DEFICIÊNCIA DE C1s E C1r HUMANA
ASSOCIADA AO DESENVOLVIMENTO DE
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
MARIANE TAMI AMANO
Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto
de Ciências Biomédicas IV da Universidade de
São Paulo, para obtenção do Título de Mestre em
Ciências (Imunologia).
São Paulo
2006
Livros Grátis
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DEFICIÊNCIA DE C1s E C1r HUMANA ASSOCIADA AO
DESENVOLVIMENTO DE LÚPUS ERITEMATOSO
SISTÊMICO
MARIANE TAMI AMANO
Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto
de Ciências Biomédicas IV da Universidade de
São Paulo, para obtenção do Título de Mestre em
Ciências (Imunologia).
Área de Concentração: Imunologia
Orientadora: Prof. Dra. Lourdes Isaac
Orientadora
São Paulo
2006
1
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS
Candidata: Mariane Tami Amano
Dissertação: DEFICIÊNCIA DE C1s E C1r HUMANA ASSOCIADA AO
DESENVOLVIMENTO DE LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
Orientadora: Lourdes Isaac
A Comissão Julgadora dos Trabalhos de Defesa da Dissertação de Mestrado, em
sessão pública realizada a ______/_______/__________, considerou
( ) Aprovada
( ) Reprovada
Examinador (a): Assinatura _________________________________________
Nome______________________________________________
Instituição___________________________________________
Examinador (a): Assinatura _________________________________________
Nome______________________________________________
Instituição___________________________________________
Presidente (a): Assinatura __________________________________________
Nome_____________________________________________
Instituição__________________________________________
2
Aos meus pais,
pelo apoio em todos os sentidos
e por todo amor
Às minhas irmãs,
pela compreensão e carinho
Ao meu tio Norio,
pelo incentivo e por ser
um exemplo de luta
3
Aos pacientes IV-1, 2, 3 e 4
e aos seus pais,
pelo esforço e colaboração
4
Agradecimentos
À Dra. Lourdes Isaac por ter me dado a oportunidade de aprender desde a iniciação
científica e pela companhia, confiança e presença que foram imprescindíveis para todas as
conquistas que tive nesses cinco anos.
Ao Dr. Shaker Chuck Farah do Departamento de Bioquímica da USP, pela disposição
a sempre nos ajudar.
À Dra. Virgínia Paes Leme Ferriani da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
USP, por ter sido o contato com os pacientes e pela colaboração.
Às Dras. Ana Elisa Azzolini e Ana Isabel Assi-Pandochi da Faculdade Farmacêuticas
da USP de Ribeirão Preto, pela colaboração.
Ao Dr. Jens Jensenius da Universidade de Aarhus, Dinamarca e ao Dr. Anders
Sjölholm da Universidade de Lund, Suécia, pelas dosagens de proteínas.
À Edimara da Silva Reis por ter sido minha irmã mais velha do laboratório: sempre me
ensinando e fazendo companhia nos momentos difíceis. E por ser uma grande amiga.
À Marlene Pereira de Carvalho Florido, por todas as técnicas que me ensinou, desde a
iniciação científica, pelo carinho e pelos abraços que sempre me deram força quando eu
precisei.
Ao Dr. José Alexandre Barbuto, Dra. Maristela Martins de Camargo e Dra. Ises
Abrahamson por manterem as portas de seus laboratórios abertas para utilizarmos
equipamentos e materiais. E aos membros dos respectivos laboratórios por serem sempre muito
solícitos.
Ao
Dr.
Antônio Condino Neto
por
estar
sempre
adisposto
nos ajudar
e
pelas
oportunidades de discussão sobre este trabalho.
5
Às amigas pós–graduandas: Cíntia Raquel Bombardieri e Juliana Sayuri
Kuribayashi por toda ajuda que me deram, pela grande paciência e acima de tudo pelos bons
momentos de desconcentração.
Às outras irmãs de laboratório Gisele Baracho, Dayseanne Araújo Falcão, Maria
Isabel Vendramini e Lorena Bávia por todo incentivo e carinho.
Aos companheiros de laboratório que, independente do tempo de convivência, me
ajudaram em diversos momentos: Priscilia Aguilar, Alda Silva, Arthur Neves, Fábio Lin,
José Antônio Albuquerque E aos que passaram pelo laboratório durante esses cinco anos, e
certamente me ensinaram muito: Axel Ulbrich, Patrícia Ferreira de Paula, Vitor Rodrigues,
Caroline Fernandes, Raphael Pigozzo, Maria Amélia Leal e Benício Pereira.
Às secretárias Valéria, Jotelma e Eny, pela eficiência e pela grande paciência para
esclarecer dúvidas.
Aos amigos do Departamento de Imunologia do ICB da USP pelas discussões
científicas, pela solidariedade em diversos momentos e por tornarem o local de trabalho um
ambiente mais prazeroso.
Aos funcionários da portaria, segurança, da limpeza, do áudio-visual, da biblioteca, da
secretaria de pós-graduação, tesouraria, importação entre outros do ICB, que permitiram a
realização deste trabalho em diversos aspectos.
Aos amigos da graduação pelas discussões científicas, filosóficas e pela amizade, que me
ajudaram durante o mestrado: Márcio Tomiyoshi, Viviane Jono, Luciana Osaki, Mayumi
Sasaki, Marcella Sobral, Nathália Azevedo e Luiz Zangrande.
À agência financiadora de pesquisa CNPq pela bolsa durante o mestrado.
6
"Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que triste os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas"
Mário Quintana
7
RESUMO
AMANO, M.T. Deficiência de C1s e C1r associada ao desenvolvimento de lúpus eritematoso sistêmico.
Dissertação (Mestrado em Imunologia) – Instituto de Ciência Biomédicas, Universidade de São Paulo, 2006.
A deficiência de proteínas do complemento pode resultar da síntese diminuída, parcial ou
total, das mesmas, ou de um produto não funcional, causando maior suscetibilidade a infecções
bacterianas. No caso das proteínas da via clássica (C1q, C1r, C1s, C2 e C4) a deficiência está
freqüentemente relacionada ao desenvolvimento de lúpus eritematoso sistêmico (LES), doença
auto-imune que apresenta como sintomas erupções na pele, artrite e glomerulonefrite,
acompanhadas por deposição de imunocomplexos em diversos tecidos. A deficiência de C1s é,
em geral, combinada com a deficiência de C1r e dos 15 casos da deficiência de C1r/C1s, 9 estão
associados ao desenvolvimento de LES.
No presente trabalho, descrevemos a deficiência de C1r/C1s de uma paciente de 25 anos
que apresenta LES e teve repetidas infecções bacterianas, e de seu irmão de 24 anos que também
desenvolveu LES. Além disso, os outros dois irmãos, assintomáticos até o momento, também
apresentaram a deficiência de C1r/C1s, enquanto os pais consangüíneos são normais para tal
característica. A deficiência de C1s foi inicialmente observada por imunodifusão do soro dos
pacientes e anti-C1s humano, e confirmada por eletroimunoensaio (“rocket”), quando se
observou valores muito baixos de C1s (<2,1 µg/mL). Já a presença de C1r foi observada pela
imunodifusão e Western blotting, no entanto, a concentração de C1r no soro dos pacientes (~15
µg/mL), detectada por eletroimunoesaio, estava abaixo dos valores normais (48 µg/mL). Os
soros dos pacientes não apresentaram qualquer atividade hemolítica mediada pela via clássica
do complemento (CH50), enquanto os pais apresentaram níveis normais desta atividade. As
atividades da via alternativa e das lectinas estavam presentes no soro de todos os familiares,
assim como outras proteínas do sistema complemento (C3, C4, C2, fator H, fator I, fator B,
MBL e MASP-2), embora a concentração de alguma delas estivesse acima do normal (C3
>1500 µg/ml; C4 >600 µg/ml; MBL >0,5 µg/ml). A deficiência de C1s foi confirmada por
8
Western blotting, quando C1s estava ausente no soro e no sobrenadante de culturas de
fibroblastos dos pacientes. E pela microscopia confocal observamos uma falha na síntese da
mesma. A análise do RNAm por RT-PCR revelou a presença de dois transcritos (~3,2 kb, ~3,1
kb) em diferentes tipos celulares de indivíduos C1s suficientes (fibroblastos, macrófagos e
células de hepatoma). Através do seqüenciamento demonstramos pela primeira vez onde esses
transcritos diferenciam-se: região 166-242 do cDNA ausente no transcrito menor. Além disso,
observamos um terceiro transcrito (~2,9 kb) nos pacientes, que não apresenta o éxon 3. Este
transcrito, provavelmente também está presente em indivíduos normais, porém, em uma
proporção menor comparando com a concentração dos outros transcritos. A ausência do éxon 3
gera um códon de parada prematuro na posição 330 do cDNA, logo após o códon que sinaliza
para o início da tradução (ATG), o que impossibilita a tradução completa de C1s por este
transcrito. Através do C1s dos pacientes, encontramos uma substituição C
938
Gque gerou um
códon de parada prematura, impedindo a tradução completa da proteína e explicando a
deficiência da proteína C1s. Também seqüenciamos o cDNA de C1r, mas não encontramos
nenhuma mutação que pudesse ser a causa da deficiência da mesma, o que indica que a
diminuição de C1r pode ter uma regulação dependente de C1s. Esses resultados representam o
primeiro caso brasileiro (e o quarto estudo molecular) da deficiência de C1s/C1r, associada ao
desenvolvimento da doença auto-imune LES.
PALAVRAS-CHAVES: Complemento. C1r. C1s. Lúpus eritematoso sistêmico. Doença auto-imune.
Imunodeficiência.
9
ABSTRACT
AMANO, M.T. IMPAIRMENT IN C1S SYNTHESIS IS ASSOCIATED WITH SYSTEMIC LUPUS
ERYTHEMATOSUS DEVELOPMENT. MASTER THESIS (IMMUNOLOGY) – INSTITUTO DE CIÊNCIAS
BIOMÉDICAS, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2006.
Introduction and Objectives: Classical pathway complement deficiency (D) is commonly
associated with autoimmune diseases development. The C1sD is often combined with C1rD and
9 of the 15 reported cases present systemic lupus erythemathosus (SLE). In the present work, we
describe a girl with severe SLE and recurrent infections (pneumonias, sinusitis and septic
arthritis), one brother with mild SLE and two other healthy brothers. The molecular basis
responsible for the lack of C1s in the deficient patients was investigated. Methods and Results:
Complement-dependent hemolytic activity was normal when stimulated by the alternative and
lectin pathways, but it was absent when mediated by the classical pathway in the 4 patients.
When we analyzed C1s and C1r concentrations in the family sera by ELISA we observed that
C1s was undetectable in the sera of the four children, while C1s levels detected in the parents’
sera (<26 _g/ml) were lower than that observed in the normal control (34 _g/ml). Moreover,
levels of C1r observed in patients (<18 _g/ml) and parents (<35 _g/ml) sera were lower than that
observed in the normal control (48 _g/ml). The concentrations of other complement proteins
(C3, C4, C2, MBL and MASP-2) were normal in the patients and family members. The lack of
C1s synthesis, but not of C1r, was confirmed in patients’ fibroblasts when analyzed by confocal
microscopy. To analyze the C1s and C1r mRNA expression we used RT-PCR. When we
amplified nucleotides 273-658 of the C1s mRNA of the 4 patients we found two products: one
with the expected size (385 bp) and the other with 208 bp deletion, which corresponded exactly
to exon 3. This deletion generates a stop codon immediately after the initiation codon (ATG)
and it was not observed in patients’ C1s gene and suggests a splicing error in C1s gene. This
product was observed in normal individual only when we used a more sensible staining. We also
found a substitution of CG at position 938 of C1s cDNA in the patients C1s, which generates
10
a stop codon at this position. Moreover. the parents presented a heterozygous pattern, which
explains the absence of the protein c1s in the children. Conclusion: We confirmed the existence
of 3 transcripts of C1s mRNA in normal individual. And we described a new case SLE
associated with of C1sD combined with C1rD, caused by a substitution of CG at position 938
of cDNA. Financial support: CNPq
Key words: Complement. C1s. C1r. Immunodeficiency. Systemic Lupus Erythematosus.
Autoimmune disease.
11
LISTA DE ABREVIATURAS
ANA - Anticorpo antinuclear
AP50 - ensaio hemolítico da via alternativa que compara valores obtidos para 50 % de lise no soro.
BCIP – 5-bromo-4-cloro-3-indoil fosfato
BRAGID – Grupo Brasileiro de Imunodeficiências
C4BP - do inglês “C4b binding protein”
Ca++ - íon calcio
CaCl2 – cloreto de cálcio
CCP - do inglês “complement control protein”
CD – do inglês “cluster of differentiation”
cDNA – DNA complementar
CFD - do inglês “complement fixation test dilution”
CH2 – cadeia pesada 2
CH50 – ensaio hemolítico da via clássica que compara valores obtidos para 50 % de lise no soro.
CR -1/2/3/4 - receptor de complemento
CTLA-4 – do inglês “cytotoxic T lymphocyte antigen-4”
CUB – 1/2 – repetição homóloga reconhecida em: C1r/C1s, Uegf e na proteína morfogenética de osso humano
(Bone marrow)
DAF – do inglês “decay-accelerating factor”
DMEM – do inglês “Dulbbeco´s Modified Eagle´s Medium”
DNA - Ácido desoxirribonucléico
dNTP - desorribonuleotídeo trifosfatado
EGF – domínio descrito em “epidermal growth factor”
EGTA – ácido etileno glycol tetracético
EtOH – etanol
fB - fator B
FcγR IIA/IIB/IIIB – receptores Fcγ
fD – fator D
fH – fator H
fI – fator I
GAPDH – gliceraldeído-3-fosfato dehidrogenase
GVB – do inglês “gelatin veronal buffer”
HEL – do inglês “hen-egg lysozyme”
HepG2 – célula de hepatoma
HLA – Antígeno leucocitário humano
IDP - imunodeficiência primária
IFN-γ – interferon γ
Ig - Imunoglobulina
IGF-1 - do inglês “insulin like growth factor-1”
IGFBP-5 – do inglês “insulin like growth factor binding protein-5”
IL – 1/6 - interleucina
K2HPO4 – fosfato de potássio dibásico
KH2PO4 – fosfato de potássio monobásico
LE - Lúpus eritematoso
LES - Lúpus eritematoso sistêmico
LPS - lipopolissacarídeo
MAC – complexo de ataque à membrana
Map19 - do inglês “mannose associated plasma protein of 19 kDa”
MASP – 1/2/3 – do inglês “MBL-associated serino protease”
MBL – lectina ligadora de manose
MCP - do inglês “membrane cofactor protein”
Mg++ - íon magnésio
MgCl2 – cloreto de magnésio
NaCl - cloreto de sódio
NaOAc - ácido acético
NBT – tetrazólio nitroazul
PBS - do inglês “phosphate buffer saline”
12
PCR – do inglês “polymerase chain reaction”
PD-1 - do inglês “ programmed cell death-1”
RCA – do inglês “regulators of complement activation”
RNA – ácido ribonucléico
RPMI - “Roswell Park Memorial Institute”
RT-PCR do inglês “reverse transcriptase - polymerase chain reaction”
SBF – soro bovino fetal
SCR - do inglês “short consensus repeat”
SDS – dodecil sulfato de sódio
sHEL - do inglês “hen-egg lysozyme soluble form”
SP – serino-proteolítico
TBE – do inglês “Tris –Buffer EDTA”
TBST – do inglês “Tris-Buffered SalineTween 20”
TE - do inglês “Tris- EDTA”
TNF-α – fator de necrose tumoral - α
U – unidades
Uegf - do inglês “urchin epidermal growth factor”
13
LISTA DE SÍMBOLOS
AMINOÁCIDOS
Cisteína
Cys
Arginina
Arg
Lisina
Lys
Alanina
Ala
BASES NITROGENADAS DOS NUCLEOTÍDEOS
Adenina
A
Timina
T
Guanina
G
Citosina
C
14
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Via alternativa do sistema complemento.
6
Figura 2. O complexo C1 é composto por uma molécula de C1q, C1r e C1s.
7
Figura 3. Via clássica do sistema complemento.
8
Figura 4. Via das lectinas do sistema complemento.
10
Figura 5. Reguladores das vias clássica, das lectinas e alternativa
16
Figura 6. Estrutura modular de C1r e C1s.
22
Figura 7. Disposição de éxons e íntrons nos genes C1s e C1r.
23
Figura 8. Hipótese da remoção de células apoptóticas.
35
Figura 9. Hipótese da indução da tolerância.
37
Figura 10. Heredograma da família portadora de deficiência de C1s.
41
Figura 11. Deficiência da proteína C1s.
51
Figura 12. Investigação da presença de C1s e C1r por Western Blotting.
56
Figura 13. Fibroblastos observados por microscopia confocal.
58
Figura 14. Análise de fibroblastos por microscopia confocal.
59
Figura 15. Expressão de dois transcritos de RNAm do C1s.
60
Figura 16. Diferença de nucleotídeos dos dois transcritos de C1s humano.
61
Figura 17. Expressão do RNAm de C1r e C1s analisado por RT-PCR.
63
Figura 18. Seqüenciamento do cDNA do C1s da paciente IV-1.
64
Figura 19. Seqüência do cDNA do C1s que não apresenta o éxon 3.
65
Figura 20. Presença do éxon 3 de C1s no DNA genômico dos pacientes.
65
Figura 21. Seqüenciamento do cDNA do C1s da paciente IV-1.
66
Figura 22. Substituição de CG na posição 938 do cDNA nos pacientes.
67
Figura 23. Expressão de um transcrito menor de C1s em indivíduos normais.
68
Figura 24. Expressão de diversos transcritos de RNAm nos pacientes
69
15
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Critérios diagnósticos do LES de acordo com o Colégio Americano de
Reumatologia.
2
Quadro 2. Auto-anticorpos presentes no desenvolvimento de LES.
3
Quadro 3. Aspectos Clínicos do Grupos de Imunodeficiências Primárias.
25
Quadro 4. Os 10 sinais de alerta para imunodeficiência primária.
26
Quadro 5. Deficiências de algumas proteínas do sistema complemento.
27
Quadro 6. Deficiência de C1r e C1s
Quadro 7. Seqüência dos primers utilizados na RT-PCR, PCR e no
seqüenciamento.
29-32
49
16
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Avaliação da atividade funcional da via clássica, alternativa e das
lectinas no soro.
53
Tabela 2. Determinação por eletroimunoensaio da concentração das proteínas
C1r e C1s no soro dos pacientes.
54
Tabela 3. Determinação da concentração de proteínas do complemento por
imunodifusão radial e ELISA.
55
17
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO .............................
I.1. Lúpus Eritematoso Sistêmico .............................
I.2. Sistema Complemento .............................
I.2.1. Via Alternativa....................................................................................................................................................5
I.2.2. Via Clássica ........................................................................................................................................................7
I.2.3. Via das Lectinas..................................................................................................................................................9
I.2.4. Funções Biológicas das Proteínas do Sistema Complemento.........................................................................10
I.2.5. Outras Funções de C1r e C1s ...........................................................................................................................13
I.2.6. Proteínas Reguladoras do Sistema Complemento...........................................................................................14
I.2.6.1. Reguladores Plasmáticos …………………………………………………………………………17
I.2.6.2. Reguladores Associados à Membrana Celular …………………………………………………...19
I.2.7. Componentes C1r e C1s ...................................................................................................................................20
I.2.8. Regulação da Expressão de C1s e C1r.............................................................................................................24
I.3. Imunodeficiências Primárias ...............................
I.4. Deficiência de Componentes da Via Clássica ...............................
I.4.1. Deficiência de C1r e C1s..................................................................................................................................28
I.5. Complemento e LES ...............................
II.OBJETIVOS………………………………………………………………………………………………………39
III. RESULTADOS………………………………………………………………………………………………….40
III.1 Pacientes ...............................
III.2. Análise da Atividade do Sistema Complemento ...............................
III.3. Detecção de Proteínas ...............................
III.4. Análise por Western Blotting ...............................
III.5. Cultura de Células ...............................
III.6. Microscopia Confocal ...............................
III.7. Extração de RNA total ...............................
III.8. Reverse Transcriptase – Polymerase Chain Reaction (RT-PCR) ...............................
III.9. PCR ...............................
III.10. Seqüenciamento ...............................
IV. RESULTADOS ...............................
IV.1. Deficiência de C1s ...............................
IV.2. Deficiência de C1s Combinada com a Deficiência de C1r ...............................
IV.3 Western Blotting…………………………………………………………………………………………….55
IV.4. Microscopia Confocal……………………………………………………………………………………….57
IV.5. Expressão de RNAm de C1s em Células de Indivíduos Normais..................................................................60
IV.7. Seqüenciamento ...............................
