1 “Banco de preservativos: dinâmica e repercussões ”1 Viviane Aparecida Siqueira Lopes Universidade Federal Fluminense Email: [email protected] Apresentação Em março de 2009, foi criado um “Banco de Preservativos” no Polo da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes. Tal projeto de extensão, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, promove ações educativas (palestras, oficinas, reprodução de vídeos e entrega de folders) e garante acesso a preservativos (femininos e masculinos), para alunos deste polo. As ações são realizadas de modo interdisciplinar, com participação de médicos, enfermeiros e assistentes sociais; possuindo a participação de duas alunas, como bolsistas. São cadastrados no “Banco de Preservativos” alunos interessados no acesso ao Kit de preservativos dispensados mensalmente, quando também participam de atividade educativa. Para além destas atividades associadas `a entrega dos preservativos, são promovidas as ações educativas com convite aberto a todos os alunos, quando em média participam 250 alunos, ou com inscrição prévia e vagas limitadas. Em 2010 encontra-se em execução uma pesquisa sobre a vulnerabilidade quanto às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e as repercussões das ações realizadas pelo projeto de extensão, visando a sistematização e amadurecimento sobre a vivência desta questão de saúde no universo que delimitamos para trabalho. 1 Este trabalho envolve a participação das discentes Érica Alves e Aline Pereira do Nascimento 2 Essa pesquisa possui como categorias-chave: DSTs, Vulnerabilidade, Prevenção, Educação e Saúde,. Seus objetivos são: a) Geral: Analisar a inserção dos alunos nas ações desenvolvidas pelo Projeto Banco de Preservativos da UFF/Campos e o grau de vulnerabilidade presente em seu cotidiano. b) Específicos: Identificar o perfil sócio-econômico dos cadastrados. Registrar a opinião dos alunos sobre a qualidade, quantidade e tipos dos preservativos fornecidos pelo projeto. Registrar a opinião dos alunos sobre as atividades educativas desenvolvidas pelo projeto. Analisar os motivos que promovam a não freqüência mensal ao Banco de Preservativos. Analisar o modo e freqüência do uso de preservativos. Identificar dificuldades de ordem subjetiva (preconceito, constrangimento) que limitam o acesso e uso do preservativo. Analisar o grau de vulnerabilidade às DSTs. Reflexões Teóricas A vulnerabilidade é entendida como o “Conjunto de fatores de natureza biológica, epidemiológica, social e cultural, cuja interação amplia ou reduz o risco ou a proteção de um grupo populacional, frente a uma determinada doença, condição ou dano.”MS(2005:47). A vulnerabilidade nos remete a análise das características dos indivíduos, do ambiente no qual ele vive e interage, de seu comportamento e o de seu(s) parceiro(s). O indivíduo em análise, é homem ou mulher? Realiza relações sexuais homo ou heterossexuais?Usa drogas injetáveis? Faz sexo com vários parceiros? Quais valores norteiam seu viver e o da sua comunidade ou grupo social? São algumas das questões cabíveis para análise da vulnerabilidade e do risco. 3 Num primeiro momento, mensurar a vulnerabilidade é buscar compreender qual a dimensão do risco vivenciado. Para o MS (2005:49), risco éa Exposição de indivíduos ou grupos de pessoas a determinados contextos que envolvem comportamentos, modo de vida, orientação sexual e aspectos culturais e sociais em relação à construção e representação da sexualidade e do uso de drogas em determinada sociedade, tornando-os suscetíveis aos agravos à saúde. No entanto, pensar vulnerabilidade requer um “olhar” que adote outros aspectos. Segundo MS (2005), fatores individuais e coletivos (social e institucional) apontam graus variáveis de vulnerabilidade. No que diz respeito `a vulnerabilidade individual, alguns fatores são determinantes, como: Falta de informação e medidas educativas sobre as formas de transmissão e prevenção das DSTs; Pouca motivação ou sensibilização pessoal para aceitar os riscos de infecção; Baixo poder de confiança ou estima para adotar medidas preventivas e hábitos mais seguros. No aspecto individual reconhecemos, em discussão com a equipe do Programa DST-Aids de Campos dos Goytacazes e pelo acompanhamento, como supervisora de estágio supervisionado e inserção no presente projeto, que alguns avanços vêm ocorrendo, especialmente quanto às informações e medidas educativas. No entanto, os dois últimos itens acima citado, constituem limites quando se trabalha com o intuito da prevenção, sendo porém objeto da ação dos vários profissionais envolvidos nestes trabalhos, buscando reduzi-los. A vulnerabilidade institucional refere-se ao desenvolvimento ou não de ações voltadas para a prevenção e assistência aos portadores de DSTs. Envolve instituições governamentais, não-governamentais e sociedade civil. Busca-se a integração desses serviços na promoção da saúde do indivíduo. No transcorrer da última década o governo federal criou a Política Nacional de DST-Aids, como já mencionamos, onde definições quanto `a prevenção, assistência e gestão são registradas. 