Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Lato Sensu em Relações Internacionais e Diplomáticas da
América do Sul
Trabalho de Conclusão de Curso
A COMUNIDADE DOS ESTADOS LATINO-AMERICANOS E
CARIBENHOS: FORMAÇÃO HISTÓRICA, BASES
IDEOLÓGICAS, POTENCIALIDADES E DESAFIOS
Autor: Douglas Andrade da Silva
Orientador: Prof. MSc. Creomar Lima Carvalho de Souza
Brasília - DF
2013
DOUGLAS ANDRADE DA SILVA
A COMUNIDADE DOS ESTADOS LATINO-AMERICANOS E
CARIBENHOS: FORMAÇÃO HISTÓRICA, BASES
IDEOLÓGICAS, POTENCIALIDADES E DESAFIOS
Trabalho de Conclusão de Curso ao
Programa de Pós-Graduação Lato
Sensu em Relações Internacionais e
Diplomáticas da América do Sul da
Universidade Católica de Brasília,
como requisito parcial para a
obtenção
do
certificado
de
Especialista
Orientador: Prof. MSc.
Lima Carvalho de Souza
Brasília
2013
Creomar
RESUMO
SILVA, Douglas Andrade da. A Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos: formação histórica, bases ideológicas,
potencialidades e desafios. 2013. 24 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Relações Internacionais e Diplomáticas da América do Sul). Universidade
Católica de Brasília, Brasília, 2013.
Integração regional tornou-se tema premente na dinâmica internacional
contemporânea. No continente americano, ao complexo arranjo institucional
regional, formado por distintas organizações internacionais, com diferentes
propósitos e escopos, foi adicionada, em 2010, uma nova instituição: a
Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), resultado
da fusão entre o Grupo do Rio e a Cúpula da América Latina e do Caribe sobre
Integração e Desenvolvimento. A CELAC é composta por todos os 33 países
latino-americanos e caribenhos e almeja, como objetivo mais evidente,
apresentar a região como um ator coeso e capaz de atuar de modo concertado
no sistema internacional. O presente trabalho, no esforço de melhor
compreender a recente organização, apresenta a recuperação histórica do
contexto no qual suas bases foram estabelecidas, a análise de seus
documentos constitutivos, a ideologia responsável por sua criação e as
possíveis oportunidades e desafios que sua atuação implica para a dinâmica
regional.
Palavras-chaves: Integração regional. América Latina e Caribe. CELAC.
2
ABSTRACT
SILVA, Douglas Andrade da. A Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos: formação histórica, bases ideológicas,
potencialidades e desafios. 2013. 24 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Relações Internacionais e Diplomáticas da América do Sul). Universidade
Católica de Brasília, Brasília, 2013.
Regional integration has become a pressing issue in contemporary international
dynamics. In the Americas a new institution was added, in 2010, to the complex
regional institutional arrangement, formed by different international
organizations, with different purposes and scopes: the Community of Latin
American and Caribbean States (CELAC), a fusion of the Grupo do Rio and the
Latin America and the Caribbean Summit on Integration and Development. The
CELAC is comprised of all 33 Latin American and Caribbean countries and
aims, as a more evident purpose, to present the region as an actor cohesive
and able to act in a concerted manner in the international system. This work, in
an effort to better understand the recent organization, presents the historical
recovery of the context in which its foundations were laid, the analysis of its
constitutive documents, the ideology responsible for its creation and the
potential opportunities and challenges that it represents for the regional
dynamics.
Keywords: Regional integration. Latin American and Caribbean. CELAC.
3
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos:
formação histórica, bases ideológicas, potencialidades e
desafios
1. Introdução
Integração regional tornou-se tema premente na dinâmica das relações
internacionais contemporâneas, especialmente a partir da segunda metade do
século XX. Os desafios impostos pela globalização levaram os Estados a
perceber a necessidade de aproximação com seus vizinhos como forma de
fortalecer sua inserção internacional.
As diplomacias do século XXI
compreenderam que atuação isolada implica desvantagens significativas, tanto
em termos políticos quanto em termos econômicos, e iniciaram esforços
diversos para promover a aproximação com atores considerados estratégicos,
a começar pelos de suas regiões.
No continente americano, os mecanismos de integração regional são
múltiplos e apresentam objetivos e esferas de atuação diversos: Organização
dos Estados Americanos (OEA), União de Nações Sul-Americanas (UNASUL),
Mercado Comum do Sul (Mercosul), Associação Latino-Americana de
Integração (ALADI), Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional SulAmericana (IIRSA), Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), Comunidade
do Caribe (CARICOM), Comunidade Andina de Nações (CAN), Aliança do
Pacífico. Ao complexo arranjo institucional regional somou-se, em 2011, um
novo organismo, exaltado por ser o único a reunir, exclusivamente, os 33
países latino-americanos: a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (CELAC).
O presente artigo pretende apresentar uma reflexão sobre o novo
organismo. A discussão sobre a Comunidade ainda é incipiente, apesar de sua
relevância para o Brasil e para a região, porque sua constituição é recente e
sua consolidação ainda não foi concluída. Há, portanto, o risco sempre
presente em analisar um processo que ainda não apresentou resultados
4
mensuráveis; existem, no entanto, aspectos relevantes que permitem algumas
reflexões sobre a CELAC e sobre sua importância para a região. O presente
trabalho procurará apresentar e discutir esses aspectos e, para isso, será
dividido em quatro seções.
Na primeira seção, será apresentado o processo de formação histórica
da CELAC, constituída a partir de arranjos institucionais criados nos anos 1980.
