UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA FABIANO ALMEIDA DA SILVA Body- Building e a confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes: uma análise sociológica João Pessoa 2012 Body- Building e a confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes: uma análise sociológica FABIANO ALMEIDA DA SILVA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia sob a orientação da professora Marcela Zamboni Lucena. João Pessoa 2012 S586b UFPB/BC Silva, Fabiano Almeida da. Body- Building e a confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes: uma análise sociológica / Fabiano Almeida da Silva.- João Pessoa, 2012. 115f. Orientadora: Marcela Zamboni Lucena Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA 1.Sociologia. 2.Esteroides anabolizantes – uso – problemas. 3. Transformação do corpo. 4. Hormônios – uso – confiança – medo – análise sociológica. CDU: 316(043) AGRADECIMENTOS Escrever uma dissertação apesar de parecer uma produção individual ela envolve a participação direta ou indireta de muitas pessoas. Mesmo sendo impossível destacar todas agradeço especialmente: A minha orientadora Prof. Dr. Marcela Zamboni Lucena, pela paciência em administrar meus erros, ansiedades e inseguranças, além da sua importante orientação que caso contrário a conclusão do trabalho seria impossível. A toda minha família pelo apoio e confiança que depositaram em mim e ainda, por suportar minha ausência em muitas ocasiões durante a elaboração do presente trabalho. À Universidade Federal da Paraíba pela disponibilidade da sua estrutura de ensino e qualidade. Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia em especial a excelência do corpo docente. Aos professores; Dr. Anderson Moebus Retondar; Dr. Mauro Guilherme Pinheiro Koury e Drª. Simone Magalhães Brito, pelas preciosas sugestões apontadas durante a qualificação, que possibilitou uma nova organização do trabalho, ampliando assim a própria qualidade do mesmo. À CAPES agradeço a bolsa concedida, ao qual foi vital para a realização da pesquisa. E a todos que participaram e apoiaram de forma direta ou indireta a realização deste sonho. “O corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída...” (David Le Breton) RESUMO O presente trabalho versa sobre o problema do uso intensivo dos hormônios esteroides anabólicos androgênicos (EAAs), também conhecidos popularmente como esteroides anabolizantes, por homens frequentadores de academia de ginástica de um bairro popular na cidade de João Pessoa. Esta pesquisa tem como objetivo, compreender, dentro de uma perspectiva sociológica, a relação de confiança e medo nos usos dos hormônios esteroides anabolizantes, bem como, as próprias motivações para a prática da musculação e a utilização destas drogas masculinizantes. Diante do exposto, percebe-se que na sociedade contemporânea, o corpo tornou-se elemento central na vida de muitos indivíduos, realidade esta, fruto do fenômeno do culto ao corpo que nas últimas décadas tomou formas radicalizadas. Neste contexto, ao mesmo tempo em que a corpolatria se intensifica, paradoxalmente cresce, nas mesmas proporções, a insatisfação das pessoas com sua imagem corporal, principalmente quando comparados aos ideais corpóreos amplamente valorizados socialmente. Esta realidade se agrava em uma sociedade em que somos cobrados, julgados, classificados e identificados pela imagem corporal. Assim, a supervalorização da imagem corporal está fazendo com que muitas pessoas cometam excessos na utilização dos mais diferentes meios na busca pelo corpo esteticamente “perfeito”. Estes excessos estão cada vez mais “cegos”, sintoma da cultura do presenteísmo, onde sustenta o “agora”, como tempo mais importante para os que procuram a transformação da forma corporal. Tais fenômenos condicionam muitos indivíduos a embarcarem no submundo da utilização dos esteroides anabolizantes com a intenção de construir um corpo “sarado” em um curto espaço de tempo. Nestas circunstâncias a relação de confiança e medo tem importância particular, pois, a partir destes dois elementos (e também de outros), os indivíduos direcionam suas ações e discursos para o uso ou não uso destas substâncias. Palavra Chave: Esteroides Anabolizantes; Transformação do Corpo; Confiança e Medo. ABSTRACT This paper discusses the problem of the intensive use of anabolic-androgenic steroid hormones (AAS), also popularly known as anabolic steroids by male gym-goers in a popular neighborhood in the city of João Pessoa. This research aims to understand, within a sociological perspective, the relationship of confidence and fear in the uses of anabolic steroid hormones, as well as their own motivations for the practice of bodybuilding and the use of these drugs masculinizing. Given the above, it is clear that in contemporary society, the body became a central element in the lives of many individuals, this reality, the result of the phenomenon of the cult of the body that in recent decades took radicalized forms. In this context, while the corpolatria intensifies, paradoxically grows in the same proportions, the people's dissatisfaction with their body image, especially when compared to ideal body widely socially valued. This situation is aggravated in a society in which we are charged, tried, identified and classified by body image. Thus, the overestimation of body image is causing many people to commit excesses in the use of many different ways in the pursuit of body aesthetically "perfect." These excesses are increasingly "blind", a symptom of the culture of presenteeism, which maintains the "now" as most important time for those seeking the transformation of body shape. These phenomena affect many individuals to embark in the underworld of the use of anabolic steroids with intent to build a body "healed" in a short time. In these circumstances the trust and fear is particularly important, because from these two elements, individuals direct their actions and speeches for use or not use of these substances. Keyword: Anabolic Steroids; Body building; Confidence and Fear. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 09 CAPÍTULO I .................................................................................................................. 14 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS.................................................................... 14 1.1 METODOLOGIA DE COLETA DE DADOS .................................................... 14 1.2. GRUPO ANALISADO E CAMPO DE PESQUISA .......................................... 17 1.2.1. INCIDÊNCIA DOS USUÁRIOS ................................................................. 19 1.3. CAMPO DE PESQUISA .................................................................................... 22 1.3.1- ACADEMIA “A” ......................................................................................... 23 1.3.2. ACADEMIA “B” ......................................................................................... 26 CAPÍTULO II ................................................................................................................. 31 TIPOS DE MODELAGEM CORPORAL: DOS SUPLEMENTOS ALIMENTARES AOS QUÍMICOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES ................................................ 31 2.1. SUPLEMENTOS ALIMENTARES ................................................................... 31 2.2. ESTEROIDES ANABOLIZANTES ................................................................... 36 CAPÍTULO III ............................................................................................................... 46 TRANSFORMAÇÃO DO CORPO ANABOLIZADO: O QUE DIZEM OS USUÁRIOS? .................................................................................................................. 46 3.1. BODY-BUILDERS E A CULTURA DA “MALHAÇÃO” ............................... 46 3.2. CULTO AO CORPO: MOTIVAÇÕES PARA A PRÁTICA DA MUSCULAÇÃO E USO DOS HORMÔNIOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES .................................................................................................................................... 51 CAPÍTULO IV ............................................................................................................... 76 CONFIANÇA E MEDO NO USO DOS ESTROIDES ANABOLIZANTES ............... 76 4.1 CONFIANÇA E USOS DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES .................... 76 4.1.2- CONFIANÇA E RELAÇÕES DE “AMIZADE” NA UTILIZAÇÃO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES .......................................................................... 85 4.2 – MEDO E O USO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES ........................... 88 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 100 REFERÊNCIA ............................................................................................................. 109 INTRODUÇÃO Na sociedade contemporânea, os holofotes estão voltados para o corpo, nunca o invólucro corpóreo foi tão venerado e adorado como no presente momento. O corpo tornou-se um santuário, envolvido por uma “sagrada” atmosfera religiosa do corpo, carregado por um conjunto de crenças, rituais e simbolismos (BAUDRILARD, 1995; CASTRO, 2007). Tal fenômeno do culto ao corpo altera os estilos de vida de uma parcela significativa da nossa sociedade e, deste modo, encontram-se facilmente indivíduos condicionados por uma preocupação excessiva com a aparência corporal em uma verdadeira idolatria ao corpo. Esta “corpolatria” faz do corpo um capital, um puro empreendimento, ao qual o indivíduo tem que administrar da melhor forma possível. Em suma, o corpo virou, na atualidade, objeto de investimento (financeiro e temporal), tratamento, preocupação e manipulação; algo que deve ser criado, desenhado e teatralizado no espetáculo da vida social, fazendo do corpo um elemento central na vida cotidiana de muitos indivíduos (MAFESSOLI, 1995; GOLDENBERG, 2002). Um dos efeitos colaterais deste fenômeno na contemporaneidade é o elevado crescimento da insatisfação dos indivíduos com sua imagem corporal, proporcionando crises de identidade pessoal e a propagação de sentimento de vergonha, quando comparados aos cânones corporais amplamente valorizados socialmente1. Em tese, com a radicalização da corpolatria, desenvolve-se paradoxalmente a intensificação da insatisfação pessoal com imagem corporal. Neste contexto, amplia-se o consumo de bens e serviços na intenção de aprimoramento da estrutura corpórea. Assim, a busca por uma melhor forma corporal faz com que muitos indivíduos procurem os mais diferentes meios que prometem a realização dos objetivos traçados ligados à imagem corporal2. Um exemplo desta 1 A indústria do corpo ou da beleza, sob o ecoar da mídia e publicidade, desempenha uma papel estruturante do “culto ao corpo”, criando, divulgando e propagando novos signos e imaginários corporais, desenvolvendo uma realidade de dois gumes que proporcionalmente a supervalorização e criação de novos modelos corporais dominantes, cria-se em contra partida, a insatisfação das pessoas com sua imagem corporal gerando uma oposição entre o corpo visual ideal e o corpo real (SANTAELLA, 2004 BOLTANSKI, 1984; CASTRO, 2007). Para Mirian Goldenberg (2002, p. 7), “quanto mais se impõe o ideal de anatomia individual, mais aumenta a exigência de conformidade aos modelos sociais do corpo”. 2 Existe um amplo consumo de produtos ligados à questão estética tendo como base a indústria da beleza e da boa forma. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o Brasil é o segundo país em número de cirurgia plástica de caráter estético, sendo superado apenas pelos EUA. O interessante é que, segundo os dados desta instituição, houve um crescimento assustador do número de cirurgias 9 realidade é a busca incansável pelas academias de ginásticas para execução de várias modalidades, dentre elas, a musculação. A prática de exercícios com pesos (através de máquinas e halteres) e repetições em série dentro das academias de ginástica se faz presente, na atualidade, em diferentes segmentos sociais, sendo praticado predominantemente por homens, e nos últimos anos, com grande aceitação entre as mulheres. Este campo (no sentido de Pierre Bourdieu), conhecido comumente como musculação, encontra-se carregado de elementos (disputas, contradições, dominação, poderes, simbolismos, desigualdades etc.) de extrema importância para o diagnóstico da realidade centrada na supervalorização da imagem corporal que presenciamos nos dias atuais. Muitos dos adeptos (normalmente do sexo masculino) da prática da musculação buscam o hipertrofiar da massa muscular no sentido de representação da beleza masculina, porém, discursos ligados à saúde e melhor qualidade de vida também fazem parte deste universo3. Conforme Le Breton (2004, p. 7), “a vontade de transformar o corpo tornou-se um lugar-comum”, principalmente porque na atualidade o sujeito não é apenas responsável pelo seu jeito de ser, seu comportamento e conduta frente aos outros indivíduos, mas também responsável pela sua forma corporal. O corpo não corresponde mais a uma realidade inexorável, objeto de não alteração, muito pelo contrário, vemos o corpo como alvo de construção pessoal extremamente manipulável e maleável, segundo os desejos individuais, as condições objetivas e possibilidades disponíveis (LE BRETON, 2009; GOLDENBERG, 2002; GIDDENS, 2002). Como intensificação deste processo, o culto ao corpo contemporâneo traz como uma das suas peculiaridades a demasiada importância do presente, alterando a própria busca pela transformação da forma corporal. O imediatismo associado a uma realidade em que faz do corpo uma propriedade e responsabilidade exclusivamente do indivíduo tende a direcionar a radicalização da ação. Desta forma, muitas pessoas buscam atingir os objetivos traçados em um curto espaço de tempo, utilizando-se das mais variadas ferramentas produzidas e ampliadas pela indústria da beleza e da boa forma. Porém, meios ilegais também são utilizados em prol das metas estabelecidas individualmente. De qualquer modo, os frequentadores (homens e mulheres) de academias de musculação plásticas com caráter estético realizadas em homens, apesar ainda da predominância feminina. Disponível em: www.cirurgiaplastica.org.br/. 3 Assim, a grande aceitação para prática da musculação, seja por questões ligadas à estética, à melhor qualidade de vida ou à saúde, corresponde ao reflexo do próprio fenômeno do culto ao corpo. 10 estão envolvidos com este “presenteísmo” contemporâneo, condicionando muitos adeptos desta prática corporal a buscarem as armas impostas pela sociedade de consumo e consideradas por muitos como necessárias e indispensáveis na luta para realização do sonho de modificar o invólucro corpóreo. Com isso, o consumo de substâncias, na intenção de acelerar e potencializar o processo de modificação da forma corporal, não é mais novidade entre os praticantes da musculação. É um lugar comum afirmarmos o crescente consumo, nos últimos anos, de substâncias como a suplementação alimentar e os esteroides anabolizantes entre os partidários da musculação. Porém, outras substâncias também podem ser encontradas neste campo como é o caso dos produtos para uso veterinário. Apesar de, muitas vezes, a utilização destas ferramentas ser desnecessária (no caso dos suplementos alimentares), ou até mesmo impróprias e ilegais (esteroides anabolizantes e produtos para usos veterinários), muitos adeptos da musculação agarram-se a específicas armas da imagem corporal, como forma de combater o mal-estar provocado pela dinâmica da mudança e do presenteísmo contemporâneo, que faz da espera algo penoso e doloroso, não havendo mais espaço para demora dos acontecimentos, vontades e desejos. Dentro desta infinidade de ferramentas administradas com a intenção da melhora da forma corporal, os hormônios esteroides anabolizantes ocupam um lugar de destaque, sendo utilizados por muitos praticantes de musculação na confiança de que estes aditivos possam proporcionar um corpo “sarado” em um curto espaço de tempo. Diante disso, o que se tem observado nas últimas décadas é o crescimento assustador do uso dos esteroides anabolizantes por razões puramente estéticas na intenção da transformação da forma corporal. Em direção oposta, os sistemas especializados (através dos mecanismos de informação) alertam para o perigo da utilização indevida dos esteroides anabolizantes como meios ilegais e bastante arriscados no que tange ao seu uso com caráter estético. Assim, os partidários da musculação, usuários de esteroides anabólicos androgênicos (EAA) ou não, se veem diante do seguinte dilema: de um lado a confiança no uso dos esteroides anabolizantes como arma capaz de materializar sua vontade incondicional de transformar a forma corporal, de outro, o medo no uso dessas substâncias postas pelos sistemas especializados como meios ilegais e bastante perigosos. Diante do cenário exposto e considerando a materialidade deste fenômeno no mundo contemporâneo, o presente trabalho versa sobre o problema do uso intensivo dos hormônios esteroides anabólicos androgênicos (EAAs), também conhecidos 11 popularmente como esteroides anabolizantes, por jovens do sexo masculino e frequentadores de academia de ginástica de um bairro popular na cidade de João Pessoa. Esta pesquisa teve como objetivo, compreender, dentro de uma perspectiva sociológica, a relação de confiança e o medo nos usos dos hormônios esteroides anabolizantes, bem como as próprias motivações para a prática da musculação e a utilização dessas drogas masculinizantes. A importância do trabalho se faz devido à escassez de estudos sociológicos ligados à utilização dos esteroides anabolizantes, principalmente em uma época centrada na supervalorização da imagem corporal. Além do mais, os dados apresentados podem fornecer contribuições significativas para a reflexão, no que envolve o fenômeno do culto ao corpo como força motriz de excessos na corporeidade contemporânea. Esta dissertação está dividida em quatro capítulos, subdivididos em itens que procuram expor os pontos centrais do trabalho: 1- “Considerações metodológicas”; 2“Tipos de modelagem corporal: dos suplementos alimentares aos químicos esteroides anabolizantes”; 3- “Transformação do corpo anabolizado: o que dizem os usuários?”; 4“Confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes”. No capítulo primeiro, intitulado “Considerações metodológicas”, busca-se expor a metodologia utilizada na pesquisa, apresentando alguns dados colhidos na realidade estudada, além de definir a amostra, apontando o grupo estudado. Em linhas gerais, apresenta alguns indicadores referentes aos usuários de EAA. Em seguida, é indicada a incidência dos usuários que utilizam essas substâncias. Ainda neste capítulo se buscou fazer uma breve exposição de duas academias de ginástica como cenário importante para temos uma ideia de um campo que permeia toda a pesquisa. O capítulo segundo, denominado “Tipos de modelagem corporal: dos suplementos alimentares aos químicos esteroides anabolizantes”, visa apresentar estas duas ferramentas bastante utilizadas (uma legalmente e outra ilegalmente) por frequentadores de academia de ginástica, na busca de modificar a forma corporal. No que se refere aos suplementos alimentares, buscou-se mostrar sua função e intenções para seu consumo, além de oferecer as balizas para questionamentos ligados aos riscos desta ferramenta exposta como “legal” e “saudável”. Em relação aos EAAs, procurou-se apresentar de forma breve, sua história, sua função e intenções, bem como alguns dos efeitos colaterais possíveis na utilização desses aditivos. Já no capítulo terceiro, “Transformação do corpo anabolizado: o que dizem os usuários?”, parte da definição do conceito de Body-builders, tendo por base a “cultura 12 da malhação” e o fenômeno do culto ao corpo. Ainda nesse capítulo, serão apresentadas as motivações para prática da musculação e usos dos esteroides anabolizantes, conforme exposto nos depoimentos dos entrevistados. Mostrou-se que alguns fenômenos sociais se configuram como elementos centrais para as específicas motivações apresentadas, além da relevância de particulares sociabilidades para a fermentação deste processo. No último capítulo, “Confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes”, buscou-se mostrar a relação dos entrevistados com estes dois elementos importantes para o direcionamento do discurso e da ação. Na parte referente à confiança, será exposta, no primeiro momento, a importância deste elemento no contexto moderno, principalmente dentro de um ambiente cercado por sistemas especializados. Assim, a própria prática da musculação encontra-se envolvida com um conjunto de sistemas especializados, em que se pode depositar ou não a confiança. Por fim, no que se refere à parte da confiança, serão expostas as condições apresentadas pelos entrevistados para o fortalecimento ou abandono deste sentimento em face ao uso dos esteroides anabolizantes. Na segunda parte do capítulo, referente ao medo, partiu-se da hipótese de que o medo é um sentimento social e culturalmente construído, estando presente em todas as formações sociais. O medo é um fenômeno difuso na contemporaneidade, estando presente na própria corporeidade humana. Assim, a própria prática da musculação é uma realidade cercada pelo sentimento de medo, seja no que se refere à insatisfação da sua imagem corporal (medo do não reconhecimento, da exclusão, do estigma, do insucesso, da não realização do objetivo traçado etc.), na utilização ou não de diversas substâncias (suplementos alimentares, esteroides anabolizantes, produtos para uso veterinário), dentre outros. No final da parte referente ao medo serão apresentadas as condições em que este sentimento foi reduzido ou ampliado, tendo em vista os depoimentos dos entrevistados nas suas experiências quanto aos usos dos esteroides anabolizantes e tudo o mais que envolve a utilização destas substâncias. 13 CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES METODOLOGICAS 1.1 METODOLOGIA DE COLETA DE DADOS A coleta de dados foi realizada através de entrevistas gravadas com usuários de hormônios esteroides anabolizantes (EAA) que são frequentadores de academias de ginástica, localizadas em um bairro popular da cidade de João Pessoa. O processo de coleta de dados se desenvolveu segundo uma rede de relacionamentos, onde, a partir de um usuário, criaram-se as condições para trilhar a rede de amigos e conhecidos também usuários. Nestas circunstâncias, as entrevistas foram realizadas através do modelo semiestruturado de entrevistas com caráter metodológico qualitativo. A escolha desta ferramenta de pesquisa se deve ao fato de se entender, que ela possibilita a profundidade da entrevista, favorecendo a livre expressão das idéias dos entrevistados, que de acordo com suas respostas, direcionam o pesquisador para novas perguntas, tendo sempre como guia o roteiro pré-estabelecido. Desta forma, favorece a descrição dos fenômenos sociais, a sua explicação e a compreensão de sua totalidade, além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta dos dados (TRIVIÑOS, 1987, MANZINI, 1991, 2003). A construção do roteiro das entrevistas foi baseada em conceitos ligados ao culto ao corpo, confiança e medo e cultura do consumo tendo por base perguntas principais e secundárias para atingir o objetivo da pesquisa. A partir de tais conceitos, foi elaborado no primeiro momento um roteiro de 12 perguntas. Foram entrevistados 10 usuários de esteroides anabolizantes, frequentadores de academia de ginástica de um bairro popular da cidade de João Pessoa. As entrevistas foram aplicadas em sua totalidade pelo próprio pesquisador e todos os entrevistados passaram pela entrevista de caráter semi-estruturado entre o período de maio de 2011 à fevereiro de 2012. Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento dos entrevistados; duraram em média 45 minutos aproximadamente e todas foram transcritas na íntegra. Quase todas as entrevistas ocorreram na “praça do coqueiral” no bairro de Mangabeira, a pedido de alguns usuários, e também, para facilitar o acesso dos pesquisados residentes na mesma localidade. A maioria dos entrevistados (70%) colocou algumas condições tanto para a realização da entrevista como principalmente para o processo de gravação das falas. Estes entrevistados aceitaram que o processo de gravação das falas 14 fosse realizado na condição que o material fosse eliminado imediatamente após a transcrição. Além do mais, a realização das entrevistas só foi possível através da promessa do pesquisador ao manter o sigilo absoluto das informações e tudo mais que de alguma forma pudesse “prejudicá-lo” e identificá-lo. Assim, o pesquisador garantiu em vários momentos (antes, durante e depois da entrevista) o sigilo absoluto das informações ligadas (direta ou indiretamente) a identidade dos pesquisados. E para tanto, no presente trabalho, os nomes dos entrevistados ficaram ausentes. O pesquisador pediu para cada um deles que de preferência, não expusesse nenhum nome (amigos, fornecedores, usuários, dentre outros) na intenção de passar mais confiança aos entrevistados e consequentemente proporcionar mais fluidez nas entrevistas. Porém, em vários momentos ao citar alguns nomes ou informações “comprometedoras”, a maioria dos entrevistados (oito deles) se sentiram desconfortáveis, contudo, foram reforçados pelo pesquisador, do comprometimento do mesmo em manter o sigilo absoluto das informações. Durante as entrevistas, foi possível perceber sinais de impaciência e até mesmo pequenos níveis de agressividade por parte de alguns dos entrevistados quando o tempo da coleta de dados excedia os 20 minutos. Estas condições foram indispensáveis principalmente no que envolve um estudo com os usuários de EAA, que como afirmam Sabino (2004, 2007) e Santos (2007), existe um código de ética dos “bombados” que os “obriga” a não declararem abertamente o consumo dos esteroides anabolizantes, os amigos usuários e os próprios fornecedores destes aditivos. Dificuldade que se potencializa com o processo de gravação das falas, mas que para a pesquisa foi de fundamental importância, considerando a riqueza dos detalhes que envolve este universo do uso dos esteroides anabolizantes e frequentadores de academia de ginástica. Depois da realização das entrevistas, os dados coletados foram passados pelo procedimento de transcrição para depois serem analisados. Antes do processo de análise de dados foi realizada uma releitura completa de todo material colhido nas entrevistas, atividade esta indispensável para o suporte do processo de categorização4 das falas. O processo de categorização se fundamenta a partir do agrupamento dos dados, 4 O processo de categorização na presente pesquisa foi uma ferramenta fundamental para o processo de redução dos dados coletados, criando categorias como produto da síntese de todo material extraído da realidade social pesquisada. Desta forma, foi possível destacar os aspectos mais importantes nas falas dos entrevistados, a partir de um esforço e retorno periódico (dificilmente concluído) aos dados coletados, para com isso fazer o refinamento contínuo e progressivo das categorias tidas como importantes para o conjunto da presente pesquisa. 15 identificando as partes em comum dentro do todo, para assim, serem classificados dentro do conjunto das falas, levando em consideração, as semelhanças ou analogias presente no discurso. Por meio desse método foi possível extrair as regularidades contidas nas falas dos entrevistados saindo do particular para o mais geral. Desta forma, as regularidades semânticas serviram para a construção das categorias temáticas analisadas teoricamente. Categorias como: corpo magro, vergonha do corpo, insatisfação da imagem corporal, corpo “musculoso”, dentre outros, foram extraídas com o procedimento de categorização dos dados colhidos nas falas dos entrevistados, além daquelas pré-estabelecidas como confiança e medo. Em princípio, o propósito da pesquisa foi entrevistar 15 pessoas em um período de seis meses, prazo este estipulado pelo pesquisador para fechar a amostra, mas que não foi possível por vários motivos. Alguns usuários (três no total) desistiram na última hora em realizar a entrevista, dizendo: “quero fazer mais não...”, “pensei melhor e não posso te ajudar não...” ou “não quero expor minha vida pra ninguém...”. Apesar da insistência do pesquisador todos se mantiveram irredutíveis, demonstrando inclusive níveis de agressividade. Outros usuários (dois no total) não quiseram conceder a entrevista dentro do processo de gravação, mantendo-se avesso a esta ferramenta de pesquisa. De qualquer modo, estes (dois) usuários passaram pela entrevista não gravada, onde os dados obtidos na atividade de coleta foram transcritos no diário de campo. Durante o período de coleta de dados, muitos contratempos ocorreram dentro do campo, que mesmo com a interseção dos “porteiros” a dificuldade se fez presente. Na transcrição das entrevistas gravadas, foram respeitadas as expressões dos entrevistados, bem como o modo de falar de cada um deles, nas suas gírias e palavras abreviadas. As palavras de baixo calão foram algo comum no discurso dos entrevistados, porém, foram deslocadas da maioria das falas citadas no corpo do trabalho. Durante a análise, apareceram palavras em destaque, seja em negrito ou itálico, para destacar pontos interessantes do texto ou das falas dos entrevistados. Estes destaques são de responsabilidade do pesquisador. Outros destaques serão informados em nota de rodapé, quando estes, não forem de responsabilidade do pesquisador. Durante a análise, as regularidades nas entrevistas aparecem indicadas em expressões de grandeza como: muitos, muitas, a maioria, a totalidade, dentre outros. 16 1.2 GRUPO ANALISADO E CAMPO DE PESQUISA A pesquisa foi realizada com 10 jovens usuários de esteroides anabolizantes, todos praticantes de exercícios de força (musculação) e frequentadores de academias de ginástica localizadas em um bairro popular5 na cidade de João Pessoa. Os critérios adotados pelo pesquisador para escolha dos respectivos atores devem-se aos seguintes motivos: 1- os homens são os maiores usuários dos esteroides anabolizantes em academias de ginástica; 2- nas últimas décadas, houve um crescimento assustador no consumo das “drogas masculinizantes” (EAA) por frequentadores de academias de ginástica (principalmente do sexo masculino) alcançando proporções alarmantes; 3devido a menor dificuldade no acesso a rede de usuários do sexo masculino pelo fato da sua contingência; 4- o culto ao corpo faz com que a utilização de “drogas da imagem corporal” como os esteroides anabolizantes ganhe cada vez mais espaço entre os jovens do sexo masculino apesar do relativo crescimento do uso pelo sexo feminino. No que tange o perfil dos entrevistados, o pesquisador se ateve as percepções extraídas através do campo e do contato com os atores. Conversas antes das entrevistas ou depois das entrevistas também serviram de materiais para traçar o perfil dos entrevistados. Ao sintetizar estes dados podemos apontar: idade, escolaridade, profissão e gastos com ferramentas ligadas à transformação da imagem corporal, como esteroides anabolizantes, suplementos alimentares e outros produtos. Em pesquisa realizada pelo “Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas” (CEBRID)6 foi apontado que os maiores usuários de EAA no Brasil são homens entre 17 a 34 anos. Na presente pesquisa, a faixa etária dos entrevistados foi de 20 a 30 anos, porém, a maioria deles já fazem uso destas substâncias há alguns anos. Em relação a escolaridade, verificamos conforme os dados que, 2 dos entrevistados possuem segundo grau incompleto, porcentagem idêntica aos que possuem segundo grau completo. Por outro lado, 6 dos usuários são universitários matriculados em instituições públicas. 5 Uma das várias possibilidades de estudar a relação do indivíduo com sua corporeidade se dá considerando a realidade das classes sociais, principalmente em se tratando de uma sociedade tão diferenciada e desigual como a nossa. Desta forma, considerar a classe social é importante no que tange o estudo da corporeidade, apesar de na atualidade, se vivenciar uma tendência nas ciências sociais de negligenciar as classes como categorias explicativas importantes. 6 Ver o segundo capítulo “Tipos de modelagem corporal: dos suplementos alimentares aos químicos esteroides anabolizantes”. 