Rute Josgrilberg- Linguagem e Argumentação - UNIGRAN
Aula 02
LEITURA, ESCRITA E
CONHECIMENTO
Na aula anterior, falamos sobre a importância de dominar a norma culta da língua como
meio de compreender melhor o que você lê e, consequentemente, escrever melhor, atingindo,
dessa forma, o seu objetivo ao ingressar em um Curso Superior - adquirir conhecimentos específicos de sua área. Constata-se, então, que ler bem e escrever bem constituem o suporte do
processo de aprendizagem para todas as disciplinas de seu Curso. Vamos, então, fazer uma
breve reflexão sobre o ato de ler?
LEITURA E CONHECIMENTO
(JOSGRILBERG, Rute. Texto publicado no guia do Projeto Nacional de Formação
Continuada de professores do Ensino Médio ProIFEM/2005).
O que significa ler? Ora, ler é conseguir juntar o g + a + t + o e formar a palavra gato.
Mas... atenção! Não é apenas isso. Se assim fosse, um estrangeiro que não conhecesse a língua
portuguesa poderia juntar essas letras e, mesmo com algum sotaque, conseguiria pronunciar
gato sem, no entanto, entender o significado desse conjunto de letras. Ler significa construir
sentido e é uma das mais poderosas ferramentas que você, prezado aluno, utilizará para realizar
as suas pesquisas: a leitura.
O bom leitor é aquele que consegue ler em profundidade, ou seja, é capaz de perceber
além do que está explicitamente escrito. Ler o “não-dito”, estabelecer relações entre o texto
que está sendo lido e outros textos lidos anteriormente, permitir-se uma pausa para reflexões
e questionamentos são atitudes que compõem o perfil de um leitor maduro (não há nessa palavra nenhuma relação com a idade do leitor). Além desse tipo de leitor, há um segundo grupo
composto pelos que dizem que não gostam de ler e pelos que lêem, mas não entendem bem
o texto lido. O primeiro grupo, o de leitores maduros, estabelece uma relação prazerosa com
a leitura. Já para o segundo grupo, essa relação é de obrigação.
Ninguém nasce pré-determinado a ser um bom ou mau leitor. Passamos por um
complexo processo de formação que envolve, além de aspectos sociais, atitudes de nossas
as famílias e da escola frente à leitura. Se, por um lado, as dificuldades diante de um texto
podem ser sanadas com o conhecimento de técnicas de leitura; por outro, como lidar com
a questão do prazer de ler? O leitor que, na escola, lê por causa do boletim, por obrigação,
não descobriu o prazer de ler. Diz Rubem Alves, renomado educador, escritor, psicanalista
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e professor da Unicamp, que a “leitura obrigatória é uma coisa tão absurda quanto falar em
felicidade obrigatória”. (2003, p.50).
RUBEM ALVES
Teólogo, filósofo e psicanalista, autor de 40 livros.
Mineiro de Boa Esperança, mora em Campinas (SP) e leciona na Unicamp. Além
de escrever, vive a maior parte do tempo viajando pelo Brasil, proferindo palestras, como fez
recentemente em Montes Claros, onde foi ouvido por uma platéia de mais 400 professores.
Rubem falou sobre a qualidade na educação e não deixou de fazer censura aos políticos, classe
da qual ele confessa ter aversão. Psicanalista, Rubem Alves estudou música e teologia; morou
nos estados Unidos, concluindo doutorado na Universidade de Princeton, em New Jersey.
Como escritor, Rubem revela-se poeta, filósofo, teólogo e, sobretudo, pensador.
(Extraído do site http://virtualbooks.terra.com.br/padregabriel/entrevista_Rubem_Alves.htm )
A descoberta de que ler pode ser um prazer está intimamente ligada ao domínio das
técnicas de leitura. Afinal de contas, não podemos gostar do que não conhecemos. À medida
que começamos a nos relacionar melhor com o texto escrito, o gosto pela leitura vai, pouco a
pouco, brotando, crescendo, esparramando-se até que se torne parte de nossa vida, da mesma
forma que o são nossos braços e pernas e não sabemos mais viver sem eles. O mesmo Rubem
Alves é quem explica que “quem não lê é cego. Só se vê o que os olhos vêem. Quem lê, ao
contrário, tem muitos milhares de olhos: todos os olhos daqueles que escreveram” (p.62).
