PROJETOS DE VALORIZAÇÃO DO ENSINO RURAL E AS POLÍTICAS
PÚBLICAS
PROJECTS OF RURAL TEACHING VALORIZATION AND THE PUBLIC
POLICIES
Lincoln Etchebéhère Júnior
Doutor em História pela USP e professor da Universidade São Marcos
Sandra Silva de Barros
Mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
PROJECTS OF RURAL TEACHING VALORIZATION AND THE PUBLIC POLICIES
Lincoln Etchebéhère, Júnior, Sandra Silva de Barros
Resumo
Este estudo visa a identificar temas emergentes do campo das políticas publicas de
educação rural no Brasil, e os desafios e impasses destas para superar a posição
marginal ocupada pela educação dos habitantes da zona rural. Objetiva também o
presente artigo mostrar as dificuldades do ensino rural no Brasil e as tentativas feitas em
pró de sua melhoria, numa união entre as instituições particulares e o Estado, visto ser
intenso o envolvimento dos movimentos sociais nessa temática.
Palavras-chave: Educação Rural, Políticas Públicas, Ensino
Abstract
This study seeks to identify emerging subjects in the field of the public policies of rural
education in Brazil as well as the challenges and obstructions of these in overcoming
the marginal position occupied by education of the inhabitants of the rural zone. The
current article also looks out to show the difficulties of rural teaching in Brazil and the
tries made for its improvement in a union between private institutions and the State,
since the involvement of social movements in this matter is known to be intense.
Keywords: Rural education, public policies, teaching
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Introdução
É de grande importância voltar a atenção para um significativo fragmento de
uma população há muito isenta de importantes benefícios sociais, bem como de
programas educacionais, principalmente de caráter público. Esta população que habita o
campo, ou seja, é a população rural. Vale ressaltar que a Constituição da República
Federativa Brasileira de 1988 prevê como prerrogativas do cidadão brasileiro “assegurar
o exercício dos direitos sociais e individuais, entre eles a igualdade, e uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
No artigo 1º da Constituição está disposto que a República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito, com preocupação na edificação de um
país que dê a possibilidade a seus cidadãos de viverem com liberdade e dignidade. E
para que esta meta possa ser alcançada, há uma inquietação muito grande com a
educação oferecida pela escola pública. Numa análise da “Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional”, afirma-se que o Brasil já se encontra dando os primeiros passos
para que abandone o discurso da educação, prioridade nacional, e siga o caminho das
diretrizes e bases rumo à universalização do atendimento escolar e à melhoria da
qualidade de educação. Assim, fica pressuposto que o sistema de ensino público no
Brasil é ruim e excludente, e a educação que ele oferece não corresponde às
necessidades do contexto social.
Nas escolas nem sempre os alunos encontram um ambiente estimulador, mas
além desta constatação sobre as deficiências do ensino público, percebe-se que há
grande parcela da população em que estes problemas apresentam-se de maneira mais
forte, como o caso da população que vive no campo.
Apesar de aparecerem de modo mais contundente, as dificuldades educacionais
encontradas no campo são, na maioria das vezes, pouco conhecidas pelo restante da
população, seja por desinteresse ou, destacadamente, pela falta de veiculação de dados
que mostrem tais deficiências.
Não obstante, existe o fato de que a escolarização das populações do campo
ainda atravessa conjuntura problemática e desigual, embora a legislação determine a
obrigatoriedade da educação para crianças na faixa etária de 7 a 14 anos, e tenha
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aumentando a duração do ensino fundamental para nove anos. O mesmo documento
afirma que “80% das classes são multisseriadas, situação em que se reúnem estudantes
de várias séries na mesma sala de aula, com apenas uma professora”. E, além disso, a
organização curricular desconsidera a realidade das pessoas do campo e a sua
diversidade sociocultural e as instalações que as escolas possuem são, de modo geral,
precárias e improvisadas, oferecendo apenas as séries iniciais do ensino fundamental.
