Governabilidade, Governança e Democracia: Criação de Capacidade Governativa e Relações Executivo-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte* Maria Helena de Castro Santos INTRODUÇÃO Neste artigo, parto do pressuposto que, no Brasil pós-Constituinte, qualquer que seja a extração ideológica de um governante, a ele se colocarão os mesmos desafios, com pequena margem de manobra no que se refere às soluções propugnadas. Assim, em primeiro lugar, ao governante se imporá, em um mundo globalizado, o ajuste da economia e a reforma do Estado em crise. Não cabe aqui analisar em detalhe as causas e dimensões da crise do Estado brasileiro. A literatura a respeito é abundante1. Para os propósitos deste trabalho é suficiente lembrar que a referida crise é fruto, de um lado, de fatores exógenos, dentre os quais se destacam os choques do petróleo de 1973 e 1979/80 e a conseqüente crise da dívida externa em decorrência das altas taxas de juros internacionais que passam a ser praticadas pelos países industrializados importadores de petróleo. Estes, assim, transferem para os países em desenvolvimento, sobretudo os dependentes desse insumo energético, o ônus de ajustar a economia aos novos padrões de relações econômicas e financeiras.2 De outro lado, os desafios e pressões dos fatores exógenos chegam ao Brasil no momento em que se constata o esgotamento do modelo desenvolvimentista, baseado na industrialização por substituição de importações, fortemente centrado no Estado, com o conseqüente desgaste da ordem político-institucional que sustentava esse modelo. A esse respeito, assim se pronuncia Diniz: "[...] em contraposição às interpretações dicotômicas, parece-me mais adequada uma perspectiva que integre os dois planos da análise, associando à dimensão externa os condicionamentos internos relacionados à corrosão da ordem pregressa. Por esta razão, o descompasso entre o Estado e a sociedade situa-se no cerne da presente crise. O hiato entre uma institucionalidade estatal rígida, dotada de fraco potencial de incorporação política, e uma estrutura social cada vez mais complexa e diferenciada exacerbou as tensões ligadas ao processo de modernização. Instaurou-se um sistema multifacetado e multipolar de representação de interesses, através do qual a sociedade extravasou do arcabouço institucional vigente, implodindo o antigo padrão corporativo do Estado sobre a sociedade" (1996:3). Nesse cenário, a partir dos anos 80, os governantes passam a se haver com crescente desequilíbrio fiscal, desordem das contas públicas e inflação galopante. Seguem-se as várias e conhecidas tentativas de estabilização da economia, com a série de Planos a que a população é submetida, mais ou menos ortodoxos, mais ou menos heterodoxos, em uma longa seqüência de ensaios e erros. Finalmente, impõese um modelo de ajuste da economia dentro do marco neoliberal, que produz, em um mundo globalizado, agendas governamentais com pequena flexibilidade. Esses problemas de governo, além do mais, têm de ser enfrentados em um contexto de redemocratização e rompimento com a ordem social pregressa. Ou seja, a reforma do Estado e a redefinição de suas funções são imprescindíveis tanto para a adaptação ao novo ordenamento econômico e financeiro mundial como para a adequação do Estado à nova sociedade e às novas formas políticas de representação de interesses. Dentro desse quadro, os desafios contemporâneos do governante no Brasil pós-Constituinte têm se definido da forma que se segue. (i) Ajuste da economia e reforma do Estado. Parto do pressuposto que, atualmente, se constituem em minoria os analistas, políticos ou cidadãos que consideram factível a formação de coalizões políticas internas capazes, por assim dizer, de escapar do modelo de conotação neoliberal de ajuste da economia imposto aos países em desenvolvimento3. Esta avaliação, é bom frisar, independe de julgamento de valor. Sendo esse o caso, pode-se dizer que, enquanto a primeira fase da política de ajuste, isto é, a estabilização da economia, tem sido considerada bem-sucedida com o Plano Real, as reformas estruturais, como a da previdência, da administração, e tributária e fiscal, têm enfrentado, do ponto de vista do governo, grandes dificuldades. Anota-se, neste ponto, para posteriores comentários, que enquanto o processo de estabilização da economia é calcado em políticas formuladas, em grande parte, ao largo do Congresso, as reformas estruturais citadas, ao contrário, necessitam da sua aprovação, o que tem impedido que o processo de ajuste da economia se complete. Quanto às novas funções do Estado, pode-se dizer que atualmente se arma consenso em torno da construção de um Estado que não é mais mínimo como sugeriam as primeiras visões simplistas de inspiração neoliberal, e que, portanto, não perdeu sua importância estratégica. Na verdade, o Estado deve ser minimamente complexo para atender aos desafios do capitalismo contemporâneo4. Dessa forma, restringe sua atuação como produtor direto de bens e serviços, reforça sua atividade de regulação das políticas públicas, enfatiza seu papel de coordenação entre as várias agências governamentais e os três níveis de governo e entre a esfera pública e a privada, e reorienta suas funções de controle. (ii) Resgate da dívida social. Explícita na plataforma de todos os candidatos à Presidência da República, quer como contrapeso das reformas estruturais e fator de desestabilização política, quer como uma questão de justiça social5. Poucos analistas, raros cidadãos e certamente nenhum político descartam a necessidade de um programa social de governo. Todos os programas sociais dos governos pósConstituinte têm se submetido, contudo, à lógica do ajuste neoliberal. (iii) Enfrentamento dos desafios anteriores, mantendo-se a ordem democrática. De fato, nenhum político, poucos cidadãos e raríssimos analistas trabalham com a hipótese da fujimorização6. O desafio, neste caso, é a construção de coalizões democráticas de sustentação do governo em ambiência democrática, em um contexto de expansão da participação e diversificação das formas de representação de interesses que, além do mais, por razões de natureza histórico-cultural, é fortemente impregnado pelo particularismo7. Caberia aqui, na verdade, a pergunta essencial: que democracia somos capazes de construir?8 Vale, neste ponto, observar que, embora os dois últimos pressupostos possam ser considerados normativos, tenho a pretensão de que minha perspectiva não o seja. Assumindo a posição do analista, trabalho não com os meus pressupostos, mas com aqueles que identifico como vigentes tanto no mundo da política como no da academia (e que são os meus próprios, embora isto aqui não tenha importância).9 A discussão contemporânea sobre o novo Estado tem se voltado para os requisitos políticos, societais, organizacionais e gerenciais que o tornem eficaz e eficiente, capaz de enfrentar os desafios que se impõem e os dilemas que se apresentam. Os conceitos de governabilidade e governança (governance) incorporam essas preocupações, sendo tratados de forma diferenciada pela literatura recente. Este artigo, embora não pretenda proceder a uma revisão da literatura sobre os conceitos de governabilidade e governança, fará algumas considerações sobre o tratamento desses conceitos, sugerindo, para propósitos analíticos, o termo" capacidade governativa". Pressupondo o contexto democrático, destacará como um dos elementos essenciais da capacidade governativa as características do processo de tomada de decisão das políticas públicas, com destaque para a fase de formulação e as relações Executivo-Legislativo. Discutirá a literatura brasileira recente sobre esses pontos, entendidos como" gargalos" da capacidade governativa do Estado, contrapondo achados de pesquisa empírica coordenada pela autora. Finalmente, a título provocativo, fará algumas especulações acerca dos dilemas dos governantes, comprometidos com a governabilidade democrática vis-à-vis as características do processo decisório, e dos padrões de interação dos dois Poderes. GOVERNABILIDADE, GOVERNANÇA E CAPACIDADE GOVERNATIVA O desafio da reforma do Estado e seu ajuste à nova ordem econômica e financeira global provocou profusa literatura sobre os conceitos de governabilidade e governança. Os autores dedicam-se a recuperar a origem histórica dos conceitos e se esforçam por diferenciá-los, nem sempre com êxito. Apontam para as causas da crise da governabilidade ou ingovernabilidade e oferecem diagnósticos e sugestões para os problemas encontrados. Enfatizam fatores exógenos e endógenos, diferentes dimensões da questão ¾ política, econômica, organizacional, gerencial ¾ , investigam a relação das dificuldades enfrentadas pelo governo com o tipo de regime político e os trade-offs entre eficiência econômica e política. No Brasil, destacam-se os trabalhos de Melo (1995) e Diniz (1995; 1996) que, a partir de uma revisão extensiva da literatura, analisam vários dos pontos indicados acima. Segue-se, tendo como referência os estudos desses autores, uma rápida apresentação da gênese desses conceitos e de sua definição atual, entremeadas por meus comentários. Aponta-se uma primeira geração de análises sobre governabilidade originada nos trabalhos de Huntington de final dos anos 60 e década de 70 (cf. Huntington, 1965; 1968; 1975), que interpretam a crise de governabilidade como fruto dos excessos da participação e sobrecarga de demandas. Para Huntington, o funcionamento adequado dos sistemas políticos depende do equilíbrio entre as instituições de input, agregadoras de interesses ¾ sobretudo os partidos políticos ¾ e as instituições governamentais de output, que regulam e implementam as políticas públicas. Quando no contexto das democracias consolidadas surge uma onda de participação, seguese, em resposta, um aumento da atividade governamental, acompanhado de sobrecarga no governo, falência de outputs e deslegitimação da autoridade, com subseqüente enfraquecimento das instituições políticas. Estas últimas, contudo, por serem fortes, adaptáveis e coerentes, acabam por absorver, dentro de limites, as tensões e pressões por participação, conseguindo preservar-se até o arrefecimento da onda de participação. Nas democracias recentes, por sua vez, a incorporação política de grupos sociais antes excluídos conduz a essas mesmas conseqüências, sem que haja, contudo, instituições consolidadas, capazes de suportar a pressão sobre o sistema político. Na verdade, mais do que se haver com a debilidade das instituições preexistentes, as democracias não-consolidadas terão de enfrentar o desafio de criar ou recriar instituições políticas. Assim, o remédio huntingtoniano para a sobrecarga de demandas sobre o sistema político de países em desenvolvimento está no reforço e criação de instituições e da autoridade governamental. A ênfase é colocada, não na democracia, mas na ordem: antes de distribuir poder é preciso primeiro acumulá-lo. A saída é autoritária. A crise de governabilidade por excesso de democracia foi tese reforçada pelas dificuldades de execução dos programas de estabilização a partir dos anos 80. A solução estaria em um Estado forte, sugerindo-se o predomínio do Executivo no processo decisório e o insulamento burocrático como formas de controlar a participação social e garantir a eficácia e a racionalidade das políticas públicas. Paralelamente, no mesmo período, surge uma segunda geração