17 No que se refere à ocupação profissional verificamos que 7 dos entrevistados possuem alguma atividade remunerada e que 3 dos entrevistados está atualmente sem nenhuma ocupação profissional. Porém, um dos entrevistados ao se colocar como desempregado afirmou que consegue adquirir alguma renda com as vendas de esteroides anabolizantes e de receitas médicas (falsificadas) para compra dessas drogas. Além do mais, o entrevistado afirmou também, vender produtos para uso veterinários (vitaminas e anabolizantes) onde muitas pessoas utilizam-se destas substâncias para modificação da forma corporal. Este entrevistado confidenciou que antigamente era vendedor destes produtos sem restrições, porém, hoje (por causa risco potencial) as vendas são destinadas apenas aos amigos de confiança. Para Giddens (1991), dentro do universo da relação de amizade o elemento confiança tem importância singular, principalmente no contexto das sociedades modernas. É através da confiança nas relações de amizade que se dão muitas das decisões tomadas cotidianamente levando em conta a autenticidade e lealdade do amigo. Por fim, sobre os gastos ligados as ferramentas para transformação da forma corporal, a totalidade dos entrevistados (por serem usuários), destina parte (ou todo) do dinheiro adquirido no consumo dos esteroides anabolizantes. Segundo Boltanski (1984), do ponto de vista da posição social ocupada pelo indivíduo, existem diferenças no que se refere às representações, às significações, às percepções, ás sensações, aos valores e aos usos sociais do corpo ligadas a sua cultura somática. Além do mais, a própria constituição corporal do indivíduo relaciona-se de uma forma ou de outra, às condições materiais de sua existência e a sua posição de classe. Assim, os usuários sem nenhuma atividade profissional alegaram que têm a possibilidade de compra dos esteroides anabolizantes graças ao dinheiro que recebem dos seus pais e às vezes de empréstimos com os amigos também usuários. No que se refere a outras ferramentas para transformação da forma corporal, 9 entrevistados assumiram fazer uso de suplementos alimentares com a intenção de força auxiliar da hipertrofia muscular e para melhorar a performance na prática de exercícios de força de modo geral. Estes 9 usuários afirmaram a dificuldade no consumo constante dos suplementos alimentares, devido ao preço elevado de muitos produtos que muitas vezes é incompatível com a própria renda mensal. Porém, a maioria dos entrevistados alegou se esforçar bastante para fazer uso dos suplementos alimentares, porque associado ao uso dos esteroides anabolizantes, o ganho da massa muscular e tudo mais (força, energia, queima de gordura corporal, dentre outros) ligado a prática da musculação é intensificado. Um dos entrevistados 18 afirmou nunca ter consumido suplementos alimentares por causa da sua condição material. Para ele, o raro dinheiro adquirido é destinado ao consumo dos esteroides anabolizantes e também para o consumo de produtos para uso animal. Este entrevistado manifestou vontade de consumir suplementos alimentares conforme as boas indicações dos amigos no que tange a os efeitos “benéficos” para construir um modelo corpóreo ideal. A pesquisa também verificou, que cerca 4 dos entrevistados fizeram uso de alguma substância para uso animal na intenção de modificação da forma corporal. Para os usuários destes produtos, esta ação seria um dos meios mais rápidos e baratos de construir a forma corporal almejada, porém uma atitude mais arriscada. 1.2.1. INCIDÊNCIA DOS USUÁRIOS Todos os entrevistados afirmaram contundentemente que são usuários atualmente de hormônios esteroides anabolizantes. Apenas um dos entrevistados começou a fazer uso dos esteroides anabolizantes no ano passado (2011), contudo, os demais usuários, faz utilização destes aditivos em um período mínimo de 3 anos. O período maior apontado por um dos entrevistados para o consumo dos EAA gira em torno de 9 anos. E a idade mais precoce na utilização destas drogas da imagem corporal (EAA), conforme observado nas entrevistas foi aos 14 anos, seguido de outro usuário aos 16 anos. Portanto, em média, o consumo entre os entrevistados gira em torno de 4 anos. Exceto o entrevistado que começou a fazer o uso dos esteroides anabolizantes no respectivo ano de 2011, os outros 9 usuários realizam no mínimo dois ciclos de aplicações anualmente, que envolve várias aplicações em um período mínimo, que em média gira de um mês a três meses. É importante ressaltar, que o período de aplicações se modifica de acordo com o ciclo escolhido e a escolha dos esteroides ou até mesmo de outras substâncias escolhidas para o consumo (utilização de substâncias para uso veterinário). Os esteroides anabolizantes são administrados na sua composição injetável e oral. Nestas condições, a totalidade dos entrevistados fez uso dos EAA na sua versão injetável, onde 5 deles também consumem na sua composição oral. As alegações dos outros 5 entrevistados que não utilizam os EAAs por via oral gira em torno de três argumentos: 1- Os EAAs na sua administração oral são mais prejudiciais à saúde 19 principalmente ao fígado; 2- O não conhecimento dos produtos; 3- A falta de oportunidade para o consumo de drogas específicas. A partir os dados coletados, se verificou que todos os entrevistados afirmaram ter consumido o “Deca-durabolin” (Decanoato de nandrolona), seguido de 9 que consumiram “Durateston” (Propionato de testosterona) e 7 entrevistados utilizaram “Winstrol” (Estanazolol) como os esteroides anabolizantes mais comuns dentre os usuários pesquisados. Porém, vários outros esteroides anabolizantes foram bastante mencionados, entre tais substâncias podemos citar às seguintes: • Androxon (Undecanoato de Testosterona) • Deposteron (Cypionato de Testosterona) • Hemogenin (Oxandrona) • Primobolan (Mentelona) • Testex (Cypionato de Testosterona) Além do uso de substâncias como os esteroides anabolizantes, os suplementos alimentares apareceu conforme os depoimentos, com a finalidade de auxiliar os EAAs para transformação e construção da forma corporal. Exatamente 90% dos entrevistados, afirmaram fazer uso de suplementos alimentares para ajudar a potencializar a modificação corporal. Apenas um dos entrevistados nunca utilizou tais substâncias, na alegação de não ter condições financeiras para o consumo. Porém, 7 entrevistados ao alegarem fazer uso de suplementação alimentar, reiteraram constantemente a dificuldade de uma regularidade no consumo de substâncias especificas, devido do custo elevado dos produtos, principalmente os importados. Os suplementos alimentares apontados pelos entrevistados são formados principalmente por compostos de carboidratos, proteínas, aminoácidos, metabólicos e extratos. A partir dos dados coletados, os suplementos nutricionais mais citados em ordem crescente foram o seguinte: • Maltrodextrina • Albumina • Whey Protein • Hipercalóricos 20 • Creatina • BCAA • Mega Pack • M’Drol As substâncias para uso veterinário foram consumidas por 4 entrevistados, com maior incidência do complexo vitamínico ADE7. Apesar desse produto não ser um esteróide anabolizante, estas substâncias são frequentemente usadas por indivíduos na busca de crescimento do tecido muscular (pelo menos aparentemente), mesmo não possuindo propriedades para o desempenho desta função. O que chama atenção com os dados coletados é que entre os usuários destas substâncias a preferência por este produto cresce quanto maior o declive da condição material. Assim, o entrevistado que apresentou a menor condição financeira faz uso constante do complexo vitamínico ADE em associação com um tipo de esteroide anabolizante (Decadurabolin), pois, segundo relato do mesmo, a utilização de outros esteroides está fora das suas condições econômicas. Em análise de preço feita pelo pesquisador em clínicas veterinárias do bairro dos usuários aqui pesquisado, o valor médio do complexo vitamínico ADE variou entre 12 a 15 reais. Anabolizantes de uso veterinário foram utilizados por 3 entrevistados conforme os dados coletados, em destaque para Androgenol (Propionato de testosterona) e Equifort (Undecilenato de boldenona)8. Conforme os dados, as substâncias de uso veterinário utilizadas foram às seguintes: • ADE (Complexo Vitamínico) • Potenay (Complexo Vitamínico e Estimulante) • Revimin Plus (Complexo Vitamínico, Mineralizante e Anabólico) • Androgenol (Anabolizante para uso animal) • Equifort (Anabolizante para uso animal) 7 Utilizados no combate do enfraquecimento, falta de apetite, raquitismo e estimulante de engorda para gados e cavalos. 8 Ambos os medicamentos são utilizados no tratamento de deficiência do hormônio masculino e no preparo de animais para cobrições. 21 Uma vez esboçado o método de coleta de dados, alguns indicadores e a própria incidência do consumo dos entrevistados, falta-nos agora contextualizar o ambiente mais importante de sociabilidade dos entrevistados: a academia de ginástica. 1.3. CAMPO DE PESQUISA A partir do momento em que o pesquisador tomou contato (através de um porteiro e informante) com um usuário de esteroides anabolizantes e posteriormente, seguiu trilhando a rede de relacionamentos, o mesmo criou as condições necessárias para se ter acesso a outros usuários (amigos e conhecidos do primeiro usuário entrevistado). Tal realidade corresponde ao fio condutor de todo o processo de coleta de dados. Porém, conforme a realização das entrevistas, o pesquisador se viu na necessidade de fazer observações mesmo que não sistemáticas, em um dos ambientes mais importantes de consolidação das redes dos usuários aqui pesquisados, ou seja, as academias de ginástica frequentadas pelos mesmos. Foram escolhidas duas academias de ginástica a qual chamarei de academia A e B para que se mantenha o sigilo absoluto das informações que de alguma forma leve a sua identificação. Os critérios para a escolha de específicas academias foram os seguintes: Em primeiro lugar, 6 dos entrevistados em nossa pesquisa estão distribuídos no universo destas duas academias (A e B) escolhidas pelo pesquisador. Em segundo lugar, os percentuais dos valores das mensalidades de ambas as academias escolhidas pelo pesquisador difere em mais de 100%, ou seja, a mensalidade da academia A é mais do que o dobro da academia B. Em terceiro lugar, a academia B possui um dos menores valores (talvez o menor) de mensalidade de todo o bairro (segundo sondagem prévia do pesquisador). Por outro lado, a academia A é uma das que tem os maiores valores de mensalidades cobradas na localidade. Transcrever o ambiente das academias observadas, serve para ilustrar e compreender a sociabilidade vivida dos entrevistados, através da indicação dos símbolos utilizados e da relação de poder que envolve o invólucro corpóreo nesta instituição social. As observações nas academias A e B duraram 12 dias cada. A frequência do pesquisador em cada academia observada era de 3 dias por semana e na medida do 22 possível, os turnos eram alternados. Já no que se refere a duração, a permanência do pesquisador no ambiente analisado era por volta de 1 hora para não manter suspeita. O pesquisador matriculou-se como aluno na busca de maior sigilo possível, além do mais, este procedimento traria uma maior facilidade para a coleta dos dados. As informações colhidas nos dias de observações (três vezes por semana) eram anotadas no diário de campo (guardado na mochila do pesquisador) logo após a saída dos locais pesquisados. 1.3.1- ACADEMIA “A” A primeira impressão que se tem ao chegar à academia é que ela tem um espaço amplo para a prática da musculação, uma boa estrutura com aparelhos consideravelmente “novos” e mantendo um bom aspecto de limpeza. Esta academia “A” oferece outras modalidades permitindo que o aluno desempenhe outras atividades físicas (caso pague uma taxa extra). Além de aparelhos para musculação, a academia conta com várias esteiras (manuais e elétricas), bicicletas ergométricas, mini trampolim, simuladores (corridas e caminhadas), colchonetes para abdominais, dentre outros. Ainda no ambiente interno, os espelhos estão em todos os lugares e presos nas paredes, encontramos diversos deles, estando presente também em qualquer modalidade. O pesquisador constatou que existe uma prática de certa forma “viciosa” nos alunos (as) que constantemente ficam diante do espelho, mesmo no intervalo ou ao finalizar a série dos exercícios. Esta prática, bastante comum, parecia algo além de um simples cultivo narcisista, mas, algo que parecia internalizado e de certo modo mecânico como reflexo das ações no ambiente institucional. O corpo neste momento era colocado como “alter ego”, um outro eu ou uma parceiro para usar a expressão de Le Breton9. Estas práticas, também geravam disputas “simples” ou ligadas à própria relação de poder da imagem corporal, no que envolve o corpo como objeto simbólico e detentor de valor. Nestas condições, ampliam-se as disputas e os constrangimentos dentro deste campo de práticas e ações. Em várias ocasiões foi possível notar duas ou mais pessoas se olhando 9 Para Le Breton (2009, p. 41) “milhares de homens e mulheres se matam pelo seu corpo colocando como alter ego (como haltere ego), sempre no espelho diante deles – porque as salas têm espelhos --, e os exercícios exigem sua presença.” O corpo na contemporaneidade se afirma como alter ego, uma personalidade diferente do eu. Isso é possível, porque a modernidade acabou com o dualismo homem/alma e estabeleceu o dualismo homem/corpo fazendo deste elemento salvação. 23 no mesmo espelho e quando se concretizava determinada realidade, às vezes, tal fenômeno parecia sair de uma “simples admiração pessoal” da imagem corporal para uma “severa” exibição da estrutura corpórea. Em outras várias ocasiões, quando específica realidade se materializava, normalmente existia um constrangimento do aluno ao dividir o reflexo no mesmo espelho com alguém (considerado por ele) simbolicamente “superior”. Quando um aluno, por exemplo, estava se olhando no espelho e outro mais “forte” (com volume maior de massa muscular) ficava diante do mesmo espelho (ou até mesmo no campo de visão), sempre o aluno com menor hipertrofia muscular desistia de ficar diante do mesmo espelho e consequentemente perante o reflexo do outro. De qualquer modo, os alunos da academia gostam de ser vistos por outros alunos da mesma academia frequentada, conforme observação do pesquisador da linguagem corporal dos praticantes. Foi notável que alguns frequentadores na academia (principalmente as mulheres) estavam preocupados não apenas com sua imagem corporal como também com a aparência de modo geral. Os trajes mais comuns entre os alunos eram: para os homens, shorts ou bermudas com camisa normal, porém leves (com manga ou regata) e tênis ou sapatilhas. Também grande parte dos alunos utiliza-se de acessórios como luvas para os exercícios de força. As mulheres usam, na sua grande maioria, calças de lycra com tops ou camiseta. No que envolve os trajes, foi possível perceber uma tendência que quanto mais “sarado” o corpo estiver, menor e mais justa seria as peças de roupas utilizadas pelos alunos da academia. Além dos trajes típicos observáveis, outros elementos ganharam destaque como companheiro inseparável de muitos alunos dentro do circuito de exercícios próprio de cada praticante: a coqueteleira ou garrafa. Muitos alunos levavam dentro das garrafas ou coqueteleira suplementos alimentares como força auxiliar e necessária para a prática de exercícios dentro da academia. Na maior parte das vezes, foi possível notar que muitos alunos ao chegarem à academia estavam portando uma garrafa com algum tipo de substância em pó que era misturada com água. Estas substâncias, com várias tonalidades, eram ingeridas na medida em que o circuito de exercícios era concluído. Já outros alunos portavam coqueteleira que continham algum tipo de substância que era misturada com água e ingeridas logo após da conclusão dos exercícios. Em vários momentos foi possível perceber conversas entre os praticantes (homens e mulheres) sobre os produtos ingeridos seja entre os que portavam garrafas ou coqueteleiras ou entre os que portavam e os que não portavam. Nesta academia, conversas sobre 24 consumo de vários tipos de suplementos alimentares eram comuns entre os praticantes segundo foi possível notar em vários dias de pesquisa. Dúvidas e dicas sobre o consumo dos suplementos alimentares eram comuns entre os praticantes e também com os três instrutores da academia em que várias vezes foi possível perceber homens e principalmente mulheres pedirem sugestões de produtos para serem consumidos não só com o intuito de melhorar a performance, mas, principalmente de modificar a forma corporal. Em vários dias observou-se que alguns alunos pediram sugestões para o consumo de suplementos alimentares (certamente outros também) e dicas de tipos de exercícios para os alunos que se destacavam no interior da academia de ginástica pelo seu volume da massa muscular (hipertrofia), portanto, os mais “fortes” da academia. Porém, não foi possível detectar conversas abertas sobre o consumo dos esteroides anabolizantes entre os frequentadores nos dos 12 dias de observações. Como em qualquer outra academia de musculação, o som ambiente contava com estilo de música típico para a prática de exercícios como mecanismo motivacional e de distração da carga de esforço físico atingido. Porém, muitos alunos utilizavam-se de aparelhos eletrônicos próprios (Celular, MP3, MP4, dentre outros) como forma de controlar o próprio estilo musical no seu caráter individual. A preocupação e cultivo das medidas corporais também foi uma realidade presente na academia. Na recepção da academia, havia cerca de 3 três fitas métricas, sendo constantemente utilizados pelos alunos na intenção de medir os ganhos e perdas de determinadas partes do corpo. Assim, vimos homens medindo o volume do braço e do tórax e as mulheres, medindo o volume das coxas, nádegas, barriga e panturrilha. Certos imaginários e representações corporais também são alimentados nesta academia, onde se encontra em várias partes da mesma, pôsteres com imagens de corpos de homens e mulheres considerados “ideais”, conforme foi possível observar. Muitos alunos aos conversarem entre si e ao mesmo tempo ao olharem para os pôsteres expostos no ambiente da academia diziam: “um dia vou ser assim!”; “quando chegar nessa forma física eu deixo de malhar!” ou “meu sonho é chegar nesse nível!”, dentre muitas outras frases expostas pelos alunos. Apesar dos pôsteres estarem presentes no ambiente da academia, estas imagens eram constantemente comentadas e visualizadas pelos alunos nos seus momento de descanso, nas conversas ou no próprio caminhar de um aparelho para outro. Tais imagens eram uma realidade bastante impactante. Assim, imagens de corpos que dificilmente são atingidos (padrões hegemônicos) estão presentes no ambiente da academia, podendo despertar, uma infinidade de sentimentos 25 como: angústia, ansiedade, medo, insatisfação da imagem corporal, vergonha do corpo, dentre outros. Cartazes incentivando a modificação da imagem corporal na busca da “boa forma” também encontram-se presentes no espaço desta instituição social, incentivando os alunos a se manterem fiéis ao estilo de vida dos exercícios físicos, na busca de um corpo saudável. 1.3.2. ACADEMIA “B” Ao chegar à academia, logo se tem a impressão das suas péssimas condições, realidade esta que se concretiza ao presenciar suas estruturas. O que chama atenção não é apenas sua estrutura física, mas, os próprios maquinários presentes na academia. A grande maioria dos maquinários que ali estão são produções artesanais. Os produzidos industrialmente são arcaicos e bastante depreciados em suas condições. Esta realidade desperta sensações de insegurança na própria execução dos aparelhos, sendo visível a ausência de manutenção regular. Em sua totalidade os aparelhos presentes na academia direcionam-se para a prática de exercícios de força estando ausentes maquinários de outras atividades físicas. Assim, à academia não possui esteiras, bicicletas ergométricas ou qualquer outro maquinário que direcione para outra prática fora dos exercícios de força (musculação). Outra coisa que direciona a atenção é o aspecto de um ambiente não limpo não só na estrutura da academia, como também, nos próprios aparelhos que parecem não higiênicos. Uma situação bastante intrigante nos primeiros dias de observação foi a ausência da presença feminina no ambiente da academia, dando a impressão que não existia nenhuma mulher matriculada. Esta realidade se materializou quando tivemos a informação (do instrutor e dono da academia) que a presente academia contava aproximadamente com cerca de 125 alunos, todos do sexo masculino. Esta situação gerava brincadeiras no que tange a ausência da presença de mulheres no ambiente da academia, mas que por outro lado, tal especificidade foi bastante elogiada e vista como positiva por muitos alunos. Conversas sobre esta particularidade eram comuns, como também, o consenso dos alunos ao afirmarem (durante as conversas) que específica academia é destinada a quem quer modificar a forma corporal no hipertrofiar dos músculos e não pra ficar olhando para o sexo oposto. No quinto dia de observação, um 26 dos alunos (em conversa ligada a não presença de mulheres) fez a seguinte alegação perante todos: “quem vem malhar aqui, vem pra crescer e não pra ficar olhando pra mulheres...”. Foi possível perceber, que tal característica é motivo de identificação e satisfação dos próprios alunos ao fazerem comparações críticas com alunos que frequentam outras academias na intenção de admirar o sexo oposto e não de se dedicar plenamente ao objetivo de ganhar massa muscular. Conforme as várias conversas observadas durante os dias de pesquisa, foi possível perceber que alguns alunos acreditam que alunos de outras academias (principalmente as mais caras do bairro) “nunca “conseguem ficar “fortes” porque estão na academia mais para a exibição de roupas, bens materiais e principalmente para admirar as mulheres que ali estão, do que propriamente para ficar forte ou usando a expressão deles: “pra crescer” ou “pra ficar grande”. Igualmente à academia A, os espelhos estão em vários lugares na academia B, porém, a inferioridade da importância deste elemento em comparação com a outra academia observada10 foi visível. As práticas e “disputas” frente ao espelho são fugazes não gerando nenhuma surpresa. Só em alguns momentos logo após a execução de cada exercício de força, alguns alunos da academia se olham, mas, rapidamente voltam à prática dos exercícios repetitivos como se cada segundo fosse precioso. Apesar da trivialidade, é importante ressaltar que durante os exercícios praticados na academia, específicos estilos de músicas eram executados se adequando ao lugar comum em todas as academias. Nenhum aluno foi observado utilizando-se de qualquer aparelho eletrônico para a execução de estilos de músicas em nível individual para a prática dos exercícios. Porém, alguns alunos ficavam cantando em vários momentos, músicas que fazem apologia ao uso dos esteroides anabolizantes, dando forte indício da identificação de determinado grupo social. É como se determinadas músicas, que fazem apologia ao uso dos hormônios esteroides anabolizantes e situações objetivas e “positivas” cantadas nelas, servissem como meio de adequação e fortalecimento da identidade do grupo (grupo dos “bombados”) e consequentemente da restauração e fixação da sua própria identidade. Também foi possível observar na presente academia, a utilização de fitas métricas na intenção de medir o volume da massa muscular. O interessante é que a preocupação exclusiva na medição se aplicava ao volume do braço, fazendo desta parte do corpo o elemento mais importante. 10 Ver academia A. 27 A preocupação predominante na academia era com a imagem corporal, na intenção de modificação da forma física, fato este bastante claro na observação. Assim, a atenção com a aparência de modo geral era algo não presente entre os alunos, em que os trajes dominantes, eram camisas regatas e bermudas acompanhadas normalmente de tênis. A utilização de acessório como luvas, coqueteleiras ou garrafas com qualquer tipo de substâncias ou até mesmo, contendo simplesmente água, foi uma realidade não vista nos dias de observações. Contudo, mesmo não sendo uma prática a utilização e consumo de suplementos alimentares em coqueteleiras ou garrafas no ambiente da academia, foram percebidas constantemente, conversas entre os alunos sobre suplemento. Em específicas conversas entre os alunos, foi possível notar o caráter espetacular que assume o uso de suplementos alimentares no ambiente desta instituição. Era surpreendente e simplesmente notório, a felicidade na face de certos alunos ao falar que realizou um compra de suplementos alimentares para potencializar seus objetivos, no que se refere não só a modificação da forma corporal, mas, para melhorar o desempenho na academia ou até mesmo, no sentido de arma auxiliar para o próprio consumo de EAA. Muitos alunos em conversas regulares colocaram o consumo de específicos suplementos alimentares (normalmente os importados ou nacionais com marcas e valores que se diferencia dos demais) como algo a ser buscado, chegando muitas vezes a ser mais que uma necessidade, representando um verdadeiro “sonho” que precisa ser alcançado. Bastava um aluno comentar entre os colegas algo ligado aos suplementos alimentares (que vai comprar, que comprou ou que quer e precisa comprar) para as conversas se expandiram no ambiente da academia. Dicas, conselhos e experiências no que se trata do uso dos suplementos alimentares eram comuns entre os alunos. Os sujeitos mais “fortes” da academia ao passarem dicas, conselhos e experiências ligados ao consumo de suplementos alimentares, uso de EAA e a formulação das séries de exercícios, despertava a atenção de todos, servindo como paradigma da ação para os demais frequentadores da academia que tem como objetivo a hipertrofia dos músculos. Em vários momentos durante a observação foi possível perceber que muitas ações e “certezas” eram alteradas em “uma só palavra” dos alunos considerados pelos demais, como referência para a própria prática da musculação. Os alunos mais “fortes” da academia eram estimados, representavam à referência nas ações ligada as práticas de musculação, servindo de modelos a serem seguidos, considerados verdadeiros especialistas nos assuntos ligados a esta prática. 28 Conversas sobre o consumo dos EAAs e substâncias para uso veterinário eram uma realidade não menos comum no interior da academia, porém com menor intensidade. Durante os 12 dias de observações, foi constatado que os alunos conversam abertamente sobre o consumo de EAA, produtos para uso animal e suplementos alimentares. Os assuntos mais comuns entre os frequentadores, ligados ao consumo de tais substâncias, giravam em torno dos seus efeitos “positivos”, dos efeitos colaterais, da construção dos ciclos, das dosagens, dentre outros. Podemos afirmar que nesta específica academia, existe um processo de naturalização dos assuntos direcionados ao uso de esteroides anabolizantes, suplementos alimentares e substâncias para uso veterinário. Foi possível notar em vários momentos, a forte tendência que alguns frequentadores apresentaram com a insatisfação da imagem corporal em níveis acentuados, mesmo sendo visto pelos outros alunos como modelo corporal a ser seguido. Esta realidade apresenta forte indício de “transtorno da imagem corporal” conhecida por alguns como “dismorfia muscular” (ASSUNÇÂO, 2002), que caracteriza o sujeito em nunca ficar satisfeito com o volume da sua massa muscular. Assim, existe uma distorção da imagem corporal real fazendo das medidas dos tonos musculares algo insuficientemente forte e musculoso não aos olhos dos outros, mas, exclusivamente aos olhos de si. Desta maneira, alguns alunos na academia eram constantemente elogiados (por amigos e os demais praticantes da academia) devido à elevada hipertrofia muscular que apresentava, mas, que foi visível o não reconhecimento do mesmo. Em várias situações, os alunos elogiados afirmaram ainda estarem “fracos” e “pequenos”, mas, que um dia, chegarão a ficar “grandes” e “gigantes”11. Ao mesmo tempo em que eram elogiados e admirados, eles apontavam para os diversos pôsteres fixados na parede da academia, com imagens de fisiculturistas famosos como: Arnold Schwarzenegger, Ronnie Coleman, Jay Cutler, Gunter Schierkamp, dentre outros. A própria associação que determinados alunos faziam da sua forma corporal com imagens expostas dos fisiculturistas, representava o ideal a ser buscado (apesar de diferir na intensidade do modelo muscular valorizado socialmente), um verdadeiro objetivo de vida para muitos frequentadores desta academia. As representações e imaginários corporais presentes nas 11 Segundo Assunção (2002), a “dismorfia muscular” que corresponde um dos vários transtornos da imagem corporal (como a bulimia e anorexia), pode fundamentar excessos e obsessões nas atividades físicas, causando prejuízos em outras atividades sociais devido a ausência de tempo para o funcionamento das mesmas. 29 imagens fixadas na parede da academia direcionavam os alunos para sensações de insatisfação da imagem corporal, ansiedade, angústia ao mesmo tempo em que correspondem a elemento de objetivação. Apesar de outros alunos da academia não terem como ideal o corpo dos fisiculturistas, pois a busca se fecharia na hipertrofia da massa muscular em menor intensidade (ideal socialmente aceito), a maioria deles não escondia admiração pelo volume muscular dos body-building profissionais. Podemos concluir, afirmando que as academias escolhidas (A e B) para a observação possuem especificidades que as aproximam, como também, as diferenciam, ambas fermentam a própria busca dos alunos para modificação da forma corporal, fazendo com que não só o ambiente externo da academia direcione o sujeito para transformação e construção da forma corporal, mas, o próprio ambiente interno e a própria sociabilidade presente dentro das academias (A e B) impulsiona esta busca. É exatamente o que Stéphane Malysse, analisando as academias de ginásticas do Rio de Janeiro chamou de “verdadeiras instituições pedagógicas do corpo”, um local de aprendizagem, uma legítima “universidade do corpo” (2002, p. 95). 30 CAPÍTULO II TIPOS DE MODELAGEM CORPORAL: DOS SUPLEMENTOS ALIMENTARES AOS QUÍMICOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES A aparência corporal é cada vez mais uma prioridade na vida do indivíduo contemporâneo (LE BRETON 2004, 2007, 2011). Neste contexto, transformar o corpo para muitos virou um projeto de vida e para tanto, muitos indivíduos utilizam-se (mesmo ilicitamente) de ferramentas disponibilizadas pelo mundo moderno em prol dos seus objetivos. Assim, um número crescente de pessoas está fazendo uso de substâncias na intenção de potencializar a transformação da forma corporal em um curto espaço de tempo, que por outro lado, estes métodos podem não ser os mais adequados a saúde e a capacidade do seu corpo. Os Esteroides anabolizantes por possuírem a capacidade de acelerar o crescimento da musculatura (efeito anabólico), têm feito com que muitas pessoas façam uso destas substâncias (apesar dos riscos) para melhorar o desempenho e a aparência física em um mundo cada vez mais voltado para a valorização da beleza e da boa forma. Realidade idêntica a outras substâncias como é o caso dos suplementos alimentares que chega como a promessa de realizar verdadeiros milagres, além de ser uma alternativa “saudável” e “legal” na busca do corpo esteticamente “perfeito”. Porém, algumas pesquisas em várias partes do mundo apresentam resultados que colocam em dúvida se os suplementos alimentares são realmente saudáveis e necessários12. 2.1. SUPLEMENTOS ALIMENTARES A busca de um corpo esteticamente perfeito e a melhora do desempenho na prática de atividade física (seja atleta ou não atleta) faz com que um número 12 Apesar do foco do trabalho ser sobre o uso de esteroides anabolizantes, a discussão em relação aos suplementos alimentares torna-se relevante porque, muitos indivíduos que fazem uso dos esteroides anabolizantes consideram ideal a sua combinação (quando possível) com os suplementos alimentares com a intenção de ampliar a potencialidade da transformação da forma corporal e da própria atividade física. Junto disso, alguns estudos de diferentes órgãos (SBME- Sociedade Brasileira Medicina do esporte; ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária; FDA- Food and Drug Administration; dentre outros) apontam para a presença de esteroides anabolizantes em diversos suplementos alimentares ampliando a potencialidade do perigo da própria combinação. 