Pelo exposto, dentre outras questões, o que se nota é que a população do campo
possui baixa escolarização, dando prova da histórica da incapacidade do Estado
brasileiro em atendê-la adequadamente. Indica também que a educação praticada no
meio rural brasileiro tem contribuído pouco com as necessidades de desenvolvimento
dessas populações.
Pode-se perceber, ao investigar o ensino rural que a “escola rural é mais um
instrumento para outros fins sociais e políticos, pensada para evitar o congestionamento
e a violência das cidades e a fixação do homem do campo, não sendo defendida como
um fim em si mesma”.
Nota-se que a inserção do conteúdo curricular ainda não é trabalhada no
contexto da cultura sertaneja, afastando-se do que verdadeiramente esperava-se em
termos de um projeto a que todos pudessem ter acesso. O ensino deveria ser mais
maleável e culturalmente adequado; a escola não é ajustada, faz parte de uma invenção
do ideário urbano do professor e da política educacional, não sendo uma expressão da
realidade rural em que o aluno vive. Obedece a uma ideologia educacional que
desvaloriza o mundo e o trabalho rural. A ideologia do educador, no campo, acaba
tornando a situação mais grave. O educador do campo acredita que precisa educar a sua
população, que possui a cultura primitiva dos povos ignorantes, com formas
incivilizadas de perceber a vida e interpretar o mundo.
É importante ressaltar que a criança da roça sabe muito a respeito do mundo em
que vive: as matas, os animais, as plantas, as falas, o imaginário, geralmente mais do
que o seu professor urbano. No entanto, este professor tem que instruir; ensinar aquilo
que ainda não é conhecido, pois é isto que aguardam tanto os alunos como suas
famílias. Um professor que só fala e é culturalmente surdo, é de fato incompleto, como
é incompleta a escola em que ele ensina. Em geral, essa escola se baseia no falso
pressuposto de que uma pessoa analfabeta é também ignorante. E esta falsa imagem
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criada quanto ao analfabeto não leva em consideração que, mesmo se desconhecer a
escrita, uma pessoa tem outro conhecimento que também deveria ser valorizado.
É significativa a sistematização da reflexão envolvida com a problemática da
educação no meio rural, quanto às bases de um projeto político-educacional do campo,
isto é, agregar ao ensino a realidade, a cultura, o cotidiano e as experiências da
ruralidade, enfim, discutir sobre os fundamentos de um projeto político-pedagógico
voltado a uma sociedade específica, o mundo rural.
Porém, parece que essas bases para um projeto político-pedagógico não têm sido
alcançadas pela maioria das escolas. Algumas questões fundamentais se tornam
necessárias, como considerar a escola não como um mecanismo de suspensão do êxodo
rural ou mesmo um agente para propagar padrões considerados “civilizatórios” em
relação ao universo simbólico-cultural-social-comportamental dos que vivem nas
comunidades rurais. A proposta educacional deve se guiar pela compreensão do
trabalhador rural como um indivíduo vivo que realiza diálogo permanente com
diferentes universos simbólicos e culturais, precisa interagir com a realidade dos
trabalhadores, entranhando-se no seu cotidiano e se constituir numa problematização no
sentido de identificação das aflições que afetam a comunidade e elaboração de
estratégias para o seu enfrentamento e superação. A Educação de Jovens e Adultos não
deve ser tematizada como programas esparsos e de caráter compensatório, mas como
uma política pública permanente, com mecanismos de financiamento claramente
definidos e com a garantia da participação e controle democráticos de entidades civis e
dos trabalhadores rurais.
Ao discutir esse conjunto de questões, este estudo não tem pretensão de esgotar
a complexidade do tema da educação no meio rural, mas levantar hipóteses que possam
ajudar a estruturar um projeto político pedagógico mais consistente que possa, de certo
modo, trazer melhorias reais para o ensino no campo. Esse projeto é viável, malgrado a
resistência de vários educadores, todavia a discussão teórica destas questões significa
compreendê-las melhor e assim modificar a prática que, por sua vez, poderá trazer
novas questões a serem discutidas. Ainda que de modo tímido e bem localizado, isto
vem acontecendo, pois nas últimas décadas ampliaram-se iniciativas educacionais
desenvolvidas pelos movimentos sociais e organizações não-governamentais, como:
Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (ANARA), Centros Familiares de
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Formação por Alternância (CEFFAS), Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da
Região Sul (FETRAF SUL/CUT), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Rede de Educação do
Semiárido Brasileiro (RESAB) etc.
