GUIA TEÓRICO DO
ALFABETIZADOR
Miriam Lemle *
Doutora em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Atualmente é professora titular e coordenadora do
Laboratório CLIPSEN - Computações Lingüísticas:
Psicolingüística e Neurofisiologia - UFRJ
Mônica Theodoro
Fernanda Gonçalves
Júnia Campolina
Vanesca Rosa
Maria de Jesus
Patrícia Otoni
Maria Cecília
Sabrina Baeta
Cap. 3. A alfabetização:
• Característica essencial de todo sistema alfabético de escrita:
os segmentos gráficos representam segmentos de som.
“O aprendiz capta a idéia de que cada letra é símbolo de um som e
cada som é simbolizado por uma letra” p.16
“Pobre Alfabetizando!
As coisas que acontecem entre
sons e letras são um pouco mais
complicadas”... p.16
2
As complicadas relações entre sons e letras:
• Correspondência Biunívoca:
“um elemento de um conjunto corresponde a apenas um elemento de
outro conjunto”p.17
A correspondência é de um para um:
No dialeto carioca
3
•
O QUE É UM FONEMA?
Em lingüística fonema é uma unidade de som caracterizada por um
dado feixe de traços distintos ( características de som)
Representação da unidade: (/ /)
•
AS RELAÇÕES ENTRE SONS E LETRAS:
1. POLIGAMIA: Sons casados com letras diferentes.
• Som da vogal [i]
- Posição de sílaba tônica – escrita pela letra i
Ex: vida, saci, rio
-
Sílaba átona final de palavra – corresponde letra e
Ex: vale, corre,morte
4
2. POLIANDRIA: Letras casadas com sons diferentes.
• Letra l
- Pronunciada com som de consoante lateral – diante de uma vogal
Ex: lata, bola
- Em posição final de palavra- diante de uma consoante, corresponde
ao som vogal [u] (dialeto carioca)
Ex: sal, anzol, jornal
-
Ditongação de todas as vogais tônicas localizadas na última sílaba
de uma palavra, se uma consoante vem depois:
Ex: (dialeto carioca)
rapaz – [rapais]
luz – [luis]
(dialeto paulista)
mesmo – [meizmo]
rosto – [roisto]
5
• AS
MAIS
MÚLTIPLAS:
IMPORTANTES
CORRESPONDÊNCIAS
QUADRO 2 : Entre letras e sons.
6
QUADRO 3 : Correspondência múltipla entre sons e letras.
7
Obs. “Esses quadros não esgotam a informação sobre relações
som-letra e letra som previsíveis pela posição nem são
verdadeiros para todos os falantes do Brasil”.p.22
3. CONCORRÊNCIA: é a mais difícil.
- Por que duas letras estão aptas a representar o mesmo som,
no mesmo lugar. (não em lugares diferentes como já vimos)
Ex: . Letra s – representa o mesmo som de [z] entre duas vogais
mesa
reza
azar
casar
. Letras c – ç e ss – usados entre vogais para representar o
mesmo som [s]
posseiro
roceiro
passo
laço
caçado
cassado
8
QUADRO 4: visão
dos principais casos
da situação de
concorrência.
9
• A primeira etapa da alfabetização: a teoria
do casamento monogâmico entre sons e letras.
• De acordo com a autora o aluno em sua 1ª etapa de alfabetização
compreende a escrita de uma forma ideal e perfeita, considerando que cada
letra tem seu som e que cada som tem sua letra. Nesse momento constrói-se
a hipótese de monogamia sobre a escrita.
• CONSIDERA-SE QUE ESSA 1ª ETAPA DEVE CONSTITUIR-SE
DE 2 MOMENTOS:
1º momento - trabalhar com as letras que representam sempre a mesma
unidade fonêmica: as consoantes p, b, t, d, f, v e a vogal a.
2º momento – trabalhar com letras menos virtuosas, que dependendo de
sua posição podem representar diferentes sons. Entretanto o trabalho com
essas letras deve ser feito em contextos mais gerais. A letra l, por exemplo,
deve entrar no contexto de início de sílaba, com seu som de consoante
lateral, mas não no contexto de fim de sílaba, em que soa como [u].
10
É preciso considerar que não dá para resguardar o aluno por muito
tempo das complicações da escrita. As palavras vão chegar de todos os
cantos e se as letras “indesejadas” aparecerem precipitadamente, será
preciso adiantar também a explicação de que essas letras podem ter sons
diferenciados dependendo de sua posição.
