UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NAS SÉRIEIS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Por: Silvania da Silva Guimarães Orientador Prof. Mary Sue Pereira Rio de Janeiro 2007 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Orientação Educacional. Por: Silvania da Silva Guimarães 3 AGRADECIMENTOS À Professora Mary Sue Pereira, pelas sugestões e incentivo; e aos meus amigos de turma, pelo estímulo e valiosa colaboração. 4 DEDICATÓRIA Aos meus pais Sandra e Gilberto, pelo carinho demonstrado em todos os momentos de minha vida; e ao meu marido Wagner, por seu constante apoio e compreensão durante todo o período do curso e realização deste trabalho. 5 RESUMO Historicamente, o ensino da língua materna, no Brasil, tem sido marcado pela idéia de correção, priorizando, em conseqüência, o ensino das regras gramaticais. Essa prática desconsidera variações da linguagem – relacionadas à situação comunicativa ou ao perfil sociocultural dos alunos – e despreza o fato de todos, ao ingressarem na escola, serem já usuários do idioma em situações cotidianas e familiares. O efeito disso pode ser constatado no cotidiano das salas de aula de todas as disciplinas, evidenciando que as dificuldades no processo de aprendizagem estão relacionadas à falta de autonomia para a leitura. Após a escolarização, muitos adultos continuam incapazes de lidar com os usos cotidianos da leitura e da escrita em contextos não escolares. Tendo em vista os resultados desastrosos deste tipo de ensino, é inegável a urgência de uma reformulação do currículo de Língua Portuguesa, que tenha como foco o desenvolvimento das habilidades comunicativas dos alunos, partindo do exercício constante da leitura e da escrita, sobretudo nas séries iniciais do Ensino Fundamental. 6 METODOLOGIA Para a elaboração do trabalho estaremos consultando diversas obras de autores que se dedicaram a pesquisar sobre o tema. Além da própria observação direta acerca do comportamento de alunos e professores diante das aulas de Língua Portuguesa que são ministradas no CIEP 364 - Nelson Ramos, CIEP 100 - São Francisco de Assis e a Escola Estadual Vila Bela, todas situadas no município de Mesquita, na Baixada Fluminense. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - O conhecimento lingüístico da criança 10 CAPÍTULO II - O tipo de ensino priorizado nas escolas 14 CAPÍTULO III Como a diversidade lingüística é tratada pela escola? 21 CAPÍTULO IV Quais os objetivos adequados ao ensino de uma língua materna? 29 CONCLUSÃO 36 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 38 BIBLIOGRAFIA CITADA 39 ATIVIDADES CULTURAIS 41 ÍNDICE 42 FOLHA DE AVALIAÇÃO 43 8 INTRODUÇÃO Percebemos uma grande dificuldade, apresentada pelos alunos, no tocante ao desenvolvimento da leitura e escrita e acreditamos ser a inadequação metodológica do ensino de língua portuguesa (nas séries iniciais do Ensino Fundamental) o principal fator responsável por essa dificuldade de aprendizagem. Não são poucas às vezes em que ouvimos depoimentos de alunos que revelam a sua aversão pela leitura, bem como uma falta de interesse por atividades que proponham a elaboração de textos escritos. A partir daí, considerando que a leitura e a escrita deveriam ser os pilares do ensino de língua portuguesa, constata-se o quanto tem sido traumática a relação dos alunos com essa área de estudo. De fato, o que verificamos, ao analisar as práticas adotadas ao ensino de língua em nossas escolas, é que o mesmo baseia-se unicamente na aplicação da gramática normativa, entendendo por esta um conjunto de regras que devem ser sistematicamente seguidas. Deste modo, a escola oferece pouquíssimas situações em que os alunos possam desenvolver efetivamente a produção escrita e um maior gosto pela leitura. No entanto, é preciso deixar claro não ser preocupação nossa atribuir ao ensino da gramática normativa a culpa pelo fracasso escolar. Talvez, a crítica deva dirigir-se à exclusividade deste tipo de ensino, na medida em que entendemos ser muito mais abrangente a finalidade do ensino de uma língua materna, raciocínio este que estaremos desenvolvendo ao longo deste trabalho, com base nos estudos de alguns autores que se aprofundaram na pesquisa deste tema. Assim, é nosso objetivo analisar algumas questões referentes ao ensino de língua portuguesa como: o modo pelo qual a escola encara o 9 conhecimento prévio do aluno sobre linguagem; a prioridade atribuída ao ensino da gramática normativa; a dificuldade institucional em lidar com a variedade lingüística; os objetivos adequados ao ensino de uma língua materna nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Estaremos dando maior ênfase ao processo de alfabetização, etapa mais importante da formação escolar, que perpassa os cinco primeiros anos escolares da criança, iniciando-se no CA (classe de alfabetização) e chegando ao 5º ano de escolaridade (antiga 4ª série primária). Consideramos a abordagem do assunto de suma importância àqueles que se dedicam a trabalhar pela elevação da qualidade de ensino, já que, como foi citado anteriormente, os resultados do tipo de ensino veiculado em nossas escolas não tem sido de modo algum satisfatório. 10 CAPÍTULO I O CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO DA CRIANÇA A primeira questão, relevante à abordagem do assunto, refere-se ao conhecimento lingüístico que a criança já possui ao ingressar na escola. Geralmente, durante a etapa de alfabetização, os professores costumam partir do “zero”, preferindo desconhecer o fato de que seus alunos já trazem consigo inúmeros conhecimentos em relação à linguagem, afinal eles já se comunicam. O ensino, então, baseia-se em exercícios de repetição dos sons da fala e reprodução dos símbolos da escrita. Isso está declarado, de maneira ainda mais completa, nas palavras de Luiz Carlos Cagliari (2000:p 17): Qualquer criança que ingressa na escola aprendeu a falar e a entender a linguagem sem necessitar de treinamentos específicos ou prontidão para isso. Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de dificuldades crescentes para facilitar o aprendizado da criança. Ninguém disse que ela devia fazer exercícios de discriminação auditiva para aprender a reconhecer a fala ou para falar. Ela simplesmente se encontrou no meio de pessoas que falavam e aprendeu. Deste modo, ao invés de a escola promover a maior aproximação do aluno com o seu idioma, partindo de sua bagagem lingüística, ela acaba causando um certo distanciamento da criança, ao propor-lhe a execução de 11 tarefas repetitivas (realizadas mecanicamente), que tão logo, vai acarretar o seu desinteresse. Além de a escola ignorar as habilidades de comunicação trazidas pelos alunos, na maioria das vezes, também insiste em provar que a linguagem por eles utilizada é errada, está completamente fora dos padrões escolares e que, sendo assim, é preciso ensiná-las o considerado correto. É claro que qualquer um de nós, salvo raras exceções, sente-se muito mais estimulado a aprender coisas que nos parecem possíveis de ser aprendidas e, do mesmo modo, perde o interesse quando acredita-se estar diante de uma tarefa muito difícil. A criança passa a considerar impossível falar do modo que a professora fala, escrever obedecendo a tantas regras e assim vai deixando de lado tanta espontaneidade e criatividade que lhe é tão peculiar nessa fase da vida. Ela chega à escola cheia de expectativas, ansiosa por aprender a ler e escrever, mas a escola apresenta tantos obstáculos para isso, que a criança começa a sentir-se incapaz (muitas chegam a passar anos sem conseguirem ser alfabetizadas). Temos aí o início do bloqueio com a disciplina Língua Portuguesa. Partindo do princípio de que, dentre todas as outras disciplinas, a Língua Portuguesa é a que o aluno primeiro tem contato, já que é um falante materno e começa a desenvolver a linguagem desde os seus primeiros anos de idade, chegamos à conclusão de que a tarefa da escola dentro dessa área de estudo deveria deixar de ser tão problemática, não é mesmo? Ao entrarem na escola, embora desconheçam a modalidade escrita do português, as crianças já possuem um domínio da estrutura da língua. Sendo um falante materno, nenhuma criança, por exemplo, vai utilizar o substantivo antes do artigo ( não ouviremos de um a criança a expressão “rua a “, mas sim “a rua”). Mesmo assim, a professora vai apresentar o conteúdo artigo como se fosse uma grande novidade. 12 Ainda com relação ao conhecimento lingüístico da criança, vejamos o que está declarado nas palavras de Sírio Possenti (2002: p.48): (...) as crianças com alguns anos de idade utilizam o tempo todo formas que sequer imaginamos, mas que veríamos claramente que conhecem, se examinássemos sua fala com cuidado. Perguntam, afirmam, exclamam, negam, produzem períodos complexos e consideram significativamente o contexto sempre que lhes parecer relevante ou tiverem oportunidade.” Desta forma, podemos perceber que a metodologia do ensino de língua portuguesa começa a falhar desde o momento em que a escola desconsidera as experiências lingüísticas de seus alunos, deixando de utilizálas em seu favor. “O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento lingüístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem.” Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997 Isso faz uma enorme diferença para o desenvolvimento do aluno, sobretudo nas séries iniciais do Ensino Fundamental, em que a criança deve ser estimulada o tempo todo. Se ela é corrigida a cada momento em sua fala e, se ao produzir seus pequenos textos (que trazem muitas marcas da oralidade), recebe a caneta vermelha da professora corrigindo cada erro ortográfico, essa criança fatalmente vai passar a participar menos das aulas 13 ( pelo receio de falar “errado” ) e a sua criatividade dará lugar ao medo na hora de escrever. Deste modo, as possibilidades de que cada vez mais ele escreva menos são muitas, até chegar a ponto de se recusar a escrever. Quantos são os alunos que gostam das aulas de redação? Sem dúvida alguma, são pouquíssimos. Assim, ao contrário do que se espera, a produção escrita do aluno vai regredindo com o passar dos anos. Isso não quer dizer que o professor deva ignorar os erros cometidos pelo aluno. O problema se concentra no caráter punitivo da correção. O texto da criança deveria ser visto como fonte de pesquisa para as várias ocorrências da modalidade escrita da língua, a fim de orientar o trabalho do próprio professor no sentido de elaborar novas atividades para promover, assim, uma aprendizagem efetiva. É replanejando suas aulas, oferecendo oportunidades em que o aluno tenha contato com outros textos escritos, estimulando a prática da leitura, estabelecendo relações entre erros e acertos e, acima de tudo, envolvendo o aluno diretamente no processo de correção que o professor estará, de fato, garantindo meios para a verdadeira construção do conhecimento. Com isso, pretendemos mostrar que a correção com caráter punitivo, a supervalorização da forma em detrimento do conteúdo do texto demonstram o quanto a escola desvaloriza o conhecimento lingüístico do aluno, acarretando o fracasso escolar de muitos nas séries iniciais do Ensino Fundamental. 