Neste contexto, as políticas públicas tornaram-se de suma importância na
valorização do ensino rural.
Políticas públicas na educação
Entende-se por políticas públicas o conjunto de ações coletivas voltadas à
garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa a dar
conta de determinada demanda, em diversas áreas. Expressa a transformação daquilo
que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público. Sendo assim, políticas
públicas estariam relacionadas às ações com fins públicos de acesso a toda a população.
De acordo com Azevedo 1, a um nível mais concreto, o conceito de políticas
públicas implica considerar os recursos do poder que opera na sua definição e que tem
nas instituições do Estado, sobretudo na máquina governamental, o seu principal
referente.
A leitura do texto de Schwartzman2 deixa a impressão de que se progrediu – de
um tempo em que as políticas públicas eram formuladas e seguidas de forma clara, e
havia disposição natural para ver as coisas pelo lado bom e esperar sempre uma solução
favorável das situações sobre o que os governos podiam fazer – para a situação atual,
em que as políticas são muito mais difusas ou mesmo inexistentes.
Sabe-se hoje muito mais sobre a natureza e os limites da administração pública,
em termos gerais, e no Brasil em especial, assim como sobre suas relações complexas
com o sistema político e a cultura do País. O resultado desta maior sabedoria, no
entanto, é uma grande incredulidade a respeito do que possa ser feito pelo governo nas
formulações em políticas e levá-las a cabo. Esta impressão geral deve ser analisada sob
1
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. 3ª. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2004, pág. 5.
2
SCHWARTZMAN, Simon. Seminário Interinstitucional para a Avaliação de Políticas Públicas de
Educação – Estudos e metodologia. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 20 a 23 de novembro de
1990.
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três fatos importantes: primeiro, no período mais “otimista”, que foi o do milagre
econômico, do autoritarismo e da centralização político-administrativa do país, quando
políticas educacionais, em geral, não foram bem-sucedidas, ainda que careçam de
modelos claros para seu julgamento (o Mobral talvez seja o maior exemplo de um
projeto ambicioso que se frustrou). O segundo fato marcante é o insucesso em política
educacional, o que acontece mesmo em circunstâncias de fartura financeira, como
parece estar ocorrendo hoje na periferia das grandes cidades dos Estados Unidos. O
terceiro fato importante: muitos países conseguiram resolver de forma bastante
satisfatória seus problemas de educação básica, mesmo em condições econômicas
piores do que as brasileiras. Isto significa que, mesmo que não se saiba como, é possível
ter uma política educacional razoável, e que dê resultados satisfatórios.
A partir destes levantamentos, cabe ressaltar que as políticas públicas se
materializam através da ação concreta de sujeitos sociais e de atividades institucionais
que as realizam em cada contexto e condicionam seus resultados.
Contudo, ressalta Lucchese 3 que o acompanhamento dos processos pelos quais
elas são implementadas e a avaliação de seu impacto sobre a situação existente deve ser
permanente.
É intenso o envolvimento dos movimentos sociais nessas temáticas e, em muitos
casos, bastante especializado, tendo em vista que o enfrentamento da discriminação,
racismo, miséria, fome e das diversas formas de violência presentes na sociedade
brasileira foi protagonizado, por exemplo, por tais movimentos. Assim, ao admitir sua
responsabilidade em relação ao resgate das imensas dívidas sociais, dentre elas a
educacional, o Estado precisa conversar intensamente com esses intérpretes a fim de
desenvolver políticas públicas efetivas e duradouras.
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do
Campo – PROCAMPO
O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do
Campo – Procampo – foi formulado pelo Ministério da Educação em cumprimento às
suas atribuições na formulação de políticas públicas voltadas às populações rurais. Este
3
LUCCHESE, Patrícia T.R. et
BIREME/OPAS/OMS, 2004, pág. 3.
al.