4 A vulnerabilidade social envolve elementos macro-estruturais. É a presença de questões sociais e econômicas que condicionam a violência sexual, a prostituição, o tráfico de drogas, a falta de acesso aos meios de comunicação, aos serviços de saúde e meios de prevenção (preservativos e seringas descartáveis). Situações promovedoras de maior vulnerabilidade às DSTs. Segundo Bastos; Szwarcwald (2000), as infecções sexualmente transmissíveis são mais comuns entre segmentos mais pobres, não sendo objeto de preocupação para tais segmentos, na medida que boa parte delas possuem cura. O não tratamento adequado destas levam a cronicidade, a reincidência e a presença de bactérias resistentes. A Aids, a sífilis e a herpes genital, não possuem cura, sendo tratadas e controladas pelos serviços de saúde de referência para este tipo de ação. As demais DSTs embora de cura possível, são “portas abertas”, na medida que registam a presença de uma maior vulnerabilidade para DSTs-Aids. Para além do aumento de casos de DSTs-Aids junto aos segmentos mais empobrecidos , tem-se na atualidade um aumento de incidência junto às mulheres, aos com mais de 50 anos de idade e aos municípios brasileiros de menor porte, de mnodo concomitante à manutenção das capitais. Segundo o MS (2007), no Brasil, do total de casos notificados até junho de 2006; 67,2% foram do sexo masculino (290.917 casos) e 32,8% do feminino (142.138 casos). A razão entre os sexos vem diminuindo sistematicamente, passando de 15,1 homens por mulher, em 1986, para 1,5 homens por mulher, em 2005. Segundo MS (2008), os casos de aids em indivíduos com 50 ou mais anos de idade, cresceu de 561 casos em 1990 para 4.520 casos em 2005, ou seja, um crescimento de 805,7%. A razão homem/mulher passou de 6.8 em 1990 para 1.5 em 2005. Tais dados afirmam o crescimento da Aids junto a este segmento e a incidência especialmente nas mulheres. Segundo, Reis; Czeresnia; Barcellos; Tassinari (2008), São Paulo e Rio de Janeiro concentram o maior número absoluto de casos de AIDS. No entanto, no que se refere a taxa de incidência há disseminação geográfica da epidemia.No ano 2000, das dez cidades com maior taxa de incidência, apenas duas delas eram capitais de estado (Porto Alegre em 3º. e Florianópolis em 4º. 5 lugar), estando São Paulo e Rio de Janeiro em 32º e 34º., respectivamente. A exemplo desta disseminação, no estado de Minas Gerais, há registro de casos de aids em 580 dos 853 municípios, ou seja, aproximadamente 68% deles. Desse modo, podemos afirmar que as DSTs-Aids não mais possuem grupos ou áreas geográficas de risco. Toda a sociedade está vulnerável, seja porque na sociedade brasileira, quantitativa e qualitativamente falando, preponderam situações de pobreza; seja pelas inúmeros interações que realizamos com situações onde a vulnerabilidade se amplia. Nesse sentido, ações de educação e saúde são importantes. Segundo Maciel (2009:774), “as ações educativas em saúde passam a ser definidas como um processo que objetiva capacitar indivíduos ou grupos para contribuir na melhoria das condições de vida e saúde da população, devendo ainda estimular a reflexão crítica das causas dos seus problemas bem como das ações necessárias para sua resolução”. A proposta de educação e saúde, segundo o “modelo dialógico ou radical”, citado por Maciel (2009), caracteriza-se pelo diálogo bidirecional entre as duas partes envolvidas no processo educativo - profissional de saúde e indivíduo ou comunidade. É radical por romper com práticas educativas tradicionais, que enfocavam o aspecto individual não reconhecendo as multideterminações que envolvem o processo de prevenção. Nesse modelo, valoriza-se o saber popular, o estímulo e respeito à autonomia do indivíduo no cuidado de sua saúde e a participação social. Metodologia O Polo da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes possuía em abril de 2010 quatro cursos, sendo geografia, economia e ciências sociais, com duas turmas cada ;e, serviço social, com nove turmas. Cada turma composta de 50 alunos em média, o que remete a um universo em torno de 750 alunos. O mês de abril tornou-se nossa referência para elaboração da amostra. Desse modo, o cálculo para amostra envolvia o total de alunos cadastrados, sendo 140 alunos e 25% de cada turma, sendo 15 turmas entre todos os cursos, o que envolveria aproximadamente 180 alunos. Portanto, foram distribuídos 320 questionários. 