doi number
Quim. Nova, Vol. XY, No. 00, 1-6, 200_
Nota Técnica
DESENVOLVIMENTO DE UMA TÉCNICA ULTRASSÔNICA PARA AVALIAR TEORES DE ÓLEO E GRAXA EM
EFLUENTES DE BIOCOMBUSTÍVEIS
Luciano Segné F. Silva, Douglas S. Bibiano, Monique Kort-Kamp Figueiredo e Rodrigo P. B. Costa‑Félix*
Laboratório de Ultrassom, Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), 25250-000 Duque de Caxias – RJ,
Brasil
Recebido em 09/03/2015; aceito em 12/08/2015; publicado na web em 30/09/2015
DEVELOPMENT OF AN ULTRASONIC TECHNIQUE TO ASSESS OIL AND GREASE CONTENTS IN BIOFUEL
WASTEWATER. Ultrasound as a metrology tool has many applications in health care, industrial, and chemical analyses. Ultrasonic
techniques are rapid, low-cost, non-invasive, and highly repeatable. Although ultrasound can be used to measure emulsions, no
effort had been made thus far to optimize its sensitivity for metrological analysis. In this work, a technique for analyzing oil in water
was validated. The wave velocity and attenuation were chosen as the ultrasonic parameters. The technique was implemented in the
boundary region established by law for effluents from industrial plants involved with biofuel manufacturing. A technical effort of this
study was to establish stable emulsions in concentrations close to the desired limit of study. The phase behaviours of pseudo-ternary
oil, sodium chloride, and sodium lauryl sulphate were studied. The composition in the widest region of the diagram allowed for the
formation of a stable emulsion, from which the ultrasound measurement was carried out. An analytical curve was obtained using
ultrasonic attenuation to determine the content of oils and greases in wastewater ranging 15–240 ppm. The speed of sound did not
appear to be an applicable parameter for this application. The technique was demonstrated to be an important alternative solution for
the continuous monitoring of wastewater with regard to oil concentrations.
Keywords: ultrasound; biofuel wastewater; oil-in-water emulsion; metrology.
INTRODUÇÃO
Setores de combustíveis geram grande quantidade de água oleosa como rejeito de seus processos de extração ou beneficiamento
de óleos para produção de biocombustíveis. Segundo o relatório da
Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, em
2011, a capacidade nominal de produção de biodiesel no Brasil foi de
2,7 bilhões de metros cúbicos com um volume estimado de efluente
bruto de 540 milhões de litros.1
Paralelamente ao aumento da produção de biocombustíveis,
observa-se, também, a crescente preocupação com os rejeitos dos
processamentos de bio-óleos que podem ser dispensados no meio
ambiente. Estima-se que na produção de biodiesel pelo processo de
transesterificação seja gerado um volume aproximado de 20% de
efluentes. Alguns métodos de extração e lavagem podem gerar cerca
de 100 L de efluentes para cada 300 L de biodiesel.2
O descarte de efluentes em corpos receptores naturais precisa
atender aos níveis adequados de teor de óleos e graxas em água (TOG),
definidos por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente,
CONAMA, Resolução nº. 430 de 2011. Nesta, os limites diários
permitidos para o lançamento de água contendo óleos vegetais não
deve ultrapassar 50 ppm.3
A maioria das plantas industriais de biodiesel é projetada com
reatores em batelada, onde a reação de transesterificação de triacilglicerídeos ocorre pela adição de quantidades estequiométricas de óleo,
metanol (ou etanol) e catalizador em um tanque, sob aquecimento, no
tempo mínimo de uma hora. Quando a reação se completa, a mistura
reacional é colocada em repouso para que haja a separação entre
uma camada de biodiesel e uma camada de glicerol, que é drenada.