31 incalculável de pessoas cometam abusos no consumo de substâncias na intenção de potencializar e realizar seus objetivos. Uma nova tendência que se tem observado nas últimas décadas entre os atletas ou simplesmente praticantes de atividade físicas é a construção de habitus regulares na utilização de suplementação alimentar como forma “saudável” e “legal”, capaz de melhorar o desempenho na prática da atividade física (atleta e não atleta) de modo geral. Desta forma, os suplementos alimentares chegam com a promessa de verdadeiros milagres, como ferramentas ideais para quem quer melhorar a performance na atividade física, construir um corpo perfeito, além de melhorar a saúde e a qualidade de vida. De modo genérico, os suplementos alimentares foram criados com a finalidade de suplementar a dieta com alguma deficiência, ou seja, em suprir uma possível carência dos nutrientes necessários e essenciais a cada organismo humano. São indicados para pessoas que não conseguem suprir suas necessidades básicas de nutrientes somente com alimentação habitual. E por ser tratarem de alimentos sintéticos de alta qualidade, são “recomendados” e principalmente utilizados por pessoas de todos os sexos e todas as gerações. E não só isso, os suplementos alimentares também são utilizados com a intenção de melhorar o desempenho em qualquer atividade física, seja por um atleta de alto nível ou até mesmo, por qualquer pessoa que pratica exercícios físicos. Esta realidade fez com que nas últimas décadas, houvesse um crescimento assustador na utilização dos suplementos alimentares, estando presente na construção de dietas de um número bastante significativo de pessoas. Além do mais, a cada dia surge um produto novo e com eles, novas premissas para objetivação da satisfação e necessidade pessoal, principalmente no que envolve a potencialização da performace e a modificação da forma corporal. Existe uma pluralidade de suplementos alimentares com finalidades específicas, ligadas às práticas esportivas, a manutenção da saúde, a melhora da qualidade de vida, dentre outras. Os suplementos alimentares são fabricados para serem administrados na forma de pílulas, cápsula, géis, líquidos, pós, chicletes, balas, barras e muitos outros. Essa variedade de suplementos alimentares podem ser comprados facilmente em farmácias, supermercados, lojas especializadas, na internet, etc (PHILIPPI, 2004). E apesar de conter em seus rótulos, o dizer – consumir sob orientação de um nutricionista ou médico—, os suplementos alimentares podem ser adquiridos sem prescrição médica ou de qualquer especialista (nutricionista ou profissional de educação física), além do 32 mais, muitos dos suplementos alimentares não oferecem qualquer tipo de contraindicação ou possíveis efeitos colaterais em suas embalagens. Muitos dos suplementos alimentares que se consume, contêm nutrientes que estão presentes em muitos dos alimentos ingeridos diariamente como é o caso das proteínas, dos carboidratos, das vitaminas, dos minerais e muitos outros. De qualquer modo, são nutrientes que podem ser administrado para uma infinidade de funções orgânicas, seja energética; construção e manutenção de vários tipos de tecido; manutenção e fortalecimento do sistema ósseo; além de outros elementos essenciais para o organismo como todo, como por exemplo, as vitaminas e os minerais (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002; PHILIPPI, 2004). Hoje é comum ouvir dos usuários dos suplementos alimentares que tais substâncias administradas em “quantidade apropriada” são benéficas a saúde e ao bem-estar do individuo, porém, não se tem um consenso do que seria esta “quantidade apropriada” para tal benefício, ao mesmo tempo, da quantidade excessiva que possa causar algum risco à saúde. A única certeza quando se discute a importância, a necessidade e a quantidade do consumo de suplementos alimentares é a relação conflitante das informações passadas pelos sistemas especializados13. Acredita-se o os suplementos alimentares são substâncias capazes de otimizar o desempenho em qualquer atividade física, principalmente atlética. Capaz de proporcionar ao atleta ou ao simples praticante de atividade física, a supressão dos elementos básicos e essenciais extremamente importantes para qualquer prática de exercícios físicos. Este fato faz com que se amplie o uso de ergogênicos (substâncias que potencializam o desempenho das atividades físicas) como ferramentas inseparáveis em qualquer prática de exercícios físicos. Uma modalidade de atividade física que vem se destacando nos últimos anos na utilização de suplementos alimentares para fins ergogênicos é a prática da musculação (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002; CARVALHO, 2003). Observamos nas últimas décadas a tendência de muitos frequentadores de academia de ginástica fazerem uso abusivo de substâncias 13 Os embates entre os conhecimentos especializados nas suas afirmações e contra-afirmações, proporcionando posições conflitantes, ao mesmo tempo, que dissemina diferentes teses sobre a mesma realidade, fermenta sensações de incertezas e inseguranças afetando de maneira decisiva as opções e escolhas individuais, principalmente no que envolve a construção dos estilos de vida. Para Anthony Giddens (2002, p. 10), “a modernidade institucionaliza o princípio da dúvida radical e insiste em que todo conhecimento tome forma de hipótese – afirmações que bem podem ser verdadeiras, mas que por princípio estão sempre abertas à revisão e podem ter que ser em algum momento, abandonadas”. Assim, ampliam-se as “discordâncias internas entre especialistas” (2002, p. 14). 33 nutricionais para potencializar a própria prática de exercícios nas academias e assim, para concretizar os objetivos traçados. Alguns fatores contribuem para a intensificação deste fenômeno, são eles: 1- a supervalorização da imagem corporal que acompanhamos na contemporaneidade sob uma atmosfera do culto ao corpo; 2- a formação de contornos corporais ideais cada vez mais difíceis de serem atingidos; 3- a produção e difusão de produtos provindos da indústria da beleza e da boa forma que prometem verdadeiros milagres na realização dos anseios individuais, principalmente sobre a égide de nossa sociedade do consumo; 4- a ausência de controle de vigilância sanitária, desencadeando um comércio ilegal de produtos funcionando muitas vezes no próprio ambiente das academias de ginástica, contando com a participação (direta ou indireta), de profissionais ligados à prática de exercícios físicos dentre outros; 5- a venda de suplementos alimentares sem a necessidade de prescrição de um médico ou nutricionista para aquisição dos produtos; além de outros fatores. Além de tais fatores evidenciarem uma situação preocupante, alguns estudos (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002; CARVALHO, 2003) apontam que uma quantidade cada vez maior de pessoas (que desempenham alguma atividade física) acreditam que a própria prática de exercícios físicos requer diretamente o próprio consumo de suplementos alimentares. Os objetivos para utilização dos suplementos alimentares por frequentadores de academias de ginástica são os mais variados. E desta forma, muitas pessoas que frequentam academia de ginástica consomem suplementos alimentares para desenvolvimento de massa muscular, queima de gordura corpórea, ganho de força, aumento da energia, para a ingestão de nutrientes essenciais e “necessários” a quem pratica exercícios físicos (como as vitaminas e minerais), para redução do catabolismo igualmente da fadiga e cansaço, dentre muita outras motivações. Apesar do uso cada vez maior de suplementos alimentares por frequentadores de academia de ginástica, muitas vezes esta utilização é feita de modo errado ou desnecessário, aumentado os riscos à saúde. Um estudo realizado pela universidade de Montreal no Canadá verificou que a grande maioria das pessoas que fazem uso de suplementação alimentar, não tem conhecimento necessário para o consumo destas substâncias. Situação que se agrava principalmente porque a grande maioria dos consumidores de suplementos alimentares não fazem nenhuma avaliação clínica que mostrem a necessidade de utilização de tais substâncias. Ainda segundo esta pesquisa, 34 até mesmo os atletas possuem conhecimento deficiente para utilização de suplementação alimentar, fazendo uso errado e muitas vezes desnecessário14. Portanto, a grande maioria dos consumidores de suplementos alimentares não tem conhecimento necessário para a própria utilização destes produtos ou ao menos, desconhecem os próprios riscos que estão sujeitos ao fazerem mau uso destas substâncias. Como aponta vários estudos (CARVALHO, 2003; PHILIPPI, 2004), apesar do consumo exagerado dos suplementos alimentares estarem presentes nos habitus de uma parcela significativa de nossa população, o uso destas substâncias pode proporcionar sérios riscos à saúde15. Para o pesquisador Martin Fréchette da universidade de Montreal16, os suplementos alimentares trazem alguns riscos à saúde, pois, “sua pureza e preparação não são tão controlados como os medicamentos”. Assim, para este pesquisador, os “suplementos geralmente contêm outros ingredientes além dos listrados no rótulo” fazendo com que muitas pessoas façam uso de “substâncias proibidas sem saber”17. Em uma reportagem no “New York Times” sobre a utilização dos suplementos alimentares nos Estados Unidos (Study Urges More Oversight of Dietary Itens)18, foi destacado os riscos do consumo inadequado de tais substâncias que segundo o relatório divulgado pela FDA (Food and Drug Administration)19, em 2008 foram relatados 948 casos de problemas de saúde ligados ao consumo dos suplementos alimentares. Destes 948 casos, 9 óbitos, 64 casos graves e 234 hospitalizações associados a utilização de várias substâncias contidas nos suplementos alimentares. Ainda segundo esta matéria, o relatório divulgado pela FDA aponta, que dezenas de marcas líderes de consumo nos EUA continham substâncias ilegais que além de não 14 Disponível em: http://www.nouvelles.umontreal.ca/udem-news/news-digest/protein-supplements-aremisused-by-athletes.html 15 Vários órgãos nacionais (SBME- Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte; ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e internacionais (ADA- American Dietetic Association; FDA- Food and Drug Administration) tem divulgado constantemente os sérios riscos do uso abusivo de suplementos alimentares. 16 Disponível em: http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=suplementos-alimentares-malutilizados-pelos-atletas&id=4933 17 Na pesquisa realizada por Martin Fréchette, os suplementos com substâncias proibidas são principalmente os destinados para os atletas de alto nível ou amadores. Os suplementos de proteína foram apontados na pesquisa como os grandes vilões. Estes suplementos de proteína são produtos comumente utilizados por frequentadores de academia de ginástica, essencialmente no que envolve os exercícios de força. 18 Disponível em: http://www.nytimes.com/2009/03/04/business/04diet.html?_r=2 19 FDA (Food and Drug Administration) é um instituto governamental norte- americano que realiza o controle dos alimentos, dos suplementos alimentares, dos cosméticos, etc. 35 estarem presentes nos rótulos, poderiam colocar em risco a saúde dos consumidores20. Nesta mesma linha, um estudo realizado pelo instituto “Adolfo Luiz” com vários suplementos alimentares (principalmente aqueles consumidos por praticante de musculação), materializou uma suspeita, apresentando um resultado assustador. Foram analisados 111 produtos de diversas marcas (nacionais e internacionais), onde 25% dos suplementos continham esteroides anabolizantes, evidenciando as várias suspeitas de que muitos dos suplementos alimentares possuem substâncias prejudiciais a saúde. O agravante (segundo esta pesquisa) é que muitas substâncias não informadas na embalagem estavam presentes nos compostos suplementares analisados21, realidade idêntica à observada pela FDA com os suplementos mais utilizados nos EUA. Mesmo com as evidências, ainda existem várias divergências sob os verdadeiros riscos à saúde do consumo dos suplementos alimentares embora, todos concordem com os perigos do uso indiscriminado e indevido de tais substâncias (CARVALHO, 2003). Philippi (2004, p. 76). Por fim, embora que os diversos estudos apontem (apesar das controversas) para os riscos da utilização (abusiva ou desnecessária) dos suplementos alimentares, ainda assim eles são amplamente consumidos a fim de evitar doenças, melhorar a qualidade de vida, potencializar o desempenho na atividade física, como também transformar e construir a forma corporal. 2.2. ESTEROIDES ANABOLIZANTES Os hormônios esteroides anabólicos androgênicos (EAAs), também conhecidos comumente como esteroides anabolizantes, compreendem as substâncias ligadas aos hormônios sexuais masculinos, mais precisamente a testosterona e seus derivados22. Estas “drogas masculinizantes23” possuem tanto propriedades anabólicas como androgênicas. Nas suas propriedades anabólicas são responsáveis pelo crescimento e a 20 Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2009/03/12/new-york-times-questiona-a-seguranca-dossuplementos-alimentares/ 21 Disponível em: http://saude.abril.com.br/edicoes/0309/corpo/conteudo_448564.shtml?pag=2 22 Quimicamente, a fórmula estrutural da testosterona está na base de todos os anabólicos. 23 Cesar Sabino (2004) coloca os EAA, como “drogas masculinizantes” por serem drogas constituídas em geral, por hormônios masculinos, portanto, virilizantes proporcionando a hipertrofia da massa muscular além de algumas características essenciais da masculinidade. 36 divisão celular, provocando o desenvolvimento de diversos tipos de tecidos principalmente o muscular e ósseo. No que se refere as suas propriedades androgênicas, são responsáveis pelas características sexuais associadas à masculinidade. Tais propriedades androgênicas dos EAAs em geral, são as responsáveis pela maioria dos efeitos colaterais (SILVA & DANIELSKI, & CZEPIELEWSKI, 2002; SANTOS, 2007). Contudo, já se buscou desenvolver EAA para que se obtenha propriedade mais anabólica do que efeitos androgênicos, porém, não se conhece hoje nenhum composto sintético anabólico (esteroides anabolizante) que não apresente propriedades androgênicas (MOREAU & SILVA, 2003). É importante ressaltar que qualquer organismo humano (também animal), possui um conjunto de processos metabólicos (positivos) chamados de anabolismo. Os anabolizantes (esteroides ou naturais) são substâncias capazes de auxiliar (acelerar) este processo, ou seja, a construção e crescimento do corpo físico (tecidos corporais), principalmente a massa muscular do indivíduo de um modo geral. Por possuir esta especificidade, os EAAs chegam com a finalidade de gerar uma ação anabólica como arma auxiliar para potencializar a aceleração deste processo de construção da massa muscular. Os EAAs são medicamentos (drogas) a base de hormônio masculino, sintetizado para que se obtenha o mesmo efeito da testosterona, podendo ser administrado na forma de comprimido24 ou injeção intramuscular25 (SABINO, 2004; SANTOS, 2007). Como características principais podem-se destacar: a sua capacidade de fixar proteínas, de reter água e nitrogênio, de aumentar o número de glóbulos vermelhos, de reduzir os estoques de gordura corporal, dentre outras. Tais condições são indispensáveis para o desenvolvimento e aumento do tecido muscular (SANTOS, 2007). Os esteroides anabolizantes surgiram por volta dos anos 30 do século passado, mais precisamente na Alemanha e com o passar dos anos expandiu-se pelo mundo. Foram inicialmente sintetizados para sua utilização terapêutica no tratamento de várias doenças. Hoje é utilizado pela medicina no tratamento de algumas doenças e distúrbios tais como: alguns tipos de cânceres, osteoporose, hipogonadismo, estados catabólicos 24 Os EAAs administrados via oral são mais arriscados, proporcionando uma maior probabilidade de aparecimentos de tumores e cistos hepáticos (SANTOS, 2007). 25 A maioria dos esteroides anabolizantes é administrada na versão injetável. Este processo de administração é o menos nocivos em face aos orais, por não passar pelo processo de alcalinização, ou seja, não sendo processados pelo fígado. 37 (raquitismo, HIV, graves queimaduras), deficiência nos níveis de testosterona, problemas nos testículos, dentre muitos outros26 (SILVA & DANIELSKI, & CZEPIELEWSKI, 2002; SANTOS, 2007). Existem, portanto, historicamente, indicações médicas para a utilização dos esteroides anabolizantes no que se refere ao tratamento de determinadas patologias e doenças27. Não obstante, o uso dos esteroides anabolizantes não ficou restrito apenas ao campo do tratamento de doenças, seu uso também se expandiu para o campo das práticas desportivas (SABINO, 2004, 2007; SANTOS, 2007). Em meados do século passado, os fisiculturistas e halterofilistas norte americanos começaram a utilizar os esteroides anabolizantes para o crescimento do tecido muscular e respectivamente para ganho de força. Além do mais, tinham por objetivos melhorar a estética corporal e o desenho dos corpos (MOREAU & SILVA, 2003; SABINO, 2007; SANTOS, 2007). Porém, segundo Santos (2007), na década de 60 este uso se expandiu para várias modalidades no mundo do desporto, com a intenção de aumentar a força física, a massa muscular e consequentemente o desempenho atlético. Em diversas outras modalidades os esteroides anabolizantes tiveram grande aceitação, seja no boxe, no atletismo, na natação, no ciclismo, nas lutas, dentre outros28 (SILVA & DANIELSKI, & CZEPIELEWSKI, 2002; SABINO, 2007). Ainda para esse autor (2007. p. 30), na atualidade o consumo de esteroides anabolizantes no esporte é ainda bastante elevado, podendo até dizer que vem crescendo devido a “necessidade” de muitos atletas de “vencer a qualquer custo” colocando a saúde, a carreira e até a própria vida em risco. A partir dos anos 80 o uso dos EAAs sofreu profundas mudanças, efeito do fenômeno do culto ao corpo onde os ideais de beleza e boa forma se acentuaram. Como bem observou Castro (2007), neste período, a preocupação com o corpo alcançou uma visibilidade e espaço no interior da vida social jamais vista anteriormente, fazendo com que os cuidados com o corpo fossem uma prática do cotidiano. Esta realidade contou com o aparecimento e proliferação das academias de ginásticas por todos os centros 26 A terapia androgênica pode ser utilizada também para o tratamento da anemia, problemas renais, estatura elevada, em situações especificas de obesidade, em doença obstrutiva pulmonar crônica, no tratamento de baixa estatura derivada da síndrome de Turner, no tratamento para crescimento peniano, etc. 27 Nos rótulos dos EAAs contêm uma faixa vermelha indicando: “venda sob prescrição médica” e/ou “só pode ser vendido com retenção da receita” (PHILIPPI, 2004, p. 107). 28 A partir de 1976 o comitê olímpico internacional (COI) estabeleceu proibições a certas substâncias endógenas e exógenas que estavam sendo bastante utilizadas na intenção de melhorar o desempenho do atleta em competições oficiais. A utilização de esteroides anabolizantes por atletas são ações proibidas no mundo do desporto conforme designações do COI. 38 urbanos, fazendo com que o uso dos esteroides anabolizantes atingisse (de forma ilícita) um novo segmento da população, como os frequentadores de academias de ginástica ou os Body-Building. Então a partir deste momento, o uso dos esteroides anabolizantes tornou-se uma prática comum não só no campo da medicina e do desporto, como também, ligadas a questões relacionadas à aparência corporal (estético) na busca pela construção e modelação da forma corpórea (SANTOS, 2007; IRIART & CHAVES & ORLEANS, 2009). Atualmente, o crescimento no uso dos esteroides anabolizantes para fim puramente estéticos tornou-se uma realidade bastante comum alcançando proporções alarmantes como se pode observar em alguns estudos (MANETTA & SILVEIRA, 2000; RIBEIRO, 2001; MOREAU & SILVA, 2003; IRIART & CHAVES & ORLEANS 2009; entre outros). Para Santos (2007, p. 34), o que estamos presenciando em relação ao elevado consumo de esteroides anabolizantes é uma realidade parecida com a que foi o fumo no início do século passado, onde o ato de fumar foi visto como moderno, atraente e os usuários adquiriam problemas de saúde sem que tivessem acesso às informações. Vemos com isso, muitos usuários de esteróide anabolizante com uma aparência de boa saúde e uma bela forma corporal o que de certa forma camufla os riscos e os problemas do uso destes aditivos. Segundo dados do CEBRID29, nas últimas décadas, houve um crescimento assustador no consumo das “drogas da imagem corporal” (EAA) que incluem os frequentadores de academias de ginástica (Body-Building). Os índices destacam o uso crescente e preocupante no Brasil, não só entre os atletas e pessoas na busca por uma melhor aparência corporal, mas de forma assustadora em segmentos quase ausentes nas outras pesquisas, como é o caso dos adolescentes e das mulheres. Nos adolescentes o uso se torna bastante preocupante pelo fato de existir uma tendência de intensificação do uso, a fim de, obter rapidamente uma forma corporal desejada, não havendo entre tais usuários um conhecimento mais acusado dos ricos. Além do mais, o uso dos EAAs em adolescentes pode descontrolar totalmente o seu desenvolvimento, seu crescimento e o próprio quadro metabólico aumentando o risco dos efeitos colaterais graves. Já nas 29 O CEBRID é o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, que funciona no departamento de Psicobiologia da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), antiga Escola Paulista de Medicina. É uma entidade sem fins lucrativos. Esse centro ministra palestras, cursos e reuniões científicas sobre o assunto Drogas, publica livros, faz levantamentos sobre o consumo de drogas, mantém um banco de trabalhos científicos brasileiros sobre abuso de drogas e publica um boletim trimestral, sendo constituído por uma equipe técnica composta de especialista nas áreas da medicina, sociologia, antropologia, farmácia-bioquímica, psicologia e biologia. 39 mulheres, existe uma maior sensibilidade para danos provocados pelos efeitos colaterais no uso dos EAAs por serem hormônios essencialmente masculinos. Nos últimos anos, o consumo destas drogas praticamente triplicou sendo possível a afirmação de que hoje o consumo de esteroides anabolizantes virou uma epidemia, principalmente entre os frequentadores de academias de musculação. Em pesquisa realizada pelo CEBRID em 2001, cerca de 540 mil brasileiros admitiram o uso destes produtos, número este que passou para mais de 1,3 milhão em 200530. De acordo com os dados desta pesquisa, o esteróide anabolizante foi a droga que ganhou mais espaço entre os jovens superando a maconha, a cocaína e o crack. Ainda segundo esta pesquisa, a principal motivação pela procura destas drogas foi à melhoria da forma corporal no desejo de ficar com o corpo “sarado31”. Para Santos (2007), o crescimento no uso dos esteroides anabolizantes no Brasil já corresponde uma realidade crescente acompanhando os elevados índices de outros países como Estados unidos, Canadá, Suécia, etc. Apesar dos números apontados pela pesquisa do CEBRID serem bastante alarmantes, representando a situação caótica do consumo dos esteroides anabolizantes, acredita-se que os índices apresentados encontram-se defasados na atualidade, devido ao elevado período do último levantamento. Além do mais pouco se tem feito para combater a produção (clandestina), a comercialização (branda fiscalização) e o próprio consumo (com políticas públicas) como acreditam alguns autores (SABINO, 2004; SANTOS, 2007), principalmente em períodos de radicalização do fenômeno do culto ao corpo. Outras pesquisas (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002; MOREAU & SILVA, 2003; IRIART & CHAVES & ORLEANS, 2009) também apontam para o crescimento assustador no uso dos esteroides anabolizantes, tendo como principal motivação a preocupação estética na busca por uma melhor aparência corporal. Além do mais, em uma pesquisa feita por Iriart & Chaves (2009), foi constatado que usuários de diferentes classes sociais (classe popular e média) na cidade de Salvador BA, utilizam esteroides anabolizantes por preocupações puramente estéticas. Esta realidade parece 30 Conforme dados desta pesquisa os maiores usuários são homens entre 17 a 34 anos. Porém nos últimos anos o uso dos EAAs vem crescendo entre as mulheres. Normalmente o consumo dos esteroides anabolizantes é uma prática mais comum entre os indivíduos do sexo masculino, isso devido à razão, de os usuários estarem em busca do crescimento da massa muscular, elemento este não muito bem aceito entre as mulheres. Ainda de acordo com dados da pesquisa, a região sudeste foi apontada como a área de consumo maior dos EAAs, apesar de na região nordeste, a utilização deste aditivo ter crescido consideravelmente em comparação com a pesquisa anterior. 31 Informações sobre a pesquisa no sítio: www.cebrid.epm.br. 40 representar um cenário mais global diante do fato que nos dias atuais existe uma intensificação da preocupação com a imagem corporal estando cada vez mais disseminadas em diferentes classes sociais, profissões e faixas etárias como bem observou Mirian Goldenberg (2007). Porém, Luc Boltanski (1989) afirma que por mais que diferentes classes sociais se preocupem com a imagem corporal, esta preocupação não é a mesma em todas as classes, pois, as condições materiais e objetivas, as regras e normas dentro da cultura somática enraizadas em cada classe social, tornam esta busca diferenciada. Em suma, muitas pessoas fazem uso dos hormônios esteroides anabólicos androgênicos (EAAs), na busca de construir um corpo “sarado”, “bombado” em um curto espaço de tempo e com menos esforço. Podemos dizer, de acordo com o levantamento feito pelo CEBRID, que o consumo de esteroides anabolizantes no Brasil já perdeu o controle, tornando-se um problema de saúde pública. Assim, indivíduos na busca de construir, manter ou esculpir o seu invólucro corpóreo para uma melhora da aparência corporal, vêm recorrendo cada vez mais aos esteroides anabolizantes, desconsiderando a automedicação e a superdosagem na tentativa de realização dos objetivos traçados. O problema torna-se mais grave, quando o uso abusivo se faz dentro das academias de ginásticas na intenção de melhoria da aparência corporal, levando muitas pessoas em uma rede de sociabilidade a utilizarem estas drogas ilícitas em dosagens bem maiores das recomendadas pelos médicos em qualquer tratamento terapêutico. Conforme elucidou Santos (2007, p. 11), existe alguns motivos para os indivíduos fazerem uso dos EAAs. Por questões ligadas ao esporte, com o objetivo de melhorar o desempenho e aumentar a possibilidade de vitória. Por motivos ligados a saúde na utilização dos EAAs em algum tratamento terapêutico. E por fim, por questões puramente estéticas na busca de construir um “corpo perfeito”. Para este autor, as motivações ligadas ao esporte e ao caráter estético são para fins socialmente descartáveis, diferentemente do seu uso com fins terapêuticos. Além destes motivos colocados por Santos, podemos acrescentar aqueles ligados ao mundo do trabalho como é o caso dos “seguranças privados”, ao qual o uso dos EAAs pode potencializar o acesso ao emprego como também a própria manutenção ocupacional. Muito do consumo dos EAAs está ligado aos seus efeitos esperados, ou seja, na confiança da eficácia das suas substâncias para o aumento da massa muscular em tempo acelerado, para a redução do teor de gordura corporal, para o fortalecimento dos ossos, 41 para a redução do catabolismo e da fadiga muscular, dentre outros. Para muitos indivíduos, os EAAs, ao serem utilizados proporcionam o aumento da autoconfiança, da auto-estima, da motivação, do entusiasmo, da força, da energia, da explosão muscular, do aumento do desempenho na atividade física em geral, etc. (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002). Porém, apesar das controvérsias sobre os efeitos “positivos” do uso dos esteroides anabolizantes para fins não terapêuticos, Santos (2007) acredita que mesmo não existindo comprovações científicas conclusivas e informações que comprovem significativamente os efeitos “positivos” do uso, alguma coisa existe de concreto, pois, não haveria sentido utilizar se não tivesse alguma “verdade” do efeito esperado. Existe uma infinidade de esteroides anabolizantes que podem ser administrados através de cápsula ou via injeção intramuscular. Para citar alguns podemos destacar; QUADRO 1 Lista de alguns EAA segundo CEBRID Nome comercial Substâncias Administração Anabol Metandrostenolona Oral Anabolicum vister Quimbolona Oral Anadrol Oximetolona Oral Anavar Oxandrona Oral Androxon Undecanoato de testosterona Oral Hemogenin Oxandrona Oral Deca- Durabolin Decanoato de nandrolona Injetável Decaland Depot Decanoato de testosterona Injetável Depo-testosterone Cipionato de testosterona Injetável Durabolin Undecilenato de boldenona Injetável Durateston Propionato de testosterona Injetável Parabonan Trembolone Injetável Primobolan Mentelona Injetável/ Oral Testenat Depot Enantato de testosterona Injetável Winstrol Estanozolol Injetável/ Oral 42 Não obstante, o uso de esteroides anabolizantes pode provocar graves danos à saúde podendo levar a óbito o indivíduo, devido a sua característica essencialmente androgênica, responsável pelos diversos efeitos colaterais conhecidos pelo consumo desses aditivos32. São inúmeros os efeitos colaterais de longo e curto prazo relacionados as “drogas” da imagem corporal”. Para muitos autores (IRIART & ANDRADE, 2002; SANTOS, 2007) os efeitos colaterais se acentuam com o consumo de altas dosagens sendo administradas por um longo período de tempo. Os efeitos colaterais podem ser classificados em dois níveis; os leves e os graves. Os efeitos colaterais leves são: o aparecimento de acne, queda de cabelo (calvície), aparecimento e crescimento exagerado de cabelos pelo corpo, seborréia, dentre outros. Já os efeitos colaterais graves são: o desenvolvimento de doenças coronarianas (infarto, morte súbita, hipertrofia cardíaca), cânceres (fígado e intestino), doenças hepáticas, hipertrofia ou atrofia testicular, dentre muitos outros (SANTOS, 2007). Segundo informações do CEBRID, o uso indevido dos EAA pode provocar: • Nos homens e adolescentes: redução da produção de esperma, impotência, dificuldade ou dor para urinar, calvície e crescimento irreversível das mamas (ginecomastia). • Mulheres e adolescentes: aparecimento de sinais masculinos como engrossamento da voz, crescimento excessivo de pelos pelo corpo, perda de cabelo, diminuição dos seios, pelos faciais (barba). • Em pré-adolescentes e adolescentes de ambos os sexos: finaliza prematuramente o crescimento, deixando-os com estatura baixa para o resto da vida. • Em homens e mulheres de qualquer idade: aparecimento de tumores (câncer) no fígado, perturbação da coagulação do sangue, alteração do colesterol, hipertensão, ataque cardíaco, acne, oleosidade do cabelo e aumento da agressividade que pode manifestar-se em brigas33. 32 Os efeitos colaterais são diferentes no que se refere às questões de gênero. Nas mulheres, são mais agressivos porque elas possuem um nível baixo de testosterona. Nelas, pode-se conter: alteração da voz (efeito irreversível), aparecimentos de pelos no corpo com características masculinas, hipertrofia do clitóris, atrofia da mama, além de alguns efeitos que também são desenvolvidos nos homens. É importante reafirmar, que os riscos no uso dos esteroides anabolizantes nos adolescentes são maiores do que no indivíduo adulto devido às mudanças hormonais a que os adolescentes estão passando. 33 Segundo pesquisa do CEBRID de 2009, o consumo dos esteroides anabolizantes estimula a agressividade. Conforme a pesquisa, não é apenas o dano cerebral que induz à violência. “Aparecida Nappo” uma das responsáveis pela pesquisa, afirmou que a maioria dos usuários está em academias, em 43 • Os usuários que injetam esteroides anabolizantes com técnicas inadequadas e não estéreis ou dividem agulhas contaminadas com outros usuários, correm o risco de contrair infecções como HIV, Hepatite B e C. • O consumo destas drogas podem provocar mudanças de comportamento como: aumentando da irritabilidade, alteração de humor, distração, esquecimento e confusão mental. • A dependência química pode ser percebida nos usuários que continuam tomando esteroides anabolizantes mesmo depois de terem tido alguma consequência causada pelo consumo destas drogas. • Para os usuários que vêm tomando altas doses de anabolizantes por muito tempo além de não ser fácil deixar de usar estas drogas devido a dependência química, podem ocasionar com o fim do uso: fadiga constante dos músculos, perda de apetite, insônia noturna, redução do desejo sexual e até depressão, que em casos extremos pode levar à tentativa de suicídio. Apesar dos sérios efeitos colaterais colocados acima, o risco do uso destas drogas podem se intensificar, conforme a possibilidade de utilização dos EAAs (principalmente por frequentadores de academia de ginástica) provindas do mercado negro. Desta forma, o tráfico ilegal dos EAAs coloca em dúvida a própria qualidade do produto. Além do mais, muitos dos EAAs que já não são mais fabricados continuam sua comercialização (ilegal), dando forte indício que sua produção é realizada em laboratórios ilegais. Esta realidade proporciona uma imprevisibilidade absoluta dos reais perigos e riscos do uso dos esteroides anabolizantes, pois não se sabe exatamente a sua procedência e os danos que podem causar (principalmente os falsificados). Em suma, não há dúvida do sucesso destas drogas nos últimos anos, principalmente entre os frequentadores de academias de ginástica, reflexo e efeito colateral do fenômeno do culto ao corpo onde, uma quantidade crescente de indivíduos em busca da perfeição corporal consome ilegalmente estes produtos perigosos. busca de músculos. A força trazida pela droga tem impacto nas atitudes. A auto-confiança incentiva brigas. Ainda segundo esta pesquisadora, a maioria dos entrevistados apresentou algum sinal clássico do vício. Em suas palavras: “eles reduziam toda vida à malhação, ficavam afastados da família e amigos e suportavam qualquer sequela para atingir o objetivo de ficar maiores”. Informações no sito: www.cebrid.epm.br e www.globo.com do dia 15-03-09. Acessado em 17- 10-2011. 44 CAPÍTULO III TRANSFORMAÇÃO DO CORPO ANABOLIZADO: O QUE DIZEM OS USUARIOS? 3.1. BODY-BUILDERS E A CULTURA DA “MALHAÇÃO” De modo genérico, o termo “body-building” (bodybuilding) corresponde ao “corpo- transformado” ou “corpo em transformação” que são normalmente designados por aqueles que frequentam academias de musculação (atletas ou não atletas), que por meio de exercícios de força (utilização de aparelhos e alteres) buscam “modificar” e “construir” seu invólucro corpóreo. Assim, os body-building ligam-se aos atores que têm como objetivo principal desenvolver os músculos no sentido da sua hipertrofia, realizando-a através de trabalhos intensos com pesos e repetições em série. Por muito tempo, o termo body-building (body-builder)34 foi associado aos fisiculturistas profissionais que por meio de exercícios com pesos buscavam modificar a forma corporal, para a participação de eventos e posteriormente de torneios, na exposição principalmente da força física (em maior intensidade) e das suas formas corpóreas no seu caráter estético. Tais eventos e competições eram verdadeiros espetáculos de exibição de forças e desenhos corporais, causando espanto aos que presenciavam específicos acontecimentos35. Com o passar dos anos, as competições e eventos de fisiculturismo foram tornando-se cada vez mais profissionais. Neste momento, a importância da força física em si aos poucos foi sendo deixada de lado, concentrando-se maior atenção a forma corpórea no seu caráter estético. Segundo Cesar Sabino (2004, p. 45), com o passar dos anos e com o desenvolvimento do fisiculturismo, “o uso da força passou a restringir-se às apresentações de halterofilismo, enquanto o body-building constituiu-se gradativamente tendo por objetivo apenas a apresentações da forma muscular.” No final do século XIX e principalmente no começo 34 O terno Body-builder foi criado por Friederich Wilhelm Müller mais conhecido como Eugen Sandow (nome artístico adotado pelo mesmo quando trabalhava no circo). Praticamente toda literatura ligada ao fisiculturismo e musculação considera Sandow como o primeiro fisiculturista famoso, portanto, o pai do body-builder. Ele foi o primeiro homem a organizar campeonatos de cultura física em 1901 dando os primeiros passos para esta modalidade esportiva. O termo body-builder foi exposto pela primeira vez em 1898 quando saiu à publicação da primeira revista (Sandow magazine) destinada ao fisiculturismo tendo como autor o próprio Sandow (SABINO 2004). 