14 CAPÍTULO II O TIPO DE ENSINO PRIORIZADO PELAS ESCOLAS O objetivo principal, senão o único, do ensino de língua portuguesa nas escolas tem sido a apreensão das regras gramaticais, o uso da norma padrão culta do português. Sem dúvida deve ser essa uma das principais tarefas da escola, já que a modalidade não culta o aluno já domina. Os estudos gramaticais na escola, até hoje se centram, em grande parte, no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal; descrição e norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da função e do texto. Tomemos como exemplo um acontecimento escolar. A professora ensinou que “azul, verde, branco, as cores em geral” eram adjetivos e solicitou que os alunos construíssem frases com essas palavras. Um dos alunos escreveu: “O azul do céu é bonito. O branco significa paz etc”. Logicamente, um X foi colocado sobre as frases. O por quê, o aluno nunca soube. O estudo da gramática aparece nos planos curriculares de Língua Portuguesa, desde as séries iniciais, sem que os alunos, até as séries finais do Ensino Médio dominem a nomenclatura. Estaria a falha nos alunos? Será que a gramática (normativa) que se ensina faz sentido para aqueles que sabem gramática (internalizada) porque são falantes nativos? A confusão entre norma e gramaticalidade é o grande problema da gramática ensinada pela escola. O que deveria ser um exercício para o falar/escrever/ler melhor se transforma em uma “camisa de força” incompreensível. Transformar o aluno em um usuário competente da língua falada e escrita, garantindo-lhe possibilidades de plena participação social é um importante papel da escola. No entanto, o a cesso à modalidade culta da 15 língua, por via da imposição de regras gramaticais, não tem obtido bons resultados, sobretudo no início da escolaridade. Sabe-se que os índices brasileiros de repetência e evasão nas séries iniciais (índices que foram “mascarados” com a aprovação automática, também chamada de avaliação continuada) estão diretamente ligados à dificuldade que o aluno encontra de aprender a ler e escrever ( ou seria a dificuldade que a escola tem de ensinar a ler e a escrever? ). Talvez isso ocorra porque durante os primeiros anos de escolaridade perde-se muito tempo com o ensino da gramática, um período que deveria se reservado unicamente ao desenvolvimento da leitura e da escrita. Porém é uma idéia muito comum entre os professores a de que só sabe ler e escrever aquele que domina as normas gramaticais, um pensamento totalmente equivocado. O raciocínio de que é através da gramática que o aluno vai aprender sobre a sua língua faz com que, desde o 2º ano do 1º ciclo ( antiga 1ª série ), o criança já tenha contato com normas ortográficas, classes de palavras, regras de pontuação etc. Assim, durante o seu 1º ano na escola ( CA – Classe de Alfabetização ), ela fica desenvolvendo exercícios de prontidão ( cobrir linhas pontilhadas, reproduzir som e grafia de cada letra do alfabeto, ligar letra minúscula à maiúscula correspondente, silabar e, por fim, ler e escrever algumas palavras listadas em ordem de dificuldades ) e, logo depois, do 2º ano em diante, o aluno começa a ter contato com conteúdos gramaticais que vão se repetindo durante todos os anos escolares. Em um tipo de ensino como esse, a leitura e a escrita vão sendo deixadas de lado, para o momento em que “sobrar tempo”. Tratando-se dos primeiros contatos da criança com o mundo da escrita, de suas primeiras experiências com a leitura, o essencial deverá ser conduzi-la a aprender a usar a linguagem escrita e não a analisar a escrita. Isso só será possível através do convívio com textos verdadeiros, que circulam socialmente (é preciso não estar preso somente ao uso do livro didático, que muitas vezes apresenta textos totalmente desvinculados da 16 realidade do aluno). No início, quando a criança ainda não lê com independência, caberá ao professor realizar a leitura desses textos diante da turma, promovendo discussões sobre as funções sociais da linguagem e despertando no aluno um real interesse pela leitura. A leitura na escola é um reflexo da vida fora dela. Entre as motivações mais imediatas para a leitura destacam-se a necessidade de reflexão sobre diferentes questões e a busca de informações, de entretenimento, de orientações para a solução de problemas. Nesse sentido, desde cedo, nas práticas educativas, é necessário explicar sempre a finalidade do ato de ler. Planejar estratégias que propiciem o desenvolvimento de habilidades de compreensão poderá tornar a leitura mais proveitosa. A escolha de textos que despertem o interesse dos alunos muito contribui para estimular a formação do leitor. É importante considerar a diversidade de gêneros textuais, os diferentes registros, as expectativas e dificuldades dos alunos e, também, planejar atividades de leitura livre, a fim de que o aluno faça suas próprias escolhas. Além disso, é fundamental que o professor tenha clareza do que é relevante nos conteúdos trabalhados, sem perder de vista que o seu objetivo maior deverá ser sempre a leitura e a produção escrita. A separação de sílabas e a classificação das palavras quanto ao número de sílabas, por exemplo, será que esta é uma aprendizagem fundamental para a elaboração de um texto escrito? Se o aluno separar de maneira inadequada as sílabas de uma certa palavra, seu texto perderá a coerência, o sentido? Se a resposta para estas perguntas for negativa, é sinal de o conteúdo acima citado não é essencial nas primeiras séries. Certamente, através de reflexões como essa, muitos outros conteúdos acabariam por ter a sua permanência no currículo ameaçada. No entanto, em lugar de uma postura reflexiva acerca de seu trabalho, 17 infelizmente, grande parte dos profissionais de ensino mantém-se como meros aplicadores de programas, fiéis aos livros didáticos. Tais conteúdos programáticos são apresentados de maneira estanque, isto é, não possuem nenhuma relação com a realidade lingüística da criança. Se desde o início o aluno só tem contato com sílabas, palavras descontextualizadas, frases artificiais e desvinculadas entre si ( muito comuns em cartilhas ), como ele vai aprender a redigir um texto? Todas as crianças, ao chegarem ao 5º ano de escolaridade ( que seria a 4ª série ), devem demonstrar determinada competência na leitura e na escrita. Mas será que escola está oferecendo meios para a conquista deste saber? Não é isso o que a realidade vem demonstrando. É muito comum ouvirmos dos professores que trabalham com esta etapa escolar queixas do tipo: “_ Como é que pode o aluno passar tanto tempo na escola e chegar aqui sem saber ler direito e escrevendo desta forma?” Neste momento, tudo passa a ser a causa do problema, menos a incompetência técnica da escola. Assim, muitos