Serão abordados, desse modo, seus antecedentes históricos, fundamentais
para melhor compreender o contexto em que suas raízes foram constituídas e
as concepções que as embasaram. A seção seguinte procurará determinar, por
meio da análise dos documentos constitutivos, o que é a CELAC: seus
objetivos, seu modo de funcionamento e sua estrutura. Na terceira seção,
serão apresentadas as concepções políticas e ideológicas que fundamentaram
a criação da instituição, além do contexto político regional que possibilitou a
constituição de uma organização dessa natureza. Por fim, serão propostas
algumas considerações sobre as potencialidades e as vantagens do novo
arranjo regional e sobre seus desafios e suas fragilidades. Objetiva-se, assim,
oferecer uma contribuição para a compreensão de um mecanismo de
integração regional recente e de sua relevância para a região e para o Brasil.
2. De Contadora à Cúpula da Unidade
Durante o fim dos anos 1970 e início dos 1980, a América Central e o
Caribe transformaram-se em zonas de conflito de alta intensidade. Movimentos
sociais e revolucionários de libertação nacional recorreram às armas contra
regimes autoritários e oligárquicos. Os conflitos extrapolaram o âmbito regional
e inseriam-se na lógica da Guerra Fria, que passava por transformações
significativas.1 Em Granada, um movimento popular insurgiu-se contra a
ditadura que governava o país e formou um regime revolucionário em 1979. Os
Estados Unidos rapidamente rechaçaram o novo governo, por considerá-lo
“hostil” e “perigoso”, e conduziram uma intervenção militar em 1983, que
1
Após um período de afrouxamento das tensões, conhecido como détente, os atritos entre
Estados Unidos e União Soviética voltaram a ganhar força. Episódios como a invasão soviética
ao Afeganistão (1979), a Revolução islâmica no Irã (1979), a ascensão de Margaret Thatcher
no Reino Unido (1979) e Ronald Reagan nos EUA (1981) marcaram esse momento, que
muitos historiadores chamam de Segunda Guerra Fria (HOBSBAWM, 1995).
5
interrompeu o processo revolucionário. Na Guatemala, durante as décadas de
1970 e 1980, as forças armadas travaram uma “guerra suja” contra os grupos
de guerrilha rural e os opositores urbanos, como estudantes ativistas e líderes
sindicais.
Na Nicarágua, que desde a década de 1930 era governada como uma
propriedade privada por uma única família, os Somozas, um movimento
revolucionário denominado Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN)
conduziu uma prolongada resistência que culminou, em 1978, com uma
rebelião generalizada, pondo fim ao governo de Anastasio Somoza. Em El
Salvador, o governo oligárquico fortemente anticomunista das “quatorze
famílias”, ou, às vezes, “as quarenta famílias”, tornou-se uma vitrine da Aliança
para o Progresso dos Estados Unidos. As condições da grande maioria dos
salvadorenhos, no entanto, eram desastrosas. O exército salvadorenho,
treinado e equipado pelos Estados Unidos, conduziu uma sangrenta batalha
contra os movimentos revolucionários do país, como a Frente Farabundo Martí
de Libertação Nacional (FMLN), que durou até os anos 1990 (BOERSNER,
1996; CHASTEEN, 2001).
A América Central viveu um período de indiscriminada violência. 2 Os
Estados Unidos, mergulhados na concepção de mundo da Guerra Fria, lidavam
com esses conflitos de modo maniqueísta: apoiando indiscriminadamente
aqueles
atores
que
considerava
“anticomunistas”
e
combatendo
os
“comunistas”. Demetrio Boersner (1996, p. 270, tradução nossa), no entanto
alerta para o fato de que
esta ampla guerra civil centro-americana não se tratava de um
choque entre os partidos ideológicos da Guerra Fria –
marxistas versus defensores do capitalismo –, mas os fatores
determinantes eram de natureza endógena. A revolução do
povo campesino, trabalhador e de classe média contra as
tiranias político militares e oligárquicas era autêntica e
profundamente sentida.
É nesse cenário que Colômbia, México, Panamá e Venezuela decidiram
coordenar esforços para promover a paz na região e evitar intervenções
2
Um caso em particular exemplifica essa indiscriminada violência. Em 1981, um batalhão de
elite salvadorenho, treinado nos Estados Unidos, entrou na minúscula aldeia de El Mazote, em
El Salvador, e assassinou, sistematicamente, quase todos os habitantes: centenas de homens,
mulheres e crianças desarmados e que não opuseram resistência. Os militares, amparados em
uma informação incorreta, acreditavam tratar-se de uma base guerrilheira (CHASTEEN, 2001).
6
militares dos Estados Unidos nos países centro-americanos e caribenhos. Os
chanceleres se reuniram, em 1983, na ilha panamenha de Contadora, razão
pela qual esses quatro países ficaram conhecidos como Grupo de Contadora.
O grupo foi criado em resposta à retomada da política intervencionista
estadunidense na América Central, durante o primeiro mandato do presidente
Ronald Reagan, materializada na invasão de Granada, em 1983. Boersner
(1996, p. 271, tradução nossa) explica que
entre 1983 e 1985, os presidentes e chanceleres de Contadora
trabalharam incansavelmente com o objetivo de promover uma
paz democrática na América Central. Junto com os governos
do próprio istmo, elaboraram um plano de paz em setembro de
1984. Com diversas revisões e modificações, o conteúdo desse
plano serviu de base para a pacificação paulatina da
Nicarágua.