35 Sobre as origens dos body-builders ligados ao fisiculturismo ver Cesar Sabino (2004) e Jean Jacques Courtine (1995). 45 do século XX houve uma expansão das atividades do fisiculturismo, com surgimentos de campeonatos profissionais, inauguração de academias, publicações de revistas ligadas aos body-building, criação de novos métodos e aparelhagens para execução dos exercícios, dentre outros. Com a intensificação cada vez maior dos treinos, das dietas e da disciplina; o físico dos fisiculturistas se consolidou como uma identidade própria se distinguindo efetivamente das demais modalidades esportista e posteriormente, dos simples frequentadores de academia de musculação na intenção não profissional e sim estética ou de saúde. O crescimento do fisiculturismo neste período deve-se principalmente aos seus pioneiros, como o alemão Eugen Sandow e os americanos Bernarr Mac Fadden e Charles Atlas. Na metade do século XX o fisiculturismo nos EUA se consolida como hegemônico, influenciando posteriormente também outras partes do mundo como é o caso do Brasil. Como consequência desta realidade, expandiu-se o exibicionismo muscular em todos os lugares, nas praias, nas revistas, no cinema, na mídia, além da proliferação nas academias de musculação em todos os cantos. Realidade que se intensificou anos mais tarde como os irmãos Weider (Bem Weider e Joe Weider) e com o maior ícone dos Body-builders de todos os tempos, o austríaco Arnold Schwarzenegger. Paralelamente a este contexto, a sociedade americana de modo geral já vinha sofrendo profundas mutações no que envolve a corporeidade, alterando a própria relação dos indivíduos com seu corpo, desenvolvendo um processo que acarretaria mais tarde na supervalorização da imagem corporal como reflexo do fenômeno do culto ao corpo36. Com isso, novos imaginários, representações e valores frente ao corpo foram desenvolvidos e consolidados. Esta realidade alterou com isso, os usos, as práticas, as percepções ligadas ao corpo e até as próprias técnicas corporais. No final do século XIX e no decorrer do século posterior, a preocupação com o corpo vai se ampliando, desenvolvendo gradativamente o mercado do corpo (nos moldes de corpo magro e esbelto feminino e corpo forte e musculoso masculino), o consumo de bens e serviços ligados a manutenção e modificação da forma corporal, a indústria da beleza, da boa forma, do espetáculo, dentre outros fenômenos ligados ao corpo que acabaram ganhando força. Novos modelos corporais ideais foram criados e expostos (na publicidade, mídia e indústria cinematográfica) ligados a propagadas de saúde, prática de esportes, sucesso, bem estar, felicidade, etc. Tais acontecimentos estavam ancorados 36 Segundo Mirela Berger (2006), o culto ao corpo nos EUA se aprofundou a partir de 1980. 46 sob a ideologia que aponta o corpo não mais como uma herança ou um fardo que se deva carregar eternamente. Mas, uma realidade passível de modificação, como reflexo da vontade e da aquisição dos meios necessários para realização dos anseios e objetivos, principalmente sobre as bases da sociedade do consumo (COURTINE, 1995). No que se refere à realidade brasileira, tais acontecimentos se fizeram presentes, graças a influência norte-americana, porém, anos mais tarde. No começo do século XX, novos imaginários invadem a sociedade brasileira, em um período de exposições de imagens da indústria cinematográfica e de valores ligados à “revolução sexual” e ao movimento feminista (LE BRETON, 2007; CASTRO, 2007). Em meados do mesmo século, cresce em forma ampliada a indústria de cosméticos, da moda e da publicidade direcionando as pessoas para a preocupação com a imagem corporal. Na esteira disso, ideários de corpo esbelto, seguro e jovem ganham espaço cada vez maior no imaginário feminino e em contrapartida, com a supervalorização dos músculos no âmbito masculino, sob os moldes conhecidos popularmente de o corpo “bem definido” ou “musculoso” (MARZANO-PARISOLI, 2004; GOLDEMBERG, 2007; LE BRETON, 2011). Neste período, novos habitus corporais como práticas de esportes, higiene pessoal, busca pela beleza ocupam maior espaço nas preocupações pessoais sobre o aval dos médicos e especialistas. Aliado a isso, a força da mídia e da publicidade na exposição cada vez maior do corpo, além da venda de imagens e de produtos dentro de uma cultura do consumo, transformando os estilos de vida da população no que se refere a corporeidade e assim, difundindo novos habitus corporais e direcionando a aparência para uma dimensão essencial da identidade de mulheres e homens. (SANTAELLA, 2004; GOLDEMBERG, 2007; CASTRO, 2007; LE BRETON, 2010, 2011). Depois do meado do século XX, o culto ao corpo atingiu uma magnitude social jamais vista anteriormente. Neste momento, amplia-se a produção e mercantilização de produtos ligados a beleza e a boa forma, intensificando neste contexto, a supervalorização da imagem corporal igualmente aos cuidados e preocupações com o corpo em geral (SILVA, 2001; CASTRO, 2007; GOLDEMBERG, 2007). Diante desta atmosfera da supervalorização da imagem corporal, cresce de forma ampliada, neste período, o aparecimento e a procura pelas academias de ginástica como reflexo deste próprio fenômeno. Em tal realidade do culto ao corpo, as academias de ginástica ou “musculação” ocupam um lugar privilegiado, estando presentes nas grandes e pequenas cidades, nos 47 bairros privilegiados ou periféricos como práticas comuns de diferentes classes e grupos sociais. É o que Mirian Goldenberg chama (2002, p. 20), de “difundida ideologia do body-building” ou a conhecida “cultura da malhação” que se fundamenta na concepção de beleza e forma física como resultado do trabalho subjetivo sobre a estrutura corporal. Ainda segundo esta autora, a “cultura da malhação” é o produto de movimentos importados dos EUA e que vem atraindo cada vez mais adeptos na busca de modificação da forma corporal para adequação aos modelos corporais hegemônicos. Assim, no que se refere ao corpo masculino, a adoração do físico musculoso dos bodybuilding (exposto pelas mídias eletrônicas, publicidade e indústria cinematográfica) rapidamente assumiu um dos ideais corpóreos de bastante aceitação social. As atividades no interior das academias tornam-se uma rotina árdua de exercícios repetitivos e anseios obsessivos, porém, muitas vezes inalcançáveis estando ligados aos ideais corporais amplamente aceitos. Na contemporaneidade, o culto ao corpo assumiu um caráter radical, fazendo das próprias práticas ligadas à supervalorização da imagem corporal algo intenso, ao ponto, de se assemelhar as próprias práticas desportivas. Muitos frequentadores de academias de musculação, por exemplo, ficam várias horas executando exercícios repetitivos, preocupados com os objetivos, com o peso, a forma física, com as medidas, o tempo, a imagem, as dietas, etc. Realidade não muito diferente dos atletas profissionais. O body-building não profissional é o caso mais fiel desta realidade, porém não se trata de encarar a musculação como esporte e sim, como aprimoramento estético. Como um dos elementos centrais que evidenciam e ao mesmo tempo legitimam a cultura do corpo, os body-building destacam-se pela intensa dedicação em querer hipertrofiar a massa muscular. Para Jean Jaques Courtine (1995, p. 82) “o body-building participa plenamente da cultura do músculo” a ponto de a preocupação se centrar na aquisição de massa muscular fazendo da existência uma realidade dedicada aos músculos e a aparência (LE BRETON, 2009, p. 41). Neste caso, os músculos não representariam simplesmente uma parte integrante do sistema funcional corporal, mas, além disso, um elemento poderoso capaz de mudar toda uma vida. Assim, os músculos são vistos como objeto que deve ser trabalhado de forma diferenciada para poder extrair toda “magia” deste tecido fibroso, elemento simbólico de valorização, identificação e hierarquização. O aumento do volume muscular para os body-building acarreta proporcionalmente, a elevação do respeito, do sucesso e do poder, além de ser um elemento importante de status social (LE BRETON, 2007, 2011; BERGER 2006). Em 48 uma palavra, todos os seus pensamentos e atitudes no ambiente da academia de musculação (e fora dele também) centram-se em torno dos músculos. O body- building é um hino aos músculos, um virar o corpo do avesso sem esfoladura, pois as estruturas musculares são tão visíveis sob a pele viva dos praticantes quanto nas pranchas de Vesálio. (...) [porém], o body-building é uma fortaleza de músculos inúteis em sua função, pois para ele não se trata de exercer uma atividade física em um canteiro de obras ou trabalhar como lenhador em uma floresta canadense. É buscada a força muscular em si, em sua dimensão simbólica de restauração de identidade. (LE BRETON, 2009, P. 4243). O body- building é simplesmente o artesão do seu próprio corpo, que através da sua inter-relação com as máquinas (da academia de musculação) juntamente com a construção de sua dieta, e também, na utilização de várias substâncias, torna-se escultor do seu próprio invólucro encarnado. Não é mais novidade para os body-building (homens e mulheres), a utilização de hormônios esteroides anabolizantes e suplementos alimentares na busca sem trégua pela modificação da forma corporal para uma melhor aparência física. Conforme Le Breton (2009, p. 42), “o body-building forja para si um corpo de máquina com acabamento cinzelado, cujo vigor é rematado pelos esteroides e pela dieta”, fazendo do seu corpo modularmente fabricado. Portanto, o corpo do body-building é uma máquina que precisa ser trabalhada por partes, onde cada “perca” (partes do corpo) precisa passar por uma série de exercícios repetitivos a fim de construir “seu corpo à maneira de um anatomista meticuloso preso apenas à aparência subcutânea” para se chegar à forma corpórea denominada de “corpo malhado” (LE BRETON; 2009). Tal modelo corpóreo é uma realidade que se encontra em muitos lugares: nas mídias eletrônicas, nas academias, nas ruas, nas praias, dentre outros, porque “o músculo está por toda parte” em um verdadeiro espetáculo de exposição de corpos inflados de músculos (COURTINE, 1995, p. 82). Antes de tudo o espetáculo está nas ruas. Entre a multidão de passantes, os body-builders destacam-se por sua forma de andar: braços afastados, cabeça enfiada no pescoço, peito abaluado, rigidez , balanço mecânico. O body-builders não anda; ele conduz seu corpo exibindo-o como objeto imponente. Não ao modo do obeso, este indígenas das multidões americanas, que arrasta sua anatomia como um fardo que o entrava e o estigmatiza. O corpo do bodybuilder pretende, ao contrário, tirar todo o benefício do peso no campo do 49 olhar, saturá-lo de massa muscular. Impor-se, pesar no olhar alheio, através da ação combinada de um efeito de massa e de uma deslocamento mecânico. O músculo marca. Ele é um dos modos privilegiados de visibilidade do corpo no anonimato urbano das fisionomias. (COURTINE, 1995, p 82-83). Portanto, os body-building constitui uma das manifestações do fenômeno do culto ao corpo, ligados as representações de beleza e forma física (masculina), ao qual, exige do corpo o espetáculo da hipertrofia muscular e adequação aos modelos hegemônicos socialmente, aqueles livre das gorduras e das marcas (físicas e simbólicas) do corpo relaxado. Realidade cada vez mais presente em diferentes classes sociais, apesar das limitações e especificidades típicas de cada uma delas (BOLTANSKI; 1984). De qualquer modo, acompanhamos uma “universalização” da “cultura do músculo” desencadeando segundo Courtine (1995, p. 82), uma reivindicação muscular cada vez mais democrática, fazendo da prática dos body-building (não profissional)37 uma obsessão para diferentes indivíduos das mais variadas estratificações sociais. 3.2. CULTO AO CORPO: MOTIVAÇÕES PARA A PRÁTICA DA MUSCULAÇÃO E USO DOS HORMÔNIOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES A preocupação com a estética foi indiscutivelmente a principal motivação apresentada pelos entrevistados, para a iniciação da prática da musculação38 e o consumo de várias substâncias (esteroides anabolizantes, suplementação alimentar e produtos para uso animal). Realidade que aponta para o fenômeno do “culto ao corpo”39 que, nas últimas décadas, tomou formas radicalizadas. 37 Segundo Courtine (1995, p. 83), o “body-building profissional não é mais do que uma das formas, extremas sem dúvida, de uma cultura visual do músculo”, porém, o simples praticante de musculação (o body-building não profissional) também corresponde o produto desta cultura dos músculos. 38 Em linhas gerais, muitas pessoas procuram as academias de musculação para realização de exercícios de força sendo considerado o meio principal (talvez exclusivo) para ganho de massa muscular na intenção de modificação da forma corporal. Segundo o presidente da “fitness Brasil” Waldyr Soares, o Brasil possui o maior número de academias de ginásticas da América Latina e não só isso, já representa o segundo maior mercado de academias de ginástica de todo o mundo. Disponível em: www.tramaweb.com.br/cliente_ver.aspx?ClienteID=164&NoticiaID=3177 ; acesso em 15/08/2011. 39 Muitos teóricos do corpo (sociólogos e antropólogos) vêm aplicando o termo “culto ao corpo” para esboçar uma realidade onde o corpo figura como elemento central na vida do indivíduo contemporâneo. Ana Lúcia de Castro (2007, p. 15), define “culto ao corpo” como “ um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como preocupação básica seu modelamento a fim de aproximá-lo o mais possível do padrão de beleza estabelecido”, ligando-se as ações diretas para a busca da modificação da imagem 50 Não é mais novidade dentro da nossa sociedade de consumo a elevada importância que se tem atribuído à imagem corporal, fazendo com que uma parcela significativa da nossa população considere o corpo como objeto “sacro”, assumindo um lugar privilegiado nas referências simbólicas da nossa cultura (BAUDRILLARD, 1995). Muitos teóricos do corpo (FOUCAULT, 1987; LE BRETON, 2007) afirmam que a supervalorização corporal que vemos na atualidade e, portanto, o próprio fenômeno do culto ao corpo é o resultado de transformações históricas ocorridas desde o renascimento, e que ganharam força com a modernidade. Esta organização social rompeu com as velhas aparências, formas e posturas corporais criando um novo pensar, agir, usar e sentir do corpo, substituindo assim, por novas constituições corporais não mais cristalizadas e sim diversificadas e multifacetadas. Tal contexto deriva de vários acontecimentos que foram importantes para a edificação deste fenômeno do culto ao corpo. São eles: 1- a secularização do corpo (a ciência como conhecimento hegemônico criando novas representações e domínios sobre as ações e habitus dos homens frente ao corpo); 2- as mudanças no mundo do trabalho (reflexos das revoluções); 3- novos costumes e estilos de vida colocados pela burguesia (criando novos valores e imaginários, alterando ações ligadas à higiene, à saúde, às atividades físicas, dentre outras); 4- a exposição corporal imposta pela indústria cinematográfica (invasão de novos imaginários corpóreos e fermentação de novos ideais corporais); 5- a revolução dos costumes (com a difusão da pílula anticoncepcional, com a revolução sexual, com o movimento feminista, dentre outros); 6- a ampliação da indústria da boa forma e da beleza; 7- a exposição e valorização do corpo na mídia e publicidade; dentre outros fatores. Tais acontecimentos foram estruturantes para que na sociedade contemporânea a valorização do corpo chegasse ao seu apogeu. O corpo tornou-se objeto de salvação e adoração (BAUDRILLARD, 1995) em uma nova configuração do culto ao corpo40 corporal como por exemplo, a prática de atividade física, dietas, as cirurgias plásticas, o uso de produtos de cosméticos e tudo mais que responda à avidez de se aproximar do corpo ideal. Para Michel Maffesoli (1998) o que parece surpreendente atualmente é que o corpo é tomado em si mesmo; há uma espécie de culto ao corpo que ganha cada vez mais importância na vida social. Veste-se o corpo, cuida-se do corpo, constrói-se o corpo, e é neste sentido que se pode falar de culto ao corpo como sendo uma das marcas deste hedonismo. 40 Diferentemente de outros momentos na história, onde existiu uma valorização da imagem corporal, o fenômeno do culto ao corpo contemporâneo se diferencia de outros períodos principalmente em termos de ênfase e expansão. Reflexo da globalização, do avanço científico e tecnológico, além da expansão dos meios de difusão e da “democratização” das preocupações ligadas ao corpo. Estes fatores faz do culto ao corpo contemporâneo um fenomeno bastante específico. 51 (GOLDENBERG, 2002; CASTRO, 2007). Seja por questões de saúde ou estética, a preocupação com corpo virou a tônica de nossa sociedade (BAUMAN, 2010; LE BRETON, 2004, 2007, 2011), objeto de elevado investimento (físico, temporal e financeiro), preocupação, manipulação e reflexividade; adquirindo assim, uma centralidade na vida do indivíduo como jamais visto anteriormente (GIDDENS, 2002; MARZANO-PARISOLI, 2004). A busca pelo corpo “musculoso”, denominado pelos entrevistados de “corpo sarado”, “corpo forte”, “corpo grande” ou “corpo bombado”, representa um desejo muitas vezes colocado como uma necessidade e até mesmo um projeto de vida. A obtenção de específico modelo corpóreo é a concretização do corpo, considerado por eles como “perfeito”. Nas falas dos entrevistados, conceitos como: “corpo sarado”, “corpo forte”, “corpo grande”, “corpo bonito”, dentre outros, estão intimamente ligados entre si, dando sinal de que o corpo musculoso seria este modelo de beleza masculina atribuída por eles41. Durante muito tempo, o significado do corpo musculoso foi associado negativamente a uma pessoa bruta, grosseira e rude, representava o corpo do trabalhador braçal, do proletário, ligados a comportamentos sociais primitivos e agressivos (MARZARO-PARISOLI, 2004; CORBIN, COURTINE e VIGARELLO, 2008). Porém, o corpo é uma construção social e cultural que apresenta significados diferentes ao longo da história. Na visão de Le Breton (2007, 2011), não existe um corpo universal em estado de natureza, de forma incontestável e imutável dentro das várias formações sociais conhecidas pela humanidade. O corpo é para ele (2011, p. 18), uma realidade efêmera, mutável e, portanto, passível de transformação no que envolve sua estrutura, representações, valores e signos42. Por isso que o corpo deve ser visto, como “uma construção simbólica, não uma realidade em si”. Até mesmo as próprias “técnicas corporais”, no sentido de Marcel Mauss (2003), correspondem a um fenômeno histórico43, estando ligadas diretamente aos condicionantes sociais e culturais 41 Goldenberg e Ramos (2002), em pesquisa realizada com homens e mulheres das camadas médias da Cidade do Rio de Janeiro, observaram a elevada valorização da aparência corporal, em um verdadeiro culto a aparência e a forma física. Nas palavras de Mirian Goldenberg (2002, p. 10), “o corpo invejado, desejado, e admirado pelos pesquisados aparece como um corpo “trabalhado”, “malhado”, “sarado”, “definido”, um corpo cultivado, que, sob a moral da “boa forma”, surge como marca indicativa de certa virtude superior daquele que o possui. Um corpo coberto de signos distintivos que, mesmo nu, exalta e torna visíveis as diferenças entre grupos sociais”. 42 O corpo neste sentido é um elemento natural e cultural a um só tempo, uma representação da cultura sobre a natureza que se faz presente nas formações sociais até então conhecidas. 43 Para Le Goff e Nicolas Truong (2006, p. 10), “a concepção do corpo, seu lugar na sociedade, sua presença no imaginário e na realidade, na vida cotidiana e nos momentos excepcionais sofreram modificações em todas as sociedades históricas”. 52 (DOUGLAS, 1976). Nestas condições, a representação do corpo musculoso, mais precisamente o corpo atlético dos “body-builders” tornou- se, na contemporaneidade, o modelo cultural positivamente aceito e desejado, associado aos ideais de perfeição, sucesso e felicidade44 (COURTINE 1995; MARZARO-PARISOLI, 2004; SABINO, 2004; LE BRETON, 2009, 2011). Diferentemente do século passado, onde o corpo musculoso ligava-se moralmente a uma pessoa que não controlava seus instintos e impulsos, hoje o “homem musculoso” (body-builder) exprime a força de caráter, a energia, o poder, o controle dos instintos, a responsabilidade e a capacidade de controlar sua própria vida45. Neste sentido, o corpo musculoso dos body-builders na contemporaneidade não representa apenas um ideal estético como também uma retidão moral (MARZARO-PARISOLI, 2004). Realidade relativamente similar à representação dos músculos no período da Antiguidade e, por que não dizer, aos próprios contornos corporais (COURTINE, 1995). Na Grécia antiga, por exemplo, considerada o berço da história da civilização ocidental, o corpo hegemônico era o corpo masculino. Em tal cenário, um imaginário de corpo ideal foi criado sobre os moldes de um corpo musculoso (não exagerado), sinônimo de beleza, saúde e fertilidade. O corpo musculoso, nesse período, era extremamente valorizado, exposto e adorado, visto como superior não só fisicamente, como também sexual e moralmente46 (LAQUEUR, 1990; GOLDHILL, 2007). De qualquer forma, podemos supor que os ideais corpóreos amplamente aceitos e valorizados socialmente, juntamente a seus imaginários e representações, influenciam de alguma maneira as ações dos indivíduos frente a seus corpos, como foi possível ver no discurso dos entrevistados, no que se refere à valorização dos músculos. Nas falas dos entrevistados, a busca pela academia de musculação e posteriormente o uso de 44 Para Cesar Sabino (2004, 2007), na contemporaneidade existe uma ética masculinizante que se rebate, não apenas nas atitudes, nas práticas, mas, também no campo simbólico, refletindo uma estética corporal valorizando o cultivo muscular a ponto de hierarquizar a realidade a partir dos valores relacionados a este cultivo. 45 Sabino (2007, p. 7) citando outros autores (Robert Connel em “Masculinities” de 1995 & Miguel Vale de Almeida em “Senhores de si” de 1995), afirma que na contemporaneidade o corpo “musculoso” representa a “masculinidade hegemônica”, ou seja, aquela que exerce uma subordinação a outros tipos de masculinidade, além de perpetuar a tradicional dominação masculina sobre as mulheres. 46 Para alguns autores (GONÇALVES, 1994; GOLDHILL, 2007), na Grécia, o corpo era considerado importante nas relações entre os indivíduos, pois por sua mediação, o homem poderia ganhar respeito e prestígio. Um corpo belo e “perfeito” era sinal de admiração e veneração, havia uma divinização da beleza; uma alma bela deveria habitar um corpo belo. Além do mais, o corpo era também de interesse do Estado, questão de ordem pública sendo bastante exposto (corpo ideal) em todos os lugares na Grécia antiga. (BARBOSA, MATOS & COSTA, 2011). 53 esteroides anabolizantes (e outras substâncias) se verificou, em última instância, na intenção do ganho de músculos como se o corpo humano, ou melhor, o corpo deles fosse ausente deste elemento fundamental. Ficou claro nos depoimentos que a aquisição da massa muscular, no que tange ao seu desenvolvimento (hipertrofia), representa a modelação do self (eu), no sentido de restaurar ou construir um sentimento de identidade ameaçada. Os músculos para os entrevistados tornam-se o emblema do self e representam o meio de apresentação mais significativo de si. A tal ponto que a exposição da hipertrofia muscular seria a verdade sobre si, em uma sociedade que não consegue mais proporcionar qualquer verdade. Seria o controle e o domínio da sua existência em um mundo totalmente sem controle e desgovernado. Nas palavras de Le Breton (2009, p. 41), “substitui os limites incertos do mundo no qual ele vive pelos limites tangíveis e poderosos de seus músculos” nos quais exerce domínio radical, seja nos exercícios praticados na academia, como também, no controle da sua dieta. O músculo seria o seu modo de vida (COURTINE, 1995, p. 85). Desta forma, os entrevistados colocaram o corpo e seu projeto de hipertrofia como algo “certo” e “seguro” sobre os quais representa o subterfúgio para descarregar o medo existencial excedente ou do futuro incerto do mundo e de suas vidas. “Eu queria ficar definido e musculoso por isso que eu tomo (EAA)... Hoje, eu vejo meu corpo e me sinto bem melhor, minha autoestima aumentou bastante, aumentou muito minha autoestima... você se olha no espelho, você se acha maior, bonito, musculoso... você se sente mais... masculino, você se sente mais homem...” (Entrevistado, 20 anos). “Entrei na academia porque não tava mais gostando da minha aparência, do meu visual... O cara quando entra na academia entra com o intuito de ganhar músculos... todo mundo é assim, todo mundo... E comigo foi do mesmo jeito... Entrei na academia com o objetivo de ficar forte, ficar com corpo malhado, sem gordura nenhuma, ficar bombado como dizem... entrei com intuito de ganhar músculos...” (Entrevistado, 22 anos). Tal modelo corporal se encaixa perfeitamente aos moldes de valorização do corpo masculino na sociedade contemporânea. Reflexo de algo mais amplo dentro da nossa cultura de consumo, onde presenciamos a formação e exaltação de formas corpóreas amplamente aceitas socialmente e que se encontram presentes na vida cotidiana do indivíduo contemporâneo. Como bem observou Ana Lúcia de Castro 54 (2007, p. 66), presenciamos na contemporaneidade a tendência à supervalorização da aparência, o que leva os indivíduos a uma busca incansável pela forma e volumes corporais ideais. Na esteira disso, Lúcia Santaella (2004), em “Corpo e Comunicação”, afirma que no culto ao corpo (contemporâneo) “a palavra de ordem está no corpo forte, belo, jovem, veloz, preciso, perfeito, inacreditavelmente perfeito”. É importante salientar que as formações de ideais corporais fazem do corpo um valor especial, desenvolvendo um negócio bastante lucrativo em uma ordem consumista. O corpo, dentro da nossa sociedade de consumo, corresponde a um objeto de rentabilidade, assumindo aspecto mercadológico como qualquer outra mercadoria, sendo produzido, consumido, divulgado e valorizado em uma dimensão simbólicocultural. Analisando pela ótica da sociedade de consumo, Baudrillard (1995, p. 136) assinala que o corpo é “o mais belo, precioso, e resplandecente de todos os objetos...”. Ainda para este autor, o corpo (belo) consome e é consumido; detentor de uma função econômica e ideológica que fornece o suporte para venda de outros objetos. E por possuir aspectos mercadológicos, ele se enquadra dentro da lógica da propriedade privada, do valor e do fetichismo como qualquer outra forma mercadológica. Além do mais, a retórica do corpo vem com a promessa de individualização, diferenciação, inclusão social, status, poder, prazer e felicidade. A mídia e a indústria da beleza desempenham um papel estruturante no processo de hipervalorização do corpo na contemporaneidade, onde “constitui-se num dos principais meios de difusão47 e capitalização48 do culto ao corpo como tendência de comportamento” (CASTRO, 2007, p. 31). A mídia em geral e a publicidade desempenham um lugar de destaque na formação de modelos corpóreos, imaginários, signos e representações do corpo, como já discutido em vários estudos49 47 Difusão no sentido de mediar a temática, mantendo-se sempre presente na vida cotidiana do indivíduo contemporâneo, levando as últimas novidades no que se refere a imagem corporal, ligados ao avanço tecnológico e científico ditando e incorporando tendências (CASTRO, 2007). 48 Segundo Castro, (2007, p. 31 ) no sentido de garantir a materialidade da tendência de comportamento, que – como todo traço comportamental e/ou simbólico no mundo contemporâneo – só pode existir se contar com um universo de objetos e produtos consumíveis, não podendo ser compreendido desvinculado do mercado de consumo. 49 “São, de fato, as representações nas mídias e publicidade que têm o mais profundo efeito sobre as experiências do corpo. São elas que nos levam a imaginar, a diagnosticar, a fantasiar determinadas existências corporais, nas formas de sonhar e de desejar que propõem.” (SANTAELLA, 2004, P. 126). Para Mirian Goldenberg (2002, p. 8), “a mídia adquiriu um imenso poder de influência sobre os indivíduos, generalizou a paixão pela moda, expandiu o consumo de produtos de beleza e tornou a aparência uma dimensão essencial da identidade para um maior número de mulheres e homens”. Já Yoshino (2007, p. 112) afirma que “os meios de comunicação em massa emitem valores estéticos e 55 (GOLDENBERG & RAMOS, 2002; SANTAELLA, 2004; CASTRO, 2007, YOSHINO, 2007), sendo capaz de comunicar valores da sociedade contemporânea, como também homogeneizar os gostos, as preferências e os comportamentos dos indivíduos, mesmo em diferentes camadas sociais (MAZARO-PARISOLI, 2004). Para Boltanski (1984), a publicidade e a mídia participam de maneira decisiva na difusão das normas e dos estilos de vida das classes superiores para o conjunto das outras classes e frações de classes, ajudando a produzir e reproduzir novas necessidades de consumo e impondo as condições burguesas de satisfação, felicidade e beleza por via do consumo de produtos corporais, desencadeando mudanças nos comportamentos e habitus dos indivíduos de outras classes. Consequentemente amplia-se o consumo de produtos e bens de serviço que prometem a adequação aos padrões estabelecidos e valorizados socialmente (ideologicamente). Porém, apesar da força homogeneizadora desse processo, Luc Boltanski (p. 145) afirma que quando se passa das classes populares para as classes superiores, a tendência é uma maior valorização e preocupação com a imagem corporal. Desta forma, por mais que indivíduos de diferentes classes busquem uma melhora da imagem corporal, a própria busca não é a mesma, em todos os sentidos, pois, tanto as condições materiais como as regras de decoro50 estabelecidas pela cultura somática não são as mesmas para todas as classes. Além do mais, a preocupação como a imagens de corpos e rostos perfeitos” que acabem influenciando as ações dos indivíduos frente aos seus corpos na intenção de se adequar aos valores estéticos e as imagens perfeitas. 50 As classes sociais possuem o que Luc Boltanski chamou (1984, p. 145) “regras de decoro”. Elas são o sistema de regras que direcionam os comportamentos físicos (corporais) estando inscritos na hexis corporal, ou seja, no habitus corporal como elemento estruturado e estruturante da ação humana. O habitus corporal organiza implicitamente a relação dos indivíduos de uma mesma classe social com seu corpos. Por ser uma estrutura estruturada e ao mesmo tempo estruturante, ele permite a criação e apresentação de conduta física diferenciada entre os indivíduos dentro de uma mesma classe social, entretanto, a unidade permanece ancorada na cultura somática específica do grupo social. Desta forma, essas regras são específicas para cada classe social que direciona a forma adequada de se posicionar frente aos atos corporais (físicos) da vida cotidiana, definindo a maneira de andar, vestir, cuidar do corpo, transformar o corpo e não só isso, também direciona a busca pela beleza, pela saúde entre outros. A própria maneira que o indivíduo deve proceder fisicamente em relação aos outros também é determinada por estas regras e normas, seja ao cumprimentar, na forma de olhar, tocar, etc., levando em conta o sexo, a idade, a classe social e as representações dentro da sua relação social (amigo, pai, mulher, namorada, parente, estranho, etc.). Tais regras colocadas por Luc Boltanski pode determinar muitas vezes “a maneira correta de falar do corpo, de seu aspecto exterior e das sensações física”, pois cada classe social possui uma espécie de “código de boas maneiras para viver com o corpo, profundamente interiorizado e comum a todos os membros de um grupo social determinado” (1984, p. 146). Assim, os usos do corpo, segundo a classe social, atuam como sinal de status social, de modo que atos que para alguns estratos sociais são considerados como sinal de educação e civilidade, em ouros estratos sociais, pode representar condutas sociais inadequadas aos papeis sociais exigidos para certos segmentos ou grupos Neste sentido, as regras e normas típicas a cada segmento ou grupo social, atuam como mecanismos de controle das ações e uso do corpo. 