professores têm declarado como razões para a dificuldade da aprendizagem que: as crianças têm distúrbios neurológicos, são portadoras de problemas emocionais e sociais, são desnutridas, as famílias não se interessam pelos estudos dos filhos, permitindo-lhes faltarem às aulas, enfim, é a vida do aluno a responsável por seu fracasso, nunca a escola. Desconsidera-se o fato de que, durante a maior parte desse tempo em que o aluno esteve na escola, ele cobriu pontinhos, subiu e desceu linhas, memorizou famílias silábicas, separou e juntou “pedacinhos” de palavras, decorou os conceitos de substantivo, adjetivo, artigo, pronome, verbo, aprendeu a fazer o plural das palavras terminadas em “ão”, descobriu o significado de palavras como “indulgência” e muitas outras infinidades de coisas que são absolutamente desnecessárias à aquisição da leitura e escrita. Ler e escrever estiveram sempre em último plano. 18 Deste modo, será justo cobrar deste aluno que ele saiba ler e escrever com desenvoltura, que consiga interpretar aquilo que leu e que produza textos criativos? Esperar isso de quem não recebeu incentivo à leitura, não foi estimulado a pensar criticamente ( já que suas respostas tiveram que dar lugar às respostas prontas ) , não aprendeu a criar, ou melhor, “desaprendeu” o que já sabia antes de chegar à escola, parece-nos uma atitude bastante incoerente. Sobre o processo de aquisição da leitura encontramos a seguinte afirmativa nos Parâmetros Curriculares Nacionais ( 1997: p.55 ): É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura. A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter letras em sons, sendo a compreensão conseqüência natural dessa ação. Por conta desta concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de “leitores” capazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que tentam ler. Ainda nos PCNs ( p.66 ), declara-se o seguinte em relação à composição da escrita: Para aprender a escrever, é necessário ter acesso à diversidade de textos escritos, testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes circunstâncias, defrontar-se com as reais questões que a escrita coloca a quem se propõe produzi-la, arriscar-se a fazer como consegue e receber ajuda de quem já sabe escrever. Sendo assim, o tratamento que se dá à escrita na 19 escola não pode inibir os alunos ou afastá-los do que se pretende; ao contrário, é preciso aproximá-los, principalmente quando são iniciados “oficialmente” no mundo da escrita por meio da alfabetização. Afinal, esse é o início de um caminho que deverão trilhar para se transformarem em cidadãos da cultura escrita. Partindo de tais declarações, é possível afirmar que o essencial no ensino de língua portuguesa, durante as séries iniciais, é levar os alunos a pensarem sobre linguagem para poderem compreendê-la e utilizá-la adequadamente. Para tanto, cabe à escola, propiciar-lhes contato com textos escritos, mas textos significativos, que possuam sentido dentro da realidade do aluno. Quanto às regras gramaticais, a criança ainda terá pelo menos mais quatro anos no 2º ciclo do Ensino Fundamental para poder se familiarizar com elas. Se a escola conseguisse transformar o aluno em um bom leitor e desenvolvesse suas habilidades para a escrita, tornando-o mais íntimo de seu idioma, sem dúvida, este aluno estaria muito mais apto a depreender as regras da gramática, aproximando-se da modalidade culta da língua. A escola comete um grave erro ao desejar que este processo ocorra inversamente. “Não faz sentido ensinar nomenclaturas a quem não chegou a dominar habilidades de utilização corrente e não traumática da língua.” ( Sírio Possenti: 2002: p.55 ) Um outro entrave referente à questão da aquisição da leitura e da escrita nas séries iniciais é o aluno ter a sua linguagem oral reprovada pela escola, pois não reproduz em sua fala a norma culta da língua, elemento considerado fundamental no espaço escolar. 20 Este fato nos remete a outros questionamentos: como a diversidade lingüística é tratada pela escola? De que modo a escola vem alimentando a intolerância às diferenças? A língua também serve como fonte de preconceito e exclusão social? Este é o assunto que estaremos abordando no próximo capítulo. 21 CAPÍTULO III COMO A DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA É TRATADA PELA ESCOLA? Empregada por tão grande quantidade de indivíduos, em situações tão diferentes e a todo o momento, é de se esperar que a língua não se apresente estática. Ou seja, condicionantes sociais, regionais e as diversas situações em que se realiza determinam a ocorrência de variações em uma língua. De um modo geral e para obter maior clareza em nossa abordagem, vamos nos deter à principal diferença encontrada na produção lingüística dos falantes: a linguagem coloquial ou norma popular e a linguagem culta ou norma padrão. Na linguagem coloquial, diferentemente da linguagem culta, não há preocupação no tocante a um falar “certo” ou “errado”, uma vez que não nos sentimos pressionados pela necessidade de usar regras e damos prioridade à expressividade, à transmissão da informação por si. Sobre a linguagem culta, vejamos o que está declarado nas palavras de Magda Soares (1986: p.82-3): Dialeto padrão: também chamado norma padrão culta, ou simplesmente norma culta, é o dialeto a que se atribui, em determinado contexto social, maior prestígio; é considerado o modelo – daí a designação de padrão, de norma – segundo o qual se avaliam os demais dialetos. É o dialeto falado pelas classes sociais privilegiadas, particularmente em situações de maior formalidade, usado nos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, noticiários de televisão etc.), 22 ensinado na escola, e codificado nas gramáticas escolares (por isso, é corrente a falsa idéia de que só o dialeto padrão pode ter uma gramática, quando qualquer variedade lingüística pode ter a sua). Partindo de tal declaração, fica fácil concluir que a verdadeira razão para considerar uma modalidade