UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NAS SÉRIEIS INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Por: Silvania da Silva Guimarães
Orientador
Prof. Mary Sue Pereira
Rio de Janeiro
2007
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NAS SÉRIES INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Apresentação
de
monografia
à
Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Orientação
Educacional.
Por: Silvania da Silva Guimarães
3
AGRADECIMENTOS
À Professora Mary Sue Pereira, pelas
sugestões e incentivo; e aos meus
amigos de turma, pelo estímulo e
valiosa colaboração.
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais Sandra e Gilberto, pelo
carinho
demonstrado
em
todos
os
momentos de minha vida; e ao meu
marido Wagner, por seu constante apoio
e compreensão durante todo o período
do curso e realização deste trabalho.
5
RESUMO
Historicamente, o ensino da língua materna, no Brasil, tem sido
marcado pela idéia de correção, priorizando, em conseqüência, o ensino das
regras gramaticais. Essa prática desconsidera variações da linguagem –
relacionadas à situação comunicativa ou ao perfil sociocultural dos alunos – e
despreza o fato de todos, ao ingressarem na escola, serem já usuários do
idioma em situações cotidianas e familiares. O efeito disso pode ser
constatado no cotidiano das salas de aula de todas as disciplinas,
evidenciando que as dificuldades no processo de aprendizagem estão
relacionadas à falta de autonomia para a leitura. Após a escolarização, muitos
adultos continuam incapazes de lidar com os usos cotidianos da leitura e da
escrita em contextos não escolares.
Tendo em vista os resultados desastrosos deste tipo de ensino, é
inegável a urgência de uma reformulação do currículo de Língua Portuguesa,
que tenha como foco o desenvolvimento das habilidades comunicativas dos
alunos, partindo do exercício constante da leitura e da escrita, sobretudo nas
séries iniciais do Ensino Fundamental.
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METODOLOGIA
Para a elaboração do trabalho estaremos consultando diversas obras
de autores que se dedicaram a pesquisar sobre o tema. Além da própria
observação direta acerca do comportamento de alunos e professores diante
das aulas de Língua Portuguesa que são ministradas no CIEP 364 - Nelson
Ramos, CIEP 100 - São Francisco de Assis e a Escola Estadual Vila Bela,
todas situadas no município de Mesquita, na Baixada Fluminense.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I
- O conhecimento lingüístico da criança
10
CAPÍTULO II
- O tipo de ensino priorizado nas escolas
14
CAPÍTULO III
Como a diversidade lingüística é tratada pela escola?
21
CAPÍTULO IV
Quais os objetivos adequados ao ensino de uma língua materna?
29
CONCLUSÃO
36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
38
BIBLIOGRAFIA CITADA
39
ATIVIDADES CULTURAIS
41
ÍNDICE
42
FOLHA DE AVALIAÇÃO
43
8
INTRODUÇÃO
Percebemos uma grande dificuldade, apresentada pelos alunos, no
tocante ao desenvolvimento da leitura e escrita e acreditamos ser a
inadequação metodológica do ensino de língua portuguesa (nas séries iniciais
do Ensino Fundamental) o principal fator responsável por essa dificuldade de
aprendizagem.
Não são poucas às vezes em que ouvimos depoimentos de alunos
que revelam a sua aversão pela leitura, bem como uma falta de interesse por
atividades que proponham a elaboração de textos escritos. A partir daí,
considerando que a leitura e a escrita deveriam ser os pilares do ensino de
língua portuguesa, constata-se o quanto tem sido traumática a relação dos
alunos com essa área de estudo.
De fato, o que verificamos, ao analisar as práticas adotadas ao
ensino de língua em nossas escolas, é que o mesmo baseia-se unicamente
na aplicação da gramática normativa, entendendo por esta um conjunto de
regras que devem ser sistematicamente seguidas. Deste modo, a escola
oferece pouquíssimas situações em que os alunos possam desenvolver
efetivamente a produção escrita e um maior gosto pela leitura.
No entanto, é preciso deixar claro não ser preocupação nossa atribuir
ao ensino da gramática normativa a culpa pelo fracasso escolar. Talvez, a
crítica deva dirigir-se à exclusividade deste tipo de ensino, na medida em que
entendemos ser muito mais abrangente a finalidade do ensino de uma língua
materna, raciocínio este que estaremos desenvolvendo ao longo deste
trabalho, com base nos estudos de alguns autores que se aprofundaram na
pesquisa deste tema.
Assim, é nosso objetivo analisar algumas questões referentes ao
ensino de língua portuguesa como: o modo pelo qual a escola encara o
9
conhecimento prévio do aluno sobre linguagem; a prioridade atribuída ao
ensino da gramática normativa; a dificuldade institucional em lidar com a
variedade lingüística; os objetivos adequados ao ensino de uma língua
materna nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Estaremos dando maior ênfase ao processo de alfabetização, etapa
mais importante da formação escolar, que perpassa os cinco primeiros anos
escolares da criança, iniciando-se no CA (classe de alfabetização) e
chegando ao 5º ano de escolaridade (antiga 4ª série primária).
Consideramos a abordagem do assunto de suma importância àqueles
que se dedicam a trabalhar pela elevação da qualidade de ensino, já que,
como foi citado anteriormente, os resultados do tipo de ensino veiculado em
nossas escolas não tem sido de modo algum satisfatório.
10
CAPÍTULO I
O CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO DA
CRIANÇA
A primeira questão, relevante à abordagem do assunto, refere-se ao
conhecimento lingüístico que a criança já possui ao ingressar na escola.
Geralmente, durante a etapa de alfabetização, os professores costumam
partir do “zero”, preferindo desconhecer o fato de que seus alunos já trazem
consigo inúmeros conhecimentos em relação à linguagem, afinal eles já se
comunicam. O ensino, então, baseia-se em exercícios de repetição dos sons
da fala e reprodução dos símbolos da escrita.
Isso está declarado, de maneira ainda mais completa, nas palavras
de Luiz Carlos Cagliari (2000:p 17):
Qualquer criança que ingressa na escola aprendeu a
falar e a entender a linguagem sem necessitar de
treinamentos específicos ou prontidão para isso.
Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de
dificuldades crescentes para facilitar o aprendizado da
criança. Ninguém disse que ela devia fazer exercícios
de discriminação auditiva para aprender a reconhecer
a fala ou para falar. Ela simplesmente se encontrou no
meio de pessoas que falavam e aprendeu.
Deste modo, ao invés de a escola promover a maior aproximação do
aluno com o seu idioma, partindo de sua bagagem lingüística, ela acaba
causando um certo distanciamento da criança, ao propor-lhe a execução de
11
tarefas repetitivas (realizadas mecanicamente), que tão logo, vai acarretar o
seu desinteresse.
Além de a escola ignorar as habilidades de comunicação trazidas
pelos alunos, na maioria das vezes, também insiste em provar que a
linguagem por eles utilizada é errada, está completamente fora dos padrões
escolares e que, sendo assim, é preciso ensiná-las o considerado correto.
É claro que qualquer um de nós, salvo raras exceções, sente-se
muito mais estimulado a aprender coisas que nos parecem possíveis de ser
aprendidas e, do mesmo modo, perde o interesse quando acredita-se estar
diante de uma tarefa muito difícil. A criança passa a considerar impossível
falar do modo que a professora fala, escrever obedecendo a tantas regras e
assim vai deixando de lado tanta espontaneidade e criatividade que lhe é tão
peculiar nessa fase da vida. Ela chega à escola cheia de expectativas,
ansiosa por aprender a ler e escrever, mas a escola apresenta tantos
obstáculos para isso, que a criança começa a sentir-se incapaz (muitas
chegam a passar anos sem conseguirem ser alfabetizadas). Temos aí o início
do bloqueio com a disciplina Língua Portuguesa.
Partindo do princípio de que, dentre todas as outras disciplinas, a
Língua Portuguesa é a que o aluno primeiro tem contato, já que é um falante
materno e começa a desenvolver a linguagem desde os seus primeiros anos
de idade, chegamos à conclusão de que a tarefa da escola dentro dessa área
de estudo deveria deixar de ser tão problemática, não é mesmo?
Ao entrarem na escola, embora desconheçam a modalidade escrita
do português, as crianças já possuem um domínio da estrutura da língua.
Sendo um falante materno, nenhuma criança, por exemplo, vai utilizar o
substantivo antes do artigo ( não ouviremos de um a criança a expressão “rua
a “, mas sim “a rua”). Mesmo assim, a professora vai apresentar o conteúdo
artigo como se fosse uma grande novidade.
12
Ainda com relação ao conhecimento lingüístico da criança, vejamos o
que está declarado nas palavras de Sírio Possenti (2002: p.48):
(...) as crianças com alguns anos de idade utilizam o
tempo todo formas que sequer imaginamos, mas que
veríamos
claramente
que
conhecem,
se
examinássemos sua fala com cuidado. Perguntam,
afirmam,
exclamam,
negam,
produzem
períodos
complexos e consideram significativamente o contexto
sempre
que
lhes
parecer
relevante
ou
tiverem
oportunidade.”
Desta forma, podemos perceber que a metodologia do ensino de
língua portuguesa começa a falhar desde o momento em que a escola
desconsidera as experiências lingüísticas de seus alunos, deixando de utilizálas em seu favor.
“O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o
conhecimento lingüístico e discursivo com o qual o
sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas
pela linguagem.”
Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997
Isso faz uma enorme diferença para o desenvolvimento do aluno,
sobretudo nas séries iniciais do Ensino Fundamental, em que a criança deve
ser estimulada o tempo todo. Se ela é corrigida a cada momento em sua fala
e, se ao produzir seus pequenos textos (que trazem muitas marcas da
oralidade), recebe a caneta vermelha da professora corrigindo cada erro
ortográfico, essa criança fatalmente vai passar a participar menos das aulas
13
( pelo receio de falar “errado” ) e a sua criatividade dará lugar ao medo na
hora de escrever.
Deste modo, as possibilidades de que cada vez mais ele escreva
menos são muitas, até chegar a ponto de se recusar a escrever. Quantos são
os alunos que gostam das aulas de redação? Sem dúvida alguma, são
pouquíssimos. Assim, ao contrário do que se espera, a produção escrita do
aluno vai regredindo com o passar dos anos.
Isso não quer dizer que o professor deva ignorar os erros cometidos
pelo aluno. O problema se concentra no caráter punitivo da correção. O texto
da criança deveria ser visto como fonte de pesquisa para as várias
ocorrências da modalidade escrita da língua, a fim de orientar o trabalho do
próprio professor no sentido de elaborar novas atividades para promover,
assim, uma aprendizagem efetiva. É replanejando suas aulas, oferecendo
oportunidades em que o aluno tenha contato com outros textos escritos,
estimulando a prática da leitura, estabelecendo relações entre erros e acertos
e, acima de tudo, envolvendo o aluno diretamente no processo de correção
que o professor estará, de fato, garantindo meios para a verdadeira
construção do conhecimento.
Com isso, pretendemos mostrar que a correção com caráter punitivo,
a supervalorização da forma em detrimento do conteúdo do texto
demonstram o quanto a escola desvaloriza o conhecimento lingüístico do
aluno, acarretando o fracasso escolar de muitos nas séries iniciais do Ensino
Fundamental.
14
CAPÍTULO II
O TIPO DE ENSINO PRIORIZADO PELAS ESCOLAS
O objetivo principal, senão o único, do ensino de língua portuguesa
nas escolas tem sido a apreensão das regras gramaticais, o uso da norma
padrão culta do português. Sem dúvida deve ser essa uma das principais
tarefas da escola, já que a modalidade não culta o aluno já domina.
Os estudos gramaticais na escola, até hoje se centram, em grande
parte, no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal;
descrição e norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso,
da função e do texto.
Tomemos como exemplo um acontecimento escolar. A professora
ensinou que “azul, verde, branco, as cores em geral” eram adjetivos e
solicitou que os alunos construíssem frases com essas palavras. Um dos
alunos escreveu: “O azul do céu é bonito. O branco significa paz etc”.
