio-históricos e cultura is do país. Na segunda quinzena de novembro de 2000, o Centro Cultural Banco do Bras il/RJ promoveu a retrospectiva Inocência e Delírio : o cinema de Walter Lima Júnior. Sua filmografia foi exibida , incluindo reportagens especiais feitas para a televisão quando trabalhava no Globo Repórter 567. O diretor compareceu à abertura, quando pode conversar com os presentes, e ministrou uma oficina no decorrer da semana . O público pode assistir, ainda, ao documentário: Walter.doc , dirigido por Beth Formaggini 568. Textos analíticos sobre os filmes e o estilo cinematográfico do diretor 564 A ntr o pó l o go d e f or m aç ão , nas c i d o n o Co n g o e err a d ic a d o n o Br a s i l d es de 1 9 80 , K ab e ng e l e M u na n ga tem des e n vo l v i do d e s tac a dos es t u dos s o bre o n egr o na s oc ie d ad e br as i le ir a; c f .: MU N ANG A , K a be ng e l e. R ed is c u ti n do a mes t iç a ge m n o Br as il : I de n ti d a de N a c i on a l v ers us I d en t id ad e N e gra . Pe tr óp o l i s : V o ze s , 1 9 99 ; MU N ANG A , K a be n g el e; G O M E S, Ni lm a L i no . (O r gs ). Pa ra en t en d er o ne gr o n o Br as il de h o j e . Sã o P a u lo : G l o ba l , 20 0 7. 565 MU S EU da Im agem e d o S om . O c in e m a e a es c r av i d ã o: c i c l o d e f il m es e de b at es ( 1 7 a 2 9 de ag os to) . R i o d e J a n e i ro: M I S, 1 98 8. R e gis t ra - s e q u e B ea tr i z Nas c im en to é a au to r a d as dur as c rít ic as à X ic a d a S i lv a p u b l ic a d as n o j or n a l O p in i ã o ( 1 5/ 10 / 19 7 6) e q ue c o n tr ib u iu par a ac irr ar as p ol êm ic as e m torn o d o f ilm e, c u lm in an d o c om a r es pos t a do di re tor de n un c i an d o as p atr u lh as i d eo l ó gic as . 566 Sem in t enc i on ar r ec up er ar o am pl o c e n ár i o d e m os tras c uj os t em as po d em s e re lac i o nar d ir et am ent e c om os d ire t ores o u aos s e us f i lm es , op to u - s e p or an a l is ar um pan or am a m ais e s pec íf ic o, no c as o , a s gra nd es m os tras e m hom en ag em ao d ire to res p or oc as i ão dos s eus 5 0 a n os de c arr eir a . 567 Pr o gr am a j or na l ís t i c o da R e de G lo b o d e T e l e vis ã o , c ar ac t erís t ic o por rep or ta g ens es p ec i a is , ve ic u la d o s em a na lm en t e, ao q u al W alter L im a J ú n ior es te v e v i nc u l ad o e nt r e 1 9 73 - 86 . 568 W ALT ER. DO C . FO R M AG G IN I, Be th .. . op .c it . 32 8 completaram a mais a mpla revisão da sua trajetória, compondo o catálogo da mostra 569. Quando celebrou 50 anos de carreira, em 2012, o diretor de Xica da Silva foi homenageado com a mostra Cacá Diegues, cineasta do Brasil 570. Na ocasião, além d a exibição de toda a filmografia, ocorreram debates temáticos, cujas mesas foram integradas por artistas, pesquisadores e pelo próprio diretor. A mostra tornou -se um grande evento, tendo percorrido várias cidades do país, somando -se às homenagens também realizadas no exterior 571. As mostras cinematográficas são, portanto, uma oportunidade na qual a obra – ou parte dela – pode ser integrada a um debate mais direcionado. Tais eventos permitem, ainda, que antigos espectadores retomem contato com os trabalhos dos diretores, bem como favorecem a renovação do seu público junto às novas gerações, especialmente, porque esses filmes ainda não foram lançados em DVD. Sob essa perspectiva, é estabelecido um ambiente propício para se desenvolver a educação do olhar. E, quando são exibidos filmes de gênero histórico , cria-se um cenário favorável para a ocorrência da educação histórica. Nesse caso, a ponte temporal passado -presente tende a se evidenciar com maior clareza, já que o título fílmico é atualizado em sua abordagem sobre o passado, mas, ao mesmo tem po, traz questões conjunturais do momento de sua produção que, talvez, não foram perceptíveis à época do lançamento. Outra maneira de comunicação estabelecida entre os cineastas e o público ocorre pela manifestação via imprensa e publicações. Nesse aspecto, conforme visto, tanto W alter Lima Júnior , quanto Cacá Diegues transitaram com desenvoltura pelas páginas dos jornais e revistas, 569 o que contribuiu para aumentar a circulação de suas Cf .: FO RM AG G I NI, B et h; M AT T O S, C ar lo s A lb er to . In oc ênc i a e d e lír i o: o c i n em a de W alter L im a J r . T ex tos d e e o u tros . R io d e J a ne ir o: C C B B, 2 0 0 0. 570 P ar a v i nh e ta d o e ve n to , < ht tp :/ / www. yo u t ub e.c om / watc h? v = P S i wx zZs V 6 g > Ac es s o em : 1 3 de z. 2 0 13 . 571 A m os tr a te v e c ur a do r i a de S i l vi a O r o z e Br en o L ir a G om es , s e n d o es t e t am bém o c o ord e na d or g er a l . P ar a da d os s ob re os e v en t os r ea l i za d os ; c f . : < ht tp :/ /b l g en tr et e nim e nt o.c om .br /c ac a di e gu e s /? p ag e _i d = 2 > e < ht tp :/ / www . c ar l os d ie gu es .c om .br /d es ta q ue s _ in te gr a. as p? i d A = 12 7 > Ac es s os em : 13 de z. 2 01 3. 32 9 interpretações a respeito da história brasileira , representadas em seus filmes. Em 1988, uma compilação de artigos assinados por Cacá Diegues, publicados nos jornais durante as décadas de 1970/80 , foi lançada em livro 572. Anos antes, o cineasta publicou , em 1984, Os Filmes que não filmei 573, no formato de entrevista , concedida a Silvia Oroz, que passou por cada um dos filmes até então realizados . Quinze anos depois, um novo projeto bibliográfico reavivou as memórias do diretor: O que é ser diretor de Cinema 574. O livro segu iu o mesmo formato de entrevista da experiência anterior. De ssa vez, a entrevistadora foi Maria Sílvia Camargo, que organizou a edição em duas partes: a primeira, memorialística, na qual enfatiza a formação do diretor; a segunda parte repassa o trabalho de direção sobre seus filmes. Sobre Xica da Silva, ambos os livros reiteram informações conhecidas por meio de outras entrevistas e depoimentos , muitas concedidas à época do lançamento . Ainda assim , os capítulos permitem aprofundamentos quanto à perspectiva histórica do filme , por exemplo, em relação ao