da língua superior à outra se concentra no fato desta ter mais prestígio em relação àquela. Não significando na realidade, portanto, que uma comunique melhor que a outra, ou ainda, que seja legítimo empregar os critérios de certo ou errado, mas sim apresentá-las como modalidades diferentes de uma mesma língua. “A escola deve assumir o compromisso de procurar garantir que a sala de aula seja um espaço onde cada sujeito tenha o direito à palavra reconhecido como legítimo, e essa palavra encontre ressonância no discurso do outro. Trata-se de instaurar um espaço de reflexão em que seja possibilitado o contato efetivo de diferentes opiniões,, onde a divergência seja explicitada e o conflito possa emergir ; um espaço em que o diferente não seja nem melhor nem pior, mas apenas diferente, e que, por isso mesmo, precise ser considerado pelas possibilidades de reinterpretação do real que apresenta; um espaço em que seja possível compreender a diferença como constitutiva dos sujeitos.” Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997 23 No entanto, dentro da concepção equivocada de que ensinar língua é ensinar gramática, garantir o uso da norma culta padrão, a escola tem recriminado qualquer outra possibilidade de produção lingüística. É claro que o aluno precisa ter acesso à modalidade culta da língua – e o melhor lugar para isso é a escola – mas, esta deve ser apresentada ao aluno como uma das variedades possíveis da língua, como aquela que possui maior prestígio. Ele não precisa ser convencido de que não sabe falar, de que é um deficiente lingüístico, incapaz de se expressar com clareza. Afinal, todo falante materno utiliza-se do seu idioma para efeitos comunicativos, mesmo sem a intervenção escolar. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, no volume dedicado à disciplina Língua Portuguesa, traz a seguinte afirmação acerca do preconceito lingüístico (p.31): (...) há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades de menor prestígio como inferiores ou erradas. O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de falar – a que se parece com a escrita – e o de que a escrita é o espelho da fala – e, sendo assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. 24 Como um grande prejuízo, estas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico. Entre a língua oral ou falada e a escrita há diferenças bem acentuadas. Escrever uma história, por mais simples que ela seja, é diferente do ato de contá-la oralmente. Cada uma dessas modalidades de expressão tem suas características, seus fundamentos, suas necessidades e suas realizações. Infelizmente, o espaço escolar não tem promovido o respeito às diferenças, sendo o professor o primeiro a discriminar os atos de fala do aluno. Entrando na escola, a criança fala com desembaraço e naturalidade e, em pouco tempo poderia escrever da mesma maneira, se bem orientada. Mas, o professor, começa a lhe convencer de que ela fala mal e escreve ainda pior. Segundo Celso Pedro Luft, professor titular de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul É natural, óbvio e forçoso, que a escola vise à língua culta; os demais níveis não precisa ensinar: o aluno maneja todo o dia. Mas não se pode esquecer o princípio da unidade na variedade lingüística. Os diversos dialetos não são mais que faces da mesma língua. Todas as variedades da língua são valores positivos. Não será negando-as, perseguindo-as, humilhando quem as usa, que se fará um trabalho produtivo no ensino. ( 1998: p.69 ) 25 No entanto, os professores insistem em negar a existência de outras formas de produção da língua, ou melhor, sabem que existem, mas não aceitam a sua validade. Talvez isso ocorra devido a deficiências técnicas em sua formação. No antigo Curso Normal ( Formação de Professores ), por exemplo, em que as pessoas saíam habilitadas a dar aula de 1ª a 4ª série ( justamente para a base ), nunca existiu na grade curricular qualquer disciplina que desse conta dessas questões de linguagem. Os futuros professores assistiam aulas de metodologia da Língua Portuguesa, que ensinavam nada a mais, nada a menos que: como ensinar aos alunos os conteúdos da gramática normativa. Nunca ouviram falar sobre a existência de outras gramáticas, ou sobre o fato de que qualquer usuário da língua só fala por estar se utilizando de uma. Com isso, foram para as salas de aula com o propósito de ensinar gramática normativa e não Língua Portuguesa. Ninguém pode ensinar aquilo que não aprendeu. É necessário e urgente que os professores passem por cursos de capacitação, atualização, que discutam sobre o assunto dentro de um perspectiva menos tradicionalista e bem mais produtiva. Com relação ao conceito de gramática, Sírio Possenti afirma que gramática pode ser entendida como um “conjunto de regras” e destaca três maneiras diferentes para entender esse “conjunto de regras”: 1) conjunto de regras que devem ser seguidas ( gramática normativa ); 2) conjunto de regras que são seguidas ( gramática descritiva ); 3) conjunto de regras que o falante da língua domina (gramática internalizada ) (2002: p.64) 26 Assim, a gramática normativa vai dar conta de descrever as normas que regem o uso da língua padrão; a descritiva vai relatar os atos da fala, tal qual a língua é produzida pelo falante; a internalizada demonstrará hipóteses sobre os conhecimentos que o falante naturalmente possui ao produzir a língua. O grande problema é que a escola trabalha apenas com a concepção da gramática normativa. E sobre isso, Sírio Possenti faz a seguinte proposta: (2002: p.87) Trabalhar na escola com essas três gramáticas, em ordem de prioridade inversa em relação à ordem de apresentação, isto é, privilegiando a gramática internalizada, em seguida, a descritiva e, por último, a normativa. Tal proposta parece-nos bastante condizente à nossa realidade. Trabalhando primeiro a gramática internalizada, estaríamos considerando todo o conhecimento que o aluno possui, a sua experiência lingüística; seguindo com a descritiva, mostraríamos que a língua portuguesa pode apresentar vários registros; e, finalmente a gramática normativa serviria para demonstrar ao aluno o funcionamento da modalidade culta da língua, aquela que detém prestígio perante a sociedade. Sem dúvida, se essa não for uma maneira mais eficiente de ensinar a língua é, ao menos, bem mais honesta. O ensino se tornaria mais dinâmico, desde que partisse do uso observado e não de regras, e o aluno passaria a ter acesso ao funcionamento da língua, que é bem mais interessante do que somente decorar e repetir regras. Além disso, em um tipo de ensino como esse, não haveria lugar para o preconceito, todas as formas de uso do português seriam devidamente reconhecidas. 