Quem tem medo da arte contemporânea ? Curso de Fernando Cocchiarale Conteúdo Para o senso comum a arte difere essencialmente da funcionalidade dos demais produtos humanos, já que desempenha um papel exclusivo e especial: o de nos proporcionar a contemplação estética. Desse ponto de vista, obras de arte possuiriam uma função oposta àquela dos demais objetos concebidos e produzidos para atender às necessidades práticas e utilitárias demandadas pelo cotidiano. Ainda hoje vigente tal concepção foi elaborada há relativamente pouco tempo, entre a Renascença e a segunda metade do século XVIII. Sua perenidade sustenta-se equivocadamente na aplicação (isto é, na universalização) dos discursos iluministas a respeito da arte (fundados na separação inédita entre arte e artesanato – ofício -, separação essencial para o livre exercício da contemplação estética e à noção de autonomia da arte) a todas as outras culturas passadas e presentes. A nova função da arte integra o conjunto formado pelos demais discursos laicoseculares produzidos para a operacionalização da sociedade burguesa e do capitalismo, graças ao contexto histórico único e excepcional em que foram formulados. Consequentemente as novas ideias sobre a arte estão em estreita consonância com outros discursos produzidos na mesma época como o da liberdade de expressão e religião (cidadania), democracia republicana, os direitos individuais, as ciências sociais e humanas, etc. Desde então, um enorme contingente de pessoas não consegue conceber a arte como um fenômeno cujo âmbito e função devem ser remetidos e relativizados em função dos contextos sócio-históricos e culturais O senso comum naturalizou, portanto, o conceito iluminista de arte (século XVIII) expandindo-o suas questões particulares permanentes dessa atividade, (aplicáveis a todas as culturas), tanto na esfera da produção (competência artesanal) e em seus resultados (obra, beleza, etc.), como em sua função social (a contemplação estética). Por conseguinte, um enorme contingente de pessoas ainda hoje resiste em conceber a arte como algo cujo âmbito e função não são permanentes. Desse ponto de vista noções equivocadas (como as – de validade eterna, estilo, criatividade e gênio , etc. - mencionadas por Walter Benjamin no clássico “ A obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica”) funcionam como obstáculos para a aceitação da produção moderna e, sobretudo, da produção contemporânea (cuja função não é mais estritamente “estética”). Por tais razões qualquer curso introdutório às questões teóricas e práticas da produção artística de nossos dias deve ter como objetivo principal a problematização e a desconstrução de ideias que nos levam a supor a “naturalização” da arte. 1Plano de aulas e metodologia Curso de quatro aulas, com duas horas cada (uma aula por semana, horários propostos: terças ou quintas de 10:30 às 12:30 da manhã) 1ª aula – Exame dos conceitos de arte surgidos no Ocidente: a Techné / Ars grecoromana; surgimento das teorias da arte no século XVIII, valor de culto x valor de exposição (W. Benjamin); a invenção da arte (Larry Shiner) , o fim da arte (Arthur Danto) e o fim da história da Arte (Hans Belting). 2ª aula ? Exame das transformações da produção artística do ponto de vista das conquistas artísticas e questões formuladas pelos artistas: mostrar como se dá a passagem de arte de imagens destinadas aos fiéis para uma arte produtora de obras destinadas a um público contemplador. Das paredes de templos e palácios para o quadro exposto ao observador (Surgimento da noção de indivíduo - a Revolução Francesa de 1789 - e dos estilos individuais, separação entre arte e artesanato no século XVIII); autonomia da arte, encomenda X mercado. 3ª aula – Emergência da Arte Moderna (da segunda metade do século XIX à primeira metade do século XX) ; a ruptura com o ilusionismo iniciado na Renascença (séculos XV e XVI); a planaridade objetiva do quadro; a concepção de arte como linguagem: abstracionismo, concretismo, e demais poéticas não-figurativas 4ª aula – Depois da Segunda Guerra Mundial (1939- 1945): crise do arcabouço do mundo burguês criado no século XVIII pelo Iluminismo. A guerra fria, a invenção do jovem; crise da autonomia da arte: novas propostas de relação entre arte e vida. A emergência das questões contemporâneas: Interface, contaminação e transbordamento da produção artística em direção à ética e a política. O outro cultural. Conclusão. O curso combinará a exposição de conteúdo expositivo e a apresentação de imagens de obras do período abordado. Referências Bibliográficas ARGAN, Giulio Carlo. El arte moderno. 1770-1970.Valencia: Fernando Torre Editor, 1984. Vols. I e II. BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006. BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica: arte política/ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas.São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. vol. I. CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005. COCCHIARALE, Fernando. Quem tem medo da Arte Contemporânea? Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana: Recife, 2006. DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da História. São Paulo: Edusp/Odysseus Editora, 2006. FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (Orgs.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1996. FOSTER, Hal. Recodificação: Arte, Espetáculo, Política Cultural. 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