elogiado trab alho de cenografia , sob responsabilidade de Luiz Carlos Ripper. Nós tr a ba l h am os j unt o s no l e v an t am ent o [ v i s ua l ] d a é poc a em qu e X ic a v i v e u, q ue f o i s éc u lo X V II I em M i nas G er a is . No q ue a ge n te a pr of u nd o u m ais f o i o l e va n tam e nt o d a s oc ie d ad e br a nc a, p or q ue d is s o ha v i a m u it a d oc um e nt aç ã o ic o no gr áf ic a. A lém d os c l ás s ic os gra v a d os d e R u ge n d as e D ebr e t, nós pes q u is am os m ui ta c o is a q u e v im os n a pr óp ri a D i am an ti n a, n o S er r o e em B e lo H or i z on t e. [.. .] Ac h o q ue “X ic a da Si l v a” é um dos m eus f i lm es m ais f abr ic a d o, m ais pe ns a do , m ais d is c ut i d o e r es o l v i do n o s e nt i do 575 v is ua l . W alter Lima Júnior não formatou em livro suas memórias. Foi, porém, biografado em um denso estudo realizado por Carlos Alberto Mattos, cujo livro abarca, desde a sua juventude , até o final da década 572 DI EG U E S, Car l os . C i ne m a b ras i l ei ro : id e i as e im a ge ns . P or to A le gr e: E d . d a Un i v ers id a de U FRG S , 19 8 8. 573 DI EG U E S , C ar los ; O RO Z , S í l v ia . O s f i l mes q ue n ão fi l m e i. Ri o de J an e ir o : Roc c o, 19 8 4. 574 DI EG U E S, C ar los ; C A M ARG O , M ar ia S í l v ia . O q ue é s er d ir et or d e c i ne m a : C ac á Di e gu es . Ri o d e J a n ei r o: R ec or d , 2 00 4 . 575 DI E G U E S, C ar l os ; O R O Z, S í l vi a . O s f i l mes q ue .. . o p.c i t. , p. 1 18 ; p. 12 1 . 33 0 de 1990 576. Nas 432 páginas (que inclui f ilmografia e índice remissivo) o leitor toma contato , não só com o homem e suas relações pessoais, mas também produções, com por características exemplo, o cotidianas tumultuado que processo marcaram de suas filmagem e conclusão de Chico Rei. Além do registro livresco, o cineasta teve parte da sua trajetória documentada naquela que é sua especialidade e escolha de vida: em vídeo – Walter.doc; concebido e montado a partir de seus depoimentos. Quando produzid os, os filmes Xica da Silva (1976) e Chico Rei (1979-85) não tinham seus protagonistas como objetos de pesquisas de natureza acadêmica. A exibição das películas foi acompanhada de considerável cobertura via imprensa, contribuindo para a circulação do conhecimento histórico que, conforme visto, não se limitava às possíveis trajetórias dos ex -escravos, mas ampliava-se para os temas do escravismo e das relações políticas e sociais na América Portuguesa. Tais temas passavam por renovações historiográficas acentuadas a partir da década de 1980. Os filmes em si, contudo, ainda não haviam sido incorporados pelas pesquisas universitárias. Foi no espaço escolar que Xica da Silva e Chico Rei se integraram no primeiro momento, estabelecendo a circularidade filme/histó ria/história pública. Trabalhos históricos e educacionais aos poucos se abriram para o diálogo da quelas temáticas considerando os filmes em questão. Nesse cenário, a ex-escrava do Tejuco, cantada em verso e prosa, no carnaval e no teatro, nas telonas e na telenovela, foi alvo de intensa pesquisa no campo da história. A biografia realizada por Júnia Furtado se concentra em Chica da Silva sem perder de vista as teias da sociabilidade cotidiana corrente no século XVIII 577. A narrativa histórica recupera a trajetória de Chica problematizando o papel da mulher setecentista, questões da escravidão e da liberdade. A historiadora não parte do filme de Cacá Diegues para desenvolver seu trabalho. 576 M AT T O S, C ar l os Al b e r to . W al te r L i m a J ú n i o r, v iv er c i n em a. R i o d e J an e ir o: Cas a da Pa l a vr a, 2 0 02 . 577 FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... op .c it . 33 1 Todavia, não se furta a avaliá -lo. Sem demonstrar empatia pela representa ção carnavalesca e estereotipada da protagonista, considera a Xica de Diegues aceitável mediante as licenças poéticas da narrativa cinematográfica, reconhecendo, inclusive, sua importância para a divulgação da história. O c in em a dem oc ra t i zo u o m ito e o t a m anho da t e l a f oi pr o p or c io n a l às dim e ns õ es qu e e l e a lc a nç ou ta nt o no Br as il c om o n o ex ter i or. [ .. .] O m ov im en t o do C i n em a N o vo do q u a l Cac á D ie g u es pa rt ic i pa v a t in h a c om o i n ter es s es o p o vo br as i l e ir o e s u a h is tór i a, m as rei v i n d ic a v a o d ir e it o d a l ib er d ad e d e ex pr es s ã o pa ra c o nt á- l a. Par a es s e d ire t or, er a im por ta nt e c om pre e nd er e r es g at ar a tra d iç ão af ro - am er ic a n a na n os s a s oc ie d ad e c on t em porâ n ea e , b u s c an d o c o nc r et i za r es s e obj et i v o, tr a ns f orm ou em p el íc u la a h is t ór i a d e do is íc o n es da pr es enç a af ric an a n o Br as il : C hic a da S il v a e Zum b i dos P a lm ares . Es s a re le i tur a pre t en d i a of erec er um a v is ão c r ít ic a a o es pec ta d or, s ob re tu d o no t oc a nt e às r e laç õ es e n tre os p or tu g ues es e a e l i te br as i l e ir a d e um lad o e os es c ra v os e 578 m ar gi na l i za d os d e o ut ro . O mesmo não se pode dizer quando a narrativa avaliada é a telenovela do autor W alcyr Carrasco e dirigida por W alter Avancini, exibida originalmente pela Rede Manchete . Aliás, a historiadora reiterava sua posição manifesta da quando do lançamento da novela, em 1996. Ma is r ec e nt em en te , o m it o d e C h ic a s e p op u l ar i zo u e s e m as s if ic o u c om a v ers ão par a a te l e v is ã o e m no ve l a re a l i za d a pe l a Re d e M anc h et e, em 19 97 . O c us t o da dem oc r at i za ç ã o d o m ito f o i s u a t o ta l p er v ers ã o . O s l im it es do er ót ic o e do m au gos t o f or am u ltr a pas s ad os , s em ne n hum c o m prom is s o c om a r ea l i d ad e do s éc ul o X VI II , q u e t em s id o re ve l a da n a s u a m ult ip l ic i da d e e c om pl ex id a de pe l a pes q uis a his t óric a . [. .. ] As gr a v es d is t orç ões h is tór ic as des v ir tu ar am um a d as gr a nd es ha b i l id a des , s en ã o o o bj e ti v o d os p ro gr a m as te l e v is i v os – ens i n ar o gr a nd e pú b lic o e ao m es m o t em po pro p orc io n ar 579 d i ver s ã o . Júnia Furtado tece essas reflexões sobre as produções audiovisuais na parte conclusiva de seu trabalho, reafirmando o seu propósito de abordar a história de Chica da Silva despi da das muitas roupagens a ela incorporadas desde que Joaquim Felício dos Santos a registrou em sua narrativa sobre as Memórias do Distrito Diamantino . 