27 Entretanto, sabemos que não é essa a prática pedagógica que vem sendo adotada. O ensino de Língua Portuguesa não se tem prestado a promover reflexões acerca da linguagem e o tratamento dado à diversidade lingüística tem revelado atitudes de grande preconceito. Assim, as crianças das camadas populares, que tiveram pouco ou nenhum contato com produções escritas da língua, que convivem com pessoas que falam o português não-padrão e que, portanto, também usam esse dialeto, serão vítimas de discriminação e, certamente, vão apresentar uma grande dificuldade em adaptar-se ao ambiente escolar. Para Luiz Carlos Cagliari (2000: p.36), a escola trata a diversidade lingüística da seguinte forma: Para a escola, infelizmente, a variação lingüística é vista como uma questão gramatical, de certo ou errado. O diferente não tem lugar em sua avaliação, embora represente a maioria dos fatos que o alfabetizador enfrenta. Se a escola não entender esses fatos corretamente, cometerá grandes injustiças com os alunos. Ninguém fala errado o português, fala diferentemente. Todos os falantes sabem disso por experiência própria, só a escola insiste em ver as coisas erradamente. O desenvolvimento da capacidade de expressão oral e escrita do aluno depende de a escola constituir-se como um ambiente favorável à construção de sua auto-estima, permitindo-lhe manifestar o que pensa, o que sente, o que é. 28 Isso só será possível de acontecer em uma escola que respeite e acolha as diferenças e as diversidades culturais e, acima de tudo, que tenha a clareza de quais objetivos devem orientar o ensino de uma língua materna. 29 CAPÍTULO IV QUAIS OS OBJETIVOS ADEQUADOS AO ENSINO DE UMA LÍNGUA MATERNA? Não se deve confundir o ensino de uma língua materna, no caso, o português, com o ensino da gramática normativa. Esse equívoco tem causado sérios danos em nosso sistema educacional. Um dos maiores prejuízos dessa tradição predominantemente normativa foi a difusão – na sociedade e na escola – de mitos que só têm dificultado a ampliação das condições de uso da língua no processo de escolarização. Um exemplo é o mito de que a nossa língua é particularmente difícil, só podendo ser dominada por alguns “iluminados”; o outro, o de que ensinar-aprender português deve reduzir-se à fixação de um sem número de regras, nomenclaturas e exceções. Essa supervalorização tem como conseqüência o desvio do que deveria ser o foco principal – a formação do leitor. O objetivo maior do ensino de uma língua materna é desenvolver nos alunos as competências necessárias a uma interação autônoma e ativa nas situações de interlocução, leitura e produção de textos. Para tanto, este ensino deve fundamentar-se em uma concepção de linguagem como fruto da interação entre sujeitos. É a qualidade das oportunidades de convivência entre a criança e as pessoas ao seu redor que propicia a elaboração da fala interior e do pensamento reflexivo ou abstrato. E aí reside um aspecto essencial a ser considerado na organização do processo de ensino-aprendizagem escolar : mobilizar , nos alunos, não apenas a memória, mas – pela interação e cooperação com companheiros e 30 professores – processos internos de desenvolvimento das funções psicológicas. “ A memória, mais do que o pensamento abstrato, é característica definitiva dos primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo. Entretanto, ao longo do desenvolvimento, ocorre uma transformação, especialmente na adolescência. Pesquisas sobre a adolescência mostraram que, no final da infância, as relações interfuncionais envolvendo a memória invertem sua direção. Para as crianças, pensar significa lembrar; no entanto, para o adolescente, lembrar significa pensar. Sua memória está tão carregada de “lógica” que o processo de lembrança está reduzido a estabelecer e encontrar relações lógicas; o reconhecer passa a consistir em encontrar aquele elemento que a tarefa exige que seja encontrado.” Vygotsky (1991: p.54) Assim, podemos dizer que a eleição do texto – e não palavras, frases, classes ou funções – como unidade de ensino decorre da consideração de que é no texto que o usuário da língua exercita sua capacidade de organizar e transmitir idéias, informações, opiniões em situações de interação. O texto, considerado como espaço de construção de sentido, é o lugar em que se dá a interação entre sujeitos. Portanto, não se deve desprezar oportunidade alguma para refletir sobre a questão da leitura, investigando alternativas, delineando propostas para que se cumpra, de forma eficaz, a formação de leitores. Um passo inicial seria indagar, na elaboração coletiva do projeto pedagógico de cada escola, de modo crítico e consciente: por que tamanho insucesso em ensinar a ler? 31 Como as práticas educacionais de leitura e escrita poderiam garantir a formação de leitores autônomos e críticos? Não se pretende atribuir tal responsabilidade exclusivamente às instituições escolares. Há, sem dúvida, um conjunto de fatores, decorrentes da conjuntura social, que se refletem na escola, desfavorecendo a existência de boas condições de acesso à leitura. Isso, entretanto, não deve isentar a instituição e os professores de assumirem sua responsabilidade. A consciência de que a formação de leitores críticos é o primordial