Logicamente, um X foi colocado sobre as frases. O por quê, o aluno nunca
soube.
O estudo da gramática aparece nos planos curriculares de Língua
Portuguesa, desde as séries iniciais, sem que os alunos, até as séries finais
do Ensino Médio dominem a nomenclatura. Estaria a falha nos alunos? Será
que a gramática (normativa) que se ensina faz sentido para aqueles que
sabem gramática (internalizada) porque são falantes nativos? A confusão
entre norma e gramaticalidade é o grande problema da gramática ensinada
pela escola. O que deveria ser um exercício para o falar/escrever/ler melhor
se transforma em uma “camisa de força” incompreensível.
Transformar o aluno em um usuário competente da língua falada e
escrita, garantindo-lhe possibilidades de plena participação social é um
importante papel da escola. No entanto, o a cesso à modalidade culta da
15
língua, por via da imposição de regras gramaticais, não tem obtido bons
resultados, sobretudo no início da escolaridade.
Sabe-se que os índices brasileiros de repetência e evasão nas séries
iniciais (índices que foram “mascarados” com a aprovação automática,
também chamada de avaliação continuada) estão diretamente ligados à
dificuldade que o aluno encontra de aprender a ler e escrever ( ou seria a
dificuldade que a escola tem de ensinar a ler e a escrever? ). Talvez isso
ocorra porque durante os primeiros anos de escolaridade perde-se muito
tempo com o ensino da gramática, um período que deveria se reservado
unicamente ao desenvolvimento da leitura e da escrita. Porém é uma idéia
muito comum entre os professores a de que só sabe ler e escrever aquele
que domina as normas gramaticais, um pensamento totalmente equivocado.
O raciocínio de que é através da gramática que o aluno vai aprender
sobre a sua língua faz com que, desde o 2º ano do 1º ciclo ( antiga 1ª série ),
o criança já tenha contato com normas ortográficas, classes de palavras,
regras de pontuação etc. Assim, durante o seu 1º ano na escola ( CA –
Classe de Alfabetização ), ela fica desenvolvendo exercícios de prontidão
( cobrir linhas pontilhadas, reproduzir som e grafia de cada letra do alfabeto,
ligar letra minúscula à maiúscula correspondente, silabar e, por fim, ler e
escrever algumas palavras listadas em ordem de dificuldades ) e, logo
depois, do 2º ano em diante, o aluno começa a ter contato com conteúdos
gramaticais que vão se repetindo durante todos os anos escolares. Em um
tipo de ensino como esse, a leitura e a escrita vão sendo deixadas de lado,
para o momento em que “sobrar tempo”.
Tratando-se dos primeiros contatos da criança com o mundo da
escrita, de suas primeiras experiências com a leitura, o essencial deverá ser
conduzi-la a aprender a usar a linguagem escrita e não a analisar a escrita.
Isso só será possível através do convívio com textos verdadeiros, que
circulam socialmente (é preciso não estar preso somente ao uso do livro
didático, que muitas vezes apresenta textos totalmente desvinculados da
16
realidade do aluno). No início, quando a criança ainda não lê com
independência, caberá ao professor realizar a leitura desses textos diante da
turma, promovendo discussões sobre as funções sociais da linguagem e
despertando no aluno um real interesse pela leitura.
A leitura na escola é um reflexo da vida fora dela. Entre as
motivações mais imediatas para a leitura destacam-se a necessidade de
reflexão sobre diferentes questões e a busca de informações, de
entretenimento, de orientações para a solução de problemas. Nesse sentido,
desde cedo, nas práticas educativas, é necessário explicar sempre a
finalidade
do
ato
de
ler.
Planejar
estratégias
que
propiciem
o
desenvolvimento de habilidades de compreensão poderá tornar a leitura mais
proveitosa.
A escolha de textos que despertem o interesse dos alunos muito
contribui para estimular a formação do leitor. É importante considerar a
diversidade de gêneros textuais, os diferentes registros, as expectativas e
dificuldades dos alunos e, também, planejar atividades de leitura livre, a fim
de que o aluno faça suas próprias escolhas.
Além disso, é fundamental que o professor tenha clareza do que é
relevante nos conteúdos trabalhados, sem perder de vista que o seu objetivo
maior deverá ser sempre a leitura e a produção escrita. A separação de
sílabas e a classificação das palavras quanto ao número de sílabas, por
exemplo, será que esta é uma aprendizagem fundamental para a elaboração
de um texto escrito? Se o aluno separar de maneira inadequada as sílabas
de uma certa palavra, seu texto perderá a coerência, o sentido? Se a
resposta para estas perguntas for negativa, é sinal de o conteúdo acima
citado não é essencial nas primeiras séries.
Certamente, através de reflexões como essa, muitos outros
conteúdos acabariam por ter a sua permanência no currículo ameaçada. No
entanto, em lugar de uma postura reflexiva acerca de seu trabalho,
17
infelizmente, grande parte dos profissionais de ensino mantém-se como
meros aplicadores de programas, fiéis aos livros didáticos.
Tais conteúdos programáticos são apresentados de maneira
estanque, isto é, não possuem nenhuma relação com a realidade lingüística
da criança. Se desde o início o aluno só tem contato com sílabas, palavras
descontextualizadas, frases artificiais e desvinculadas entre si ( muito comuns
em cartilhas ), como ele vai aprender a redigir um texto?
Todas as crianças, ao chegarem ao 5º ano de escolaridade ( que
seria a 4ª série ), devem demonstrar determinada competência na leitura e na
escrita. Mas será que escola está oferecendo meios para a conquista deste
saber? Não é isso o que a realidade vem demonstrando. É muito comum
ouvirmos dos professores que trabalham com esta etapa escolar queixas do
tipo: “_ Como é que pode o aluno passar tanto tempo na escola e chegar aqui
sem saber ler direito e escrevendo desta forma?”