Segunda etapa da alfabetização: a teoria da
poligamia com restrições de posição.
•Rejeição da hipótese de monogamia na escrita.
•Construção da hipótese de poligamia condicionada pela posição.
•Compreensão de que os sons de algumas letras podem variar de acordo
com a sua posição na palavra.
•A exposição das letras que possuem essa variação deve ser feita de forma
sistemática. A autora propõe atividades de pesquisas em jornais, revistas
e embalagens com a finalidade de encontrar os diferentes casos de
posição e som das letras.
11
•Quando o alfabetizando não consegue passar para essa etapa
ele acaba cometendo várias falhas típicas de leitura e escrita:
Pronúncia artificial das palavras, com a escansão de letra. Assim todo
o é lido com o som de [o], mesmo os que estão no fim das palavras.
Transcrição de todos os sons pelas letras correspondentes em seu
valor fonético típico. Assim a palavra pato é escrita como patu.
12
• A terceira etapa: as partes arbitrárias do sistema.
*Esta terceira etapa dura toda vida. Ninguém escapa de um momento
de insegurança sobre ortografia correta de uma palavra rara.
Quando mais de uma letra pode, na mesma posição, representar o
mesmo som, a opção pela letra correta em uma palavra é, em termos
puramente fonológicos, inteiramente arbitraria.
Exemplo: Rosa, que se escreve com s, poderia igualmente ser aceita
com z.
*As partes arbitrária do sistema estão relacionadas neste caso ao tipo
de situação de idiossincrasia, em que duas ou mais letras rivalizam
na simbolização de um mesmo som na mesma posição.
13
* Diante das indagações dos alunos sobre o porque desta
arbitrariedade o alfabetizador deverá responder que há casos, na nossa
língua, em que duas letras deferentes fazem o mesmo trabalho de
representar o mesmo som. Seria conveniente da um pouquinho de
informação histórica para tentar consolá-lo. O alfabetizador pode
conduzir o alfabetizando, organizadamente, a saber exatamente quais
são os contextos em que duas ou mais letras concorrem na
representação do mesmo som. É possível fazer isso pelo método da
pesquisa. Outro procedimento que se pode adotar para ajudar a
fixação desse tipo de conhecimento é depreender palavras de letras de
musicas ou de poesias conhecidas, procurando saber com que letras
essa palavra é representada na escrita. Recomendasse que o professor
não deve dar muita importância a erros de escrita dessa espécie. A
preocupação com a ortografia não deve crescer a ponto de inibir a
expressão
escrita
da
criança.
14
• Variação dialetal e arbitrariedades nas relações entre
sons e letras
É uma falha profissional, um professor compartilhar
preconceitos e dar mostras em assumir maneiras de
valorizar e desvalorizar as características da fala das
pessoas.
Mereço um
“bejo”?
Não é “bejo” é
“beijo”!
15
• A quarta etapa: um pouco de morfologia.
* Nesta etapa é possível fazer o alfabetizando avançar mais um passo:
perceber sa regularidade ligadas á morfologia das palavras.
*Podemos economizar muito a nossa memória se prestarmos atenção aos
sufixos que entram na formação das palavras.
*Por exemplo, se soubermos que o sufixo - eza, que forma substantivos a
partir de adjetivos, é escrito com z e não com s permite acertar
automaticamente a escrita da palavra, ao se reconhecer os sufixos. Observe
como o sufixo eza é comum na língua:
Belo - beleza
Mole - moleza
Certo - certeza
pobre - pobreza
* Vale a pena dedicar bastante tempo ao estudo dos sufixos, pois deste modo
o alfabetizando poderá reconhecê-los nas palavras novas com que for se
defrontando, e acertará na escrita.
16
•Há, também, prefixos cuja identificação ajuda a fixar a grafia
correta.
Por exemplo:
Com o prefixo desDesfazer, desmanchar e deslocar
Com prefixo disDistorcer, distensão e discutir
Como prefixo exExpulsar, e excomungar
* No quadro 5, temos um resumo dos sufixos e dos prefixos mais
importantes para a ortografia, pois são aqueles cujos sons poderiam, sem
erro de posicionamento das letras, ser escritos com outras letras.