Na reunião que deu origem ao grupo, Colômbia, México, Panamá e
Venezuela expressaram sua preocupação com o agravamento do conflito
centro-americano e com a crescente ingerência externa. É interessante notar a
participação de Colômbia e Panamá no Grupo de Contadora, já que os dois
países participavam, também, do Foro Pró-Paz e Democracia, o primeiro como
membro pleno e o segundo como observador. O Foro, uma iniciativa
patrocinada pelos Estados Unidos para isolar diplomaticamente o governo
sandinista na Nicarágua, era composto pelos próprios estadounidenses, por
Honduras, El Salvador, Costa Rica, Belize, Jamaica e Colômbia. Nesse
sentido, o Grupo de Contadora representa o início do abando de posições
isoladas e a busca de ações concertadas nas diplomacias latino-americanas,
com maior grau de autonomia e de neutralidade. Mesmo tradicionais aliados
dos Estados Unidos mostraram a possibilidade de reorientar sua política
externa de uma forma independente (ARRIOLA, 1986).
O impacto imediado do Grupo de Contadora, no entanto, foi pouco
significativo e a situação centro-americana chegou a piorar nos meses
seguintes à declaração de chanceleres de Contadora. O desacordo em relação
aos mecanismos a serem adotados e a falta de mediadores confiáveis entre
todos os envolvidos no conflito indicavam que uma solução negociada era cada
vez mais distante.
7
O Foro Pró-Paz e Democracia desintegrou-se com a retirada de
Colômbia e Panamá, e o Grupo de Contadora não se apresentava como
alternativa às negociações. No entanto, depois de muitos impasses sobre o
foro adequado para as negociações sobre a questão da Nicarágua (se a ONU
ou a OEA), Contadora finalmente mostrou seu valor. O Grupo elaborou uma
lista de oito pontos que seriam a base para as negociações bilaterais e
multilaterais e conseguiu estabelecer um diálogo entre as partes envolvidas, o
que contribuiu para a diminuição das tensões na Nicarágua e na região. 3
A atuação do Grupo de Contadora mostrou que os próprios latinoamericanos poderiam apresentar alternativas à solução do conflito na América
Central e incentivou a atuação mais assertiva dos países da região em
questões latino-americanas. O respaldo político para a atuação concertada dos
países da América Latina cresceu entre os próprios latino-americanos. Os
Estados Unidos viram-se obrigados a reconhecer que o Grupo de Contadora
tinha um papel importante nas negociações. Mecanismos similares aos
adotados na questão de Nicarágua foram adotados na crise da Guatemala e de
El Salvador (BOERSNER, 1996).
Com isso, outros países passaram a apoiar os esforços do Grupo de
Contadora para a pacificação da região. Em 1985, o Brasil manifesta na ONU
seu apoio ao plano de paz do Grupo de Contadora para a crise na América
Central. No mesmo ano, é criado, em Lima, Peru, o Grupo de Apoio a
Contadora, composto por Argentina, Brasil, Peru e Uruguai, que confere
respaldo político adicional à pacificação centro-americana (GARCIA, 2006).
As intervenções – ou ameaças de intervenções – dos Estados Unidos na
América Central e no Caribe, aliadas a outros fatores, como a crise da dívida
externa na América Latina e a Guerra das Malvinas, contribuíram para unir o
continente latino-americano. Assim, “a América Latina passou a falar com voz
própria, a revelar uma consciência política coletiva, a posicionar-se com
coerência” (CERVO; BUENO, 2010, p. 450).
Os quatro países do Grupo de Contadora e os quatro do Grupo de Apoio
a Contadora conseguiram avanços extraordinários no processo de pacificação
centro-americana e, em um movimento natural, ficaram conhecidos como o
3
Para mais sobre o processo de atuação do Grupo de Contadora e sobre os oito pontos, cf.
ARRIOLA, 1986.
8
“Grupo dos Oito”: Colômbia, Venezuela, Panamá, México, Brasil, Argentina,
Peru e Uruguai. Os países ampliaram suas consultas mútuas para abarcar,
também, outros temas de interesse regional, hemisférico e mundial, e, em
seguida, se abriram para a adesão de outros países latino-americanos.
Nascia, em 1986, no Rio de Janeiro, o Mecanismo Permanente de
Consulta e Concertação Política, que passa a ser conhecido como Grupo do
Rio. Em 1987, é realizada, no México, a I Cúpula entre Chefes de Estado e de
Governo do Grupo do Rio, que aprova o Compromisso de Acapulco para a
Paz, o Desenvolvimento e a Democracia. É a primeira vez que os países latinoamericanos “se articulam diretamente em torno de temas de interesse comum,
em foro regional próprio, sem a presença dos EUA” (GARCIA, 2006, p. 235).
É bem verdade que o Grupo do Rio enfrentou desafios significativos
para definir seus propósitos e meios de atuação na América Latina: teve sua
agenda esvaziada pela constituição de diversos mecanismos de integração
regionais e sub-regionais e não conseguiu evitar, por exemplo, a intervenção
militar dos Estados Unidos no Panamá, em 1989. No entanto, o formato do
mecanismo é o que o diferencia dos outros instrumentos de integração. Para o
governo brasileiro,
os fundadores do Grupo do Rio resolveram delimitar seu
escopo de atuação a reuniões de caráter informal, destinadas a
servir como espaço exclusivamente político, apropriado para
consultas, troca de informações e eventuais iniciativas
conjuntas, decididas sempre por consenso. Ao longo de mais
de duas décadas, foram realizadas vinte Cúpulas, vinte e nove
reuniões ministeriais ordinárias e três extraordinárias. Sua
temática foi aberta, tratando, em geral, de temas importantes
para a região. Em suas mais recentes reuniões, o Grupo do Rio
abordou questões como a promoção dos direitos humanos e o
impacto das migrações (BRASIL, 2012)
O Grupo do Rio constituiu, portanto, um espaço sem estrutura
institucional, que permitiu aos seus membros estabelecerem diálogos políticos
abertos. Apresentou a oportunidade, aparentemente simples, porém essencial
ao processo de integração regional, de os países latino-americanos reuniremse para discutir assuntos relevantes para a América Latina e para sua inserção
internacional. Foi a oportunidade dos latino-americanos conversarem entre si,
trocarem percepções e apresentarem ideias.