Políticas Públicas em Saúde
Pública.
São Paulo:
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projeto tem como objetivo implementar cursos regulares de Licenciatura em Educação
do Campo nas Instituições Públicas de Ensino Superior, formando especificamente
professores para o ensino fundamental e médio nas escolas rurais, estando sob cuidado
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - Secad.
Os dados do IBGE, de que em 2006 existiam 31.294 milhões de pessoas vivendo
no campo, apontam que parcela significativa da população ocupa este espaço, o que
demonstra ser importante para o governo dispensar atenção especial a todas as áreas de
responsabilidade pública do campo. E aqui se chama atenção em especial para a
educação, pois, levando-se em conta a população com 15 anos ou mais, observa-se que
a média escolar é de quatro anos. Considerando-se este índice na população urbana, a
média sobe para 7,3 anos. Isto mostra claramente grande defasagem na educação rural,
o que ocorre mesmo com o aumento do número de escolas com os anos finais do ensino
fundamental e do ensino médio. Ou seja, ainda se está longe da universalização do
ensino médio no meio rural.
Para que ocorra melhora nessa situação, além da expansão da rede de escolas
públicas no campo, deve-se investir na qualidade dos docentes que trabalham nesses
locais. E, para isto, é imperioso modificar as atuais condições de trabalho em que a
maioria dos professore da área rural enfrenta sobrecarga de atividades, dificuldades de
acesso, salários inferiores e baixa qualificação em relação aos professores da zona
urbana. E com isso, os melhores profissionais preferem ficar na área urbana. Dessa
maneira, é possível entender muito bem os dados do censo escolar de 2006, onde se
observa que, no campo, existem 48.945 docentes que atuam nos anos finais do ensino
fundamental e no ensino médio, sem formação superior.
Exatamente neste ponto é que o Procampo entra. Ao promover a formação dos
professores que já atuam nas áreas rurais e de educadores que atuam em experiências
alternativas em educação no campo, o governo espera aumentar a qualidade dessa
modalidade de ensino, sem a necessidade de que os alunos procurem escolas urbanas
para complementar a sua formação básica. Na formação desses profissionais, o governo
pretende que exista especialização por área, da mesma maneira que ocorre nas regiões
urbanas. Mas, até com esta certa igualação ao ensino nas cidades, o ensino nas áreas
rurais não pode ser exatamente o mesmo que o ensino em uma região diferente.
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O Procampo incentivará instituições que ofereçam esta formação superior
específica a professores da área rural, e essas devem prever, em seus projetos, condições
teóricas, práticas e metodológicas para que os futuros profissionais possam agir
efetivamente na melhoria do ensino no campo. Isto não significa somente melhoria no
conteúdo específico que ele lecionará, mas auxílio na construção e implementação de
projetos pedagógicos nas escolas do campo. Outro ponto a ser verificado nos projetos é
a organização curricular. Os semestres deverão ser em regime de alternância entre
tempo-escola e tempo-comunidade. Em outras palavras, os futuros professores da área
rural deverão assistir às aulas na universidade (tempo-escola), e também observar a
relação prática-teoria-prática vivenciada nas comunidades do campo (tempocomunidade).
No
momento,
somente
quatro
universidades
públicas
federais
estão
desenvolvendo experiências: UnB, UFMG, UFBA e UFS. Na UnB, Universidade de
Brasília, ocorreu o vestibular em setembro de 2007. Com cerca de 500 inscritos para o
vestibular do curso, a UnB selecionou 60 estudantes, sendo 42 do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, 12 de assentamentos do Vale do Jequitinhonha (MG),
três de São Paulo, um do Rio de Janeiro e dois do Distrito Federal.
Nas outras universidades, o processo seletivo realizou-se no primeiro semestre
de 2008, com a abertura de novo edital para apoio a novos projetos a serem iniciados
em 2008.
Julga-se de grande importância a participação de toda a sociedade no
acompanhamento do desenvolvimento desse projeto e, em especial, de educadores que
se preocupem com a educação no campo.