Neste momento, tudo passa a ser a causa do problema, menos a
incompetência técnica da escola. Assim, muitos professores têm declarado
como razões para a dificuldade da aprendizagem que: as crianças têm
distúrbios neurológicos, são portadoras de problemas emocionais e sociais,
são desnutridas, as famílias não se interessam pelos estudos dos filhos,
permitindo-lhes faltarem às aulas, enfim, é a vida do aluno a responsável por
seu fracasso, nunca a escola.
Desconsidera-se o fato de que, durante a maior parte desse tempo
em que o aluno esteve na escola, ele cobriu pontinhos, subiu e desceu
linhas, memorizou famílias silábicas, separou e juntou “pedacinhos” de
palavras, decorou os conceitos de substantivo, adjetivo, artigo, pronome,
verbo, aprendeu a fazer o plural das palavras terminadas em “ão”, descobriu
o significado de palavras como “indulgência” e muitas outras infinidades de
coisas que são absolutamente desnecessárias à aquisição da leitura e
escrita. Ler e escrever estiveram sempre em último plano.
18
Deste modo, será justo cobrar deste aluno que ele saiba ler e
escrever com desenvoltura, que consiga interpretar aquilo que leu e que
produza textos criativos? Esperar isso de quem não recebeu incentivo à
leitura, não foi estimulado a pensar criticamente ( já que suas respostas
tiveram que dar lugar às respostas prontas ) , não aprendeu a criar, ou
melhor, “desaprendeu” o que já sabia antes de chegar à escola, parece-nos
uma atitude bastante incoerente.
Sobre o processo de aquisição da leitura encontramos a seguinte
afirmativa nos Parâmetros Curriculares Nacionais ( 1997: p.55 ):
É preciso superar algumas concepções sobre o
aprendizado inicial da leitura. A principal delas é a de
que ler é simplesmente decodificar, converter letras em
sons, sendo a compreensão conseqüência natural
dessa ação. Por conta desta concepção equivocada a
escola vem produzindo grande quantidade de “leitores”
capazes de decodificar qualquer texto, mas com
enormes dificuldades para compreender o que tentam
ler.
Ainda nos PCNs ( p.66 ), declara-se o seguinte em relação à
composição da escrita:
Para aprender a escrever, é necessário ter acesso à
diversidade de textos escritos, testemunhar a utilização
que se faz da escrita em diferentes circunstâncias,
defrontar-se com as reais questões que a escrita coloca
a quem se propõe produzi-la, arriscar-se a fazer como
consegue e receber ajuda de quem já sabe escrever.
Sendo assim, o tratamento que se dá à escrita na
19
escola não pode inibir os alunos ou afastá-los do que
se pretende; ao contrário, é preciso aproximá-los,
principalmente quando são iniciados “oficialmente” no
mundo da escrita por meio da alfabetização. Afinal,
esse é o início de um caminho que deverão trilhar para
se transformarem em cidadãos da cultura escrita.
Partindo de tais declarações, é possível afirmar que o essencial no
ensino de língua portuguesa, durante as séries iniciais, é levar os alunos a
pensarem sobre linguagem para poderem compreendê-la e utilizá-la
adequadamente. Para tanto, cabe à escola, propiciar-lhes contato com textos
escritos, mas textos significativos, que possuam sentido dentro da realidade
do aluno. Quanto às regras gramaticais, a criança ainda terá pelo menos
mais quatro anos no 2º ciclo do Ensino Fundamental para poder se
familiarizar com elas. Se a escola conseguisse transformar o aluno em um
bom leitor e desenvolvesse suas habilidades para a escrita, tornando-o mais
íntimo de seu idioma, sem dúvida, este aluno estaria muito mais apto a
depreender as regras da gramática, aproximando-se da modalidade culta da
língua. A escola comete um grave erro ao desejar que este processo ocorra
inversamente. “Não faz sentido ensinar nomenclaturas a quem não chegou a
dominar habilidades de utilização corrente e não traumática da língua.” ( Sírio
Possenti: 2002: p.55 )
Um outro entrave referente à questão da aquisição da leitura e da
escrita nas séries iniciais é o aluno ter a sua linguagem oral reprovada pela
escola, pois não reproduz em sua fala a norma culta da língua, elemento
considerado fundamental no espaço escolar.
20
Este fato nos remete a outros questionamentos: como a diversidade
lingüística é tratada pela escola? De que modo a escola vem alimentando a
intolerância às diferenças? A língua também serve como fonte de preconceito
e exclusão social? Este é o assunto que estaremos abordando no próximo
capítulo.
21
CAPÍTULO III
COMO A DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA É TRATADA
PELA ESCOLA?
Empregada por tão grande quantidade de indivíduos, em situações
tão diferentes e a todo o momento, é de se esperar que a língua não se
apresente estática. Ou seja, condicionantes sociais, regionais e as diversas
situações em que se realiza determinam a ocorrência de variações em uma
língua.
De um modo geral e para obter maior clareza em nossa abordagem,
vamos nos deter à principal diferença encontrada na produção lingüística dos
falantes: a linguagem coloquial ou norma popular e a linguagem culta ou
norma padrão.
Na linguagem coloquial, diferentemente da linguagem culta, não há
preocupação no tocante a um falar “certo” ou “errado”, uma vez que não nos
sentimos pressionados pela necessidade de usar regras e damos prioridade
à expressividade, à transmissão da informação por si.
Sobre a linguagem culta, vejamos o que está declarado nas
palavras de Magda Soares (1986: p.82-3):
Dialeto padrão: também chamado norma padrão culta,
ou simplesmente norma culta, é o dialeto a que se
atribui, em determinado contexto social, maior prestígio;
é considerado o modelo – daí a designação de padrão,
de norma – segundo o qual se avaliam os demais
dialetos. É o dialeto falado pelas classes sociais
privilegiadas, particularmente em situações de maior
formalidade, usado nos meios de comunicação de
massa (jornais, revistas, noticiários de televisão etc.),
22
ensinado na escola, e codificado nas gramáticas
escolares (por isso, é corrente a falsa idéia de que só o
dialeto padrão pode ter uma gramática, quando
qualquer variedade lingüística pode ter a sua).