56 aparência corporal não difere apenas nas classes ou grupos, mas também, no que envolve o gênero e a idade. Conforme o discurso, ficou claro que a totalidade dos entrevistados ao praticar exercícios de força (musculação) em academias de ginástica, (localizada em um bairro popular da capital), estava em busca, em última instância, de modificar a forma corporal, para assim, construir um modelo corpóreo mais adequado à ideia que eles têm de si mesmos e aos ideais estéticos amplamente valorizados e ligados à adoração física vigente em nossa sociedade. Tal realidade é um indicativo importante para se pensar que a busca por uma melhor imagem corporal não se restringe apenas às camadas sociais mais elevadas da sociedade51, apesar de se manter arraigada na ação a especificidade de classe. “(...) Eu entrei na academia porque eu me preocupava com minha aparência... foi a primeira coisa que eu pensei: “vou entrar na academia para ganhar peso, ganhar músculos...” aí eu entrei na academia pra aumentar de peso... teve uma hora aí... tive que entrar na academia mesmo... mas, enfim... o porquê de querer malhar é justamente isso... por estética mesmo...” (Entrevistado, 26 anos). “(...) Aí comecei a me olhar no espelho, olhava umas fotos que eu tirava com a galera e via a diferença entre eu e os outros caras amigos meus... e cheguei à conclusão que eu tava feio demais e precisava melhorar a aparência... queria melhorar minha aparência (...) Aí comecei a malhar com a intenção de ficar forte, ganhar massa muscular, pra ser mais aceito, ficar mais bonito, ficar presença pra mulheres e também causar mais respeito entre as pessoas.” (Entrevistado, 23 anos). “Eu quis malhar por vaidade, vaidade mesmo... quis entrar na academia pra crescer.” (Entrevistado, 23 anos). A preocupação com a estética não apenas motivou os entrevistados para a prática da musculação, mas também, para o uso dos esteroides anabolizantes e outras substâncias, (suplementação alimentar e produtos de uso veterinário), na tentativa de concretizar a transformação e construção da forma corporal. Como observado no capítulo segundo, os EAAs são substâncias sintetizadas derivadas da testosterona 51 Realidade observada em outros estudos recentes como de Iriart & Chaves & Orleans em “Culto ao corpo e uso de esteroides anabolizantes entre praticantes de musculação” (2009). 57 (hormônio masculino). O consumo intenso dessas drogas masculinizantes produz, além de outras coisas52, efeitos anabólicos, proporcionando o crescimento da massa muscular. Apesar de não existir um estudo preciso para quantificar o consumo dessas drogas, é visível o aumento no uso dos EAAs com a intenção puramente estética. Realidade presente em diversos países, inclusive no Brasil, como apontam os dados do CEBRID. O consumo dos hormônios esteroides anabólicos androgênicos, que no primeiro momento era restrito apenas a pacientes em alguns tratamentos terapêuticos e depois passou a ser utilizado indevidamente por atletas, atingiu um novo segmento, correspondente aos frequentadores de academias de ginásticas, na sua utilização para fins estéticos. E por ser uma poderosa (e perigosa) ferramenta capaz de proporcionar o crescimento da massa muscular em um curto espaço de tempo, fazendo com que seja um meio rápido de obtenção de uma forma corporal objetivada, os entrevistados viram nos esteroides anabolizantes a sua “esperança”, a sua “tábua de salvação”, não só para resolver seus problemas imediatos, mas para potencializar e realizar os objetivos traçados. Para muitos dos entrevistados, o EAA é um composto capaz de realizar milagres, e nele é depositada toda a confiança na esperança de transformar e construir uma forma corpórea idealizada. Em tese, como foi relatado no discurso da maioria dos entrevistados, o uso dos esteroides anabolizante desencadeou uma transformação não só na forma corporal, mas também, na própria vida como um todo. Como observa Le Breton (LE BRETON, 2009, p. 22), de maneira sucinta, mesmo que a ciência e a técnica estejam passando por uma crise de confiança, elas ainda são consideradas por alguns como a tábua de salvação e, a partir destas ferramentas, muitos indivíduos acreditam que “mudando seu corpo, pretende-se mudar de vida” conseguindo assim a suposta liberdade e salvação. Na contemporaneidade é comum vermos uma manipulação constante do corpo, que implica no uso de ferramentas técnicas (que incluem os EAAs, suplementos alimentares, cosméticos, dentre outros) desenvolvidas pelo mundo moderno, extremamente comum na vida cotidiana em que os indivíduos usam de remédios para dormir, até próteses químicas para o corpo, para assim corrigir suas “falhas” impostas pelas exigências contemporâneas e, com isso, se adequar a um mundo cada vez mais dinâmico e exigente (LE BRETON, 2009; 2011). 52 Ver efeitos colaterais capítulo II. 58 Os avanços científicos e tecnológicos disponibilizados pelo mundo moderno são por muitas vezes considerados como “maravilhas”, contribuindo para que o homem faça do seu corpo “uma possível matéria prima” na busca de transformar e construir uma aparência corporal valorizada pessoalmente e socialmente (LE BRETON, 2007, p. 71). Portanto, nos dias atuais, não é mais novidade, músculos definidos e inflados através do uso de EAA, suplementos alimentares e produtos para uso animal. Além de tatuagens, piercings, implantes de silicone, botox, bronzeamento artificial, cirurgias plásticas, consumo de cosméticos e dietéticos, dentre outros meios capazes de modificar a aparência corporal, estando esta realidade presente no cotidiano das grandes cidades e na mídia atual (SABINO, 2004, 2007). “Eu uso (EAA) porque eu quero ficar forte, uso pra... crescer, pra ficar bonito, pra ter um corpo sarado... pra ser diferente...” (Entrevistado, 25 anos, bairro popular). “Um motivo que me motiva (ao uso dos EAAs) é em relação às meninas, né?... que... você quer se apresentar mais forte, mais bonito... é um dos motivos pra tomar (EAA). (...) [também]... hoje a pessoa quer crescer e ficar com um corpo legal, bonito que antes eu não tinha e hoje é diferente, entendeu?” (Entrevistado, 20 anos). “O que me motivou para fazer uso... (EAA) foi que o cara quer crescer, quer ficar grande, quer ficar com um corpo legal, um corpo assim... bonito pra chamar atenção das mulheres... pra pegar as mulheres, né?” (Entrevistado, 23 anos). Em nossa sociedade de consumo, não só as pessoas são transformadas em mercadorias, mas elas próprias se comportam como tal, na medida em que as relações sociais passam a ser mediadas cada vez mais pelo consumo (BAUMAN, 2009). O mercado expõe e impõe os padrões (de beleza, de consumo, de estilo de vida, dentre outros) em que os indivíduos sentem-se impulsionados ao consumo de mercadorias e de bens simbólicos. Segundo Mirian Goldenberg (2002), muitos indivíduos dentro da sociedade do consumo buscam conseguir se adequar aos padrões corporais estabelecidos e impostos socialmente. Estes padrões são como qualquer outro estabelecido pela cultura do consumo e chegam com a promessa de felicidade e satisfação para assim preencher o “vazio” em que se encontra o indivíduo contemporâneo, despertando neste o sentimento de pertencimento social (MAZAROPARISOLI, 2004; BAUMAN, 2009). A recusa à aceitação dos padrões estabelecidos pela sociedade dos consumidores é vista como atitude desvirtuada, passiva de 59 preconceitos e discriminação como forma de punição social. Surge, assim, o medo de específica “punição”, colocando o “infrator” como uma criatura não vista, não aceita e não reconhecida e, portanto, à margem da sociedade dos consumidores; transpõe a razão e condiciona os indivíduos a buscarem incessantemente os meios para se adequar o mais rápido possível aos modelos de consumo estabelecidos socialmente (BAUMAN, 2008, 2009). Situação que se agrava em um mundo onde impera o individualismo e a competitividade dentro da cultura do imediatismo característico da sociedade de consumo. Vivemos em uma sociedade que a dinâmica da mudança se torna radicalizada (GIDDENS, 1999, 2002), ampliando a intensificação do transitório, do efêmero, do momentâneo, (BAUMAN, 1999, 2008,) fazendo da espera algo penoso e doloroso, gerando um “mal-estar”, não havendo mais espaço para a espera dos acontecimentos, vontades e desejos principalmente sobre os pilares de uma sociedade do consumo (BAUMAN, 2009). Em um mundo cada vez mais competitivo, reflexo do dinamismo das instituições modernas, a busca pelo reconhecimento, admiração, sucesso e prazer tomam caráter de obsessão para o indivíduo contemporâneo. A nossa sociedade nos avalia ao mesmo tempo em que nos julga, nos cobra os resultados a todo o momento para assim nos qualificar no jogo da realidade social. Para atingir os objetivos tudo se torna válido, principalmente no contexto moderno marcado por sensações de vazio, insegurança, incerteza e medo. A cultura do imediatismo, característico da sociedade do consumo faz do tempo um elemento extremamente importante na vida do indivíduo, principalmente no que envolve o presente sobrepondo o futuro. Nesta cultura do instantâneo, o futuro é esvaziado ou colonizado, não havendo mais porque esperar para realizar (ou não) os objetivos traçados, se as exigências do mundo direcionam os indivíduos a se preocuparem com presente imediato. Para Bauman (2008), os indivíduos na contemporaneidade “vivem a crédito”, consumindo o futuro e acertando as contas com ele depois. Esta realidade reflete não só na identidade como também, na própria corporeidade contemporânea, fazendo com que muitas pessoas busquem transformar a imagem corporal “para ontem” ou “para hoje”. Ao começar a frequentar uma academia de ginástica, por exemplo, muitas pessoas querem atingir seus objetivos o quanto antes, na busca do corpo esperado e idealizado. Na esteira disso, a sociedade do consumo, oferece os meios que prometem em um curto espaço de tempo a realização dos sonhos individuais. Então, existe uma busca dos indivíduos por atingirem os objetivos traçados em um curto espaço de tempo, utilizando de armas que prometem verdadeiros milagres 60 tanto no resultado quanto no tempo para realização dos desejos e felicidades esperadas (BAUDRILLARD, 1995; BAUMAN, 2008, 2009). Os EAAs ligam-se a busca pela transformação da forma corporal em um curto espaço de tempo e com esforço reduzido. Pra que malhar anos e anos se você pode atingir seu objetivo em questão de meses ou dias? Por outro lado, é comum no discurso dos especialistas (fisiologista, profissionais de educação física, nutricionista, dentre outros) que a modificação da forma corporal exige muito treinamento (contínuo) e uma alimentação balanceada associada a um período de tempo consideravelmente longo. Conforme os depoimentos dos entrevistados foi observado demasiada importância atribuída para o “agora” como tempo determinante da ação. No discurso, foi possível perceber que o presente tem o poder de se sobrepor ao futuro e o agora mesmo provocando certa angustia e ansiedade, corresponde o elemento primordial das preocupações pessoais. Todos os entrevistados alegaram que começaram a fazer uso dos esteroides anabolizantes com o propósito de concretizarem os objetivos traçados o mais rápido possível, transformando e construindo a imagem corporal almejada. Em suma, o sentimento de confiança e esperança nos EAAs estava visível no discurso dos entrevistados, como meio capaz de impulsionar a modificação corporal, principalmente devido ao tempo demasiadamente acelerado. Outras substâncias também são usadas por alguns entrevistados com a intenção de modificar a forma corporal em tempo acelerado, como foi o caso das vitaminas de uso veterinário (ADE), anabolizantes para uso animal (Equipoise) e suplementos alimentares. A extrema relevância para o presente de acordo com os depoimentos está ligada ao que Michel Maffesoli (1998) chamou de “presenteísmo”, que significa o descarte do futuro em detrimento do vive-se o agora, o presente e o instante imediato, reflexo da nossa sociedade do consumo. “Olha, eu tomei (EAA) porque quero atingir meu objetivo o quanto antes... quero ficar torando (forte) nas festas de fim de ano... no verão, no carnaval e São João...” (Entrevistado, 26 anos). “... Aí por isso que eu tomo (EAA e outras substâncias) hoje... eu não sou um profissional mais eu tomo todo ano com certeza... principalmente quando chega as festas, tá ligado?” (Entrevistado, 24 anos). “(Eu uso os EAA para) Acelerar o crescimento mesmo... porque o cara fica na academia e tem um período que o cara dá aquela parada... sente que não ta crescendo mais rápido... e também porque eu não tenho muita calma, muita paciência para esperar os resultados... eu quero crescer o mais rápido possível... e isso me fez com que eu 61 tomasse logo os EAA para crescer e se amostrar logo... ficar me exibindo mais por aí... entendeu?” (entrevistado, 27 anos). “A minha procura pelos anabolizantes foi porque eu queria o crescimento rápido., queria ficar grande logo, ficar com um corpo bonito o mais rápido possível... Sabia que só malhando não... não ia só adiantar , teria que ter alguma ajuda, algum meio de crescer mais rápido.” (Entrevistado, 23 anos). Em nossa sociedade contemporânea a atenção está voltada para o corpo (BAUMAN, 2010), nunca o invólucro corpóreo foi tão mimado e adorado como hoje (LE BRETON, 2011). Inúmeros são os domínios onde isso é observável, mostrando que na sociedade de consumo sob a atmosfera do culto ao corpo, o invólucro encarnado é uma realidade que deve ser levada a sério, na busca de transformá-lo para assim, serem expostos na “teatralidade” da vida social (MAFFESOLI, 1995, p. 155). A exposição corporal está em todos os lugares, nas mídias eletrônicas, nas revistas, na moda, na publicidade, nas ruas e no cotidiano das pessoas, sintoma de uma realidade que o corpo encontra-se em evidência. É interessante destacar, que no fenômeno do culto ao corpo, quanto mais se valoriza a aparência corporal em uma dimensão simbólica sócio-cultural, fazendo com que os indivíduos se preocupem cada vez mais com sua imagem corporal, mais os modelos corporais hegemônicos parecem elementos irreais, principalmente porque suas exigências ampliam-se constantemente. A busca por atingir os padrões estéticos hegemônicos causa certa ansiedade ao indivíduo contemporâneo, onde o aumento contínuo das exigências dos modelos sociais do corpo provoca uma discrepância entre os ideais corporais “irreais”53 hipervalorizados e a capacidade física e orgânica subjetiva. Os ideais corporais que são passados visualmente por várias formas de comunicação (as mídias, revistas, moda, publicidade etc.) são mensagens que como bem observou Malysse (2002, p. 93), significam “imagem-normas” que são destinados a todos que vêem e, por meio de um diálogo contínuo entre os que vêem e o que são (corpo ideal x corpo real), os indivíduos insatisfeitos com sua imagem corporal são convidados cordialmente a considerar seu 53 Segundo Malysse (2002, p. 93), “o corpo “visual” apresentado pela mídia (e outros mecanismos de comunicação simbólica) é um corpo de mentira, medido, calculado e artificialmente preparado antes de ser traduzido em imagens e de tornar-se uma poderosa mensagem de corpolatria”. Ao passo que, para Camargo e Hoff (2002, p 26), o corpo veiculado nos meios de comunicação de massa não é o corpo de natureza, ele representa um ideal impossível de ser alcançado (por não existir equivalentes na realidade). Este corpo passado e realimentado pela mídia corresponde um ideal a ser perseguido, fazendo com que muitas pessoas fiquem reféns de imagens perfeitas (editadas muitas vazes, pelos programas de computadores). 62 corpo como um fardo, um peso que não precisa mais carregar, um verdadeiro objeto defeituoso. Na esteira disso, Le Breton (2004, p. 7) afirma que na contemporaneidade, “a vontade de transformar o corpo tornou-se um lugar-comum”. O corpo virou ideologicamente uma matéria que deve se aperfeiçoar, se recuperar, um acessório que se constrói, se modifica de acordo com os desejos e possibilidades54 (técnicas e materiais). Ainda segundo este teórico do corpo (2004, p. 7), “nas nossas sociedades o corpo tende a tornar-se matéria prima a modelar segundo o ambiente do momento”, fazendo do corpo um acessório de presença e identificação do sujeito. Um dos efeitos colaterais devastador desta supervalorização da imagem corporal que vemos na contemporaneidade é o crescimento assustador da insatisfação das pessoas com sua imagem corporal, no sentido que se pode dizer que a radicalização do culto ao corpo (corpolatria) desenvolve paradoxalmente a intensificação da insatisfação das pessoas com sua imagem corporal. Conforme os depoimentos que indicaram a estética como a principal motivação para o uso dos EAAs e outras substâncias, a insatisfação do seu invólucro corporal virou a tônica no discurso dos entrevistados, que apresentou a “magreza” como a grande vilã, considerando esta forma corporal, como um fardo, um mal-estar, um pesadelo, uma vergonha e sem exagero, a responsável pela infelicidade pessoal. A categoria magro apareceu como uma das expressões mais recorrentes no discurso, em que todos (sem exceção) atribuíram de forma negativa esta característica de modelo corpóreo masculino. “Eu me achava magro demais, magro demais... aí tomei (EAA e outras substâncias) por causa disso mesmo... eu era magrelo, eu era magro e não gostava de ser assim, não gostava...” (Entrevistado, 30 anos). “... O meu corpo era feio demais... aí me deu vontade de entrar na academia pra deixar de ser magro... aí tracei meu objetivo de ficar forte... hoje eu sei o quanto é feio o cara ser magro raquítico, tem até aqueles magros que tem um pouquinho de massa muscular até que vai... mas, tem uns que é só o “couro e o osso”... Deus me livre... eu não sei como esses caras não tem vergonha... é feio demais, pô, feio demais.” (Entrevistado, 22 anos). 54 A ampliação cada vez maior da corpolatria faz com que um número crescente de pessoas se preocupe cada vez mais com a imagem corporal. Porém, resguardando a generalizações, a intensidade da preocupação com a imagem corporal é de nível diferente conforme cada classe social, grupo, idade e gênero. Para Luc Boltanski (1989), a condição material influencia de maneira considerável as próprias escolhas e estilos de vida no que envolve a corporeidade, além das especificidades típicas de cada classe ou grupo social, reflexo da cultura somática no conjunto das suas regras e normas. 63 “... e também pelo fato de também eu ser muito magro né? você vai ficando mais velho e vai dando conta que o cara magro só se dá mal... ele não tem muita aceitação entre os amigos né? principalmente entre as mulheres... você vai se comparando com seus amigos... com as outras pessoas e se sente diferente... se sente feio entendeu?” (entrevistado, 27 anos). “Eu era muito magro, muito magro mesmo, e isso me incomodava bastante... Quando eu me via em fotos... quando eu tirava fotos com os amigos, nas fotos eu sempre me via murcho, magro, entendeu? Eu não me destacava aí foi também o que me motivou querer... digamos... melhorar minha aparência,” (Entrevistado, 23 anos). Como se sabe, na sociedade contemporânea o paradigma de corpo em vigor e supervalorizado é do corpo magro, chegando a tal ponto que para Fischler (2007, p. 70), vivemos em uma época caracterizada pela “lipofobia” que corresponde à obsessão pela magreza e a rejeição a obesidade55. Existe uma desvalorização do modelo de corpo “gordo”, sinônimo de falência moral e física56 (MAZARO-PARISOLI, 2004; YOSHINO, 2007; FISCHLER, 2007). O corpo do “sobrepeso” é desprestigiado não apenas no seu caráter estético como também ligado a um modelo de corpo incompatível com uma pessoa saudável (conforme as instituições de saúde). Diferentemente do modelo de corpo magro (não exagerado e patológico) visto socialmente como corpo saudável, esteticamente belo, símbolo de capacidade, felicidade, agilidade, responsabilidade e controle. Em uma palavra, o corpo do “sobrepeso” se confronta aos ideais de saúde e igualmente aos padrões hegemônicos de beleza instituídos pela sociedade contemporânea. A obsessão moral ligada a “boa forma” intensifica este processo, principalmente quando exige dos indivíduos o controle radical da sua aparência física (YOSHINO, 2007, p. 112). A obesidade na atualidade é associada a uma pessoa preguiçosa, descuidada e incapaz, colocando o ser obeso como doente, ligando-o frequentemente a ideias de 55 Para Nair yoshino (2007, p. 116), “a conclusão apresentada por Goldemberg & Ramos (2002), se refere à cultura que julga, classifica e hierarquiza a forma física, não sendo apenas a gordura que incomoda. É preciso também ter um corpo firme, musculoso, livre da moleza, da gordura e da flacidez, que são símbolos do relaxamento moral, da indisciplina, da preguiça e da falta de investimento de si”. 56 Como bem colocou Sant’ana (1995, p 20), foram várias as sociedades que acolheram com alegria a presença dos gordos e com desconfiança a presença da magreza, vista de forma preconceituosa, associando a doença e a pobreza. Para Fischer (2007), houve um período em que os gordos eram amados, associados à saúde, riqueza e prosperidade eram bastante respeitados no seu convívio social. Entretanto, no decorrer deste século, as representações de magreza e gordura sofreram modificações radicais, reafirmando que o corpo não corresponde apenas um agrupamento de órgãos como acredita a biologia, a anatomia e a fisiologia, mas antes de tudo, representa uma estrutura simbólica passível de mudança, conforme cada sociedade e cultura. (LE BRETON, 2007). 64 fracasso pelo ato de transgredir os padrões de beleza e sedução na contemporaneidade. (MARZANO- PARISOLI, 2004; SANT’ANNA, 1995; FISCHLER, 2007; YOSHINO, 2007). O corpo gordo é desprezado57, é o “desvio” do modelo corpóreo hegemônico socialmente, é uma forma corporal estigmatizada, um corpo que ameaça as normas e a valorização vigente. O indivíduo obeso é por muito estigmatizado pelo seu desvio58, colocado como diferente dos outros, motivo de “brincadeiras” e olhares preconceituosos. O peso, ou melhor, o excesso dele, é um atributo que coloca o seu possuidor como criatura estranha, defeituosa, estragada e diferente (YOSHINO, 2007). Porém, por mais que seja hoje um lugar comum, colocar o corpo magro como o modelo hegemônico socialmente, algumas ressalvas devem ser colocadas. Como bem elucidou Marzano-Parisoli (2004, p. 35), o modelo de corpo magro se aplica ao corpo feminino, o corpo das manequins (apesar de algumas mudanças), já o modelo de corpo masculino se refere ao corpo atlético do “body-builders” aos quais, estes dois ideais corporais (diferentes) estão em combate perpétuo contra a obesidade, a moleza e o relaxamento. Portanto, o corpo magro em todas as suas especificidades não se aplica ao corpo masculino totalmente, pois o ideal social do corpo masculino direciona o homem para buscar construir este ideal através da prática de exercícios físicos a fim de torná-lo compacto e musculoso. Não é à toa, que todos os entrevistados colocaram a “magreza” como a forma corporal responsável pelas mazelas da sua vida, atribuindo a essa forma corpórea um lugar de infelicidade, desprezo, incapacidade e insatisfação. Foi uma composição corporal posta como responsável por diferenciar negativamente os entrevistados no seu convívio social, por muito, um empecilho na sua aceitação social, nos seus desejos e necessidades. Ao fugirem dos padrões amplamente aceitos socialmente enfrentaram a “desigualdade” e a rejeição ressonando de forma dolorosa na suas vidas individuais desencadeando emoções como o medo, a angústia, a ansiedade e a frustração. Conforme os depoimentos dos entrevistados, o modelo corporal de “magreza” corresponde também um desvio, em relação ao ideal corpóreo masculino 57 Para Fischer (2007), existe uma ambiguidade em relação ao corpo gordo na nossa sociedade contemporânea onde de um lado, “o gordo” representa a alegria, o bom humor, o gosto pela boa mesa e pelo convívio, por outro lado carrega o estereótipo de doente, depressivo, irresponsável, egoísta e sem controle de si mesmo. Assim, “o gordo”, por um lado, é simpático e extrovertido e por outro, suscita a reprovação e a discriminação social. 58 Para Nair Lumi Yoshino (2007, p. 116), “a obesidade pode enquadrar-se no que Goffman designou de “abominações do corpo”, como as deformidades físicas visíveis que afetam as relações sociais, tornando os obesos diferentes dos demais, com deformidades na aparência corporal que foge dos padrões idealizados socialmente (principalmente em nossa sociedade onde a valorização da estética e da beleza toma caráter radical). 65 valorizado socialmente. Para os entrevistados, ser magro representa ser “feio”, desprezado, desvalorizado, corresponde um defeito que precisa ser corrigido, “um rascunho”, uma “matéria prima” que precisa ser modificada (LE BRETON; 2007; 2011). Portanto, tendo em vista os depoimentos, podemos enquadrar o modelo de corpo “magro” ao que Goffman (1998) designou de “abominações do corpo”, fazendo desta forma corporal uma aberração, uma deformidade capaz de afetar negativamente as próprias relações sociais. Assim, a insatisfação da imagem corporal no seu modelo de “magreza” foi sem dúvida, um dos elementos fundamentais que direcionaram os entrevistados para o uso dos esteroides anabolizantes59 e outras substâncias. “E o cara magro pega ninguém! (...) Rapaz... eu era magro demais... eu era o mais magro de tudo... da rua, da turma, da galera todinha que eu andava, que eu conhecia, que eu já tinha visto... quando fui para o colégio e cheguei na sala os caras ficavam tirando onda porque eu era magro... essas coisas... aí isso me fez voltar a frequentar academia... tomei contato com a galera que tomava anabolizantes... eu via como eles eram fortes... aí eu falei ‘vou tomar esse negócio aí’! porque eu não aguento ficar assim mais não... aí comecei (fazer uso dos EAAs)...” (Entrevistado, 24 anos). “... Minha vida todinha eu fui muito magro... muito magro mesmo... aí quando eu tinha 17 anos eu comecei a malhar... eu tava muito... raquítico... muito ranzinza... eu falei ‘tenho que melhorar...’ aí foi quando eu comecei a fazer uma dieta... fazer exercício... aí comecei a malhar...porque só a grade (magro) é fei (feio) demais pô... nenhuma mulher gosta de cara magro não... tu já viu alguma mulher dizer para uma cara magro que ele é gostoso...? quem gosta de osso é cachorro...” (Entrevistado, 26 anos). 59 Sabino (2004, 2007), argumenta que apesar dos consumidores das drogas (incluindo os EAAs) serem consideradas por muitos como desviantes, a utilização dos esteroides anabolizantes se realiza em contextos e visões de mundo diferenciadas daquelas que comumente são associadas aos usuários tradicionais de outros tipos de tóxicos. Nas suas palavras (2004, p. 9), “os indivíduos que “tomam bombas”, como eles mesmos dizem, têm, em geral o desejo de integração à cultura dominante. Seu “desvio” se realiza por intermédio de um processo que se constitui em tentativa de enquadramento no sistema social dominante. Processo de construção do corpo onde a forma física apresenta-se como atitude não-desviante. A utilização destas drogas (EAA) para construção de um corpo musculoso se faz não com o objetivo de subversão sistemática, mas sim como tentativa de se harmonizar com os padrões estéticos vigentes na cultura dominante, sintonia que possibilite aquisição de status, não apenas no interior do grupo, mas na sociedade geral.” Nestas condições postas por Cesar Sabino, os usuários de EAA não se encaixam (pelo menos momentaneamente) na categoria de estigma no sentido de Goffman que condiz com a capacidade de não aceitação social plena. Contudo, se consideramos os EAAs como drogas de “desviantes” tendo em vista os depoimentos dos entrevistados, se pode afirmar que o modelo corporal “desviante” (corpo magro) colocado nas entrevistas corresponde uma das forças motriz para o uso de ferramentas “desviantes” como é o caso dos EAAs. Em uma palavra, o “desviante” utiliza-se de ferramentas do desvio para integrasse. 66 “Eu... sempre fui um cara muito magro (...) quando eu era magro... ia para festas, shows por aí entendeu? E... cansava vê meus amigos ficar com as meninas e... eu ficar... sem pegar ninguém ... na praia ficava com camisa porque... eu tinha vergonha de tirar a camisa, ficavam me apelidando e... mesmo que fosse na brincadeira eu não gostava. as meninas nem olhavam pra mim é.... como seu fosse nada entendeu...?” (Entrevistado, 25 anos). “Eu me achava magro demais, magro demais... (as pessoas) ficavam magrelo pra lá, magrelo pra cá... e eu ficava só na minha mente “vocês vão ver o magrelo quando eu tomar as paradas (EAA)”, aí quando comecei a tomar bomba (EAA) e fiquei forte no instante pararam de tirar onda comigo.” (Entrevistado, 30 anos). Os entrevistados afirmaram que foram alvos de diversas “brincadeiras”, provocações, discriminações e preconceitos em face do seu invólucro corpóreo. Esta forma corporal foi vista por eles, como o paradigma estético negativo, sinônimo de falência moral e física, fazendo deste modelo corporal um “peso” no convívio social. Conforme os relatos, as agressões (morais e físicas) eram uma realidade comum na vida cotidiana dos entrevistados devido a sua forma corporal. Esta situação se fazia presente tanto no círculo de amizade dos entrevistados como também, por pessoas estranhas (segundo eles) agravando específica realidade. Um dos entrevistados, por exemplo, afirmou que a porta de entrada para o consumo dos EAAs e outras substâncias foi o conflito (agressões morais e físicas) sofrido por ele no seu convívio social. Segundo palavras do próprio entrevistado, ele sofria de bullying, representando importante evidência para que se possa concluir, que o entrevistado estava como afirma Erving Goffman (1982, 1993), inabilitado para desfrutar de uma aceitação social plena, caracterizando assim, um indivíduo marcado, estranho, estragado e diminuído. Portanto, por sofrer uma espécie de “estigma”60 no sentido de Goffman, o entrevistado se viu diante da “necessidade” de fazer uso dos esteroides anabolizantes para proporcionar uma modificação da sua forma corporal, para com isso, intimidar e impor respeito em face aos indivíduos que o estigmatizavam e os demais. Em conversa informal depois da entrevista gravada, o entrevistado confidenciou que tinha medo de sair de casa e ir ao 60 Em Goffman (1982), o termo estigma está associado a um atributo profundamente depreciativo. Para este autor, o termo estigma (otíyua), foi criado pelos gregos, para designar os sinais corporais, que evidenciavam algum fato extraordinário ou mau sobre status moral de quem o apresentava. Segundo Goffman (1982, p. 12), o estigma corresponde “um atributo que o torna (o estranho) diferente dos outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída”. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande. 67 colégio para não ficar diante dos meninos da sua rua que os apelidavam, provocavam e também os batia. Podemos supor, que o modelo corpóreo posto pelos entrevistados como negativo (corpo magro), violava as normas e regras na sua comunidade social e na sociedade em geral, passando a existir em um estado de transgressão, ou seja, em um estado desviante. O modelo corporal de magreza representava um atributo que diferenciava os entrevistados no seu convívio social, diferenciando eles dos outros, passando a serem pessoas marcadas pelo desvio. “É... na verdade tive alguns motivos para começar o uso (EAA e produto de uso veterinário), um deles foi que quando eu tinha por volta de 16 pra 17 anos... porque no meu colégio e na minha rua eu tava sofrendo... o que se chama hoje de bullying, né?... O pessoal me provocava e me procurava muito pra me bater então... eu achava que se eu tomasse anabolizante e ficasse com o corpo maior eu poderia intimidar esse pessoal que tava me provocando né?” (Entrevistado, 20 anos). A insatisfação com a imagem corporal foi sem dúvida um dos principais núcleos redundantes colhidos no discurso dos entrevistados. Em suma, a insatisfação da imagem corporal desenvolve uma relação conflituosa entre o indivíduo e seu corpo, impulsionando uma severa oposição entre os mesmos. Cria-se um estranhamento que o indivíduo muitas vezes não se reconhece no seu próprio corpo proporcionando uma tensão entre indivíduo/corpo. Esta discrepância se amplia em um cenário de intensificação do culto ao corpo, proporcionando uma maior valorização social e individual da imagem corporal. Em nossa sociedade do consumo, a representação de corpo faz deste objeto, uma propriedade em que cada sujeito é responsável pela sua forma corporal (GOLDENBERG 2002; LE BRETON 2009, 2011) ou como bem observou Anthony Giddens (2002, p. 98), na contemporaneidade “tornamo-nos responsáveis pelo desenho de nossos corpos”. Para Mirian Goldenberg (2007, p 9), o slogan do mercado do corpo se baseia na afirmação que “não existem indivíduos gordos e feios, apenas indivíduos preguiçosos”, onde qualquer pessoa com esforço e utilizando as armas certas, pode alcançar o corpo que sonha. Em outras palavras, a ideologia de nossa sociedade do consumo, faz do corpo, ou melhor, da forma corporal o reflexo do nosso esforço, na 68 alegação que cada um tem a forma corporal que merece61. Porém, para Lipovetsky (2000), esta realidade se fundamenta a partir princípios contraditórios, pois, quanto mais se impõe o ideal de autonomia individual, mais se aumenta a exigência de conformidade aos modelos sociais do corpo. Na esteira disso, Siqueira & Faria (2007) afirmam que ao mesmo tempo em que a virtualidade liberta o corpo da massa, da gravidade, paradoxalmente, há um estímulo cultural para que o corpo seja disciplinado em academias de ginásticas ou nas salas de cirurgia estéticas, para que assuma uma determinada forma, culturalmente considerada agradável. Nesta linha, os entrevistados consideraram o próprio corpo como objeto imperfeito, como “matéria prima” que precisava ser trabalhada. Alguns entrevistados afirmaram que sempre foram insatisfeitos com seu corpo, com sua imagem corporal. Por outro lado, a maioria deles indicou que no primeiro momento, não ligavam muito para a forma corporal, mas, que as “adversidades” e “influências” ocorridas no convívio social, impulsionaram uma nova forma de percepção e relação frente ao corpo. O importante para os entrevistados seria construir uma forma corporal modificando determinadas partes essenciais do corpo aos seus olhos e também dos outros, para entrar em conformidade com a ideia que eles têm de si mesmo. Em outros termos, os entrevistados colocaram-se fora de si para se tornarem indivíduos, em uma espécie de interiorização constante e auto-regulada para sua exteriorização na construção de sua identidade em um mundo de identidades descentralizadas62. Como afirma Le Breton (2003, p. 22), o corpo é um elemento material de presença do homem, não uma identidade ontologicamente falando, pois, esta hoje só se verifica depois de um trabalho de transformação e construção da forma corporal como princípio de reconhecimento de si. Conforme exposto nos depoimentos, a insatisfação da imagem corporal dava-se de várias maneiras, seja no sucesso dos outros (amigos, conhecidos ou estranhos) que detinham uma forma corporal “diferenciada”, nas “brincadeiras” que eram alvo devido 61 Não precisamos ir muito longe para encontrarmos nos meios de comunicação discursos como: “você pode ter o corpo que deseja”, “mude seu corpo, mude sua vida”, “só depende de você” e dos meios necessários juntamente com as ações certas, para a obtenção de tal forma corporal desejada. Realidade esta, que proporciona uma maior reflexividade frente ao corpo, alvo de monitoramento e autocontrole constante. 