População atendida pela PRONERA
Outro projeto que visa o fortalecimento do mundo rural como território de vida
em todas as suas dimensões, como econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais e
éticas é o Pronera – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -, que é
responsável pela elaboração de uma política de Educação do Campo desenvolvida em
áreas da Reforma Agrária, executada pelo governo brasileiro.
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Nesse projeto atendem-se a jovens e adultos analfabetos, com escolarização
fundamental incompleta, monitores e educadores do ensino fundamental, moradores de
Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária criados pelo INCRA ou por Órgãos
Estaduais de Terras, desde que haja parceria formal com o INCRA e esses órgãos.
Contribui na formação dos alunos universitários que atuam no acompanhamento do
trabalho dos monitores e na coordenação pedagógica. Além desses, as próprias
comunidades assentadas, também as comunidades circunvizinhas são beneficiadas.
Resultados do Pronera
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera, pelo vínculo
no processo de gestão com as universidades e por sua orientação pedagógica, tem sido
campo fértil para as pesquisas universitárias, especialmente as de caráter qualitativo.
Isto tem possibilitado, na área de alfabetização de jovens e adultos, novas experiências,
inovações pedagógicas antes inviáveis ou que aconteciam em escala reduzida, em
programas federais que costumam ter caráter centralizador e vertical. Verdadeiro
trabalho de etnografia tem sido realizado nas escolas do PRONERA. Isto tem mostrado
suas dificuldades, mas antes de tudo, a riqueza da construção de uma pedagogia que
parte da realidade próxima do
educando,
apontando
para perspectiva
de
desenvolvimento sustentável do campo.
O PRONERA, a despeito de seus problemas de operacionalização, atinge
milhares de analfabetos, praticamente, no Brasil inteiro. No ano de 2001 foi estimado
por volta de 60.000 alunos, o que exige, aproximadamente, a capacitação, e na maioria
das vezes, a escolarização de 5ª. à 8ª. séries, do ensino médio de cerca de 3.000
monitores, o envolvimento de 300 alunos universitários e a participação de 600
professores universitários, sem contar com funcionários das universidades e militantes
de movimentos, que passaram a colaborar4.
Para os movimentos sociais estes números representam grande conquista, além
da experiência de terem propiciado maior contato entre eles e as universidades, através
das parcerias. Isto possibilita assessoramento técnico-pedagógico contínuo, necessário à
4
FRAGOSO, Maria Beatriz. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária: a responsabilidade
social da universidade. RJ: Dissertação de Mestrado defendida na UFF, 2001.
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melhoria da qualidade das atividades educacionais, principalmente, do MST, que já tem
uma proposta pedagógica, pensada e estruturada.
Experiências inovadoras de educação básica rural
Dentre as experiências inovadoras de educação básica rural têm-se as EscolasFamílias Agrícolas (EFA), que são entidades educativas que promovem o
desenvolvimento sustentável do meio rural, por meio de um processo de formação dos
jovens, com ênfase no desenvolvimento de espírito de solidariedade. São escolas que
atendem a jovens oriundos de famílias que exercem atividades profissionais ligadas ao
setor agropecuário, sendo, na sua maioria, compostas por pequenos proprietários rurais.
Têm suas raízes históricas vinculadas às experiências francesas de Maisons
Familiales Rurales, originadas no sudoeste da França, em 1935, por meio da
mobilização e organização de grupo de famílias de pequenos agricultores na busca de
alternativas para a formação de seus filhos. Da França a proposta expandiu-se
gradativamente a outros paises e continentes e, na década de 1960, chegou à América
Latina. No Brasil tiveram início em meados dos anos 1960, no sul do estado do Espírito
Santo, e sua expansão e diversificação para diversos estados e regiões brasileiras deu-se
a partir de 1988.
O modelo pedagógico das EFAs baseia-se em três pontos: a alternância da
formação agrícola na propriedade, com a formação teórica geral na escola, além das
disciplinas básicas, engloba preparação para a vida associativa e comunitária; a ênfase
na participação das famílias e comunidades na condução do projeto educativo e na
gestão político-administrativa da escola; e a formação integral do jovem, nos níveis
profissional, humano e sociocultural.