de análises sobre governabilidade e crise de governabilidade ligadas às condições de sustentação das políticas de ajuste em contexto democrático. Liderando esse tipo de análise estão as agências internacionais de financiamento, com destaque para o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional ¾ FMI. Os trabalhos do Banco Mundial passam, nos anos recentes, a referir-se ao termo governance. Grande parte deles preocupa-se com a origem e as distintas formas de definição do termo, e, quase todos, implícita ou explicitamente, associam à concepção de governance a noção de good governance ou good government. Assim, para o Banco Mundial, a definição geral de governance "is the exercise of authority, control, management, power of government." Ou, dizendo ainda melhor, "is the manner in which power is exercised in the management of a countrys economic and social resources for development."10 A noção de good governance encontra-se intrinsecamente associada à capacidade governativa, "[good] governance is central to creating and sustaining an environment which fosters strong equitable development, and it is an essential complement to sound economic policies" (World Bank, 1992:1). Dessa forma, good governance passa a ser requisito indispensável para um desenvolvimento sustentado, que incorpora ao crescimento econômico eqüidade social e também direitos humanos.11 O viés normativo implícito é o que associa esses pré-requisitos do bom governo à democracia. Não se trata mais, parece-me, de considerar, como na década de 60 o faziam as agências internacionais de financiamento para o desenvolvimento, que "all good things go together". Ou seja, uma vez garantida a retomada do crescimento econômico com a ajuda dessas agências, o desenvolvimento político ¾ vale dizer, o desenvolvimento de instituições democráticas ¾ e a eqüidade social fluiriam naturalmente.12 Embora se trate, atualmente, de uma retomada dos pressupostos democráticos do "bom desenvolvimento", isto agora é visto não mais como uma conseqüência natural da ajuda econômica, mas como um desafio. Alguns trabalhos demonstram que o êxito das políticas de ajuste não guarda relação empírica com o tipo de regime político, embora os países em transição democrática enfrentem grandes dificuldades para ajustar a economia.13 Não se quer, entretanto, ao que parece, no caso destes últimos, abrir mão dos princípios da democracia e da eqüidade social. Esse pressuposto do "bom governo", eqüitativo e democrático, é, como sugerido acima, incorporado no Brasil, como de resto na maioria dos países que enfrentam a tarefa de formular e implementar as políticas de ajuste, tanto pelos políticos como pela maioria dos cidadãos e intelectuais. É importante, neste ponto, voltar-se à definição do conceito de governance para que se compreenda de que forma este passa a incluir os princípios democráticos. A literatura recente incorpora o novo conceito, partindo da definição geral do Banco Mundial, que, como indicado, refere-se ao modo como a autoridade é exercida no gerenciamento dos recursos do país em direção ao desenvolvimento. Governance, conforme Melo, refere-se ao modus operandi das políticas governamentais ¾ que inclui, dentre outras, questões ligadas ao formato político-institucional dos processos decisórios, à definição do mix apropriado do público/privado nas políticas, à participação e descentralização, aos mecanismos de financiamento das políticas e ao alcance global dos programas (cf. Melo, 1995:30-31). O conceito não se restringe, contudo, aos aspectos gerenciais e administrativos do Estado, tampouco ao funcionamento eficaz do aparelho de Estado. Reis, embora use o termo governabilidade, adverte-nos contra essa simplificação, que reduz a capacidade estatal de governar a características da máquina do Estado, tal como o tamanho certo do Estado, mecanismos operacionais ágeis nas funções reconhecidas como próprias dele etc. Mas, continua o autor," há a sociedade [...] ¾ e há a política. E o desafio crucial reside na obtenção daquela forma específica de articulação do Estado com a sociedade na qual se reconheça que o problema da administração eficiente não pode ser dissociado do problema político, ou seja, do problema de garantir também a operação democrática do Estado" (Reis, 1995:41). Dentro desse espírito, a discussão mais recente do conceito de governance ultrapassa o marco operacional para incorporar questões relativas a padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico (Hollingsworth, Schmitter e Streeck apud Melo, 1995). Incluem-se aí, não apenas os mecanismos tradicionais de agregação e articulação de interesses, tais como partidos políticos e grupos de pressão, como também redes sociais informais (de fornecedores, famílias, gerentes), hierarquias e associações de diversos tipos. Com a ampliação do conceito de governance fica cada vez mais imprecisa sua distinção daquele de governabilidade. Melo e Diniz, contudo, preferem reter este último conceito para se referirem às condições sistêmicas e institucionais sob as quais se dá o exercício do poder, tais como as características do sistema político, a forma de governo, as relações entre os Poderes, o sistema de intermediação de interesses.14 Martins (1995) expressa-se de forma semelhante em relação ao termo governabilidade ¾ ao qual se refere como arquitetura institucional ¾ e o distingue de governança, basicamente ligada à performance dos atores e sua capacidade no exercício da autoridade política. Parece-me ter pouco sentido analítico tentar reter um conceito, por assim dizer, tão esvaziado como o de governabilidade ¾ a não ser como uma homenagem histórica, e, neste caso, o termo estará intrinsecamente ligado à ingovernabilidade por sobrecarga de demandas e excesso participativo. Outros autores,15 contudo, continuam a utilizar o termo governabilidade de forma mais ampla e já referido ao moderno contexto das políticas de ajuste e reforma do Estado, pressupondo a ambiência democrática. Na verdade, é pouco relevante, a meu ver, no contexto atual, tentar distinguir os conceitos de governance e governabilidade. Sugiro, então, para se fugir a essa discussão aparentemente interminável, que se adote simplesmente, para fins analíticos, o termo capacidade governativa. Vale observar aqui, que tanto na gênese do conceito de governabilidade como na do de governance estão as concepções estrutural-funcionalistas de system capabilities e processo de conversão do sistema político, conforme amplamente utilizadas na literatura de modernização e desenvolvimento político pré-huntingtoniana. Assim, segundo Almond e Powell Jr., o funcionamento de um sistema político pode ser tratado em dois níveis. O primeiro refere-se à capacidade (capability) do sistema e está ligado à sua performance enquanto uma unidade em seu meio ambiente. Um sistema político caracteriza-se por sua capacidade regulatória, extrativa, distributiva e responsiva (responsive). O segundo nível de funcionamento é interno ao sistema político e refere-se aos processos de conversão, que são as formas como os sistemas transformam inputs em outputs, ou seja, formas como demandas e apoios são transformados em decisões (authoritative decisions) e estas implementadas (cf. Almond e Powell Jr., 1966:28-29). Assim, para a geração de cientistas políticos que rompeu com a ciência política institucionalista, inaugurando o behaviorismo, o que importava ¾ como, de resto, é o que importa agora ¾ era a performance do sistema político e sua capacidade de resistir às pressões, tanto internas (withinputs) como do meio ambiente (inputs), isto é, dos sistemas econômico, social etc., sem entrar em colapso. Para tanto era preciso ser capaz de converter esses distúrbios em políticas governamentais (outputs) satisfatórias, que terminariam por reforçar o apoio ao sistema político. Parece-me que todas as tentativas examinadas até aqui de analisar governabilidade e crise de governabilidade (ou ingovernabilidade), ou de distinguir governabilidade e governance, remetem-se, de uma forma ou de outra, a essa origem estruturalfuncionalista da performance dos sistemas políticos. Por outro lado, o pressuposto democrático que perpassa toda a literatura de modernização e que havia sido quebrado por Huntington, volta agora com toda a força, embora, por assim dizer, sem a ingenuidade de outrora, mas ainda conservando uma boa dose de otimismo no que se refere à reprodução das características das democracias mais antigas e estabelecidas. A definição de capacidade governativa com que me proponho a trabalhar não escapa a essas mesmas observações. Senão, vejamos. Em primeiro lugar, vamos pensar, com Malloy (1993), em governabilidade (ou capacidade governativa) como a capacidade de um sistema político de produzir políticas públicas que resolvam os problemas da sociedade, ou, dizendo de outra forma, de converter o potencial político de um dado conjunto de instituições e práticas políticas em capacidade de definir, implementar e sustentar políticas. Para propósitos analíticos, pode-se desagregar esta definição nos seguintes termos. Diz-se que um sistema político é dotado de capacidade governativa se for capaz de: (i) identificar problemas da sociedade e formular políticas públicas, isto é, oferecer soluções; e (ii) implementar as políticas formuladas, mobilizando para isso meios e recursos políticos, organizacionais e financeiros necessários. Tanto os processos de formulação como os de implementação de políticas públicas são elementos cruciais constitutivos da capacidade governativa do Estado. A formulação bem-sucedida de políticas públicas depende, de um lado, do sucesso de a elite governamental mobilizar apoios para as políticas de sua preferência mediante a formação de coalizões de sustentação e, de outro, da construção de arenas de negociação que evitem a paralisia decisória. O bom êxito do processo de implementação exige, além de coalizões de apoio ao governo, capacidade financeira, instrumental e operacional do Estado. Vale observar que as coalizões de apoio às políticas governamentais são freqüentemente distintas no que se refere às fases de formulação e implementação, bem como são conformadas de acordo com a natureza (ou substância) da política, ponto de especial relevância para a agenda de reforma dos países em desenvolvimento (a ser melhor desenvolvido na próxima seção). Essa definição geral de capacidade governativa serve bem aos nossos propósitos. Por um lado, engloba tanto características operacionais do Estado ¾ analisando-se aí a eficiência de sua máquina administrativa, novas formas de gestão pública, mecanismos de regulação e controle ¾ , como sua dimensão político-institucional, as investigações podendo incluir, neste caso, desde as características das coalizões de sustentação do governo, do processo decisório, das formas mais ou menos tradicionais de representação de interesses, das relações Executivo-Legislativo, do sistema partidário e eleitoral, passando pelas relações entre os três níveis de governo e a forma e o grau de interação do público com o privado na definição e condução das políticas governamentais, até a pouca analisada atuação do Judiciário como ator político e a capacidade de liderança e coordenação do governo. Por outro lado, a construção da capacidade governativa de forma mais ou menos democrática fica caracterizada pelos mecanismos e formas que assumem as instâncias da