IV.8. Produção de Diversos Trancritos de C1s........................................................................................................68
V. DISCUSSÃO..........................................................................................................................................................70
VI. CONCLUSÕES.....................................................................................................................................................80
VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................................81
18
I. INTRODUÇÃO
I.1. Lúpus Eritematoso Sistêmico
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença auto-imune de etiologia
desconhecida que afeta mais de um milhão de indivíduos a cada ano, mais freqüente em
mulheres que homens. Na infância, a taxa de ocorrência no sexo feminino para o masculino é
3:1. Durante a puberdade, a taxa passa para 10:1 e depois da menopausa cai para 8:1 (LAHITA,
1999). Esta variação pode estar relacionada a diferenças na produção de certos hormônios como
estrógenos, andrógenos, prolactina e hormônio liberador da gonadotrofina (YACOUB WASEF,
2004).
A palavra lúpus que vem do latim e significa lobo foi utilizada pela primeira vez em
1817 para definir o que é conhecido hoje como lúpus vulgaris, um tipo de tuberculose. Só em
1947, que HARGRAVES et al. descobriram a “célula de lúpus eritematoso” (LE) e em seguida
descobriu-se que o fenômeno da célula de LE era a reação de anticorpos do soro de pacientes
que apresentavam LES com o núcleo (FRIOU, 1958) e nucleoproteínas (HOLMAN
E K UNKEL,
1957). Com o desenvolvimento de métodos diagnósticos mais avançados que possibilitassem a
realização de estudos genético-moleculares, a busca pela causa e tratamento de LES gerou mais
de 40.000 publicações relacionadas com lúpus até o momento, em uma prevalência estimada
entre 17 a 48/100.000 pessoas no mundo (KURIEN E SCOFIELD, 2006).
Atualmente acredita-se que o desenvolvimento da doença depende de fatores genéticos e
ambientais, e a concordância de LES em gêmeos monozigóticos (24 % a 69 %) confirma a
importância da herança genética na prevalência da doença (A RNETT
E
REVEILLE, 1992). As
manifestações clínicas variam muito em cada caso, para tanto o Colégio Americano de
Reumatologia estabeleceu critérios para o diagnóstico de lúpus listados no Quadro 1 (baseado
em TAN et al., 1982 e HOCHBERG et al., 1997). O paciente deve ter pelo menos 4 dos 11 critérios
para ser caracterizado como portador de lúpus completo.
1
Quadro 1 Critérios diagnósticos do LES de acordo com o Colégio Americano de Reumatologia.
Critérios
Definições
Eritema malar
Eritema fixo, plano ou elevado sobre as eminências malares,
poupando dobras nasolabiais
Eritema discóide
Placas eritematosas elevadas com descamação ceratótica aderente,
obstrução folicular ou retração cicatricial atrófica
Fotossensibilidade
Eritema cutâneo após exposição solar (história ou exame físico)
Úlceras orais/nasais
Ulceração oral ou nasofaríngea indolor, observada pelo médico
Artrite
Artrite não-erosiva envolvendo 2 ou mais articulações periféricas
Serosite
Pleurite: história de dor pleural, atrito pleural, derrame pleural ou
pericardite
Glomerulonefrite
Proteinúria persistente > 0,5 g/dia ou 3+ no exame de urina I; ou
cilindrúria
Distúrbios neurológicos
Convulsões ou psicose, na ausência de intoxicação exógena ou
distúrbio metabólico (uremia, cetoacidose, desequilíbrio
eletrolítico)
Distúrbios
hematológicos
Anemia hemolítica com reticulocitose ou leucopenia (< 4.000
leucócitos/mm3) ou linfopenia (< 1.500 linfócitos/mm3), em 2 ou
mais ocasiões ou plaquetopenia (< 100.000/mm3) na ausência de
outra causa
Distúrbios imunológicos
-
Anticorpo anti-DNA nativo ou anti-Sm ou
-
presença de anticorpos anti-fosfolipídios baseado em:
a) níveis anormais de anticorpos anti-cardiolipina: IgG ou
IgM
b) teste positivo para o anticoagulante lúpico ou teste falsopositivo para sífilis, por no mínimo 6 meses.
Anticorpos antinucleares
(ANA)
Um título elevado de anticorpos ANA por imunofluorescência
indireta ou ensaio equivalente, em qualquer período de tempo e na
ausência de drogas conhecidas como causadoras da síndrome do
lúpus induzida por drogas
Fonte: TAN et al., 1982 e HOCHBERG et al., 1997.
2
A presença de elevados títulos de certos auto-anticorpos é característica de LES e isto
pode ser considerado em exames diagnósticos para confirmação da doença. Os auto-anticorpos
mais freqüentes estão listados no Quadro 2.
Quadro 2. Auto-anticorpos presentes no desenvolvimento de LES.
Auto-anticorpo
Descrição
Anti-dsDNA
Anti-DNA nativo, fita dupla
Anti-ssDNA
Anti-DNA de fita simples
Anti-Sm
Anti-ribonucleoproteínas (B/B´, D1,
D2, D3, E, F, G)
Anti-RNP
Anti-ribonucleoproteínas (A e C)
Anti-Ro/SS-A
Anti-Ro (Ro é uma proteína ligada ao
RNA)
Anti-La/SS-B
anti-partícula protéica do RNA que
atua como co-fator para RNA
polimerase.
Anti-P
Anti-fosfoproteínas ribossomais (P0,
P1 e P2)
Anti-C1q
Anti-proteína C1q do complemento
Importância clínica
Alta especificidade para LES, mas é
transiente, podendo não estar presente em
todo o curso da doença. Altos títulos de
anti-dsDNA podem sugerir a presença de
nefrites lúpica.
Baixa especificidade para LES. Pouca
utilidade clínica.
Alta especificidade para LES. Altos
títulos de anti-SmD1 podem indicar
nefrites associadas ao LES. Normalmente
presente em concomitância com anti-RNP
Baixa especificidade para LES. Pouco
associado ao desenvolvimento de nefrite,
mas tende a desenvolver miosites e
fenômeno de Raynaud.
Baixa especificidade para LES. Associado
a neutropenia, leucopenia,
linfoadenopatia, nefrites e vasculites .
Serve como indicativo de LES na
ausência de anti-dsDNA.
Baixa especificidade para LES.
Normalmente presente em concomitância
com anti-Ro. Associado á diminuição de
doenças renais. Associada artrite
reumatóide e poliomiosite.
Serve como indicativo de LES na
ausência de anti-dsDNA.
Alta especificidade para LES.
Associada a distúrbios neuropsiquiátricos
de LES e doenças hepáticas. Os títulos
aumentam na fase ativa de LES.
Baixa especificidade para LES, embora
presente em grande parte dos pacientes.
Incidê
ncia
(%)
80-90
80-90
5-30
30-40
50
15-20
10-15
90
Fonte: KURIEN E SCOFIELD, 2006; e Dra. ELOÍSA S. D. BONFÁ
(http://www.fm.usp.br/departamento/clinmed/reumatologia/lupus.php).
Alguns fatores genéticos aumentam os riscos de desenvolvimento de LES. Por meio de
mapeamento de microsatélites de HLA em pacientes europeus e americanos com lúpus foram
encontrados três haplótipos de risco (DRB1*1501/DQB1*0602, DRB1*0301/DQB1*0201 e
3
DRB1*0801/DB1*0402), sendo todos DR2, que ocorriam com maior freqüência em indivíduos
com LES do que em indivíduos normais. Embora o mesmo não tenha sido observado para HLADR3, ainda é necessário investigar outros loci nas proximidades de DR3 (GRAHAM et al., 2002).
Outro fator a ser considerado é a participação dos receptores Fcγ (FcγR), que por apresentaram
afinidade reduzida por IgG, podem influenciar a fagocitose, aumentando a predisposição do
indivíduo ao LES. Estudos demonstraram que as classes de receptores FcγRIIA, FcγRIIIA
(M AGNUSSON et al., 2004) FcγRIIB e FcγRIIIB (KYOGOKU et al., 2002) estão associadas ao
LES. A molécula Cytotoxic T lymphocyte antigen-4 (CTLA-4) é um importante regulador
negativo de doenças auto-imunes. Trabalhos mostram que o polimorfismo do gene CTLA-4 está
associado a maior suscetibilidade ao desenvolvimento de LES (HUDSON et al., 2002 e
FERNANDEZ-BLANCO et al., 2004). Outra molécula de membrana associada ao desenvolvimento
de LES é a programmed cell death-1 (PD-1). Indivíduos portadores de polimorfismos desta
molécula apresentaram maior tendência para desenvolver nefrite lúpica (PROKUNINA et al,
2004).
Além desses fatores, o sistema complemento está relacionado ao desenvolvimento de
LES, pois há vários casos descritos de deficiências de proteínas da via clássica (C1q, C4 e
C1r/C1s) e da via das lectinas (MBL) que apresentaram desenvolvimento de LES (PICKERING et
al., 2000 e GARRED et al., 2003). Essa relação é observada em modelos animais, nos quais
camundongos deficientes de C1q e C4 apresentaram menor taxa de remoção de restos
apoptóticos (T AYLOR et al, 2000) e maior predisposição a desenvolver doenças auto-imunes
(BOTTO et al., 1998 e PRODEUS et al., 1998).
4
I.2. Sistema Complemento
O sistema complemento é composto por diversas proteínas que participam da sua
ativação, regulação ou ainda como receptores de membrana, atuando em diversas funções da
imunidade humoral e do processo inflamatório.
Esse sistema pode ser ativado por três vias - alternativa, das lectinas e clássica - de forma
seqüencial, em cascata, quando conseqüentemente ocorre fragmentação proteolítica ou mudança
conformacional de seus componentes. Essas 3 vias culminam em uma via terminal comum, onde
há formação do complexo de ataque à membrana ou MAC (do inglês membrane attack
complex), o qual promove a lise celular (YOUNG et al., 1986).
I.2.1. Via Alternativa
PILLEMER et al. (1954) propuseram a existência de uma via cujo início da ativação seria
independente da presença de anticorpos. Sabe-se hoje que esta via é regulada positivamente pela
properdina, a qual acelera e estabiliza a associação de C3b com fator B (fB). A via alternativa
inicia-se com a hidrólise da ligação tiol-éster intra-cadeia de C3α, gerando C3(H2O) que pode
nesta forma ligar-se ao fB. Uma vez complexado a C3(H2O), o fB é clivado pela enzima
denominada fator D (fD), liberando o fragmento Ba, enquanto o fragmento maior, Bb,
permanece ligado a C3(H2O). O complexo formado, C3(H2O)Bb, tem atividade de serinoprotease e constitui a primeira C3-convertase da via alternativa, sendo capaz de clivar o
componente C3 na presença de Mg++, em fragmentos C3a e C3b (Figura 1). Este se liga
covalentemente a grupos hidroxila encontrados, por exemplo, em superfícies celulares ou a
grupos amina presentes em proteínas aceptoras (por exemplo, imunocomplexos). A cascata de
ativação prossegue com a ligação do fB ao C3b, que novamente é clivado pelo fD, formando o
complexo C3bBb, que na presença de Mg++, atua como a segunda C3-convertase da via
alternativa responsável pela geração de mais fragmentos C3b e novas moléculas de. C3
5
convertase. Assim, esta etapa funciona como uma alça de amplificação, que precisa de
reguladores para que não haja um consumo excessivo de componentes do complemento,
especialmente C3.
Algumas moléculas de C3b se associam ao complexo C3bBb para formar um novo
complexo, C3bBb3b, chamado de C5-convertase da via alternativa o qual cliva C5 em C5a e
C5b. A este último fragmento liga-se ao componente C6, formando um complexo C5b6 estável.
Os componentes C7, C8 e várias moléculas de C9 são igualmente anexados a C5b6, compondo
assim o complexo de ataque à membrana (C5b-9n), capaz de promover a lise celular (MÜLLEREBERHARD, 1986).
C3 + H2O
C3(H2O)Bb
(C3-convertase)
fB
fD
Ba
Alça de amplificação
C3
C3a
fD
fB
Ba
C3bBb
(C3-convertase)
C3b
C3bBb3b
(C5-convertase)
C5
C5a
C5b
C5b6789n
MAC
Figura 1. Via alternativa do sistema complemento. Ativação seqüencial em cascata
culmina com a formação do complexo de ataque à membrana (MAC).
6
I.2.2. Via Clássica
Diferente da via alternativa, a via clássica geralmente depende da presença de anticorpos,
pois sua ativação inicia-se quando C1, em presença de Mg++ e Ca++, liga-se aos domínios CH2
da IgG ou CH3 da IgM, uma vez complexadas a antígenos.
O complexo C1 é um complexo Ca2+ dependente composto pelas subunidades C1q, C1r2,
C1s2 (LEPOW et al., 1963 ; GIGLI et al., 1976), como mostra a Figura 2. O inibidor de C1
interage reversivelmente com o complexo C1 não ativo, prevenindo a ativação espontânea de
C1r e C1s.
a)
b)
C1q
C1r
C1s
Figura 2. O complexo C1 é composto por uma molécula de (a) C1q, (b) 2 de C1r e 2 de C1s
(adaptado de GABORIAUD et al., 2004)
A subunidade C1q liga-se à porção Fc da Ig, provocando então uma mudança
conformacional que ativa C1r e, por sua vez, cliva e ativa C1s que passa a exibir sítios
catalíticos que podem clivar C4 e C2 (P ATRICK et al., 1970). Ao ser clivado, o primeiro
7
componente gera dois fragmentos: C4a, uma anafilotoxina e C4b. Assim como C3b, C4b é
capaz de ligar-se covalentemente à superfície celular de microorganismos ou a imunocomplexos
próximos à região de ativação. Desta forma, C4b passa a servir como aceptor para ligação de
C2, o qual por sua vez é também clivado por C1s originando os fragmentos C2a e C2b. O
primeiro permanece ligado ao C4b formando o complexo C4b2a, que é a C3-convertase da via
clássica. Esta enzima cliva moléculas de C3 em fragmentos C3a e C3b. Este fragmento, além de
atuar como opsonina e participar da solubilização de imunocomplexos, dá continuidade à
ativação seqüencial desta e demais vias, ligando-se à superfície da célula na qual se encontra o
complexo C3-convertase, gerando assim a C5-convertase (C4b2a3b) da via clássica (HARMAT et
al., 2004). Ao clivar C5, inicia-se a formação do MAC (C5b-9n), como pode ser observado na
figura abaixo:
C1
mudança
conformacional
de C1q
+
IgM ou IgG + Ag
C1r ativado
C1s
C1s
C2
C4a
C4
C5a
C5
C5b
C2b
C4b
C4b2a
(C3-convertase)
C4b2a3b
(C5-convertase)
C5b6789n
MAC
C3
C3a
Figura 3. Via clássica do sistema complemento. O início da ativação é dependente de anticorpos
complexados a antígenos. A molécula de C1q fixa-se aos anticorpos e ativa C1r e C1s. Estes
possuem atividade enzimática, dando seqüência à ativação do sistema até a formação do complexo
de ataque à membrana (MAC).
8
I.2.3. Via das Lectinas
A via das lectinas foi descoberta por IHARA et al. (1982), que observaram que resíduos
de carboidratos e certos microorganismos ativavam o complemento na ausência de anticorpos,
dependência de Ca2+ e Mg2+, e participação de C4. Participam desta via ficolinas [L-ficolina e
H-ficolina (antígeno de Hakata)] e lectina ligadora de manose (MBL, do inglês mannose binding
lectin), que possuem um domínio do tipo colágeno e outra porção capaz de ligar-se a
carboidratos como manose, manana e N-acetil-glicosamina (M ATSUSHITA e FUJITA, 2002).
Acreditava-se que MBL estivesse associada a C1s e C1r por sua estrutura semelhante a C1q (LU
et al., 1990), mas em 1992, MATSUSHITA e FUJITA demonstraram a presença da enzima MBLassociated serino protease (MASP) e sua associação com MBL. Hoje, sabe-se que se encontram
associadas à MBL 3 diferentes MASPs (MASPs-1, 2 e 3) e uma forma truncada da MASP-2
sem função enzimática, denominada MAp19 (SCHWAEBLE et al., 2002).
Ao ligar-se a carboidratos, a MBL ou as ficolinas sofrem mudanças conformacionais que
resultam na ativação das MASPs. A MASP-2 não necessita de outra protease para ser ativada e é
capaz de clivar C2 e C4 (M ATSUSHITA et al., 2000) gerando C2a e C2b, e C4a e C4b
respectivamente. C3-convertase C5-convertases, culminando com a formação do MAC (Figura
4). A MASP-1 cliva C2, mas não C4, e sua capacidade de clivar C3 é baixa (MATSUSHITA et al.,
2000). Já a MASP-3 não apresenta a mesma atividade que as outras MASPs sobre os
componentes C2, C4 e nem C3, clivando somente a ligação tiobenzil éster de Ncarboxibenziloxiglicina-L-arginina (ZUNDEL et al., 2004), sendo a proteína ligante de fator de
crescimento tipo insulina-5 (IGFBP-5) o primeiro substrato descrito para MASP-3 (CORTESIO E
JIANG, 2006). As funções de Map19 ainda são desconhecidas, mas provavelmente desempenha
um papel regulador.
9
MBL/MASP-1/2
MBL/MASP-2
C2
C2b
C4a
C4
C5a
C5
C5b
C4b2a
(C3-convertase)
C4b
C4b2a3b
(C5-convertase)
C3b
C3
C3a
C5b6789n
MAC
Figura 4. Via das lectinas do sistema complemento. Inicia-se com a ligação de lectinas
ligantes de manose (MBL) a açúcares da parede celular do patógeno e ativação das serinoproteases associadas a MBL (MASP) gerando a cascata de reações das proteínas do
complemento até a formação do complexo de ataque à membrana (MAC).
I.2.4. Funções Biológicas das Proteínas do Sistema Complemento
Lise celular
A ativação das 3 vias do complemento culminam em uma via terminal comum que gera
o complexo C5b-9, conhecido como MAC. A formação deste complexo sobre superfícies
celulares gera poros transmembrânicos que lisam as células por desequilíbrio osmótico (YOUNG
et al., 1986). Foi observado que o complexo C5b-8, mesmo antes da ligação da proteína C9, é
capaz de gerar pequenos poros na membrana celular (TAMURA et al.,1972). Além disso,
M ORGAN
E C AMPBELL
(1985) observou que concentrações sublíticas de MAC na membrana
eram capazes de ativar a célula, fenômeno evidenciado pelo rápido influxo de Ca2+ extracelular
para compartimentos intracelulares.
10
Opsonização
O fragmento C3b gerado pela ativação das 3 vias e o C4b gerado pela ativação da via
clássica e das lectinas, liga-se covalentemente a superfícies celulares de patógenos as quais são
posteriormente reconhecidos pelo receptor de complemento (CR)-1. Da mesma forma, o
fragmento iC3b pode ligar-se a CR3 e CR4. Essas ligações associadas à ligação de IgG ao
receptor Fc, aumentam a eficiência da fagocitose (LAMBRIS, 1988).
Além desses componentes, C1q (MALHOTRA et al., 1994) e MBL (K UHLMAN et al.,
1989) também atuam como opsoninas, ligando-se a receptores de C1q.
Recentemente, foi descrito um novo receptor para iC3b e C3b, denominado CRIg,
expressado em macrófagos humanos e células de Kupffer de camundongos (HELMY et al.,
2006). Observaram macrófagos de camundongos CRIg-/- infectados com Listeria monocytogenes
(patógeno intracelular do trato intestinal) eram incapazes de fagocitar com eficiência os
patógenos opsonizados por fragmentos de C3 na circulação, nos pulmões e no fígado. Além
disso, animais CRIg-/- apresentavam maior taxa de mortalidade após infecção por L .
monocytogenes, mostrando que o receptor CRIg presente na membrana de células de Kupffer
participam da remoção de patógenos da circulação.
Fatores Quimiotáticos e Anafilotoxinas
Os fragmentos C3a e C5a ligam-se aos seus respectivos receptores (C3aR e C5aR),
associados à proteína G (GERHARD E GERHARD, 1994) e assim participam de diversas funções
como regular a vasodilatação, aumentar a permeabilidade de pequenos vasos sangüíneos e
induzir a contração de músculo liso (EMBER et al., 1991). Além disso, podem desencadear a
explosão oxidativa de células como macrófagos (MURAKAMI et al., 1993), neutrófilos (ELSNER
et al., 1994a) e eosinófilos (ELSNER et al., 1994b). Esses fragmentos também participam da
atração quimiotática de eosinófilos (DISCIPIO et al., 1999) e C5a é um potente fator quimiotático
11
para macrófagos (AKSAMIT et al., 1981), neutrófilos (EHRENGRUBER et al., 1994), linfócitos B
ativados (OTTONELLO et al., 1999), linfócitos T (NATAF et al., 1999) e basófilos (LETT-BROWN
E
LEONARD, 1977).
C3a, C4a e C5a são considerados anafilotoxinas, pois estimulam a desgranulação de
basófilos (K RETZSCHMAR et al., 1993) e mastócitos (EL-L ATI et al., 1994), ocasionando a
liberação de histamina e outros mediadores inflamatórios.
Solubilização e Remoção de Imunocomplexos
A deposição de imunocomplexos em diversos tecidos pode ocasionar lesões, desta forma
é importante que haja remoção ou solubilização dos mesmos. FUJITA et al. (1977) demonstraram
que C3b ligava-se a imunocomplexos, solubilizando-os e inibindo a precipitação dos mesmos.