(http://www.an.com.br/2002/abr/fotos/30ane03.jpg )
O prazer de ler pode ser fruto de uma leitura feita por escolha do leitor, sem nenhum
compromisso com nada - ler pelo prazer de ler. Pode, também, gerar prazer por ser o meio
que levará o leitor a atingir um objetivo desejado, tornando-se instrumento de conquista,
que pode ser, por exemplo, a conquista do título de graduado associado aos conhecimentos
daí advindos. Para o adolescente, ler pode ser sinônimo de castigo, posto que essa é a fase
do grupo, da turma, do coletivo. Ler, ao contrário, é um ato solitário que exige tempo para
“ruminar” o que for lido.
Você percebeu o quanto a leitura é importante? Ler, no seu caso, passou a ser uma
necessidade, em conseqüência da escolha que VOCÊ fez – fazer um curso de nível de nível
superior. Organize seu tempo e aprenda a ler com qualidade! Ler e escrever são frutos de aprendizagem!
Já ouviu falar em “conhecimento prévio”? Pois, então... é o conhecimento que você já tem
sobre um determinado assunto. Esse conhecimento é constituído pelo conjunto de conhecimentos
que você carrega ao longo de sua vida. E não são apenas informações colhidas de leituras, mas,
também, aquilo que você aprendeu no dia-a-dia, sem perceber que estava aprendendo. Ao ler
um texto, entram em ação, na nossa mente, o conhecimento de mundo, o conhecimento textual
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e o conhecimento linguístico.
Chamamos de conhecimento de mundo ao tipo de conhecimento que nos permite compreender o que não está explicitamente dito no texto. Antunes (2007) explica e exemplifica da
seguinte forma:
[...] , diante de um letreiro em que está escrito: NARIZ, OUVIDO, GARGANTA, e
de um outro em que estão os dizeres: FRANGO, FRUTAS, VERDURA, qualquer pessoa vai
entender que, somente na segunda situação, alguns produtos estão postos à venda. Ninguém vai
entender, por outro lado, que, naquele primeiro estabelecimento, estão vendendo nariz, ouvido
e garganta.
Mas essas interpretações são feitas corretamente devido a quê?
Certamente, não é, apenas, por conta dos elementos lingüísticos que lá estão expressos. É, na verdade, com o apoio que se tem do conhecimento de como as coisas se organizam,
se distribuem no mundo da experiência. É por esse conhecimento que rejeitamos a hipótese
interpretativa de que nariz, ouvido e garganta são produtos à venda e que aceitamos a outra de
que frango, frutas e verduras podem ser comprados no lugar onde consta o letreiro (ANTUNES,
2007, p. 56).
O conhecimento textual é importante porque facilita a compreensão do tipo de texto
que estamos lendo. Conhecer as estratégias por meio das quais o texto é construído, facilita a
compreensão e nos dá subsídios na hora da escrita.
O conhecimento linguístico é o conhecimento das normas gramaticais que organizam
a estrutura de uma língua. Conhecer as regras gramaticais, então, não é o suficiente para dominarmos a leitura e, sobretudo, a escrita, Para garantir sucesso na modalidade escrita temos que
dominar os três tipos de conhecimento acima citados. Além do que, não podemos esquecer que
o uso da língua não se limita a ler e escrever e, seja no mundo acadêmico fora dele, está sujeito
a regras sociais. A esse respeito afirma Antunes (2007, p.63 – 64):
Somado ao conjunto das regras lingüísticas (gramaticais e lexicais) e das regras
textuais, existe um terceiro: aquele relativo às normas sociais que regulam o comportamento
das pessoas em situações de interação verbal.
Em termos bem gerais, podíamos começar lembrando que ninguém fala o que quer, do
jeito que quer, em qualquer lugar. Existem também os bem-comportados e os mal-comportados
comunicativamente. Isto é, em toda cultura, prevalece um conjunto de normas que especificam quem pode falar, o quê, como, com quem e quando. Falar em voz alta, por exemplo, é
permitido, apenas, em certas ocasiões. Interromper o outro também tem suas restrições. Dizer
tudo o que vem à cabeça, sem discrição, é sinal de incompetência comunicativa (por exemplo,
tornar públicas as dívidas de um morto na cerimônia de seu sepultamento - como jocosamente
foi apresentado na cena de um comercial, há pouco veiculado na TV).