578 579 FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... o p.c i t . p . 28 2- 2 83 . I b id em , p .2 8 3 - 28 4. 33 2 Ainda que indiretamente, estabelece -se o diálogo entre a história pública, intermediada pelo filme de Ca cá Diegues e pela novela de W alcyr Carrasco /W alter Avancini, e a história acadêmica. Quase três décadas depois (1976), a narrativa histórica -cinematográfica de Xica da Silva era novamente alavancada pela pesquisa historiográfica – de amplo alcance, haja vi sta a tradução do livro para a língua inglesa, abrindo-lhe o mercado exterior –, e continuava a difundir o conhecimento sobre o passado brasileiro, ainda que ponderado e corrigido em suas maiores liberdades poéticas. Sem documentação localizada, Galanga/C hico Rei permanece inscrito no âmbito lendário. O líder negro de Vila Rica exist e somente no imaginário social, onde é significado. Não obstante, associar-se à figura mítica do rei negro de Minas implica questões políticas. É o caso da comunidade quilo mbola de Pontinha, em Paraopeba ( MG), cujos moradores reivindicam serem descendentes diretos de Chico Rei por meio de Muzinga, o filho do líder negro, que deixou Vila Rica (Ouro Preto) e se estabeleceu n a região 580. Nesse caso, a referência cultural fortalece o argumento político dos moradores que pleiteiam obter o reconhecimento oficial da comunidade como remanescente quilombola e, consequentemente, a demarcação das terras, visto que a legislação atual valida a autoidentificação como parâmetro para a concessão d o título 581. Singular esse processo em que o campo mítico, representado pela lenda de Chico Rei, impacta as políticas públicas, sociais, culturais e econômicas. Outras pesquisas têm tangenciado a presença Chico Rei no imaginário social. Problematizações concernentes aos estudos culturais ligados à matriz afro-brasileira sobressaem nessas abordagens . Por 580 Cf .: A MO R M INO , L uc i an a . Narr ar ex p er iê nc i as . .. o p.c it . O Dec r et o nº 4. 8 87 / 03 r e gu l am en t a o pr oc ed im en t o p ar a i d en t if ic aç ã o , rec o n h ec im en t o, d e l i m itaç ã o , d em arc aç ã o e ti tu l aç ã o d as t err as oc up a das p or rem an es c e nt es d as c o m uni da d es dos q u il om bos d e qu e tr at a o a rt . 6 8 d o At o das Dis p os iç õ es C ons t it uc i on a is T r ans i tór i as (A D CT ). Pa ra as p ec t os d o rec o nh ec im en to de c om un id a des r em an es c en t es d e q ui l o m bos ; c f : CA M AR G O , P a bl o M a tos ; S ANT O S, M ar i a E l is a be t e G on t ij o d os . C o mu n i da d es qu i l o mb o la s d e Mi n as G er a i s no Séc u lo X XI : h is tó r i a e r es is t ênc i a. Be l o Hor i zo n t e: A u tê nt ic a: CE D EF E S, 2 0 08 ; P ER E IR A , De b or a h D upr a t de Br it to . As p o pu l aç ões rem a nes c e nt es de q u i l om bos : d ire i tos d o pas s a do o u gar a nt i a par a o f u tu ro? I n. : A na is S e m in ár i o I nt er n ac i o na l – As Mi n or i as e o D ir e it o. C a der n os d o CEJ , v .2 4, p. 22 8 - 2 49 , Br as í l i a, 2 0 03 . 581 33 3 essa perspectiva, a presença de Chico Rei no imaginário brasileiro encontra nas festividades do congado sua mais clara presença. É o que revela o trabalho do antropólogo Rubens Alves da Silva 582, que procura perceber as validações e atualizações do mito de Chico Rei para o congado mineiro. Apesar de in vestigar elementos narrativ os para a construção das representações , especialmente em Agripa Vasconcelos 583 e na tradição popular corrente entre os festeiros das guardas de congada, o filme de W alter Lima Júnior não integra seu escopo analítico. Análise s fílmicas abordando diretamente os filmes Xica da Silva e Chico Rei também passaram a ser desenvolvidas , conforme se constata em publicações a partir do século XXI. De forma geral, esses materiais integram coleções temáticas sobre filmes e a história ou sobre representações do negro no cinema. Desperta atenção a classificação de Chico Rei no livro de Guido Bilharinho que cinematográfica considerado se propõe brasileira como drama a fazer na década de temática um balanço da produção de 1980 584. O filme foi conste na social, embora organização do livro a categoria histórico; representada por um único título: Quilombo (Cacá Diegues). O estranhamento é reforçado pela abertura do texto analítico sobre o filme, porque “ [...] juntamente com Ganga Zumba, rei de Palmares (1964), Xica da Silva (1976) e Quilombo (1983), todos de Carlos Diegues, e mais alguns outros, insere -se na linha temática de resgate da memória da escravidão negra no Brasil” 585. O advogado prossegue o artigo ressaltando a contribuição do filme para as representações do tráfico negreiro, fazendo correspondências à poesia – como se buscasse validar o subtítulo de s ua crítica: Chico Rei: a poesia e a imagem. Segundo o autor, após esse momento, o 582 SI L V A, Ru b ens A l v e s da . P er for m a nc es c on g ad e ir as . .. o p.c it .; SI L V A, Ru b e ns A l ves d a. Ch ic o Re i Co n go d o Bras i l. I n. : SI L V A, V a gn er G o nç a l ves d a. (O r g) . Im a gi n ár io , c o t id i an o e po d er : m em ória a f ro - br as i le ir a. Sã o Pa u lo : S e lo N e gr o, 20 0 7. 583 V A S CO N C E LO S, Agr i pa . C hic o R e i. .. o p.c i t. 584 B I LH A RI NHO , G u i do . O c i n e ma br as i l eir o n os an os 8 0. U b e rab a : Ins t it ut o T ria ng u l in o d e C ul t ur a , 20 0 2. 585 I b id em , p .6 7 . 