A camada de biodiesel segue para purificação em um processo de
lavagem.4,5 A água utilizada na purificação do biodiesel pode conter
resíduos do óleo, como triacilglicerídeos e diacilglicerídeos, álcool
*e-mail: [email protected]
que não reagiu, ácidos graxos, glicerina, sabão, sais de potássio ou
de sódio, carotenóides e outras substâncias residuais específicas da
biomassa utilizada.6,7
Dependendo da especificidade do processo uma quantidade
relevante de ácidos graxos pode estar presente na água produzida.
No óleo de soja, por exemplo, estão presentes frações expressivas do
ácido linolênico (13%), ácido linoleico (45%), ácido oleico (21%)
e ácidos saturados (17%).8 A estrutura dessas substâncias merece
atenção quanto ao estudo do comportamento de fases de emulsões
de óleo de soja em água e quanto à determinação do teor de óleos e
graxas em água (TOG). Ácidos graxos e alguns carotenóides presentes
nos óleos vegetais possuem estrutura com propriedades anfifílicas,9
como representado na Figura 1, tendo estruturas semelhantes às dos
surfactantes (uma cabeça polar e uma cadeia hidrocarbônica apolar).
Em regime de escoamento turbulento, como ocorre nos processos de lavagem do biodiesel, os surfactantes diminuem a tensão
O
S
(1)
O- Na+
O
O
(2)
(3)
(4)
OH
O
OH
O
OH
Figura 1. Substâncias anfifílicas: (1) surfactante lauril sulfato de sódio;
principais ácidos graxos presentes no óleo de soja: (2) ácido oleico, (3) ácido
linoleico e (4) ácido linolênico
2
Silva et al.
superficial ou interfacial e promovem a formação de emulsões ou
microemulsões.10
Dentre as técnicas de determinação de TOG,11-15 a técnica de
espectroscopia na região de infravermelho é bastante utilizada, porém,
apresenta limitações como a necessidade de extração com solvente
específico, o tetracloroetileno. Segundo Kaloudis,16 a extração de
óleos e graxas consome 90 mL de solvente para 1 L de amostra e
a preparação para análises consome 100 mL de solvente para 1 mL
de material extraído. O uso do solvente onera o processo e eleva os
teores de resíduos. Kaloudis ressalta, ainda, que métodos ópticos são
ineficientes para amostras turvas devido ao espalhamento da radiação.
Por outro lado, a técnica de ultrassom apresenta vantagens em
relação à espectroscopia na região de infravermelho e possibilita a
análise direta das amostras, incluindo amostras turvas, sendo uma
técnica amigavelmente ecológica, pois não há necessidade de extração
e preparação.17-22 Além disso, dispensa o uso de solventes orgânicos,
reduzindo os resíduos do processo de medição. O uso de apenas alguns parâmetros de ultrassom, tais como velocidade de propagação
ou atenuação de ondas que podem fornecer informações sobre o TOG
em água nos efluentes de processos.
Neste trabalho, foi realizado um estudo de viabilidade de uma
técnica ultrassônica para avaliar a concentração de óleo vegetal em
água na região próxima do limite inferior demandado por lei. A
técnica poderá ser utilizada em efluentes de plantas industriais para
fabricação de biocombustíveis, particularmente biodiesel.
Tensão superficial e estabilização de emulsões
A estabilidade de emulsões depende fortemente da atividade
dos surfactantes na interface. A interface é uma região na qual as
propriedades físico-químicas são particularmente diferentes daquelas
mesmas propriedades presentes nos dois meios, separadamente.
A convenção de Gibbs para uma interface possibilitou introduzir
o conceito de tensão superficial ou interfacial, desenvolvida a partir
da Equação 1, conhecida como equação de Gibbs-Duhem.17
dGσ = − S σ dT + Ad γ + ∑ni dµ i (1)
em que dGσ é um elemento infinitesimal de energia livre na superfície; Sσ é a entropia da superfície; dT é um elemento infinitesimal de
temperatura; A é a área da superfície; dγ é um elemento infinitesimal
de tensão superficial e ni é o número de moles do componente i com
potencial químico infinitesimal dµi.