Usar expressões que demonstram atitudes de polidez ou usar de tolerância frente a
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determinados tipos de interlocutores é comportamento socialmente prestigiado. Por exemplo,
não é em qual¬quer oportunidade se pode fazer a alguém qualquer tipo de per¬gunta: é preciso
avaliar se a privacidade do outro está ou não sendo respeitada; não em qualquer oportunidade
se pode inter¬romper o outro; existem verdadeiros rituais que estipulam como começar e como
finalizar um discurso. Ou seja: qualquer ativida¬de de linguagem é uma atividade socialmente
normatizada e, as¬sim, regulada.
Portanto, ser comunicativamente bem-sucedido é mais que uma questão de saber
gramática, de saber analisar frases e reconhecer as funções sintáticas de seus termos. (Ah!
Se fosse apenas isso! Seria bem mais fácil ampliar a competência das pessoas para atuarem
comunicativamente. )
Você percebeu quanto conhecimento precisa adquirir para produzir um texto? Observou
a importância da leitura a fim de ter informações para escrever, apesar de leitura e escrita serem
processos diferentes? Viu como é fundamental ter noção dos fatores de textualidade?
Leia o texto a seguir e reflita sobre a complexidade do
processo de escrita.
ESCRITA: O CAOS NOSSO DE CADA DIA
A escrita é uma atividade que acompanha o homem há
milhares de anos, uma vez que formas primitivas dessa atividade
surgiram desde 3.200 a.C., aproximadamente.
Em nossa sociedade, ainda é uma atividade de poucos privilegiados, embora os dados
oficiais apontem para uma queda considerável do índice de analfabetismo. Esses dados, no
entanto, não nos permitem avaliar o nível de competência referente à qualidade da expressão
escrita dos considerados “alfabetizados”.
Ainda que a escrita esteja presente em nossas vidas há muitos anos, não é de se estranhar a aversão que alunos e profissionais de várias áreas demonstram diante da necessidade de
escrever. Não é raro, também, ouvirmos sobre as dificuldades enfrentadas para produzir um
texto, por mais curto que seja. Essa aversão é conseqüência da dificuldade, uma vez que ninguém
sente prazer em realizar algo que o faça sentir-se incompetente.
É, no mínimo, curioso o fato de nossos alunos terem aulas de língua portuguesa durante
onze anos e não conseguirem resolver problemas muito simples como o do uso correto do verbo
fazer, quando indica tempo decorrido – Faz 20 anos que moro aqui – e, num período de quatro
anos, conseguirem adquirir uma formação que os autoriza a exercer uma profissão. Vemos sair
das universidades profissionais muito competentes em suas áreas específicas, porém, muitos,
carregam para além do curso superior a dificuldade com a escrita. Não se trata, portanto, de
incapacidade de nossos alunos, não é mesmo?
O problema da escrita vai muito além das questões gramaticais e esbarra nas dificulpicasaweb.google.com
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dades de organização do pensamento, perpassando pelo terreno da ética. O texto que não é claro
e, por isso, não informa (se esse é o seu papel) ou dá margem a informações distorcidas não é
ético ( e só se fala em falta de ética na política!). Os textos “problemáticos” acumulam-se em
várias instâncias: desde artigos científicos, livros didáticos, dissertações de mestrado/doutorado
a placas colocadas em terrenos baldios.