62 Para Goldenberg & Ramos (2002, p. 20), em nosso contexto social e histórico onde impera o dinamismo, a instabilidade e o transitório, “no qual os meios tradicionais de produção da identidade (a família, a religião, a política, o trabalho, a escola, entre outros) se encontram enfraquecidos, é possível imaginar que muitos indivíduos ou grupos estejam se apropriando do corpo como um meio de expressão (ou representação) do eu”. 69 ao seu modelo corporal “desviante”, nas decepções e fracassos em suas relações (amizade e amorosa), no simples olhar ao espelho ou em uma foto, dentre outros. Nestas condições, os entrevistados implementaram várias ações ligadas ao corpo, como reflexos dos seus desejos e necessidade, na busca de transformar e construir um “corpo que é seu”, ou melhor, uma forma corporal com assinatura própria, na tentativa de criar ou restaurar sua identidade, uma aparência particular, um sentimento de pertencimento de si mesmo. Por outro lado, segundo Jean Jacques Courtine (1995, p. 89), seria a metamorfose para o renascimento individual, assim sendo, o desafio do inato para fazer de você um outro. Para Le Breton (2003, p. 29), “o corpo torna-se emblema do self. A interioridade do sujeito é um constante esforço de exterioridade, reduz-se à sua superfície. É preciso se colocar fora de si para se tornar si mesmo”. Os esteroides anabolizantes seriam para os entrevistados, a ferramenta “necessária” e indispensável para construção de um “novo corpo” e portando, de uma “nova vida” para que esta entre em conformidade e harmonia com seu eu interior. O uso dos EAAs seria a tentativa de “sentir-se em casa no seu próprio corpo” (GIDDENS, 2002, p. 96) fazendo da modificação corporal um restaurar do self e um fortalecer de sua identidade ameaçada. “Hoje eu me reconheço nesse corpo que eu tenho hoje... é o melhor que já tive” (Entrevistado, 20 anos). “Eu nunca gostei do meu perfil... do meu corpo muito menos e quando tive a oportunidade entrei na academia pra ficar diferente... pra mudar o que eu era... pra ficar com um corpo legal e me sentir bem, porque eu nunca fui feliz do jeito que eu era (...) hoje (com o uso dos EAA) me sinto diferente, melhor comigo mesmo...” (Entrevistado, 25 anos). Para os entrevistados, a transformação do invólucro corporal através do uso dos esteroides anabolizantes, foi de fundamental importância para a diferenciação, a identificação e o reconhecimento no seu meio social. Isso seria possível, conforme alguns teóricos do corpo (DOUGLAS, 1976; GOLDENBERG & RAMOS, 2002; LE BRETON, 2004; CASTRO, 2007), porque na contemporaneidade (também em outras sociedades e culturas) somos alvos de valorização, depreciação, qualificação, identificação, estigmatização e adoração frente ao corpo. Pois, o corpo está carregado de símbolos e valores que são compartilhados com outros integrantes da comunidade social e cultural em que o indivíduo se encontra inserido. 70 O EAA foi à grande arma, a tábua de salvação, a ruptura de certas situações na vida dos entrevistados, que os causavam mal-estar dentro do seu convívio social. Foi à responsável pela mudança não apenas na imagem corporal, modificando a relação de si como o próprio corpo, mas a relação de si com os outros. Assim, a totalidades dos entrevistados afirmou que a modificação da imagem corporal (via esteroides anabolizantes e outras substâncias) foi à responsável pela emancipação no nível de aceitação frente a outras pessoas principalmente mulheres e amigos. Para eles, a transformação corporal proporcionou uma alteração radical dentro das suas interações sociais servindo de motivação para as regularidades no uso dos EAAs e outros produtos. Segundo relatos, a transformação da forma corporal estaria ligada diretamente com a satisfação pessoal (autoconfiança, autoestima) e reconhecimento dos outros (intimidação, respeito, poder) principalmente no atrair o sexo oposto como ficou claro nos depoimentos dos entrevistados. “(...) hoje, vou pra festas e fico com meninas, as meninas olham pra mim, tá ligado...? me chamam de gostoso, de bombado e eu gosto disso... me sinto bem... vou pra praia tiro logo a camisa e vejo que algumas mulheres olham pra mim e isso me faz muito bem... Pra minha auto-estima né? pra meu ego... hoje me sinto diferente, melhor comigo mesmo entendeu...?” (Entrevistados, 25 anos). “(depois do uso dos EAAs) quando cheguei (nos lugares que costumava frequentar) já foi outra coisa totalmente diferente... as negas (mulheres) já ficavam visando já... as meninas já me via né? era as meninas de olho em mim e os caras com inveja querendo quebrar o cara... porque o cara tava fortinho... oxe... eu não estava nem aí... não queria nem saber... eu pegava todas que vinha...” (Entrevistado, 24 anos). “... na época que eu era magro, muito magro mesmo, saía na avenida e não pegava (sexo oposto) ninguém... depois que comecei a malhar e fiquei grande (ao fazer uso dos EAAs), braço grande, peitoral gigante e barriga trincada... foi tudo diferente (...) as coisas mudaram pra melhor na minha vida... se antes eu era colocado de lado. hoje as coisas são diferentes. Além do mais, depois que fiquei diferente arrumei uma namorada...” (Entrevistado, 23 anos). Como se sabe, o corpo é considerado por muitos como lócus carregado de uma multiplicidade de valores e signos determinados pela cultura (DOUGLAS, 1976; BAUDRILARD, 1995; LE BRETON, 2011). Nestas condições, existem corpos hipervalorizados como também, existem modelos corpóreos considerados como desviantes, ou seja, que fogem dos padrões estabelecidos e valorizados socialmente. A 71 insatisfação da imagem corporal apresentada no discurso dos entrevistados estava de alguma forma ligada ao sentimento de vergonha, que se configurava dentro das interações sociais. O sentimento de vergonha com a imagem corporal surge quando o indivíduo percebe que seu invólucro corpóreo não corresponde aos modelos corporais valorizados culturalmente. E não só isso, quando o próprio indivíduo não é aceito em certos grupos, sendo colocado como diferente, visto de forma negativa em face aos outros. Tal realidade, pode proporcionar o aparecimento do sentimento de vergonha frente a imagem corporal, a ponto de possivelmente considerar a forma corpórea, como um atributo “impuro” diante da “normalidade” imposta na sua comunidade social. Na visão de Luc Boltanski (1989), a propagação do sentimento de vergonha frente à imagem corporal se verifica quando o indivíduo de classes inferiores comparam seus corpos e estilos de vida aos padrões estabelecidos e valorizados socialmente, providos das classes dominantes, sendo divulgados e propagados pela mídia e publicidade. Ainda segundo Boltanski (1984, p. 183), esta vergonha que se propaga pela difusão e valorização de específicos cânones dominantes, carrega a etiqueta de classe, “pois a vergonha do corpo assim suscitada não é talvez senão a vergonha de classe”. De qualquer modo, a forma corpórea correspondeu para os entrevistados o vetor de ligação ou diferenciação, de rejeição ou aceitação na sua comunidade social, pois como bem escreveu Le Breton (2003, p. 31), “é por seu corpo que você é julgado e classificado”. Alguns entrevistados alegaram ter passado por vários constrangimentos, por possuírem uma forma corporal que não era aceita e bem vista pelos outros, sendo muitas vezes motivo de piadas, gozações, agressões (físicas e morais) e preconceitos. Na visão de Giddens (2002. p. 65), a vergonha afeta diretamente a auto-identidade do indivíduo, sendo estimulada por sentimentos de vivências de inadequação ou humilhação. Assim para este autor (2002), o sentimento de vergonha pode ameaçar ou destruir o sentimento de confiança em si, sendo um obstáculo para autoconfiança. “[Tinha vergonha de ser magro] com certeza... os caras ficava me apelidando... até as meninas ficavam frescando da minha cara... eu ficava puto... morrendo de raiva... morrendo de vergonha... tentava comer tudo que via na minha frente para deixar de ser magro... pra melhorar... tentar engordar... mais não tinha jeito... eu era magro do mesmo jeito...” (Entrevistado, 24 anos). “Não vou mentir, tinha vergonha de tirar a camisa, meus amigos ficavam dizendo que eu era só o palito, essas coisas... aí, morria de vergonha...” (Entrevistado, 23 anos). 72 Foi possível perceber conforme os depoimentos, que o sentimento de vergonha representava um entrave na ação e na participação de certos eventos do cotidiano. O medo das “brincadeiras”, da discriminação, dos olhares alheios, da simples exibição corporal, das agressões físicas e morais estavam presentes na vida cotidiana da maioria dos entrevistados. O medo da vergonha como sentimento paralisante estava presente em várias situações, seja na escola, na praia, em casa, diante do espelho, no círculo de amizade e no contato com outras pessoas. Esta realidade foi à força motriz para prática da musculação na intenção da emancipação do sentimento de vergonha da forma corporal. Porém, a prática da musculação também pode despertar ou ampliar o próprio sentimento de vergonha do corpo, tendo em vista o ambiente da academia. Muitos dos entrevistados alegaram que sentiram vergonha e ao mesmo tempo “inveja” das formas corporais de outros praticantes de musculação da academia frequentada. Sentiam-se envergonhados em face aos outros (alunos da academias de musculação) que possuíam formas corpóreas “privilegiadas”, a ponto de evitar passar pertos deles e de utilizar paralelamente as mesmas máquinas de exercícios. Um dos entrevistados (em conversa informal), afirmou que mudou o horário da sua “malhação” para não “dividir” o mesmo ambiente com os “fortões” da academia e assim, não ficar exposto ao sentimento de vergonha. Esta realidade é uma faca de dois gumes, que por um lado, é capaz de potencializar a própria desistência da prática da musculação, por outro, pode impulsionar a própria utilização de substâncias que prometem acelerar o crescimento da massa muscular como é o caso dos esteroides anabolizantes e suplementos alimentares. Para os entrevistados, o “fim” do sentimento de vergonha corporal se verificou com modificação da forma corpórea graças à utilização dos esteroides anabolizantes com a intenção de hipertrofia da massa muscular. Em outros termos, os esteroides anabolizantes formam para os entrevistados, os responsáveis pela emancipação da vergonha corporal e de todas as “algemas” que este sentimento lhes proporcionava. Contudo, vemos constantemente pessoas cometerem exageros nos exercícios físicos além de fazerem uso de ferramentas arriscadas em prol do reconhecimento social e do expor do corpo sem nenhuma vergonha (GOLDENBERG & RAMOS, 2002; MALYSSE, 2002). Por fim, levando em conta o discurso dos entrevistados seguem alguns fatores que impulsionaram a prática da musculação: 73 • A Insatisfação da imagem corporal no seu modelo de corpo “magro” • O sentimento de vergonha da forma corporal • As influências dos amigos • A importância do corpo na conquista de parceiros sexuais • A relevância do corpo para aceitação e integração social • À vontade ou necessidade para se encaixar aos padrões de beleza massificados. • A emancipação dos entraves vividos no meio social • Exposição e desnudamento corporal • Violência psicológica e física • Emancipação dos estigmas pelo seu “desvio” (“brincadeiras”, “provocações”, agressões morais e físicas, discriminações, preconceitos, dentre outros). No que se refere aos fatores que direcionaram os entrevistados para o uso dos hormônios esteroides anabolizantes podemos citar: • Potencializar os objetivos traçados • Concretizar a forma corpórea idealizada • A importância do momento presente • A exibição maior do corpo • As influências dos amigos • Melhorar o desempenho na prática da musculação (ampliação da força, energia, explosão e da performance de modo geral). Diante de específico cenário, a busca pela transformação da forma corporal ligase a uma realidade cercada de uma multiplicidade de opções e escolhas em que os bodybuilding têm que tomar decisões o tempo todo, tendo como vetor central a própria forma corporal. Isso é possível, porque o corpo na contemporaneidade é cada vez mais uma questão de opções e escolhas (GIDDENS, 2002), principalmente no que envolve a busca pela sua modificação. E diante de uma realidade em que o corpo encontra-se envolvido em uma pluralidade de possibilidades, ao mesmo tempo, que o indivíduo na busca pela transformação da imagem corporal situa-se em um mundo cercado por sensações de incerteza e inseguranças, a noção de confiança e medo tem importância 74 particular. Assim, o medo e a confiança são extremamente relevantes, pois encontram ligados às decisões que precisam ser tomadas, principalmente em uma existência repletas alternativas e portanto, se tornam fundamentais na modelagem e no direcionamento das condutas. 75 CAPÍTULO IV CONFIANÇA E MEDO NO USO DOS ESTROIDES ANABOLIZANTES 4.1 CONFIANÇA E USOS NOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES O conceito de confiança vem sendo trabalhado por diversas áreas do conhecimento, desde pesquisas no âmbito da psicologia até a economia. Já nas ciências sociais tal termo tem sido utilizado e desenvolvido por vários autores relevantes (Georg Simmel, Niklas Luhmann, Ulrich Beck, Antony Giddens)63. Como enfatizado por Zamboni (2010, p.26), a noção de confiança é extremamente importante nas ciências sociais, ligando-se com questões tais como interação social, ordem social, controle social, entre outras. A confiança é um mecanismo fundamental para qualquer organização social, seja nas relações sociais, institucionais, na política, economia, etc. A confiança, representa um elemento extremamente importante no contexto da modernidade, principalmente porque vivemos em uma realidade em que as instituições estão amplamente desencaixadas, ligando práticas locais em um mundo cada vez mais global; organizando grandes aspectos da nossa vida cotidiana (GIDDENS, 1991). Assim, não podemos sequer imaginar o mundo moderno sem este elemento fundamental, para manutenção e desenvolvimento das relações sociais, das instituições sociais e da sociedade como um todo. Esta centralidade se estabelece depois que a modernidade demoliu as antigas estruturas tradicionais e junto com elas, as antigas formas de interação social, sob as bases do parentesco, da religião, da tradição e da localidade encaixadas. Com o estabelecimento de novas formas de interação social64 criou-se as condições que faz da confiança algo imprescindível no contexto moderno. (GIDDENS, 1991, 2002). 63 Apesar da sua relevância na discussão atual nas ciências sociais, podemos dizer que esse conceito ficou por muito tempo esquecido, principalmente se levarmos em conta sua ausência na discussão da sociologia clássica. Em suma, mesmo com o desenvolvimento no estudo da confiança nos últimos anos, ainda se tem muito que avançar para uma abordagem mais sistemática da teoria da confiança. 64 Diferentemente das sociedades pré-modernas onde os encontros sociais se davam quase que exclusivamente no contato face a face, nas condições modernas as relações sociais são cada vez mais desencaixadas, ou seja, a relações sociais encontra-se amplamente deslocadas dos seus contextos locais e estão reestruturadas e distribuídas em extensões indefinidas de tempo-espaço. 76 Não é mais novidade colocarmos o mundo contemporâneo como uma época marcada por sensações de incerteza e insegurança. Em suma, uma das fontes que colocam em xeque o status de segurança e certeza é a institucionalização do princípio da dúvida radical em uma realidade cercada por uma diversidade de opções e escolhas. Em específico cenário, a noção de confiança é considerada decisiva, principalmente porque na atualidade existe uma dependência crescente dos indivíduos em relação aos sistemas especializados65. Como bem colocou Anthony Giddens (2002, p. 11), a confiança é um fenômeno genérico fundamental para o mundo moderno, pois além de ser indispensável na construção e desenvolvimento da personalidade, ela também tem relevância singular em uma organização social com mecanismos de desencaixe e sistemas abstratos66. Ainda segundo Giddens (1991, p. 87), “a natureza das instituições modernas está profundamente ligada ao mecanismo da confiança em sistemas abstratos, especialmente em sistemas peritos”. Estamos cercados por sistemas peritos por todos os lados. Em casa, na rua, no trabalho ou onde quer que seja, estamos envolvidos numa série de sistemas especializados nos quais a confiança neles é fundamental. Em tese, a confiança seria o veículo de interação dos indivíduos com os sistemas especializados. Estes sistemas contribuem de maneira significativa para a segurança na vida cotidiana, prometendo a soluções dos problemas (porém pode criar novos problemas com resultados indesejáveis e não previstos) através da sua eficácia e da “certeza” do risco mínimo. O indivíduo contemporâneo encontra-se cada vez mais dependente dos sistemas especializados, tanto nas experiências básicas quanto nas extraordinárias. Estes sistemas de conhecimentos especializados influenciam de maneira atuante em muitos dos aspectos sociais vividos na atualidade. Esta dependência se completa quando os indivíduos recorrem frequentemente aos especialistas para a tomada das decisões em uma realidade cercada por uma pluralidade de opções e escolhas. Esta realidade se verifica em amplas extensões da vida cotidiana fazendo parte do contexto dos indivíduos modernos. A própria corporeidade contemporânea encontra-se integrada com uma série de sistemas especializados aos quais as pessoas depositam a confiança em específicos 65 Sistemas especializados ou sistemas peritos se referem a “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje” (GIDDENS, 1991, p. 35). 66 Para Giddens (2002, p. 223), sistemas abstratos correspondem às fichas simbólicas (sistema monetário) e aos sistemas especializados tomados em conjunto. 77 conhecimentos. Para Giddens (2002, p. 15), os sistemas peritos afeta de modo difuso o corpo, onde este “é cada vez menos um dado extrínseco, funcionando fora dos sistemas inteiramente referidos da modernidade”. Assim, muito da relação do homem com seu corpo na atualidade passa pela integração e confiança nos sistemas especializados. De maneira específica, a própria transformação da forma corporal liga-se à confiança em um conjunto de sistemas especializados que são considerados por muitos indispensáveis, considerando certos objetivos traçados. Os sistemas especializados disponibilizam os meios técnicos necessários que prometem (através dos mecanismos de informação), modificar a forma corporal para satisfazer os anseios do sujeito na busca pela realização do prazer e uma dose de boa segurança, estando “disponível para qualquer um, desde que tenha os recursos, tempo e energia para adquiri-lo” (GIDDENS 2002, p. 35). Estes sistemas estão presentes, por exemplo, nas cirurgias plásticas e estéticas, nas dietas e regimes corporais, em muitas das atividades físicas, nas academias de ginásticas e musculação, no consumo de suplementação alimentar, dentre outros, dando o suporte “necessário” na busca para modificação do invólucro corpóreo. Por isso, Giddens (2002, p. 201) afirma que “o corpo está agora plenamente disponível para ser ‘trabalhado’ pelas influências da alta modernidade”, principalmente porque vivemos em uma organização social que ninguém pode optar por sair completamente da influência de tais sistemas abstratos, diferentemente do contexto das sociedades prémodernas, onde os indivíduos poderiam ignorar os pronunciamentos de sábios e sacerdotes, (GIDDENS 1991, 2002). Ao frequentar uma academia de musculação, por exemplo, o indivíduo toma contato com um conjunto de sistemas especializados com a função de modificar a forma corporal. Assim, ao executar uma série de exercícios nas mais diversificadas máquinas, seguindo o roteiro preparado por um profissional de fitness (instrutor da academia e personal trainer), envolve-se em uma rede de sistemas especializados aos quais deposita confiança. Depois, ao consumir alguns produtos referentes à sua dieta e ao projeto corporal, a exemplo dos suplementos alimentares, dietéticos, anabolizantes naturais e até medicamentos, embarca em um universo diferente de outros sistemas especializados com a intenção de modificar a forma corpórea. A confiança torna-se fundamental diante desta relação dos indivíduos com os sistemas especializados na busca pela transformação da forma corporal. Mas, para o estabelecimento da confiança (da pessoa leiga) em tais sistemas não se faz necessário a 78 “plena iniciação nestes processos nem o domínio do conhecimento que eles produzem. A confiança é inevitavelmente, em parte, um artigo de ‘fé’.” (GIDDENS, 1991, p. 36). Tomamos como exemplo o consumo de suplementos alimentares. Normalmente um frequentador de academia de musculação (ou qualquer praticante de atividade física), ao fazer uso de suplementação proteica (ou qualquer outro tipo de suplementação), confia no consumo deste produto, mesmo não estando presente no local onde foi produzida a embalagem do produto, nem quando o produto estava sendo fabricado. Ou seja, ele estava ausente no momento da fabricação da embalagem, do produto e ainda se encontra alheio às condições de higiene, a qualidade, e desconhece os participantes do processo produtivo67. Além do mais, tem pouco ou nenhum conhecimento das técnicas de produção e das substâncias contidas no produto, etc. Mesmo assim, faz uso do produto na confiança, não necessariamente de quem fez ou vendeu o produto (porém a confiança na competência e credibilidade também é importante para o fortalecimento na confiança em sistema), mas no conjunto de conhecimentos técnicos de específico sistema perito. Os indivíduos nas sociedades modernas tendem a confiar relativamente nos sistemas especializados (confiabilidade relativa aos mecanismos de desencaixe), mesmo sob as bases da ignorância prática e do conhecimento em tais mecanismos sociais. Isso só é possível porque no contexto moderno “só se exige confiança onde há ignorância”, fazendo de toda confiança “num certo sentido confiança cega” (GIDDENS, 1991, p. 92 e 41). Em relação aos sistemas especializados, a confiança coloca entre parênteses a própria ausência de conhecimento técnico que a pessoa leiga possui em face aos sistemas especializados (GIDDENS, 2002). Porém, esta relação de ignorância dos indivíduos com os sistemas especializados é um fenômeno ambivalente, podendo haver respeito pelo conhecimento técnico ou medo como reflexo das inseguranças e incertezas. Assim, a ignorância fornece o terreno para a confiança ou para o ceticismo e cautela. Segundo Giddens (1991, p. 93), o respeito para com o conhecimento técnico existe paralelamente em conjunto com uma atitude pragmática pelos sistemas abstratos, baseada em atitudes de ceticismo ou reserva. Hoje em dia são poucos os indivíduos que mantêm uma confiança nos conjuntos de sistemas especializados de forma incondicional. 67 Nas palavras de Giddens (1991, p. 87), “em certas circunstâncias, a confiança em sistemas abstratos não pressupõe encontro algum com indivíduos ou grupos que são de alguma forma ‘responsáveis’ por eles”. 79 A confiança ou sua falta para com os sistemas especializados são passíveis de serem fortemente influenciados por experiências, como também, por atualizações de conhecimentos devido à revisão constante a que estão sujeitos. Um partidário da prática da musculação, por exemplo, ao ter uma experiência infeliz com o consumo de um específico suplemento alimentar pode decidir vedar o contato com o representante responsável pela venda, como também, com o próprio produto utilizado. Ele ainda pode decidir não fazer (ou fazer) uso de determinado produto a partir de novos conhecimentos expostos nos meios de comunicação. De forma oposta, existem outras situações que o próprio conhecimento dos sistemas especializados pode ser ignorado. Se por um lado pode existir desconfiança para com o discurso “positivo” apresentado pelo conhecimento especializado, também pode ocorrer o contrário, ou seja, que o leigo pode não levar em conta o lado “negativo” apontado por esses mecanismos sociais. Tomamos como exemplo os adeptos da musculação. Essas pessoas, ao desempenharem esta modalidade de exercício físico, encontram-se integradas a um conjunto de sistemas especializados, ao qual, além de disponibilizarem os meios práticos, também expõem os conhecimentos que são filtrados pelos mesmos para o direcionamento do discurso e da ação. O conhecimento especializado diz o que deve e o que não deve ser feito, em prol da redução dos riscos e consequentemente de uma maior “segurança”. Contudo, o partidário da musculação pode abandonar o posicionamento do conhecimento especializado, ignorando o risco ao seguir o direcionamento oposto do indicado. Ao decidirem fazer uso dos EAAs na intenção da modificação da forma corporal para fins puramente estéticos seguem o direcionamento oposto ao indicado pelo conhecimento especializado. A finalidade colocada por tais sistemas especializados para o uso dos EAAs é exclusivamente de caráter terapêutico, ou seja, no tratamento médico de várias doenças. Assim, as informações filtradas nos sistemas que são passadas a comunidade leiga gira em torno de que o uso dos EAAs tem indicações específicas para área da medicina e não devem ser utilizados com intuito puramente estético ou esportivo. Para o fortalecimento do argumento, são passados através dos meios de comunicação e de outras fontes os riscos na utilização dos esteroides anabolizantes com caráter estético (ou esportivo), expondo os possíveis efeitos colaterais, as alterações no quadro metabólico, dentre outros68. Além disso, a apresentação de experiência associada 68 Em relação aos efeitos colaterais, ver capítulo II. 80 às consequências graves em vários eventos do uso indevido destas substâncias. Esta realidade serve como mecanismo de ampliação dos medos e controle do discurso e da ação sobre os leigos. Estes pronunciamentos dos sistemas especializados são minimizados pelos usuários de esteroides anabolizantes para fins estéticos, podendo até existir desconfiança nas “verdades” lançadas por esses mecanismos sociais. Por outro lado, usar EAAs, com caráter estético, implica em confiar numa ciência (mesmo contra o próprio pronunciamento da ciência) que transformará rapidamente o corpo na busca por construir um modelo corpóreo “perfeito”. Nestas circunstâncias, a estruturação da confiança se faz a partir de condições bastante específicas, conforme o “rompimento” com o discurso apresentado pelos sistemas especializados. Todos os entrevistados afirmaram confiar nos esteroides anabolizantes no que envolve suas manifestações anabólicas, ou seja, como ferramenta capaz de proporcionar alteração da forma corporal, no sentido principalmente da sua hipertrofia muscular. A confiança encontra-se presente, neste caso, ao depositarem específica forma de crença no funcionamento do conhecimento técnico, seja para o crescimento da massa muscular, ganho de força, energia, dentre outros. Sendo assim, “é mantida a fé no funcionamento do conhecimento em relação ao qual a pessoa leiga é amplamente ignorante” (GIDDENS, 1991, p. 91). Porém, quando ligado ao risco do aparecimento de algum efeito colateral, a confiança no uso dos EAAs diminui, mesmo não sendo suficiente para o abandono da utilização. Conforme observado nos depoimentos, a confiança nos resultados é maior do que a desconfiança no não aparecimento de algum efeito colateral. Grande parte dos entrevistados “desconsiderou” os EAAs como medicamentos para uso exclusivamente terapêutico no tratamento de diversas doenças, utilizando-os como produtos para desenvolvimento da hipertrofia muscular, portanto, próprios para uso humano, seja em nível esportivo ou estético. Outros reconheceram os esteroides anabolizantes como medicamentos, porém, também com a finalidade de hipertrofiar o tecido muscular. Estas características citadas por alguns entrevistados são uma das fontes da canalização do fortalecimento da confiança no uso dos EAAs em níveis ampliados, ao mesmo tempo, uma forma de elevação da “segurança”, das “certezas” e esperanças ligadas à utilização. Além do mais, esta visão dos hormônios esteroides anabolizantes serve como mecanismo de “controle” dos medos, no que se refere ao sentimento capaz de alterar o discurso e paralisar a ação. De modo geral, os esteroides 81 anabolizantes são para os entrevistados a “chave mestra” capaz de proporcionar a mudança da forma corporal ao qual foi objetivada subjetivamente. “Confio sim! Porque sei que se eu tomar, vou crescer, se eu mantiver a disciplina tanto das dosagem como também na malhação, vou conseguir o que eu quero, né? vejo meus amigos fazerem uso e ficaram gigantes... eu, por exemplo, como já falei, era magrinho e hoje estou bem melhor... entendeu? Vejo hoje a mudança de forma visível no meu corpo o que eu era e o que eu sou hoje”. (Entrevistado, 20 anos) “Confio. O cara cresce com certeza. O cara vê o resultado das outras pessoas, aí você já fica confiante que se tomar as paradas vai crescer também. Aí quando o cara toma e vê que ficou massa, que deu resultado, aí a confiança em tomar aumenta, sabe? Hoje eu sei por experiência própria, que se tomar anabolizantes não tem erro, o cara cresce mesmo, fica grande...” (Entrevistado 23 anos) “Confio, pô!... com certeza!... anabolizante cresce... porque se eu tomar cresce... se tomar cresce tem erro não. Pode ser qualquer pessoa... porque isso foi feito pra desenvolver a massa muscular, tá ligado? Aí o cara toma pode malhar com força e esperar alguns dias que você já vê a diferença... uns vinte dias o cara já percebe a transformação do cara...” (Entrevistado, 24 anos) “(confia?) Lógico que sim! Consegui esse corpo graças a eles, tá ligado? Eu sei que se eu tomar vou crescer, e por isso continuo tomando seguindo as dosagens certas, os ciclos das dosagens e dos exercícios...” (Entrevistado, 25 anos) “Tá... todo mundo sabe que se tomar anabolizantes o cara cresce, pô... não tem nem pra onde correr... todo mundo que eu conheço cresceu... uns mais... uns menos, porque é normal... mas eu confio sim... todo mundo sabe que se tomar os anabolizantes o cara cresce... eles foram feito pra isso mesmo...” (Entrevistado, 26 anos) Além da crença de que os esteroides anabolizantes são produtos destinados à própria transformação da forma corporal, outros fatores são extremamente relevantes para o fortalecimento ou não da confiança na própria utilização das drogas masculinizantes. Um fator que serviu (ainda serve) como divisor de águas para aceitação ou rejeição na utilização dos esteroides anabolizantes para o conjunto dos entrevistados foram os resultados da contingência do uso, tendo em vista os amigos, conhecidos e a própria experiência subjetiva. Em outras palavras, o conjunto dos entrevistados tomou como parâmetro para o posicionamento das escolhas a própria experiência da utilização do uso dos esteroides anabolizantes por pessoas próximas no 82 seu convívio social, sejam eles amigos ou conhecidos. Como bem observou Giddens (1991, 41), a confiança leva em consideração a credibilidade em face aos resultados contingentes, porém, conforme os entrevistados, os acontecimentos mais significativos para tomada das decisões não eram os fatos gerais, e sim os particulares ligados às pessoas de confiança como os próprios amigos também usuários. Contudo, os eventos levados em consideração não são aqueles ligados aos sistemas especializados (divulgados pelos meios de comunicação e outras fontes), mas aqueles presenciados no próprio convívio social. Esta realidade para os entrevistados é de fundamental importância para os níveis de confiabilidade na própria utilização e escolha das drogas da imagem corporal. Portanto, todos os entrevistados afirmaram que a decisão de fazer uso, como também, a escolha de específicos esteroides anabolizantes partiu, além de outras coisas, das experiências alheias, servindo como fortalecimento da confiança ou da intensificação do medo e da insegurança. Com efeito, muitos dos entrevistados acreditam que os efeitos (positivos e colaterais) dos esteroides anabolizantes não são os mesmos em todas as pessoas em que as substâncias utilizadas variam conforme cada organismo. Esta discrepância servira muitas vezes como argumento a favor do uso, mesmo que, por ventura, se tenha conhecimento de algum dano com terceiros. De qualquer modo, esta particularidade não se aplica aos amigos próximos, por serem importantes referências nas tomadas de decisão. “... o cara tem que saber mesmo se presta, se um amigo meu já tomou, como foi, o que ele achou... então o cara analisa pra ver as vantagens e, se for bom mesmo, o cara toma. Porque o mundo da bomba, o que tem que aprender é com os erros dos outros... erros e acertos... se ele tomou e acertou e conseguiu, o cara toma também, se uma pessoa passou mal, aí o cara já não toma, entendeu? Já apareceu vários para eu tomar mais eu não tinha nenhum conhecimento, nenhum amigo meu tinha tomado aí não tomei...” (Entrevistado, 23 anos) “Confio! Lógico que sim. Por causa dos exemplos dos meus amigos, entendeu? Eles já usavam e tinham a noção de como fazer... as dosagens, o ciclo, o anabolizante certo para o principiante... essas coisas... Já que eles tomavam e não acontecia nada de ruim com eles, me dava mais vontade de tomar... Já se alguma bomba fez mal a algum amigo meu, eu não tomo não.” (entrevistado, 23 anos) “É... eu confio porque eu vejo o resultado nos meus amigos, né? eles tomavam e crescia e não acontecia nada de ruim com eles... aí me dava mais confiança em tomar também. já que eles tomaram e não aconteceu nada de mal... eles ficavam grandes, aí vou tomar também... 