política na interação do Estado com a sociedade, identificados a partir do exame de vários dos aspectos referidos acima, com especial destaque para a maior ou menor inclusão de grupos sociais afetados pelas políticas governamentais. Em resumo, o termo capacidade governativa, como aqui proposto, engloba as noções sistêmicas e operacionais contidas no uso recente dos conceitos de governabilidade e governance. Enfatiza, mais além, a importante distinção analítica entre as fases de formulação e implementação das políticas governamentais, destacando a interação da capacidade operacional e financeira do Estado com as instâncias da política que se quer democrática. Retendo a noção de performance do sistema político, permite investigar em que medida essas instâncias que se estabelecem são mais ou menos democráticas. Dentro dessa vertente, diferentes autores têm destacado e analisado distintos aspectos da política democrática e sua relação com a capacidade governativa do Estado. Assim, existe uma profusa literatura sobre o desenho institucional das novas democracias. Tomando-se como referência especial a construção de coalizões de suporte ao governo e os padrões de relação e conflito entre o Executivo e o Legislativo, analisam-se as vantagens e desvantagens do presidencialismo vis-à-vis o parlamentarismo, em suas diversas combinações com sistemas multi ou bipartidários e sistemas eleitorais majoritário ou proporcional. Argumenta-se contra os perigos do presidencialismo, especialmente em países com profundas clivagens e sistema multipartidário fragmentado e polarizado (Linz, 1996a; 1996b), e enfatiza-se a combinação particularmente benéfica para as novas democracias entre parlamentarismo e representação proporcional (Lijphart, 1996a; 1996b). Contestamse, contudo, essas assertivas (cf. Horowitz, 1996; Lardeyret, 1996; Quade, 1996), questionando-se inclusive sua validade para universos empíricos mais amplos do que os pesquisados pelos autores (Lipset, 1996).16 No Brasil, esses temas controversos foram amplamente tratados e debatidos.17 Malloy (1993), por sua vez, acredita que mais importante para a democratização da América Latina do que eleições abertas e competitivas, partidos políticos e direitos civis, é a relação estruturada entre os principais grupos da sociedade civil (sindicatos e grupos empresariais) e o processo de formação de políticas. Para esse autor, a formação de políticas e o acesso contínuo a esse processo pelos grupos estratégicos é a questão democrática central. Destaco, na seção seguinte, como elementos cruciais constitutivos da capacidade governativa no Brasil o processo de tomada de decisão e as relações ExecutivoLegislativo, enfatizando, com Malloy (idem), o processo de formulação das políticas, que, acredito, constitui a causa maior da ingovernabilidade no país. CAPACIDADE GOVERNATIVA E PROCESSO DECISÓRIO O objetivo desta seção é chamar a atenção para as características do processo decisório do país enquanto instância política crucial da capacidade governativa. Incluo nesse processo tanto a fase de formulação como a de implementação das políticas governamentais, ambas essenciais para a condução dos problemas de governo, embora aqui vá me referir basicamente à primeira. Contraponho-me ao diagnóstico de que o gargalo da governabilidade está na implementação, conforme explicitamente indicado nos trabalhos de Diniz (1995; 1996) e de Frischtak (1994), assim como à tese dos influentes artigos de Figueiredo e Limongi (1995a; 1995b) de predomínio quase absoluto do Executivo no processo legislativo de formulação de políticas, combinado a um padrão cooperativo entre os dois Poderes. Segundo Frischtak: "To the extent that the problem area of structural adjustment is increasingly identified as one of implementation, concern is shifting from the substance of policies ¾ on which, incidentally, there is growing technical consensus ¾ to the policy environment itself" (1994:1). No mesmo veio, Diniz afirma que a ingovernabilidade não pode ser atribuída à paralisia decisória. Existe, ao contrário, conforme a autora, uma hiperatividade decisória concentrada nos altos escalões insulados da burocracia governamental, com a exclusão da instância parlamentarpartidária. Reforça seu argumento recorrendo a dados sobre o número de Decretosleis e Medidas Provisórias produzidos pelo Executivo desde o governo Sarney e aos trabalhos de Figueiredo e Limongi, os quais afirmam que devido aos poderes legislativos que o Executivo possui, este comanda o processo legislativo, deixando margem muito estreita de autonomia para o Congresso. Esses dois autores contestam explicitamente a visão de que o Executivo só vê seus projetos aprovados após extenuantes e custosas negociações, com maiorias formadas caso a caso na base da troca clientelista individual. Na verdade, dizem eles, o Legislativo exibe um comportamento antes cooperativo do que conflituoso para com as iniciativas do Executivo (Figueiredo e Limongi, 1995a). Sendo assim, conclui Diniz (1995:395 et passim), o gargalo das políticas de ajuste está no processo de implementação. As críticas a essas teses serão feitas a partir de achados empíricos de pesquisa por mim coordenada, que investiga as características do processo decisório no Brasil pósConstituinte, com ênfase nas relações Executivo-Legislativo, mediante dois estudos de caso de políticas estratégicas da agenda governamental ¾ a política salarial no governo Collor e as políticas tributária e fiscal nos governos Collor e Itamar (cf. Castro Santos, Rua e Costa Filho, 1992; Castro Santos et alii, 1994; e Castro Santos, Rua e Machado, 1994) ¾ , além de analisar o processo orçamentário da União. É dos dois primeiros que derivam os achados relevantes para os propósitos deste artigo,18 que podem ser resumidos como se segue.19 O estudo da política salarial permite identificar dois padrões básicos de interação do Executivo com o Legislativo. Um de composição, em que as lideranças políticas governistas e de oposição chegam a um entendimento sobre os pontos em conflito. Outro, de confronto, com a radicalização do processo de negociação mediante estratégias de obstrução das matérias em votação, especialmente efetivas quando se trata de projetos prioritários do governo (sobretudo a Lei de Diretrizes Orçamentárias ¾ LDO e a Lei Orçamentária Anual ¾ LOA, com prazos regimentais de votação), rompimento de acordos, emperramento dos processos de decisão e adoção de mecanismos de boicote, levando, em momentos de maior inflexibilidade do Executivo, à completa paralisia decisória. A negociação entre os dois Poderes gira basicamente em torno do valor do salário mínimo, das faixas salariais a serem indexadas, da periodicidade dos reajustes e dos mecanismos automáticos de correção salarial. A análise do processo de decisão das políticas fiscal e tributária mostrou complexidade bem maior: tanto pelo número de atores estratégicos, bem mais ampliado, como pela interação destes com os Poderes constituídos, em que agora se destaca o Judiciário como ator político e importante parceiro no processo decisório, para não mencionar a marcante atuação dos governadores. Identificam-se dois padrões de interação dos atores públicos e privados. O primeiro envolve mais estritamente o Executivo e o Legislativo. Neste caso, a interferência do Judiciário se dá via Ações Diretas de Inconstitucionalidade ¾ ADIns20 ajuizadas por partidos de oposição contra medidas do Executivo. Com relação aos governadores, sua interferência se dá em via de mão dupla: numa direção atendem às solicitações do governo, acionando suas bancadas no Congresso; na outra, pressionam diretamente o Executivo, em função de interesses regionais, individualmente ou através do Conselho de Política Fazendária ¾ Confaz, ou mesmo mediante a mobilização das suas bancadas no Congresso Nacional. A moeda de troca essencial são os termos da rolagem da dívida dos estados. Trata-se, basicamente, no caso da política em tela, de padrões de confronto entre os dois Poderes, sem que, contudo, ocorra completa paralisia decisória: tipicamente negociam-se pontos de menor conflito, adiando-se sistematicamente a decisão sobre os mais polêmicos. Dessa forma, a cada final de ano são aprovadas, após árduas negociações, medidas emergenciais que garantam o orçamento do ano seguinte e o cumprimento de compromissos internos e externos do governo, frustando-se regularmente as tentativas do Executivo de promover reforma tributária e fiscal de cunho estrutural. Figura 1 Figura 2 Processo de Tomada de decisão Padrão de Interação Executivo-Legislativo (Política Tributária e Fiscal) Figura 3 O segundo padrão de interação dos atores envolvidos na formulação da política fiscal e tributária tem caráter reativo, referindo-se às ações de grupos sociais (empresários, banqueiros, segmentos organizados dos aposentados, trabalhadores, entidades sindicais e associações de interesses desses grupos) contra as medidas do Executivo, diretamente ou via Legislativo, ou ainda através do Judiciário. Este acaba por servir de recurso de poder dos atores sociais insatisfeitos, mediante o ajuizamento de ações diversas contra o governo. O número dessas ações é de tal ordem que ministros de Estado se dirigem às instâncias regionais e superiores do Judiciário solicitando moderação na concessão de liminares, já que a avalanche dessas concessões às empresas e indivíduos estaria inviabilizando a política econômica do governo.21 No que se refere ao padrão de interação Executivo-Legislativo, que é o foco deste trabalho, foram identificadas quatro variáveis explicativas, cuja delicada combinação explicaria o bom termo das decisões ou, ao contrário, a paralisia decisória: (i) características da equipe econômica (flexibilidade e liderança); (ii) características de liderança parlamentar do governo (fragmentação, trânsito entre os partidos, capacidade de negociação, exercício de liderança); (iii) características de liderança do articulador político do governo (trânsito entre os partidos, capacidade de negociação, exercício de liderança); (iv) características do sistema partidário e comportamento dos partidos no Congresso. Das duas legislaturas do período em análise, conclui-se que a segunda propiciaria, teoricamente, melhores condições para a construção de maiorias estáveis e o entendimento entre governo e oposições, já que levar as decisões a bom termo passaria a depender das negociações entre o bloco governista então criado (PFL, PRN, PSC, PMN e PST) e o PMDB-PSDB. Contudo, tanto numa legislatura como na outra, e tanto um presidente da República quanto o outro tiveram dificuldades em consolidar uma base parlamentar que lhes garantisse resultados favoráveis nas votações. De fato, Collor e Itamar chegam à Presidência sem base parlamentar de sustentação. O primeiro, que iniciara seu governo contando com no máximo 7% dos votos da Câmara dos Deputados,22 consegue formar uma base governista de sustentação que exige cargos, trocas e benesses, enquanto o segundo, em contexto pós-impeachment, recorre a amplas coalizões. Ambas as estratégias resultam em maiorias instáveis. Ainda a contribuir para a dificuldade de construir maiorias estáveis no Congresso Nacional está o baixo grau de institucionalização dos partidos, cuja origem deve ser buscada na constituição histórica do sistema político-partidário (aí incluída a recente experiência autoritária), na qual se destaca a