9
Em 1992, por exemplo, o governo brasileiro lança, durante a VI Cúpula
do Grupo do Rio, a Iniciativa Amazônica, pela qual o Brasil propõe a
negociação de acordos de livre comércio com outros países sul-americanos. O
Brasil amplia sua proposta durante a VII Cúpula do Grupo do Rio e sugere
estabelecimento de uma "Área de Livre Comércio Sul-Americana" (proposta
que não prosperou). Em 2004, a XVIII Cúpula do Grupo do Rio discutiu a
situação no Haiti, preconizando o engajamento regional na reconciliação
política e na reconstrução econômica e social haitiana (GARCIA, 2006).
Assim, o Grupo do Rio fortaleceu-se, gradualmente, como espaço
presidencial privilegiado. Além disso, pela própria demanda da dinâmica
internacional contemporânea, passou a atuar como um mecanismo regional
representativo da América Latina e do Caribe em relação a outros países e
blocos. O Grupo do Rio ocupou o espaço necessário, e que ainda era
incipiente, de interlocutor da região com o resto do mundo, realizando o
intercâmbio de pontos de vista sobre importantes temas da agenda
internacional. Seus parceiros de diálogo incluem União Européia, Conselho de
Cooperação do Golfo, China, Rússia, Canadá, Índia, Japão, Coréia do Sul,
ASEAN, Israel, Ucrânia, Liga Árabe, G-77, Grupo GUUAM (Geórgia, Ucrânia,
Uzbequistão, Azerbaijão e Moldova), CEI, Austrália, EUA e União Africana
(BRASIL, 2012).
O Grupo do Rio, portanto, insere-se em um conjunto de mecanismos
criados com o objetivo de promover a integração regional. Outra significativa
iniciativa nessa direção foi a realização da I Cúpula da América Latina e do
Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (CALC), no Brasil, em 2008. A
Cúpula, uma proposta brasileira, reuniu os 33 países que compõem a América
Latina e o Caribe e aprovou a Declaração de Salvador, que destacou a
“importância da integração regional, da cooperação, do desenvolvimento
sustentável, da erradicação da pobreza e da promoção da justiça social e da
democracia”. A Cúpula adotou, ainda, cinco declarações especiais sobre “as
Ilhas Malvinas, o bloqueio econômico imposto a Cuba, apoio à solicitação do
SICA para que o Panamá continue a receber os benefícios do SGP+, apoio à
Bolívia e iniciativa da CALC frente à crise financeira mundial” (BRASIL, 2012).
Corroborando a iniciativa brasileira da CALC, o governo mexicano
também apresentou uma proposta: a criação da União Latino-Americana e
10
Caribenha (ULC), que partiria das bases do Grupo do Rio para constituir uma
nova organização regional. A proposta mexicana reconhecia a agenda da
CALC e sugeria sua fusão com o Grupo do Rio (ARAVENA, 2011). Em
fevereiro de 2010, no México, foram realizadas em conjunto a XXI Cúpula do
Grupo do Rio e a II Cúpula da CALC. Na ocasião, os países latino-americanos
e caribenhos decidiram unir os dois mecanismos – Grupo do Rio e CALC – e
adotaram a Declaração da Cúpula da Unidade, criando, desse modo, a
Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
3. A CELAC
A CELAC passa a existir, formalmente, em julho de 2011, quando
acontece a Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos e a III Cúpula da CALC, última a ser realizada, já que o organismo
seria absorvido pela nova organização. A CELAC incorpora o patrimônio
histórico do Grupo do Rio (com um viés de concertação política) e o da CALC
(objetivos de desenvolvimento e integração), formando uma instuição mais
forte que suas antecessoras. Todos os parceiros extrarregionais do Grupo do
Rio, por exemplo, foram herdados por sua sucessora.
A Declaração de Caracas No Bicentenário da Luta pela Independência,
Percorrendo o Caminho de Nossos Libertadores, aprovada na Cúpula
constitutiva da CELAC, define a organização como um “mecanismo
representativo de concertação política, cooperação e integração dos Estados
latino-americanos e caribenhos e como um espaço comum que garanta a
unidade e a integração de nossa região”. O documento estabelece que
a CELAC deve avançar no processo de integração política,
econômica, social e cultural com um sábio equilíbrio entre a
unidade e a diversidade de nossos povos, com o objetivo de
que o mecanismo regional de integração seja o espaço idôneo
para a expressão da nossa rica diversidade cultural e, por sua
vez, seja o espaço adequado para reafirmar a identidade da
América Latina e do Caribe, sua história comum e suas lutas
contínuas pela justiça e pela liberdade (BRASIL, 2011)
O documento afirma, ainda, que “as decisões são adotadas por
consenso em todas as instâncias, e, caso isso não for possível, serão adotadas
11
por maioria qualificada” (BRASIL, 2011). O texto revela a divergência quanto ao
procedimento de tomada de decisões, opondo defensores do consenso, entre
eles o Brasil, e aqueles para os quais o consenso paralisaria a organização. É
importante considerar que o procedimento adotado, por enquanto, tem sido o
consenso (JARDIM, 2011).