O financiamento das Escolas-Famílias é fruto de negociações entre as
associações das escolas com os poderes públicos, seja ao nível estadual e/ou municipal.
Existem, ainda, situações em que são os agricultores que mantêm 60% dos recursos de
manutenção. Várias escolas contam com recursos financeiros advindos de projetos
realizados em parceria com ONGs nacionais e internacionais e com fundações.
Segundo trabalho do INEP (2003), na bibliografia consultada há controvérsias
quando se trata de evasão. De um lado, afirma-se que o índice de evasão nas EFAs é
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considerado como sendo muito baixo, chegando, em algumas escolas, a ser quase nulo.
Todavia, Queiroz5 aponta, em seu estudo, a existência de alto índice de evasão escolar,
em torno de 43%. A verdade é que varia de estado para estado e não há muitos estudos
que comprovem uma ou outra opinião.
As concepções dos envolvidos, de maneira geral, contemplam o desejo e o
compromisso na construção de uma escola e uma educação e diferenciada, que contribui
para a melhoria das suas condições de vida e de trabalho. No caso específico dos
monitores, suas representações sobre a escola convergem para aspecto comum: a
valorização do EFA como espaço de formação escolar que, enaltecendo a realidade e a
cultura do campo, tem o papel de formação de sujeitos críticos e participativos no
processo de busca das transformaçõe, necessárias no meio rural.
Casas Familiares Rurais (CFR)
Outra vertente das experiências brasileiras de formação em alternância,
vinculadas ao movimento internacional das Maisons Familiales Rurales (MFR), são as
Casas Familiares Rurais (CFR). Foi na década de 1980, coincidindo com a fase de
efetiva expansão das Escolas-Familiares Agrícolas, que ocorreu a implantação das
primeiras experiências de Casas Familiares Rurais, inicialmente no nordeste brasileiro.
Todavia, foram experiências que nasceram e tiveram seu desenvolvimento totalmente
desvinculado do movimento das EFAs, constituindo-se sob a orientação direta da Union
Nationale dês Maisons Familiales Rurales (UNMFR).
Atualmente vem ocorrendo acentuada expansão das Casas Familiares Rurais no
nordeste do país, com previsão de que, nos próximos três anos, haverá a existência de
mais de 50 na região. Nessas ações de expansão, destacam-se o envolvimento de
entidades e ONGs internacionais voltadas para a área de desenvolvimento rural. Uma
característica daí decorrente é que há articulação muito maior das Casas Familiares
Rurais com as Secretarias de Agricultura do que com as Secretarias de Educação.
Apresentam como dificuldades: a adaptação inicial ao sistema de internato, e às
famílias, dificuldades relacionadas às limitações financeiras de algumas delas na
implementação de projetos técnicos dos alunos. Quanto aos pontos fortes, são apontadas
5
QUEIROZ, J.B. de P. O processo de implantação da Escola Família Agrícola de Goiás. Dissertação de
mestrado. Universidade Federal de Goiás, 1997.
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a motivação no processo de formação e a valorização do conteúdo prático da
aprendizagem, além das vivências em grupo, e a participação das famílias. Quanto às
melhorias necessárias, são ressaltados os aspectos pedagógicos, a necessidade de
reciclagem de monitores, de ampliação dos níveis de ensino e melhoria dos recursos
pedagógicos utilizados, bem como da melhoria na participação nas atividades da escola,
maior segurança e confiança dos pais.
O estudo de Estevam6 revela expectativas do jovem da CFR em relação ao seu
futuro profissional, após o término do curso: enquanto 87,20% dos entrevistados
aspiram continuar na profissão de agricultor, os outros 12,80% pretendem continuar os
estudos, mas com profissões associadas ao meio rural, como é o caso do técnico
agrícola e do engenheiro agrônomo.
A própria comunidade constitui-se como uma associação que participa
ativamente do processo de existência e manutenção da Casa Familiar Rural. A família,
ao mesmo tempo em que compõe a associação, é contemplada com os novos
conhecimentos que os alunos recebem na Casa Familiar Rural. E neste caso, família e
Casa Familiar Rural estão intrinsecamente ligadas pelos benefícios que uma oferece à
outra7.