A remoção de imunocomplexos pode ser feita pela ligação de CR1 presente em
eritrócitos a imunocomplexos cobertos por C3b e C4b. Desta forma, os imunocomplexos são
levados ao fígado e baço, onde são removidos da superfície dos eritrócitos por fagócitos como,
por exemplo, células de Küpffer (MEDOF et al., 1983).
Ativação de Linfócitos B
Em 1974, PEPYS demonstrou que C3 era importante para a produção de anticorpos a
antígenos T-dependentes e T-independentes, assim como para geração de linfócitos B de
memória nos centros germinativos (PAPAMICHAIL et al., 1975).
C3b pode ser clivado em iC3b e este em C3dg por fator I (fI) na presença de co-fatores
como fator H (fH). O fragmento C3dg pode se ligar ao complexo CD21, CD19, CD81
aumentando ou inibindo a eficiência e resposta da célula B contra o antígeno complexado ao
C3dg. Esse aumento ou inibição vai depender da concentração e natureza do antígeno
complexado ao C3dg (LEE et al., 2005).
12
Remoção de Células Apoptóticas
C1q é capaz de ligar-se a superfícies de vesículas de queratinócitos apoptóticos (KORB E
AHEARN, 1997), que participa da remoção de células apoptóticas, e, portanto, de auto-antígenos.
M EVORACH et al. (1998), mostraram in vitro que o bloqueio de CR3 e CR4 diminuía a
fagocitose de células apoptóticas por macrófagos. Além disso, a presença de iC3b na superfície
de células apoptóticas sugeria que a remoção das mesmas era mediada por interações entre iC3b
e CR3 e/ou CR4. Uma das possíveis explicações para a associação de deficiências do
complemento e desenvolvimento de LES é a diminuição da remoção de restos apoptóticos. Foi
observado in vitro que macrófagos de pacientes com LES apresentavam menor fagocitose de
células apoptóticas (HERRMANN et al., 1998). BOTTO et al. (1998), demonstraram in vivo que a
deficiência de C1q diminuía a remoção de restos apoptóticos. TAYLOR et al. (2000) propuseram
uma hierarquia de importância entre os componentes da via clássica na remoção de células
apoptóticas, na qual C1q vem à frente de C4 e C3.
I.2.5. Outras Funções de C1r e C1s
Além de atuarem na ativação da via clássica, as proteínas C1r e C1s também participam
da clivagem de moléculas classe I do complexo principal de histocompatibilidade (ERIKSSON E
N ISSEN , 1990). Em 1992, ER I K S S O N e N ISSEN demonstraram que essa atividade gerava
fragmentos solúveis dos domínios α 1 e α2 associados com β 2-microglobulina e que estes
poderiam se ligar a receptores de linfócitos T e prevenir a ativação das mesmas. Já o domínio α3
permanecia associado à membrana da célula apresentadora após clivagem e, desta forma,
poderia talvez interagir com outras moléculas. Uma vez que o domínio α 3 está associado à
indução de apoptose de células imunocompetentes, os autores sugeriram que essa clivagem
poderia prevenir a ativação de células autorreativas, levando-as à morte celular programada.
13
C1s também é capaz de clivar moléculas de colágenos tipo I, tipo II e gelatina
(YAMAGUCHI et al., 1990). Essa clivagem é independente da ativação do complemento, pois
ocorre mesmo na presença de EDTA, e diferentemente de outras colagenases, a clivagem por
C1s é completamente bloqueada pela presença de inibidor de serino-proteases.
NAKAGAWA et al. (1997) observaram que C1s era produzido por condrócitos e que essa
produção aumentava conforme a diferenciação dos mesmos. Em 1999, o mesmo grupo sugeriu a
participação de C1s na degeneração da cartilagem de pacientes com artrite reumatóide.
Também foi demonstrado que C1r, C1s (BUSBY et al., 2000) e MASP-3 (CORTESIO
E
JIANG, 2006) são capazes de clivar a IGFBP-5, a qual por sua vez regula o fator de crescimento
tipo insulina-I (IGF-I), ligando-se ao mesmo. Desta forma, impedindo que o IGF-I fique
disponível para se ligar ao receptor de superfície celular, associado à proliferação celular.
C L E M M O N S et al. (2002) mostraram que a inibição de C1s resultava em aumento da
concentração de IGFBP-5 e de IGF-1 ligado ao IGFBP-5, associando a uma melhora na
osteoartrite em cachorros.
I.2.6. Proteínas Reguladoras do Sistema Complemento
A ativação do sistema complemento é importante para a defesa do organismo contra
patógenos. No entanto, se não houver controle, este sistema poderá atuar de maneira destrutiva
contra tecidos próprios, por isso, a importância de proteínas inibitórias que regulem a ativação
do mesmo. Além disso, a deficiência de proteínas reguladoras do complemento pode levar ao
aumento de consumo de outras proteínas do sistema, podendo gerar deficiências secundárias.
Muitas proteínas reguladoras do complemento possuem genes que se encontram
próximos uns aos outros na região 1q32 (WEIS et al., 1987) chamada de cluster de reguladores
de ativação do complemento ou RCA (do inglês regulators of complement activation). As
proteínas reguladoras de complemento codificadas nesta região são: CR -1 , fH, decayaccelerating factor (DAF), membrane cofactor protein (MCP) e C4b-binding protein (C4BP).
14
Estes reguladores são compostos quase exclusivamente por domínios descritos inicialmente em
proteínas de controle de complemento (CCP - do inglês complement control protein), também
conhecidos como short consensus repeat (SCR), que são domínios globulares formados por 60 a
70 aminoácidos, dos quais quatro cisteínas não variantes são fundamentais para determinar a sua
estrutura.
As proteínas reguladoras de complemento (Figura 5) encontram-se na forma solúvel (fI,
fH, C4BP, inibidor de C1, properdina, clusterina e vitronectina) ou associadas à membrana
celular (CR1, MCP, DAF e CD59).
15
DAF
Via Clássica
fI
MCP
fI
CR1
fI
CR1
fI
C4BP
fI
C4BP
DAF
clusterina
C1qrs
inibidor
C1
C4b2a
(C3-convertase)
MBL-MASPs
Via das Lectinas
C4b2a3b
(C5-convertase)
vitronectina
CD59
C3
C3bBb
(C3-convertase)
Via Alternativa
C3a
C5
C3bBb3b
(C5-convertase)
C5b
C5b678
C5b6789
(MAC)
DAF
DAF
fI
MCP
fI
MCP
fI
CR1
fI
CR1
fI
fH
fI
fH
Figura 5. Reguladores das vias clássica, das lectinas e alternativa do sistema complemento. DAF- fator de aceleração de
decaimento; C4BP – proteína ligante de C4b; MCP- proteína cofatora de membrana; CR1- receptor 1 do complemento.
16
I.2.6.1. Reguladores plasmáticos:
Fator I
O fI é uma serino-protease e atua na clivagem de C4b gerando C4c e C4d. Além disso,
também cliva C3 em C3a e C3b e posteriormente gera iC3b que será depois fragmentado em
C3c e C3dg. Para gerar os fragmentos de C4 e C3, o fI necessita da presença de co-fatores como
fH, C4BP, MCP e CR1 (M ORGAN
E
H ARRIS , 1999). O fI é formado por duas cadeias
polipeptídicas (50kDa e 38kDa) unidas por pontes dissulfeto, e seu gene localiza-se no
cromossomo 4 (CATTERALL et al., 1987; GOLDBERGER et al., 1987) na região q25 (SHIANG et al,
1989).
Fator H
Este regulador atua na via alternativa ao se ligar a C3b, impedindo a formação da C3convertase (C3bBb) e acelerando a dissociação do fB ou do fragmento Bb das C3 e C5convertases. Além disso, atua como co-fator de fI na clivagem de C3b em iC3b (HARRISON e
LACHMANN, 1980).
C4BP
Esta proteína participa da via clássica atuando como co-fator de fI, na clivagem de C4b,
impedindo a formação e reconstituição da C3-convertase (C4bC2a) de via clássica
(SCHARFSTEIN et al, 1978). C4BP também previne a formação de C4b2a, ligando-se a C4b e
acelera o decaimento natural da C3-convertase (GIGLI et al, 1979). Além disso, C4BP tem uma
pequena participação na via alternativa, atuando como co-fator de fI na clivagem de C3b, mas
não atuando na inibição de C3-convertase desta via (BLOM et al, 2003; SEYA et al., 1985).
17
Inibidor de C1
O inibidor de C1 pertence à família dos inibidores de serino-proteases e é formado por
uma cadeia única de 500 aa. É uma molécula de 2 domínios, sendo o domínio N-terminal muito
glicosilado, do tipo mucínico e o outro uma serpina globular. O inibidor de C1 controla a
ativação da via clássica, inativando C1r e C1s, após a ativação de C1 por imunocompelxos
(COOPER, 1985). Isto limita o consumo de C2 e C4, substratos de C1. O inibidor de C1 regula o
consumo de C4 e C2 pela via das lectinas através de interações com as MASP 1 e 2
(MATSUSHITA et al., 2000), mas não com a MASP-3 (ZUNDEL et al., 2004). Além disso, também
participa da regulação da via alternativa, ligando-se a C3b, impedindo a ligação de fB e
conseqüentemente a formação da C3-convertase da via alternativa (JIANG et al., 2001). O
inibidor de C1 também inibe a ativação do sistema da coagulação, através da inativação de
calicreína e plasmina e dos fatores de coagulação XIa e XIIa (ROSEN E DAVIS III, 2005).
Esta proteína está presente no soro humano normal na concentração de 150 µg/ml e é
sintetizada por hepatócitos, monócitos, fibroblastos, células endoteliais, megacariócitos células
da microglia, neurônios e placenta. Sua produção é regulada positivamente por interferon (IFN)γ, interleucina (IL)-6 e fator de necrose tumoral (TNF)-α (PRADA et al., 1998).
Properdina
Esta proteína é um regulador positivo da via alternativa. É capaz de ligar-se ao complexo
C3bBb e C3bBbC3n e aumentar a meia-vida destas 2 convertases (WEILER et al., 1976). Além
disso, a properdina também é capaz de inibir a ligação de fI ao fragmento C3b (MEDICUS et al.,
1976)
18
I.2.6.2. Reguladores associados à membrana celular
CR1 ou CD35
CR1 atua como co-fator de fI na clivagem de C3b em iC3b (FEARON, 1979) e também de
iC3b em C3c e C3dg (MEDOF et al.,1983; MEDICUS et al., 1983). Além disso, CR1 se liga a C4b
facilitando a degradação em C4c e C4d, e acelera o decaimento da C3 e C5 convertase (IIDA E
N USSENZWEIG , 1983). CR1 é encontrado principalmente em eritrócitos e leucócitos (LAY
E
N USSENZWEIG , 1968; F E A R O N , 1980; WILSON et al., 1983) e atua como receptor para
imunocomplexos ou microorganismos opsonizados por C3b e C4b. É uma proteína
transmembrânica com domínio citoplasmático. A forma solúvel de CR1 é provavelmente
proveniente da superfície de leucócitos e é encontrada na circulação sangüínea (HAMER et al.,
1998).
MCP ou CD46
Assim como CR1, MCP também atua como co-fator de fI atuando na clivagem de C3b e
C4b, mas não no decaimento das convertases (KOJIMA et al., 1993). Na ausência de fI, MCP
atua de forma inversa, estabilizando a C3-convertase (SEYA
E
ATKINSON , 1989). Sua forma
solúvel foi detectada no sangue e na lágrima (HA R A et al., 1992; SE Y A et al., 1995;
MCLAUGHLIN et al., 1996). É possível encontrar diferentes isoformas de MCP na mesma célula,
que são provavelmente geradas por splicing alternativo (POST et al., 1991). Assim como CR1, é
uma proteína de membrana que apresenta domínio citoplasmático.
DAF ou CD55
Este regulador atua como acelerador do decaimento da C3-convertase e impede a
formação ou manutenção da C5-convertase (NICHOLSON-WELLER
E
WANG, 1994). Inativa
preferencialmente as convertases da via clássica e, ao contrário da MCP, sua afinidade para C3b
19
e C4b é baixa, mas aumenta quando estas se ligam às convertases (PANGBURN, 1986). DAF é
encontrado em quase todas as células sangüíneas e também na maioria de outras células
(KUTTNER-KONDO et al., 2000), mas não em células NK (do inglês natural killer) e em alguns
linfócitos T (N ICHOLSON-W ELLER et al., 1986; TOMITA et al., 1991). A forma solúvel desta
proteína encontra-se em diferentes fluidos biológicos (ME D O F et al, 1987) e na matriz
extracelular no tecido subendotelial (HINDMARSH e MARKS , 1998). DAF é uma proteína
integrada na membrana por uma âncora de glicosilfosfatidilinoistol (GPI).
CD59
Este regulador pode se ligar a C8 do complexo C5b-8 e ao C9, impedindo a formação do
MAC (MERI et al., 1990). É encontrado em todas as células da circulação e em quase todos os
tecidos (D AVIES et al., 1989; NOSE et al., 1990; MERI et al., 1991). Assim como DAF, CD59
também é encontrado integrado à membrana celular através de uma âncora de GPI. Sua forma
solúvel, encontrada no leite e no plasma seminal, retém a âncora de GPI que permite a ligação à
superfície de células externas (ROONEY et al., 1993; HAKULINEN
E
M ERI, 1995), enquanto na
urina, encontra-se sem a âncora de GPI (LEHTO et al., 1995). O gene C D 5 9 encontra-se
localizado fora da região RCA e foi mapeado no cromossomo 11p13 (BICKMORE et al., 1993).
I.2.7. Componentes C1r e C1s
Os componentes C1r e C1s humanos são glicoproteínas homólogas de 85kDa (NGUYEN
et al., 1988) que fazem parte do complexo C1. Estão presentes no soro humano normal na
concentração de 35 a 50 µg/ml (MORLEY E WALPORT, 2000). Após ativação proteolítica, C1r e
C1s são clivados em duas cadeias cada um deles, uma pesada, chamada de cadeia A (58kDa) e
uma leve, cadeia B (27kDa), segundo KUSUMOTO (1988), as quais permanecem unidas por
pontes dissulfeto. A cadeia A é a cadeia pesada (tanto de C1r como de C1s) e possui 5 domínios
(Figura 6). Os domínios I e III são formados por repetições homólogas primeiramente
20
reconhecidas em C1r/C1s, em proteína de fator de crescimento de epiderme de-ouriço-do mar
(Uegf - do inglês Urchin epidermal growth factor) e na proteína I morfogenética de osso
humano (CUB - C1, Uegf, Bone); o domínio II primeiramente descrito no precursor do fator de
crescimento de epiderme (EGF); por fim, os domínios IV e V são formados por repetições
homólogas de CCP também encontradas em diversas proteínas do complemento, como por
exemplo, fB, H e C4BP, segundo ARLAUD et al. (2002).
Os módulos CUB de C1r e C1s contêm entre 110 a 120 resíduos hidrofóbicos e
aromáticos; e o módulo CUB1 de cada um deles apresenta apenas uma ponte dissulfídica (Cys3Cys4). Embora o módulo CUB1 de C1s não seja glicosilado, o módulo CUB2 de C1s e os dois
módulos CUB de C1r apresentam oligossacarídeos localizados conforme ilustrado na Figura 6
(ARLAUD et al., 2002).
O segundo domínio (EGF) está presente em várias proteínas solúveis que se ligam a
membranas celulares e estão envolvidas em diversas funções biológicas como coagulação
sangüínea, adesão celular, desenvolvimento neuronal (CAMPBELL
E
BORK, 1993). Os domínios
EGF de C1r e C1s possuem 53 e 44 aa respectivamente e interagem com Ca2+. Foram
observados os 4 sítios de ligação de Ca2+ no dímero de C1s e a localizações dos mesmos
concentra-se nos sítios I e II. O sítio I, do conjunto CUB1-EGF, está na interface intra- e intermonômeros, enquanto o sítio II estabiliza a parte distal do CUB1, garantindo a associação dos
monômeros de C1r com C1s (GREGORY et al., 2003).
Conforme mencionado anteriormente, os módulos CCP variam de 60 a 70 aa e, assim
como o módulo CUB, apresentam resíduos hidrofóbicos e aromáticos, além de quatro Cys que
formam duas pontes dissulfídicas, fundamentais para formar a sua estrutura globular. Como
mostra a Figura 6, embora os módulos CCPs de C1r não sejam glicosilados, observa-se a
presença de oligossacarídeo no módulo CCP2 de C1s.
21
A cadeia B de C1r e C1s contém 242 e 251 aa respectivamente, sendo que a primeira
possui dois oligossacarídeos e a segunda não é glicosilada. A cadeia B contém o domínio serinoproteolítico (SP), o qual participa da auto-ativação de C1r, da clivagem da C1s mediada pela
C1r e da clivagem de C4 e C2 nas ligações Arg-Ala e Arg-Lys, respectivamente, mediada por
C1s (ARLAUD et al., 2002). Observou-se também que, embora a clivagem de C2 dependa
somente dos domínios CCP2-SP de C1s, no caso de C4, além de CCP2-SP, é necessária uma
ligação da proteína C4 ao domínio CCP1, que melhora a disposição da mesma facilitando sua
clivagem (BALLY et al., 2005).
cadeia A
I
CUB1
CUB1
II
EGF
EGF
cadeia B
III
IV
V
CUB2
CCP1
CCP2
SP
C1r
CUB2
CCP1
CCP2
SP
C1s
Figura 6. Estrutura modular de C1r e C1s. As flechas representam a ligação Arg-Ile que é
clivada para ativar a proteína. Os losangos representam oligossacarídeos. Domínios I e III
foram primeiramente reconhecidos em C1r/C1s, proteína Uegf e proteína I morfogenética do
osso humano - CUB, domínio II é formado por uma seqüência precursora do fator de
crescimento de epiderme - EGF, domínios IV e V são repetições homólogas conhecidas como
complement control protein – CCP, (ARLAUD et al., 2002). As cadeias A e B estão
representadas por vermelho e azul, respectivamente.
Além da estrutura semelhante das proteínas C1r e C1s, seus respectivos genes estão
localizados no braço curto do cromossomo 12, na região p13 (NAUYEN et al., 1988), com apenas
9,5 kb de distância entre as extremidades 3' de cada um. (KUSUMOTO et al., 1988). O gene C1s
22
(13 kb) contém 12 éxons (TOSI et al., 1989) (Figura 7), sendo o último responsável por
codificar os resíduos necessários para a atividade proteolítica deste subcomponente. O gene C1r
possui 11 kb de tamanho e a disposição de éxons e íntrons é muito semelhante àquela
encontrada em C1s (NAKAGAWA et al., 2003).
1
2
3
4
5
6
7
8
9
208
178
126
200
154
116
79
10
11
12
C1s
pb
(147)
(74)+5
2
C1r
pb
(51)+2
29
3
4
193
147
197
5
6
148
7
122
129
8
75
9 10
79 156
75
197+(379)
11
12
770+ (217)
Figura 7. Disposição de éxons e íntrons nos genes C1s (verde) e C1r (azul). Os números
abaixo dos desenhos indicam os tamanhos dos éxons (Adaptado de N AKAGAWA et al.,
2003).
TOSI et al. (1987) observaram a presença de 3 transcritos de RNAm de C1s com
tamanhos estimados em: 3,2; 3,1 e 2,9 kb cada. O tamanho do cDNA de C1r também é
heterogêneo, estimado em aproximadamente 2,5 kb (LEYTUS et al., 1986).
Os RNAs menssageiros de C1r e C1s são expressados em diversos tecidos e órgãos
como fígado, rim e cérebro (KUSUMOTO et al., 1988) e sabe-se que estas proteínas podem ser
sintetizadas in vitro por células de hepatoma (MORRIS et al., 1982), fibroblastos (R EID
E
SOLOMON, 1977), macrófagos (M ULLER et al., 1978), condrócitos (NAKAGAWA et al., 1999) e
monócitos (CHEVAILLER et al., 1994).
23
I.2.8. Regulação da Expressão de C1s e C1r
A expressão de muitas proteínas do sistema complemento é regulada por citocinas próinflamatórias como IFN-γ, fator de necrose tumoral TNF-α, IL-1 e IL-6 e substâncias como
lipopolissacarídeo (LPS) e anti-inflamatórios como dexametasona. A expressão de C1r e C1s é
regulada positivamente por IL-1 α, IL-1 β, TNF- α e IL-6 em astrócitos e células da microglia
(VEERHUIS et al.,1999); e por IFN- γ em células epiteliais glomerulares (LAUFER et al., 1997),
células esqueléticas musculares (L EGOEDEC et al., 1997), gliomas (GASQUE et al., 1993) e
células HepG2 (hepatócitos tumorais) (K ATZ et al., 1993). Além disso, o promotor de C1s é
regulado positivamente por estímulos de IL-6, IL-1 e IFN- γ (ENDO et al., 2002). Em monócitos,
a expressão de C1s é regulada positivamente por IFN- γ, o que não ocorre com C1r, que pode
indicar uma regulação independente dos dois genes (CHEVAILLER et al., 1994). Segundo
M ORALEZ et al. (2003), C1s e C1r são regulados positivamente por IL-1 β e TNF- α em
fibroblastos e músculo liso de aorta suína. Porém, dexametasona regula positivamente C1r, mas
não tem efeito algum sobre a produção de C1s.