Quanto à estrutura, a nova organização será formada pela Cúpula dos
Chefes de Estado e de Governo, pela Reunião dos Ministros das Relações
Exteriores, pela Presidência Pro Tempore, pela Reunião de Coordenadores
Nacionais, pelas Reuniões especializadas e pela Troika (composta pela
presidência pro tempore atual, pela antecessora e pela sucessora).4 As
Presidências Pro Tempore serão, inicialmente, anuais; a primeira foi ocupada
pelo Chile, em 2012, seguido por Cuba, Costa Rica e Equador. As Cúpulas são
realizadas, ordinariamente, no país que ocupa a Presidência Pro Tempore. A I
Cúpula da CELAC foi realizada no Chile, em janeiro de 2013, quando ocorreu,
em paralelo, a I Cúpula CELAC – União Europeia.
A Cúpula constitutiva da comunidade, em 2011, aprovou, além da
Declaração de Caracas, o Plano de Ação de Caracas 2012, o Estatuto de
Procedimentos da CELAC e a Declaração Especial sobre a Defesa da
Democracia e a Ordem Constitucional na CELAC, que prevê a suspensão de
algum membro em caso de “ruptura da Ordem Constitucional ou do Estado de
Direito”, a conhecida Cláusula Democrática.
O Plano de Ação de Caracas 2012 estabelece intenções e diretrizes nas
áreas de crise financeira internacional e a nova arquitetura financeira;
complementaridade e cooperação entre os mecanismos regionais e subregionais de integração; energia; infraestrutura para a integração física do
transporte, as telecomunicações e a integração fronteiriça; desenvolvimento
social e erradicação da fome e da pobreza; ambiente; assistência humanitária;
proteção ao migrante; cultura; e tecnologias da informação e da comunicação. 5
Já em seus primeiros comunicados, a CELAC condenou o bloqueio econômico
imposto pelos Estados Unidos a Cuba e apoiou o pleito argentino pela
soberania sobre as Ilhas Malvinas.
4
A Declaração de Santiago, resultado da I Cúpula CELAC, em 2013, incorporou o país que
exerce a presidência do CARICOM à troika, que passou, portanto, a compreender 4 membros
(BRASIL, 2013).
5
Todos os documentos estão disponíveis em BRASIL, 2011.
12
4. Embasamento ideológico
Se ainda é cedo para identificar resultados concretos produzidos pela
atuação da nova organização regional, é possível verificar as concepções
políticas que motivaram sua constituição. A CELAC viabilizou-se graças a um
ambiente político favorável, em grande parte como consequência da
coincidência de governos considerados de esquerda (ou que possuem, pelo
menos, significativos traços ideológicos comuns) nos principais países da
região. O discurso desses atores é fortemente amparado na busca de
autonomia e na crítica à atuação dos Estados Unidos na região, principalmente
por meio da recuperação da história da América Latina e do Caribe. O projeto
“bolivariano”, impulsionado pelo governo de Hugo Chávez na Venezuela, é a
materialização mais nítida desse pensamento. A CELAC nasce nesse cenário
ideológico. A Declaração de Caracas, por exemplo, afirma que os latinoamericanos e caribenhos criam a Comunidade
inspirados no Congresso Anfictiônico do Panamá de 1826, ato
de fundação da doutrina da unidade latino-americana e
caribenha, onde nossas jovens nações colocaram a questão
sobre os destinos da paz, o desenvolvimento e a
transformação social do continente [...]; conscientes de que já
passaram 185 anos desde que foi ensaiado o grande projeto
dos Libertadores para que hoje a região se encontre em
condições de enfrentar, devido à experiência e à madureza
adquirida, o desafio da unidade e da integração da América
Latina e do Caribe (BRASIL, 2011).
Não à toa, a própria Declaração, que tem um peso simbólico significativo
por ser o ato de fundação da comunidade, tem como título No Bicentenário da
Luta pela Independência, Percorrendo o Caminho de Nossos Libertadores. O
discurso dos governos da região, especialmente o de Chávez, busca recuperar
o pensamento de Simon Bolívar para fomentar a união da América Latina e
Caribe e promover uma inserção internacional autônoma da região. Bolívar
defendia um modelo de integração profunda à época das independências no
continente, com a formação de um único Estado confederado. Em uma carta
escrita em 1815, Bolívar (2009, p. 84, tradução nossa) afirma que
13
é uma ideia grandiosa pretender formar em todo o Novo Mundo
uma só nação, com um só vínculo, que ligue suas partes entre
si e com o todo. Já que têm uma origem, uma língua, um
costume e uma religião, deveriam, por conseguinte, ter um só
governo, que confederasse os diferentes Estados que haverão
de se formar; mas não é possível porque climas remotos,
situações diversas, interesses opostos, características
diferentes dividem a América.
O pensamento independentista, autonomista e integracionista está,
portanto, na base ideológica da CELAC, o que faz alguns afirmarem que a
Comunidade
representa a vitória dos povos da América Latina contra a
hegemonia do capital e do governo dos Estados Unidos.
Representa recuperar o velho sonho de Simon Bolívar, que
havia convocado um congresso latino-americano no Panamá,
em 1826, para criar uma conferência de união dos povos do
Sul, que pretendia enfrentar os impérios. Finalmente Bolívar
venceu Monroe (ALAI, 2010).
É preciso considerar, no entanto, que essa concepção política não é
homogênea. Jorge Castañeda (2006) identifica duas correntes políticas na
região: uma representada por Hugo Chávez, na Venezuela, que inclui Estados
como a Bolívia de Evo Morales e o Equador de Rafael Correa; e outra
exemplificada pelo governo Lula, no Brasil, Michelle Bachelet, no Chile e
Tabaré Vazquez, no Uruguai.