Partindo de tal declaração, fica fácil concluir que a verdadeira razão
para considerar uma modalidade da língua superior à outra se concentra no
fato desta ter mais prestígio em relação àquela. Não significando na
realidade, portanto, que uma comunique melhor que a outra, ou ainda, que
seja legítimo empregar os critérios de certo ou errado, mas sim apresentá-las
como modalidades diferentes de uma mesma língua.
“A escola deve assumir o compromisso de procurar
garantir que a sala de aula seja um espaço onde cada
sujeito tenha o direito à palavra reconhecido como
legítimo, e essa palavra encontre ressonância no
discurso do outro. Trata-se de instaurar um espaço de
reflexão em que seja possibilitado o contato efetivo de
diferentes opiniões,, onde a divergência seja explicitada
e o conflito possa emergir ; um espaço em que o
diferente não seja nem melhor nem pior, mas apenas
diferente,
e
que,
por
isso
mesmo,
precise
ser
considerado pelas possibilidades de reinterpretação do
real que apresenta; um espaço em que seja possível
compreender
a
diferença
como
constitutiva
dos
sujeitos.”
Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997
23
No entanto, dentro da concepção equivocada de que ensinar língua é
ensinar gramática, garantir o uso da norma culta padrão, a escola tem
recriminado qualquer outra possibilidade de produção lingüística.
É claro que o aluno precisa ter acesso à modalidade culta da língua –
e o melhor lugar para isso é a escola – mas, esta deve ser apresentada ao
aluno como uma das variedades possíveis da língua, como aquela que
possui maior prestígio. Ele não precisa ser convencido de que não sabe falar,
de que é um deficiente lingüístico, incapaz de se expressar com clareza.
Afinal, todo falante materno utiliza-se do seu idioma para efeitos
comunicativos, mesmo sem a intervenção escolar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, no volume dedicado à
disciplina Língua Portuguesa, traz a seguinte afirmação acerca do
preconceito lingüístico (p.31):
(...) há muitos preconceitos decorrentes do valor social
relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é
muito comum se considerarem as variedades de menor
prestígio como inferiores ou erradas. O problema do
preconceito disseminado na sociedade em relação às
falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como
parte do objetivo mais amplo de educação para o
respeito à diferença. Para isso, e também para poder
ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se
de alguns mitos: o de que existe uma única forma
“certa” de falar – a que se parece com a escrita – e o de
que a escrita é o espelho da fala – e, sendo assim,
seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que
ele escreva errado.
24
Como um grande prejuízo, estas duas crenças produziram uma
prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do
aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes,
denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde
inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles
tenha em um dado momento histórico. Entre a língua oral ou falada e a
escrita há diferenças bem acentuadas. Escrever uma história, por mais
simples que ela seja, é diferente do ato de contá-la oralmente. Cada uma
dessas
modalidades
de
expressão
tem
suas
características,
seus
fundamentos, suas necessidades e suas realizações.
Infelizmente, o espaço escolar não tem promovido o respeito às
diferenças, sendo o professor o primeiro a discriminar os atos de fala do
aluno. Entrando na escola, a criança fala com desembaraço e naturalidade e,
em pouco tempo poderia escrever da mesma maneira, se bem orientada.
Mas, o professor, começa a lhe convencer de que ela fala mal e escreve
ainda pior.
Segundo Celso Pedro Luft, professor titular de Língua Portuguesa na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
É natural, óbvio e forçoso, que a escola vise à língua
culta; os demais níveis não precisa ensinar: o aluno
maneja todo o dia. Mas não se pode esquecer o
princípio da unidade na variedade lingüística. Os
diversos dialetos não são mais que faces da mesma
língua. Todas as variedades da língua são valores
positivos.
Não
será
negando-as,
perseguindo-as,
humilhando quem as usa, que se fará um trabalho
produtivo no ensino.
( 1998: p.69 )
25
No entanto, os professores insistem em negar a existência de outras
formas de produção da língua, ou melhor, sabem que existem, mas não
aceitam a sua validade. Talvez isso ocorra devido a deficiências técnicas em
sua formação. No antigo Curso Normal ( Formação de Professores ), por
exemplo, em que as pessoas saíam habilitadas a dar aula de 1ª a 4ª série
( justamente para a base ), nunca existiu na
grade curricular qualquer
disciplina que desse conta dessas questões de linguagem. Os futuros
professores assistiam aulas de metodologia da Língua Portuguesa, que
ensinavam nada a mais, nada a menos que: como ensinar aos alunos os
conteúdos da gramática normativa. Nunca ouviram falar sobre a existência de
outras gramáticas, ou sobre o fato de que qualquer usuário da língua só fala
por estar se utilizando de uma. Com isso, foram para as salas de aula com o
propósito de ensinar gramática normativa e não Língua Portuguesa. Ninguém
pode ensinar aquilo que não aprendeu. É necessário e urgente que os
professores passem por cursos de capacitação, atualização, que discutam
sobre o assunto dentro de um perspectiva menos tradicionalista e bem mais
produtiva.
Com relação ao conceito de gramática, Sírio Possenti afirma que
gramática pode ser entendida como um “conjunto de regras” e destaca três
maneiras diferentes para entender esse “conjunto de regras”:
1)
conjunto de regras que devem ser seguidas
( gramática normativa );
2)
conjunto de regras que são seguidas ( gramática
descritiva );
3)
conjunto de regras que o falante da língua domina
(gramática internalizada )
(2002: p.64)
26
Assim, a gramática normativa vai dar conta de descrever as normas
que regem o uso da língua padrão; a descritiva vai relatar os atos da fala, tal
qual a língua é produzida pelo falante; a internalizada demonstrará hipóteses
sobre os conhecimentos que o falante naturalmente possui ao produzir a
língua.
O grande problema é que a escola trabalha apenas com a concepção
da gramática normativa. E sobre isso, Sírio Possenti faz a seguinte proposta:
(2002: p.87)
Trabalhar na escola com essas três gramáticas, em
ordem de prioridade inversa em relação à ordem de
apresentação,
isto
é,
privilegiando
a
gramática
internalizada, em seguida, a descritiva e, por último, a
normativa.