tradição intervencionista do Estado e o caráter elitista e artificial de seu processo de formação. Dessa forma, os partidos políticos não chegam a se constituir em reais parceiros do Executivo na arte de governar, cumprem mal sua função democrática de agregar interesses da sociedade, não se sentem responsáveis perante o eleitorado nem são capazes de tomar a iniciativa de propor políticas necessárias ao reordenamento socioeconômico do país no momento da transição democrática. Por outro lado, em um sistema multipartidário polarizado e altamente fragmentado, certas regras eleitoral-partidárias, tais como ausência de fidelidade partidária, personalização dos mandatos, facilidade tanto de troca de partido como de constituição de novos, induzem a coligações de suporte governamental voláteis.23 Agravando essa situação, cita-se a questão do constrangimento eleitoral sobre o comportamento dos parlamentares, especialmente relevante nas novas democracias em face do imperativo do ajuste econômico e dos custos sociais que lhe são inerentes. Esses constrangimentos eleitorais afetam o comportamento tanto dos partidos governistas como dos de oposição e manifestam-se especialmente em anos de eleição. Dentre muitos exemplos, cita-se, em 1990, ano de eleições para deputado federal e um terço do Senado, as negociações em torno das Medidas Provisórias ¾ MPs 154 e 168, espinha dorsal do Plano Collor I, relativas, respectivamente, às políticas salarial e monetária. Mesmo apoiando o plano governamental de uma maneira geral, em ambiente inicialmente cooperativo entre os dois Poderes, o PMDB e o PSDB não deixam de persistentemente negociar com o governo alguns pontos que afetam diretamente os pequenos poupadores e os assalariados, especialmente os de baixa renda, logrando obter resultados mais favoráveis a esses grupos: a periodicidade da indexação dos salários e os extratos de renda a serem indexados (MP 154), os limites dos saques imediatos das cadernetas de poupança e o prazo de devolução dos valores bloqueados (MP 168). Quanto aos partidos governistas, é exemplar o episódio da derrubada do veto presidencial na Câmara à lei salarial do Congresso, nº 5.340/90, quando parte da bancada governista vota contra o Executivo.24 Interesses suprapartidários, por outro lado, perpassando as fronteiras partidárias, são responsáveis por alinhamentos entre partidos e segmentos de partidos especialmente caóticos. Este é o caso da MP 289/90 e do Projeto de Lei nº 2.155/91, relativos ao Imposto Territorial Rural, parte dos pacotes emergenciais do final dos anos 90 e 91, respectivamente. No primeiro caso, é notável a divisão das bancadas tanto governistas como de oposição, sendo a medida rejeitada por estreita margem de votos. No segundo, o projeto de lei é derrubado por ampla maioria, registrando-se a maciça oposição dos partidos governistas e do PMDB (cf. Castro Santos et alii, 1994). Em ambos os casos pode-se imputar os resultados à presença da bancada ruralista espalhada por diversos partidos. As clivagens regionais podem ser exemplificadas pela barganha proposta ao Executivo pela bancada nordestina, intermediada pelo senador Marco Maciel (PFL-PE), de aprovação da reforma tributária de emergência de 1991 em troca da reabertura dos bancos estaduais do Rio Grande do Norte, Paraíba e Piauí, bem como da concessão de novos empréstimos ao banco estadual de Pernambuco. Note-se que três dos estados envolvidos tinham governos pefelistas e que o articulador político dessa barganha junto ao Executivo era o próprio líder do governo no Senado (idem). Finalmente, mas não menos importante, destaca-se a segmentação do comportamento partidário dentro do Congresso Nacional: os partidos radicais de esquerda mostram-se menos abertos às negociações pluralistas, apegados que são a princípios mais propriamente ideológicos (aproximando-se do comportamento político típico da arena redistributiva de Lowi); os partidos conservadores (chamados governistas no governo Collor) não se furtam à negociação desde que esteja implícita, entre os termos da barganha, a troca de favores e prebendas (aproximando-se do comportamento político característico da arena distributiva); os partidos do centro do espectro ideológico, especialmente parte do PMDB e o PSDB, negociam de forma mais propriamente pluralista (aproximando-se das interações próprias da arena regulatória).25 A afinidade eletiva entre democracia e pluralismo é classicamente afirmada pelos primeiros escritos de Robert Dahl e Charles Lindblom. As coalizões pluralistas são, contudo, tipicamente instáveis, já que se estruturam em função de questões e interesses tangenciais. No entanto, é por regras de comportamento pluralista que o Executivo consegue maiorias estáveis, através da negociação entre partidos em torno de uma agenda de questões e suas soluções, que passam a compor um programa de governo. Contudo, no Brasil, independentemente da substância da política em questão (ponto em que me afasto de Lowi), os partidos políticos de esquerda comportam-se como se todas as questões fossem redistributivas ¾ e, portanto, não negociam com o governo ¾ , enquanto os mais à direita do espectro ideológico exibem comportamento típico de arenas distributivas ¾ e, portanto, negociam com o Executivo caso a caso, em troca de privilégios e cargos. Como os partidos dispostos a negociações mais propriamente pluralistas não constituem a maioria absoluta do Parlamento, qualquer presidente, mesmo que alçado ao governo por aliança eleitoral baseada nesses partidos ¾ o que não foi o caso até agora ¾ teria imensas dificuldades de construir maiorias estáveis.26 Dessa forma, mesmo o governo Fernando Henrique Cardoso que, diferentemente dos anteriores, chega ao poder apoiado em sólida coalizão partidário-eleitoral, é freqüentemente obrigado a negociar seus projetos arduamente. Em primeiro lugar, porque alianças eleitorais são diferentes de alianças de sustentação. Nesse caso, como os partidos que compuseram a aliança eleitoral que levou Cardoso ao poder (PSDB-PFL-PTB) não chegam a formar maioria no Congresso, a base de sustentação do governo é ampliada, passando a incorporar o PMDB. Em segundo lugar, a coalizão de sustentação do governo compõe-se de partidos que, conforme sugiro aqui, exibem comportamentos parlamentares marcadamente distintos. Assim, não só o Executivo é obrigado a negociar com sua própria base de sustentação para manter seu apoio, como tem de fazê-lo utilizando moedas distintas. Dessa forma, enquanto na maioria das vezes a moeda de troca do PFL, do PTB e de parte do PMDB é a típica das arenas distributivas de Lowi (cargos, benesses), no que se refere à parte "não fisiológica" do PMDB, as negociações geralmente se dão em torno das questões (issues) colocadas em pauta, em movimento característico das arenas regulatórias e pluralistas. Ao PSDB, partido do presidente, não resta muita autonomia no que se refere às negociações das questões em pauta. A construção de maiorias estáveis no Parlamento, essencial para a recuperação da capacidade de governar, é portanto, nesse cenário político-partidário, de difícil consecução. Em vista dessas considerações, as características das lideranças parlamentares e do articulador político do governo, somadas à flexibilidade ou inflexibilidade da equipe econômica, tornam-se variáveis de grande importância para a construção bemsucedida de maioria a cada votação. Se se acrescenta à delicada combinação dessas variáveis as mediações e intervenções do Judiciário e dos governadores, pode-se compreender a grande dificuldade em se obter decisões coerentes que componham uma política governamental ou, mais importante ainda, um conjunto de políticas que constituam um programa articulado de governo. Do exposto pode-se derivar os seguintes pontos, em que pese a limitação metodológica intrínseca aos estudos de caso, plenamente reconhecida: 1) A configuração político-institucional do processo de tomada de decisão varia conforme a substância da política em foco ¾ no que se refere aos padrões de interação dos poderes constituídos e destes com os atores sociais ¾ , bem como com o número e importância dos atores envolvidos.27 2) O processo de tomada de decisão de políticas fundamentais da agenda de governo do Brasil pós-Constituinte exibe baixa institucionalização dos mecanismos de interação dos atores e suas formas de representação de interesses. Isto, combinado às características dos sistemas eleitoral e partidário e do comportamento parlamentar dos partidos (ver item 3), ressalta a importância para a tomada de decisão dos atributos pessoais das lideranças do governo e da oposição, e mesmo da equipe econômica, de variáveis conjunturais em determinadas combinações e de mecanismos e procedimentos informais. 3) A baixa institucionalização dos partidos, a existência de determinadas regras eleitorais e partidárias em um sistema multipartidário polarizado e altamente fragmentado, a forte presença de interesses suprapartidários, os constrangimentos eleitorais dos partidos e sua forma segmentada de comportamento (partidos que ocupam distintas posições no espectro ideológico negociando segundo diferentes moedas), dificultam a construção de coalizões de sustentação do governo, obrigando o Executivo a empenhar-se na obtenção de maioria a cada votação. É certo que, conforme Figueiredo e Limongi, o Executivo termina por predominar durante o processo legislativo de formulação das políticas, sendo raros os projetos de lei de iniciativa do Congresso que tratam de questões fundamentais e são aprovados com rapidez. Não é menos certo, contudo, que o Executivo não é o soberano absoluto, sendo freqüentemente obrigado a submeter-se a penosos processos de negociação com os partidos e líderes parlamentares da oposição, quando não com sua própria base de sustentação parlamentar. Evidência empírica mostra, inclusive, como sugerido acima, ocasiões em que se instala um padrão de franco confronto entre os dois Poderes, como foi o caso da política salarial do governo Collor. Assim, após o veto do Executivo à incorporação dos dispositivos dos projetos oposicionistas à MP 154, negociados pelas lideranças governistas parlamentares, instala-se uma situação de "queda-de-braço" entre os dois Poderes. Essa situação se caracteriza por uma série de táticas de enfrentamento de ambos os lados. Por duas vezes o Congresso aprova dispositivos legais contendo princípios diametralmente opostos aos da política salarial pretendida pelo governo, sem nenhuma chance, portanto, de obter a sanção presidencial: o Projeto de Lei nº 5.340, de junho de 1990, elaborado pelo próprio Congresso e o Projeto de Lei de Conversão ¾ PLV nº 63/90, de dezembro de 1990. O Executivo, por sua vez, reedita sistematicamente MPs, insistindo no princípio da livre negociação salarial, enquanto a oposição, também sistematicamente, produz PLVs, estabelecendo o princípio da reindexação dos salários, deixando expirar o prazo de trinta dias para a apreciação das MPs, que assim perdem sua validade. Em seu enfrentamento com o Congresso, o Executivo tenta instituir, sem sucesso, uma arena decisória externa e superveniente ao Parlamento, o Fórum de Entendimento Nacional, composto de representantes dos Ministérios da Justiça, Trabalho e Economia, sindicalistas e empresários. O Fórum funcionaria como arena prévia de negociação, cujas decisões o Legislativo seria constrangido a ratificar. Ao todo são