A tensão superficial (γ) pode ser descrita como a quantidade de
energia livre por unidade de área a uma data temperatura, pressão e
composição constantes, como representado pela Equação 2.
 ∂G σ 
γ =
(2)
 ∂A  P, T, n
i
O aumento da tensão ocorre em resposta à diminuição da área da
interface. Naturalmente, o decréscimo da área é resultado de um arranjo
das moléculas para minimizar as forças repulsivas na interface. Dessa
forma, a interface atua como se fosse um filme elástico esticado.23
A adsorção de surfactantes em uma monocamada superficial
promove a elevação da energia livre da superfície, pois a área superficial aumenta como resultado de um novo arranjo para minimizar
as interações repulsivas entre as moléculas polares de um líquido e
a cadeia lipofílica do surfactante.
A redução da tensão superficial possibilita que uma fase molhe
a outra e melhore a difusão entre elas. Entretanto, o acúmulo de
surfactantes na superfície ocorre apenas até que todos os sítios de
adsorção disponíveis sejam ocupados, atingindo uma concentração
micelar crítica (CMC).24
Quim. Nova
Nas emulsões de óleo em água (O/A) a fase oleosa fica dispersa
na fase aquosa, de tal modo que o óleo fica retido em estruturas
globulares ou pseudoglobulares, chamadas de micelas, formadas e
estabilizadas devido à atividade tensoativa que algumas substâncias
apresentam. Isto ocorre a partir da CMC, nível de concentração no
qual as moléculas de surfactantes não se acumulam mais na superfície
e migram para a parte mais interna do líquido formando micelas,25
como representado na Figura 2.
água
óleo
camada
de surfactantes
Figura 2. Representação de uma micela globular
A configuração micelar em uma fase aquosa consiste na interação
entre a parte polar das moléculas surfactantes com as moléculas de
água e a parte apolar entre as cadeias hidrocarbônicas dos surfactantes formando partículas esféricas ou elipsoidais, que podem possuir
diâmetros de 100 µm a 10 µm nas emulsões e menores de 0,1 µm nas
microemulsões. Essas partículas conferem ao líquido características
de uma suspensão coloidal.26
Nos estudos de sistemas emulsionados é necessário otimizar a
composição química que confere maior estabilidade, a fim de se evitar
a coalescência das micelas e possibilitar que os ensaios sejam feitos
em condições de repetibilidade. Isto pode ser feito por meio do estudo
de diagramas de fases ternário27 água, óleo e surfactante ou pelo estudo
de comportamento de fases de diagramas pseudoternários,28 a fim de
se definir uma composição na qual as micelas permaneçam estáveis
durante todo o experimento. Nos métodos de análise de emulsões
por ultrassom, este sistema atua como obstáculo à onda ultrassônica,
alterando os parâmetros monitorados.29
Medições por ultrassom
O ultrassom compreende um tipo de onda acústica capaz de
transportar energia vibracional com frequências superiores a 20
kHz, isto é, fora dos limites da audição humana (20 Hz a 20 KHz).
São ondas mecânicas e podem ser produzidas em virtude das propriedades piezelétricas que alguns materiais exibem ao gerar uma
deformação como resposta a uma diferença de potencial aplicada.
Quando a onda ultrassônica atravessa um meio, o deslocamento de
partículas ou moléculas de suas configurações normais promove o
aparecimento de uma força elástica interna restauradora, que numa
sinergia à inércia do sistema torna o material capaz de entrar em
movimento oscilatório, transmitindo energia e alterando a magnitude
de parâmetros ultrassônicos.30
Atualmente, existe uma ampla literatura de técnicas de ultrassom
utilizadas em ensaios não destrutivos em líquidos e suspensões. A
utilização de ensaios não destrutivos para medir a concentração de
partículas é altamente visada na indústria por ser não intrusiva e não
invasiva, não interferindo na produção durante o processo no qual
o material está inserido.31,32 Por esse motivo, o ultrassom representa
uma grande vantagem em relação às técnicas tradicionais para medir o TOG nas águas oriundas de processos de extração de óleos e
biocombustíveis.