Tal proposta parece-nos bastante condizente à nossa realidade.
Trabalhando primeiro a gramática internalizada, estaríamos considerando
todo o conhecimento que o aluno possui, a sua experiência lingüística;
seguindo com a descritiva, mostraríamos que a língua portuguesa pode
apresentar vários registros; e, finalmente a gramática normativa serviria para
demonstrar ao aluno o funcionamento da modalidade culta da língua, aquela
que detém prestígio perante a sociedade.
Sem dúvida, se essa não for uma maneira mais eficiente de ensinar a
língua é, ao menos, bem mais honesta.
O ensino se tornaria mais dinâmico, desde que partisse do uso
observado e não de regras, e o aluno passaria a ter acesso ao
funcionamento da língua, que é bem mais interessante do que somente
decorar e repetir regras. Além disso, em um tipo de ensino como esse, não
haveria lugar para o preconceito, todas as formas de uso do português
seriam devidamente reconhecidas.
27
Entretanto, sabemos que não é essa a prática pedagógica que vem
sendo adotada. O ensino de Língua Portuguesa não se tem prestado a
promover reflexões acerca da linguagem e o tratamento dado à diversidade
lingüística tem revelado atitudes de grande preconceito.
Assim, as crianças das camadas populares, que tiveram pouco ou
nenhum contato com produções
escritas da língua, que convivem com
pessoas que falam o português não-padrão e que, portanto, também usam
esse dialeto, serão vítimas de discriminação e, certamente, vão apresentar
uma grande dificuldade em adaptar-se ao ambiente escolar.
Para Luiz Carlos Cagliari (2000: p.36), a escola trata a diversidade
lingüística da seguinte forma:
Para a escola, infelizmente, a variação lingüística é
vista como uma questão gramatical, de certo ou errado.
O diferente não tem lugar em sua avaliação, embora
represente a maioria dos fatos que o alfabetizador
enfrenta. Se a escola não entender esses fatos
corretamente, cometerá grandes injustiças com os
alunos.
Ninguém
fala
errado
o
português,
fala
diferentemente. Todos os falantes sabem disso por
experiência própria, só a escola insiste em ver as
coisas erradamente.
O desenvolvimento da capacidade de expressão oral e escrita do
aluno depende de a escola constituir-se como um ambiente favorável à
construção de sua auto-estima, permitindo-lhe manifestar o que pensa, o que
sente, o que é.
28
Isso só será possível de acontecer em uma escola que respeite e
acolha as diferenças e as diversidades culturais e, acima de tudo, que tenha
a clareza de quais objetivos devem orientar o ensino de uma língua materna.
29
CAPÍTULO IV
QUAIS OS OBJETIVOS ADEQUADOS AO ENSINO DE
UMA LÍNGUA MATERNA?
Não se deve confundir o ensino de uma língua materna, no caso, o
português, com o ensino da gramática normativa. Esse equívoco tem
causado sérios danos em nosso sistema educacional.
Um dos maiores prejuízos dessa tradição predominantemente
normativa foi a difusão – na sociedade e na escola – de mitos que só têm
dificultado a ampliação das condições de uso da língua no processo de
escolarização. Um exemplo é o mito de que a nossa língua é particularmente
difícil, só podendo ser dominada por alguns “iluminados”; o outro, o de que
ensinar-aprender português deve reduzir-se à fixação de um sem número de
regras, nomenclaturas e exceções.
Essa supervalorização tem como conseqüência o desvio do que
deveria ser o foco principal – a formação do leitor.
O objetivo maior do ensino de uma língua materna é desenvolver nos
alunos as competências necessárias a uma interação autônoma e ativa nas
situações de interlocução, leitura e produção de textos. Para tanto, este
ensino deve fundamentar-se em uma concepção de linguagem como fruto da
interação entre sujeitos. É a qualidade das oportunidades de convivência
entre a criança e as pessoas ao seu redor que propicia a elaboração da fala
interior e do pensamento reflexivo ou abstrato.
E aí reside um aspecto essencial a ser considerado na organização
do processo de ensino-aprendizagem escolar : mobilizar , nos alunos, não
apenas a memória, mas – pela interação e cooperação com companheiros e
30
professores
–
processos
internos
de
desenvolvimento
das
funções
psicológicas.
“ A memória, mais do que o pensamento abstrato, é
característica definitiva dos primeiros estágios do
desenvolvimento cognitivo. Entretanto, ao longo do
desenvolvimento,
ocorre
uma
transformação,
especialmente na adolescência. Pesquisas sobre a
adolescência
mostraram que, no final da infância, as
relações interfuncionais envolvendo a memória invertem
sua direção. Para as crianças, pensar significa lembrar;
no entanto, para o adolescente, lembrar significa pensar.
Sua memória está tão carregada de “lógica” que o
processo de lembrança está reduzido a estabelecer e
encontrar relações lógicas; o reconhecer passa a
consistir em encontrar aquele elemento que a tarefa
exige que seja encontrado.”
Vygotsky (1991: p.54)
Assim, podemos dizer que a eleição do texto – e não palavras, frases,
classes ou funções – como unidade de ensino decorre da consideração de
que é no texto que o usuário da língua exercita sua capacidade de organizar
e transmitir idéias, informações, opiniões em situações de interação. O texto,
considerado como espaço de construção de sentido, é o lugar em que se dá
a interação entre sujeitos.
Portanto, não se deve desprezar oportunidade alguma para refletir
sobre a questão da leitura, investigando alternativas, delineando propostas
para que se cumpra, de forma eficaz, a formação de leitores. Um passo inicial
seria indagar, na elaboração coletiva do projeto pedagógico de cada escola,
de modo crítico e consciente: por que tamanho insucesso em ensinar a ler?
31
Como as práticas educacionais de leitura e escrita poderiam garantir a
formação de leitores autônomos e críticos?