17
Quadro 5 – Identificação de afixos
visando à fixação de generalizações
18
*Para conduzir o alfabetizando no caminho do conhecimento dessas
unidades menores da língua, não é preciso condená-lo ao tédio de decorar
listas de sufixos e prefixos. Mais uma vez pode-se simular a pesquisa,
incentivando a aluno a procurar afixos em textos de leitura, em textos
produzidos por eles mesmos, em letras de músicas entre outras sugestões.
* É importante que o professor tenha alguma informação sistemática
sobre a estrutura morfológica das palavras em português e, também,
algum conhecimento sobre a história da língua.
19
•A avaliação das falhas de escrita
- “Podemos utilizar a avaliação dos erros para
diagnosticar em qual etapa do processo de aquisição
o aluno se encontra” p.39-40
20
a) Falhas de primeira ordem:
- leitura lenta, soletração de cada sílaba.
- escrita com repetições e/ou omissões de letras, trocas na ordem e/ou
no formato das letras.
- falhas decorrentes da incapacidade de classificar algum traço
distintivo do som.
- Exemplos:
meeu (meu), trs (três), ppai (pai), pita (fita)
21
b) Falhas de segunda ordem:
- leitura: pronuncia cada letra escandindo-a no seu valor central
- a escrita é como uma transcrição fonética da fala
- Exemplos:
matu (mato), bodi (bode), tenpo (tempo), falão (falam)
22
c) Falhas de terceira ordem:
- leitura: é capaz de pronunciar as palavras de maneira natural
- escrita: falhas limitadas às trocas entre letras concorrentes
- Exemplos:
trese (treze), xinelo (chinelo), puresa (pureza), sal (sal), craro (claro)
* “Será alfabetizado aquele em cuja escrita só restarem falhas de terceira
ordem, que serão superadas gradativamente, com a prática da leitura e da
escrita”. p.41
23
“O professor só deve cobrar do aluno tarefas
compatíveis com a etapa de saber atingida!” p.42
24
Dificuldades de aprendizagem...
A área da educação nem sempre é cercada somente por sucessos e
aprovações. Muitas vezes, no decorrer do ensino, nos deparamos com
problemas que deixam os alunos paralisados diante do processo de
aprendizagem, assim são rotulados pela própria família, professores e
colegas.
É importante que todos os envolvidos no processo educativo estejam
atentos a essas dificuldades, observando se são momentâneas ou se
persistem há algum tempo.
As dificuldades podem advir de fatores orgânicos ou mesmo emocionais e é
importante que sejam descobertas a fim de auxiliar o desenvolvimento do
processo educativo, percebendo se estão associadas à preguiça, cansaço,
sono, tristeza, agitação, desordem, dentre outros, considerados fatores que
também desmotivam o aprendizado.
25
-DISLEXIA: é a dificuldade que aparece na leitura, impedindo o aluno de
ser fluente.
-DISGRAFIA: normalmente vem associada à dislexia, porque se o aluno faz
trocas e inversões de letras conseqüentemente encontra dificuldade na escrita.
-DISCALCULIA: é a dificuldade para cálculos e números.
-DISLALIA: é a dificuldade na emissão da fala, apresenta pronúncia
inadequada das palavras.
-DISORTOGRAFIA: é a dificuldade na linguagem escrita e também pode
aparecer como conseqüência da dislexia.
-TDAH: O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um
problema de ordem neurológica, que trás consigo sinais evidentes de
inquietude, desatenção, falta de concentração e impulsividade.
Por Jussara de Barros
(texto adaptado) – retirado da internet em 20/05/2009 às 17:00h.
www.brasilescola.com/educacao/dificuldades-aprendizagem.htm
26
• A metodologia – considerações críticas.
• MÉTODO SINTÉTICO: LETRAS-SONS-COMPOSIÇÃO DE
SÍLABAS E PALAVRAS
• MÉTODO ANALÍTICO: PALAVRAS OU FRASES-LETRASSONS
• DECODIFICAÇÃO
SENTIDO
PELA
ORDEM:
LETRAS-SONS-
27
Cap. 4. A variação na língua falada e a unidade
da língua escrita:
 As línguas mudam.
A língua portuguesa e a 6ª no mundo em
número de falantes
•A língua falada por uma pessoa torna –se
parte de sua identidade
•Latim clássico
•Latim vulgar
28
Appendix Probi
Recomendações:
ansa non asa (asa )
Vinea non vinia (vinho)
Rivus non rius (rio )
Nossa língua é continuação do latim vulgar.
III sec. d.C., Appendix Probi, Napoli Itália, Biblioteca Nacional.