enviadas e reeditadas sete MPs (MP 193 e MP 199, reeditadas com ligeiras diferenças pelas MPs 211, 219, 256, 273 e 292), até que o governo consegue aprovar o PLV 7/91 (em que se transformara a MP 295) como a Lei nº 8.178, em fevereiro de 1991. Esta fica conhecida, tantos são os acordos, como a "lei dos abonos", incapaz de estabelecer princípios norteadores para uma política nacional de salários. Esses princípios somente são instituídos quando o Executivo, em acordo com o Legislativo, abre mão do recurso às MPs e envia ao Congresso o Projeto de Lei nº 638, aprovado em abril de 1991. Na verdade, a política nacional de salários só foi definida após quase um ano de embates entre o Congresso e o Executivo e, assim mesmo, de forma provisória. A política definitiva só seria estabelecida em abril de 1992, quando o Projeto de Lei nº 2.747 é aprovado pelo Congresso e transformado na Lei nº 8.419 um mês depois, quase sem modificações em relação à proposta original da equipe econômica e sem vetos presidenciais. Este resultado, contudo, exigiu a ampliação da base governista mediante a incorporação de quadros partidários ao primeiro e segundo escalões da burocracia, providenciada pela reforma ministerial no início de 1992; a pressão de alguns governadores alinhados com o governo sobre suas bancadas; manobras regimentais lideradas por Luiz Eduardo Magalhães (PFL/BA), líder do bloco governista na Câmara; e a competente atuação do articulador político do governo, Jorge Bornhausen (PFL/SC), ministro-chefe da Secretaria de Governo, cargo especialmente criado para este fim. Bornhausen trata de assegurar a maioria dos votos parlamentares para a proposta da equipe econômica mediante a mobilização da recém-constituída base parlamentar do governo, com o auxílio dos ministros recém-empossados e a cooptação direta de votos oposicionistas em troca de cargos federais nos estados.28 No caso da reforma tributária e fiscal, se não ocorre completa paralisia decisória, o próprio fato de tanto no governo Collor como no governo Itamar Franco as propostas de reforma tributária e fiscal terem resultado, sistematicamente, em medidas emergenciais de final de ano ¾ assim mesmo intensamente barganhadas e reduzidas aos pontos de maior consenso ¾ demonstra o padrão de conflito que se instala entre os dois Poderes. Assim, por exemplo, das oito medidas fiscais e tributárias em tramitação ao final de 1990, apenas três foram aprovadas, relativas à elevação da alíquota do Finsocial (MP 279, Lei nº 8.147, de 28/12/90) e do IPI sobre refrigerantes e bebidas alcóolicas (MP 282, Lei nº 8.133, de 27/12/90) e à simplificação do Imposto de Renda (MP 284, Lei nº 8.134, de 27/12/90).29 No que se refere à reforma tributária de emergência de 1991, as negociações do governo com o PMDB ¾ sem o qual o Executivo não consegue obter maioria ¾ envolvem a explícita barganha pela qual o PMDB só aprovaria a reforma antes do recesso parlamentar se o projeto da rolagem da dívida dos estados (PL nº 2.452/91) fosse igualmente aprovado. Com vistas às eleições municipais no ano seguinte, o PMDB lidera a bandeira da rolagem da dívida e compromete-se a apoiar o governo no ponto mais polêmico do pacote de emergência, qual seja, a criação da alíquota de 35% para o Imposto de Renda de Pessoa Física (PL nº 2.159/91). O Bloco da Economia Moderna ¾ BEM no Congresso envolve-se também nesta questão, participando ativamente da elaboração do substitutivo da Câmara ao PL nº 2.159/91. Reclamando do excesso de tributação sobre as empresas e argüindo a inconstitucionalidade da antecipação do recolhimento dos impostos referentes ao exercício de 1993, o BEM propõe tanto a diminuição da carga tributária das empresas como a eliminação da alíquota de 35% sobre o imposto de renda das pessoas físicas. O substitutivo da Câmara leva em conta essas demandas, embora mantenha a Unidade Fiscal de Referência ¾ Ufir, indexador dos impostos proposto pelo governo também no PL nº 2.159/91. O substitutivo é aprovado com 83% dos votos do PMDB, que, assim, rompe em plenário o acordo com o Executivo. No final, apesar de cumprir sua parte no que diz respeito à aprovação do projeto da rolagem da dívida dos estados, o governo não consegue aprovar a alíquota de 35% para o Imposto de Renda de Pessoa Física (PL nº 2.155/91), nem o estabelecimento da faculdade de transação para dívidas referentes a impostos e contribuições previdenciárias (PL nº 2.157/91) e muito menos o aumento da alíquota do Imposto Territorial Rural (PL nº 2.155/91). O governo consegue, contudo, aprovar a criação da Ufir (PL nº 2.159/91), a medida cautelar fiscal (PL nº 2.156/91) que autoriza a indisponibilidade de bens de sonegadores de impostos federais, e o projeto de criação da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social ¾ Cofins. A proposta de reforma tributária e fiscal do governo Itamar Franco, por sua vez, concentra-se no aumento da receita tributária mediante a criação de novos impostos (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira ¾ IPMF, Contribuição sobre Valor Agregado ¾ CVA, que incidiria sobre produtos e serviços, Imposto Seletivo sobre combustíveis, telecomunicações, energia elétrica, automóveis, fumo e bebidas e Imposto sobre Ativos Financeiros); no combate à sonegação fiscal, principalmente com a quebra do sigilo bancário; no resgate da dívida pública, proibindo estados e municípios de emitirem novos títulos da dívida pública e permitindo que empresas públicas pedissem falência ou concordata; e no controle das decisões judiciais, instituindo a ação declaratória de constitucionalidade, a ação de interpretação do Distrito Federal e a Justiça Tributária. Desse projeto inicial, o governo consegue aprovar apenas a criação do IPMF, a destinação de 20% dos recursos arrecadados com ele para o financiamento de programas de habitação popular e 18% para a educação, a proibição da emissão de títulos da dívida pública pelos bancos estaduais e a ação declaratória de constitucionalidade. As negociações em torno do IPMF seriam longas e intensas, envolvendo interesses extracongressuais poderosos, como os dos empresários e banqueiros, sem que se formassem claras alianças entre os partidos, assistindo-se, em vez disso, a negociações pontuais de distintos partidos ou segmentos de partidos com o governo.30 O Projeto de Lei Complementar, regulamentando o IPMF, foi aprovado em julho de 1993, seis meses após o início do ano fiscal, não contribuindo, portanto, como as demais medidas emergenciais de final de ano, para a garantia de recursos orçamentários para o ano seguinte. Este fato, por si só, é indicador das difíceis negociações entre os dois Poderes. Está-se longe, portanto, do padrão, em geral, cooperativo do Legislativo apontado por Figueiredo e Limongi. O que sugiro aqui é que todos os governantes do Brasil pósConstituinte, qualquer que seja sua extração ideológica, dadas as dificuldades descritas de construção de maiorias estáveis, se verão recorrentemente envolvidos em um padrão de interação conflituoso com o Legislativo. Fica claro, portanto, que o processo de formulação de políticas estratégicas da agenda governamental ¾ em que o padrão de interação Executivo/Legislativo se apresenta como crucial ¾ pode constituir-se em importante gargalo da capacidade governativa do Brasil recémdemocratizado. A que atribuir, então, a diferença desses achados com relação às teses dos autores mencionados? Para explicar o diagnóstico do gargalo da capacidade governativa do Estado localizado unicamente na fase de implementação das políticas governamentais recorro, mais uma vez, à hipótese central do trabalho clássico de Lowi, "American Business, Public Policy, Case-Studies, and Political Theory" (1964), que relaciona o tipo de política com o tipo de arena decisória. No caso, importa pouco diferenciar se as políticas são distributivas, regulatórias ou redistributivas. A maioria é regulatória e, no limite, já que ligadas à percepção de escassez de recursos dos atores, todas são redistributivas. Relevante aqui é distinguir as decisões de políticas que passam pelo Congresso e as que se encapsulam nas burocracias. Esse encapsulamento, é bom lembrar, é sempre relativo, já que mesmo nos períodos mais autoritários as burocracias do Estado, feitas arenas decisórias, são penetradas, formal ou informalmente, por interesses privados.31 No caso das políticas de ajuste, parte passa pelo Congresso e parte não. A política cambial e grande número dos instrumentos de política monetária, essenciais na fase de estabilização, não passam, assim como também não passam as políticas de crédito e de comércio exterior. O Banco Central e as burocracias fazendárias produzem, em clausura relativa, sem controle social mais amplo,32 uma grande quantidade de instrumentos legais, caracterizando o que Diniz (1995; 1996) chama de "hiperatividade decisória da cúpula governamental". A formulação da política industrial também tem passado ao largo do Congresso Nacional.33 Já as políticas de reforma estrutural (previdência, privatização, administrativa, tributária e fiscal) passam, necessariamente, pelo crivo do Legislativo, até porque dependem, em grande medida, de reforma da Constituição. Anota-se, nesse caso, as grandes dificuldades do Executivo, a partir da administração Collor, em aprovar no Congresso suas propostas de reforma previdenciária,34 e reforma tributária e fiscal,35 incluindo-se, no caso do governo Fernado Henrique, as árduas negociações com líderes parlamentares no que se refere à reforma administrativa. A política de privatização apresenta grau menor de conflito quanto à atuação do Legislativo, embora seu arcabouço legal tenha sido todo discutido e negociado no Congresso (cf. Almeida, 1996). Minha explicação para a tese que descarta a importância das características da fase de formulação de políticas para a capacidade governativa do Estado é a de que os autores que a endossam ¾ não é o caso de Figueiredo e Limongi ¾ têm focalizado, em seu trabalho, políticas de ajuste que prescindem do Congresso. No que se refere às teses de Figueiredo e Limongi quanto ao predomínio quase absoluto do Executivo no processo legislativo e ao comportamento cooperativo do Congresso, minha explicação para a discrepância de resultados entre a pesquisa desses autores e a minha própria é de cunho metodológico. De fato, enquanto esses autores trabalham com dados agregados e o método hipotético-dedutivo, a pesquisa por mim coordenada baseou-se em estudos de caso de políticas de grande importância na agenda governamental e no método indutivo. Se é certo que estudos de caso não permitem generalizações, esta limitação metodológica não impede, contudo, que seus achados, especialmente quando associados ao método indutivo de análise, chamem a atenção para pontos relevantes que passam desapercebidos quando o mesmo objeto é investigado por meio de dados agregados e do método hipotético-dedutivo. Assim, o primeiro método ¾ apoiado no modelo racional de comportamento dos atores combinado ao modelo de barganha política ¾ , ao desvendar as relações, por assim dizer, miúdas entre estes, permite identificar, no que se refere às políticas enfocadas, conflitos, negociações e padrões tanto de cooperação quanto de confronto entre o Executivo e o Legislativo. Desvendam-se, assim, relações conflituosas entre os dois Poderes, mesmo que o tempo de tramitação dos projetos no Congresso não seja tão grande, que