1 OFICINAS TERAPÊUTICAS NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL Silva, Luciana * Firmino, Roberta ** RESUMO As oficinas terapêuticas enquanto dispositivos da atual política de Saúde Mental do Brasil, inspirada na reforma italiana, prima por promover a cidadania das pessoas com sofrimento mental, buscando a reinserção social reabilitando o sujeito para a vida. Esta Pesquisa buscou por meio da revisão bibliográfica refletir sobre a importância das oficinas terapêuticas na reabilitação psicossocial do indivíduo com sofrimento mental. Identificou-se entre os trabalhos científicos que os profissionais da saúde mental consideram como relevantes as oficinas terapêuticas como um dos modelos substitutivos em saúde mental. Como resultado da pesquisa pode-se evidenciar a relevância das oficinas no processo de reabilitação tanto no âmbito da saúde mental, no social e na convivência. Tal reflexão nos permite refletir sobre a contribuição das oficinas no processo de reabilitação psicossocial. Palavras-Chave: Oficinas Terapêuticas; Sofrimento Mental. Reabilitação Psicossocial; Saúde Mental. _______________ * Enfermeira. 1 INTRODUÇÃO ** Docente do curso de Especialização em Saúde Mental e Internvenção Psicossocial, terapeuta ocupacional, especialista em Terapia Ocupacional com Ênfase em Saúde Mental pela Universidade Federal de Minas Gerais. 2 1 INTRODUÇÃO No atual contexto da reforma psiquiátrica, torna-se cada vez mais premente a discussão acerca das estratégias inclusivas de pessoas com sofrimento mental em dispositivos voltados à reabilitação e inserção social. Estes dispositivos têm como objetivo que o sujeito com sofrimento mental seja visto a partir de um novo paradigma, o da reabilitação psicossocial, considerando a vida em seus diferentes âmbitos: pessoal, social e familiar. Sob este novo olhar surgem os serviços substitutivos ao modelo asilar, formando uma rede de atenção à saúde mental. Rede esta constituída tanto pela atenção básica em saúde, como as unidades básicas de saúde os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), hospital-dia, serviços de urgência e emergência psiquiátricas, leito ou unidade em hospital geral, serviços residenciais terapêuticos, centros de convivência, cooperativas de trabalho e associações de usuários. Os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) são serviços de atendimento diário, de caráter substitutivo ao hospital psiquiátrico. Devem atender pessoas com transtornos mentais severos e persistentes, dentro de sua territorialidade. Estes serviços são regulamentados pela portaria ministerial GM nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Nos CAPS trabalham equipes multiprofissionais que desenvolvem atividades diversificadas como atendimentos individuais e/ou em grupo, acompanhamento em atividades externas, atendimento as famílias dos usuários, oficinas terapêuticas e de criação, atividades físicas, atividades lúdicas, além da assistência medicamentosa, que antes era considerada a principal forma de tratamento. Entre as atividades desenvolvidas identificam-se as oficinas terapêuticas, no campo da reabilitação psicossocial, como espaços destinados aos usuários onde a singularidade é respeitada, em um processo que visa resgatar a cidadania da pessoa com sofrimento mental através da atividade criativa. Dessa maneira, as oficinas passam a exercer um papel fundamental no projeto terapêutico por meio de diversas ações que visam dar autonomia e qualidade de vida ao indivíduo. 3 Tais oficinas tornam-se positivas quando possibilitam a transformação da realidade minimizando o sofrimento que a doença mental causa. Entre saberes e fazeres nas oficinas terapêuticas o atendimento implica o criar e o recriar constantes. Nesta proposta de educação terapêutica o importante é fomentar a capacidade de poder viver e vivenciar a individualidade dos participantes. Acrescenta-se ainda que seja por meio da troca de experimentações no coletivo, na relação com o outro que o sujeito se enxerga como parte do processo da vida. Considerando que na assistência em saúde mental a remissão de sintomas é importante na estabilização de pacientes, é preciso transformar essa vivencia em