Vol. XY, No. 00
Desenvolvimento de uma técnica ultrassônica para avaliar teores de óleo e graxa em efluentes de biocombustíveis
Ultrassom na medição de TOG
Ultrassom como ferramenta metrológica tem diversas aplicações na área da saúde,17 industrial,18 e mesmo em análises químicas
específicas.19 As vantagens são as mesmas nas diversas aplicações,
a saber: rapidez, baixo custo, não invasão do meio analisado e
grande repetibilidade. Embora seja possível usar ultrassom para
medir emulsões,20 incluindo teores de óleos e graxas em água, até
o momento não havia sido feito um esforço para se estabelecer em
bases metrológicas a sensibilidade da técnica. O presente trabalho
pretende preencher esta lacuna. Para tanto, foram escolhidos como
parâmetros ultrassônicos a velocidade de propagação e atenuação
ultrassônica.
Velocidade de propagação e atenuação de ondas de ultrassom
A onda de ultrassom se propaga de forma semelhante à propagação da onda eletromagnética, em um caminho retilíneo a partir
de uma fonte. Em um meio homogêneo ocorrem perdas de energia
por absorção sonora que são ainda mais pronunciadas nos meios
heterogêneos, como emulsões ou suspensões. O deslocamento
dos parâmetros de tempo de voo e amplitude possibilitam inferir
a velocidade e a atenuação da onda de ultrassom ao percorrer
um meio.33,34 A velocidade de propagação pode ser expressa pela
Equação 3.
v=
cH 2O Г H 2O
Г O /A
[m/s]
3
Medição da atenuação de ultrassom
Preparação de amostras para a curva analítica
Foi preparada uma emulsão com 3000 ppm de óleo de soja,
500 ppm de SLS e 250 ppm de NaCl utilizando um agitador tipo
vórtex, com velocidade de 2800 rpm, por cinco minutos e diluída para
seis níveis de TOG: 240, 180, 160, 120, 60, 30 e 15 ppm. As frações
de TOG foram deixadas em repouso pelo tempo mínimo de 24 h. Uma
amostra de água deionizada foi usada como líquido de referência.
Configuração experimental
As amostras de TOG foram analisadas pelo método de emissão
e recepção de ultrassom. Neste procedimento, dois transdutores de
ultrassom de frequência nominal de 15 MHz e diâmetro 12,5 mm
(Panametrics-NDT - Olympus Corporation, Japan) são alinhados, verticalmente, entre a célula que contém a amostra, cuja configuração está
representada na Figura 3. O Gerador de funções A (Agilent 33250A/80
MHz) emite o sinal elétrico para o transdutor emissor B, que converte
o sinal elétrico em ondas mecânicas, as quais atravessam a amostra C
e atingem o transdutor receptor D, sendo novamente convertidas em
sinal elétrico que é digitalizado pelo osciloscópio E (Agilent DSO-X
3012A/100MHz). A temperatura é monitorada pelo termopar ligado
a um modo de aquisição de dados F (Agilent 34970A).
(3)
em que cH2O é a velocidade de propagação da água em m/s, ΓH2O é o
intervalo de tempo em que a onda percorre a célula contendo água, e
ΓO/A é o intervalo de tempo em que onda percorre a o espaço contendo
a amostra. Mas a velocidade de propagação na água, cH2O , é descrita
na Equação 4 como uma função de temperatura20
cH 2 O = A + B ⋅ T + C ⋅ T 2(4)
em que A, B e C são constantes. E a atenuação de ultrassom pode ser
expressa pela Equação 5
 VH O 
20 ⋅log  2 
 VO/A 
dB ⋅cm- 1  (5)
ATE =
XE
em que
VH 2O
VO /A
é a razão dos sinais de amplitude entre a água e a
amostra, respectivamente, e XE é a espessura da amostra.