sua taxa de aprovação seja alta e que a iniciativa dos projetos de lei seja quase sempre do Executivo, constatações empíricas das quais se valem Figueiredo e Limongi para evocar o comportamento cooperativo do Congresso. Fica faltando ainda à análise institucionalista dos dois autores, baseada no estudo do marco legal criado pela Constituição de 1988 e nas características da produção legal, a explicação do comportamento dos atores parlamentares. Figueiredo e Limongi deixam de considerar, assim, o que leva os parlamentares a votar contra ou a favor do governo, a que induções seletivas são sensíveis etc. Interessante e importante, por exemplo, seria a análise por issue areas dos dados desses autores combinada a um modelo de comportamento parlamentar. O desafio, em nome da produção do conhecimento, é a construção de uma ponte metodológica entre as duas formas de trabalhar que permita aos estudiosos do mesmo tema se beneficiarem dos resultados que decorrem de um e outro método de análise, convergindo, no caso em questão, para a investigação das circunstâncias e variáveis que explicam o estabelecimento de padrões de conflito e cooperação entre os dois Poderes. CONCLUSÕES: QUE DEMOCRACIA ? Após uma revisão dos conceitos de governabilidade e governance, como tratados pela literatura recente, apresento, como sugestão, para fins analíticos, a utilização do termo capacidade governativa, definido de maneira ampla, de forma a englobar tanto os aspectos operacionais do aparelho do Estado ¾ aí incluídos os requisitos organizacionais e gerenciais ¾ como suas dimensões institucional, política e econômica. Baseado na capacidade do sistema político de identificar os problemas da sociedade, formular soluções por meio de políticas públicas e implementá-las, o termo proposto enfatiza a importante distinção analítica entre as duas fases do processo de decisão, indicando, ainda, o contexto mais ou menos democrático em que este se desenvolve. Esse conceito operacional permite, assim, a análise da eficiência e eficácia do Estado em ajustar a economia, redefinir seu tamanho e suas funções, resgatar a dívida social e manter-se em ambiente democrático, desafios impostos e assumidos por todos os governantes do Brasil pós-constituinte. Dentre os vários aspectos considerados importantes para a capacidade governativa do Estado, destaco e examino, neste artigo, o processo de tomada de decisão, com ênfase na fase de formulação das políticas e nas relações Executivo-Legislativo. Valendo-me dos resultados de dois estudos de caso de políticas fundamentais da agenda do governo ¾ a política salarial e a política tributária e fiscal ¾ contraponhome à literatura que localiza o gargalo da capacidade governativa, basicamente, na implementação das políticas governamentais ¾ aliás, plenamente reconhecido ¾ e à tese de Figueiredo e Limongi que argúi o predomínio quase absoluto do Executivo no processo legislativo e o conseqüente comportamento cooperativo do Congresso. Para tanto, chamo a atenção para as grandes dificuldades da fase de formação das políticas indicadas, que são colocadas à conta da baixa institucionalização dos mecanismos de interação dos atores e de suas formas de representação de interesse, e dos obstáculos para a construção de maiorias estáveis no Parlamento. De fato, neste último caso, a baixa institucionalização dos partidos, determinadas regras eleitoral-partidárias em um sistema multipartidário polarizado e altamente fragmentado, a forte presença de interesses suprapartidários, os constrangimentos eleitorais dos partidos e sua forma segmentada de comportamento (partidos que ocupam distintas posições no espectro ideológico negociando segundo diferentes moedas) dificultam a formação de coalizões de sustentação do governo, obrigando o Executivo a empenhar-se na construção de maiorias a cada votação. A combinação desses fatores faz ressaltar a importância, para a tomada de decisão, dos atributos pessoais das lideranças do governo e da oposição ¾ e mesmo da equipe econômica ¾ , de variáveis conjunturais em determinadas combinações e de mecanismos e procedimentos informais. Para a discrepância desses resultados encontro as seguintes explicações. No que se refere à tese de que o gargalo da capacidade governativa do Estado está basicamente na implementação, recorro à hipótese central de Lowi que associa tipo de política a tipo de arena decisória. Sugiro que relevante, nesse caso, é distinguir entre as políticas que passam pelo Congresso e aquelas que são produzidas em burocracias relativamente encapsuladas, e que os autores que abraçam a tese mencionada vêm trabalhando com políticas econômicas cujo processo de formação se desenvolve de acordo com a segunda modalidade. No que se refere à tese de predomínio quase que absoluto do Executivo e de cooperação do Legislativo no processo legislativo propriamente dito, a diferença é metodológica. Os estudos de caso indicados e o método indutivo permitem desvendar relações no plano micro entre os atores, e, assim, detectar conflitos, negociações freqüentemente árduas e padrões de interação tanto de confronto como de cooperação envolvendo os dois Poderes. Isso ocorre, mesmo que o tempo de tramitação dos projetos de lei não seja tão grande e que sua taxa de aprovação seja alta, como sugere a análise de dados agregados e o método hipotético-dedutivo utilizados pelos autores mencionados. Dessa forma, se é verdade, no período pós-Constituinte, que o Executivo tem o domínio do processo legislativo, determina a agenda do Congresso e detém a iniciativa dos projetos relevantes para o reordenamento socioeconômico do país, não é menos verdade que é obrigado a negociar com o Congresso, muitas vezes arduamente, tendo, freqüentemente, de construir maiorias a cada votação. Em outras palavras, o Executivo predomina, mas o Congresso não é de forma alguma irrelevante, e muito menos é cooperativo como regra geral.36 Em que circunstâncias e que variáveis explicam o estabelecimento de padrões de interação envolvendo os dois Poderes, de natureza mais ou menos conflituosa ou mais ou menos coooperativa, é questão empírica ainda incipientemente investigada. Almeida (1996) chama a atenção para o grau de coincidência da distribuição de preferências dos parlamentares com a agenda reformista dos governos pós-1990. O meu próprio trabalho enfatiza a importância de variáveis conjunturais em determinada combinação, incluindo-se aí os atributos das lideranças do governo, da oposição e até mesmo da equipe econômica. É razoável supor também que quanto maiores e mais diversificados os interesses envolvidos, e quanto maior a importância estratégica dos atores em jogo ¾ o que varia com a issue area em foco ¾ menores são as chances de que se estabeleçam padrões de interação de natureza cooperativa entre o Executivo e o Legislativo. Em resumo, no que se refere às políticas de ajuste ¾ item da pauta de todos os governos pós-Constituinte ¾ , se sua deficiência de implementação é reconhecida, o processo de formulação das políticas que passam pelo crivo do Congresso é freqüentemente complexo e difícil. Por outro lado, se boa parte das políticas de estabilização são, basicamente, formuladas na relativa clausura das burocracias governamentais, as reformas estruturais ¾ segunda fase do programa de ajuste ¾ são todas submetidas ao Legislativo, até porque dependem, em parte, de reforma constitucional, o que, necessariamente, pelas dificuldades descritas de negociação entre os dois Poderes, prolonga o tempo do processo de formulação das reformas estruturais, tão ansiosamente perseguidas pelos governos pós-1990. Estamos falando, portanto, de um padrão dual do processo de tomada de decisão. Aqui o dilema do governante parece ser o seguinte. Para empreender as reformas estruturais deve ele manter o processo de decisão o mais aberto possível, passando pelo aval do Congresso Nacional, e, portanto, tornando-o visível aos olhos públicos, e dessa forma submetendo-o às mais fortes e diversificadas pressões dos grupos sociais, às interferências do Judiciário, dos governadores de estado, sem falar das custosas negociações com partidos e líderes da oposição, quando não com a própria bancada governista. Afinal, como diz Reis, "[...] a democracia envolve, antes, por definição, a problematização do processo de fixação dos fins da ação do Estado, com o reconhecimento de que há fins diversos e às vezes divergentes ou mesmo conflitantes (em correspondência com a multiplicidade dos interesses de que são portadores os diferentes grupos e categorias da sociedade) e de que é preciso tratar de agregar fins múltiplos, se possível compatibilizá-los por meio de negociações, definir prioridades com recurso a procedimentos que venham a ser percebidos como legítimos etc." (1995:126, ênfase no original). Ou deve o governante, para garantir maior rapidez na implantação das reformas estruturais, encapsular, sempre que possível e o máximo possível, sua fase de formulação nas burocracias, à semelhança do que ocorre com as políticas monetária e cambial? Nesse caso, não se estará abrindo mão dos princípios democráticos ¾ outro dos pressupostos dos políticos e da grande maioria dos cidadãos e acadêmicos do país? Até que ponto a escolha da arena decisória é prerrogativa do governante? Que constrangimentos internos ou externos, institucionais, políticos ou econômicos conformam essa escolha? Mais importante ainda: será possível a convivência, a longo prazo, entre democracia e um padrão dual de tomada de decisão, pelo qual certas políticas têm como locus de decisão a relativa clausura das burocracias, enquanto outras se concentram no Parlamento? E o que dizer do resgate da dívida social? É possível conter seu potencial desestabilizador ¾ segundo a percepção de alguns ¾ , ou promover a justiça social ¾ conforme os princípios de outros ¾ , sob o imperativo da lógica econômica? É possível construir democracia política sem democracia social? Afinal, de que democracia estamos falando? Malloy prevê: "Na década de 90, a América Latina será o cenário da criatividade política, na medida em que esses países busquem reconciliar os impulsos contraditórios que os sacodem. O resultado mais provável será o surgimento de novos regimes híbridos, nos quais os elementos de estilo autoritário de política serão fundidos com processos eleitorais democráticos. Nesses híbridos, a questão crucial será a de como as expressões organizadas da sociedade civil serão ou não integradas ao processo de governo e de elaboração de políticas públicas, e qual o papel que os partidos políticos desempenharão enquanto mediadores desse tipo de articulação" (1993:126). ODonnell (1993; 1994; 1996), igualmente preocupado com as novas poliarquias, propõe, tomando como referencial empírico a América Latina, o termo "democracia delegativa" para caracterizar um novo tipo de democracia, que se distingue das democracias representativas mais antigas. As democracias delegativas, sugere o autor, pressupõem a concepção cesarista e plebiscitária de um presidente eleito que se percebe investido do poder de governar o país da forma como lhe aprouver, constrangido apenas pelas relações de poder existentes e o tempo constitucionalmente limitado de seu mandato. Nas novas poliarquias latinoamericanas, continua o autor, não há ausência de institucionalização. Na verdade, essas poliarquias combinam eleições livres, competitivas e formalmente