83 fazia do mesmo jeito que eles falavam. Por que eles sabiam o que tava fazendo”. (Entrevistado 27 anos) Em situação posterior à contingência dos resultados alheios (dos amigos e conhecidos), a própria experiência subjetiva dos entrevistados também se configurava como elemento relevante para a aceitação ou reprovação de específicos esteroides anabolizantes. O próprio contato direto com a substância serviu para os entrevistados como novo parâmetro para as decisões que precisariam ser tomadas posteriormente, não se atendo apenas à sua visão dos EAAs, à contingência dos resultados alheios e às indicações dos amigos também usuários. A experiência subjetiva fundamentaria a abolição de “antigas verdades” para a introdução de “novas certezas” como mecanismo integrante da ação. Agora, o fortalecimento da confiança na utilização dos EAAs não se concretizaria somente a partir da transformação da forma corporal de pessoas próximas, mas na própria “mutação” que foi alvo ao tomar contato com as substâncias esteroides anabólicas. “Aí, depois que tomei a primeira e cresci... e o cara se olha no espelho e vê que ficou maior, que o resultado no final das contas foi bom e não ocorreu nada de ruim... aí tudo certo! aí o cara continua tomando porque deu certo...” (Entrevistado, 23 anos) “... Depois que tomei e vi que deu resultado e saiu tudo bem... Aí o cara confia mais ainda e deixa um pouco o medo de lado.” (Entrevistado, 27 anos) A própria relação na utilização destas substâncias pode canalizar a possibilidade do desenvolvimento para elevação da confiança, como também a sensação de incerteza e inseguranças (elementos estes que alimentam o medo). Muitos entrevistados fizeram referências a específicos esteroides anabolizantes e outras substâncias, aos quais eles não possuem nenhuma crença. A ausência de confiança se aplica por motivos variados, conforme foi observado pelo discurso dos entrevistados. No que se refere aos EAAs, são eles: 1- “Baixa confiança” ou ausência dela em sua eficácia, ou seja, abandono da fé no funcionamento do conhecimento ao qual é amplamente ignorante, fermentando a incerteza dos resultados esperados. Assim, alguns esteroides anabolizantes foram 84 apontados pelos entrevistados como “incapazes” de proporcionar o desenvolvimento esperado da hipertrofia muscular. 2- Por presenciar ou saber de algum dano causado pela utilização de específico esteroide anabolizante por qualquer amigo ou pessoas próximas. 3- Ao sofrer algum efeito colateral no fazer uso de determinados compostos sintéticos, desencadeando sensações de aversão e medo. 4- Por colocar em dúvida a legitimidade e procedência dos produtos, suas funções e indicações. A ausência de confiança em determinados esteroides anabolizantes, nas condições observadas, se faz a partir da experiência subjetiva de cada entrevistado, o que para um é sinônimo de baixa ou nenhuma confiança devido a algumas das condições postas acima, para outros, são substâncias de alta confiança. Portanto, nas falas dos entrevistados não existiu regularidade para os tipos específicos de esteroides anabolizantes como sistemas não fidedignos e competentes, provocando a suspensão da confiança do grupo entrevistado. Tanto suplementos alimentares quanto produtos para uso veterinário também tiveram índices de ausência de confiança. No que envolve os suplementos alimentares, os fatores principais para a falta de confiança é o valor baixo dos produtos, a localidade onde são produzidos e a própria marca. Para a maioria dos entrevistados, os produtos importados são os melhores, pois, normalmente, são aqueles que possuem os valores mais elevados e as marcas com maior credibilidade. Já os produtos que fogem a estas características despertam uma tendência nos entrevistados de não confiarem no funcionamento do conhecimento ao qual são leigos e amplamente ignorantes. 4.1.2 CONFIANÇA E RELAÇÕES DE “AMIZADE” NA UTILIZAÇÃO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES A confiança nos seus diferentes tipos e níveis está na base de muitas das decisões que tomamos servindo como elemento de orientação das ações em nossas vidas cotidianas. Neste sentido, a confiança torna-se fundamental em relação aos sistemas especializados e/ou nas relações pessoais. Em específicas condições, a relação de confiança pressupõe um salto para o compromisso, estando relacionada com a 85 ausência no tempo e no espaço, como também, com a ignorância. Não precisamos confiar em alguém quando suas atividades são totalmente transparentes, ou confiar em algum sistema quando os procedimentos do mesmo forem inteiramente conhecidos e compreendidos (GIDDENS, 1991, 2002). Em particular, dentro do universo da relação de amizade, a noção de confiança tem importância específica para o contexto moderno. A confiança nas relações de amizade se coloca como elemento fundamental para muitas das decisões tomadas cotidianamente, estando ligadas ou não aos sistemas abstratos. Nas sociedades modernas, a natureza da amizade é alterada em relação ao que existia em contextos prémodernos, devido às novas configurações de interação social e à vasta extensão dos sistemas especializados. Nos ambientes tradicionais, a confiança nos amigos além de ter importância central era claramente definida, existindo o amigo no seu posto, o inimigo e, por fim, o estranho. Em circunstâncias da modernidade “o oposto de ‘amigo’ já não é mais ‘inimigo’, nem mesmo estranho; ao invés disto é ‘conhecido’, ‘colega’, ou ‘alguém que não conheço’” (GIDDENS, 1991, p. 121). Se na ordem tradicional a amizade tinha como bases fundamentais os princípios de sinceridade e de honra, no contexto moderno essas bases são substituídas por autenticidade e lealdade69. “Um amigo não é aquele que sempre fala a verdade, mas alguém que protege o bem-estar emocional do outro.” Contudo, a maioria dos entrevistados apontou como influências para a utilização dos EAAs (e outras substâncias) os próprios “amigos” ou “conhecidos” que fazem uso dessas substâncias. Os amigos são, normalmente, os principais responsáveis por tudo que envolve a utilização dos EAAs, seja influenciando o próprio uso, o tipo específico de esteroides anabolizantes, a quantidade a ser administrada no organismo, a construção do ciclo de aplicações e até mesmo a própria aplicação das substâncias. Porém, a maior sensibilidade para a influência dos “amigos” ou “colegas” se dava na fase de “inexperiência” dos entrevistados nas práticas ligadas à utilização dos EAAs. Vários entrevistados alegaram que os “colegas” não tinham mais o poder para influenciar nas suas decisões ligadas à utilização das substâncias, quando os mesmos passavam a acreditar que seus saberes e experiências práticas já eram “suficientes” para o 69 Para Giddens (1991, p. 121), o companheirismo e a lealdade puramente pessoal existiram praticamente em todas as culturas, porém, nas sociedades tradicionais a amizade era direcionada a serviços e esforços arriscados ao qual a relação de parentesco ou comunal eram insuficientes para fornecer os recursos necessários em diversas atividades. 86 direcionamento da ação, em face ao uso dos esteroides anabolizantes e outras substâncias. Já no que se refere aos amigos, a influência era relativamente reduzida pelos mesmos motivos, porém, as trocas de informações direcionadas ao uso permanecem constantes. De qualquer forma, mesmo não possuindo nenhum conhecimento especializado, os amigos detinham “total” confiança dos entrevistados, no que se refere à própria utilização dos esteroides anabolizantes e outras substâncias. Nestas condições, existe uma confiança pessoal, principalmente no que se refere à relação com os ditos “amigos”, devido a familiaridade e fidedignidade estabelecida entre os mesmos. Contudo, em alguns momentos nas falas dos pesquisados, não ficou muito claro o estabelecimento das fronteiras de amizades dos mesmos, dando a impressão da irregularidade da sua delimitação. Tendo em vista os depoimentos, existe uma relação de mutualidade entre os entrevistados e seus “amigos” usuários, que teve no próprio uso dos esteroides anabolizantes um forte elo na relação, criando as condições necessárias para o desenvolvimento e um maior fortalecimento da amizade. Em alguns casos, os EAAs também foram responsáveis pela construção de laços de amizade em relação a pessoas que para os entrevistados eram “colegas” ou apenas “conhecidos”. Alguns entrevistados afirmaram que muitas das pessoas que passavam dicas, conselhos e informações ligadas ao uso dos EAAs e outras substâncias tornaram-se seus grandes amigos posteriormente, mesmo que, em princípio, existisse ceticismo e cautela. O uso em comum dos EAAs serviu muitas vezes de elemento para maior aceitação do entrevistado dentro do seu grupo de amizade, devido a proximidade dos interesses e práticas ligadas à utilização dos anabolizantes sintéticos. “Eu escolhi (EAA e substância para uso animal) por influência dos amigos da academia, e o próprio instrutor da academia que é meu amigo, ele toma anabolizantes...” (Entrevistado, 20 anos) “Meus amigos me dão dicas de tudo, de anabolizantes, suplementos, alimentação e exercícios.” (Entrevistado, 23 anos) “Meu amigo que me dá umas dicas de quais são os melhores para tomar (EAA e suplementação alimentar)...” (Entrevistado, 26 anos) “Quem me influenciou, na verdade... foi muitos amigos que já malhavam e frequentavam academia comigo... aí quando eles falaram para eu tomar pra crescer mais rápido eu tomei também...” (Entrevistado, 27 anos) 87 “...Você confia nos seus amigos que tomam (EAA) e são grandes, entendeu? Porque eles tomam e sabem o que acontece (...) aí eles me falam o que devo tomar, os tipos de anabolizantes, as dosagens e os ciclos também, essas coisas...” (Entrevistado, 30 anos) Podemos dizer que os “amigos”, “colegas” e pessoas que utilizavam esteroides anabolizantes e outras substâncias foram, para os entrevistados, o elo entre a confiança pessoal e a confiança no EAA (e outras substâncias), pois mesmo tendo crença ou não no funcionamento correto do sistema especializado (EAAs e outras substâncias), na busca de cumprirem os resultados esperados, foi de fundamental importância para a prática da utilização no primeiro momento, a relação com estes indivíduos usuários, no que diz respeito a seu conhecimento, sua integridade, sua experiência prática, seu exemplo de vida e estrutura corporal. Ficou bastante claro que o próprio uso dos esteroides anabolizantes (e outras substâncias) não envolve apenas a confiança no produto, mas encontra-se ligado, de alguma forma, à confiança pessoal. Porém, a confiança em pessoas é relevante em determinado grau para a fé nas substâncias indicadas, contudo, em última instância, sempre se leva em conta a confiança no funcionamento adequado do sistema para o direcionamento da ação. Já quando as informações eram passadas para os entrevistados por pessoas fora do seu ciclo de amizade, elas eram recebidas com certo ceticismo no primeiro instante e passadas por algum processo de revisão (através de opiniões dos amigos e pesquisas na internet), de acordo com o nível de ceticismo frente aos informantes. 4.2 MEDO E O USO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES Mesmo sendo um sentimento comum em todos os seres vivos, algo bastante natural e familiar em todas as sociedades conhecidas, o tema “medo” foi por muito tempo ocultado e esquecido pelas diversas áreas do conhecimento (DELUMEAU, 1989). Contudo, nos últimos anos, a devida atenção para com este sentimento se fez presente. Hoje, o tema medo está na ordem do dia, sendo objeto de estudo nas diversas áreas do conhecimento como a psicologia, história, filosofia, ciência política e sociologia. E não é só isso, ele é facilmente explorado e amplamente encontrado nos diversos livros de auto-ajuda, na literatura, nos meios de comunicação, nos filmes, nas 88 novelas etc. Portanto, na própria vida cotidiana do indivíduo contemporâneo. Esta realidade se fundamenta devido a uma maior sensibilidade ao medo como reflexo do mundo atual sobre atmosfera de inseguranças, ansiedades e incertezas. O estudo sobre o medo vem ganhando cada vez mais espaço dentro das Ciências Sociais, em um mundo cada vez mais cercado por esse sentimento que marca a vida cotidiana das pessoas e molda seus comportamentos e habitus. Na sociologia, por exemplo, o medo não corresponde apenas a um elemento psíquico ou orgânico, ele é na verdade, acima de tudo, um fenômeno social. Assim, a sociologia não se interessa pelo medo que se apresenta na sua forma natural, aquele como elemento da reação do próprio organismo, ou até mesmo, ao medo que envolve uma abordagem com pressupostos individuais, subtraindo a relação do medo com a ação humana dentro do meio social. O medo, fisiologicamente falando, é um sentimento universal, estando presente em diversas espécies vivas, sendo compartilhado tanto por seres humanos quanto pelos animais. Este sentimento comum em todas as espécies corresponde ao “medo natural” que tem como característica sua universalidade e imutabilidade. Esta específica forma de medo representa uma grande valia para os animais, tendo sido extremamente importante para os primórdios da espécie humana, servindo de mecanismo de defesa para a manutenção da sua espécie (BAUMAN 2008; DELUMEAU, 1989; 2007; NOVAIS, 2007). Porém, a espécie humana conhece um tipo de medo exclusivo que os diferencia das demais espécies. Nas palavras de Bauman (2008, p. 9), “uma espécie de medo de ‘segundo grau’, um medo, por assim dizer, social e culturalmente70 ‘reciclado’” que orienta o comportamento humano, quer esteja ou não frente a frente com o perigo. Por mais que o medo seja um sentimento natural para os seres humanos, ele não é uma realidade imutável e invariável, pois os medos específicos e os sentidos que lhe são atribuídos modificam-se de sociedade para sociedade, fazendo do medo um sentimento reciclado, passivo de modificações em relação a todas as sociedades e culturas (DELUMEAU, 1989; 2007; NOVAIS, 2007; BAUMAN 2008). Portanto, os medos e seus sentidos não são os mesmos historicamente, onde cada período da história, 70 O medo social e culturalmente construído (segunda ordem), aqueles específicos dos seres humanos são mais complexos e diferenciados em comparação com o medo de ordem primária, comum em todas as espécies. (DELUMEAU, 1989) 89 como cada sociedade e cultura possui uma fábrica de medos próprios, cada uma possuindo formas particulares de produção e usos do medo, fazendo com que as próprias significações do medo sofram variações (DELUMEAU, 1989, 2007). Como assinala Novais (2007, p. 10), “nada há de mais diferente e mais oscilante no tempo e no espaço que as formas de medo” e, assim, os medos de hoje não são iguais aos medos de antigamente. Em todas as sociedades até então conhecidas ou em toda e qualquer forma de sociabilidade o medo encontra-se presente (KOURY, 2002). Antropologicamente, o medo está presente no homem desde seu surgimento, faz parte da sua sociabilidade e da sua natureza, por isso, “não desaparecerá da condição humana ao longo de sua peregrinação terrestre” (DELUMEAU, 2007, p. 41; 2007). Na antiguidade, por exemplo, o medo foi considerado um elemento de poder, capaz de direcionar o destino dos indivíduos e das próprias sociedades. Desse modo, o medo foi representado como algo exterior ao indivíduo, sendo considerado um poder maior que o próprio homem, e não só isso, ele foi visto como um poder capaz de dominar os inimigos e conquistar novos territórios (DELUMEAU, 1989, 2007). Já no período da Idade Média, o indivíduo era tomado por medos reais e imaginários que assombravam toda civilização. O medo da morte, do diabo, dos lobos71, das epidemias72, da escuridão da noite73, da guerra, da fome, entre outros, foram os principais perigos enfrentados pelo homem medieval (BEAUNE, 2006; BOURASSIN, 2006; DELUMEAU, 1989, 2007; VERDON, 2006). Desta forma, nas sociedades tradicionais o medo estava em toda parte e, como demonstrou Jean Delumeau (1989, p. 12), não só os indivíduos tomados isoladamente, mas, também, a coletividade estava em um diálogo permanente com o medo. O clima de insegurança fazia parte das sociedades pré-modernas, fazendo da vida do indivíduo uma repleta escuridão. Por isso que o homem pré-moderno colocava nas mãos do destino o 71 Segundo Colette Beaune (Os lobos: cidade ameaçada, 2006, p. 48), “os lobos, além do temor real que causavam, acabavam também por simbolizar os muitos outros medos que marcavam o final da Idade Média.” Muitas histórias dramáticas sobre ataques dos lobos povoavam e habitavam a imaginação do homem medieval neste período. 72 Para Bourassin (2006, p. 48), o século XIV marcou a Europa como a época do medo e muito graças a “peste negra” (conhecida como “o mal”), que matou quase um terço da população européia. A “peste” ceifou milhões de vidas, sem fazer distinção de credo, gênero, idade e condição financeira. 73 Quando terminava o dia e a noite cobria as cidades e campos, um caldeirão de temores reais ou imaginários ganhava ainda mais importância e efeitos com a escuridão da noite na Idade Média (VERDON, 2006, p. 52). 90 seu amanhã (devido à falta de conhecimento), ampliando assim o sentimento de incerteza. A modernidade seria o grande salto para a humanidade, o ponto de corte entre o homem e o medo, a responsável por emancipar todos os homens deste sentimento que os dominava (DELUMEAU, 1989, 2007). Assim, a modernidade veio com a promessa de eliminar toda espécie de medo do qual o homem era escravo, subtraindo toda matéria prima da qual são produzidos e sob o cajado da razão imaginaria, por fim em todos os temores e incertezas, fazendo do homem soberano do seu próprio destino (BAUMAN, 2008). Contudo, a crença no prestígio da razão moderna não colocou um fim nos medos e, segundo Novais observando Jacques Rencière (2007, p. 11-12), “o medo é o cúmplice da razão”, portanto, “uma paixão irredutível, que jamais pode ser suprimida pela razão”. De certa forma, houve uma frustração nas esperanças da emancipação dos medos, das incertezas e da escuridão em que caminhavam os homens nas sociedades tradicionais. Para Bauman (2008, p. 169), a modernidade cumpriu em parte sua promessa de eliminar os medos, proporcionando uma maior segurança para os homens. Assim, alguns velhos medos da era pré-moderna foram extintos, controlados e superados, colocando um fim nas antigas inseguranças que dominava o período. Não obstante, a modernidade não conseguiu concretizar sua promessa de superar por completo todos os medos do homem e todos seus elementos constitutivos. A segurança prometida pela era moderna não apenas deixou de se materializar em sua plenitude, mas nem sequer chegou perto e pode até ter ficado mais distante. Se nas sociedades pré-modernas os medos dominantes eram os que brotavam da natureza, do sobrenatural e da fragilidade do corpo humano, na modernidade o medo não tem raiz, possuindo uma lógica de desenvolvimento próprio e capaz de intensificarse por si mesmo, não precisando de nenhum estímulo para se difundir e crescer (NOVAIS, 2007; BAUMAN, 2007, 2008). Para Zygmunt Bauman (2007, p. 15), “é como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de se autoperpetuar e se autofortalecer; como se tivessem adquirido um ímpeto próprio”. Em suma, o ambiente moderno foi visto como o lugar da emancipação humana dos medos, mas na verdade, se verificou que os medos modernos e toda sua matéria prima tornaram-se mais complexos e difíceis de diagnosticar. No mundo contemporâneo o medo encontra-se cada vez mais difuso sem endereço nem motivos claros, e isso faz do medo um sentimento mais assustador do que 91 em outros períodos da história74. Vivemos “numa era de temores” (BAUMAN, 2008, p. 9), em um mundo do “medo” e como marca de nosso tempo, paralisa os indivíduos ao mesmo tempo em que direciona suas ações, orientando seus comportamentos e relações sociais dentro deste cenário sombrio. O medo na atualidade é uma realidade sempre presente, um sentimento que acompanha o indivíduo em todas as esferas da sua vida. Assim, o medo encontra-se presente dentro da própria corporeidade humana na contemporaneidade, como um dos fatores estruturantes da ação, servindo não apenas como força paralisante, mas também, capaz de impulsionar ações em prol da transformação da própria condição. Tomamos como exemplo o medo da catástrofe pessoal através da insatisfação com a imagem corporal. Como já observamos, a intensificação da valorização da imagem corporal, como reflexo do culto ao corpo, desenvolve paradoxalmente o crescimento da insatisfação das pessoas com sua imagem corporal. Esta insatisfação com a imagem corporal pode provocar, além de outras coisas, diversos temores principalmente quando o indivíduo credita a imagem corporal como “divisor de águas” para o sucesso ou fracasso. Com isso, a insatisfação da imagem corporal pode provocar: o medo do fracasso e da exclusão pessoal, o medo de ser deixado pra trás e do não reconhecimento social, o medo do estigma frente ao corpo, o medo de sentir-se estranho, dentre muitos outros. Esta realidade é possível porque, como dizem vários teóricos da sociologia do corpo (GOLDENBERG & RAMOS, 2002; LE, BRETON, 2004, 2009, 2011; CASTRO 2007), na contemporaneidade, somos alvos de identificação, qualificação, diferenciação e valorização frente ao corpo. Além do mais, como bem colocou Bauman (2008, p. 29), vivemos em um contexto onde vemos a “inevitabilidade da exclusão” e a luta das pessoas para não serem excluídas, mesmo que nesta batalha sejam comuns, “pessoas tentando excluir outras pessoas para evitar serem excluídas75”. Neste contexto, as mídias eletrônicas, a indústria do corpo e a própria sociedade do consumo tem um papel fundamental na proliferação destes medos (alimentando a indústria do medo), impondo e divulgando os cânones da imagem corporal, construindo assim, novos imaginários e representações ligados a estes modelos corporais. 74 De acordo com Bauman (2008), para se pensar o medo na contemporaneidade temos que levar em conta não só os perigos reais e supostos, mais também, as nossas inseguranças, incertezas e ignorância, elementos estes fundamentais para se pensar o medo no contexto atual. 75 Grifo do autor. 92 Em singular situação repleta de medos difusos, podem causar ações paralisantes onde o indivíduo que se encontra insatisfeito com sua imagem corporal sente-se impotente e pode decidir “abandonar” o próprio convívio social como indicativo de uma identidade fragilizada. Isso é possível porque os medos podem nos estimular a assumir uma ação defensiva (BAUMAN, 2007. p. 15). De outra forma, esta realidade repleta de medos pode estruturar ações na direção da busca pela superação de tal situação, mesmo não existindo certeza na sua concretização. Assim, coloca o corpo e sua transformação (no sentido estético) como objeto de salvação e de emancipação dos medos, um verdadeiro projeto de vida. Atitudes extremas contra os medos também podem existir principalmente dentro da cultura do imediatismo, fazendo da transformação corporal uma verdadeira obsessão. Este é o caso de muitos frequentadores de academias de musculação que decidem fazer uso de esteroides anabolizantes para fins puramente estéticos. Estas drogas masculinizantes podem ser utilizadas por muitos jovens na esperança da eliminação de algumas situações adversas (apesar de serem capazes de proporcionar novas situações adversas) que possam despertar o medo, como é o caso, por exemplo, do não reconhecimento social. Porém, a própria transformação da forma corporal via uso dos EAAs é uma realidade cercada pelo medo. Os sistemas especializados (através dos mecanismos da informação) alertam para o não uso dos esteroides anabolizantes devido ao elevado risco em que se encontram expostas as pessoas que se utilizam dessas substâncias com a finalidade puramente estética. Estes mecanismos sociais utilizam-se do medo como objeto de controle da ação e ainda no processo de disciplinarização e domesticação corporal ou, no sentido de Foucault (1987), na produção do “corpo dócil”76. Assim, são expostos (através das mídias eletrônicas) discursos de diferentes especialistas (médicos de diversas especialidades, profissionais de educação física, nutricionistas etc.), no 76 O corpo, em Foucault, não é apenas biológico, fisiológico, anatômico, mas também histórico-político. Ele demonstra isso ao afirmar que “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições e obrigações” (1987, p. 118). Portanto, os poderes presentes na sociedade direcionam, transformam e alteram as condutas individuais, ou seja, estamos submetidos a um tipo de poder disciplinar modelador, normalizador das condutas. “O poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio corpo” (FOUCALT, 1982, p. 147). Assim, na sua concepção, o corpo é o lugar privilegiado de poder e controle social, estando mergulhado em um campo político, alvo de disciplina tanto na sua utilidade econômica como também para a passividade e submissão. Foucault define um corpo dócil como aquele “que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (p. 118-119). 93 combate ao uso dos esteroides anabolizantes, além da divulgação dos ampliados riscos e da contingência de eventos trágicos referente ao consumo destas substâncias, afetando de maneira direta a própria ação e percepção dos indivíduos frente ao corpo. Possivelmente, esta realidade afeta de maneira única as pessoas que decidem não fazer uso dos EAAs ao despertar o medo na utilização destas substâncias. O medo, neste caso, paralisante, se faz devido à possibilidade de uma ameaça que ponha em risco a saúde do corpo ou a própria vida. Por outro lado, os indivíduos que decidem fazer uso destas substâncias na intenção da transformação da forma corporal (com caráter estético), também estão expostos aos pronunciamentos destes mecanismos sociais e por eles são afetados (direta ou indiretamente), mesmo que a própria utilização represente a rejeição do conhecimento técnico. Desta forma, o medo pode despertar não apenas a paralisia frente ao perigo (real ou imaginário), mas também a transgressão77 dos pronunciamentos dos sistemas de conhecimento, mesmo que o ato de transgredir direcione para um novo cenário cercado por perigos de diferentes faces. O corpo como projeto de vida e os medos difusos ligados à insatisfação da forma corporal podem direcionar para atos de transgressão frente ao conhecimento especializado, ao mesmo tempo em que exemplos de outros transgressores sirvam de modelo a serem seguidos ou renegados. A partir de “vitórias” alheias que se deram em circunstâncias de coragem, ousadia e determinação, e assim enfrentando qualquer outra indicação dos mecanismos de conhecimento, os transgressores “vencedores” servem como formas idealizadas para a ação de outros novos transgressores na constituição da edificação de novas verdades. A prática da musculação pode envolver uma realidade cercada por medos, acompanhando a ubiquidade dos medos típicos da sociedade contemporânea. Dentro desta modalidade de atividade física o medo é um dos elementos importantes para o direcionamento de muitas decisões, pois o partidário da prática da musculação se vê diante de uma multiplicidade de opções às quais tem que se posicionar. Esta realidade é possível porque o corpo neste estágio da sociedade moderna é uma realidade de opções e escolhas. Assim, o praticante da musculação está diante de situações onde tem que tomar decisões78: consumir ou não suplementos alimentares; quais consumir; fazer uso ou não de esteroides anabolizantes; quais usar; utilizar ou não medicamentos de uso 77 Sobre o significado do medo como transgressor, ver Koury (2002). As escolhas dependem, além de outras coisas, da condição material e da própria cultura somática, como bem observou Luc Boltanski (1984). 78 94 veterinário; quais utilizar; consumir ou não qualquer outro tipo de substâncias para prática da musculação; qual consumir. Estes são apenas alguns de muitos outros dilemas típicos desta atividade. Além do mais, o medo pode se fazer presente não apenas durante as escolhas, mas depois da própria tomada da decisão em que, a qualquer momento, pode vazar alguma situação dentro dos sistemas especializados (ou fora deles) que desperte o temor. Então, apesar dos sistemas especializados “garantirem” nossa segurança na vida social, com a promessa de risco “mínimo” e eliminação de nossos medos (reais, imaginários e toda matérias aos quais são produzidos), também são responsáveis por perigos extremamente novos em que somos totalmente ignorantes. Nestas condições ampliam-se nossas incertezas e inseguranças, consequentemente, nossos medos. Os medos ligados a algum revés que possa prejudicar os objetivos traçados ligados à construção da forma corporal, também podem ser observados entre os praticantes da musculação. O medo da impossibilidade da prática da musculação por algum motivo, o medo da perda dos ganhos adquiridos, o medo da não realização dos objetivos traçados, dentre outros. Portanto, os medos ligados à prática da musculação são muitos e difusos, estando em todos os lugares, seja na insatisfação da imagem corporal; no sentimento de vergonha do corpo; no medo da não aceitação social, da exclusão, do estigma frente ao corpo; na escolha de alguma ferramenta para transformação da forma corporal; em algum revés que possa aparecer dentro dos mecanismos do conhecimento; em situações que prejudiquem o projeto corpo, dentre muitos outros medos ao qual o partidário da musculação encontra-se exposto na contemporaneidade. Neste trabalho, a grande maioria dos entrevistados relatou que sentiu medo antes de começar a fazer uso dos esteroides anabolizantes. Porém, a insatisfação com a imagem corpórea (e toda espécie de medo por ele provocado), o desejo de transformação do corpo e a esperança de mudar de vida fizeram do invólucro encarnado um projeto, fazendo do medo subjetivo, um sentimento não suficiente para abortar as metas estabelecidas. Os medos foram colocados de lado devido à necessidade “cega” de transformar a forma corporal, criando uma “neblina” para a percepção dos perigos potenciais. Associado a este contexto, a própria relação dos amigos, colegas e das pessoas em geral com o uso dos esteroides anabolizantes, serviram como exemplos capazes de diminuir (podendo também aumentar) o sentimento de medo que existia, por outro lado, ampliava-se a confiança para a própria utilização. Então, os objetivos e 95 anseios ligados à imagem corporal, aos exemplos “positivos” de amigos, colegas e pessoas também usuários de esteroides anabolizantes, serviram como fiel da balança para “redução” dos medos e elevação da confiança no uso dos EAAs. Apesar do sentimento de insegurança e incerteza em algumas situações, os entrevistados, de certa forma, colocaram nas “mãos” dos EAAs (e outras substâncias) a sua tábua de sua salvação e escolheram correr o risco porque apesar da pluralidade de escolhas eles se colocaram em uma realidade sem nenhuma alternativa. Este contexto corresponde a uma situação muito dramática no que envolve a modificação da forma corporal, por um lado, os entrevistados declararam sentir medo, por outro, a necessidade incondicional de transformar a forma corporal. “Antes de tomar pela primeira vez eu morria de medo, mas eu precisava (...) tinha medo disso... de um produto estranho entrar no meu corpo, não sei o que poderia acontecer... porque meu medo antes era esse, era o medo aquele que... todo ser humano tem... medo do desconhecido, né? a gente tem medo... como a gente não conhece... a gente tem medo do que poderia acontecer, então meu medo no começo era esse de uma coisa desconhecida e eu tinha medo de usar porque uma coisa estranha tá no meu corpo, um remédio dedicado a uma coisa e eu usar pra outra coisa, será que vai funcionar? então eu tinha medo do que poderia acontecer.” (Entrevistado, 20 anos) “Olha, pra ser sincero, já tive muito medo no começo. Porque muita gente falava que se tomar pode morrer do coração, ter câncer no fígado, ficar impotente, essas coisas... aí eu morria de medo. Mas depois quando eu me aproximei da galera que tomava fazia muito tempo... e eles eram normais e não tinham tido nada de ruim, eu vi que tomar anabolizante não é certeza de se dar mal... e fui perdendo o medo... meus amigos conversavam comigo diziam o que era melhor, o que eu tinha que fazer e eu fiz e deu certo... aí o medo foi passando... mais eu já tive muito medo...” (Entrevistado, 23 anos) “Tinha um pouco de medo sim... (mas) eu entrei na academia pra ficar diferente, então se for para ficar a mesma coisa era melhor nem ter entrado. Perder tempo e dinheiro. Eu tinha um objetivo... tinha que ficar diferente, então se eles (amigos e pessoas usuárias) diziam que pra crescer tinha que fazer “assim e assado” eu ia fazer...” (Entrevistado, 25 anos) “Um pouco antes de você aplicar... o cara sempre sente um pouco de medo, né? vai que a aplicação sai errado, vai que, sei lá... acontece alguma coisa de ruim... o cara no começo não sabe de nada, aí tem um pouco de medo... medo do desconhecido, sabe? O cara não sabe o que pode ocorrer... Mas aí, quando o cara toma e vê que tá tudo normal, o medo passa... vê que nos amigos não aconteceu nada e quando você toma também não aconteceu nada... o medo vai embora.” (Entrevistado, 27 anos) 96 Com a “experiência” na utilização dos esteroides anabolizantes, alguns entrevistados afirmaram não sentir nenhum medo, no que se refere ao contato com estas substâncias, já outros não ocultaram que ainda sentem medo em um nível bem inferior em comparação com o mesmo sentimento que ocorreu antes do primeiro contato com as substâncias. Porém, a grande maioria dos entrevistados apontou alguns específicos esteroides anabolizantes onde não faria uso em hipótese alguma, devido algum efeito colateral sofrido por eles ou pessoas próximas no caso seus “amigos” e “conhecidos”. Contraditoriamente, mesmo aqueles que no primeiro momento afirmaram não sentir nenhum medo no uso dos esteroides anabolizantes, apontaram sentirem medo na utilização de alguma substância particular. A redução do nível do sentimento de medo, conforme foi observado a partir da realidade dos entrevistados, se aplica às seguintes condições: 1- A ausência de conhecimento de algum efeito colateral em pessoas próximas mais especificamente amigos e conhecidos. 