produção de vida, de forma a ser possível inserir este sujeito no contexto social, familiar e comunidade. Neste aspecto as oficinas terapêuticas se apresentam como mais uma ferramenta, que somada a outras colaboram para reabilitação psicossocial do sujeito.Valorizando a história de vida com suas peculiaridades e regionalidades de forma que este sujeito sinta-se acolhido, neste contexto, entende-se que as oficinas possibilitam esta ponte entre a loucura e a lucidez, respeitando o ritmo de cada um. Segundo Pitta (1996), a reabilitação psicossocial é um processo que facilita ao usuário com limitações, melhor reestruturação de autonomia de suas funções na comunidade e Sarraceno (1999) acrescenta que a reabilitação psicossocial precisa contemplar três vértices da vida de qualquer cidadão: casa, trabalho e lazer. Desta forma, propor a reabilitação psicossocial dos indivíduos em sofrimento mental é promover a cidadania, através do acolhimento nos serviços de atenção em saúde mental a fim de minimizar o sofrimento causado pela doença. O presente estudo teve como metodologia de pesquisa a revisão bibliográfica e seu principal objetivo é refletir sobre este importante dispositivo de intervenção psicossocial, as oficinas. Questiona-se qual o papel das oficinas terapêuticas no processo de reabilitação do portador de transtorno mental. 4 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 BREVE HISTÓRICO DA LOUCURA E DO USO DA ATIVIDADE NO TRATAMENTO ÀS DOENÇAS MENTAIS Retomando a história pode-se perceber que o mundo da loucura foi se tornando o mundo da prisão. Segundo Guerra (2004), houve um período da Idade média que a burguesia condenou o ócio, assim qualquer forma de improdutividade era sentenciada ao enclausuramento. Criaram-se, então, casas correcionais que impediam a mendicância e qualquer comportamento que denotasse desordem social. Nestas casas impunham o trabalho aos ociosos entre eles os loucos. Com a Revolução francesa e os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade trouxeram transformações a estas casas, rompendo assim com a idéia do antigo regime. Neste contexto surge o hospital no conceito que hoje conhecemos, onde os pesquisadores podiam agrupar e estudar as moléstias (AMARANTE, 2003). O pai da Psiquiatria, Pinel, contemporânio da Revolução Francesa, via a doença mental como um desequilíbrio das paixões. Acreditava, ele, que, a cura consistia em trazer o alienado de volta à realidade, dominar seus impulsos e afastar suas ilusões. Por isso, objetivando uma reeducação da mente alienada, defendia a adoção de um Tratamento Moral que consistia entre outras práticas a imposição do trabalho como recurso pretensamente terapêutico (AMARANTE, 1996). O médico francês deu ao trabalho uma associação a saúde. Com a ascensão do Capitalismo, segundo Foucault (1997), a loucura foi transformada em "doença mental”. Para o capitalismo o louco não tinha valor no mundo do trabalho. Se o louco não é útil então trancafiá-lo num asilo seria o mais prudente. No Brasil, foi criado o primeiro hospício em 05 de dezembro de 1852, através do decreto nº 82 de julho de 1841 devido à necessidade de tirar loucos das ruas e da Santa Casa de Misericórdia. Na verdade, não se pensou em tratamento, mas numa forma de transferir 5 responsabilidades. O Hospício Pedro II localizava-se propositalmente afastado do meio urbano, ficando evidente a forma de exclusão adotada para “tratamento” dos doentes mentais. Com a República, em 1890, o Hospício Pedro II passou a se chamar “Hospício Nacional dos Alienados”. Foram criadas Colônias anexadas ao Hospital Nacional que tinham por finalidade resolver o problema da superlotação do hospício, oferecendo tratamento através do trabalho agropecuário e de diversos artesanatos. Em 1902, em função de irregularidades, foi aberto um inquérito e nomeado o Dr. Juliano Moreira, professor de psiquiatria da Bahia para diretor. Este doutor fez várias críticas às condições das instalações o que provocou melhoras. Mais tarde nasceu a Colônia das Alienadas, também para resolver a superlotação do Hospício Nacional. Sempre com o objetivo principal, isolar os loucos dos centros urbanos. Somente em 1918, por iniciativa de