33 4 filme perde o ritmo, ironicamente, semelhante ao desenvolvimento do seu texto. Esse tipo de organização bibliográfica, de fato, exige análises curtas. Não favorecem, portant o, uma abordagem verticalizada que permita investigar o processo de produção dos filmes , nem estimular o diálogo entre as construções narrativas a respeito do tema trat ado na película. Todavia, mesmo limitad os à natureza editorial, alguns textos instigam reflexões sócio -históricas a partir do filme . Publicações com o tema da negritude e o cinema, orientadas por uma questão política concreta de afirmação de reconhecimentos identitários e combate ao racismo, favorecem abordagens bastante problematizadoras rel ativas ao filme e suas representações. Em dois títulos dessa natureza, Xica da Silva e Chico Rei marcam presença, recebendo abordagens similares 586. Mesmo os autores reconhecendo o gênero comédia adotado por Cacá Diegues, a perspectiva se nsualizada de Xica como estratégia individual para obter vantagens no mundo colonial é criticad a. Pioneiro ao lançar um olhar sobre o papel do negro dentro das produções cinematográficas nacionais, José Rodrigues estabeleceu a categoria negro de alma branca para assinalar a corrente que denuncia a incorporação pelos negros de valores dominantes do branco 587. As críticas se estend em, ainda, da cooptação social para a vulgarização da mulher, fato agravado pelo preconceito racial subentendido na representação desmensurada da sexua lidade da mulher negra: “ [...] a moral de matriz africana, longe de ser uma desvairada e leviana apologia ao sexo 24 horas por dia, traz sim uma outra percepção da sensualidade e do erotismo” 588. O recorte crítico à narrativa de Cacá Diegues reitera, em cer ta medida, aquelas enfrentadas pelo diretor quando o filme foi lançado. A perspectiva 586 analítica dada a Chico Rei, por outro lado, reforça RO D RI G U E S, J o ã o C ar los . O n egr o br as il e ir o e o c i n e ma . 3. ed . Ri o d e J a n e iro : P al l as , 2 0 01 ; RO S A, A l la n S a nt os . N a f e n d a das M i n as inc o nf i de n t e. I n. : SO UZ A, E di l e u za Pe n ha d e . ( O r g) . Ne gr i tu d e, c i ne m a e ed uc aç ã o : c am in hos p ar a a im pl em ent aç ão da Le i 10 . 63 9/ 2 00 3 . B e lo H or i zo n te : M a z za , 2 0 07 . 587 RO DR IG U E S , J o ão C ar los . O ne gr o br as il e i ro. .. o p.c it . 588 RO S A, A l la n S a nt os . Na f e nd a d as M i nas .. . op .c it . , p . 45 . 33 5 questões relativas ao contexto histórico . Os autores trabalham o filme ressaltando sua pertinência para a educação esc olar e não-escolar, especialmente no tocante à complexidade da sociedade colonial escravista. Com pl e tam en t e o pos t o é o tr at am ent o es c o lh i do p or W alter L im a J ú n ior em Ch i c o Re i . A c e n ogr af i a e o f ig ur i no s e bas e i am nas gr a vur a s d e v iaj a nt es eu ro p eus c om o D e br et , Ru g en d as e Fr a n z P os t . A l gum as s eq u ê n c i as – c om o as d o m er c ad o, d o t ea tr o, a m in a d e ou ro da Enc ar d id e ir a – pos s u em um val or d id át ic o d e al t a q u al i d ad e. [. .. ] A es t ru tu ra s oc ia l é bem m ais c om pl ex a do qu e a m a ior i a d os o utr os f ilm es : h á m u la t os l ib e rt os m em bros d a c o nf rar i a do R os ár io dos Pr et os e i n im ig os d o go v er no ; h á i n de p en d en t is t as es c r a v oc r at as ; e ne g ros o pres s or es d e o utr os n egr os .. . O pr ó pr i o t em a c e ntr a l tr at a da s o l id ar i ed a de e ntr e os o pr im id os , e, ao c o ntr ár io d e X ic a , a as c e ns ã o s oc i a l s e f a z s em a p erd a 589 da di g n id a de . Contudo, a iconografia como fonte para a produção cenográfica e de figurino foi amplamente usada também por Cacá Diegues e seu premiado diretor dessas áreas, Luis Carlos Ripper. Aliás, conforme visto, a inspiração desta iconografia se fez até mesmo para elaborar alguns planos, segundo o diretor. O aspecto didático é outro ponto que se faz presente em ambos os títulos , inclusive para os serviços de mineração. Se João Rodrigues não nega esses valores a Xica da Silva, os omite diante da supervalorização atribuída a Chico Rei. Dessa maneira, percebe -se a permanência de uma linha crítica que opõe os filmes, pela qual Xica da Silva representa indignamente a população negra, enquanto Chico Rei é considerado um bom exemplo para se trabalhar questões históricas do escravismo e da memória do negro brasileiro. A atualidade do filme de W alter Lima Júnior para a temática das relações sociorraciais também é defendida por Angeluccia Habert 590. A comunicóloga coteja sua análise fílmica com informações encontradas na biografia sobre o diretor 591. Seu argumento destaca a importância do filme para revelar as possibilidades da luta do negro pela liberdade. 589 RO DR IG U E S , J o ão C ar los . O ne gr o br as il e i ro. .. o p.c it . , p. 65 . H A B ERT , A ng e l uc c i a B er nar d es . C h ic o re i : q uem é r e i, s em pr e s erá ; Ch ic o p or s er br as il e ir o e n egr o, d e pe n de do o l h ar h is t ór ic o . A lc eu , v . 5, R io de J a n e iro : PU C, p. 1 8 - 29 , j a n. /j u n. 2 0 05 . 591 M AT T O S, C ar l os A lb e r to . W a lt er L i ma J ún i o r.. . o p.c i t. 590 33 6 Conforme assinala, o filme representa com qualidade estética a não submissão do negro, que pr ocurou resistir, mesmo quando foi preciso fazer concessões como exemplificado pela manutenção da crença no deus africano, Zambi, apesar do ingresso de Chico Rei à irmandade religiosa de Nossa Senhora do Rosário e se tornar um devoto de Santa Efigênia. Considerando a ampla audiência alcançada pelo filme, toma-se por pressuposto que aqueles títulos considerados de gênero histórico encontram nos historiadores interlocutores privilegiados. Essa é a ideia por trás do livro A história vai ao cinema , no qual 20 f ilmes nacionais são comentados por historiadores 592. Revelando a superação da ideia de recriação histórica, com a qual muitas vezes o filme desse gênero é cobrado, os artigos se preocupam mais com a maneira com que a narrativa foi construída e a implicância dos significados decorrentes d e suas representações. A primeira vertente, ou seja, a preocupação com as fontes de informação, foi privilegiada por Mariza Soares ao estudar