A primeira corrente tem um caráter mais agressivo, hostil às práticas de
mercado e investimentos externos, enquanto a segunda apresenta postura
mais cooperativa e aberta. A primeira seria uma “esquerda errada”, radical ou
“irresponsável”; a segunda, uma “esquerda certa”, moderada ou “responsável”.
Essa polarização talvez não seja a melhor forma de retratar o ambiente político
da região, mas demonstra que existem divergências significativas entre os
latino-americanos,
por
mais
que
a
denominação
“esquerda”
seja
indistintamente empregada. Amado Cervo (2008, p. 218), por exemplo, afirma
que
se as esquerdas ascendem ao poder em quase todos os
países, não se configuram como frente política afinada com
projeto comum para a América do Sul. [...] A esquerda pouco
vai além de um esteriótipo político sem conteúdo uniformizador.
14
A convergência política na região, mesmo não total, foi suficiente para
impulsionar a criação da CELAC e, paralelamente, a corrosão da legitimidade
da OEA. Se um dos traços característicos da corrente política de esquerda é a
desconfiança
em
relação
aos
Estados
Unidos,
a
OEA
torna-se,
consequentemente, também suspeita. Os principais defensores da CELAC
argumentam que a comunidade representa uma alternativa à OEA, que perde
legitimidade pelas pressões e interferências dos Estados Unidos no organismo.
O presidente do Equador, Rafael Correa, por exemplo, afirmou que
deve-se mudar a OEA e construir algo melhor; nesse sentido, a CELAC “pode
ser a alternativa à OEA para discutir nossos assuntos” (TELESUR TV, 2012). O
presidente Hugo Chávez, da Venezuela, afirmou que “a CELAC é um grande
pólo de poder que conseguirá deixar para trás a velha e desgastada OEA” (RT,
2011). Já para o presidente boliviano, Evo Morales, "nós temos uma alternativa
à OEA: a CELAC” (ERBOL, 2012). A comparação entre a composição dos dois
organismos é inevitável, já que a única diferença é a ausência dos Estados
Unidos e do Canadá no novo mecanismo e sua presença na OEA. Chegou-se,
inclusive, a se referir à CELAC, de modo pejorativo, como uma espécie de
“OEA sem os Estados Unidos” ou a “OEA do B” (ESTADÃO, 2010).
As
duas
organizações,
pode-se
argumentar,
possuem
escopos
significativamente diferentes. O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza,
afirmou que não é contra a CELAC e vê complementaridade entre a
comunidade e a OEA. Para Insulza, “a CELAC não é um organismo no sentido
de contar com uma estrutura, com um conjunto de leis, de regras e de
instituições como é a OEA". Além disso, "há temas que são hemisféricos e
outros temas que são da região latino-americana, os quais devem ser tratados
aqui [na CELAC], por exemplo, os temas de integração econômica" (UOL,
2011).
De qualquer modo, a legitimidade da OEA foi sistematicamente atacada
nos últimos anos e mesmo seus resultados podem ser questionados, uma vez
que “o modelo de negociação da Cúpula das Américas não tem gerado
resultados palpáveis, servindo muito mais para os países reafirmarem suas
posições já definidas” (SILVA; SILVEIRA, 2013, p. 77), o que cria fortes
incentivos à atuação da CELAC.
15
A concepção política que fomentou a criação da Comunidade tem como
principal motor a defesa de uma integração regional autônoma. Francisco
Rojas Aravena (2011, p. 221, tradução nossa) explica que existe um consenso
em “apontar para a aparição de uma nova forma de regionalismo e integração
na região [América Latina], onde predominam os aspectos políticos sobre os
comerciais e onde o tema da soberania adquiriu importância especial”. O “novo
regionalismo” ao qual o autor refere-se implica a transferência do foco da
integração regional, que estava na abertura comercial, para a concertação
política, este um objetivo facilmente identificado com a proposta da CELAC.
O objetivo do modelo de integração da comunidade aproxima-se da ideia
de comunidade de segurança, conceito proposto por Karl Deutsch (1969, p. 5,
tradução nossa), que consiste em
um grupo de pessoas que se tornou “integrado”. Por
integração, queremos dizer o alcance, em um território, de um
“sentimento de comunidade” e de instituições e práticas fortes
e disseminados o suficiente para assegurar, por um “longo”
período de tempo, expectativas confiáveis de “mudança
pacífica” entre sua população.6
As persistentes divergências entre os latino-americanos e os focos de
tensão ainda verificados na região, como os atritos entre Colômbia e
Venezuela ou a rivalidade histórica entre Chile, Bolívia e Peru, demonstram
que o sentimento de comunidade parece ainda não estar consolidado na
América Latina, o que diminuiu a probabilidade de existirem expectativas
confiáveis de mudança pacífica. A constituição de uma organização nos
moldes da CELAC contribui para desenvolver um sentimento de comunidade
na região, mesmo que, muitas vezes, esse sentimento seja elaborado a partir
da contraposição comum a um ator externo, os Estados Unidos.
5. Potencialidades e desafios
Compreender o papel do novo organismo regional requer identificar suas
vantagens,
os
aspectos
que
fortalecem
sua
inserção
nas
relações
internacionais contemporâneas, e suas fragilidades, os desafios que precisará
6
Para uma discussão sobre o conceito de comunidade de segurança, cf. MAGALHÃES, 2012.
16
superar para alcançar os objetivos propostos. A análise das potencialidades e
dos desafios da CELAC já constituiu, inclusive, objeto de reflexão de alguns
autores (ARAVENA, 2011; FIGUEROA, 2012).