Gustavo Riedel é criado na Colônia de Alienadas o primeiro ambulatório psiquiátrico da América Latina (SAMPAIO, 1988). Muita coisa mudou e a forma de pensar, num processo histórico e crítico traz a concepção do homem como ser biopsicossocial. Este pensamento após a Segunda Grande Guerra sinalizava para a transformação do paradigma da Psiquiatria Clássica (AMARANTE, 1995). Esta transformação iniciada na Europa e Estados Unidos chegou ao Brasil, inspirada no modelo da Reforma Psiquiátrica Italiana. Conta-nos Losboque (2001) que, as vertentes anteriores à italiana eram fortemente marcadas pelo discurso "psi" (Psiquiatria, Psicopatologia, Psicologia, Psicanálise), enquanto a reflexão orientada por Basaglia (ícone da Reforma na Itália) consistia em uma crítica radical sobre tais discursos. Esses discursos se constituíam na prática como instrumentos de saber e poder, de controle e segregação. Se a perspectiva da desinstitucionalização visa romper com a violência da objetivação do homem em síndromes e doenças construídas pela psiquiatria, então, pode-se, como diz Amarante (1996), colocar a doença entre parênteses e enxergar o sujeito em sua experiência da loucura. No Brasil, o projeto de lei Paulo Delgado, propôs a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos, através do impedimento da abertura de novos ou financiamento de outros leitos 6 além dos já existentes. Também propôs a criação de recursos assistenciais alternativos, estruturas não manicomiais, como unidades psiquiátricas em hospitais gerais, hospitais-dia, hospitais-noite, centros de convivência etc. (Amarante, 2003; Curso Básico de Acompanhamento Domiciliar em Saúde Mental - Ministério da Saúde, 1998). Tal projeto de lei foi, em 1997, rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Seu substituto Lucídio Portela - mantém a internação psiquiátrica como uma intervenção terapêutica válida, caso os recursos extra-hospitalares não sejam suficientes para o tratamento. Além disso, impede que a internação seja considerada exclusivamente um ato médico (Curso Básico de Acompanhamento Domiciliar em Saúde Mental - Ministério da Saúde, 1998). Desta forma, no Brasil, uma grande reforma da assistência à saúde mental foi colocada em marcha, principalmente, a partir da década de 1970. O resgate das pessoas internadas nos manicômios, enquanto sujeitos de direitos e cidadãos, e a preconização do respeito às diferenças e maneiras de vivenciar o sofrimento psíquico foram pressupostos para as ações desenvolvidas pelos serviços de saúde mental que despontavam como substitutivos às instituições asilares. Pode-se dizer que o direito à cidadania e o seu reconhecimento nos espaços públicos e privados para todas as pessoas, entre elas as que vivenciam o transtorno mental, exigiu o estabelecimento e a criação de espaços de escuta e diálogo onde fosse possível questionar estereótipos e condutas comportamentais impostas como adequadas. Desta forma contribui para o desvelamento de discursos e ações que insistem em negar o direito à diferença, à diversidade, à dúvida e ao conflito existencial. Tradicionalmente a reabilitação era compreendida como a restituição a um estado anterior ou à normalidade do convívio social ou de atividades profissionais. Na proposta atual da Reforma Psiquiátrica no Brasil, têm-se como objetivo a desinstitucionalização e inclusão, integrando as pessoas com sofrimento psíquico nos diferentes espaços da sociedade. Anterior a essa reforma da assistência em saúde mental, tratamentos com o eletro choque, choque insulínico, hiper dosagens medicamentosas, lobotomia, entre outros, eram pensados como o máximo de recurso para as pessoas com sofrimentos mentais. A Dra. Nise da Silveira, psiquiatra vanguardista da reforma psiquiátrica brasileira, se colocou radicalmente contrária a essas terapêuticas e apresentou formas diferenciadas e humanizadas de lidar com o sofrimento mental, utilizando-se de atividades diversificadas como tratamento. Essa psiquiatra tornou-se precursora da terapia ocupacional e das oficinas terapêuticas utilizadas no campo da reabilitação psicossocial. Mais tarde, o termo terapêutica 7 ocupacional, por ser considerado pesado e sem emoção no próprio termo, é substituído por "emoção de lidar". Lidar com tinta, papel, dança, costura, lidar com a horta, lidar com os sentimentos, com a emoção, com os medos e com os prazeres. Lidar com o diferente. As oficinas terapêuticas são o espaço onde a interação com o material e com a atividade provoca emoções que posteriormente poderão promover transformação de vida e de sentido. 