Irandé Antunes (2006, p. 25-27) elenca os principais problemas percebidos no trabalho
com a escrita, no Ensino Fundamental:
• um processo de aquisição da escrita que ignora a interferência decisiva do sujeito aprendiz,
na construção e na testagem de suas hipóteses de representação gráfica da língua;
• a prática de uma escrita mecânica e periférica, centrada, inicialmente, nas habilidades motoras
de produzir sinais gráficos e, mais adiante, na memorização pura e simples de regras ortográficas: para muita gente, não saber escrever ainda equivale a escrever com erros de ortografia;
• a prática de uma escrita artificial e inexpressiva, realizada em “exercícios” de criar listas
de palavras soltas ou, ainda, de formar frases. Tais palavras e frases isoladas, desvinculadas
de qualquer contexto comunicativo, são vazias do sentido e das intenções com que as pessoas dizem as coisas que têm a dizer. Além do mais, esses exercícios de formar frases soltas
afastam os alunos daquilo que eles fazem, naturalmente, quando interagem com os outros,
que é “construir peças inteiras”, ou seja, textos, com unidade, com começo, meio e fim, para
expressar sentidos e intenções. Parece incrível, mas é na escola que as pessoas “exercitam”
a linguagem ao contrário, ou seja, a linguagem que não diz nada. Nessa linguagem vazia, os
princípios básicos da textualidade são violados, porque o que se diz é reduzido a uma seqüência
de frases desligadas umas das outras, sem qualquer perspectiva de ordem ou de progressão e
sem responder a qualquer tipo particular de contexto social;
• a prática de uma escrita sem função, destituída de qualquer valor interacional, sem autoria
e sem recepção (apenas para “exercitar”)3, uma vez que, por ela, não se estabelece a relação
pretendida entre a linguagem e o mundo, entre o autor e o leitor do texto;
• a prática de uma escrita que se limita a oportunidades de exercitar aspectos não relevantes
da língua, nessa altura do processo de apreensão da escrita, como, por exemplo, a fixação
nos exercícios de separação de sílabas, de reconhecimento de dígrafos, encontros vocálicos e
consonantais e outros inteiramente adiáveis;
• a prática, enfim, de uma escrita improvisada, sem planejamento e sem revisão, na qual o
que conta é, prioritariamente, a tarefa de realizá-la, não importa “o que se diga” e o “como se
faz”. (É a “língua da escola”, como observou um menino sabido!).
É na redação sem propósitos nem público leitor definidos (só o professor lê e, não raro,
marca com um “ok” ou com sua rubrica, traduzindo a idéia de que nada tem a dizer sobre o
que leu – ou não leu?) que muitos professores “vão levando” o ano letivo e reclamando que os
alunos não sabem escrever.
A escrita é uma atividade interativa e exige que o escritor leve em conta o leitor, embora
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este não esteja presente no ato da escrita, visto ser ele o termômetro que indicará se o vocabulário
foi bem ou mal escolhido, ou se o estilo utilizado está em sintonia com o propósito do texto.
Escrever é um processo e, como tal se dá em diversas etapas. A primeira delas é o
planejamento, sugerido por Antunes (2006, p. 55) da seguinte forma: “a) delimitar o tema de seu
texto e aquilo que lhe dará unidade; b) eleger os objetivos; c) escolher o gênero; d) delimitar os
critérios de ordenação das idéias; e) prever as condições de seus leitores e a forma linguística
(mais formal ou menos formal) que seu texto deve assumir.”
A segunda etapa é a escrita propriamente dita e envolve reflexão e escolhas (das estruturas frasais, do vocabulário etc.). A terceira etapa, tão importante quanto as demais, é a da
revisão e da reescrita. É esta a fase que, em geral, não permitimos que nossos alunos concretizem – nunca há tempo!
Outro aspecto, frequentemente esquecido nos ensinos Fundamental e Médio, mas diariamente lembrado e cobrado na universidade, diz respeito à importância do registro escrito das
pesquisas realizadas. As feiras de ciências abrem espaço para o incentivo à pesquisa, que vê
queimada o que deveria ser a sua última etapa: a da escrita dos resultados obtidos. Essa atitude
perde espaço para as exposições que valorizam todo tipo de recurso, transformando esse momento
em apresentações de verdadeiros shows.
Não estamos dizendo, absolutamente, com isso, que, nas feiras de ciências não se devam
utilizar recursos sofisticados ou que os alunos, ainda adolescentes, precisem iniciar a escrita de
monografias. A intenção aqui é, apenas, refletir sobre o comportamento paradoxal de uma educação que, em relação à escrita, não incentiva, mas cobra. (JOSGRILBERG,Rute. Linguagem
e argumentação: aula 6 do Curso de Administração de Empresas. Dourados:UNIGRAN, 2008,
p. 61-64).
Depois de ter lido os textos propostos, você deve ter compreendido de que forma leitura
e escrita se relacionam. Procure ler mais!.
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