Xica da Silva 593, reconhecendo, na representação da Xica de Cacá, a transformação das representações oitocentistas e populares de meados do século XX. O panorama de produções que dialogam , a partir do viés acadêmico, com os filmes Xica da Silva e Chico Rei indica o aumento do espaço das produções audiovisuais em sua relação com a produção do conhecimento, em específico, histórico. Problematizar como esses produtos foram realizados e seu impacto é relevante para a conformação da cultura histórica. A linguagem audiovisual, plástica e dinâmica do filme , favorece a interação, identificação e as similação do espectador com seu conteúdo. Embora se possa discutir se o objetivo do filme e programas televisivos é “ensinar o grande público e ao mesmo tempo proporcionar diversão ” 594, acredita -se que deve haver grande 592 responsabilidade de quem se propõe a estabelecer uma FER R EI R A, J or g e; S O A R ES , M ar i za d e C. (O rgs .) A h is t óri a v a i ao c i ne m a: v in t e f ilm es br as i l e ir os c om en t ad os p or h is t or i ad o res . R i o d e J a ne ir o: R ec or d , 20 0 1. 593 S O A R E S, Mar i za d e Car v a l ho . As tr ês f ac e s d e X ic a. I n. : F ER R EI RA , J or g e; SO A RE S , M ar i za de C . ( O r gs . ) A h is t ór i a v a i a o c i n em a. .. o p.c i t. 594 FU RT AD O , J ú n ia F er r e ir a . Ch ic a ... o p.c i t. , p. 29 5 . 33 7 narrativa histórica, seja ela cinematográfica, televisiva, teatral ou, inclusive, historiográfica. 33 8 Considerações finais A permanência de Chica da Silva e Chico Rei no imaginário social, três séculos após o auge da sociedade mineradora setecentista, indica aspectos conhecimento do complexo histórico. As processo narrativas de fílmicas educação analisadas para – o em cruzamento com outras narrativas: oralidade, literatura, poesia, música – indicam representações da sociedade da América P ortuguesa que continuam a ser reapropriadas. Nas décadas iniciais do século XXI, esses personagens da história da escravidão mineira circulam na tênue fronteira entre imaginário social e história, como atestam os manuais didáticos escolares e a exploração turística-cultural nas cidades coloniais de Ouro Preto e de Diamantina. Por esse aspecto , assume-se, a partir das proposições de Paul Ricouer, a importância da imaginação para o desenvolvimento da reflexão histórica. Ainda que o aspecto fantástico e exótic o tenha sobressaído em boa parte das representações de Chica da Silva, ou o fato de Chico Rei estar inscrito no campo da lenda, as narrativas sobre eles proporcionam perguntas a respeito de suas trajetórias e de seu contexto. É certo que a liberdade poéti ca da produção artística pode levar a representações arbitrárias, como o folder informativo para o visitante da Mina do Chico Rei, que atribui o falecimento do líder negro à hepatite, aos 72 anos. Mas, mesmo quando essas representações são conflitantes com as narrativas decorrentes das pesquisas históricas realizadas segundo os procedimentos acadêmicos, cria -se a oportunidade para o redimensionamento da informação, pois cabe ao saber histórico orientar a educação histórica, ainda que estabelecida em espaço não-escolar. Por esse ângulo, a questão ultrapassa a correção ou incorreção da informação. Destaca -se a oportunidade propiciada pela narrativa artística sobre o passado, sobremaneira o 33 9 cinema-história, para se abordar temáticas históricas, muitas das quais até então desconsideradas pela historiografia e com amplo alcance de público. Conforme demonstrado, a produção de um filme de gênero histórico implica validações e ressignificações entre os variados formatos narrativos, configurando a operação de circul aridade do conhecimento histórico entre um suporte narrativo e outro. O caso das representações de Chica da Silva, que a transforma de uma mulher feia e desinteressante, na descrição do memorialista Joaquim Felício dos Santos, para uma mulher sensual e bel a, como filmada pelas lentes de Cacá Diegues, exemplifica esse processo. A operação de reinterpretação histórica revela as construções de imaginários sociais inerentes aos valores dos grupos sociais que delineiam as reconfigurações de poder na sociedade, conforme Baczko. No caso do estudo realizado, percebe -se, nas narrativas literárias e carnavalescas realizadas nos anos 1950/60 sobre Chica da Silva e Chico Rei, uma valorização da memória negra dentro da história do Brasil. Os filmes dirigidos por Cacá Di egues e W alter Lima Júnior ratificam esse reposicionamento, tornando protagonistas aqueles que até então estavam à margem das explicações do processo histórico. Na mesma perspectiva, pode -se inferir em Xica da Silva um recurso de meta -história relativa às lutas por igualdade de gênero, assinalando o espaço socioeconômico reivindicado pelas mulheres na segunda metade do século XX. Ainda que os significados decorrentes das narrativas fílmicas possam ter sido contestados por setores acadêmicos, dos movimentos negros e de grupos feministas, é inegável a reflexão histórica deles decorrentes e a abertura do debate, o que implica cenários de educação histórica, tanto escolar , quanto nãoescolar. O filme de gênero histórico tem como uma de suas características a meta-história, ou seja, a dupla intepretação temporal. Uma é relativa ao tempo passado, objeto do enredo cinematográfico. A produção desse gênero fílmico prima pela pesquisa, recorre a fontes e opera escolhas para representar ao espectador uma narrativa his tórica. A 34 0 outra interpretação diz respeito ao tempo presente. Ao operar a abordagem do acontecimento histórico , a equipe de produção o faz a partir de questões contemporâneas às filmagens. A ponte temporal passado -presente em um filme pode ser mais ou menos explícita. No caso de Xica da Silva e Chico Rei o contexto ditatorial e o processo de reorganização civil em prol do retorno da democracia se mesclam na própria escolha temática: a liberdade. Ambos os diretores usaram a sociedade escravocrata para contr apor ao espectador as maneiras d e o escravo se tornar livre: da forma legalizada, via consentimento da