I.3. Imunodeficiências Primárias
As imunodeficiências congênitas ou primárias (IDP) são raras e causadas por defeitos
genéticos que causam maior suscetibilidade a infecções, manifestadas no lactente, na infância ou
mesmo na fase adulta do indivíduo. IDPs podem ser causadas por defeitos na produção ou
funcionalidade de componentes da imunidade adaptativa, por exemplo: anticorpos, linfóctiso B
e T, assim como da imunidade inata, por exemplo: neutrófilos, fagócitos, complemento e células
natural killer. Em 1970, a Organização Mundial da Saúde reuniu um comitê para definir e
classificar as IDPs (FUDENBERG et al., 1970) e a cada dois anos esta classificação é atualizada.
A última reunião foi realizada em junho de 2005 em Budapeste, Hungria. Nesta, mais de 120
IDPs foram organizadas em 8 grupos (NOTORANGELO et al., 2006), resumidos no Quadro 3.
24
Quadro 3. Aspectos Clínicos do Grupos de Imunodeficiências Primárias
Grupo
Padrão de Infecção
Imunodeficiências combinadas
de linfócitos T e B
Deficiência de anticorpos
(linfócitos B e produção de
anticorpos)
Síndromes de imunodeficiência
(Wiskott-Aldrich; Defeitos no
reparo de DNA; Di George;
displasia imuno-óssea;
Hermansky-Pudlak tipo 2; HíperIgE e Candidíase mucocutânea
crônica)
Infecções oportunistas:
micobactérias, citomegalovírus,
vírus Epstein-Barr, varicela,
enterovírus, cândida e
Pneumocystis carinii
(pneumonia)
Bactérias encapsuladas:
Haemophilus influenzae,
pneumococos, estreptococos.
Fungos e parasitas: Giárdia
lamblia, criptosporídio
Vírus: enterovírus
Infecções bacterianas
Candidíase mucocutânea crônica
Doenças de imuno desregulação
(Hipopigmentação; Linfohistiocitose hemofagocítica;
síndrome linfoproliferativa ligada
ao X; síndromes com
autoimunidade)
Infecções por bactérias e vírus
Candidíase
Defeitos na fagocitose
Bactéria: Staphylococcus aureus,
pseudomonas, salmonela
Micobactérias
vírus
Defeitos na imunidade inata
(Afeta linfócitos, monócitos,
granulócitos e queratinócitos)
Infecções bacterianas,
micobactérias, papiloma vírus
humano
Doenças autoinflamatórias
(Afeta neutrófilos, monócitos e
grnulócitos)
Infecções por bactérias
Deficiência de Complemento
Infecções por neisseria:
meningococo e gonococo
Outros Características
Infecção oral
Doença do enxerto contra hospedeiro
dos linfócitos maternos
Excesso de diarréia
Infecções pós vacinação
Repetidas infecções: sinusites, otites
media e bronquites
Problemas crônicos gastro-intestinais
Autoimunidade
Paralisia por Pólio após vacinação
Imunodeficiência comum variável
Doenças auto-imunes
Trombocitopenia
Ataxia
Microcefalia
Hipoparatiroidismo
Nanismo
Neutopenia
Albinismo oculocutâneo
Osteoporose
Albinismo parcial
Encefalopatia
Inflamação grave
Megalosplenia
Doenças auto-imunes
Infecções graves por patógenos
comuns
Formação de granulomas: enterite
granulomatosa
Abscesso, infecções na pele,
cavidade oral e anorretal
Displasia ectodérmica anidrótica
Hipogglobulinemia
Diminuição de células T, ou B, ou
neutrófilos
Vários epsódios de febre, urticária,
rash em neonatos, artrite, uveite
doença de Crohn
Doenças reumatóides
Lúpus
Angioedema hereditário
Síndrome hemolítico urêmica
Fonte: Cooper et al., 2003; Notorangelo et al., 2006.
Em 1996, a Fundação Jeffrey Modell criou uma lista de sinais de alerta para a IDP, e o
Grupo Brasileiro de Imunodeficiência (BRAGID) adaptou para o nosso meio
(www.imunopediatria.org.br) como mostra o Quadro 4:
25
Quadro 4. Os 10 sinais de alerta para imunodeficiência primária.
1- Duas ou mais pneumonias no último ano.
2- Quatro ou mais novas otites no último ano.
3- Estomatite de repetição ou monilíase por mais de dois meses.
4- Abscessos de repetição ou ectima.
5- Um epsódio de infecção sistêmica grave (meningite, osteoartrite, septicemia).
6- Infecções intestinais de repetição/ diarréia crônica.
7- Asma grave, doença do colágeno ou doença auto-imune.
8- Efeitos adversos ao BCG e/ou infecção por Micobactéria.
9- Fenótipo clínico sugestivo de síndrome associada à imunodeficiência.
10- História familiar de imunodeficiência.
Fonte: BRAGID (www.imunopediatria.org.br); adaptado da FUNDAÇÃO J EFFREY MODELL
(www.jmfworld.org).
O reconhecimento e diagnóstico de IDP no começo de seu desenvolvimento pode alterar
o curso da doença e gerar efeitos positivos no seu tratamento. Embora pacientes deficientes de
proteínas do complemento representem apenas 2 % de pacientes com IDP (COOPER et al., 2003,
REIS et al., 2006), muitos deles sofrem de repetidas infecções que podem ser letais, e em alguns
casos desenvolvem doenças auto-imunes como lúpus. O estudo dos casos destes pacientes pode
direcionar para um tratamento mais adequado, além de contribuir para o entendimento do papel
fisiológico do complemento e sua associação com desenvolvimento de doenças auto-imunes.
26
I.4. Deficiência de Componentes da Via Clássica
Deficiências de componentes do sistema complemento (Quadro 5) podem levar a um
aumento da suscetibilidade a infecções por bactérias piogênicas, enquanto defeitos na imunidade
celular tornam o indivíduo mais propício a infecções por vírus e por outros microorganismos de
vida intracelular.
Quadro 5. Deficiências de algumas proteínas do sistema complemento.
COMPONENTE
O
N DE CASOS
Via Clássica
C1q
42
C1r e/ou C1s
15
C4
24
C2
>100
C3
27
Inibidor de C1
>100
Via das Lectinas
MBL
>30
Via Alternativa
Fator D
1
Properdina
>50
Fator I
31
Fator H
22
Componentes Terminais
C5
19
C6
>50
C7
26
C8
32
C9
>50
CARACTERÍSTICA
DOENÇA ASSOCIADA
Ativação defeituosa da via
clássica
Ativação defeituosa da via
clássica
Ativação defeituosa da via
clássica
Ativação defeituosa da via
clássica
Ativação defeituosa da via
clássica e alternativa
Ativação continua da via
clássica e das lectinas
LES; Infecções piogênicas
Ativação normal das vias
clássicas e alternativa
Defeito de opsonização, LES
Ativação defeituosa da via
alternativa
Ativação defeituosa da via
alternativa
Ativação defeituosa da via
alternativa
Redução das outras proteínas
da via alternativa
Infecção por Neisseria; Outras
infecções piogênicas
Infecção por Neisseria; Raras
outras infecções piogênicas
Infecções piogênicas;
Glomerulonefrite; LES
Infecções piogênicas;
Glomerulonefrite; LES;
Síndrome hemolítica urêmica
Formação defeituosa do MAC
Formação defeituosa do MAC
Formação defeituosa do MAC
Formação defeituosa do MAC
Formação defeituosa do MAC
Infecção por Neisseria
Infecção por Neisseria
Infecção por Neisseria
Infecção por Neisseria
Infecção por Neisseria
LES; Infecções piogênicas
LES; infecções piogênicas;
Glomerulonefrite
LES; Infecções piogênicas;
Glomerulonefrite.
Infecções piogênicas;
Glomerulonefrite.
Angioedema, LES
Fonte: Adaptado de MORGAN E WALPORT, 1991 e REIS et al., 2006
LES - lúpus eritematoso sistêmico; MAC – complexo de ataque à membrana.
27
I.4.1. Deficiência de C1r e C1s
As deficiências de C1r são geralmente combinadas com deficiência de C1s e os
indivíduos deficientes podem ser assintomáticos ou apresentarem diversos sintomas como
pneumonias, vasculites, infecções por estafilococos, glomerulonefrites, rash, hematúria, LES,
tuberculose pulmonar entre outros (PICKERING et al., 2000). Foram descritos 15 casos da
deficiência de C1r e C1s resumidos na Quadro 6, sendo que as bases moleculares da deficiência
foram analisadas em apenas 3 deles (INOUE et al., 1998; ENDO et al., 1999; DRAGON-DUREY et
al., 2001) . Em geral, há predominância da deficiência de C1r ou C1s. No entanto, quase todos
os casos apresentam menores concentrações da outra, isto é, casos de deficiência de C1s
apresentam baixos níveis de C1r e vice-versa. Isto provavelmente ocorre devido ao fato dos
genes das duas proteínas estarem localizados muito próximos no cromossomo 12 região p13
(NGUYEN et al., 1988).
28
Quadro 6. Deficiência de C1r e C1s
Caso Referência
Idade
Testes laboratoriais
1
PONDMAN et al,
1968
6 anos F ?
2
PICKERING et al,
1970
13 anos F ?
3, 4
DAY et al, 1972; DE
BRACCO et al, 1974;
MONCADA et al,
1972.
18 anos M,
Porto Rico
24 anos F,
Porto Rico
- CH50 = zero
- Ausência de C1
- Inibidor de C1 elevado
(150-300%)
- Adição de C1s purificado
reconstituiu hemólise EA
- Adição de C1q e C1r não
reconstituiu.
- Traços de atividade de
C1r.
- CH50 < 1
- C1q e C3 normais
- C1s ~ 30% - 40%
(atividade menor que
normal)
- C4 e inibidor de C1
elevados
- Adição de C1r purificado
reconstituiu hemólise EA
- ANA-, LE-.
- CH50 < 12 U/ml, C4
elevado
- C1r não detectável no soro
por Ouchterlony, atividade
hemolítica restaurada com
adição de C1r purificado,
C3 elevado e C5 elevado.
- C1s 11,7µg/ml (normal
30 µg/ml.)
- Atividade bactericida do
soro e imuno aderência
reduzidas.
- CH50 < 12 U/ml, C4
elevado
- C1r não detectável no soro
por Ouchterlony, atividade
hemolítica restaurada com
adição de C1r purificado,
atividade hemolítica de C3
e C5 elevada, de C6, C7 e
C8 um pouco elevada.
- C1s 12,8 µg/ml (normal
30 µg/ml.).
- Atividade bactericida do
soro e imuno aderência
reduzidas.
Quadro clínico
Notas
- 5 meses- Igs fixadas
na membrana da pele
- 10 meses- ANA+;
teste celular para LE
negativo
- gradualmente
desenvolveu LES.
- tratamento com
corticosteróide
- glomerulonefrite
crônica
- talvez C1r e C1s
regulem síntese de
catabolismo do C4
- C1r importante
para a manutenção
da macromolécula
C1.
-5 anos, manifestações
semelhantes ao lúpus.
- lesões na pele
-13 anos, eritematoses.
- Hospitalizado 3
vezes aos 16 anos
com febre, náuseas e
poliartrite.
- 17 anos, glomerulite
membranosa.
- 3 irmãos
morreram: 1) 12
anos, sintomas
similares a lúpus;
2) gastroenterite;
3) infância, causa
desconhecida.
- otite média
recorrente e infecções
no trato respiratório
(na infância).
- poliartralgia e
rinobronquites
recorrentes.
29
Quadro 6. Deficiência de C1r e C1s (continuação).
Caso Referência
Idade
Testes laboratoriais
Quadro clínico
Notas
5, 6,
7,8
14 anos F,
Porto Rico
- CH50 < 10 U/ml
- ANA-, LE-, anti-La
positivo (1/320)
- biópsia da pele:"lúpus
eritematoso"
- C1r < 0,01 O.D. U/ml
- C1s < 10 mg/ml
- C4, C2, C5, C6 e C8
elevados
- inibidor de C1 presente.
- heterozigoto para HLAA9, B5/ HLA-A19, B12.
- rash facial
- meningite três vezes
- alopecia
- poliartropatia
deformadora
- febre com espasmos
- hipertensão.
16 anos F,
Porto Rico
- CH50 < 10 U/ml
- ANA+ 1/20, anti-La
positivo 1/160.
- C1r < 0,01 O.D. U/ml
- C1s < 10 mg/ml
- C4, C6 e C8 elevados
- inibidor de C1 presente.
- heterozigoto para HLAA9, B5/ HLA-A19, B12.
- assintomática
- pais
consangüíneos
(mãe saudável e
pai com
osteoartrite).
- 3 irmãos
morreram: 1) 10
anos M, artrite,
rash eritematosa na
face e nas mãos
desde os 18 meses.
2) 6 anos F,
meningite. 3) 7
meses F, diarréia.
- 4 irmãos
saudáveis e não
afetados pela
deficiência de C1r:
26 anos M, 25
anos M, 24 anos
M, 9 anos M.
20 anos M,
Porto Rico
- CH50 < 10 U/ml
- ANA+ 1/30, DNA-, LE-,
anti-La positivo 1/640.
- Biópsia renal
imunofluorescente para
IgA, IgG, IgM, C3, C4 e
C1q (mesângio).
- C1r < 0,01 O.D. U/ml
- C1s < 10 mg/ml
- C4, C5, C6, C7 e C8
elevados
- inibidor de C1 presente.
- heterozigoto para HLAA9, B5/ HLA-A19, B12.
- lúpus eritematoso
discóide severo.
- fotosensibilidade
-poliartralgia
- fenômeno de
Raynaud
- alopecia
- celulite
- pneumonias
-proteinúria e
hematúria
31 anos M,
Porto Rico
- CH50 < 10 U/ml
- ANA pouco positivo, antiLa positivo 1/640.
- C1r < 0,01 O.D. U/ml
- C1s 12 mg/ml
- C4, C6 elevados
- inibidor de C1 presente.
- heterozigoto para HLAA9, B5/ HLA-A19, B12.
- saudável
- histórico de
tuberculose e
linfadenite
LEE et al, 1978;
CHASE et al, 1976.
30
Quadro 6. Deficiência de C1r e C1s (continuação).
Caso Referência
Idade
Testes laboratoriais
Quadro clínico
Notas
10
GARTY et al, 1987
2 anos M,
Porto Rico
- CH50 = zero
- C1s 50% do normal
- C1r ausente
- C4 elevado
- C1q presente
- IgE normais
- suscetibilidade a
estafilococos.
- pais e irmãos
saudáveis e com
níveis normais de
C1s e C1r.
- um irmão morreu
aos 3 meses após
febre.
11
ELLISON et al, 1987
35 anos F,
Afroamericana
12
SUZUKI et al, 1992;
INOUE et al, 1998.
26 anos M,
Japonês
- CH50 = zero
- C1r ausente
- C1s normal (50 µg/ml)
- C1q normal (101 µg/ml)
- C4 elevado
- inibidor de C1 elevado
(analisados por
imunodifusão radial)
- CH50 < 1 U/ml
- ANA+ 1/160, DNA+, antiLa positivo, LE-, anti-RNP-.
- biópsia renal positiva para
IgG e C3.
- C1s ausente
-C1r 45% do normal
- C1q normal.
- atividade hemolítica de C4
elevada.
- atividade hemolítica de
inibidor de C1 elevada.
- abcesso hepático por
estafilococos
- 2 pneumonias
(pneumatocele e
empiema)
- linfadenite por
estafilococos
- otites média
recorrentes
- bacteremia por
pneumococos.
Infecção gonocócica
disseminada; abuso de
álcool e drogas.
- rash,
- glomerulonefrite,
proteinúria, hematúria
(desde os 11 anos).
- tuberculose
pulmonar.
- nefrectomia por
hidronefrose.
- cardiomiopatia.
- terapia de reimplante
renal (aos 26 anos).
- Homozigose para
deleção de 4 pb no
éxon 10 do gene
C1s (TTTG)
resultando em um
códon de parada
prematuro.
Heterozigose
presente na mãe.
13
CHEVAILLER et al,
1994
60 anos F, ? - CH50 < 5%,
- ANA+ 1/1000, DNA+,
anti-Ro+. Biópsia da pele
positiva para anti-µ+
- C1r < 12%
- C1s 37%
- C1q normal
- C4, C3, C5 e inibidor de
C1 elevados
- LES
- hipertensão
- rash
- vasculite arterial
- morte por
hemorragia
intracerebral
- A expressão de
C1s é regulada
positivamente por
IFN-γ, o que não
ocorre com C1r
14
ENDO et al, 1999
6 anos M,
Japonês
- síndrome
hemofagocítica
associada a vírus.
- febre, convulsão e
perda da consciência
aos 6 anos.
- morte aos 7 anos.
- pais e um irmão
apresentavam 50%
de C1s.
- Deficiência de
C1s heterozigota:
deleção de 4pb no
gene de C1s
paternal (TTTG
gerando códon de
parada prematuro
no éxon 10), e no
maternal uma
substituição de G
por T, gerando
códon de parada no
éxon 12.
- CH50= zero
- C1s ausente
- C1r e C1q presentes
- produtos truncados de C1s
não detectados no soro dos
pacientes por Western blot
- soro da irmã e da
filha apresentaram
CH50 normal e
concentração
normal das
proteínas do
complemento.
31
Quadro 6. Deficiência de C1r e C1s (continuação).
códon de parada no
éxon 12.
15
DRAGON-DUREY et
al, 2001
2 anos F,
caucasiana
- CH50 = zero
- ANA+ 1/500,
- C4 e inibidor de C1
elevados
- C1s ausente
- C1q e C1r presentes
- Adição de C1s purificado
reconstituiu hemólise EA
- HLA A1-28, B8-14, C7-8,
DR 3-13
- síndrome similar a
LES.
- Tireoidite de
Hashimoto
- hepatite autoimune
- Homozigose para
a substituição de C
por T no códon
534 gerando códon
de parada no éxon
12.
Fonte: Adaptado de PICKERING et al., 2000.
ANA – anticorpo anti-núcleo; anti-Ro, anti-Sm e anti-RNP, anti-La - anticorpos específicos para identificação de
lúpus (ver Quadro 1); CH50 – atividade hemolítica mediada pela via clássica; LES – lúpus eritematoso sistêmico.
I.5. Complemento e LES
Deficiências homozigóticas das proteínas da via clássica são geralmente associadas a
maior suscetibilidade a doenças auto-imunes como lúpus eritematoso sistêmico (LES) e há uma
hierarquia de gravidade dependente de qual proteína é deficiente. Dos 42 casos descritos de
deficientes homozigotos de C1q, 39 (93%) apresentam LES, geralmente casos graves. Seguindo
a hierarquia, os casos de deficiência C1r e C1s, em geral combinados, apresentam um grau
elevado de gravidade e 60% de freqüência (9 dos 15 casos de deficientes apresentam a doença).
Um total de 18 dos 24 (75%) casos de deficientes de C4 apresentou LES em menor grau de
gravidade. Apesar de muito freqüente, a deficiência hereditária de C2 é associada ao LES em
apenas 13% dos casos, além de ser menos grave (PICKERING et al., 2000). E, embora associada
ao desenvolvimento de glomerulonefrite e infecções piogênicas, a deficiência de C3 não está tão
associada ao desenvolvimento de lúpus. Apenas 6 dos 28 (21%) casos apresentavam
desenvolvimento de lúpus ou doença similar a lúpus (REIS et al., 2006).
Pacientes que desenvolvem LES associado à deficiência de proteínas do complemento
apresentam uma forma peculiar da doença, no observa-se um padrão de características que
incluem: fotosensibilidade grave com rash na pele, normalmente acompanhada de altos títulos
32
anticorpos anti-Ro (MEYER et al., 1985). Esses pacientes desenvolvem a doença quando jovens
e não há predominância feminina, o que sugere que outros fatores genéticos tenham pouca
influência nesses casos.
Algumas hipóteses tentam explicar o papel do complemento no desenvolvimento de
LES, sendo três delas as mais relevantes:
1- Deposição de imunocomplexos
Inicialmente acreditava-se que defeitos na remoção de imunocomplexos dependente de
complemento fossem o principal motivo para o desenvolvimento de doenças auto-imunes. Esta
hipótese baseava-se no fato da deficiência de C1 atrasar a precipitação de imunocomplexos,
soros deficientes em C3, C4 ou C2 não prevenirem a precipitação de imunocomplexos
(SCHIFFERLI et al., 1983) e a deposição de fragmentos de C3 no antígeno bloquear o sítio de
interação antígeno-anticorpo (WALPORT et al., 1987). Assim, na deficiência de complemento,
imunocomplexos podem escapar da remoção, depositar-se nos tecidos e causar dano, uma vez
ligados a receptores de Fc encontrados em neutrófilos e leucócitos.