2.2 OFICINAS TERAPÊUTICAS NO CONTEXTO DA SAÚDE MENTAL E SUAS IMPORTÂNCIAS Mas por que “oficinas”? O termo “oficina” vem sendo muito empregado para designar atividades desenvolvidas em diversos espaços de cuidados em saúde mental. Neste sentido, as oficinas podem ser um meio para os usuários sentirem-se sujeitos de suas vidas. As oficinas se sustentam, segundo Ribeiro (2004 p.105): Na possibilidade de representarem dispositivos que sejam catalisadores da produção psíquica dos sujeitos envolvidos, facilitando o trânsito social deles na família, na cultura, bem como sua inserção ou reinserção no trabalho produtivo. . Dessa maneira, os estatutos que regulamentam as oficinas terapêuticas mostram que elas são a estratégia por meio da qual a reabilitação psicossocial deve se realizar. Minzoni (1974), já utilizava o termo terapia psicossocial e o conceituava como atividades terapêuticas que envolvem o atendimento do usuário, tanto a nível individual como em grupo, atividades de trabalho ou recreação. A autora cita como exemplos às atividades de trabalho e recreação e as subdivide em motoras (ginástica, voleibol, trabalho em couro e madeira, entre outros), sociais (festas e datas civis, cinema, teatro e outras) e auto-expressivas (atividades espontâneas e não orientadas, como por exemplo, cerâmica, pintura e dança). Minzoni (1974) tentava organizar as atividades, categorizando-as de acordo com os seus objetivos. Entende-se que estas atividades sejam equivalentes as hoje denominadas oficinas. Vê-se que estas atividades, associadas à terapia clínica e tratamento medicamentoso, contribuíram para desinstitucionalização em saúde mental. Enfim, enquanto a reabilitação 8 objetiva reinserir o indivíduo na sociedade, a desinstitucionalização se preocupa em transformar esta sociedade. Desinstitucionalizar não pode resumir-se em desospitalizar, do contrário, teremos pequenos manicômios espalhados por todo o país. É importante ressaltar que a desinstitucionalização é a reconstrução de um novo pensar, uma forma de despir preconceitos institucionalizados na sociedade. Repensar o trabalho, a família, as políticas públicas na contemporaneidade exige um questionamento acerca das nossas ações e se estabelece como um acolhimento ao outro, com suas peculiaridades e diferenças culturais e cognitivas. As oficinas terapêuticas podem promover a reaquisição das competências para realização das atividades de vida diária e prática que são perdidas ao longo do processo de adoecimento mental, favorecendo a relação do usuário consigo e com os outros. As habilidades sociais podem ser reaprendidas. As dificuldades que os sujeitos portadores de transtorno mental encontram no lidar do cotidiano podem ser cumulativas e ele se enclausurar, precarizando cada vez mais o seu relacionamento na família e comunidade. Este conjunto de competências como escovar os dentes, ir à padaria, comprar uma roupa, visitar um amigo, enfim, se aprendido e exercitado melhora a auto-estima de qualquer sujeito que antes se sentia incapaz. O cotidiano pode começar a ser reconstruído dentro das oficinas terapêuticas no lidar com o outro e com os objetos. A competência social adquirida ao longo da vida implica numa compreensão e integração com o mundo que o sujeito vive. Além das competências que podem ser aprendidas no ambiente das oficinas terapêuticas o produto destas oficinas poderá ser utilizado como objeto de troca material ou simbólica a partir do momento em que a produção reinscreve o usuário como sujeito de valor, capaz de criar e produzir. Promover competências sociais e pessoais é estimular a observar, compreender as situações, trabalhar uma melhor realização de tarefas e idéias. Para Guerra (2004) o que diferencia as oficinas como recurso terapêutico é a possibilidade de o sujeito trabalhar com o concreto, segundo sua definição é a “Materialidade do Produto”. Neste sentido as oficinas podem produzir efeitos subjetivos e socializantes. Estariam as oficinas, segundo a autora, num campo inédito onde se une cliníca e política. Pode se entender aí como política o lidar nas relações dos participantes das oficinas. 