institucionalizadas com instituições políticas não formalizadas, com destaque para o clientelismo e, de forma mais ampla, o particularismo (no qual não há distinção comportamental, legal e normativa entre as esferas pública e privada). As afinidades eletivas entre o particularismo, a reduzida "prestação de contas horizontal" (entre as agências públicas), a pouca transparência dos processos de tomada de decisão das políticas governamentais, a grande distância entre as normas formais e o funcionamento efetivo da maioria das instituições políticas e as concepções e práticas delegativas e não representativas de autoridade política terminam por reviver e acentuar características do antigo autoritarismo. Embora se distingam de várias maneiras, as concepções de ODonnell e Malloy acerca das novas democracias latino-americanas apontam, em comum, para regimes políticos que combinam eleições democráticas institucionalizadas e práticas autoritárias. Esses regimes híbridos, parece óbvio, guardam afinidade eletiva com o padrão de decisão dual descrito acima. Nesse contexto, as relações ExecutivoLegislativo tornam-se cruciais. Um padrão freqüentemente conflituoso entre os dois Poderes ¾ como argüido aqui ¾ tenderá a reforçar as arenas decisórias localizadas em burocracias relativamente encapsuladas em detrimento do Parlamento, com conseqüências óbvias para os rumos da democracia em construção. Serão os regimes híbridos de Malloy a solução? Será a democracia delegativa de ODonnell a única possível? O padrão de decisão das políticas governamentais será basicamente dual? Estaremos dispostos a abrir mão dos mecanismos democráticos clássicos? E como acomodaremos o particularismo de nosso contexto históricocultural? Que democracia poderemos ou estaremos dispostos a construir? De qualquer forma, o desafio de ajustar a economia aos pressupostos de resgate da dívida social em contexto democrático constitui-se, para todos os que não estão dispostos a abrir mão desses pressupostos normativos ¾ eu mesma, inclusive ¾ , em formidável desafio para a presente e futuras gerações do país, dos países latinoamericanos e dos países emergentes de uma maneira geral. (Recebido para publicação em abril de 1997) Referências Bibliográficas ABRANCHES, Sérgio. (1978), The Divided Leviathan: State and, Economic Policy Formation in Authoritarian Brazil. Tese de Doutorado em Ciência Política, Cornell University. [ Links ] ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. (1996), "Pragmatismo por Necessidade: Os Rumos da Reforma Econômica no Brasil". Dados, vol. 39, nº 2. ALMOND, Gabriel e POWELL JR., G. Bingham. (1966), Comparative Politics: A Developmental Approach. Boston, Little Brown and Co. [ Links ] BOENINGER, Edgardo. (1992), Governance and Development: Issues and Constraints. 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In a context of economic reforms and democratization, Executive-Legislative relations form one of the key elements of governing capacity. Contesting Brazilian literature on this topic, the article grounds itself in basic policies on the agendas of the Collor and Itamar Franco administrations to argue that if there is a deficit in the implementation of a good share of economic stabilization policies and policies to open up trade, produced within relatively insulated bureaucracies, at the same time the structural reform policies submitted to Congress (social welfare, privatization, administration, taxation) have fallen short not just in the realm of implementation but in the realm of formulation as well. Underscoring the complexity of the policy-making phase, the text cites some causes, such as problems the government encounters in building stable majorities within Congress. Given this difficulty, the Executive must often engage in tough negotiations to get governmental policies approved, and it ends up entering into a pattern of conflict in its interactions with the Legislative branch. As a consequence, government leaders are tempted to favor the relatively insulated arena of bureaucracies over the parliament, with foreseeable consequences for the process of democratization within Brazil. Based on this scenario, the article asks what type of democracy Brazil can or is willing to build. Keywords: governability; governance; governing capacity; Executive-Legislative relations; democracy. RÉSUMÉ Gouvernabilité, Gouvernance et Démocratie: Création de la Capacité de Gouverner et Relations entre le Pouvoir Exécutif et Législatif au Brésil de laprès-Constituante Dans cet article on confronte tout dabord les concepts de gouvernabilité et détat de gouvernance selon lusage quen fait la littérature actuelle, tout en suggérant aux chercheurs demployer la formule" capacité à gouverner". Compte tenu du contexte des réformes économiques et de démocratisation, lun des éléments essentiels de cette capacité à gouverner consiste dans létablissement de bons rapports entre le pouvoir exécutif et le législatif. A partir de létude des politiques de fond des gouvernements Collor et Itamar Franco, lauteur se démarque de la littérature brésilienne sur le sujet pour affirmer que si, dun côté, la plupart des politiques de stabilisation et de libéralisation économique- produit de burocraties relativement isolées - sont insuffisamment appliquées, dautre côté les politiques de réforme structurelle (sécurité sociale, privatisations, réformes administrative et fiscale) soumises au Congrès présentent des défauts de formulation et de mise en place. On relève la complexité du stade de formulation de ces politiques, tout en montrant les causes, parmi lesquelles la difficulté du gouvernement de construire une majorité stable au Congrès. Ce fait mène souvent le pouvoir exécutif à des négociations difficiles en vue de faire approuver sa politique et, par conséquent, à des niveaux déchange conflictuels avec le pouvoir législatif. Les gouvernants sont donc tentés de privilégier le camp relativement restreint des burocraties au détriment du parlement, ce qui a de claires conséquences sur le processus de démocratisation du pays. Cest à partir de ce cadre que se pose la question de savoir quel type de démocratie nous pouvons ou nous sommes prêts à construire. Mots-clé: Gouvernabilité; gouvernance; capacité à gouverner; rapports pouvoir exécutif-pouvoir législatif; démocratie. NOTAS: * A primeira versão deste artigo foi apresentada no XX Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - Anpocs, Caxambu, MG, 22-26 de outubro de 1996 e no I Congreso Interamericano del Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo - CLAD, Rio de Janeiro, 7-9 de novembro de 1996. Parte do trabalho foi preparada para a Escola Nacional de Administração Pública - ENAP. Agradeço a Carlos Pio por seus ouvidos atentos e suas sugestões sempre pertinentes. As idéias aqui expostas são, contudo, de minha inteira responsabilidade. 1. Ver, por exemplo, entre outros, os trabalhos de Santos (1993); Reis (1989a; 1989b; 1994; 1995); Fiori (1993); Diniz (1995); Sola (1993; 1995). 2. Nelson (1990) apresenta excelente análise sobre o processo de ajuste da economia dos países em desenvolvimento nos anos 80. 3. Eduardo Viola (1996), por exemplo, considera que a possibilidade de uma coalizão estatista-nacionalista se esgotou após a derrota do candidato do PT nas eleições presidenciais de 1989. 4. Fábio Wanderley Reis assim se expressa em Reis (1994). Heredia e Schneider (1996), resumindo o processo de reforma do Estado em resposta à internacionalização econômica recente, apontam para a substituição das estratégias iniciais de downsizing, que terminaram por gerar um Estado desintegrado, com burocracias desmoralizadas e inoperantes, por uma segunda geração de reformas administrativas, centradas na construção ou reconstrução das capacidades institucionais e administrativas do Estado, moldando burocracias capazes de lidar com pressões e demandas de mercados econômicos e políticos crescentemente competitivos. 5. Por exemplo, o episódio da matança dos sem-terra em Eldorado dos Carajás tem sido atribuído ou a uma perversa inversão de prioridades na agenda governamental ou ao mau sentido de timing dos governantes, que teriam subestimado o potencial desestabilizador da questão da terra. 6. Robert Barro, economista da Chicago University, é um desses raros analistas. Apesar de existir significativa literatura sobre a performance de regimes autoritários vis-à-vis os democráticos no que se refere ao ajuste estrutural da economia trata-se, basicamente, de análises e avaliações, e não de recomendações. Ver nota 13. 7. ODonnell (1996:19) refere-se a particularismo como um termo geral que, abrangendo o clientelismo, engloba os "vários tipos de relações não-universalistas, desde as relações particularistas hierárquicas, a patronagem, o nepotismo, os favores e jeitinhos, até as ações que, sob as normas formais do complexo institucional da poliarquia seriam consideradas corruptas". Esta instituição não formalizada, fortemente arraigada no contexto histórico-cultural latino-americano, exerce enorme influência nas características do regime político das novas poliarquias da região. 8. Durante as duas últimas décadas o mundo assistiu a uma proliferação de regimes democráticos sem precedentes. Chamada por Samuel P. Huntington de a "terceira onda" de democracia, esta atingiu, em graus variados, todas as regiões do globo. Existe hoje uma vasta literatura sobre as novas democracias e suas características, perspectivas e critérios de consolidação, tipos de democracia etc. Autores tais como Guillermo ODonnell, Philippe Schmitter, Larry Diamond, Terry L. Karl, Catherine Conaghan, Laurence Whitehead, Samuel Valenzuela, James Malloy, Adam Przeworski, Juan Linz, Alfred Stepan, Arendt Lijphart, Samuel Huntington dentre muitos outros, têm contribuído extensamente para a análise e debate dessas questões. Embora de grande interesse para a linha deste trabalho, essa discussão transcende, contudo, a limitação do seu escopo. 9. As observações de Eduardo Viola levaram-me a esclarecer este ponto. 10. Ambas as definições de governance são do Websters New Universal Dictionary (London, Dorset & Baker, 1979). Os aspectos de governance em geral considerados são: "(a) the form of political regime (parliamentary or presidential, military or civilian, and authoritarian or democratic); (b) the processes by which authority is exercised in the management of a countrys economic and social resources; and (c) the capacity of governments to design, formulate, and implement policies, and, in general, to discharge government functions" (cf. World Bank, 1992:3 e nota 1). Enquanto os dois últimos aspectos estão dentro do foco de análise do Banco, este não é o caso do primeiro, embora este esteja também na base da concepção de governabilidade de alguns dos autores contemporâneos. 11. Esses pressupostos estão claramente indicados, por exemplo, nos trabalhos de Edgardo Boeninger (1992) e Edmundo Jarquin (1992). 