Há grupos que demonstram evidências de que a remoção de imunocomplexos está
diminuída em LES e encontra-se associada a baixos níveis de complemento (WALPORT et al.,
1998). Além disso, animais deficientes de complemento desenvolvem glomerulonefrite
espontânea (MITCHELL et al., 1999 e SEKINE et al., 2001) e a glomerulonefrite induzida é
exacerbada em animais C1q deficientes (ROBSON et al., 2001).
No entanto, existem outros grupos que acreditam que esta hipótese não explica por si só
a importância de complemento para o desenvolvimento de LES. Acreditam que uma falha geral
na remoção de imunocomplexos não levaria a um fenótipo característico de LES como acontece
com pacientes deficientes de complemento. Além disso, pacientes que desenvolvem LES e são
deficientes de complemento, não apresentam necessariamente maior deposição de
imunocomplexos que outros pacientes de LES que apresentam níveis normais de complemento.
33
A maioria dos complexos antígeno-anticorpo pode ser removida pela via alternativa que é
funcional nestes pacientes. Alguns pacientes deficientes de C2 apresentam LES, sendo que estes
são capazes de ativar a via clássica e formar fragmentos C4b, que participa da remoção de
imunocomplexos (NAVRATIL et al., 1999).
2- Remoção de células apoptóticas
Há fortes evidências de que a resposta de auto-anticorpos observada em pacientes com
LES é específica para auto-antígenos (e não por anticorpos policlonais de reação cruzada com
auto-antígenos). A possível relação entre células apoptóticas e produção de auto-anticorpos de
LES foi estabelecida por CASCIOLA-ROSE et al. (1994), que mostraram que muitos autoantígenos encontrados em pacientes com lúpus estavam localizados na superfície de restos
apoptóticos e vesículas apoptóticas. Outros estudos sobre o mecanismo de remoção de restos
apoptóticos foram realizados, quando se notou que macrófagos derivados de monócitos do
sangue periférico de pacientes com LES apresentavam defeito na fagocitose de células
apoptóticas (HERRMAN et al., 1998). A idéia de que o complemento estaria implicado na
patogenia do lúpus foi endossada por KORB E AHEARN (1997), quando viram que C1q ligava-se
a queratinócitos apoptóticos. Excesso de células apoptóticas foi observado em rins de
camundongos C1q deficientes (B OTTO et al., 1998). T AYLOR et al. (2000) mostraram que
macrófagos peritoneais de animais C1q-/- ou C4-/- apresentavam falha na remoção de timócitos
apoptóticos e células Jurkat humanas. Da mesma forma, macrófagos humanos de indivíduos
deficientes de C1q apresentaram pior remoção de células apoptóticas, este quadro foi revertido
pela adição de C1q purificado, quando também mostraram que essa remoção poderia igualmente
ser mediada pela ligação de fragmentos de C3 (MEVORACH et al., 1998).
Essas observações apoiam a hipótese de que o complemento participa da prevenção da
autoimunidade através de seu papel na remoção de restos apoptóticos, onde a ausência de certas
proteínas do complemento como C1q e C4 levaria a uma pior remoção de restos apoptóticos e,
34
portanto, aumentaria a possibilidade de restos apoptóticos serem reconhecidos por linfócitos
autorreativos, desencadeando o desenvolvimento de doenças auto-imunes como LES (Figura
8). Esta hipótese também é discutível, uma vez que C3 também participa da remoção de restos
apoptóticos e da apresentação de antígenos para linfócitos B, porém os casos de deficiência de
C3 não estão tão relacionados ao desenvolvimento de LES como os deficientes de C1q e C4.
CARROLL, 2004
Figura 8. Hipótese da remoção de células apoptóticas. C1q e C4 participam da
remoção de restos apoptóticos levando à ativação de células maduras, B e T. A
ausência dessas proteínas permite uma maior disponibilidade de antígenos para
linfócitos autorreativos (retirado de CARROLL, 2004).
3- Indução da tolerância
Uma terceira hipótese foi proposta por CARROLL (2000), de certa forma ligada à hipótese
da remoção de imunocomplexos, mas envolve o complemento na participação da tolerância de
auto-antígenos. Nesta hipótese, considera-se que a imunidade inata participa da apresentação de
auto-antígenos para linfócitos B em desenvolvimento, aumentando a seleção negativa. As
deficiências na imunidade inata poderiam alterar mecanismos de tolerância de linfócitos B,
permitindo que linfócitos B autorreativos escapassem para a circulação. Sabe-se que animais
35
deficientes de C4 (FISCHER et al., 1996), C3 (DACOSTA et al., 1999) e CR1/CR2 (AHEARN et
al., 1996) apresentam falha na resposta de linfócitos B a auto-antígenos dependentes e
independentes de linfócitos T. Além disso, os experimentos de PRODEUS et al. (1998) deram
base à essa hipótese, pois utilizando camundongos transgênicos que expressavam
imunoglobulina específica para lisozima de ovo de galinha (do inglês hen-egg lysozyme –HEL)
e um segundo grupo de camundongos transgênicos para a mesma imunoglobulina e para o
antígeno na forma solúvel (sHEL), observaram que os animais do primeiro grupo apresentaram
desenvolvimento normal de linfócitos B na ausência do antígeno. Porém, animais do segundo
grupo, que expressavam o antígeno na forma solúvel além da imunoglobulina específica para
HEL, apresentaram linfócitos B anérgicos, com falha na maturação e com tempo de vida mais
curto. Ao cruzarem esse segundo grupo com animais C4-/-, C3-/-, ou CR1/CR2-/-, observaram que
linfócitos B de animais C4-/- e CR1/CR2-/- não haviam entrado em anergia, enquanto animais
C3-/- apresentavam equivalentes resultados encontrados nos animais transgênicos somente para
imunoglobulina anti- HEL e sHEL complemento suficientes. Uma possível explicação para
estes resultados é que C4 e seu receptor (CR1) aumentam o sinal de reconhecimento do antígeno
pelo linfócito B, eliminando assim as células autorreativas, uma vez que o desenvolvimento da
anergia depende da força do sinal do receptor do linfócito B (GOODNOW et al., 1995). Portanto,
na ausência de C4 e/ou CR1/CR2, o sinal que o linfócito B imaturo recebe é mais fraco e, assim,
linfócitos B autorreativos não são eliminados na medula óssea, sendo, portanto, capazes de
reconhecer auto-antígenos na periferia (Figura 9). No entanto, o mesmo modelo foi utilizado
com animais C1q-/- e o resultado obtido foi similar aos animais C1q+/+ , isto é, na presença do
antígeno, os linfócitos B dos animais C1q-/- e C1q+/+ entraram em anergia (CUTLER et al., 2001).
Esses resultados não invalidam a hipótese, pois o emprego do tipo de antígeno utilizado (HEL) é
um fator limitante para o modelo, já que não corresponde a um auto-antígeno de LES. Dessa
36
maneira, mais de um mecanismo dependente de complemento podem ser relevantes para
etiopatogenia de doenças auto-imunes, como LES.
Células da medula óssea
Células do baço
C1q
C4b
Figura 9. Hipótese da indução da tolerância. C1q e C4 participam da apresentação de
antígenos na seleção negativa de linfócitos B autorreativos na medula óssea. Nas
células do baço, C4b ligados a auto-antígenos podem atuar como estímulo de coreceptores em linfócitos B que apresentam CR1 (retirado de CARROLL, 2004).
Apesar desta 3 hipóteses, restam ainda muitas dúvidas a respeito da associação do
complemento no desenvolvimento de LES. Embora apenas 26 % dos deficientes de C3
apresentem LES, e entre estes um outro fator genético contribua para isto, uma vez que 6 dos 7
pacientes de origem japonesa tenham desenvolvido a doença (REIS et al., 2006), suas funções
biológicas parecem atuar nas 3 hipóteses citadas. Por outro lado, deficientes de C1q apresentam
uma forte correlação com o desenvolvimento de LES, embora experimentos que fundamentam a
hipótese da tolerância não apresentam diferença na tolerância de linfócitos B autorreativos,
37
quando os animais são C1q-/- (CUTLER et al., 2001). Como modelos experimentais apresentam
muitas limitações para o estudo de doenças humanas, e as imunodeficiências, principalmente de
complemento, são raras, torna-se importante o estudo de cada caso que envolva doenças como
LES, para buscar um melhor entendimento da etiopatogenia desta doença.
Por haver poucos casos descritos da deficiência de C1s/C1r e considerando-se que estes
trabalhos colaboram para o maior conhecimento da causa desta deficiência e doenças a ela
associadas foi nosso interesse estudar e analisar geneticamente a deficiência de C1s detectada
inicialmente pelo grupo da Profa. Dra Virgínia Paes Leme Ferriani (Departamento de Pediatria
do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP) em dois irmãos
que apresentam LES.
38
II. OBJETIVOS
Os objetivos deste trabalho são: 1) caracterizar a deficiência do componente C1s do
sistema complemento humano em quatro irmãos, sendo que dois apresentam lúpus eritematoso
sistêmico; 2) determinar as bases moleculares responsáveis pela deficiência desta proteína por
meio da análise genética do gene C1s dos pacientes e de seus familiares.
39
III. MATERIAIS E MÉTODOS
III.1 Pacientes
A paciente (IV-1) de 25 anos portadora da deficiência de C1s manifestou infecções de
repetição tais como: pneumonia, artrites sépticas e sinusites e lúpus eritematoso sistêmico,
diagnosticado aos 7 anos de idade. Esta paciente apresentou artrite, proteinúria maior que 0,5 g
por dia, ANA positivo e anticorpos anti-Sm positivos, correspondendo a 4 dos critérios
mencionados no Quadro 1, o que caracteriza como um caso de lúpus completo. Além disso,
foram observados pelo grupo da Dra Virgínia Paes Leme Ferriani (FMRP-USP) depósitos de
imunoglobulinas e anti-C1q em biópsias de pele e de rim, sugerindo mais uma vez a manifestação
da doença.
O irmão (IV-2) de 24 anos apresentou artrites e lesões na pele que indicaram o
desenvolvimento da mesma doença. O diagnóstico foi feito aos 13 anos de idade e igualmente
classificado como lúpus eritematoso sistêmico completo, pois o paciente também apresentou 4
(artrite, fotossensibilidade, ANA positivo e anti-Sm positivo) dos critérios para a classificação de
lúpus, embora seus sintomas tenham sido menos grave que os da irmã IV-1.
Os pais dos pacientes acima são primos de primeiro grau como mostra o heredrograma da
Figura 10 e não apresentam sintomas relacionados ao desenvolvimento de lúpus. Possuem ainda
outros dois filhos do sexo masculino, de 22 anos (IV-3) e de 12 anos (IV-4), assintomáticos até o
presente momento.
A deficiência da proteína C1s foi inicialmente detectada pelo soro dos pacientes IV-1 e IV2 pelo grupo da Dra. Virgínia Paes Leme Ferriani (FMRP – USP) e posteriormente observamos a
mesma deficiência no soro dos outros irmãos (IV-3 e IV-4).
40
Para este estudo foram coletados 20 mL de sangue para extração de DNA e análise do soro
e biópsias de pele para cultivo de cultura de fibroblastos dos membros da família (III-6, III-7, IV1, IV-2, IV-3 e IV-4) após autorização prévia dos mesmos e aprovação da Comissão de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos do ICB (parecer 589).
I
1
2
II
1
2
3
4
III
1
2
3
4
IV
5
6
1
2
7
8
3
4
9
10
Figura 10. Heredograma da família portadora de deficiência de C1s. Figuras
preenchidas representam indivíduos afetados com LES. Figuras abertas representam
indivíduos assintomáticos. Números romanos representam as gerações.
Indivíduo do sexo masculino
Indivíduo do sexo feminino
Parentesco entre primos
III.2. Análise da Atividade do Sistema Complemento
Para verificar a atividade hemolítica mediada pela via alternativa do sistema complemento,
empregamos o método de SERVAIS et al. (1991), quando comparamos os valores de AP50 que se
referem ao volume de soro necessário para atingir 50 % de lise de hemácias de coelho. A
avaliação foi realizada em placas de 96 poços com fundo em U, nos quais foram aplicados 100 µL
de soro e 50 µL de suspensão de hemácias de coelho a 3 % em GVB-EGTA-Mg2+ [1 g de gelatina
em 100 mL dissolvida tampão pH 7,2 contendo NaCl 144 mM; barbital sódico 1 mM, ácido
41
barbitúrico 2,5 mM; EGTA 10 mM (pH 7,4) e MgCl2 5 mM] e incubamos a placa por 1 h a 37 ºC.
Em cada poço testou-se uma diluição (1:10; 1:15; 1:20; 1:30; 1:40; 1:60) do soro, a fim de
construirmos uma curva com os valores de hemólise obtidos após leitura da absorbância (405 nm)
e calculados pela seguinte equação (SERVAIS et al., 1991):
Y= DO405nm amostra – DO405nm controle negativo
DO405nm 100% lise – DO405nm 0% lise
DO405nm é a densidade óptica medida a 405 nm. Após terem sido calculados todos os
valores, a equação de Von Krogh (GÖTZE apud SERVAIS, 1991) foi aplicada para cada amostra de
soro: Log x = 1 / n. log (y/1-y) + log K
Onde x é a diluição do soro e y a porcentagem de lise. Para obter o valor de comparação
entre as amostras, consideramos y=0,5, comparando-se desta forma o volume que cada amostra
necessitou para atingir 50 % de lise dos eritrócitos (AP50).
Como controle, utilizamos 100 µL de água destilada (100 % de lise), 100 µL de tampão
para descontar a lise espontânea das hemácias (branco), e para todas as diluições de soro, fizemos
um controle negativo, acrescentando 15 µL de EDTA pH 7,2 (0,2 M), para bloquear a ativação do
complemento, permitindo descontarmos a absorbância do soro antes da ativação do complemento.
Para todos os controles foram igualmente acrescentados 50 µL de hemácia a 3 %.
Uma adaptação deste método foi utilizada para medir a atividade do complemento mediada
pela via clássica (CH50). Neste caso, utilizamos o tampão complement fixation test dilution (CFD)
pH 7,2, contendo barbital sódico 4mM, NaCl 145 mM, MgCl2 0,83 mM e CaCl2 0,25 mM.
O ensaio também foi realizado em placas de 96 poços, nos quais adicionamos 100 µL de
soro em diversas diluições (1:20; 1:40; 1:80; 1:160; 1:320; 1:640) e 50 µL de suspensão das
hemácias de carneiro a 3 % complexadas com anti-eritrócitos de carneiro (1:100), previamente
43
incubados por 30 min a 4 ºC. A placa foi incubada a 37 ºC por 1 h e cálculos semelhantes
aos da via alternativa foram utilizados.
A atividade hemolítica mediada pela via das lectinas foi gentilmente avaliada pelo grupo
do Dr. Jens Christian Jensenius do Departamento de Microbiologia e Imunologia Médica da
Universidade de Aarhus, Dinamarca. Para tanto, utilizaram placas de 96-poços, cobertas com
MBL e incubaram com soro dos pacientes, solução NaCl 1 M e 5 µg de C4 purificado. A alta
concentração de NaCl inibiu a ligação de C1, permitindo a avaliação apenas da via das lectinas.
Assim, a atividade da via das lectinas pôde ser avaliada pela deposição de fragmentos C4b
(PETERSEN et al., 2001).
Para verificar a presença de C2 no soro dos pacientes, misturamos volumes iguais de soro
C2 deficiente (Merckbiosciences, San Diego, EUA) e com soro de cada indivíduo da família. O
ensaio hemolítico foi feito e ao se constatar a presença de hemólise, consideramos os soros C2
suficientes.
As hemácias utilizadas nos experimentos acima foram obtidas do Biotério Boa Vista
(Patrocínio Paulista, SP, Brasil) e conservadas em Alsever a 4 ºC até o momento do ensaio. Os
anti-eritrócitos de carneiro foram previamente produzidos em coelhos pelo nosso laboratório e
armazenados (-20 ºC).
III.3. Detecção de Proteínas
Para detectar outras proteínas do sistema complemento no soro dos pacientes, utilizou-se o
método de imunodifusão radial proposto por MANCINI et al. (1965). Lâminas de vidro (8 cm x 8
cm) foram revestidas com 6 mL de agarose a 1 % em solução salina tamponada com fosfato (PBS)
contendo KH2PO4 5 mM, K2HPO4 1,2 mM e NaCl 150 mM: pH 7, adicionando 0,5 % de soro de
cabra contendo anticorpos específicos contra a proteína a ser investigada (ou seja, anti-C3, -C4, fI, -fH, ou fator B; Merckbiosciences). As placas foram incubadas por 24-48 h em câmara úmida a
4 ºC e posteriormente lavadas com NaCl 150 mM por 24 h. Foram então secas e coradas com
43
Coomassie blue [ácido acético 10 %, EtOH 45 % e Brilliant Blue R (Sigma-Aldrich Co., St.
Louis, MO, EUA) 1,2 mM]. Este ensaio foi realizado com a colaboração da técnica do laboratório
Marlene Pereira de Carvalho Florido.
Também foi utilizado o método de imunodifusão dupla para a detecção da deficiência de
C1s nos soros da família. Lâminas de vidro foram revestidas por agarose 1 % em PBS e foram
aplicados 7 µL de soro de cada paciente em poços adjacentes a poços com 7 µL de anticorpos
anti-C1s (EMD Biosciences Inc., San Diego, CA, EUA), anti-C1r e anti-C1q (Serotec, Oxford,
Reino Unido). As lâminas foram incubadas por 24 h a 4 ºC, lavadas em PBS por 24h e secadas a
37 ºC. Assim como na imunodifusão radial, foram coradas com Coomassie blue. Este ensaio foi
realizado pelo grupo da Dra. Virgínia Paes Leme Ferriani (FMRP – USP) e por nós estendido aos
outros membros da família.
Para verificar a concentração de C1s e C1r no soro dos pacientes foi realizado o
eletroimunoensaio (“rocket”) pelo grupo do Dr. Anders G. Sjölholm do Instituto de Laboratório de
Medicina, Seção de Microbiologia, da Universidade de Lund, Sölvegatan, Suécia.
As concentrações de MASP-2 e MBL foram feitas por enzyme-linked immunoassay
(ELISA), realizados pelo grupo do Dr. Jens Christian Jensenius do Departamento de
Microbiologia e Imunologia Médica da Universidade de Aarhus, Dinamarca.
III.4. Análise por Western Blotting
Para verificar a possibilidade de produtos truncados de C1s estarem presentes nos soros
dos deficientes e nas culturas de fibroblastos empregamos Western Blotting. Amostras de soro (14 µl) foram aplicadas em gel contendo dodecil sulfato de sódio (SDS)-poliacrilamida (10%)
submetido à eletroforese em condições não-redutoras. As proteínas foram transferidas para uma
membrana de nitrocelulose em tampão Tris-HCl 15,6 mM e glicina 120 mM (pH 8,3), utilizando
“Semi-Dry blotter” (Sigma-Aldrich), sob uma corrente de 0,8 mA/cm2 por 2 h. A membrana foi
44
então lavada com TBST [Tris 5 mM (pH 8,0), NaCl 75 mM e Tween 20 0,028%] e bloqueada
com albumina de soro bovino (BSA) 1 % em TBST por 18 h. Após esta etapa, a membrana foi
lavada 3 vezes com 25 mL de TBST, seguindo-se incubação com o anticorpo primário: anti-C1s
ou anti-C1q humano (EMD Biosciences) feitos em cabra, anti-C1r humano (Serotec) feito em
coelho, ou anti-β-actina humana (Sigma-Aldrich) feito em camundongo como controle (1:2000
em TBST) por 24h a 4 oC. Uma nova lavagem seguida por bloqueio foram feitos e foi empregado
o segundo anticorpo anti-IgG (de cabra, coelho ou camundongo) conjugado com fosfatase alcalina
diluído 1:10000 (EMD Biosciences). A última lavagem foi feita com TBST e tampão de revelação
[NaCl 100 mM, Tris 100 mM (pH 9,5), MgCl2 5 mM]. Para a revelação, incubou-se a membrana
com 10 mL de tampão de revelação, 10 µL de tetrazólio nitroazul (NBT) a 1 mg/mL em
dimetilformamida 70% em EtOH e 10 µL de 5-bromo-4-cloro-3-indolil fosfato (BCIP) 0,25
mg/mL em dimetilformamida 100% (EMD Biosciences). A revelação foi interrompida após
lavagem da membrana em água destilada.