9 Nesta convivência das oficinas o sujeito vai se introduzindo na cultura, "inserir-se em alguma forma de liame social, ou seja, participar de um conjunto de signos que o inscrevam enquanto ser social e político à medida que lhe for possível" (GUERRA, 2004). Portanto, percebe-se a importância das oficinas terapêuticas que ao se apropriarem das variadas formas de atividades, serão facilitadoras de uma expressão do indivíduo. Neste espaço terapêutico tem se priorizado a expressão livre e espontânea, onde a técnica e a estética aparecerão como coadjuvante salvo se solicitadas pelo participante. Segundo Ribeiro (2004) as oficinas terapêuticas são “catalizadoras da produção psíquica do sujeito e favorecedoras de formas singulares de enlaçamento social, marcada pela relação estabelecida pelo sujeito com seu sintoma.” Na perspectiva da proposta de reabilitação psicossocial, a inclusão subjetiva aparece em uma "prática feita por muitos". Sustentar o lugar social do sujeito a partir de sua diferença é enxergá-lo como cidadão. Nos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, é através do acolhimento que o tratamento é singularizado. A função de acolher corrobora a idéia de que o fundamental é o sujeito e o desafio das oficinas terapêuticas é de propor algumas vias de acesso à produção subjetiva. As vias de acesso à produção subjetiva são fundamentais na medida em que na psicose o sujeito não comparece nas tradicionais formações do inconsciente (sonhos, atos falhos, sintomas etc.). Nas oficinas as diferenças serão acolhidas com liberdade, facilitando o desbloqueio da criatividade e estimulando à autonomia. As oficinas, por sua vez, remontam aos primórdios da psiquiatria, mas foram ressignificadas como recurso terapêutico no contexto da reforma psiquiátrica. Assim nas oficinas surgem um veículo de expressão e elaboração de idéias e afetos, como espaço de aprendizagem e como espaço de promoção de atividades culturais (GUERRA, 2004). Vale ressaltar que, enquanto os grupos terapêuticos geralmente são realizados no espaço interno do CAPS, por sua especificidade, as oficinas não necessariamente precisam ocorrer intramuros. Pelo contrário, é importante que algumas sejam realizadas na comunidade (promovidas pelo CAPS ou não) e que possam integrar usuários e outros sujeitos que habitam o mesmo território. 10 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Do exposto, é possível evidenciar que muitos avanços aconteceram na assistência em saúde mental em nosso país na última década. Também é possível constatar, na prática, alguns avanços culturais e sociais no que diz respeito à saúde mental. Mas todas as conquistas, sem dúvida, representam muito pouco na luta pela integração dos portadores de sofrimento mental. Vale ressaltar que estas conquistas só se tornaram realidade com o advento da reforma psiquiátrica. Assim foi cada vez mais sendo questionadas as abordagens de tratamento que eram realizadas nos manicômios. Esse movimento de luta pela desinstitucionalização visa restabelecer a cidadania das pessoas com transtornos mentais, por meio da desconstrução do modelo asilar e dos preconceitos. Vários espaços e experiências para a atenção em saúde mental têm sido efetivados nessa perspectiva, tanto como elementos terapêuticos quanto como promotores de reinserção social, por meio de ações que envolvem o trabalho, a geração de renda e a autonomia do sujeito. Porém, há que se tomar cuidado a fim de não se incorrer em uma nova “institucionalização” que pode vir a criar pequenos manicômios na sociedade. Há muito a ser feito, pessoas continuam à margem da vida, escondidas atrás de dificuldades e barreiras, que são mínimas e imperceptíveis para alguns, mas que se constituem em obstáculos intransponíveis nas atividades do cotidiano das pessoas portadores de sofrimento mental. A solução da maioria dos problemas enfrentados passa por