PARTE EXPERIMENTAL
Comportamento de fases
Construção de diagramas de fases
Para estudar o comportamento de fases de sistemas pseudoternários, foram preparados os seguintes componentes: A uma emulsão contendo óleo de soja: glicerol: água deionizada na proporção
de 1:3:6, respectivamente, B uma solução aquosa com 0,05% de
cloreto de sódio (NaCl) e C três soluções aquosas do surfactante
lauril sulfato de sódio (SLS) em três níveis de concentração (0,10%;
0,05% e 0,0025%). A emulsão A foi preparada usando um agitador
tipo vórtex com velocidade de rotação de 2 800 rpm, no tempo de
cinco minutos. Em seguida, foram preparadas 10 frações analíticas
dos componentes A e B. Cada fração foi titulada pela solução C em
um nível de concentração. O ponto final da titulação foi anotado no
momento do aparecimento de turbidez. Todos os pontos titulados
foram plotados em diagramas pseudoternários.
Figura 3. Configuração experimental do método de emissão e recepção de
ultrassom
Aquisição dos dados
A aquisição dos parâmetros tempo de voo e amplitude da onda ultrassônica foi realizada por um software desenvolvido no Laboratório
de Ultrassom do Inmetro, na plataforma LABVIEW®. Os dados foram
utilizados para cálculo da velocidade e atenuação de ultrassom em
cinco replicatas com incerteza de medição associada em cada nível
de concentração.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Comportamento de fases dos pseudoternários
A construção de diagramas de fases possibilitou aperfeiçoar uma
composição química, na qual foi observada uma região monofásica
maior e mais estável, fixando-se a composição da emulsão de óleo
de soja e da solução de NaCl. Conforme observado na Figura 4,
apenas a composição inicial do surfactante SLS foi modificada a
cada diagrama, gerando regiões monofásicas representadas pelas
áreas escuras (em vermelho).
A maior região de emulsão na área escura do diagrama com
0,025% de SLS pode ser atribuída a uma melhor estabilização
4
Silva et al.
Quim. Nova
elasticidade ou na densidade entre as amostras de TOG e o líquido
de referência (água deionizada).
Atenuação
A atenuação de ondas ultrassônicas depende da distância percorrida pela onda. A fim de otimizar um espaçamento entre os transdutores, capaz de gerar uma resposta metrologicamente confiável, foi
realizada uma varredura da amplitude e da distância vertical entre os
transdutores. A atenuação é uma função logarítmica da razão entre
a amplitude da água e a amplitude da amostra. Ao percorrer grandes
deslocamentos, a atenuação mais acentuda faz com que os valores
medidos sejam muito pequenos. Observou-se empiricamente que
distâncias inferiores a 3 cm resultam em sinais com melhor relação
sinal/ruído, portanto mais facilmente detectáveis e mensuráveis. Para
os experimentos deste trabalho foi escolhido o afastamento de 2,7
cm para a construção de uma curva analítica.
Figura 5. Dependência das amplitudes em relação a distância entre os
transdutores
Figura 4. Diagramas pseudoternários de óleo de soja/SLS/NaCl
em função da contribuição de ácidos graxos na redução da tensão
superficial e pelas ligações de hidrogênio entre as moléculas de
glicerol e água. A presença desses ácidos graxos pode afetar a
esfericidade na formação das micelas, pois as insaturações cis,
comum nos óleos vegetais, dificultam a sobreposição das cadeias
hidrocarbônicas e podem alterar a estrutura organizacional dos
agregados surfactantes, que é muito dependente da elasticidade da
camada que separa as fases.35
O efeito da adição do eletrólito cloreto de sódio é um fator
importante para o aumento da estabilidade da emulsão, já que os
cátions de sódio estabilizam as cargas aniônicas do SLS, favorecendo
o equilíbrio de forças coulombianas,36 bem como o aumento da força
iônica. Desta forma, é possível estabelecer um melhor equilíbrio
intermicelar nos sistemas emulsionados ou microemulsionados.37
Os deslocamentos dos valores de amplitude da onda ultrassônica
entre os seis níveis de concentração estudados propiciaram a construção de uma curva analítica, representada na Figura 6, na qual é
possível observar que a atenuação depende lineramente do TOG em
água, tendo suas incertezas de medição associadas, em cada nível,
pelas barras verticais.