III.5. Cultura de Células
Para se obter fibroblastos para extração de RNA, procedeu-se com a biópsia de pele (~3
mm2) dos indivíduos deficientes e indivíduos normais (controles), após consentimento informado
e realizada por especialista. Em seguida, os fragmentos foram colocados em meio de cultura com
500 U/mL de penicilina G, 500 µg/mL de sulfato de estreptomicina e 25 µg/mL de anfotericina B
por 30 min para descontaminação do material. Cortes de cada fragmento foram depositados em
garrafas de cultura de 75 cm2 e cultivados em 15 mL de “Dulbbeco’s Modified Eagle’s Medium”
(DMEM – Invitrogen Co., Carlsbad, CA, EUA) com glucose 4,5 mg/L L-glutamina 2 mM,
piruvato de sódio 110 mg/L, sem bicarbonato de sódio e suplementado com penicilina 50 U/mL,
estreptomicina 50 µg/mL, e 10% de soro bovino fetal (SBF) inativado a 56 oC por 30 min. As
culturas foram mantidas a 37 oC sob 5 % de tensão de CO2. Após 3 a 5 semanas, os fibroblastos
45
começaram a se multiplicar e, ao atingirem mais de 80% de confluência, as células foram
removidas com tripsina 0,1 % para repique, quando as células foram utilizadas no máximo até a
~10a passagem. Na terceira passagem, os fibroblastos foram congelados em solução de SBF
contendo 10 % de dimetilsulfóxido. Células de hepatoma (HepG2), macrófagos e linfócitos T
humanos foram cultivados em “Roswell Park Memorial Institute” (RPMI – Invitrogen) com Lglutamina 2 mM, sem bicarbonato de sódio suplementado com 10 % de SBF.
III.6. Microscopia Confocal
Para observar a presença de proteínas do complemento dentro das células, utilizou-se
microscopia confocal (adaptado de FISHELSON et al., 1999). Para isto, empregamos placas de 6poços, adicionando-se 1 x 105 fibroblastos sobre lamínulas em cada um dos poços. Essas culturas
foram mantidas em DMEM conforme mencionado anteriormente. Após atingirem 80 % de
confluência, as células foram lavadas com PBS, e fixadas com 3,7 % formaldeído em PBS por 15
min. Em seguida, as células foram lavadas com glicina (0,1 M) em PBS e depois com somente
PBS, para então serem permeabilizadas com 0,2 % Triton X-100 em PBS por 2 min e novamente
lavadas com 2 X com PBS contendo 10 % SBF (PBS-SBF). Após esta etapa, as células foram
incubadas por 10 min com PBS-SBF e após retirar o sobrenadante, foram incubadas com
anticorpos anti-C1s, anti-C1q (EMD Biosciences) ou anti-C1r (Serotec) diluídos a 1:200 em
glicina (0,1 M) em PBS por 16h a 4 oC. As células então foram lavadas 3 X com PBS-SBF e
bloqueadas com soro normal de coelho, diluído a 1:200 em PBS-SBF por 30 min à temperatura
ambiente. Em seguida, incubamos as células com anticorpos anti-IgG (anticorpos secundários)
conjugados com isotiocianato de fluorosceína (Sigma-Aldrich) por 1 h à temperatura ambiente no
escuro. Lavamos a preparação 5 X com PBS-SBF e incubamos com RNAse (10 mg/ml) em PBS
por 30 min à temperatura ambiente no escuro. Após 2 lavagens com PBS-SBF e 3 com PBS, as
lamínulas foram incubadas com iodeto de propídio (10 mg/ml) por 30 min à temperatura ambiente
no escuro para evidenciar a presença do núcleo. Por fim, as lâminas foram montadas com Gel
46
Mount Vectashield (Vectors Laboratories, Burlingame, CA, EUA) em lâminas de microscopia e
armazenadas a –20 ºC por 24 h no escuro. Os resultados foram interpretados após análise realizada
empregando-se microscópio confocal de varredura a laser (LSM 50 - Zeiss) com a colaboração da
pós-graduanda Maria Isabel Mesquita Vendramini do nosso laboratório, o gentil auxílio do técnico
Roberto Cabado Modia Junior, da Profa. Dra. Gláucia Maria Machado-Santelli do Departamento
de Biologia Celular e do Desenvolvimento, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
III.7. Extração de RNA total
A extração de RNA total foi feita com o kit RNAgents Total RNA Isolation System
Scalable (Promega Co., Madison, WI, EUA) a partir de uma garrafa contendo aproximadamente 2
x 107 células. Neste procedimento as células foram lavadas com PBS e lisadas em 300 µL de
solução de desnaturação [citrato de sódio pH 6,8 (26 mM), N-lauril sarcosina 0,5%; βmercaptoetanol (0,125 M) e tiocianato de guanidina (4 M)]. O lisado celular foi transferido para
tubos de 1,5 mL nos quais foram adicionados 30 µL de NaOAc 2 M e 300 µl solução de
fenol:clorofórmio:álcool isoamílico em iguais proporções. Os tubos foram mantidos a 4 oC por 15
min e centrifugados a 12.000 g por 20 min a 4 oC. Adicionou-se isopropanol em igual volume à
fase aquosa e os tubos foram mantidos a -20 oC por 24 h para precipitação do RNA. O conteúdo
foi novamente centrifugado (12.000 g por 10 min a 4 ºC) e o precipitado lavado em EtOH 75%
gelado ou conservado a –20 oC até o uso. O sobrenadante contendo EtOH 75% foi retirado e o
precipitado foi solubilizado com 10 µL de H2O. A concentração de RNA foi determinada por
densidade óptica a 260/280 nm, considerando-se 1 D.O.= 40 µg/mL de RNA no GeneQuant pro
(GE Healthcare UK Ltd., Little Chalfont, Reino Unido).
48
III.8. Reverse Transcriptase – Polymerase Chain Reaction (RT-PCR)
A RT-PCR foi realizada para avaliarmos a expressão de RNAm de C1s do indivíduo
deficiente e de seus familiares em comparação com indivíduos normais. Foram sintetizados
cDNAs a partir do RNA total dos fibroblastos dos pacientes e de indivíduos normais controle.
Utilizou-se para isso, a transcriptase reversa M-MLV (Invitrogen) depois de incubar 1 µl de 200
ng de RNA com 1 µl de 500 mM de oligo dT a 72 °C por 5 min e transferência imediata para o
gelo. Após adicionarmos tampão M-MLV, 0.4 mM de dNTP; 34 U de inibidor de RNAse e 1.4 U
de M-MLV no volume final de 25 µl, incubou-se a reação a 42 °C por 60 min. Para a PCR,
utilizou-se 1 µl da reação contendo cDNA; Tampão Taq DNA polymerase; 200 µM de dNTPs; 20
pmoles/µl de cada primer (Quadro 3) e 2,5 U Taq DNA polymerase (GE) no volume final de 25
µl. Para amplificar os produtos de cDNAs, as reações foram incubadas a 94 °C por 2 min, 40
ciclos de 95 °C por 1 min, 55 °C por 1 min, 72 °C por 1 min e 5 min a 72 °C. A análise dos
produtos foi feita após eletroforese em gel de agarose a 1 % em TBE (Tris-HCl 100 mM, ácido
bórico 100 mM e EDTA 2 mM pH 8,0) seguida por coloração de brometo de etídio 1 µg/mL.
Como controle técnico, a expressão de gliceraldeído-3-fosfato dehidrogenase (GAPDH),
constitutivamente expressada por todas as células foi avaliada em todas as amostras. Para verificar
a integridade o RNA total dos pacientes, realizamos a eletroforese do mesmo em agarose 1% com
coloração de brometo de etídio nas mesmas condições anteriormente. Para análise de produtos de
baixa expressão marcamos o DNA com prata utilizando o kit PlusOne DNA Silver Staining (GE).
Para este procedimento fizemos uma eletroforese em gel de acrilamida 4,5 % em TBE, incubamos
com a solução fixadora em EtOH 24 % por 30 min, marcamos com a solução de prata por 30 min,
lavamos o gel com água por 1 min, incubamos com a solução reveladora por 6 min e paramos a
reação com a solução de preservação por 30min.
49
III.9. PCR
Para analisar o DNA genômico dos pacientes, foi extraído DNA de leucócitos do sangue
dos pacientes pelo grupo da Dra. Virgínia Paes Leme Ferriani (FMRP – USP). Utilizamos a PCR,
na qual eram adicionados 100 ng de DNA, tampão Taq DNA polymerase (fornecido pelo
fabricante); 1,5 mM de MgCl2; 200 µM de dNTPs; 50 ng dos primers (Quadro 7) e 1,25 U Taq
DNA polymerase (Invitrogen) no volume final de 50 µl. As reações foram incubadas em 40 ciclos
de 95 oC por 1 min, 50 oC por 1 min e 75 oC por 30s, e 5 min a 72 °C. Os produtos foram
novamente analisados após migração eletroforética em gel de agarose a 1 %, seguida por
coloração com brometo de etídio.
Quadro 7. Seqüência dos primers utilizados na RT-PCR, PCR e no seqüenciamento.
Primer
Posição no
cDNA
Seqüência (5’ 3’)
Temperatura de
anelamento (ºC)
Sentido
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s
C1s GEN*
C1s GEN*
C1s GEN*
C1s GEN*
C1r
C1r
C1r
C1r
GAPDH
GAPDH
121
273
538
562
751
882
1043
1347
1491
2082
2340
2702
7023641
7023869
7023951
7026581
21
1107
1170
2380
29
347
CAG GAG AGA GGG AAC TGA C
AGA AAG CCA GGA CCA AGA AG
TGC ACT GAG TCA TAC GCA CA
TCT TCA GTG TCT CCT GAG ATT
CTT GTA GCC ACT TCT GCA AC
CCC CAA TCA GTG CAG TGA AT
AAC TAA ACT GTC AAG GCA GT
TGT CAA AGC AAT GGA AAG TG
GCT CCT CAC AAG TGT AGC G
AGG TTA CCT GTA GCT CCT T
CAT AGT TCT TTA CCC GTG TG
CAG GTA AAG AGG AAA CAA AG
CCT GGG CAA CAT AAG GAG
GGC TTC AGA CAA GAG CCC T
GAA GAA GAG AGG CAG TCA A
CTG AGA GAA GGA ATC ATA GA
AGA GCC CAG GAT TCA ACA C
TTC CTT CAC AGC TGT CTG C
GAT CTT GCA TCT GGG CAT G
CCT CTG CAA TCC TCA GAA G
ACC ACA TGC CAT GCC ATC AC
TCC ACC ACC CTG TTG CTG TA
56
60
60
60
55
55
56
52
56
54
54
52
52
60
52
56
54
54
54
54
55
55
F
F
R
R
F
R
R
F
R
F
R
R
F
R
R
F
F
F
R
R
F
R
Fonte: As seqüências dos primers estão numeradas de acordo com a posição dos nucleotídeos no cDNA de C1s
(Gene bank: NM_201442), C1r (Gene bank: NM_001733; JOURNET E T OSI, 1986) e do gene de C1s (Gene bank:
NT_009759).
F – direto; R – reverso
* primer desenhado em íntron; seqüência e numeração genômica do C1s.
50
III.10. Seqüenciamento
Os produtos de RT-PCR e PCR dos pacientes foram seqüenciados para identificação da
presença de possíveis mutações, potencialmente responsáveis pela deficiência da proteína no
paciente.
Inicialmente purificamos o produto de RT-PCR ou PCR do gel de agarose 1 % utilizando o
kit GFX PCR DNA and Gel Band Purification (GE). Inicialmente dissolvemos o gel a 60 ºC no
tampão de captura por 15 min. Em seguida passamos a amostra por uma coluna contendo uma
matriz de fibra de vidro para a captura do DNA. A mesma foi lavada com tampão contendo TrisHCl 10 mM, pH 8,0 e EDTA 1 mM em EtOH 80 % para a remoção de sais e para a secagem da
matriz. Por fim, o DNA foi eluído da matriz com tampão TE (Tris-HCl 10 mM, pH 8,0 e EDTA 1
mM).
As reações de seqüenciamento foram realizadas no volume final de 20 µL contendo 300 ng
de DNA purificado; 3,2 pmoles dos oligonucleotídeos específicos; 6 µL de tampão (Tris-HCL
200mM, pH 9,0 e MgCl2 5mM) e 2 µL de enzima para seqüenciamento ("ABI PRISM BygDye
Terminator Cycle Sequencing Ready Reaction with AmpliTaq DNA – Applied Biosystems, Foster
City, CA, EUA). Foi utilizado o termociclador GeneAmp 9600 (Perkin-Elmer Applied
Biosystems) em 40 ciclos de 10 s a 96 oC, 5 s a 50 oC e 4 min a 60 oC. Os produtos foram
precipitados com isopropanol 75% e centrifugados por 5 min. O precipitado solubilizado em 10 µl
da solução de formamida Hi-Di (Applied Biosystems) e a leitura da absorbância dos cloróforos e o
cromatograma foram feitas pelo seqüenciador automático (ABI Prism 3100 – Genetic Analyzer)
sob responsabilidade da técnica Luci Deise Navarro nas dependências do Departamento de
Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, com a colaboração do Prof.
Dr. Shaker Chuck Farah. As seqüências foram analisadas em nosso laboratório pelo programa
Chromas 1.62/2.21 e comparadas com as seqüências depositadas no banco de dados GeneBank
(www.ncbi.nlm.nih.gov/blast).
51
IV. RESULTADOS
IV.1. Deficiência de C1s
A paciente (IV-1) de 25 anos apresentou repetidas infecções como pneumonia, artrites
sépticas e sinusites, e manifestou sintomas que caracterizam um quadro de LES completo. Devido
à alta freqüência de infecções e o desenvolvimento da doença auto-imune o grupo da Dra. Virgínia
Paes Leme Ferriani (FMRP – USP) analisou a presença de algumas proteínas do complemento e
observaram a deficiência de C1s por imunodifusão dupla feita com o soro dos pacientes e
anticorpos anti-C1s. Mas, utilizando anticorpos anti-C1r e anti-C1q observou-se a presença tanto
de C1r quanto de C1q no soro dos pacientes (Figura 11).
O irmão (IV-2), de 24 anos, também desenvolveu LES e a mesma deficiência de C1s
observada neste paciente. Igual determinação foi por nós realizada com o soro dos outros 2 irmãos
(IV-3 e IV-4) e dos pais. Neste caso, observou-se a ausência de C1s no soro de todos os filhos,
mas presença no soro dos pais (dado não mostrado).
IV-2
aC1s
IV-2
aC1r
SHN
aC1q
SHN
IV-1
IV-1
aC1s aC1r aC1q
SHN
SHN
Figura 11. Deficiência da proteína C1s. Ausência da proteína C1s no soro dos
pacientes IV-1 e IV-2 analisada por imunodifusão dupla. SHN – soro humano normal
utilizado como controle positivo.
51
A atividade do complemento mediada pelas vias clássica e alternativa foi determinada por
ensaios hemolíticos, onde calculamos o número de unidades CH50 e AP50 no soro destes
indivíduos. A via das lectinas foi avaliada através da deposição de C4b, ao se bloquear a ativação
da via clássica. Os ensaios foram realizados em duplicatas e foram consideradas as médias dos
valores obtidos de cada indivíduo.
Como esperado, todos os soros apresentaram atividade mediada pela via alternativa e pela
via das lectinas, enquanto apenas os soros dos pais e do controle apresentaram atividade mediada
pela via clássica (Tabela 1). Os pacientes IV-1 a IV-5 não apresentaram atividade pela via
clássica, confirmando a deficiência de proteínas exclusivas desta via, como é o caso de C1s. No
entanto, os mesmos apresentam valores de atividade das outras vias que tendem a ser acima do
normal, principalmente a paciente IV-1 e o irmão IV-4 que apresentam atividade da via alternativa
47 e 39 U/ml respectivamente, enquanto o intervalo de normalidade é de 8 a 34 U/ml. O pai e os
outros irmãos (IV-2 e -3) encontram-se no limiar máximo do intervalo (34 U/ml) desta via e a mãe
apresenta uma atividade dentro do intervalo de normalidade (29 U/ml). A referência de
normalidade considerada na via das lectinas baseou-se na dosagem prévia de soro humano normal
usado como padrão comercial (cat no. 4912 e A100, Quidel Co., San Diego, CA, EUA). Podemos
observar que os valores obtidos no soro da família tendem novamente atividade maior que o
normal. No que diz respeito ao soro da mãe, tanto a via alternativa quanto a via das lectinas,
estavam presentes em valores menores que os encontrados nos soros dos outros membros da
família.
53
Tabela 1. Avaliação da atividade funcional da via
clássica, alternativa e das lectinas no soro.
PACIENTES
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
Pai
Mãe
Controle
ATIVIDADE
HEMOLÍTICA
Via
Clássica
Via
Alternativa
Via das
Lectinas*
CH50
U/ml
AP50
U/ml
Unidades de
mU/ml
ND
ND
ND
ND
146
126
115-267a
47
34
34
39
34
29
8-34a
1336
1455
1596
1954
1236
725
497-1087b
ND : não detectável
a
Intervalos de normalidade obtidos a partir da dosagem no soro de
57 indivíduos.
b
O controle da via das lectinas refere-se à dosagem de dois soros
padrão (Quidel).
* Realizado pelo grupo do Dr. Jens C. Jensenius do Departamento
de Microbiologia e Imunologia Médica da Universidade de
Aarhus, Dinamarca
IV.2. Deficiência de C1s Combinada com a Deficiência de C1r
Em muitos pacientes deficientes de C1s observa-se ausência completa ou níveis inferiores
de C1r no soro. Como o método de imunodifusão dupla não é sensível o suficiente, o
eletroimunoensaio foi empregado para medir a concentração de C1r e C1s no soro dos pacientes
(Tabela 2). Observamos que os quatro filhos apresentam concentração de C1s praticamente nula
(< 2,1 mg/L) e concentração de C1r (27 a 36 %) bem abaixo do normal. Já os pais, apresentaram
concentrações um pouco abaixo do normal tanto para C1r quanto para C1s (~70 a 75 %). Este
resultado confirma a deficiência de C1s nos pacientes e uma baixa produção de C1r pelos
mesmos, o que sugere um caso de deficiência de C1s combinada com a deficiência de C1r.
52
Tabela 2. Determinação por eletroimunoensaio da concentração das proteínas C1r e C1s
no soro dos pacientes*.
PACIENTES
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
Pai
Mãe
Normal
C1r (%)
36
30
29
27
72
70
71-133
C1r (µg/mL)
17,2
14,4
14
13
34,6
33,6
48
C1s (%)
< 6,25
< 6,25
< 6,25
< 6,25
73
75
76-136
C1s (µg/mL)
< 2,1
< 2,1
< 2,1
< 2,1
24,8
25,5
34
% - porcentagem com relação ao soro normal.
* Realizado pelo grupo do Dr. Anders G. Sjölholm do Instituto de Laboratório de Medicina, Seção de
Microbiologia, da Universidade de Lund, Suécia.
Também foi analisada a concentração de outras proteínas do complemento (C3, C4, fH, fI
e fB) por imunodifusão radial; de C2 por ensaio hemolítico e de MASP-2 e MBL por ELISA no
soro dos membros da família (Tabela 3). Foram observados níveis comparáveis ao controle em
todos os casos, exceto a proteína C4 que estava em concentração mais elevada no soro dos
pacientes e do pai (871-1149 µg/ml) comparados com o normal (Tabela 3), e a proteína C3 que
também estava em concentrações acima do intervalo de normalidade em todos os membros da
família exceto o paciente IV-3 (Tabela 3).
54
TABELA 3. Determinação da concentração de proteínas do complemento por imunodifusão radial e
ELISA.
Concentração de Proteínas
Pacientes
C3 µg/ml C4 µg/ml C2
IV-1
1834
1149
IV-2
1921
1007
IV-3
1261
871
IV-4
1888
911
Pai
1712
1061
Mãe
1534
430
Controle 1000-1500 240 - 660
+
+
+
+
+
+
+
fH
µg/mL
597
435
393
406
414
435
242 - 759
fI
µg/mL
57
61
43
39
41
40
39-100
fB
MASP2*
µg/mL ng/mL
250
454
269
300
175
246
251
216
153
331
223
284
74-286 218-481
Fonte: Valores baseados em BARNETT et al., 1984, YTTING et al., 2005; e MORLEY
2000.
MBL*
µg/mL
4,6
6,8
5,2
5,6
6,5
9,3
0-5
E
WALPORT,
+ : presente no soro e com atividade hemolítica.
IV.3. Western Blotting
Utilizamos a técnica de Western blotting para verificar a possível presença de produtos
truncados de C1s, pois este método é mais sensível que a imunodifusão dupla, e além de detectar a
presença de proteínas, podemos observar os tamanhos das proteínas utilizando como referência
um marcador de peso molecular. A presença de produtos truncados indica a presença de códons de
parada prematura no RNAm de C1s. A presença de alterações no tamanho de C1s seria sugestivo
de deleções/inserções no gene C1s, ou ainda, degradação protéica acelerada de C1s no citoplasma
de fibroblastos dos pacientes deficientes. Analisamos o soro dos membros da família e
sobrenadantes das culturas de fibroblastos de dois dos irmãos deficientes de C1s. C1s não foi
detectado no soro dos quatro irmãos (IV-1 a -4), enquanto no soro dos pais foi encontrado C1s de
tamanho molecular semelhante ao controle (Figura 11a). A proteína C1s foi utilizada como
controle positivo, porém seu tamanho é distinto da proteína encontrada no soro dos indivíduos
normais, pois a proteína purificada encontra-se na forma ativada (migra mais rapidamente)
56
enquanto as outras não. O mesmo resultado foi observado, quando analisamos C1s no
sobrenadante de cultura de fibroblastos dos pacientes, quando, em contraste com a forte banda
observada na cultura de fibroblastos (20 dias) de indivíduo normal, não apresentaram qualquer
banda, indicando a ausência da proteína (Figura 11b). A proteína C1r foi encontrada nos soros de
todos os indivíduos da família, assim como no controle (Figura 11c), embora a banda observada
nos pacientes IV-1 a IV-4 estivesse sutilmente mais fraca, o que sugere uma menor concentração
da proteína, em acordo com os resultados apresentados anteriormente. O mesmo foi observado no
sobrenadante da cultura de fibroblastos dos pacientes (dado não mostrado). Utilizamos o anticorpo
anti-β-actina como controle constitutivo, mostrando uma paridade de concentrações protéicas nas
amostras.
a)
SHN
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
C1s
C1s
85kDa
b)
SHN
SN
IV-1
IV-2
C1s
85kDa
c)
SHN
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
C1r
85kDa
SHN
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
d)
β-actina
Figura 12. Investigação da presença de C1s e C1r por Western Blotting. a) C1s no
soro da família e do controle (SHN-soro humano normal). A proteína C1s purificada
encontra-se na última coluna, na forma ativada. b) C1s no sobrenadante de cultura de
fibroblastos dos pacientes IV-1 e IV-2 e do indivíduo normal (SN). c) C1r presente
no soro de todos os membros da família e do controle. d) Presença de β-actina como
controle positivo.