uma mudança do ponto de vista sócio-cultural e político. O desafio é de toda a coletividade, a sociedade precisa exigir que o Estado cumpra o seu papel de agente financeiro e regulador; mas deve, também, participar ativamente, colocando em prática às idéias. A reabilitação e reinserção social implicam no "desmonte" de uma prática na restrição dos espaços sociais ou mesmo a exclusão social dos usuários da saúde mental e na medicalização. Agora existem novas possibilidades para o paciente em sofrimento mental. É a ruptura do processo em que a doença os colocou e a reconstrução de vida com a capacidade de ter experiências culturais diversas. Não basta que tenhamos belas leis como sistema de 11 compensação das desigualdades, de programas de integração aos portadores de sofrimento mental à comunidade, sociedade. É preciso que tudo isso seja efetivamente implementado através da participação ativa da sociedade civil. De acordo com o Ministério da Saúde, Portaria 189 de 19/11/1991, as oficinas terapêuticas se caracterizam como “atividades grupais de socialização, expressão e inserção social” e acontecem num espaço onde se preza a valorização do sujeito, no qual se deve visar a aceitação das diferenças. Assim, há um resgate da cidadania desse sujeito, para que consiga exercer da melhor forma possível suas funções ocupacionais e sociais. A oficina terapêutica é um espaço de construção de saberes mútuos, onde todos aprendem e todos ensinam. As oficinas terapêuticas são atividades de encontro de vidas entre pessoas em sofrimento psíquico, promovendo o exercício da cidadania à expressão de liberdade e convivência dos diferentes através preferencialmente da inclusão pela arte. Essas referidas oficinas aparecem ao longo do processo histórico da psiquiatria, mas tinham um objetivo diferenciado do referencial da reabilitação psicossocial. Atualmente vem se constituindo através de princípios específicos, ou seja, a partir da reinserção das pessoas em sofrimento psíquico, mas na prerogativa do respeito à singularidade de cada instituição, de acordo com suas peculiaridades e regionalidades. Nesse sentido Guerra (2004) relata que a ênfase das oficinas está nas particularidades de cada caso, na escuta, na invenção de novas estratégias de acolhimento e intervenção sobre o campo social, e no trabalho multiprofissional. As oficinas, articulando com o conceito de rede social, têm contribuído para a reabilitação psicossocial por meio da interação social com a comunidade. A oficina terapêutica faz parte do processo reabilitador e, desta forma, se mostra como experiência positiva, atuando no campo da cidadania. É uma maneira também de incentivar a preparação para o mercado de trabalho, fazendo com que o usuário retome suas atividades e descubra novas habilidades, na busca por sua independência. O sentido das oficinas terapêuticas se torna claros na fala de Rauter (2000, p. 271): As oficinas, o trabalho e a arte possam funcionar como catalisadores da construção de territórios existenciais (inserir ou reinserir socialmente os ”usuários”, torná-los cidadãos...), ou de “mundos” nos quais os usuários possam reconquistar ou conquistar seu cotidiano... de cresse que está se falando não de adaptação à ordem estabelecida, mas de fazer com que trabalho e arte se reconectem com o primado da criação, ou com o desejo ou com o plano de produção da vida. 12 A experiência do trabalho das oficinas é positiva quando uma de suas funções é uma intervenção no âmbito social como transformadora da realidade excludente. Ao longo da história o homem elaborou diversas idéias acerca da loucura. Porém o “louco” como alienado surgiu com a urbanização e o capitalismo que rotulou indivíduos que não se adequavam as convenções sociais impostas. A sociedade o privou de liberdade, desejos, escolhas. Foram trancados em asilos e a eles eram aplicados corretivos para se enquadrarem ao padrão social imposto. A reforma psiquiátrica busca dar a este “louco” cidadania, a partir de uma lógica de inclusão social. Porém não basta fechar os hospitais psiquiátricos, é preciso descontruir preconceitos, verdadeiros manicômios mentais. Fala-nos Pelbart (1989) do Manicômio Mental, como crítica a