Velocidade de propagação
Figura 6. Curva analítica da atenuação ultrassônica
A faixa de concentração das amostras de TOG entre 15 a 240
ppm apresentou sensibilidade muito baixa ao tempo de vôo da onda
ultrassônica, sendo ineficiente para gerar respostas metrologicamente
confiáveis. A velocidade de propagação depende fortemente da elasticidade e da densidade do meio.38 Como os níveis de concentração
estudados são muito pequenos, não há modificações relevantes na
Incerteza de medição
A incerteza de medição é um parâmetro positivo que fornece
características da dispersão dos valores de um mensurando.39 No
presente trabalho, a incerteza foi calculada em conformidade com
o Guia de Expressão para a Incerteza de Medição– GUM,40 que
Vol. XY, No. 00
Desenvolvimento de uma técnica ultrassônica para avaliar teores de óleo e graxa em efluentes de biocombustíveis
recomenda uma estimativa pela avaliação da incerteza de medição dos
Tipo A e B. Especificamente, a incerteza Tipo A é estimada por uma
distribuição estatística de uma série de medições, caracterizadas por
desvios-padrão. Na avaliação do Tipo B foram levadas em consideração as informações de precisão dos manuais dos instrumentos, tendo
sido estimadas como uma da incerteza de medição. A declaração da
incerteza de medição é feita com a combinação das variâncias Tipo
A e B conforme as expressões do GUM.
Cálculo de incerteza de medição
O cálculo da incerteza de medição é realizado a partir da Equação
6 do mensurando atenuação (ATe)
5
de amostra, s é o desvio padrão, e Sm é o coeficiente angular da curva
analítica que representa a sensibilidade do método; O menor valor
do TOG que pode ser distinguido em uma amostra de água, LD, é
de 41 ppm e o menor valor que pode ser quantificado pelo método,
LQ, é de 67 ppm.
Linearidade
Conforme a Figura 7 mostra, a dispersão dos resíduos do modelo
linear não apresenta uma tendência (linear, polinomial, exponencial,
dentre outros). Isto significa que a variância residual é realmente
aleatória e que o modelo linear consegue fornecer dados metrologicamente confiáveis entre as suas variáveis.43
 νH O 
20 ⋅ log  2 
 νTOG 
ATe =
(6)
x
em que ATe é a atenuação de ultrassom, vH2O é a amplitude média
de 10 ciclos homogêneos da onda de ultrassom na água, vTOG é a
amplitude média de 10 ciclos homogêneos da onda de ultrassom na
amostra. A incerteza combinada da atenuação pode ser calculada
pela Equação 7
2
2
2
2
 ∂ATE
  ∂ATE
  ∂ATE   s 
ucATe = 
⋅uVH O  + 
⋅uVTOG  + 
⋅ uX + 
(7)
2
  N 
  ∂X
 ∂VH2O
  ∂VTOG
em que uVH2O, uVTOG uTH2O e uTTOG representam as estimativas Tipo B
de incerteza de medição da amplitude de onda de ultrassom na água,
da amplitude de onda de ultrassom na amostra e do espaço percorrido pela onda de ultrassom, respectivamente; e o quarto termo da
Equação 7 é uma estimativa Tipo A da incerteza de medição, em que
s representa o desvio padrão da amplitude de ultrassom na amostra
de um conjunto N de 5 replicatas.
A incerteza de medição precisa ser ponderada por um fator
multiplicador k, levando-se em consideração uma distribuição-t com
v = veff graus de liberdade efetivos v = veff e probabilidade p de 0,95.