56
IV.4. Microscopia confocal
O emprego da microscopia confocal permite a observação de proteínas/ polipeptídeos
dentro das células, empregando-se anticorpos específicos conjugados com moléculas fluorescentes
(em verde). Para melhor distinção do núcleo (em vermelho), optamos pelo uso de iodeto de
propídeo. Conforme ilustrado na Figura 13, há forte marcação fluorescente de epítopos de C1s no
citoplasma do controle, mas ausente em fibroblastos dos pacientes deficientes IV-1 e IV-2,
apontando a existência de defeitos já na síntese protéica de C1s. Esta metodologia foi aplicada
com as células dos pacientes IV-3 e IV-4 e apresentaram os mesmos resultados que os outros
irmãos (dado não mostrado).
58
Controle
negativo
C1s
a
b
c
d
e
f
Normal
IV-1
Figura 13. Presença de C1s
em fibroblastos observados
por microscopia confocal. a,
c e e) Controle negativo,
células marcadas somente
com iodeto de propídio , sem
anticorpo primário
(vermelho). b, d e f) Células
marcadas com anti-C1s
(verde).
a e b) células de indivíduo
normal. c e d) células do
paciente IV-1. e e f) células
do paciente IV-2.
IV-2
Para verificar se o mesmo não estaria acontecendo com a proteína C1r, além de anti-C1s,
também marcamos as células dos pacientes e de indivíduos normais com anti-C1r e anti-C1q
(Figura 14) e pudemos observar diferença de marcação somente com o anti-C1s. Para todos os
casos foram utilizados controles negativos não marcados com anticorpos primários específicos.
Os resultados obtidos apontam a possibilidade desta deficiência estar relacionada a um
defeito na síntese da proteína C1s. No caso da proteína C1r, observamos que esta é sintetizada por
fibroblastos do paciente. Porém, como não é um método quantitativo, não podemos dizer se está
em menores concentrações que o controle. Este ensaio foi repetido 3 vezes com células de
indivíduo normal e dos pacientes IV-1 e IV-2 marcados com anticorpos anti-C1s e apenas umas
vez para a marcação com C1r.
59
Paciente IV-2
Normal
a
b
c
d
e
f
Controle
negativo
Figura 14. Análise de C1s e
C1r em fibroblastos por
microscopia confocal.
Coluna da esquerda - células
de indivíduo normal. Coluna
da direita - células do
paciente IV-2.
a e b) Controle negativo:
sem o anticorpo primário
(iodeto de propídiovermelho). c e d) células
marcadas com anti-C1s
(verde). e e f) células
marcadas com anti-C1r
(verde).
C1s
C1r
60
IV.5. Expressão de RNAm de C1s em Células de Indivíduos Normais
Uma vez confirmada a ausência de C1s no soro e em culturas de fibroblastos dos pacientes
deficientes (IV-1 a 4), decidimos investigar as bases moleculares que pudessem justificar esta
deficiência.
Nossa primeira abordagem foi amplificar por RT-PCR regiões do cDNA de C1s
dos pacientes e compará-las com o controle. Observamos que a amplificação da região 121-882
gerava dois produtos, mesmo em indivíduos normais. Seria isto uma particularidade de C1s
expressado em fibroblastos?
Para abordar esta questão, amplificamos esta mesma região a partir de RNAm de C1s de
fibroblastos, macrófagos e HepG2. Conforme mostrado na Figura 15, os dois transcritos são
observados nas células acima e não em linfócito T (controle negativo).
(121-882)
100pb
C
Fib
Mφ
HepG2
LT
800pb
700pb
Figura 15. Expressão de dois transcritos de RNAm do C1s. RNAm de diferentes tipos
celulares foram utilizados: fibroblastos (Fib); macrófagos (Mφ); células de hepatoma
(HepG2) e linfócitos (LT). O controle (C) foi feito sem adição de cDNA e o marcador
100bp ladder foi utilizado como referência de tamanho. Os números acima da figura
correspondem à região amplificada do cDNA de C1s (121-882).
Ao seqüenciarmos os produtos dessas duas bandas, observamos uma diferença de 87 pb no
final do éxon 1 (Figura 16). As seqüências dos dois produtos correspondem às referências
depositadas na biblioteca genômica GeneBank denominadas como transcrito variante 1
(NM_01734), descrito por TOSI et al. (1987) e MACKINNON et al. (1987) e transcrito variante 2
(NM_201442), depositado sem uma referência publicada, mas baseado no clone MGC: 65134 –
IMAGE: 6199186 (GeneBank BC056903) e na seqüência homóloga (expression sequence tag –
60
EST) depositada por SUZUKI et al. em 2001 (AU100335). Essa diferença de 87 pb
encontra-se antes do códon (ATG) de início de tradução da proteína C1s, o que sugere que não
haja diferença no tamanho da proteína traduzida tanto por um quanto pelo outro transcrito.
100pb
C
Fib
Mφ
HepG2
RNAm de C1s
1
61
121
181
241
301
AATCTT ATGAACAGAA CCAGGACAGG GAGGCTGGCC GGAGGTTCCT GCAGAGGGAG
CGTCAAGGCC CTGTGCTGCT GTCCCTGGGG GCCAGAGGGG TTGCCCAGCA TGCCCACTGG
CAGGAGAGAG GGAACTGACC CACTTGCTCC TACCAGCTTC TGAAGGTGAC ACTGAGCCCC
AGGTGACGCC GCACCACCAA AGAAGGTGCT TGTGTTTGTC AGACAAATAC AGCCAGGCCT
GCCACCCCTT AGGCTCCAAA GTCCGGAGGT GCAGAAAGCC AGGACCAAGA GACAGGCAGC
TCACCAGGGT GGACAAATCG CCAGAGATGT GGTGCATTGT CCTGTTTTCA CTTTTGGCAT
1
61
121
181
241
AATCTT ATGAACAGAA CCAGGACAGG GAGGCTGGCC GGAGGTTCCT GCAGAGGGAG
CGTCAAGGCC CTGTGCTGCT GTCCCTGGGG GCCAGAGGGG TTGCCCAGCA TGCCCACTGG
CAGGAGAGAG GGAACTGACC CACTTGCTCC TACCAGCTTC TGAAGGCTCC AAAGTCCGGA
GGTGCAGAAA GCCAGGACCA AGAGACAGGC AGCTCACCAG GGTGGACAAA TCGCCAGAGA
TGTGGTGCAT TGTCCTGTTT TCACTTTTGG CAT
Transcrito 2
Transcrito 1
Figura 16. Diferença de nucleotídeos dos dois transcritos de C1s humano.
Numeração baseada na seqüência do cDNA de C1s do transcrito 2 (NM_201442).
A seqüência em amarelo representa a região de 87 pb ausente no transcrito 1. Os
5 primeiros nucleotídeos de cada éxon estão em negrito e o códon de início de
tradução (ATG) está representado em azul.
IV.6. Expressão de RNAm de C1s e C1r dos pacientes
Para caracterizar a deficiência genética, amplificamos os RNAms de C1s e C1r por RTPCR a partir de fibroblastos dos pacientes e controle normal. Para amplificar todo o cDNA foram
necessários dois pares de primers (Quadro 7 e Figura 17), tanto para C1s quanto para C1r.
Considerando que há uma diferença de transcritos de RNAm de C1s e essa diferença esteja
localizada no éxon 1, optamos por amplificar o início do cDNA de C1s a partir de um primer
desenhado no éxon 2, antes do códon de início de tradução da proteína (ATG), a fim de facilitar a
62
visualização dos produto, gerando apenas uma banda ao amplificar o cDNA do C1s em
indivíduos normais.
Ao analisarmos o RNAm dos pacientes (IV-1 a 4), observamos a presença de duas bandas,
com uma diferença de aproximadamente 200 pb, enquanto o RNAm dos pais e de indivíduo
normal apresentaram somente uma banda como esperado (Figura 17a). A expressão e tamanho
dos produtos amplificados de C1r por fibroblastos de todos os membros da família não foram
diferentes do controle normal (Figura 17b). GAPDH foi utilizado como controle técnico (Figura
17c) e o RNA total de cada membro da família foi avaliado pela sua integridade, através da
observação dos RNAs ribossômicos 18S e 28S, e nenhum sinal de degradação de RNAs foi
encontrado (Figura 17d). Isto corroborou para a validade da existência do segundo produto
observado no RNA de C1s dos pacientes (IV-1 a 4). Esses resultados foram reproduzidos por no
mínimo três vezes.
63
(121-1491)
a)
100bp N
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3 IV-4
1,4kb
C1s
1,2kb
(1347-2702)
N
pai
mãe
IV-1 IV-2
IV-3
IV-4
C1s
1.4kb
(21-1170)
b)
N
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3 IV-4
C1r
1.1kb
(1107-2380)
N
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3 IV-4
C1r
1.3kb
d)
N
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3 IV-4
GAPDH
c)
N
pai mãe IV-1 IV-2 IV-3 IV-4
28S
18S
RNA
Figura 17. Expressão do RNAm de C1r e C1s analisado por RT-PCR. a) Amplificação
do cDNA de C1s. b) Amplificação do cDNA de C1r. c) Análise da expressão do
GAPDH como controle positivo. d) Integridade do RNA total: observação do RNA
ribossômico 18S e 28S. N- individuo normal; IV-1 a 4 pacientes deficientes de C1s. Os
números indicados acima dos produtos de RT-PCR representam os primers utilizados
para amplificar os produtos abaixo dos mesmos. O marcador 100bp ladder foi utilizado
como referência de tamanho. As setas à esquerda indicam o tamanho do estimado do
produto (a e b).
63
IV.7. Seqüenciamento
A diferença de tamanho dos produtos de amplificação de RNAm dos pacientes em relação
ao controle foi confirmada após seqüenciamento do cDNA de C1s, quando constatamos uma
deleção de 208 pb no RNAm de C1s dos pacientes. Esta deleção do cDNA é coincidente em
tamanho e posição (332-539) com o éxon 3 do C1s (Figura 18).
a)
gene C1s
1
b)
A
2
T G
3
T
4
G
A T
5
A A
6
T
7
8
9
10
11
12
C
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
Figura 18. Seqüenciamento do cDNA do C1s da paciente IV-1. a) Estrutura genômica do
C1s de indivíduo normal. Blocos coloridos representam os éxons e a linha entre eles os
íntrons. b) Seqüência do menor produto de RT-PCR do C1s do paciente. A seqüência não
contém o éxon 3. O códon de início de tradução (ATG) está circulado em azul.
O códon ATG que codifica para metionina, primeiro resíduo de C1s, encontra-se no éxon 2
na posição 327 do cDNA (Figura 19). A síntese da proteína é então estendida pela tradução
dos códons seguintes, até que seja encontrado um códon de parada (TGA, TAG ou TAA), que
sinaliza o final do polipeptídeo. A deleção do éxon 3 encontrada no RNAm dos pacientes muda
o quadro de leitura dos códons gerando um códon de parada prematura na posição 330 do
65
cDNA, logo após a seqüência de início de síntese de proteína (Figura 19), o que
explicaria, pelo menos em parte, o fato deste RNAm não ser responsável pela tradução de uma
proteína funcional e estável.
éxon 2
éxon 3
A
T G
T G
G
T G
C A
A
T G
T G
A
T A
A
éxon 2
T
T C
Seqüência do cDNA de C1s normal
Seqüência do cDNA de C1s dos pacientes (IV-1 a 4)
éxon 4
Figura 19. Seqüência do cDNA do C1s de indivíduo normal (superior) e do paciente (inferior),
que não apresenta o éxon 3. As elipses azuis representam a seqüência sinalizadora de início de
tradução. A elipse rosa representa um códon de parada.
Para verificar se o éxon 3 estaria ausente no DNA genômico dos pacientes, realizamos a
PCR com o DNA genômico dos pais, dos 4 pacientes e de um indivíduo normal (Figura 20).
Observamos que todos os produtos apresentaram tamanhos semelhantes, indicando que o éxon 3
está ausente somente no RNAm dos pacientes, mas presente no gene C1s, implicando assim, uma
falha no splicing do éxon 3. Também seqüenciamos o íntron anterior (íntron 2) e o posterior
(íntron 3) ao éxon 3 da paciente IV-1 e não observamos nenhuma alteração (dado não mostrado)
com relação à seqüência depositada no GeneBank (Homo sapiens 36.2 – NT_009759).
(273-562)
N
pai
mãe
IV-1 IV-2
IV-3
IV-4
Figura 20. Presença do éxon 3 de C1s no DNA genômico dos pacientes. N- DNA de
indivíduo normal; IV-1 a 4 pacientes deficientes de C1s. Os números acima da figura
indicam os primers utilizados para a reação, sendo adotada a posição dos primers no
cDNA do C1s.
66
Também seqüenciamos o produto de maior tamanho (1,4 kb), quando observamos a
substituição de C
G no cDNA de C1s dos quatro irmãos (IV-1 a 4), localizado no éxon 6
938
(Figura 21). Esta substituição é responsável pela geração de um códon de parada prematura na
posição 938 do cDNA de C1s, interrompendo a síntese da proteína neste ponto.
a)
gene C1s
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
b)
938
G A A
T A
G
C A G
A T
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
Figura 21. Seqüenciamento do cDNA do C1s da paciente IV-1. a) Estrutura genômica do
C1s de indivíduo normal. Blocos coloridos representam os éxons e a linha entre eles os
íntrons. b) Seqüência do maior produto de RT-PCR do C1s do paciente. No retângulo preto, a
guanina (G) foi substituída por uma cisteína (C).
Ao seqüenciarmos a região do éxon 6 no DNA genômico de todos os membros da família,
observamos que os pais apresentavam um padrão heterozigoto, sendo um dos alelos um C, como o
controle normal e outro um G, como a mutação dos filhos (Figura 22). Os resultados foram
obtidos através do seqüenciamento de C1s no sentido direto (F) e no reverso (R) e nenhum
polimorfismo foi ainda descrito na literatura para esta posição de nucleotídeo.
67
Normal
a)
G
T
A
A
T
Mãe
c)
G
A
Paciente IV-1
938
A
C
C
A
G
b)
A
T
A C/G
A
A
T
Pai
938
A
G
C
A
G
A
T
d)
G
T
938
A
G
C A
G
A
T
938
A
A
T
A C/G
C
A
G
A
Figura 22. Substituição de CG na posição 938 do cDNA nos pacientes. Seqüência da região
933-943 do éxon 6 de (a) indivíduo normal; (b) paciente IV-1, homozigoto para a substituição
de CG; (c) mãe e (d) pai, heterozigotos (C/G) na posição 938.
Também seqüenciamos os produtos de RT-PCR dos pacientes que correspondem ao final
do cDNA do C1s (1347-2702) observados anteriormente na Figura 17a. Esta região não
apresentou qualquer diferença com relação à seqüência depositada no banco de dados – GeneBank
- (dado não mostrado) tanto para o transcrito 1 (NM_01734), quanto para o transcrito 2
68
(NM_201442), indicando que a deficiência genética deve ser dependente de mutações
encontradas na porção inicial do cDNA.
Como há uma menor concentração sérica de C1r nos pacientes IV-1 a 4, seqüênciamos o
cDNA do C1r da paciente IV-1 e nenhuma mutação foi observada, exceto por uma substituição de
T
504
C localizada no éxon 4. Esta substituição gera uma serina (TCA) no lugar de uma leucina
(TTA), no entanto, é uma mutação já descrita como polimorfismo (GeneBank rs1801046).
IV.8. Produção de Diversos Transcritos de C1s
Para tentar explicar a falha no splicing que exclui o éxon 3 e gera um RNAm de 208 pb
menor que o normal, empregamos prata para corar o gel de acrilamida 4,5 %, e observar os
produtos de RT-PCR do C1s dos membros da família com melhor resolução. Uma de nossas
hipóteses era que os pais estivessem produzindo o RNAm com problema de splicing como os
filhos, mas em quantidades bem menores, e a alta concentração do transcrito de tamanho normal
estaria seqüestrando os reagentes na hora da reação de amplificação e, portanto, amplificando uma
banda muito mais forte. Através deste ensaio observamos um produto nos pais e no controle
normal que poderia corresponder ao RNAm menor observado nos pacientes (Figura 23).
(273-1043)
M
N
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
831pb
564pb
Figura 23. Expressão de um transcrito menor de C1s em indivíduos normais. Produtos
de RT-PCR marcados com prata. M- marcador λ-Hind III- EcoRI; N- indivíduo normal;
IV-1 a 4 - pacientes C1s deficientes. Foram aplicados 3 µl de produto de reação de RTPCR dos pais e do indivíduo normal e 5 µl dos pacientes (IV-1 a 4). Este resultado é
representativo de 3 experimentos.
69
Curiosamente, observamos a produção de outros transcritos (Figura 24) que não eram
observados na coloração por brometo de etídio. Estes transcritos aparentemente não são
inespecíficos, pois são constantes nos 4 pacientes e a reação foi feita simultaneamente com a
reação dos pais e do normal, que por sua vez não apresentam todos os produtos, o que exclui um
problema de temperatura de anelamento. Este resultado repetiu-se pelo menos 2 vezes. A região
amplificada gera produtos de tamanho maior (1.2 e 1.4 kb), diferente da Figura 23, e, portanto, a
segunda não se encontra visível, pois a banda menor (1.2 kb) acaba sendo mascarada pela forte
marcação da banda maior (1.4 kb).
(273-1491)
M
N
pai
mãe
IV-1
IV-2
IV-3
IV-4
2027pb
1904pb
1584pb
1375pb
947pb
831pb
564pb
Figura 24. Expressão de diversos transcritos de RNAm nos pacientes IV-1 a 4. M –
marcador λ-Hind III- EcoRI. Expressão de C1s N - indivíduo normal; IV-1 a 4 –
pacientes. Foram aplicados 5 µl de produto de reação de RT-PCR de cada indivíduo.
Este reultado é um representativo de 7 experimentos.
70
V. DISCUSSÃO
As deficiências de proteínas da via clássica do complemento estão associadas a maior
suscetibilidade a infecções bacterianas e ao desenvolvimento de doenças auto-imunes, como LES.
Os casos de deficiência de C1s e C1r são raros e geralmente a deficiência de uma delas é
acompanhada pela diminuição da concentração sérica da outra. Em apenas 3 dos 15 casos
descritos foram analisadas as bases moleculares da deficiência (INOUE et al., 1998; ENDO et al.,
DRAGON-DUREY et al., 2001).
Em nosso estudo, descrevemos o primeiro caso brasileiro da deficiência de C1s combinada
com a deficiência de C1r, sendo todos os filhos (IV-1 a 4), de pais consangüíneos, afetados pela
deficiência de C1r e C1s e dois deles (IV-1 e 2) desenvolveram LES. A paciente IV-1 manifestou
repetidas infecções como episódios de artrite séptica, pneumonia e sinusite, além de proteinúria e
LES. O irmão IV-2 apresentou artrite, fotossensibilidade e LES. Essas características combinam
com o quadro clínico apresentado por outros pacientes C1r/C1s deficientes já descritos na
literatura, embora haja muita variação entre eles. Em geral, apresentam repetidas infecções, além
de desenvolverem glomerulonefrites e LES (PICKERING et al., 2000). No entanto, há casos
assintomáticos (LEE et al., 1978) em acordo com o observado com os pacientes IV-3 e IV-4. Por
apresentarem um quadro clínico tão heterogêneo, é difícil saber se o baixo número de casos
descritos (15 casos) não está relacionado à essa heterogeneidade, já que em alguns deles os
sintomas são tão fortes que levam à morte dos pacientes de poucos anos de idade (MONCADA et
al., 1972; ENDO et al., 1999), ou em outros casos são assintomáticos.