alforria como obtida pelos protagonistas, ou a ilegalidade, que consistia na fuga do rebelde, geralmente para quilombos. Por essas representações em suas narrativas, Cacá Diegues e W alter Lima Júnior promoveram a reflexão acerca do conceito de liberdade, facilmente transposta do século XVIII às maneiras de superar as restrições e coerções políticas vivenciadas no pós-1964. Gravitando em torno desse eixo d a narrativa fílmica, outros temas caros à sociedade da América Portuguesa foram representados. Concomitantemente à abordagem do passado colonial, vários planos podem ser interpretados como uma leitura do tempo presente à produção dos filmes. Tanto Cacá Die gues, quanto W alter Lima Júnior realizaram em Xica da Silva e Chico Rei muitos planos nesse sentido. É o caso das representações dos militares, que se mant ém no poder à base de violência e tortura. A corrupção entre os administradores públicos também é rec orrente em ambos os títulos fílmicos. Ou, ainda, a representação da pobreza na qual vivia a maioria da população das Minas Gerais setecentista, alijada das riquezas naturais reivindicadas pelo ambicioso fisco estatal. Considerando a dupla temporalida de reflexiva que o filme de gênero histórico pode promover, compreende -se o por que governos distintos se preocuparam com sua produção e distribuição. No Brasil, a primeira ação estatal nesse sentido ocorreu com a fundação do INCE, no governo Vargas, que p rocurou aproveitar essa linguagem , tanto no aspecto educativo , quanto político durante o Estado Novo. A proposta 34 1 de fomentar a produção de filmes educativos se manteve até a década de 1960, quando foi incorporado ao INC. Mesmo após o golpe civil militar de 1964 e diante de uma nova estrutura administrativa para o cinema nacional (Embrafilme), a ideia de estimular produções que associassem a arte à educação persistiu. A recomendação da direção da Embrafilme em fomentar filmes que retratassem o período histó rico brasileiro teve o ápice com o lançamento do projeto filme histórico, em 1977, voltado a financiar esse tipo de produção. A documentação referente a esse programa permitiu reconhecer as orientações estabelecidas pelos diretores da Embrafilme, especialm ente as temáticas desejáveis a serem filmadas. Foi nessa linha de créditos que um consórcio teuto -brasileiro aprovou o projeto de Chico Rei, embora a produção tenha sido permeada de problemas judiciais e econômicos. A participação do Estado como incentivad or cultural sempre representou, de modo geral, um relevante fomento aos artistas. Em governos autoritários tende a se explicitar a vertente polític o-ideológica em torno desses projetos culturais. Por isso, muitas vezes, recaíam sobre artistas e diretores d e cinema, que se beneficiavam dessas linhas de crédito, a suspeição de estarem coadunados ideologicamente com a ditadura. Contudo, conforme demonstrado, aproveitar os recursos do Estado não implicava ratificar a política estatal. Além dos constantes proble mas com a censura, as próprias categorias temáticas valorizadas pela Embrafilme para projetos de filme histórico praticamente não se viabilizaram, preferindo os diretores e produtores apresentar projetos com outras temáticas históricas. A relação entre diretores cinematográficos e a Embrafilme se mostrou dialógica . Os espaços para negociação foram exemplificados pela posição do seu ex diretor, o cineasta Roberto Farias, e os processos de Xica da Silva e Chico Rei na Embrafilme. Pensar o potencial educativo histórico de um filme para além do espaço escolar foi o eixo reflexivo desta tese. A ação da Embrafilme em estimular abordagens temáticas do passado ao criar o projeto filme histórico , ratifica a pertinência dessa linha de pensamento. A 34 2 circularidade do conhecimento histórico promovido pela produção fílmica de Xica da Silva e Chico Rei, ao retomar narrativas orais, literárias e carnavalescas, tem prosseguimento com as exibições dos filmes ao público. A cobertura da imprensa, que funciona como espaço de divulgação e de recepção, é um termômetro para dimensionar o impacto do filme. A contextualização histórica e a divulgação de dados das produções de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior proporcionaram informações desconhecido, relativas a um especialmente período quanto histórico , à trajetória muitas dos vezes próprios protagonistas à grande parte dos leitores dos jornais. Todavia, nas páginas dos periódicos também se estabeleciam debates acerca da linha interpretativa da história, dos possíveis acertos e equívocos da abordagem cinematográfica. No caso de Xica da Silva, a intensidade dessa repercussão chegou a ultrapassar a questão histórica e alcançou o tema da própria liberdade criativa e da politização da arte. O potencial educador do filme de gênero históric o em espaço não-escolar é considerável, conforme visto. A incorporação do filme ao contexto escolar, entretanto, reitera a pertinência da película quanto ao seu aproveitamento educativo. Ao avaliar livros didáticos, obedecendo como recorte temporal o ano s eguinte ao lançamento de Xica da Silva e o decênio posterior à publicação da LDB EN/1996, se percebeu a gradativa incorporação dos filmes no universo escolar. Nas centenas de títulos escolares consultados, referências à Chica da Silva e ao Chico Rei, especialmente aos filmes de Cacá Diegues e W alter Lima Júnior, tenderam a tornar mais comuns , nos livros contemporâneos , a popularização do uso do cinema como metodologia para o ensino de história. Recomendações fílmicas e diálogos entre o conteúdo da matéria e os filmes foram as inserções mais comuns. Confrontações entre as representações fílmicas e a produção historiográfica também indicam a circularidade do conhecimento histórico decorrente de Xica da Silva e Chico Rei. Um filme de gênero histórico, portanto, pode facilmente percorre r dois caminhos relativos à educação, mas que não são excludentes. Um 34 3 é a perspectiva não -escolar, o outro é sua incorporação ao ensino formalizado. Em ambas as situações vislumbra -se a relação entre o cinema e a história pública. No