6 Estes possuem três partes: a primeira com dados pessoais e sócioeconômicos; a segunda, sobre o projeto; e, a terceira, sobre vulnerabilidade. Aos alunos não-cadastrados no “Banco de Preservativos”, era solicitado que não respondessem a parte referente ao projeto, pois continha perguntas específicas. Os alunos foram escolhidos de modo aleatório, definido pelo interesse e disposição em participar da pesquisa. Resultados/Conclusões/Recomendações Dos 320 questionários distribuídos foram devolvidos 137, ou seja, 42.8% deles, sendo 95 do curso de serviço social, 13 de ciências sociais, 18 de geografia, 11 de economia. Como resultados gerais e preliminares, destacamos a presença de maioria jovem, entre 17 e 25 anos (60.6%); do sexo feminino (80.3%); solteiros (65.7%); residentes em Campos (56.2%). Em termos de trabalho e renda, trabalham (33.6%) e são remunerados como bolsistas (12.4%); possuem renda familiar de até 03 salários mínimos (55.5%); sendo em maioria famílias de 03 a 04 membros (55.5%). Residem com os pais 44.5% dos pesquisados. Portanto, são jovens de situação sócio-econômica frágil, pela renda, mas com convivência familiar, nesse sentido podemos incluir os 16% que convivem com parceiro. Sobre o projeto, apresentam como motivos para deste participarem, sendo os dois mais citados, em ordem crescente: o interesse pelos temas e folders e a gratuidade dos preservativos. Dos pesquisados, 60% participou de alguma palestra, 31% assistiu a vídeo educativo, 70% recebeu algum folders sobre prevenção de DSTs. Sobre os preservativos, 84.8% concordam com a quantidade e 71% os consideram de boa qualidade. Sobre vulnerabilidade, 45. 3% não usam preservativos em todas as relações, 70% possuem parceiro fixo e 68.6% nos últimos 06 meses possuíram de 01 a 02 parceiros, embora 4.4% possuíram de 05 a 12 parceiros neste período. Dos pesquisados, 89% acreditam que as DSTs/Aids podem atingir a qualquer pessoa. 7 Estes dados preliminares nos indicam uma associação entre possuir parceiro fixo e o não uso de preservativo, embora possuam corretas informações sobre os riscos existentes em relação às DSTs. Há uma opinião favorável sobre o projeto “Banco de Preservativos” e uma boa adesão as atividades propostas. Mesmo assim, registra-se vulnerabilidade, quanto a existência de vários parceiros. Entendemos que o trabalho educativo-preventivo frente as DSTs esteja sendo válido, na medida que redefine o modo de pensar, abordar e falar sobre o tema no universo por nós trabalhado. O trabalho educativo vem de encontro a proposta de integralidade, complementando as ações desenvolvidas pelo Programa DST-Aids do município de Campos dos Goytacazes/RJ. Vai além da preocupação em tratar, buscando a renovação de idéias, a alteração de hábitos e a redefinição de valores. Agradecimentos Agradecemos a parceria, permeada de diálogos e colaboração, com o Programa DST-Aids/Secretaria Municipal de Saúde de Campos dos Goytacazes. Referências Bibliográficas: BASTOS, Francisco Inácio;SZWARCWALD, Zélia Landmann . AIDS e pauperização: principais conceitos e evidências empíricas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro: Fiocruz, 16(Sup.1):65-76, 2000. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,1988. ---.Ministério da Saúde.Boletim Epidemiológico Aids-DST: Brasília, ano V, n. 01, 2008. ---.---. Lei Orgânica da Saúde. Lei .8080 de 19 de setembro de 1990. Brasília, 1991. ---.---. Oficina de aconselhamento em DST/HIV/Aids para a atenção básica: Brasília, série manuais n. 66, 2005. ---.---. Plano Integrado de enfrentamento da feminização da Epidemia de Aids e outras DST: Brasília, Março, 2007 8 MACIEL, Marjorie Ester Dias. Educação em saúde: conceitos e propósitos. Revista Cogitare Enfermagem, Paraná, 14(4):773-776, out/dez 2009. MATTOS, Ruben Araújo de. A integralidade na prática ou a prática da integralidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(5): 1411-1416, set -out, 2004. LOPES, Viviane Aparecida Siqueira; SILVA, Natália Andrade Machado. Educação em DST-aids e banco de preservativos/UFF. In: MOSTRA DE EXTENSÃO IFF-UENF-UFF, 1.,Campos dos Goytacazes,2009. Ciência no Brasil. Campos dos Goytacazes:UENF, 2009. 1 CD – ROOM. LOPES, Viviane Aparecida Siqueira; RANGEL, Erica Alves; PEREIRA, Aline do Nascimento. Educação em saúde: o Banco de Preservativos/ UFF In: II MOSTRA DE EXTENSÃO IFF-UENF-UFF, 1.,Campos dos Goytacazes,2010. Ciência para o desenvolvimento sustentável. Campos dos Goytacazes:UENF, 2010. 1 CD–ROOM. REIS, Cláudia Tartaglia et al. A interiorização da epidemia de HIV/AIDS e o fluxo intermunicipal de internação hospitalar na Zona da Mata, Minas Gerais, Brasil: uma análise espacial. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro:Fiocruz, 24(6):1219-1228, jun. 2008.