Há uma vantagem evidente, de ordem prática, que consiste em permitir
o encontro periódico de todos os chefes de Estado da região, o que aprimora o
relacionamento entre os líderes latino-americanos e caribenhos, permitindo que
se conheçam e que troquem percepções, ideias e propostas. A constituição de
um canal de diálogo entre os países da região é o benefício mais imediato da
organização. Se um dos objetivos das organizações internacionais é a
construção ou o fortalecimento da confiança entre os participantes da dinâmica
internacional, de modo a incentivar a cooperação entre eles, a CELAC oferece,
pelo simples fato de sua constituição, a vantagem de criar um ambiente
propício à construção de confiança.
Francisco Rojas Aravena (2011, p. 229, tradução nossa), defende outro
possível benefício da CELAC: a criação de um foro exclusivamente latinoamericano “poderia eliminar, ou ao menos diminuir, o tom fortemente ideológico
que se imprime às Cúpulas hemisféricas, onde muitas das discussões estão
centradas em atacar as ações anti ou pró-imperialistas”. A Comunidade oferece
aos seus membros a oportunidade de conduzir um processo de integração
regional que, alcance ou não êxito, terá como únicos responsáveis os próprios
latino-americanos e caribenhos. O argumento segundo o qual o processo
integrador é travado pelos Estados Unidos será insustentável na nova
organização.
Pode-se, ainda, considerar que um organismo latino-americano e
caribenho tem potencial para promover outras iniciativas de integração na
região. Mecanismos desenvolvidos por alguns países ou sub-regiões, como o
Banco do Sul, a Unasul e a IIRSA, no contexto sul-americano, encontram, em
uma organização que englobe toda a América Latina e o Caribe, a
possibilidade de expandir ou aprimorar suas práticas. A troca de experiências
entre as diversas iniciativas de integração regional pode contribuir para o
desenvolvimento de práticas mais eficientes.
A característica mais evidente da CELAC é o seu objetivo de
concertação política, uma herança do Grupo do Rio, o que permite que
posições comuns sejam acertadas e uma agenda convergente possa ser
17
construída. Há, como consequência do estabelecimento de posições comuns,
implicações externas e internas. No âmbito interno, ou regional, estabelecer
convergências significa fomentar a cooperação e a criação de oportunidades
mutuamente benéficas. No âmbito externo, percebe-se o maior potencial da
comunidade: inserir a região no sistema internacional como um ator harmônico,
aumentando, expressivamente, o peso político dos latino-americanos e
caribenhos no mundo. Oneida Figueroa (2012, p. 190, tradução) afirma que “a
CELAC pode contribuir para superar o fracionamento que ainda prevalece na
América Latina e no Caribe e que limita o reconhecimento internacional da
região como um ator coeso”.
A tentativa de apresentação da região como um interlocutor coeso e
assertivo no sistema internacional tem sido o destaque da atuação da CELAC.7
A Troika, representando a comunidade, e o governo chinês acordaram, em
2012, o estabelecimento de conversas regulares entre a organização e a
China, esta um parceiro estratégico para latino-americanos e caribenhos
(PEOPLE‟S DAILY, 2012). Mecanismos semelhantes de diálogos regulares
estão sendo negociados com a Rússia (RIA NOVOSTI, 2013) e reuniões foram
feitas com representantes de Índia, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Austrália e
Noruega (BRASIL, 2013). A relação com a Europa avançou ainda mais: em
janeiro de 2013, foram realizadas, no Chile, a I Cúpula da CELAC e a I Cúpula
CELAC – União Europeia.
Além das oportunidades, no entanto, a CELAC apresenta desafios
expressivos, capazes de, se não solucionados, tornar irrelevantes, ou mesmo
anular, os benefícios possibilitados pela nova organização. O mais evidente
obstáculo é a heterogeneidade na composição da organização: os 33 latinoamericanos e caribenhos possuem estruturas econômicas assimétricas,
objetivos distintos e estratégias de inserção internacional variadas. Coordenar
atores tão diversos é uma tarefa complexa. A Aliança do Pacífico, criada em
2012, por exemplo, que reúne Chile, Colômbia, Peru, México e Costa Rica,
orienta-se pela lógica da liberalização comercial e afasta seus membros da
7
Cabe destacar que há, para o Brasil, uma aparente contradição na opção pela CELAC. Como
explica Paulo Roberto de Almeida (2007, p. 24), ”o principal foco de atuação política,
econômica e estratégica do Brasil está obviamente centrado na América do Sul, conceito que
vem sendo enfatizado pela diplomacia brasileira desde o início dos anos 1990, em substituição
à noção politicamente vaga e geograficamente difusa de América Latina”.
18
estratégia adotada pelo Mercosul (SCHIPANI, 2013). A Cúpula CELAC – União
Europeia, por sua vez, pode ter contribuído para aproximar as duas regiões,
mas as divisões entre os latino-americanos e caribenhos impediram que
medidas concretas fossem adotadas (THE ECONOMIST, 2013).
Francisco Aravena (2011) alerta, ainda, para a multiplicidade de temas
inseridos na agenda da CELAC, que pode implicar a dispersão das ações e,
consequentemente,
a
adoção
de
compromissos
que
nunca
serão
implementados. Querer abordar todos os temas pode significar não abordar
nenhum com eficiência. 8 Há, além disso, as incertezas quanto à manutenção
da opção pelo modelo de integração da comunidade. A vontade política esteve
presente no momento de constituição do novo mecanismo, mas a alternância
natural de mandatários e a ausência, em muitos países, de uma política
externa de Estado, em oposição a uma política de governo, não garantem que
a vontade política estará presente para consolidar a organização. 9 Aravena
(2011, p. 230, tradução nossa) explica que
o tempo, na política, é de suma importância. O desafio que
enfrenta a CELAC, em um contexto de fraca base de confiança
mútua, é que será precisa uma alta dose de vontade política,
de todos, para avançar na construção de uma agenda comum.