primeiro caso, a recepção das informações históricas e confrontação com outros saberes históricos dependem, basicamente, do espectador. Ainda assim, mesmo longe das práticas metodológicas do ensino escolar, pode haver , não somente a transmissão de informação, mas a reflexão sobre o que está sendo assistido. Dentro da sala de aula, por outro lado, é indubitável a verticalização da discussão, que pode explorar , não somente a narrativa histórica, mas outros elementos constitutivos da linguagem cinematográf ica como cenografia, figurino, trilha sonora , para estimular a pesquisa e o conhecimento relacionado ao período histórico representado. Procurou-se articular a complexa relação entre o cinema, a historiografia e narrativas históricas como expressão de hist ória pública. Os filmes Xica da Silva e Chico Rei foram analisados em cruzamento com outras documentações, observando as recomendações de Carlo Ginzburg quanto aos paradigmas indiciários. A análise dos filmes e dos conjuntos de fontes – a diversidade de su portes narrativos sobre os protagonistas; os projetos governamentais voltados ao uso educativo do filme; os projetos fílmicos e o processo de produção e distribuição de Xica da Silva e Chico Rei; a imprensa e a cobertura dos títulos; os livros didáticos de história – permitiram reconhecer a relevância do filme de gênero histórico para a educação. Por ocasião do lançamento de Xica da Silva, Cacá Diegues refletia sobre sua produção fílmica, que incluía Ganga Zumba (1964) e Os Herdeiros (1968) e a relação com a História nos seguintes termos . A H is t ór i a d o Br as i l f oi um tem a qu e a b o rde i s em pre, nã o atr a v és d e s eus her ó i s of ic i a is , m ais c o n v e nc io n ais , m as s im at é m e io es q uec i d os , c om o n o c as o d e G a n ga Z um b a, R e i d os P al m ar es , q u e nã o p e rte nc e à h is t ór i a of ic i a l , e ag or a n o c as o de Xic a d a S i lv a , q u e é um pers o na g em qu e i nc lus i v e n em c ons t a d a h is t ór ia of ic i al , d os c om pê n di os e t c , um pers o n ag em 595 bem à m ar g em . 595 S A NT O S , T ér c i o. F i lm an d o a H is t ór i a . .. op .c i t. 34 4 W alter Lima Júnior segue a mesma linha ao pensar a relação entre o filme e a educação histórica. Ou sej a, reivindicar para o cinema um papel quase social, que permite novos olhares sobre o passado ao abordar temas e personagens da História, instigando o espectador a refletir sobre aquela narrativa, o que pode estimular também a proposição de outras pesquisa s. At é q u e p on to o f ilm e q ue us a um a i nf or m aç ão d e um f ato h is t ór ic o é d e pe n de nt e de d a dos c om pro v a dos d a ex is t ê nc i a da q ue l e f at o? At é q u e po n to es t am os tr an s c en d en d o is s o e te nt a nd o a t i ng ir o es p et ác ul o ? E l e f ra ud a a His t óri a ? Eu ac h o qu e el e tro ux e a H is tór i a. A c om pre ens ã o da H is t ór ia e a His t ór i a do C hic o Re i é o q ue v oc ê o u v e. É o ra l i da d e. E o c i nem a, d e a lg um a f o rm a, s e as s oc i a a es s a ora l i da d e. E l e l e va nt a a qu es tã o . E l e c o l oc a es s a qu es tã o à d is p os iç ã o. S e aq u i lo n ão é ex at am ent e c om o f oi , es t á b e m próx im o, n o f at o de qu e as r ou p as s ã o pes qu is a das . O s g es tos , os m óv e is , o c en ár i o, d e a l g um a f orm a, s ã o pr oc ur ad os . É ter o es pec ta d or im er s o num a q u an t id ad e de i nf orm aç õ es p lás t ic as . Is s o, d e a lg um a f orm a, pre e n c he . Co is a qu e v oc ê n ão t er ia , pu ra e s im pl es m ent e , d en tr o de um proc es s o d e l e it ura de um li vr o ou 596 l i vr o di d át ic o . Um determinado contexto histórico, portanto, inspira a imaginação e conduz a problematização desse recorte temporal. Por perspectiva, o filme se torna o elemento propulsor que imaginário social e historiografia em uma narrativa essa articula histórica - cinematográfica, cujos impactos públicos incorrem em apropriações e ressignificações, estabelecendo, assim, a circularidade do conhecimento histórico. Nesse sentido, entende -se a dimensão do filme de gênero histórico como uma possibilidade da história pública por atender, de modo integrado, três significativos pilares de sua estrutura. O primeiro é a identificação e recuperação de narrativas em áreas distintas de produção sobre rearticulando-as o no passad o, da processo tradição de oral à construção tese doutoral , da narrativa cinematográfica da história. O segundo diz respeito à divulgação do conhecimento histórico para além do espaço acadêmico e escolar , considerando as projeções no ci nema, as exibições televisivas, a cobertura na imprensa e ampliando os públicos da História. Por fim, o 596 E n tre v is ta de W alte r L im a J ú n ior ao a u tor , em 13 d e j u n ho d e 2 0 13 . 34 5 terceiro pilar é a apropriação e ressignificação do conhecimento histórico, impactando , desde o ensino da disciplina escolar e entre acadêmicos, até sua reflexão nos meios sociais fora do ambiente escolar. Considera-se a complexidade desse tipo de construção do conhecimento, o que pode implicar distanciamentos de abordagens entre as fontes, a historiografia e a narrativa fílmica. Situações compreensíveis nas operações de reapropiação e ressignificação de um tema histórico. Contudo, ainda que esses pontos de tensão se configurem, ressalta -se a relevância da relação entre o filme de gênero histórico, a história pública e a educação. Trata -se de uma oportunidade em que aspectos de uma história são abordados por múltiplos ângulos. Esse gênero de narrativa cinematográfica dialoga com saberes históricos constituídos, permitindo (re)significações. Configura-se, assim, um cenário favorável para a problematização d a cultura histórica. Décadas depois de serem lançados, Xica da Silva e Chico Rei continuam a integrar festivais e mostras temáticas, sobretudo no recorte concernente à escravidão. O trânsito desses títulos por festivais nacionais e internacionais, bem como as exibições televisivas, certamente contribuíram para consolidá -los como importantes