todos os nossos preconceitos, para isso é necessário criar um “método” para que profissionais da área possam aprender a lidar com o inesperado. O trabalho exige do profissional, envolvimento, não basta que tenha conhecimento. Por conta disto esta equipe necessita permanentemente rever seus parâmetros repensando diariamente estratégias no lidar com o outro. Conta-nos Rauter (2000, p. 269) que, na sociedade em que vivemos: Ocorre à prevalência dos aspectos técnico-econômico ou dos aspectos jurídicos sobre aqueles referentes à produção desejante é o que está condenando nosso mundo à desertificação das relações amorosas e do sexo, esvaziamento do campo coletivo, produção de um número cada vez maior de excluídos, não apenas do mercado de trabalho, mas de um cotidiano, já que muitos modos de ser não se adequam a um mundo que coloca em primeiro plano aspectos ligados à produtividade técnico-econômico. Portanto, para desenvolver este novo paradigma, que é um dos substitutivos em Saúde Mental, e estas oficinas serem efetivamente terapêuticas, deve-se aprender a convivência com os não iguais dentro e fora da equipe. A equipe de saúde, a família, a sociedade, devem estar abertas a um novo equilíbrio social, com a geração e reestruturação de valores. É preciso mais que uma Reforma Psiquiátrica. É preciso urgente de uma Reforma de Pensamento e neste sentido, este novo paradigma denominado oficinas terapêuticas, propõem interdisciplinaridade com equipe multiprofissional. Sob essa perspectiva, descentraliza-se da doença do indivíduo e faz-se um resgate de aspectos positivos, isto é, a atenção deixa de ser a doença e passa a ser o da reconstrução da vida. Com esse entendimento uma nova abordagem no tratamento, valoriza o ser humano resgatando a sua história e sua vida cotidiana. É aí que entram as oficinas como fundamentais 13 no processo de reabilitação do indivíduo. O modelo biomédico vem se caracterizando, ao longo dos tempos, por dar ênfase aos aspectos físicos, ter uma visão fragmentada do ser humano e se colocar como saber hegemônico frente ao saber popular. Estes fatos mostram-se opostos à idéia de cuidado integral e acolhimento dispensado durante as oficinas terapêuticas. CONCLUSÃO Pode-se evidenciar ao longo do estudo a relevância das oficinas terapêuticas na reabilitação psicossocial, pois é o momento em que o usuário pode ser ele mesmo e expressar seus sentimentos sem julgamento, dessa forma estabelece relações, compartilha emoções e interage com o outro. Enfim as oficinas são fundamentais, pois restabelece a convivência, a comunicação e faz com que o sujeito seja parte do processo de gestão de sua vida. As oficinas visam resgatar a cidadania do portador de transtorno mental porque passa a exercer papel fundamental tanto como elemento terapêutico como promotor de reinserção social através de ações que envolvem trabalho, criação de produto, geração de renda e a autonomia do sujeito de pensar, planejar e agir. THERAPEUTIC WORKSHOP IN PROCESS OF REABILITATION PSYCHOSOCIAL ABSTRACT This paper intends to reflect on the importance of therapeutic workshops on psychosocial rehabilitation of individuals with mental distress. Currently, mental health professionals such as doctors, psychologists, nurses, social workers and others perceive the relevance of therapeutic workshops as a substitute of the models in mental health. The current policy of Mental Health of Brazil, inspired by the Italian reform press for giving citizenship to patients. In this process we seek to rehabilitate the social reintegration subject to life. In this aspect the 14 therapeutic workshops serve as a vehicle for socialization and interaction, hence the work in the workshops will become a therapeutic resource. Key Words: Workshops Therapy, Mental Distress, Psychosocial Rehabilitation, Mental Health. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARANTE, Paulo. A (clínica) e a Reforma Psiquiátrica, pp. 45-65. In P Amarante (coord.). Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Ed. Nau, Engenheiro Paulo de Frontin. Disponível em: <http://www.scielo.br/scieloOrg/php/reflinks.php?refpid=S1413-Brasil. 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