Especialmente quando o tempo de convivência de todos os
mandatários é curto. A isso se deve acrescentar que não são
em todos os casos que existem e se desenvolvem políticas de
Estado no que se refere à política externa.
Diante dessas oportunidades e desses desafios, Oneida Figueroa (2012)
propõe três cenários, simplificados, para compreender as perspectivas
possíveis em relação à CELAC: a) uma trajetória inercial do novo organismo,
com escassos resultados práticos e limitada eficiência na relação da região
com o resto do mundo; b) o fortalecimento do novo organismo, com a
constituição de uma agenda cooperativa comum e de uma convergência em
relação aos principais temas da região; ou c) a emergência de esquemas de
integração mais limitados, buscando reforçar suas respectivas lideranças e
alcançando maior reconhecimento como representantes da região, o que
8
É preciso considerar, no entanto, que o principal escopo da CELAC é a concertação política,
o que requer a análise de temas amplos e diversos.
9
A morte do presidente venezuelano Hugo Chávez, por exemplo, tirou do cenário político um
dos principais articuladores do processo de integração regional.
19
relegaria a CELAC a um papel pouco relevante, ou mesmo completamente
irrelevante.
6. Considerações finais
Analisar instituições políticas recentes constitui tarefa de difícil execução,
já que as incertezas inerentes à dinâmica social impossibilitam inferências
seguras sobre o objeto estudado. É o que ocorre com a CELAC, organização
adicionada, em 2011, ao complexo arranjo institucional regional. Alguns
aspectos,
no
entanto,
permitem
uma
melhor
compreensão
sobre
a
organização, sua formação, seu modo de atuação, seus objetivos e as
perspectivas de sua atuação.
O histórico da CELAC, por exemplo, indica que a organização é criada a
partir de mecanismos consolidados e relativamente exitosos. O Grupo de
Contadora e o Grupo de Apoio a Contadora nascem por meio de demandas
reais da região, na década de 1980, e não por meio de iniciativas abstratas ou
desconectadas da realidade latino-americana e caribenha. Constituir uma
organização sob bases sólidas, como o Grupo do Rio, indica um compromisso
com o processo de integração. A formação histórica da CELAC, a adesão de
todos os 33 latino-americanos e caribenhos e a convergência das propostas
brasileira e mexicana para sua criação indicam, também, que a disposição
política para constituir a organização foi significativa, o que favorece sua
consolidação.
O formato escolhido para a organização, estabelecido nos documentos
constitutivos aprovados em Caracas, em 2011, indica pouca institucionalização,
característica de uma organização cujo primeiro objetivo é concertação política,
e a tentativa de uma administração mais cooperativa: a atuação mais
destacada da CELAC tem ocorrido por meio da Troika, e não da Presidência
Pro Tempore isolada. A opção pelo consenso como critério para tomada de
decisões cria incentivos para a paralisia da organização, mas, ao mesmo
tempo, atribui legitimidade inquestionável às suas decisões.
Outro aspecto passível de análise, para auxiliar na compreensão da
CELAC, é o contexto ideológico que motiva a constituição da organização. A
coincidência de governos de esquerda na região, que, embora não idênticos,
20
possuem características comuns, como a desconfiança em relação aos
Estados Unidos e, consequentemente, à OEA, possibilitou a convergência
necessária para a criação de uma nova instituição, em uma região onde
diversas outras organizações, de diferentes escopos e abrangências, atuam há
décadas. Os latino-americanos e os caribenhos, ao constituírem o novo
mecanismo, almejaram uma integração regional autônoma, marcada mais pela
autoafirmação da região e pela tentativa de repelir atores externos,
notadamente os Estados Unidos, que por estratégias similares de inserção
internacional.
É possível identificar, também no esforço para melhor compreender a
CELAC, algumas de suas potencialidades, de seus aspectos positivos, e
alguns de seus desafios, de seus aspectos negativos. Um foro que permita a
reunião de todos os países latino-americanos e caribenhos tem potencial para
aprimorar a afinidade política na região e para desenvolver estratégias
cooperativas importantes. Fomentar o diálogo, nas relações internacionais, é
uma iniciativa sempre bem-vinda.
A CELAC, além disso, apresenta ao mundo a América Latina e o Caribe
como uma única região, apesar de essa constituir uma aparente contradição
com a opção brasileira de adotar não a América Latina, mas a América do Sul
como região de atuação preferencial. A nova organização pretende associar a
América Latina e o Caribe a um ator que, apesar das divergências internas,
almeja posicionar-se como coeso, o que fortalece sua capacidade de atuação e
suas demandas no contexto internacional. Tem mais peso político apresentar
interesses em nome de toda a região que em nome, apenas, de alguns países.
Para que a CELAC alcance êxito, no entanto, obstáculos significativos
deverão ser superados, a começar pelas próprias divergências internas que, se
não manejadas, impedirão a organização de apresentar-se como um ator
coeso e, portanto, comprometerão a essência da instituição. Latino-americanos
e caribenhos precisam desenvolver, não apenas em benefício da nova
organização, mas das relações internacionais, de modo mais amplo, a
elaboração de políticas externas de Estado, não de governo, para garantir
estabilidade e continuidade dos esforços de integração realizados. A CELAC
exigirá dos latino-americanos e caribenhos o aprimoramento do processo
21
negociador e a aproximação das diplomacias da região e, nesse sentido, o
desafio pode converter-se em oportunidade.
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Douglas Andrade da Silva - Universidade Católica de Brasília