objetivo da disciplina Língua Portuguesa deve ser incorporada à prática pedagógica. Para, assim, crescer o reconhecimento de que não a gramática, exercitada em frases ou palavras isoladas, mas o texto é a unidade básica de ensino da disciplina. Os professores devem priorizar os usos sociais da língua, partindo da interação cotidiana e familiar, que os alunos já realizam, para a pública e formal, que compete à escola garantir a todos. Como encontramos nos PCNs (1997: p.35), constata-se que não se trata mais de aprender uma língua para dela se apropriar, mas trata-se de usá-la e, em usando-a, aprendê-la. Portanto, há necessidade de uma mudança de paradigma, já que o conhecimento sistematizado da gramática não garante, por si, a ampliação nas condições de uso da língua. Somente o constante contato com textos, a prática permanente da leitura levará o aluno a desenvolver sua capacidade comunicativa. “A leitura ocorre por um complexo mecanismo, em que sucessivas etapas, desde o contato inicial, vão-se interpenetrando. De início, se aprendem os sinais, o código, passando-se a decifrá-lo e, quase simultaneamente, se aprende uma significação de superfície. A tarefa seguinte, nessa aproximação, consiste numa desmontagem para se atingir o significado no interior do próprio discurso, é o momento de análise. Depois, vem a interpretação, através de uma 32 re-montagem e, tal como um desenho animado, as palavras vão se juntando e formando o texto, já com um novo sentido para o leitor. É nessa etapa que o diálogo do leitor com o texto se torna mais vivo, pois ele terá ativado todo um conhecimento de mundo e o terá posto em movimento.” Micheletti (2001: p. 27) Entretanto, percebe-se que, ainda hoje, grande parte do tempo das aulas de Língua Portuguesa é dedicado à nomenclatura gramatical e a questões relativas à classificação de palavras e reconhecimento de funções sintáticas no âmbito da frase, sem observar as situações concretas de uso – textos – que tornariam significativa a reflexão sobre os processos lingüísticos. No entanto, é preciso lembrar que a questão principal não é ensinar ou não ensinar gramática, mas sim as bases nas quais esse tipo de ensino está estruturado. A gramática precisa ser mais um recurso ao ensino do funcionamento de uma língua e não a sua “mola mestra”. O ensino da língua portuguesa deve ter como principal finalidade a expansão das possibilidades do uso da linguagem, o desenvolvimento da capacidade comunicativa do aluno. E sobre isso, vejamos o que está descrito nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997:p.39): Se o objetivo principal do trabalho de análise e reflexão sobre a língua é imprimir maior qualidade ao uso da linguagem, as situações didáticas devem, principalmente nos primeiros ciclos, centrar-se na atividade epilingüística, na reflexão sobre a língua em situações de produção e interpretação, como caminho 33 para tomar consciência e aprimorar o controle sobre a própria produção lingüística. Assim, podemos afirmar que a prática pedagógica adotada por nossas escolas no ensino da língua materna não está atendendo ao seu objetivo principal, na medida em que, desde as séries iniciais, tem priorizado a apreensão das regras gramaticais, em detrimento da produção e interpretação de textos orais ou escritos. Devemos distinguir “ensino da língua” de “ensino a respeito da língua” e avaliar a eficácia das atividades de análise sintática e morfológica para ensinar a escrever ou ler, com base, exclusivamente na norma padrão. O mais adequado e produtivo seria partir da modalidade de língua empregada pelos alunos, utilizando diferentes textos que demonstrem a existência de outras formas de expressão, apropriadas a cada finalidade e situação de uso. Na verdade, como já afirmamos em capítulos anteriores, ao entrar para a escola, o aluno já possui uma gramática internalizada, mesmo que só domine o idioma falado, e esse conhecimento precisa ser explorado a fim de ampliar a sua capacidade lingüística. Os falantes de uma língua devem criar habilidades para observar que todo texto (oral ou escrito) traz marcas de sua inserção em uma dada situação discursiva: intenção, contexto e público-alvo. Sabendo que o aluno já traz para a sala de aula um repertório lingüístico que lhe permite participar do convívio social, cabe ao professor de língua materna propor atividades contextualizadas que mobilizem o aluno a participar ativa e criticamente das situações de interlocução, leitura, produção escrita e análise da língua. A interação contínua propiciada pelo uso do idioma – buscando a solução de impasses quanto à interlocução, à leitura ou à produção de textos – evidencia-se como estratégia necessária para que os alunos possam ampliar conhecimentos, identificar procedimentos apropriados e assumir 34 atitudes afirmativas, habilidades essenciais ao exercício pleno da cidadania no século XXI. Ser agente nas situações comunicativas é fundamental para o desenvolvimento da identidade individual e social do aluno e para sua proficiência oral e escrita. Portanto, a prática da escuta do que ele tem a dizer e a observação de sua produção escrita são a base para o planejamento de ensino em língua materna. O domínio da língua está diretamente relacionado às possibilidades de participação social, pois é através dela que nos comunicamos, expressamos nossos pontos de vista, temos acesso à informação, partilhamos e construímos visões de mundo, enfim, produzimos conhecimento. Deste modo, é função da escola, no ensino de língua materna, garantir a todos os seus alunos conhecimentos lingüísticos que propiciem sua efetiva participação social. A escola é o lugar da conscientização; e entre tantas outras coisas, o aluno deve tomar consciência de seus poderes de linguagem, da sua dupla competência lingüística - inata e adquirira. Celso Pedro Luft (1998: p.104). A sala de aula precisa ser um espaço de reflexão sobre as verdadeiras funções da linguagem, quais as suas diferentes formas de uso, de que