Não se pretende atribuir tal responsabilidade exclusivamente às
instituições escolares. Há, sem dúvida, um conjunto de fatores, decorrentes
da conjuntura social, que se refletem na escola, desfavorecendo a existência
de boas condições de acesso à leitura. Isso, entretanto, não deve isentar a
instituição e os professores de assumirem sua responsabilidade.
A consciência de que a formação de leitores críticos é o primordial
objetivo da disciplina Língua Portuguesa deve ser incorporada à prática
pedagógica. Para, assim, crescer o reconhecimento de que não a gramática,
exercitada em frases ou palavras isoladas, mas o texto é a unidade básica de
ensino da disciplina. Os professores devem
priorizar os usos sociais da
língua, partindo da interação cotidiana e familiar, que os alunos já realizam,
para a pública e formal, que compete à escola garantir a todos.
Como encontramos nos PCNs (1997: p.35), constata-se que não se
trata mais de aprender uma língua para dela se apropriar, mas trata-se de
usá-la e, em usando-a, aprendê-la. Portanto, há necessidade de uma
mudança de paradigma, já que o conhecimento sistematizado da gramática
não garante, por si, a ampliação nas condições de uso da língua. Somente o
constante contato com textos, a prática permanente da leitura levará o aluno
a desenvolver sua capacidade comunicativa.
“A leitura ocorre por um complexo mecanismo, em que
sucessivas etapas, desde o contato inicial, vão-se
interpenetrando. De início, se aprendem os sinais, o
código,
passando-se
a
decifrá-lo
e,
quase
simultaneamente, se aprende uma significação de
superfície. A tarefa seguinte, nessa aproximação,
consiste
numa
desmontagem
para
se
atingir
o
significado no interior do próprio discurso, é o momento
de análise. Depois, vem a interpretação, através de uma
32
re-montagem e, tal como um desenho animado, as
palavras vão se juntando e formando o texto, já com um
novo sentido para o leitor. É nessa etapa que o diálogo
do leitor com o texto se torna mais vivo, pois ele terá
ativado todo um conhecimento de mundo e o terá posto
em movimento.”
Micheletti (2001: p. 27)
Entretanto, percebe-se que, ainda hoje, grande parte do tempo das
aulas de Língua Portuguesa é dedicado à nomenclatura gramatical e a
questões relativas à classificação de palavras e reconhecimento de funções
sintáticas no âmbito da frase, sem observar as situações concretas de uso –
textos – que tornariam significativa a reflexão sobre os processos lingüísticos.
No entanto, é preciso lembrar que a questão principal não é ensinar
ou não ensinar gramática, mas sim as bases nas quais esse tipo de ensino
está estruturado. A gramática precisa ser mais um recurso ao ensino do
funcionamento de uma língua e não a sua “mola mestra”.
O ensino da língua portuguesa deve ter como principal finalidade a
expansão das possibilidades do uso da linguagem, o desenvolvimento da
capacidade comunicativa do aluno. E sobre isso, vejamos o que está descrito
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997:p.39):
Se o objetivo principal do trabalho de análise e reflexão
sobre a língua é imprimir maior qualidade ao uso da
linguagem,
as
situações
didáticas
devem,
principalmente nos primeiros ciclos, centrar-se na
atividade epilingüística, na reflexão sobre a língua em
situações de produção e interpretação, como caminho
33
para tomar consciência e aprimorar o controle sobre a
própria produção lingüística.
Assim, podemos afirmar que a prática pedagógica adotada por
nossas escolas no ensino da língua materna não está atendendo ao seu
objetivo principal, na medida em que, desde as séries iniciais, tem priorizado
a apreensão das regras gramaticais, em detrimento da produção e
interpretação de textos orais ou escritos.
Devemos distinguir “ensino da língua” de “ensino a respeito da língua”
e avaliar a eficácia das atividades de análise sintática e morfológica para
ensinar a escrever ou ler, com base, exclusivamente na norma padrão. O
mais adequado e produtivo seria partir da modalidade de língua empregada
pelos alunos, utilizando diferentes textos que demonstrem a existência de
outras formas de expressão, apropriadas a cada finalidade e situação de uso.
Na verdade, como já afirmamos em capítulos anteriores, ao entrar
para a escola, o aluno já possui uma gramática internalizada, mesmo que só
domine o idioma falado, e esse conhecimento precisa ser explorado a fim de
ampliar a sua capacidade lingüística. Os falantes de uma língua devem criar
habilidades para observar que todo texto (oral ou escrito) traz marcas de sua
inserção em uma dada situação discursiva: intenção, contexto e público-alvo.
Sabendo que o aluno já traz para a sala de aula um repertório
lingüístico que lhe permite participar do convívio social, cabe ao professor de
língua materna propor atividades contextualizadas que mobilizem o aluno a
participar ativa e criticamente das situações de interlocução, leitura, produção
escrita e análise da língua.
A interação contínua propiciada pelo uso do idioma – buscando a
solução de impasses quanto à interlocução, à leitura ou à produção de textos
– evidencia-se como estratégia necessária para que os alunos possam
ampliar conhecimentos, identificar procedimentos apropriados e assumir
34
atitudes afirmativas, habilidades essenciais ao exercício pleno da cidadania
no século XXI.
Ser agente nas situações comunicativas é fundamental para o
desenvolvimento da identidade individual e social do aluno e para sua
proficiência oral e escrita. Portanto, a prática da escuta do que ele tem a dizer
e a observação de sua produção escrita são a base para o planejamento de
ensino em língua materna.
O domínio da língua está diretamente relacionado às possibilidades
de participação social, pois é através dela que nos comunicamos,
expressamos nossos pontos de vista, temos acesso à informação,
partilhamos
e
construímos
visões
de
mundo,
enfim,
produzimos
conhecimento. Deste modo, é função da escola, no ensino de língua materna,
garantir a todos os seus alunos conhecimentos lingüísticos que propiciem sua
efetiva participação social. A escola é o lugar da conscientização; e entre
tantas outras coisas, o aluno deve tomar consciência de seus poderes de
linguagem, da sua dupla competência lingüística - inata e adquirira. Celso
Pedro Luft (1998: p.104).