Com este estudo são 11 de 19 casos (58 %) de deficiência de C1r/C1s associada a LES. No
entanto, os mecanismos que levam ao desenvolvimento da doença em decorrência da deficiência
de proteínas do complemento permanecem incertos. Atualmente, há três hipóteses não excludentes
que predominam nas discussões desse tema: deposição de imunocomplexos, remoção de células
apoptóticas e tolerância de linfócitos B (NAVRATIL et al., 1999; W ALPORT, 2002; CARROLL,
71
2004). Embora tenha sido demonstrado o papel do complemento da remoção e
solubilização de imunocomplexos (FUJITA et al., 1977; MEDOF et al., 1983) e que animais C1q-/deficientes apresentam glomerulonefrite exacerbada (Robson et al., 2001), não se pode excluir a
contribuição importante da via alternativa e a via das lectinas que se encontram, na maioria dos
casos, com atividade normal. Logo, é de se esperar que fragmentos como C3b sejam formados,
podendo atuar na remoção e solubilização de imunocomplexos. Além disso, pacientes deficientes
de complemento e portadores de LES, não apresentam necessariamente maior deposição de
imunocomplexos que outros pacientes com LES. A hipótese do clareamento de restos apoptóticos
associa o complemento à remoção e apresentação de auto-antígenos, uma vez que C1q liga-se a
restos apoptóticos (KORB E AHEARN, 1977). Ainda nessa direção, outros trabalhos mostraram que
C4 e C3 também participavam da remoção de restos apoptóticos, desta forma, na ausência destas
proteínas os restos apoptóticos não seriam removidos eficientemente e, portanto, uma maior
concentração de auto-antígenos estaria disponível para ser reconhecida por linfócitos B
autorreativos. Por fim, a hipótese que o complemento influenciaria a tolerância de linfócitos B
complementa a anterior, pois segundo ela, C4b atuaria na seleção negativa de linfócitos B
autorreativos, ao potenciar o sinal de reconhecimento do antígeno, e na periferia, C4b ligado ao
CR1 atuaria como co-receptores para sinalização de ativação de linfócitos B.
Essas hipóteses explicam parcialmente a relação da deficiência de algumas proteínas do
complemento com o desenvolvimento de LES, porém, em nenhum trabalho observou-se o papel
das proteínas C1r e C1s dentro deste contexto. A explicação mais plausível seria que como C1s
cliva C4 em C4a e C4b, e o último participa tanto da remoção de restos apoptóticos e da
apresentação de antígenos na seleção negativa de linfócitos B auto-reativos. Assim, na ausência de
C1s, menos C4 seria clivado, diminuindo a remoção de restos apoptóticos e, portanto, uma maior
possibilidade destes restos seriam reconhecidos por auto-antígenos. Além disso, sem o C4b, a
72
apresentação de auto-antígenos para linfócitos B na seleção negativa teria um sinal menos
intenso contra auto-antígenos e com isso, linfócitos B autorreativos escapariam para a periferia.
Inicialmente o grupo da Dra. Virgínia Paes Leme Ferriani (FMRP – USP) observou a
deficiência de C1s nos pacientes (IV-1 a 4) por imunodifusão dupla, e por este mesmo ensaio
detectaram a presença de outras proteínas da via clássica do complemento, como C1r e C1q.
Através de ensaios funcionais das vias clássica, alternativa e das lectinas, confirmamos a
deficiência de proteínas exclusivas da via clássica, uma vez que não foi detectada a atividade do
complemento mediada por esta via no soro dos pacientes (IV-1 a 4), enquanto pelas outras vias
isto foi observado. Este resultado já era esperado, uma vez que os pacientes são deficientes de C1s
e parcialmente de C1r, e até o momento, não há nenhum caso descrito de deficiência de C1s/C1r
associada a proteínas de outras vias do complemento. No entanto, curiosamente observamos uma
atividade acima do normal de outras vias no soro dos pacientes e do pai. Esta maior ativação deve
estar relacionada à maior concentração de outras proteínas do complemento (C4 e MBL)
observados no soro dos mesmos. Uma possível explicação para este aumento de concentração de
outras proteínas do complemento seria a baixa ou ausente ativação da via clássica que resultaria
em consumo menor de proteínas. Outros casos na literatura também relatam deficiências de
subcomponentes do complexo C1 (C1q, C1r e C1s) que apresentam com freqüência concentrações
mais elevadas de C4 (PICKERING et al., 1970; MONCADA et al., 1972; LEE et al., 1978; GARTY et
al., 1987; ELLISON et al, 1987, INOUE et al, 1998; CHEVAILLER et al., 1994; DRAGON-DUREY et
al., 2001) e inibidor de C1 (PONDMAN et al., 1968; P ICKERING et al., 1970; ELLISON et al, 1987;
S UZUKI et al., 1992; CHEVAILLER et al., 1994; DRAGON -DUREY et al., 2001) e com menor
freqüência, de C3, C5 (MONCADA et al., 1972; LEE et al., 1978; CHEVAILLER et al., 1994) e
componentes da via terminal (C6, C7, C8 e C9) com concentrações mais elevadas que o normal
(MONCADA et al., 1972; LEE et al., 1978), embora nenhum destes trabalhos tenha investigado a
atividade das vias das lectinas e alternativa nesses indivíduos. Contudo, não sabemos se essas
73
alterações afetam os pacientes de alguma forma, pois os ensaios funcionais foram
realizados in vitro, e a alta concentração de outras proteínas do complemento pode não ter
conseqüências fisiológicas relevante. A alta concentração de tais proteínas também nos levou a
especular sobre o papel da via das lectinas nesses pacientes, pois em vários casos observamos o
aumento da concentração de C4, assim como em nossos pacientes. Embora outros estudos não
tenham analisado a atividade da via das lectinas, observamos que ela estava presente e funcional
no soro de nossos pacientes deficientes, e mesmo assim eles (IV-1 e 2) apresentaram várias
infecções. Desta forma, o que seria responsável por este acúmulo de C4? Pode ser que haja um
mecanismo de compensação e, portanto, na ausência da atividade da via clássica, a produção de
C4 aumente para que a via das lectinas possa ser mais ativada. Ou a via das lectinas não tenha uma
atividade tão expressiva quanto a via clássica, uma vez que na ausência desta, a via das lectinas
não chega a consumir significantemente as proteínas comuns de ambas as vias.
A deficiência de C1s no soro dos quatro irmãos foi confirmada por Western blotting com o
soro dos pacientes e o sobrenandante de cultura de células dos mesmos. Além disso, pela
microscopia confocal, não detectamos C1s no citoplasma dos fibroblastos dos pacientes,
indicando que a deficiência de C1s ocorre pela ausência de síntese da proteína e não por falha na
sua secreção. Para confirmar a deficiência, ainda dosamos a concentração de C1s por
imunoeletroforese, e os resultados obtidos mostraram que a concentração da proteína no soro dos
quatro irmãos era praticamente nula (< 6 %). Estes resultados caracterizam a deficiência de C1s
nos pacientes. Como alguns trabalhos descrevem casos de deficiência de C1s associada à baixa
concentração sérica de C1r (PONDMAN et al., 1968; SUZUKI et al., 1992) e a deficiência de C1r
associada à baixa concentração de C1s (PICKERING et al., 1970; MONCADA et al., 1972; LEE et al.,
1978; RICH et al., 1979; G ARTY et al., 1987; ELLISON et al., 1987; C HEVAILLER et al., 1994),
fomos averiguar a presença de C1r no soro e células dos pacientes. Embora pela imunodifusão
dupla tenhamos observado a presença da proteína C1r no soro dos quatro irmãos e dos pais (dado
74
não mostrado) e a presença da proteína no citoplasma tenha ficado evidente pela microscopia
confocal, quando utilizamos um método mais sensível (eletroimunoensaio), verificamos que a
concentração sérica de C1r no soro dos pais estava ~30 % abaixo do normal, e nos pacientes, a
concentração era ~70 % abaixo do normal. Estes resultados corroboram com os outros trabalhos
em que ocorre a deficiência combinada de C1r e C1s, e portanto, descaracterizando como uma
deficiência seletiva de C1s. Além de baixa concentração de C1r, os pais também apresentaram
níveis mais baixos de C1s (~30% abaixo do normal), enquanto nos filhos C1s estava praticamente
ausente.
Visto que a deficiência dos pacientes era de C1s e parcialmente de C1r, centramos a
investigação nessas duas proteínas. A produção de C1r e C1s por fibroblastos foi demonstrada por
R EID
E
S OLOMON (1977), e B USBY et al. (2000), e confirmada em nossos resultados pelos
fibroblastos de indivíduos normais, enquanto nos pacientes, apenas a produção de C1r foi
detectada, como observado por Western blotting e microscopia confocal. Embora tenhamos
notado a marcação indicando presença de C1r e C1s no núcleo dos fibroblastos, acreditamos que
este resultado provavelmente seja apenas um artefato técnico, mesmo porque, essas proteínas não
possuem seqüências de aminoácidos (aa) previstas em proteínas de localização nuclear presentes
no núcleo (verificado pelo programa psort – www.psort.org).
Além de fibroblastos, C1r e C1s são produzidos por outros tipos celulares como
macrófagos (MU L L E R et al., 1978), monócitos (CHEVAILLER et al., 1994) e condrócitos
(NAKAGAWA et al., 1997). Curiosamente, a produção de C1s por condrócitos aumenta conforme a
diferenciação do mesmo (NAKAGAWA et al., 1997). Este fato pode estar associado a uma das
funções de C1s não associadas ao complemento, que é a degradação de colágeno tipo I, II e
gelatina (YAMAGUCHI et al., 1990), já que condrócitos são células que participam da formação da
cartilagem, a qual por sua vez é composta por colágeno. Além disso, a relação de C1s com
condrócitos e colágeno, pode estar associada à participação de C1s na degeneração da cartilagem
75
de pacientes com artrite reumatóide, na qual a inibição de C1s e C1r diminui o
desenvolvimento da doença (NAKAGAWA et al., 1999). Em camundongos, os genes de C1s e C1r
encontram-se duplicados e expressam diferentes isoformas no fígado e no sistema reprodutivo
masculino, demonstrando a presença de produtos genômicos alternativos para as mesmas
proteínas, mas com possíveis funções diferentes, uma vez que a principal diferença entre as
isoformas localiza-se na região serino-proteolítica, sugestivo de proteólise de substratos diferentes
(GARNIER et al., 2003). Essas diversas funções de C1s e C1r despertam o nosso interesse sobre
aspectos desta regulação e expressão gênica, provavelmente implicados com os resultados
observados nesta família.
Para analisarmos as bases moleculares da deficiência combinada de C1s e C1r,
investigamos a expressão de RNAm de ambos em células de indivíduos normais e dos pacientes.
Inicialmente observamos em indivíduos normais a presença de dois transcritos de RNAm de C1s
em diferentes tipos celulares (macrófagos, fibroblastos e células de hepatoma) por RT-PCR com
uma diferença de 87 pb na região 166-252 do cDNA (NM_201442). A confirmação desta
diferença pelo seqüenciamento de nucleotídeos mostrou que o transcrito menor correspondia à
seqüência depositada no GeneBank como transcrito variante 1 de C1s (NM_01734) e o maior ao
transcrito variante 2 (NM_201442). Embora TOSI et al. (1987) tenha demonstrado a existência de
pelo menos 3 transcritos de RNAm de C1s por Northern blot e estimado seus tamanhos (3,2; 3,1 e
2,9 kb), estes autores não apontaram em quais regiões do gene C1s ocorreriam essas diferenças.
As seqüências depositadas no GeneBank (www.ncbi.nlm.nih.gov) correspondem à seqüência
descrita por Tosi et al. (1987) e Mackinnon et al. (1998), sendo esta o transcrito variante 1
(NM_01734), e à seqüência não descrita na literatura, mas baseada no clone MGC:65134
(GeneBank BC056903) e na EST depositada por Suzuki et al.(2001), no caso do transcrito
variante 2. Desta forma, acreditamos que esses dois transcritos correspondam àqueles descritos
por Tosi et al. (1987) com os tamanhos estimados de 3,1 e 3,2 kb, os quais na verdade teriam uma
76
diferença de 87 pb e não de 100 pb como estimado. Como esta diferença ocorre na região
5´ antes do códon de sinalização para o início da tradução da proteína C1s, e não na extremidade
3´ como Tosi et al. (1987) sugeriu, nenhuma alteração deve ocorrer na estrutura e tamanho da
proteína.
A análise do RNAm de C1s extraído dos fibroblastos dos pacientes, mostrou que a
deficiência de C1s poderia estar relacionada, pelo menos em parte, pela ausência de 208 pb (332539), uma vez que ao amplificarmos o RNAm dos pacientes (IV-1 a 4) foi observado um produto
de menor tamanho (1,2 kb) além do produto observado em indivíduos normais (1,4 kb). No
entanto, esta diferença de 208 pb não foi observada no DNA genômico dos pacientes, quando
realizamos a PCR da região em questão, excluindo a possibilidade desta deleção estar presente em
um dos alelos. Além disso, ao seqüenciarmos essa mesma região no cDNA dos pacientes, notamos
que os 208 pb correspondiam exatamente ao éxon 3, indicando um possível defeito no splicing do
C1s. Sendo assim, seqüênciamos o íntron anterior e o posterior ao éxon 3, e o próprio éxon 3, mas
não constatamos a presença de qualquer mutação que pudesse causar este defeito no splicing. De
qualquer forma, verificamos que a ausência do éxon 3 ocorre logo após o ATG (posição 327 no
cDNA), onde a proteína começa a ser traduzida e, portanto, esperaríamos observar produtos
truncados da proteína, porém, estes não foram observados. Isto pode ser explicado pela mudança
no quadro de leitura do RNAm que gera um códon de parada prematuro na posição 330 do cDNA
(TGA), logo após o primeiro ATG codificante, resultando na ausência de síntese da proteína.
No entanto, os pacientes também produzem RNAm do tamanho semelhante ao normal (3,2
kb), e esperar-se-ia que pelo menos um pouco de C1s fosse produzido pelos pacientes. Porém, ao
seqüenciarmos o produto amplificado deste RNAm, encontramos uma substituição deC
938
G no
éxon 6 nos pacientes IV-1 a 4, gerando um códon de parada prematuro. Esta mutação também foi
observada no transcrito de RNAm que não apresenta o éxon 3, reforçando a idéia de que a deleção
77
do éxon 3 é causada por um erro no splicing e que a mutação de C
938
G presente no DNA
genômico dos pacientes (IV-1 a 4) explica a deficiência da proteína C1s.
Segundo BEELMAN E PARKER (1995), RNAms contendo códons nonsense são degradados
por um processo de vigilância do RNA para evitar a produção e acúmulo de proteínas truncadas.
Essa mesma mutação foi observada no C1s materno e paterno, compatível com um padrão de
heterozigose, o que explica a produção de C1s pelos mesmos, e confirma o padrão de herença
como autossômico recessivo.
Até o momento, há apenas 3 casos de estudos moleculares da deficiência de C1r/C1s: O
primeiro caso descrito (SUZUKI et al., 1992; INOUE et al., 1998) referia-se a um indivíduo do sexo
masculino de origem japonesa de 26 anos que apresentava LES e glomerulonefrite crônica, e era
homozigoto para uma deleção de 4 pb no éxon 10 nos nucleotídeos 1087-1090 (TTTG), criando
um códon de parada prematura (TGA) após a mutação. O segundo caso era um menino, também
japonês, que apresentou síndrome hemofagocítica associada a vírus aos 4 anos, chegou ao hospital
com febre e ataques convulsivos, perda de consciência aos 6 anos e morte aos 7 anos. A mesma
deleção de 4 pb foi identificada no éxon 10 (Inoue et al., 1998) e uma nova mutação nonsense de
G para T foi detectada no códon 608 no éxon 12, representando um caso de heterozigose (ENDO et
al., 1999). O terceiro caso era uma garota de 2 anos de idade com múltiplos sintomas de autoimunidade, sendo homozigota para a substituição de C para T no éxon 12, gerando um códon de
parada prematura (TGA) no códon 534 (DRAGON-DUREY et al., 2001). Nós também seqüenciamos
a região do cDNA do éxon 8 ao 12 (dado não mostrado) e nenhuma mutação foi observada,
indicando um caso diferente daqueles anteriormente descritos, onde as mutações encontradas
localizavam-se nos éxons 10 e 12.
A substituição C
938
G
no éxon 6 explica a deficiência e o padrão de herança da
mesma nesta família, porém, não explica o defeito no splicing do éxon 3 dos pacientes. Para tentar
explicar este fenômeno, levantamos a hipótese de que talvez essa falha no splicing ocorresse
78
também em indivíduos normais, mas em menor quantidade, e a alta produção do RNAm
normal (sem o defeito no splicing) poderia predominar na amplificação pelo método de RT-PCR
omitindo assim a presença deste outro produto, enquanto a baixa produção de RNAm dos
pacientes devido ao códon de parada prematura no éxon 6 (posição 938 do cDNA de C1s),
permitiria a visualização deste produto pelo mesmo método. Para testar esta hipótese, utilizamos a
marcação (mais sensível) com prata para os mesmos produtos de RT-PCR e com isso foi possível
observar a banda correspondente ao RNAm que perde o éxon 3. Portanto, o RNAm com defeito
no splicing está presente em células de indivíduos normais também e possivelmente corresponde
ao transcrito de RNAm mostrado por Tosi et al. (1987) de tamanho estimado 2,9 kb, já que a
diferença deste produto para o transcrito estimado em 3,1 kb é de 200 pb, e a diferença da perda
do éxon 3 é de 208 pb. Ainda não existe uma seqüência no GeneBank que corresponda a este
terceiro transcrito, provavelmente ilustrada aqui pela primeira vez na literatura.
Além disso, também observamos outras bandas no produto de RT-PCR dos pacientes que
podem ser produtos inespecíficos ou outros transcritos de RNAm de C1s produzidos em menor
quantidade e que provavelmente não são traduzidos ou rapidamente degradados, já que não se
conhece outras formas da proteína C1s.
Embora LEYTUS et al. (1986) tenha demonstrado heterogeneidade de tamanho nos
RNAm de C1r, sendo esta diferença na região não codificadora da extremidade 3´ e apresentando
múltiplos sinais de poliadenilação, não encontramos diferença de tamanho ao amplificarmos o
RNAm de C1r. Talvez essa diferença não tenha sido observada devido à posição dos primers
utilizados em nossos ensaios.
De qualquer forma, ainda é intrigante a baixa concentração de C1r no soro dos pacientes,
já que aparentemente, a expressão de RNAm de C1r não é menor que o normal e pelo
seqüenciamento dos nucleotídeos não observamos qualquer mutação, exceto uma mutação
causadora de um polimorfismo já descrito. E considerando os trabalhos de deficiência dessas duas
79
proteínas que mostram que a deficiência de uma é em geral associada à diminuição da outra,
torna-se questionável o mecanismo de expressão das duas. Seriam essas duas proteínas
dependentes de um único mecanismo de tradução ou somente a proximidade dos genes, com
distância de apenas 9,5 kb (KUSUMOTO et al., 1988) das mesmas acaba afetando a síntese da outra,
quando uma é deficiente? Embora saibamos que para cada gene de organismos eucariotos haja um
promotor específico, e alguns trabalhos mostrem evidências de que C1s e C1r sejam produtos de
genes diferentes (KUSUMOTO et al., 1988; TOSI et al., 1989), não podemos afirmar que sejam
traduzidos de maneira independente. A deficiência combinada das proteínas sugere que haja um
mecanismo comum na síntese das mesmas. No entanto, alguns trabalhos mostram a regulação da
expressão de C1r e C1s por estímulos pró-inflamatórios como dexametasona que estimula a
produção de C1r (MORALEZ et al., 2003), mas não têm efeito sobre C1s, ou IFN-γ que estimula
C1s e não tem efeito sobre C1r (CHEVAILLER et al., 1994), sugerindo exatamente o oposto.
Desta forma, várias questões sobre as funções de C1r e C1s, e o mecanismo de expressão
dessas proteínas ficam em aberto. No entanto, podemos afirmar que os pacientes estudados neste
trabalho possuem baixos níveis de C1r e não sintetizam C1s, sendo esta deficiência causada por
uma substituição C
938
G no éxon 6 do C1s.
80
VI. CONCLUSÕES
No presente trabalho, nós confirmamos a presença de 3 transcritos de RNAm de C1s em
células de indivíduos normais e identificamos as regiões do cDNA que esses se diferenciam:
região 166-242 ausente no transcrito de 3,1 kb; e o éxon 3 ausente no transcrito de 2,9 kb.
A ausência do éxon 3 é ocorre por uma falha no splicing e gera um códon de parda
prematura na posição 330 do cDNA de C1s.
Além disso, os resultados apresentados representam o primeiro caso brasileiro da
deficiência da proteína C1s combinada com a deficiência de C1r, associada ao desenvolvimento
da doença autoimune LES. Sendo a causa da deficiência uma substituição de C
938
G no éxon 6
de do C1s dos pacientes (IV-1 a 4) responsável pelo aparecimento de um códon de parada
prematura. A homozigose para a mutação presente nos filhos e a heterozigose nos pais confirmam
ser este o caso de herança autossômica recessiva.
80
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DEFICIÊNCIA DE C1s E C1r HUMANA ASSOCIADA AO