12. Robert Packenham (1973), analisando as doutrinas e teorias por trás dos programas de assistência técnica e econômica ao Terceiro Mundo, mostra os pressupostos normativos que conectam desenvolvimento econômico e democracia. Huntington (1968) critica esses pressupostos, baseado em seu argumento do gap institucional dos países em desenvolvimento. Ambos reportam-se, extensivamente, ao trabalho de Louis Hartz (1955), que chama a atenção para o fato de que políticos e acadêmicos americanos, "handicapped by their happy history" (seu país nasceu com governo e instituições políticas importadas da Inglaterra do século XVII, com idéias de igualdade e liberdade individual já bem enraizadas, acreditando que a autoridade deve ser limitada e o poder descentralizado, em vez de acumulado), são prisioneiros da tradição liberal. São as seguintes as crenças sobre desenvolvimento político e econômico, conforme moldadas pela" história feliz" americana e norteadoras da política de ajuda externa das décadas de 50 e 60: "(1) change and development are easy; (2) all good things go together; (3) radicalism and revolution are bad; (4) distributing power is more important than accumulating power" (Packenham, 1973:20). 13. Dentre os autores mais citados que se dedicaram a investigar a existência de relação entre regime político e êxito na implementação das políticas de ajuste estão Haggard e Kaufman (1989), Skidmore (1977) e Remmer (1986). Ver, mais recentemente, Remmer (1996). 14. Compare a semelhança entre essa definição de governabilidade e o aspecto de governance descartado pelo Banco Mundial. Ver nota 10, acima. 15. Ver, dentre outros, os trabalhos de Fábio Wanderley Reis (1989a; 1989b; 1994; 1995). 16. No início da década, o Journal of Democracy publica um vivo debate sobre essas questões envolvendo os atores mencionados. Os artigos estão compilados em Diamond e Plattner (1996). 17. Bolívar Lamounier, Olavo Brasil de Lima Junior, Renato Lessa, José Antônio Giusti Tavares, Argelina C. Figueiredo, José Serra, Jairo Marconi Nicolau, Marcus Figueiredo, Fábio Wanderley Reis estão entre os autores que trataram desses temas. Embora de grande interesse para a questão da construção da capacidade governativa democrática no Brasil, o vivo debate que mobilizou o meio acadêmico sobre tipo de governo, sistema partidário e eleitoral transcende o escopo deste artigo. 18. Embora o orçamento seja, como se sabe, crucial para a viabilização de toda e qualquer política governamental e o processo orçamentário ilumine muitos aspectos relevantes das relações Executivo-Legislativo, ele tem características específicas que o distinguem das demais políticas públicas, na medida em que é sujeito à delimitação formal de prazos e à utilização de instrumentos e arenas decisórias estabelecidos por dispositivos constitucionais legais. Criam-se, assim, padrões peculiares de interação do Executivo com o Legislativo, o que, portanto, não oferece boa base para uma análise comparativa. 19. O texto a seguir baseia-se, extensamente, em Castro Santos, Rua e Costa Filho (1992); Castro Santos et alii (1994); e Castro Santos, Rua e Machado (1994). 20. A Constituição de 1988 (art. 103) estabelece quem pode propor Ação Direta de Inconstitucionalidade: o presidente da República; as mesas do Senado, da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas; governadores de estado; o procurador-geral da República; a Ordem dos Advogados do Brasil; partidos políticos; e sindicatos. 21. O volume de liminares contra a Receita Federal, concedidas às empresas e indivíduos em 1992 e relativas à Reforma Tributária de Emergência de dezembro de 1991, ao Finsocial e à Lei 8.200, alcançou tal magnitude que o ministro da Justiça Célio Borja procurou sensibilizar os presidentes dos Tribunais Regionais quanto à importância da moderação da concessão de liminares. Nessa ocasião, os ministros da Economia, Marcílio Marques Moreira, e da Ação Social, Ricardo Fiúza, atribuíram à Justiça a culpa pela instabilidade fiscal, por impedir a arrecadação de impostos e o cumprimento de metas fiscais acordadas com o FMI. Mecanismo semelhante observa-se durante o governo Itamar Franco, quando os ministros Gustavo Krause, da Fazenda, e Paulo Haddad, do Planejamento, dirigem-se ao Supremo Tribunal Federal demonstrando preocupação com a possibilidade de resultados desfavoráveis ao governo no que se refere às ações contra a Lei 8.200 e o Finsocial. 22. O PRN, partido do presidente, contava com 23 deputados. Se se contar com as bancadas do PST e PSC, partidos que fizeram formalmente parte da coligação eleitoral de Collor, a base parlamentar inicial do governo chega, segundo os cálculos de Nicolau (1996), a 6,8%. 23. Embora sem preocupação específica com relação à instabilidade das coalizões de suporte governamentais, Nicolau (1993; 1996) examina cuidadosamente, na experiência democrática brasileira pós-1985, as características dos sistemas eleitoral e partidário brasileiros, procurando avaliar sua relação com a fragmentação singular deste último. Para o autor, a alta fragmentação partidária, inevitavelmente, leva a governos de coalizões, até aqui minoritárias, e obriga o Executivo a atrair deputados ou bancadas de outros partidos para garantir a aprovação de seus projetos. 24. Para maiores detalhes desses episódios, ver Castro Santos, Rua e Costa Filho (1992) e Castro Santos et alii (1994). 25. Para a descrição das arenas distributivas, regulatórias e redistributivas, ver o clássico trabalho de Theodore Lowi (1964). 26. Os comentários de Carlos Pio levaram-me a esclarecer esses pontos. 27. Trata-se, basicamente, da hipótese central de Lowi (1964), que relaciona tipo de política com tipo de arena decisória. Parece, por outro lado, que, por acaso, os dois estudos de caso selecionados apresentam complexidades extremas quanto à configuração político-institucional do processo decisório, representando a política salarial o padrão mais simples, cujo núcleo se repetiria no padrão mais complexo da política tributária e fiscal, que agrega número muito maior de atores. Uma hipótese tentativa é a de que o processo decisório das políticas governamentais no Brasil pósConstituinte apresentaria padrões de interação entre os poderes constituídos e destes com os atores sociais cuja complexidade variaria do mais simples (semelhante ao da política salarial) ao mais complexo (semelhante ao da política fiscal e tributária). 28. Ver Castro Santos, Rua e Costa Filho (1992) para uma análise detalhada desse assunto. 29. Foram rejeitadas as seguintes MPs: MP 280, que estabelece incentivos fiscais para a capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária; MP 283, que dispõe sobre o tratamento tributário aplicável aos Fundos, Sociedades e Carteiras de Investimentos de que participem, exclusivamente, não-residentes no Brasil; MP 285, que dispõe sobre a concessão de medidas liminares contra atos do poder público; MP 287, que restabelece alguns incentivos fiscais e retira outros; e MP 289, que propõe modificação no cálculo, cobrança e sistemática do Imposto Territorial Rural. 30. Ver Castro Santos et alii (1994) para análise detalhada desses aspectos. 31. Existe uma significativa literatura sobre o processo decisório do Estado autoritário pós-64 que demonstra bem esse ponto. Ver, entre outros, Abranches (1978), Castro Santos (1993), Paixão e Castro Santos (1988), Martins (1985), Guimarães e Vianna (1987). 32. Rua (1997) aponta forte vinculação entre os dirigentes do Banco Central e o setor privado, especialmente o financeiro. Do mesmo modo, as burocracias fazendárias encarregadas da política de comércio exterior têm se aberto, de forma mais ou menos institucionalizada, à influência do setor privado, permanecendo, contudo, isoladas da pressão e controle do processo político pluralista, aí incluídos os checks and balances do Legislativo. 33. Rua e Aguiar (1995), estudando a política industrial durante os governos Sarney e Collor, mostram bem o elevado grau de autonomia dos burocratas no que se refere ao processo decisório dessa política, do qual os políticos são excluídos. 34. Ver, a esse respeito, Melo (1997a; 1997b). 35. Ver, de uma perspectiva política, Castro Santos et alii (1994) e Melo e Azevedo (1997). O primeiro trabalho analisa o processo de tomada de decisão de política tributária e fiscal dos governos Collor de Mello e Itamar Franco, enquanto o segundo se concentra no período da administração Fernando Henrique. Ambos apontam para a grande variedade dos interesses em jogo e para a complexidade das negociações entre o Executivo e o Legislativo, dentro do próprio Congresso, entre este e os representantes da sociedade civil e entre as diferentes esferas governamentais, derivando desse fato a explicação para o fracasso ¾ no caso dos governos Collor e Itamar Franco ¾ e previsão de grandes dificuldades ¾ no caso do governo Fernando Henrique ¾ de aprovação das respectivas propostas de reforma tributária e fiscal. Embora a reforma tributária e fiscal no governo Fernando Henrique esteja ainda em seus primeiros movimentos, no segundo semestre de 1996 o governo deu importante passo, fazendo aprovar projeto de lei complementar que introduzia mudanças no ICMS, aí se incluindo a eliminação do imposto sobre exportações de produtos primários e semi-elaborados, isenção para a aquisição de bens de capital e, a partir de janeiro de 1988, isenção para quaisquer bens de uso e consumo das empresas. De autoria do ministro do Planejamento, Antônio Kandir, envolveu importantes negociações com os governadores e com o Congresso, conduzidas pelo próprio ministro. Centrada no novo ICMS, a proposta governamental tem sido criticada pelos mais diferentes atores sociais envolvidos e, no âmbito do Congresso, tem sofrido restrições tanto da oposição quanto da base de sustentação parlamentar do governo. Este artigo já estava pronto para publicação quando o governo Fernando Henrique, no rastro da crise financeira asiática, iniciada em maio de 1997, decide propor imediatamente, dentre outras medidas, um duro ajuste fiscal e tributário, que inclui cortes de gastos, reestruturação do sistema tributário, redistribuição dos gastos da União, estados e municípios e o aceleramento das reformas administrativa e previdenciária. Apesar do presumível efeito facilitador da situação de crise, pode-se esperar, no que se refere a medidas que requerem a aprovação do Congresso, difíceis negociações entre o Executivo e o Legislativo. Para estas negociações serão utilizadas, basicamente, as mesmas estratégias e mecanismos de construção de maiorias de sustentação das propostas do governo referidas anteriormente, que certamente incluirão trocas miúdas e o atendimento de interesses particularistas e cujo bom êxito dependerá, em grande medida, da capacidade das lideranças parlamentares do governo. 36. Almeida (1996) aponta nessa mesma direção. Analisando (preliminarmente) as relações Executivo-Legislativo no processo de reforma do Estado, a partir da privatização das empresas e serviços públicos, a autora conclui que, no caso da política em foco: (i) não resta a menor dúvida de que é o Executivo quem concebe o programa de privatização, detendo a iniciativa legislativa e maior taxa de aprovação para os seus projetos; (ii) a atuação do Congresso, contudo, não é irrelevante, tendo todo o arcabouço legal da política sido submetido à discussão e negociação parlamentar; (iii) não cabe responsabilizar o Congresso pelo ritmo lento da privatização, já que ele não se constituiu, até agora, em obstáculo a esse processo: é hora de olhar para o Executivo e sua fragmentação; (iv) a explicação do comportamento cooperativo do Legislativo não deve ser buscada em sua subordinação aos ditames do Executivo, mas na distribuição de preferências dos congressistas, bem próxima à agenda reformista dos governos a partir dos anos 90.