2- Não ter sofrido nenhum efeito colateral na utilização dos esteroides anabolizantes. 3- O uso “contínuo” proporcionando maior experiência e aprendizado prático. 4- A confiança no uso de certos aditivos, criando uma “zona de conforto” no próprio contato com substâncias específicas. 5- Ações para a redução dos riscos, por exemplo, consumo de medicamentos com a função de proteção hepática e também na crença de intensificar ao máximo as práticas de exercícios na academia de musculação. 6- A consciência dos danos e riscos não serem universais pela alegação que cada organismo tem uma estrutura particular, existindo incertezas do desenvolvimento dos efeitos nocivos a saúde etc. Estas condições ampliam a sensação de “segurança” conforme foi dito pelos entrevistados, para tanto, a relação com o sentimento de medo fica de certa forma tolerável (ou posta em parênteses) em contrapartida com o fortalecimento da confiança nesta prática. Geralmente, o medo sentido pelos entrevistados antes do primeiro contato com os EAAs se fundamenta a partir da preocupação com efeitos nocivos tomados como imediatos, ou seja, as preocupações se voltam para o desenvolvimento de algum efeito colateral logo após o primeiro contato com as substâncias. Por outro lado, os medos 97 sentidos depois da experiência com as substâncias, se direcionam para uma preocupação com algum dano que por ventura poderá acontecer no futuro. O caráter difuso e desconhecido são os elementos de ambas as situações. Uma, tendo em vista o instante imediato, e a outra o futuro “muito” distante. Contudo, o sentimento de medo préconsumo foi de certa forma controlável devido a alguns fatores já colocados. No que se refere ao medo ligado às condições futuras, as sensações de incerteza e insegurança se ampliaram como reflexo da intensificação do caráter difuso e desconhecido da realidade. “Hoje, digamos que eu tenho um pouco sim... só do que o uso pode me fazer no futuro, assim quando eu ficar velho... Só tenho medo do que pode me fazer no futuro, agora acho que não, só lá na frente.” (Entrevistado, de 20 anos) “Tenho! já tive mais medo (do uso dos EAAs)... mas hoje eu ainda tenho um pouco... medo de acontecer alguma coisa ruim comigo no futuro... sei lá... desenvolver alguma coisa... uma doença... essas coisas...” (Entrevistado, 25 anos) “Se eu falar pra você que eu não tenho medo eu estarei mentindo... tenho medo sim... eu admito (...) possa ser que dê um problema no cara no futuro... pode aparecer alguma coisa... sei lá... a pessoa que toma nunca sabe... mas ainda bem que até hoje não aconteceu nada comigo...” (Entrevistado, 26 anos) “No futuro eu tenho... vai que possa ter algum efeito colateral no futuro... algum efeito colateral que possa vir aí... mais na frente, mas... a pessoa nunca sabe exatamente, entendeu? Mas eu conto que não, eu espero que não, né? (rs, rs,rs)” (Entrevistado, 27anos) “Assim... sempre dizem que os anabolizantes podem fazer mal ao cara, né? os efeitos colaterais... estas coisas... talvez eu até me lasque no futuro... mas acho que agora se o cara fizer as coisas certas, acontece nada não... mas eu tenho um pouco de medo do que possa me acontecer no futuro...” (Entrevistado, 30 anos) Como relação ao sentimento de medo no futuro, o imediatismo contemporâneo direciona a preocupação para o instante imediato fazendo do futuro uma realidade demasiadamente longe para se pensar. A cultura do instantâneo serve como processo de “controle” do medo futuro e se atendo a esta estratagema, os entrevistados continuam fazendo uso de tais substâncias em prol das suas preocupações e objetivos imediatos (BAUMAN, 2008). Porém, deixando de lado a face negativa do futuro (no que envolve 98 os possíveis danos colaterais futuros), os entrevistados, ao fazer uso dos esteroides anabolizantes, tentam “consumir” o futuro, ou seja, a utilização dos EAAs seria a força capaz de trazer o futuro direto para o presente, consumindo a satisfação da transformação da forma corporal por antecipação. “... a busca por um corpo bonito, forte é mais importante... porque eu posso ficar forte agora e daqui a trinta anos não posso mais... então o cara pensa.. “tomo anabolizante e fico forte hoje enquanto eu sou jovem que é o melhor momento para curtir a vida, ou não tomo anabolizantes e jamais vou ficar com o corpo legal? Isso faz o cara esquecer um pouco dos riscos que a gente corre... entendeu?” (Entrevistado, 27 anos) As contradições surgiram no discurso de alguns entrevistados ao afirmarem no primeiro momento não sentirem medo e posteriormente alegarem este sentimento: na forma de aplicação, em específicos esteroides anabolizantes, na preocupação com possíveis danos que poderão surgir no futuro, com a legitimidade do produto, dentre outros. Além do mais, os mesmos entrevistados que afirmaram não sentirem medo ao fazerem uso dos EAAs, executaram certos procedimentos para amenizar a possibilidade de algum tipo de dano. “... Aí meu primo me disse que se eu tomar a bomba no braço eu iria perder o braço... aí eu ficava com medo e aplicava na bunda... tá com a porra de aplicar na bunda e perder o braço (rs, rs, rs)... esse negócio de perder o braço é foda... até hoje, por causa que todo mundo fala que tomando estas paradas pra amimais e pra gente, o cara perde o braço... eu só tomo bomba no braço esquerdo ou na bunda... eu não tomo bomba no braço direito... porque é meu principal braço, aí, se caso aconteça alguma coisa com meu braço, será o esquerdo e não o direito... por isso que quando eu aplico ou chega um amigo meu para aplicar eu já falo pra aplicar no braço esquerdo e não no direito... por causa disso, né... porque se acontecer alguma coisa no meu braço será o esquerdo porque é o direito que eu faço tudo...” (Entrevistado, 30 anos) Grande parte dos entrevistados alegou ter sofrido pelo menos dois efeitos colaterais durante sua história de consumo dos EAAs. Em suma, a maioria dos entrevistados apontou pelo menos uma situação traumática como reflexo de particulares efeitos colaterais vividos que ampliaram o sentimento de medo. A intensidade deste sentimento se fundamentou a partir de algumas condições, tais como: a impotência 99 frente ao perigo, ignorância da situação vivida, ampliação das incertezas e inseguranças, dentre outros. Em uma palavra, ao ficarem frente a frente com o perigo não sabiam exatamente como agir diante da situação. Ao estarem diante da ameaça real, muitos dos entrevistados sentiram-se vulneráveis diante desta realidade, despertando momentaneamente o sentimento de arrependimento. Estes acontecimentos não foram suficientes para fazê-los cessar definitivamente o uso dos EAAs, de modo geral, no máximo perder a confiança “definitivamente” em específicos aditivos, fundamentando o sentimento de medo “permanente” em face da substância utilizada. Porém, como já exposto, acontecimentos danosos ligados aos amigos dos entrevistados também são condições para fermentação dos medos e, consequentemente, para a não confiança em determinado produto. De qualquer modo, a intensificação dos medos sentidos pelos entrevistados, a partir de qualquer trauma referente à sua experiência particular ou de outrem (amigo ou conhecido), não foi suficiente para sobrepor a vontade de transformação da forma corporal via utilização dos EAAs. 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir, que a busca pela prática da musculação e, posteriormente, a utilização dos hormônios esteroides anabolizantes se consolidou a partir de questões puramente estéticas, reflexos de um período dominado pela supervalorização da imagem corporal. Desta forma, mesmo que os entrevistados sejam frequentadores de academia de musculação localizada em um bairro popular da cidade de João Pessoa, verificou-se que a intenção pela transformação do invólucro corpóreo se deve, em última instância, a preocupações ligadas à “beleza corporal”, dando forte indício que as ações para uma melhora da imagem corporal não correspondem apenas a uma realidade intrínseca das classes privilegiadas e médias da sociedade. Porém, existem diferenças relacionadas às questões materiais e às regras/normas correspondentes a cada “cultura somática”, tal como definido por Luc Boltanski (1984). Durante a pesquisa, foram realizadas observações em duas academias de musculação, frequentadas por alguns entrevistados. Foi possível verificar que, em ambas, a própria sociabilidade presente no interior dessas instituições, estimula a busca pela perfeição corporal, ligadas principalmente aos cânones amplamente valorizados socialmente, no que envolve suas representações e imaginários dentro desses ambientes. Apesar de algumas diferenças significativas, entre as duas academias, verificou-se que a própria sociabilidade presente nelas estimula (direta ou indiretamente) o consumo de diversas substâncias que incluem suplementos alimentares e esteroides anabolizantes como importantes ferramentas para a realização dos objetivos traçados frente a forma corporal. A insatisfação com a imagem corporal foi, sem sombra de dúvida, a força motriz para a prática da musculação, uso de esteroides anabolizantes e outras substâncias como os suplementos alimentares e produtos para uso veterinário. Dentro da insatisfação da imagem corporal, os entrevistados colocaram o modelo corpóreo “magro” como o grande “vilão”, responsável pela não aceitação social, estigma, não reconhecimento de si, insucesso, desprezo e vergonha, portanto, por toda negatividade provocada no seu convívio social. O modelo corpóreo magro foi visto como um “peso”, o responsável por muitas das mazelas e medos vividos na vida social. Tendo como princípio o discurso dos entrevistados, o modelo de corpo “magro” (masculino) liga-se ao que Goffman 101 (1998) designou de “abominações do corpo”, fazendo desta forma corporal uma aberração, ou melhor, uma deformidade capaz de afetar negativamente as próprias relações sociais. E desta forma, conforme os depoimentos, o modelo corporal de magreza corresponde também a um desvio, em relação ao ideal corpóreo masculino valorizado socialmente. Para os entrevistados, ser magro representa ser feio, desprezado, desvalorizado, corresponde a um defeito que precisa ser corrigido. Particular realidade só é possível porque, na contemporaneidade, somos alvos de identificação, qualificação, diferenciação e valorização frente ao corpo. Além do mais, segundo Le Breton (2009, 2011), na sociedade contemporânea o corpo é visto como descartável e imperfeito, um objeto considerado como matéria-prima, um verdadeiro rascunho que precisa ser melhorado constantemente. Contudo, os entrevistados colocaram o modelo de corpo “musculoso” como o ideal a ser buscado, representando um desejo, uma necessidade e até mesmo um projeto de vida. A obtenção de específico modelo corpóreo denominado por eles de “corpo forte”, “corpo grande”, “corpo sarado” ou “corpo bombado” é a concretização do corpo considerado (pelos entrevistados) “perfeito” ou a representação de beleza masculina. Esta realidade condiz perfeitamente com os padrões corporais masculinos amplamente aceitos e valorizados na sociedade contemporânea. Segundo Castro (2007, p.66), presenciamos na atualidade a tendência da supervalorização da aparência, o que leva os indivíduos a uma busca incansável pela forma e volume corporais ideais. Além do mais, existe uma ética masculinizante que dentro do campo simbólico valoriza o cultivo muscular, fazendo do corpo “musculoso” uma espécie de “masculinidade hegemônica” (SABINO, 2004). Para os entrevistados, a hipertrofia muscular seria a forma de mudança não apenas do seu modelo corpóreo, mas na modificação de toda uma realidade vivida. Nas palavras de Le Breton (2009, p. 2) “mudando seu corpo, pretende-se mudar de vida” e, desta forma, a transformação do modelo corpóreo “magro” para o modelo corpóreo “musculoso” representaria a emancipação de toda “negatividade” que se fazia presente na vida dos entrevistados. Assim, o corpo “musculoso” foi posto como o elemento de status, poder, prazer e felicidade. Além de representar a passagem para a aceitação social e do próprio reconhecimento de si, colocando um fim na vergonha e no estigma corporal. E para que os músculos se transformassem no emblema do self, ou seja, como meio de apresentação mais significativo de si, os entrevistados decidiram fazer uso dos 102 esteroides anabolizantes como instrumento de realização de todos os seus sonhos, felicidades e anseios. Os entrevistados viram nos esteroides anabolizantes a única fórmula capaz de concretizar a transformação do invólucro corporal e da própria vida. E assim, compartilham da crença de que a simples prática da musculação sem a utilização dos esteroides anabolizantes (também dos suplementos alimentares) não seria o suficiente para concretizar os objetivos almejados. Além do mais, conforme os depoimentos foi observada a demasiada importância atribuída ao “agora” para o tempo determinante da ação, fazendo do presente imediato uma força capaz de se sobrepor ao futuro. Todos os entrevistados afirmaram que a escolha dos esteroides anabolizantes se deu devido à confiança nessas substâncias, que seriam as únicas capazes de materializar os objetivos traçados em um curto espaço de tempo. Esta realidade está ligada à cultura do “presenteísmo” contemporâneo em que o futuro é descartado em detrimento do viver-se o presente imediato (MAFFESOLI, 1998). Esta cultura do imediatismo, característico da sociedade do consumo, faz do tempo um elemento extremante importante para o indivíduo, afetando todas as esferas da sua vida social, inclusive a própria corporeidade humana. É o que Bauman (2008, 2009) chamou de “viver a créditos”, oferecendo a possibilidade ao indivíduo de saborear as alegrias futuras no presente momento, para só depois pensar em acertar as contas. Os EAAs ligam-se a esta realidade: pra que malhar anos e anos se você pode atingir seu objetivo em questão de meses ou dias? Por que esperar pra ter um corpo “sarado” se você pode desfrutar deste corpo em um curto espaço de tempo? Se o futuro está fora do nosso alcance, os esteroides anabolizantes, em um passe de mágica, trás o futuro para o presente, fazendo com que o indivíduo desfrute dos “prazeres” e “satisfações” do futuro por antecipação. Diante da realidade exposta, os entrevistados estavam diante de dilemas, ansiedades, inseguranças e incertezas. Mesmo que o mundo moderno seja um contexto marcado por uma multiplicidade de opções e escolhas, muitos dos entrevistados se colocaram em condições sem nenhuma alternativa, principalmente no que envolve a mudança de corpo para mudança de vida. A partir destas condições, a relação de confiança e medo tem valor singular. Aos decidirem fazer uso dos esteroides anabolizantes, estavam diante desses dois elementos fundamentais para a formação do discurso e direcionamento da ação. No que se refere à confiança, verificamos que todos os entrevistados confiam nos esteroides anabolizantes no que envolve suas manifestações anabólicas, ou seja, 103 como ferramenta capaz de proporcionar alteração da forma corporal no sentido da sua hipertrofia muscular. A confiança neste caso encontra-se presente, ao depositarem específica forma de crença no funcionamento do conhecimento técnico (que eles acreditam ter), seja para o crescimento da massa muscular, ganho de força, energia, dentre outros. O interessante é que os entrevistados atribuem aos esteroides anabolizantes, propriedades que são condenadas pelos sistemas especializados, no que se refere ao seu uso com intenções puramente estéticas. Assim, os entrevistados, ao decidirem fazer uso dos esteroides anabolizantes, desconsideraram os pronunciamentos dos sistemas especializados em prol do não uso destes aditivos. Grande parte dos entrevistados “desconsiderou” os EAAs como medicamentos para uso exclusivamente terapêutico, e atribuiu a essas drogas, propriedade essencialmente anabólica, como produtos desenvolvidos para hipertrofia muscular, ou seja, para uso humano no âmbito esportivo ou estético. Outros reconheceram os esteroides anabolizantes como medicamentos, porém, também com a finalidade de hipertrofiar o tecido muscular. De qualquer modo, eles atribuem conhecimento técnico ao sistema ao qual o próprio sistema perito não legitima ao mesmo tempo em que condena. Estas atribuições feitas pelos entrevistados aos esteroides anabolizantes condicionam de alguma forma o fortalecimento da confiança nestas drogas da imagem corporal, assim, ampliam-se as sensações de “segurança” e “certezas” ligadas à utilização. Além do mais, esta visão dos hormônios esteroides anabolizantes serve como mecanismo de “controle” dos medos no que se refere ao sentimento capaz de alterar o discurso e paralisar a ação. Levando em conta a confiança na impossibilidade do aparecimento de algum efeito colateral, esta diminui em níveis consideráveis e, junto com ela, a sensação de certeza e segurança, mesmo que de modo geral, não sejam suficientes para o abandono da utilização dos EAAs. Em síntese, a confiança nos resultados é maior do que a confiança no não aparecimento de algum efeito colateral. São observados, também, dois outros fatores que contribuem para o fortalecimento ou não da confiança na utilização dos esteroides anabolizantes: 1- os resultados da contingência do uso, tendo em vista os conhecidos e principalmente os amigos, levando em conta os lados “positivos” ou negativos da experiência dessas pessoas próximas; 2- a própria experiência subjetiva, levando em conta os lados “positivos” ligados à concretização do desenvolvimento da hipertrofia muscular, como 104 também, o aparecimento de algum efeito colateral. Estes outros fatores servem como parâmetro para o direcionamento das escolhas em face do conjunto dos esteroides anabolizantes. Como bem observou Giddens (1991, 41), a confiança leva em consideração a credibilidade em face aos resultados contingentes, porém, conforme os entrevistados, os acontecimentos mais significativos para a tomada das decisões não eram os fatos gerais, e sim os particulares ligados às pessoas de “confiança”, como os próprios amigos também usuários. Contudo, os eventos levados em consideração não são aqueles ligados aos sistemas especializados (divulgados pelos meios de comunicação e outras fontes), mas aqueles presenciados no próprio convívio social. Esta realidade, para os entrevistados, é de fundamental importância para os níveis de confiabilidade na própria utilização e escolha das drogas da imagem corporal de forma geral e específica. Podemos dizer, a partir do grupo aqui pesquisado, que muito do direcionamento da ação e do discurso deles no que se refere ao uso dos esteróides anabolizantes e outras substâncias contesta em certo sentido, com o argumento que no mundo contemporâneo cada vez mais os indivíduos levam em consideração os pronunciamentos dos sistemas especializados e dos peritos para o posicionamento das escolhas (GIDDENS, 1991, 2002). Para os entrevistados, os parâmetros de verdades em face ao mundo do uso dos EAA e outras substâncias não estão ligados diretamente aos sistemas especializados (apesar da relativa influência antes da primeira experiência com as substâncias esteroides anabólicas), mas, aos acontecimentos presenciados e vividos na própria sociabilidade. De qualquer modo, muitos dos pronunciamentos dos sistemas especializados e dos peritos em relação ao uso dos esteroides anabolizantes e outras substâncias foram colocados em parênteses pelos entrevistados, seja devido a vontade incondicional de transformar a forma corporal para assim mudar de vida, ou até mesmo, por qualquer condição que de alguma forma desperte algum tipo de ceticismo frente ao discurso dos sistemas especializados. Assim, para os entrevistados, as verdades extraídas do próprio convívio social se sobrepõem muitas vezes as verdades distantes dos sistemas especializados no que se refere ao uso dos EAA e outras substâncias. Situações de desconfiança que provocaram entrave para usos de específicos esteroides anabolizantes e, consequentemente, sensações de medo e insegurança também foram observadas, conforme as seguintes condições: 1- por presenciar ou saber de algum dano causado pela utilização de específico(s) esteroides anabolizantes por qualquer amigo ou pessoas próximas; 2- por sofrer algum efeito colateral ao fazer uso 105 de determinados compostos sintéticos; 3- por colocar em dúvida a procedência dos produtos, suas funções e indicações; 4- em não confiar no funcionamento do conhecimento técnico ao qual é amplamente ignorante, fermentando a incerteza dos resultados esperados, ou seja, na “incapacidade” de proporcionar o desenvolvimento esperado da hipertrofia muscular. Por fim, no que envolve a confiança no universo do uso dos esteroides anabolizantes, a relação de amizade tem importância particular. A confiança nas relações de amizade se coloca como elemento fundamental para muitas das decisões tomadas cotidianamente. A maioria dos entrevistados apontou como influências para a utilização dos EAAs (e outras substâncias) os próprios “amigos” ou “conhecidos” que fazem uso dessas substâncias. Os amigos são, normalmente, os principais responsáveis por tudo que envolve a utilização dos EAAs, seja, influenciando o próprio uso, o tipo específico de esteroides anabolizantes, a quantidade a ser administrada no organismo, a construção do ciclo de aplicações e até mesmo a própria aplicação das substâncias. Porém, a maior sensibilidade para a influência dos “amigos” ou “colegas” se dá na fase de “inexperiência” dos entrevistados nas práticas ligadas à utilização dos EAAs. Em suma mesmo não possuindo nenhum conhecimento especializado, os amigos detinham “total” confiança dos entrevistados, no que diz respeito à própria utilização dos esteroides anabolizantes e outras substâncias. Além do mais, foi possível perceber que existe uma relação de mutualidade entre os entrevistados e seus “amigos”, também usuários, que teve no próprio uso dos esteroides anabolizantes um forte elo na relação, criando as condições necessárias para o desenvolvimento e fortalecimento da amizade. Assim, nestas condições, o uso dos esteroides anabolizantes não é apenas consequência da relação de amizade, mas um elemento capaz de fortalecer a relação, como também capaz de potencializar novas amizades. Em alguns casos, os EAAs também foram responsáveis pela construção de laços de amizade em relação a pessoas que para os entrevistados eram “colegas” ou apenas “conhecidos”. Alguns entrevistados afirmaram que muitas das pessoas que passavam dicas, conselhos e informações ligadas ao uso dos EAAs e outras substâncias, tornaram-se seus grandes amigos, mesmo que no princípio existisse ceticismo e cautela. E ainda, o uso em comum dos EAAs serviu muitas vezes como elemento para maior aceitação dos entrevistados dentro do seu grupo de amizade, devido à proximidade dos interesses e práticas ligados à utilização dos anabolizantes sintéticos. 106 Podemos dizer que os “amigos”, “colegas” e pessoas que utilizavam esteroides anabolizantes e outras substâncias foram, para os entrevistados, o elo entre a confiança pessoal e a confiança nos EAAs (e outras substâncias), pois mesmo tendo crença ou não no funcionamento correto do sistema especializado (para o qual eles acreditam ter), ou seja, na busca de cumprirem os resultados esperados, foi de fundamental importância para a prática da utilização (no primeiro momento), a relação com estes indivíduos usuários, no que diz respeito ao seu conhecimento, sua integridade, sua experiência prática, seu exemplo de vida e estrutura corporal. Estes elementos são tomados pelos entrevistados como parâmetro de “verdades” em substituição das “verdades” postas pelos sistemas especializados, que são desconsiderados e colocados como “verdades” distantes. Contudo, estes pronunciamentos dos sistemas especializados e o próprio discurso comum, como produto destes pronunciamentos, são extremamente relevantes na produção e controle dos medos, no que envolve o uso dos esteroides anabolizantes. Os sistemas especializados (através dos mecanismos da informação) alertam para o não uso dos esteroides anabolizantes devido ao elevado risco na utilização destes medicamentos com a finalidade puramente estética. Esta realidade afeta de maneira única as pessoas que decidiram não fazer uso dos EAAs ao despertarem o medo na utilização destas substâncias. Por outro lado, os indivíduos que decidem fazer uso destes aditivos na intenção da transformação da forma corporal (no seu caráter estético) também estão expostos aos pronunciamentos destes mecanismos sociais, e por eles são afetados, (direta ou indiretamente) mesmo que a própria utilização represente a rejeição do próprio pronunciamento do conhecimento técnico. Assim, esta rejeição pode impulsionar a partir de determinadas circunstâncias atos de transgressão em relação as indicações dos sistemas especializados. O corpo como projeto de vida e os medos difusos ligados à insatisfação da forma corporal podem direcionar os indivíduos para atos de transgressão frente ao conhecimento especializado, ao mesmo tempo em que exemplos de outros transgressores sirvam de modelo a serem seguidos ou renegados. Com isso, a partir de “vitórias” alheias, que se deu em circunstâncias de coragem, ousadia e determinação, e assim, enfrentando qualquer outra indicação dos mecanismos de conhecimento, os transgressores “vencedores” servem como formas idealizadoras para a ação de outros novos transgressores, fundamentado a construção de novas verdades. 107 Esta foi a realidade dos nossos entrevistados, que sentiram medo antes de começar a fazer uso dos esteroides anabolizantes pela primeira vez. Porém, a insatisfação com a imagem corpórea, o desejo de transformação do corpo, a esperança de mudar de vida e, ainda, a vontade de emancipar os medos ligado a estas condições, fizeram do invólucro encarnado um projeto. Assim, o medo no uso dos esteroides anabolizantes como reflexo dos pronunciamentos dos sistemas especializados (e também do discurso comum) não foi um sentimento suficiente para abandono das metas estabelecidas. Os medos foram colocados de lado, devido à necessidade “cega”, de transformar a forma corporal, criando uma “neblina” para a percepção dos perigos potenciais anunciados pelos sistemas especializados. Associado a este contexto, a própria relação dos amigos, colegas e das pessoas em geral, com o uso dos esteroides anabolizantes, serviram como exemplos capazes de diminuir (podendo também aumentar) o sentimento de medo que existia e, por outro lado, ampliava-se a confiança para a própria utilização. Então, os objetivos e anseios ligados à imagem corporal, aos exemplos “positivos” de amigos, colegas e pessoas também usuários de esteroides anabolizantes serviram como fiel da balança para “redução” dos medos e elevação da confiança no uso destas substâncias. Com a experiência prática, alguns entrevistados afirmaram não sentir mais medo na utilização dos esteroides anabolizantes, porém, outros afirmaram ainda sentir medo em níveis bem inferiores, em relação à fase anterior da primeira experiência. De modo geral, a maioria dos entrevistados apontou algum específico EAA ao qual não faria uso por hipótese alguma. Esta realidade se deve à experiência com algum efeito colateral sofrido, seja por eles ou pessoas próximas, no caso, seus “amigos” e “conhecidos”. Estes eventos fundamentaram o sentimento de medo ampliado, paralisando a ação do uso em específicos esteroides anabolizantes, porém, não suficiente para vedar a ação frente a estes medicamentos em geral. Conforme a realidade estudada, foi possível perceber que os níveis do medo se reduzem a partir das seguintes condições: 1- na ausência de conhecimento de algum efeito colateral em pessoas próximas, mais especificamente, amigos e conhecidos; 2não ter sofrido nenhum efeito colateral na utilização dos esteroides anabolizantes; 3- no uso “contínuo” proporcionando maior experiência e aprendizado prático; 4- na confiança no uso de certos aditivos, criando uma “zona de conforto” no próprio contato com substâncias específicas; 5- em ações para a redução dos riscos, por exemplo, consumo de medicamentos com a função de proteção hepática e também na crença de 108 intensificar ao máximo as práticas de exercícios na academia de musculação, dentre outros. Estas condições ampliam a sensação de “segurança”, conforme foi dito pelos entrevistados, para tanto, a relação com o sentimento de medo fica de certa forma tolerável ou posta em parênteses, em contrapartida com o fortalecimento da confiança nesta prática. Um detalhe interessante em face da natureza do medo, no que se refere à antecedência do primeiro contato com os EAAs, é que as preocupações ligadas ao uso normalmente giram em torno dos efeitos nocivos tomados como imediatos. A maioria dos entrevistados antes da primeira experiência com as substâncias esteroides anabólicas afirmaram que sentiram medo devido o risco do aparecimento de algum efeito colateral logo após o primeiro contato. Realidade diferente dos medos sentidos depois da experiência com as substâncias, que se direcionam para uma preocupação com algum dano que, por ventura, poderá acontecer no futuro. Portanto, a partir do momento que os entrevistados tiveram o primeiro contato com as drogas da imagem corporal, novos medos mostraram sua face, como consequência de um cenário bem mais imprevisível e difuso. O caráter difuso e desconhecido são os elementos de ambas as situações: uma, tendo em vista o instante imediato e a outra o futuro “muito” distante. De qualquer modo, o sentimento de medo pré-consumo foi de certa forma controlado devido a relevância do projeto corpo e todas as suas consequências. Já em relação ao medo ligado às condições futuras, as sensações de incerteza e insegurança se ampliaram como reflexo da intensificação do caráter difuso e desconhecido de tal realidade. O imediatismo contemporâneo que direciona os indivíduos às preocupações com o “agora” faz do futuro uma realidade muito distante para se preocupar. A cultura do instantâneo serve como processo de “controle” do medo futuro e, se atendo a este estratagema, os entrevistados continuam fazendo uso de tais substâncias em prol das suas preocupações e objetivos imediatos. Foi possível observar na pesquisa que, além dos medos ligados aos pronunciamentos dos sistemas especializados e aqueles do discurso comum, existem outros tipos de medos no que envolve o universo do uso dos esteroides anabolizantes. São eles os medos existenciais relacionados à insatisfação da imagem corporal, tão comuns na contemporaneidade. O medo do não reconhecimento social, da rejeição, do fracasso, de ser passado pra trás, da infelicidade, dentre muitos outros temores típicos dos dias atuais. Estes medos existenciais ligados à insatisfação da imagem corporal, de certa forma ajudaram a impulsionar os entrevistados para a própria prática da 109 musculação e, posteriormente, utilização dos esteroides anabolizantes. Assim, os entrevistados, ao decidirem fazer uso dos EAAs como forma de solucionar os medos existenciais relacionados à insatisfação da imagem corporal, embarcam em um outro universo, cercados por medos de todos os lados. Esta realidade mostra as diversas faces do medo no que envolve o universo da utilização dos esteróides anabolizantes ligado por razões puramente estéticas. Podemos concluir que os entrevistados encontram-se diante de uma situação muito dramática, considerando os elementos que envolvem as suas ações: 1- a vontade que muitas vezes se torna uma “necessidade” de transformar sua forma corporal através da hipertrofia muscular. 2- a “crença” que a mudança da forma corporal acarretaria a emancipação de muitos dos problemas vividos no cotidiano, além, da eliminação dos medos existenciais provocados por estes problemas; 3- a confiança nos esteroides anabolizantes como a única ferramenta capaz de realizar os objetivos traçados frente ao projeto corpo, em um período de tempo consideravelmente curto; 4- o medo no uso dos esteroides anabolizantes produzido pelos sistemas peritos; dentre outros. 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, L.R; ANDREOLO, J; SILVA, M. S. Utilização de suplemento alimentar e anabolizantes por praticantes de musculação nas academias de Goiana- GO, Revista Brasileira Ciência. P. 13-18 Novembro de 2002. ASSUNÇAO, Sheila S. 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