29
 O mecanismo de mudança na forma das
palavras.
•As mudanças acontecem com o
passar das gerações.
•Exemplos :
Aestivum >estio
Fugitivum >fugidio
bovem > boe > boi
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Appendix Probi brasiliensis
Mudança lingüística
Representação lexical
na mente dos falantes
Representação
lexical na
convenção
ortográfica
l > r / depois de
consoante
crube
afrição
prano
clube
aflição
plano
l > i / entre duas vogais muié
trabaidô
melhor
mulher
Trabalhador
melhor
31
 Os efeitos das mudanças na estrutura da língua.
As mudanças que ocorrem nas palavras podem ser divididos em
dois momentos:
1°) Determinado grupo social articula com maior ou menor força alguns
sons em algumas palavras. Essa variação na maneira de articular as
palavras não é uma mudança na estrutura da língua e sim na qualidade
de sua pronúncia.
2°) Somente quando uma nova geração necessita aprender a língua de
sua gente e absorve mentalmente a maneira como a palavra é
pronunciada é que ocorre a mudança em sua forma. O léxico mental
dessa geração é diferente da anterior, pois o mesmo é construído a partir
dos dados fonéticos que lhe forem apresentados. Entretanto, ocorre um
conflito entre a forma de escrever e pronunciar algumas palavras que
corresponderia a feita mentalmente pela nova geração e a ortografia
oficial da língua.
32
Exemplo:
Supressão do fonema /d/ em algumas palavras:
d > Ø / depois de nasal
Representação lexical na
mente dos falantes
Representação lexical na
convenção ortográfica
falano
falando
trabaiano
trabalhando
sínico
síndico
33
Os efeitos das mudanças na estrutura da língua:
Quando ocorre de representantes de determinadas palavras serem alteradas,
sendo pronunciadas com elevado grau de afrouxamento e se aproximando de
um outro fonema, estes representantes fendem-se com os representantes do
novo fonema. Dessa forma o novo fonema adquiriu novos representantes, mas
também perdeu os seus antigos, devido ao excessivo afrouxamento articulatório
que os levaram a fundir- se com o zero.
p1
b1 b2
p2 p3
b3
u1
u2
Capillu> cabelo
caballu> cavalo
rivu > rio
Lupu > lobo
habere > haver
bove > boi
Esse rodízio de cisões e de fusões fonêmicas é o mecanismo básico do
processo de mudança na forma das palavras.
34
No rodízio de formas pode acontecer:
● Mudança apenas na representação fonêmica da palavra e
permanência no conjunto de traços distintivos pelos quais os fonemas se
distinguem uns dos outros.
● O fim de determinado traço distintivo.
● A extinção de um dado fonema.
● A mudança da chamada fonotática da língua.
● Determinada categoria gramatical da língua deixe de existir caso sua
manifestação formal seja uma entidade fônica que chegue a zero.
35
A relação entre língua falada e língua escrita:
A distância entre língua falada e língua escrita pode ser melhor
compreendida quando percebemos a necessidade de comunicação entre
comunidades diversas.
Língua escrita → alcance de comunicação bem amplo
Língua escrita conservadora
Lingüística
Motivos
Social
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ATIVIDADE EM SALA:
 CADA GRUPO PROCURAR IDENTIFICAR OS ERROS DE
ESCRITA NAS FRASES ABAIXO:
1) Um dia eu vi um cachorro com gato na boca é jogol
na lata de licho. Fim
2) A bida é paravive felis. Muito felis e susego.
Eu vivo béi e alimento.
3)
O gato comeu o peixe
O xalé é de xaxá
O gato comeu o rato
4)
Era uma vez um passarinho.
não sabia voar. E um dia.
Ele foi tentanda até conseguir com a ajuda de seus amiguinhos e
ele ficou muito alegri
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5)
Era uma vez estava en
minha casa e o saci apareceu
e me deu um susato quando
olhei para traz e ele desapareceu.
6)
Ozologicu
onti nos foi no zologicu
ageti fomus de onibus ispeciau
vimus muintos bixos o maior era os elefati.
(Bruna, 6 anos, Escola do Sesiminas, Bairro Palmital, BH/MG)
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GUIA TEÓRICO DO
ALFABETIZADOR
Miriam Lemle *
Doutora em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Atualmente é professora titular e coordenadora do
Laboratório CLIPSEN - Computações Lingüísticas:
Psicolingüística e Neurofisiologia - UFRJ
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