“OWENDUVE”: O PESADELO DO CONTRAMESTRE – Avô, avô, conta-me a história do teu naufrágio, por favor… – Está bem, senta-te aqui ao colo do avô. Foi no dia 13 de Janeiro de 1972, eu era o contramestre do cargueiro “Owenduve” e, eu e a restante tripulação, saímos do porto espanhol de Marim, em Vila Garcia de Arosa, na Galiza, e seguimos para Marrocos. O cargueiro já apresentava vestígios de instabilidade, mas nós prosseguimos viagem. Eramos nove tripulantes: o capitão Fredrick Wolfgang Reinhold, os três maquinistas, eu, o cozinheiro e três marinheiros. Por volta da meia-noite, deixamos de conseguir contactar com a Rádio Naval da Boa Nova, e foi enviada a vedeta da armada Dourada à nossa procura e dois outros barcos, mas sem sucesso… Bateram a zona de Norte a Sul, de leste a Oeste e nada… A rádio Naval da Boa Nova anunciava “parece que o “Owenduve” metera água pela escotilha e adornara. O certo é que não foi possível localizá-lo”. Mas tudo aconteceu assim… Em alto mar começamos a notar uma inclinação para estibordo… - Avô, o que é estibordo? - É o lado direito, e é sempre sinalizado com uma luz verde. E estibordo é o lado esquerdo, e é a luz vermelha – fez uma festa no cabelo do neto e continuou. – Onde é que eu ia? Ah sim! Havia uma inclinação, e à medida que íamos navegando a inclinação aumentava, começamos a perceber que o navio corria perigo e entramos em contacto com a Rádio Naval da Boa Nova e pedimos autorização para entrar em Leixões para descobrirmos o que se estava a passar com o barco. No entanto a inclinação aumentava e era já de 15 graus quando a Boa Nova nos disse para entrar e que os pilotos nos esperavam à entrada da barra pois não podiam sair com o mau tempo. Fizemo-nos à barra, com o mar muito atravessado, nessa altura a inclinação do barco aumentou mais, e passados 10 minutos o barco foi engolido pelo mar. Foi horrível, estava muito escuro e a tempestade era enorme, o vento parecia que ia arrastar tudo com ele, parecia que era capaz de sugar o mar e depois atirá-lo para o mesmo sítio, as ondas afundavam o barco como se o estivessem a puxar para o fundo com muita força… Não sei como, mas no meio de gritos e daquela confusão toda, agarrei-me à jangada que tinha feito para pintar o barco… Vi o meu barco afundar, vi todos os meus companheiros desaparecerem entre vagas e madeira flutuante… Até acho que ouvi as ultimas orações do capitão. Agarrei-me à jangada e deixei-me ficar quieto, andei à roda com o vento e com o mar. Durante dezasseis horas vi a minha vida quase a acabar, mas eu tive fé, agarrei-me à única coisa que me valia naquele momento, a esperança! De onde eu estava podia ver terra, via as luzes todas de Leixões e o farol… Eu devia estar a umas 10 milhas da costa, e isso foi o que me deu forças para continuar, cheguei a pensar que não me salvava, mas continuei. Não perdi o conhecimento e não estava nervoso. Apesar de ter levado muitas pancadas, lá me aguentei… Fui vendo barcos e helicópteros à nossa procura, gritei mas nenhum me viu ou ouviu no meio daquele grande e agitado mar… Vi-os partir a todos, mas a esperança ainda estava comigo. Mais tarde e mais perto de terra, vi duas pessoas na praia, gritei e eles viram-me e acompanharam-me sempre à beira mar… As ondas perto da praia intensificaram-se, fui varrido e atirado ao mar vezes sem conta, engoli água salgada e os meus olhos já ardiam de tanta salitra, mas tive que me aguentar e levantei o braço para eles verem que eu estava bem… Os homens, na praia, gritavam para eu me aguentar porque me iam ajudar… Passado uma hora, cheguei mais perto só que as ondas levavam-me para a frente e para trás e eu não podia fazer nada, mas os homens fizeram-se ao mar com água pelo peito e puseram-me a mão. O avô começa a chorar, relembrar aquilo tudo não era fácil, e o neto perguntalhe: – Estás a chorar porquê avô? – Porque foi muito difícil e o avô sofreu muito, vou contar o resto da história, ouve com atenção… Abraçou o neto e continuou: – Quando o Lazara, que era o espia da praia que me ajudou a vir para terra me pôs a mão ele perguntou-me “Então Patrício o que é que se passa?”. Eu agarrei-o com quanta força tinha e disse-lhe entre lágrimas: “Há sempre gente boa que nos salva”… Ele começou a chorar e disse para o outro espia “Agora, este homem é nosso, não morre”. E um brilho enorme apareceu nos meus olhos, sentia-me feliz… Aquele pesadelo finalmente tinha acabado. Tive muita sorte, os pescadores só iam à Praia da Árvore se houvesse peixe, aquilo era um lugar deserto e nesse dia o espia estava lá para me salvar. Levaram-me para o hospital de Vila do Conde, estive lá até de manhã do outro dia e depois a tua avó foi lá ver-me, ela não queria acreditar que eu estava vivo, e que estava ali sem feridas, só com uma lesão na perna. Fartou-se de chorar agarrada a mim e só falava nos nossos filhos e que teve muito medo de me perder. Pedi ao médico para me deixar ir embora, ele não queria, mas depois acedeu e lá me deu alta. Já em casa, fiquei muito abalado e durante uns meses não fui mais ao mar, mas depois regressei e passado um ano voltei a naufragar no barco “Silva Fernandes” da pesca de arrasto na costa. Voltei a ver a minha vida praticamente perdida de novo, mas sobrevivi. Hoje estou aqui e sou muito feliz, e tento não me lembrar disso, porque já passou. Deus valeu-me e salvou-me. Não abandonou o seu pescador. O neto olhou para o avô com lágrimas nos olhos e abraçou-o com muita força, e disse-lhe: – És o meu herói, gosto muito de ti. Jéssica Alexandra Oliveira Silva, 9.º ano, Escalão C (Prosa) – Menção Honrosa Escola Básica e Secundária Padre António Morais da Fonseca