Escola Ativa
A Escola Ativa baseia-se no modelo pedagógico da Escuela Nueva,
implementada na Colômbia, em 1975, e hoje adotada também em diversos paises latinoamericanos.
Inspirou-se no movimento pedagógico-cultural da Escola Nova, no começo do
século XX, que pretendia romper com a educação tradicional, passiva e autoritária. A
proposta inclui estratégias inovadoras e recursos pedagógicos visando à melhoria da
qualidade e eficiência da educação em escolas multisseriadas, principalmente situadas
em áreas rurais.
No Brasil, a Escola Nova/Escola Ativa teve início no Projeto Nordeste/MEC, em
1997, e foi posteriormente adotada pelo Projeto Fundo de Fortalecimento da Escola
6
ESTEVAM, Dimas de Oliveira. Casa Familiar Rural: a formação com base na pedagogia da
alternância. Florianópolis, Insular, 2003.
7
Projeto de Reconhecimento das CFRs, SES/SC, 1996.
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(FUNDESCOLA), programa de cooperação internacional desenvolvido pelo Ministério
da Educação.
Segundo dados do Fundescola/MEC, até 2002, havia 2.702 escolas distribuídas
em 19 estados e 374 municípios, adotando o modelo da Escola Ativa. Em 2008, o
número estimado de escolas a serem atingidos foi de 4.609. Os dados comparativos de
1998 até o ano de 2003 demonstram o crescimento no número de escolas que passaram
a adotar o modelo pedagógico da Escola Ativa, sendo que o avanço ocorreu nos
mesmos estados e municípios que já haviam implementado o modelo em número
reduzido de escolas8.
As Escolas Ativas são administradas seguindo basicamente o sistema de ensino
das redes públicas, recebendo o apoio e seguindo normas estabelecidas pelas Secretarias
Municipais ou Estaduais de Educação.
No âmbito da escola, diferencial do modelo pedagógico da Escola Ativa é a
forma de gestão centrada no estudante (Gestão Estudantil). Segundo a proposta, trata-se
de uma organização dos alunos e para os alunos que visa à sua participação ativa e
democrática na vida escolar. Visa a capacitá-lo para tomar decisões responsáveis e para
o trabalho cooperativo, a gestão, a liderança e a autonomia; formá-los para cumprir seus
deveres e exercitar seus direitos.
Cabe à gestão estudantil organizar assembléia-geral de alunos para tomada de
decisão, organizar comitês de trabalho de acordo com as necessidades da escola e
comunidade, compor monitorias para as diferentes séries de estudos, que ajudarão no
acompanhamento das atividades pedidas pelos professores; e aos professores, pais,
autoridades e comunidade cabem orientar, coordenar e assessorar os planos
estabelecidos pela gestão estudantil e demais ações escolares 9.
A comunidade também faz parte da gestão da escola, uma vez que o modelo
prevê que esteja inserida na vida escolar e vice-versa. O professor deve agir como
facilitador e dinamizador nesta relação.
O próprio modelo pedagógico da Escola Ativa indica algumas técnicas para o
estudo da comunidade: observação participativa; entrevista individual ou com grupos de
moradores; pesquisa por meio de questionários a serem respondidos pela população.
8
9
Fundescola/MEC, 2002, p.66.
FundescolaMEC. Pp. 66-67.
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Espera-se que toda essa movimentação, estudo, debates, envolvendo as mais
diversas instituições e a sociedade civil na construção de uma nova educação no campo,
consiga promover uma educação específica e diferenciada, que ajude na formação
humana, emancipadora e criativa, assumindo de fato a identidade do meio rural.
Identidade essa que se expresse não só como forma cultural diferenciada, mas
principalmente, como ajuda efetiva no contexto específico, no sentido não só da
erradicação do analfabetismo e da escolarização, como da construção de um projeto de
desenvolvimento que elimine a fome e a miséria, que fortaleça a identidade e a
autonomia dos povos do campo 10 .
Bibliografia
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. 3ª. ed. Campinas,SP:
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Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
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