A sala de aula precisa ser um espaço de reflexão sobre as
verdadeiras funções da linguagem, quais as suas diferentes formas de uso,
de que modo ela pode ser utilizada como um instrumento de poder, qual o
comportamento da sociedade e dos indivíduos em relação aos usos
lingüísticos.
O espaço da Língua Portuguesa na escola é garantir o uso ético e
estético da linguagem verbal, fazer o aluno compreender que a linguagem é
capaz de transformar ou reiterar o social, o cultural e o pessoal.
Para que isto ocorra, para que o aluno possa compreender e usar a
Língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e
integradora da organização do mundo e da própria identidade, faz-se
35
necessária e urgente a reformulação dos conteúdos programáticos que
estruturam as bases deste ensino.
Associar a reflexão à ação e considerar as necessidades e
possibilidades dos alunos é condição indispensável para uma parceria
promissora na escola. O papel do professor é importantíssimo e sua atuação
valiosa, no sentido de diagnosticar interesses e habilidades evidenciados
pelos alunos, planejar situações estimulantes e avaliar a necessidade de
novas ações.
Assim, o aluno tomará consciência das potencialidades da língua e
entenderá porque é tão necessário aprender mais sobre ela.
36
CONCLUSÃO
O ensino de Língua Portuguesa, promovido em nossas escolas, temse dado de maneira inadequada, priorizando, desde as séries iniciais do
Ensino Fundamental, o condicionamento do aluno às normas gramaticais.
Isso tem favorecido o estabelecimento de um prática educativa totalmente
dissociada da realidade do falante, trazendo como conseqüência um alto
índice de reprovações e a evasão escolar.
Além disso, é necessário lembrar que o ensino gramaticalista não tem
garantido sucesso nem àqueles que prosseguem nos estudos, pois não é o
domínio das regras que garante condições para a produção clara de textos
orais ou escritos, ou ainda, para o entendimento crítico daquilo que se lê.
Com isso, facilmente encontramos alunos no Ensino Médio e até em cursos
superiores com inúmeras dificuldades de expressar-se escrita e oralmente.
Vimos que o primeiro erro cometido pela escola é o de desvalorizar
as experiências lingüísticas trazidas pelo aluno, apresentando a língua
portuguesa para o falante materno como algo que ele desconheça
totalmente. E que, por conta do privilégio atribuído ao ensino da gramática, a
escola só reconhece como válida a variante padrão da língua, revelando uma
atitude de extremo preconceito diante da diversidade lingüística.
Diante dos resultados que podemos observar, constatamos a
necessidade urgente de uma reformulação dos programas do ensino de
Língua Portuguesa, que não pode trazer como ponto central a questão da
aplicação ou não da gramática. Trata-se, antes de tudo, de saber quando,
como e para quê ensiná-la.
Propomos que o fio condutor do currículo de Língua Portuguesa seja
estabelecido com base em atividades de leitura e produção de textos de
diferentes gêneros, obedecendo a uma seqüenciação, por série, que leve em
37
conta o grau de complexidade do texto e sua inserção nas situações sociais
vividas pelo aluno.
Dessa forma, os conteúdos gramaticais não são desprezados, mas
considerados como meios para possibilitar o desenvolvimento de habilidades
específicas necessárias à compreensão e produção de textos variados, que
atendam às necessidades das diferentes situações sociais.
Assim, estaremos instituindo nas escolas brasileiras um ensino mais
dinâmico da língua, que traga como principal objetivo ampliar a competência
discursiva do aluno, tornando-o capaz de fazer uma leitura crítica do mundo,
interagir conscientemente, desenvolver sua auto-estima e valorizar sua
identidade sociocultural (aspectos fundamentais para o exercício da
cidadania).
Um ensino libertador, a liberação pela palavra: este é o
grande objetivo a perseguir em nossas aulas de língua
materna. Liberto, e consciente de seus poderes de
linguagem, o aluno terá como crescer, desenvolver o
espírito crítico e expressar toda a sua criatividade.
Celso Pedro Luft (1998: p. 100)
Para finalizar, acrescentamos que esse ensino dinâmico, libertador
não pode ser aplicado senão através do exercício constante da leitura e da
escrita.
38
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália: novela sociolingüística. 5ª ed. São
Paulo: Contexto, 2000.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. São
Paulo: Ática, 1991.
ILARI, Rodolfo. A lingüística e o ensino da Língua Portuguesa. 4ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino
de gramática no 1º e 2º graus. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1997.
39
BIBLIOGRAFIA CITADA
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione,
2000.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas:
mercado de Letras, 2002.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa / Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,
1997.
SOARES, Magda. Linguagem e escola. Uma perspectiva social. 3ª ed. Série
Fundamentos. São Paulo: Ática, 1986.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa / Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,
1997.
LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1998.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas:
mercado de Letras, 2002.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione,
2000.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
40
MICHELETTI, Guaraciaba. Leitura e construção do real. São Paulo: Cortez,
2001.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa / Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,
1997.
LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1998.
41
ATIVIDADES CULTURAIS
42
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
2
AGRADECIMENTO
3
DEDICATÓRIA
4
RESUMO
5
METODOLOGIA
6
SUMÁRIO
7
INTRODUÇÃO
8
CAPÍTULO I
O conhecimento lingüístico da criança
10
CAPÍTULO II
O tipo de ensino priorizado pelas escolas
14
CAPÍTULO III
Como a diversidade lingüística é tratada pela escola?
21
CAPÍTULO IV
Quais os objetivos adequados ao ensino de uma língua materna?
29
CONCLUSÃO
36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
38
BIBLIOGRAFIA CITADA
39
ATIVIDADES CULTURAIS
41
ÍNDICE
42
43
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes
Título da Monografia: O Ensino de Língua Portuguesa nas Séries Iniciais
do Ensino Fundamental
Autor: Silvania da Silva Guimarães
Data da entrega: 27 de janeiro de 2007.
Avaliado por:__________________________________ Conceito: ______
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Silvania da Silva Guimarães