modo ela pode ser utilizada como um instrumento de poder, qual o comportamento da sociedade e dos indivíduos em relação aos usos lingüísticos. O espaço da Língua Portuguesa na escola é garantir o uso ético e estético da linguagem verbal, fazer o aluno compreender que a linguagem é capaz de transformar ou reiterar o social, o cultural e o pessoal. Para que isto ocorra, para que o aluno possa compreender e usar a Língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade, faz-se 35 necessária e urgente a reformulação dos conteúdos programáticos que estruturam as bases deste ensino. Associar a reflexão à ação e considerar as necessidades e possibilidades dos alunos é condição indispensável para uma parceria promissora na escola. O papel do professor é importantíssimo e sua atuação valiosa, no sentido de diagnosticar interesses e habilidades evidenciados pelos alunos, planejar situações estimulantes e avaliar a necessidade de novas ações. Assim, o aluno tomará consciência das potencialidades da língua e entenderá porque é tão necessário aprender mais sobre ela. 36 CONCLUSÃO O ensino de Língua Portuguesa, promovido em nossas escolas, temse dado de maneira inadequada, priorizando, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, o condicionamento do aluno às normas gramaticais. Isso tem favorecido o estabelecimento de um prática educativa totalmente dissociada da realidade do falante, trazendo como conseqüência um alto índice de reprovações e a evasão escolar. Além disso, é necessário lembrar que o ensino gramaticalista não tem garantido sucesso nem àqueles que prosseguem nos estudos, pois não é o domínio das regras que garante condições para a produção clara de textos orais ou escritos, ou ainda, para o entendimento crítico daquilo que se lê. Com isso, facilmente encontramos alunos no Ensino Médio e até em cursos superiores com inúmeras dificuldades de expressar-se escrita e oralmente. Vimos que o primeiro erro cometido pela escola é o de desvalorizar as experiências lingüísticas trazidas pelo aluno, apresentando a língua portuguesa para o falante materno como algo que ele desconheça totalmente. E que, por conta do privilégio atribuído ao ensino da gramática, a escola só reconhece como válida a variante padrão da língua, revelando uma atitude de extremo preconceito diante da diversidade lingüística. Diante dos resultados que podemos observar, constatamos a necessidade urgente de uma reformulação dos programas do ensino de Língua Portuguesa, que não pode trazer como ponto central a questão da aplicação ou não da gramática. Trata-se, antes de tudo, de saber quando, como e para quê ensiná-la. Propomos que o fio condutor do currículo de Língua Portuguesa seja estabelecido com base em atividades de leitura e produção de textos de diferentes gêneros, obedecendo a uma seqüenciação, por série, que leve em 37 conta o grau de complexidade do texto e sua inserção nas situações sociais vividas pelo aluno. Dessa forma, os conteúdos gramaticais não são desprezados, mas considerados como meios para possibilitar o desenvolvimento de habilidades específicas necessárias à compreensão e produção de textos variados, que atendam às necessidades das diferentes situações sociais. Assim, estaremos instituindo nas escolas brasileiras um ensino mais dinâmico da língua, que traga como principal objetivo ampliar a competência discursiva do aluno, tornando-o capaz de fazer uma leitura crítica do mundo, interagir conscientemente, desenvolver sua auto-estima e valorizar sua identidade sociocultural (aspectos fundamentais para o exercício da cidadania). Um ensino libertador, a liberação pela palavra: este é o grande objetivo a perseguir em nossas aulas de língua materna. Liberto, e consciente de seus poderes de linguagem, o aluno terá como crescer, desenvolver o espírito crítico e expressar toda a sua criatividade. Celso Pedro Luft (1998: p. 100) Para finalizar, acrescentamos que esse ensino dinâmico, libertador não pode ser aplicado senão através do exercício constante da leitura e da escrita. 38 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália: novela sociolingüística. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2000. FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. São Paulo: Ática, 1991. ILARI, Rodolfo. A lingüística e o ensino da Língua Portuguesa. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1997. 39 BIBLIOGRAFIA CITADA CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 2000. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: mercado de Letras, 2002. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997. SOARES, Magda. Linguagem e escola. Uma perspectiva social. 3ª ed. Série Fundamentos. São Paulo: Ática, 1986. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997. LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1998. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: mercado de Letras, 2002. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 2000. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 40 MICHELETTI, Guaraciaba. Leitura e construção do real. São Paulo: Cortez, 2001. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997. LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1998. 41 ATIVIDADES CULTURAIS 42 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I O conhecimento lingüístico da criança 10 CAPÍTULO II O tipo de ensino priorizado pelas escolas 14 CAPÍTULO III Como a diversidade lingüística é tratada pela escola? 21 CAPÍTULO IV Quais os objetivos adequados ao ensino de uma língua materna? 29 CONCLUSÃO 36 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 38 BIBLIOGRAFIA CITADA 39 ATIVIDADES CULTURAIS 41 ÍNDICE 42 43 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes Título da Monografia: O Ensino de Língua Portuguesa nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental Autor: Silvania da Silva Guimarães Data da entrega: 27 de janeiro de 2007. Avaliado por:__________________________________ Conceito: ______