produções da história do cinema brasileiro. Os referidos filmes continuam a instigar, portanto, reflexões. Estas, por sua vez, têm se materializado e circulado pela aç ão de profissionais com perfis variados: educadores, comunic ólogos, historiadores, carnavalescos, antropólogos, literatos e outros. Independentemente da área de atuação e o recorte inerente aos interesses de cada pesquisador, os filmes têm favorecido o est ímulo e a divulgação do conhecimento histórico. As representações fílmicas, validadas ou questionáveis, aprendizado sobre assim, cenário um historiográfica alicerçadas aspectos dialoga em de do a para passado história com múltiplas colaboram fontes – delineamento brasileiro. pública, narrativa o no qual Compõe m-se, a cinematográfica em uma do narrativ a – ambas perspectiva de 34 6 complementaridade, cujas ressignificações favorecem a educação em história para além do espaço escolar. 34 7 FONTES Filmográficas Ficha técnica dos filmes CHICO REI. LIMA Jr., W alter. Embrafilme, 1985. 1 fita VHS (115 min), son., color. Direção e roteiro: W alter Lima Jr. Música: W agner Tiso, Naná Vasconcelos. Fotografia: José Antônio Ventura e Mário Carneiro. Cenografia: Luiz Carlos da Silva, Carlos Liuzzi e Manoel Godinho Mendes Filho. Figurino: Laonte Klawa, Júlio Parati e Jacque Monteiro. Edição: Mário Carneiro e W alter Lima Jr. Elenco: Severo d’Acelino (Chico Rei); Antonio Pitanga (Bené); Cosme dos Santos (Muzinga) ; Carlos Kroeber (Governador); Anselmo Vasconcelos (Pascoal); Cláudio Marzo (Felipe dos Santos); Marcus Vinicius (Mestre Antonio); Maria Fernanda (Nenzica); Mauricio do Valle (Mercador); Othon Bastos (Paranhos); Rainer Rudolf (padre); Zaira Zambelli (Dorin ha); Alexander Allerson (Seixas); Chico Diaz; Claudia Reschel; Delanir Dias; Eduardo Machado; Haroldo de Oliveira; João Acaiabe; Luiza Maranhão; Manfredo Colasanti; Marcio Alexandre; Mario Gusmão; Nelson Dantas; Paulo Augusto; Renato Coutinho; Sergio Maia; Zenaide Zenah; Zora Santos; W ilson (Macalé) dos Santos. XICA DA SILVA. DIEGUES, Carlos. Embrafilme e Unifilms, 1976. 1 fita VHS (117 min), son., color. Direção: Carlos Diegues. Roteiro: Carlos Diegues e João Felício dos Santos. Produção: Jarbas Barbosa , Airton Correa, Hélio Ferraz, José Oliosi. Música: Jorge Ben e Roberto Menescal. Fotografia: José Medeiros. Desenho de Produção: Luiz Carlos Ripper. Direção de arte: Luiz Carlos Ripper. Figurino: Luiz Carlos Ripper. Edição: Mair Tavares. Elenco: Zezé Mott a (Xica da Silva); W almor Chagas; (Comendador João Fernandes); Altair Lima (Theodoro); Elke Maravilha (Hortensia); Stepan Nercessian (José); Rodolfo Arena ( Sargento-mor); José W ilker (Conde de Valadares); Marcus Vinícius (Teodoro); João Felicio dos Santos (Paroco); Dara Kocy (Zefina); Adalberto Silva (Cabeça); Julio Mackenzie (Raimundo); Beto Leão (Mathias); Luis Motta (Taverneiro); Paulo Padilha (Ourives); Baby Conceicao (Figena); Iara Jati (Tonha); Alberto Patu; Luis Felipe (Major); Gloria Cristal; Tony F erreira; Clementino Kelé; Antônio Pompêo . 34 8 Roteiros DIEGUES, Cacá. Xica da Silva , roteiro. Dezembro 1974, 109p. LIMA JÚNIOR, W alter. Chico Rei, roteiro. 1979, 42p. 34 9 Músicas BABÃO, Geraldo; SABIÁ, Djalma; BINHA. Chico Rei. Salgueiro, 1964. Interprete: OLIVEIRA, Noel Rosa de. BEN, Jorge. África Brasil. Rio de Janeiro: Philips Records. 1976. LP. MIGNONE, Francisco; MACHADO, David (Reg.); OSMG (Orquestra Sinfônica do Estado de Minas Gerais). Maracatu de Chico Rei. Festa das Igrejas. Belo Horizonte, 1993. CD. MIGNONE, Francisco; NESCHILING, John (Reg.); OSEP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Maracatu de Chico Rei. Festa das Igrejas. Sinfonia Tropical. São Paulo: Biscoito Clássico, 2007. CD. Acompanha livreto. OLIVEIRA, Noel Rosa de; ANESCARZINHO. Xica da Silva. Salgueiro, 1963. Interprete: OLIVEIRA, Noel Rosa de. PAULA, José Geraldo de. Na corte de Chico Rei. In.:Sambas-enredo de 1977. Compacto. Belo Horizonte: Bemol, 1997. TISO, W agner; VISSUNGO, Grupo; et.al. Trilha Sonora do fil me Chico Rei. Som Livre, 1985. LP. 35 0 Fundo Embrafilme (acervo Cinemateca Brasileira) Séries 110.1/00030 110.1/00075 110.1/00146 110.1/00297 110.1/00412 110.1/00454 110.2/00135 110.2/00147 110.2/00198 110.2/00199 110.2/00301 110.2/00417 110.2/00508 110.2/00509 110.2/00769 110.2/00780 110.2/00979 35 1 Legislação BRASIL. Decreto n. 20.301 de 2 de janeiro de 1946. Aprova o Regimento do Instituto Nacional de Cinema Educativo, do Ministério da Educação e Saúde. Disponível em: http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=220&sid=6 9. Acesso em: 13 dez. 2010. BRASIL. Decreto n. 21.240 de 4 de abril de 1932. Nacionalizar o serviço de censura dos film es cinematográficos, cria a “Taxa Cinematográfica para a educação popular” e dá outras providências. Disponível em: http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.h tm?infoid=213&sid=6 9. Acesso em: 13 dez. 2010. BRASIL. Decreto n. 22.337, de 10 de janeiro de 1933. Altera o art. 23 do Decreto n. 21.240, de 4 de abril, de 1932. 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As s im , tem s e o a n o, o m ês e a da ta – i n dic a da no i n íc i o d a ref erê nc ia . O s ac e r vos c ons u lt a dos f or am da Ci n em atec a Bras i l e ira /S P e Hem er ot ec a His tór ic a P ú b lic a d e M in as G er a is . 36 1 29 – ESPÍRITO SANTO, Antônio José. Xico Rei. Jornal do Brasil, 29 mar. 1980, p. 2. 29 - MOTA, Carlos. Chico Rei. O Estado de São Paulo, 29 mar. 1980, p.8. 31 – A NOVELA de Chico Rei. Revista Visão, 31 mar. 1980, p.64. Abril 10 - DESTRUIÇÃO. Jornal do Brasil, 10 abr. 1980, p.6. Julho 14 - MULLER, Luís Eugênio Araújo. Cinema. Revista Visão, 14 jul. 1980, p.5. Agosto 13 - OURO Preto processa a Embrafilme. Jornal do Brasil, 13 ago. 1980, p.14. 1986 Maio BITARELLI, Rogério. Festa para um rei negro. Cadernos de crítica – Embrafilme, Maio 1986, p. 16-18. Novembro 20-29 - 3º FestRio – Catálogo, 20-29 nov. 1986. 1987 Agosto 23 - AZEREDO, Ely. Ch ico Rei, o mito negro. O Globo, Segundo caderno, 23 de ago. 1987 , p.1. 23 - CUNHA, W ilson. 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