Os graus de liberdade efetivos, veff , são obtidos pela Equação 8
νeff =
ucATe 4
(8)
4
N  ui (x) 
∑ i=1  N - 1 
em que ucATe é a incerteza combinada da atenuação, ui(x) é a estimativa tipo A de incerteza de medição do componente i. Isto nos
permite calcular a incerteza de medição expandida, UATe, definida
pela Equação 9.
UV = k ⋅ ucATe (9)
Limite de detecção e limite de quantificação
O limite de detecção (LD) e o limite de quantificação (LQ)41,42
foram calculados a partir de um conjunto de 5 medições do branco
de amostas (amplitude da água), considerando uma distribuição-t em
um intervalo de confiança de 97,5% para o LD e 99,5% para o LQ,
de acordo com as Equações 10 e 11
LD =
(x + t(
LQ =
(x + t(
0,975;4 )
Sm
0,995;4 )
Sm
)(10)
⋅s
)(11)
⋅s
em que –x é a amplitude média de uma série de 5 medições do branco
Figura 7. Avaliação dos resíduos da equação linear
CONCLUSÃO
Foi desenvolvida e validada uma técnica para analisar teores
de óleo e graxa em água utilizando-se os parâmetros ultrassônicos
Velocidade de Propagação e Atenuação. A técnica foi estudada
na região limite estabelecido por lei para os efluentes de plantas
industriais de fabricação de biocombustíveis.3 O uso de ultrassom
em aplicações metrológicas não é recente, inclusive para medir
emulsões.20 Entretanto, não está disponível na literatura um estudo
dos parâmetros metrológicos fundamentais, tais como incerteza de
medição, limite de detecção, limite de quantificação e linearidade do
emprego do ultrassom para esta finalidade.
Uma dificuldade técnica deste estudo foi estabelecer emulsões
estáveis em concentrações próximas ao limite estabelecido por lei.
Para tanto, foi estudado de forma sistemática o comportamento de
fases dos pseudoternários de óleo de soja, cloreto de sódio e lauril
sulfato de sódio. Estes estudos possibilitaram a formulação de uma
amostra de emulsão cuja composição otimizada com 10% do óleo,
500 ppm do eletrólito e 250 ppm do surfactante demostrou maior
estabilidade. Dessa forma, os ensaios puderam ser realizados em
condições de repetibilidade com diluições da amostra dentro da região
monofásica do diagrama. Os resultados demostraram que a velocidade
de propagação não produz respostas satisfatórias com a variação dos
níveis de concentração por causa da semelhança das propriedades
elásticas entre os líquidos. Entretanto, a atenuação de ultrassom
mostrou-se um bom parâmetro para avaliar o teor de óleos e graxas
(TOG) em efluentes de processos industriais. A justificativa é dada
pela atenuação que responde linearmente à variação de TOG, com
sensibilidade de 2,2 × 103 dB cm1 ppm-1, bem como pela linearidade
verificada pela dispersão dos resíduos do modelo linear, demostrando
que a variância residual é, de fato, aleatória, sendo considerado um
modelo adequado. A incerteza de medição foi estimada em cada
um dos seis níveis de concentração estudados, tornando possível a
construção de uma curva analítica capaz de fornecer respostas com
6
Silva et al.
qualidade metrológica para determinar a concentração de TOG em
água na faixa de 15 a 240 ppm, tendo em vista o LD definido em 41
ppm e o LQ em 67 ppm. Desta forma, o método desenvolvido está
sendo indicado para a determinação de TOG em efluentes do biodiesel
e como triagem de métodos químicos com maior sensibilidade para
determinar esse parâmetro nas proximidades do seu limite previsto
por resolução do Conama3 (50 ppm para óleos vegetais).
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao CNPq (Processo 310.392/2014-4) e à Faperj
(Processo E-26/201.563/2014).
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Nota Técnica - Química Nova