CARTA DE RIO BRANCO Declaração Final do Seminário Internacional sobre a Amazônia “Desenvolvimento Local, Sustentabilidade e Organização Popular” Rio Branco, Acre, Brasil, 17 a 20 de julho de 2008 De Rio Branco, onde nos reunimos de 17 a 20 de julho no Seminário Internacional sobre a Amazônia – “Desenvolvimento Local, Sustentabilidade e Organização Popular”, nos dirigimos a nossos irmãos e nossas irmãs da Amazônia, em especial aos povos indígenas, afro descendentes, comunidades ribeirinhas, ao povo do campo e povos da floresta em geral, trabalhadores e trabalhadoras das cidades e todos os segmentos da sociedade que lutam por justiça social e sustentabilidade ambiental em todos os nossos países amazônicos. Viemos a este encontro de várias partes do Brasil – dos estados do Acre, Pará, Amazonas, Rondônia, Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro; do Peru – das regiões de Madre de Dios, Cusco, San Martín, Loreto y Ucayali; e da Bolívia – dos departamentos de Pando, Beni y Santa Cruz. Um dos fortes laços que nos unem é que compomos movimentos sociais fortes dos povos da floresta de nossos países – indígenas, camponeses, sindicais, de mulheres, de negros e negros, cooperativas, federações e confederações. Viemos a este encontro para compartilhar experiências de luta, trocar informações sobre a conjuntura social, econômica e política de nossos paises e da região amazônica, buscar pontos de identidade dos movimentos sociais amazônicos para a elaboração de plataformas comuns, de agendas comuns de mobilização, de projetos alternativos aos modelos de desenvolvimento capitalistas que massacram nossos povos. Durante esses três dias, fomos acolhidos pelo Conselho Nacional de Seringueiros, pelo Comitê Chico Mendes, pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela Federação dos Trabalhadores Rurais do Acre (FETACRE) e pelo Grupo de Trabalho da Amazônia, que compuseram o comitê local organizador do Seminário. Agradecemos aos governos e organizações não-governamentais que colaboraram com recursos para a infra-estrutura do Seminário. Foram três dias de muito debate, mesas esclarecedoras e elaboração coletiva. No debate sobre a Amazônia, pudemos perceber toda a diversidade de experiências de luta em sua defesa e toda a riqueza desta região, submetida secularmente à espoliação de elites dominantes gananciosas e descompromissadas com nossos povos originários e as futuras gerações. Com certeza não demos conta de toda uma agenda amazônica ainda a ser criada a partir das lutas dos movimentos sociais, mas avançamos em vários elementos de compreensão da realidade e de ação comum. Percebemos que essa agenda amazônica a partir dos movimentos sociais é urgente e necessária, para se contrapor à crescente depredação de nossos recursos naturais, à candente destruição de nossas florestas, ao avanço de mega-projetos ditos “de desenvolvimento” com fortíssimos impactos ambientais e sociais negativos e aos sinais de pressão das grandes potências capitalistas sobre nosso subsolo, nossa biodiversidade, nossas terras, águas, territórios e nossas culturas. Vimos também sinais de esperança de que essa realidade pode ser mudada, de que uma outra Amazônia e um outro mundo são possíveis com a luta dos nossos povos. Conhecemos experiências de mobilização e organização popular, de participação popular em políticas públicas inovadoras promovidas por governos comprometidos com os interesses dos povos da floresta, de novas formas de organização dos territórios, da economia e das comunidades locais. Estabelecemos um diálogo com governos progressistas do Brasil e da Bolívia, preservando a capacidade critica e a autonomia de nossos movimentos, com o mesmo afinco que combatemos o governo neoliberal do Peru e de estados e departamentos que assumem claramente posturas oficiais de militarização e criminalização dos movimentos sociais Identificamos quatro grandes áreas de prioridade para os Movimentos Sociais da região amazônica, que assumimos como compromissos para o futuro de nossas organizações: a. Fortalecer a organização e a integração dos movimentos sociais na região amazônica, superando o atual quadro de fragmentação e isolamento, de modo a permitir uma maior participação dos movimentos no debate das grandes alternativas para a Amazônia; b. Garantir a autonomia dos movimentos sociais em relação a governos e partidos; c. Engajar todos os movimentos sociais na luta pelos direitos humanos individuais e coletivos na região amazônica, rejeitando a militarização e a criminalização dos movimentos e fortalecendo a solidariedade internacional com as vítimas destes processos; d. Desenvolver esforços crescentes de formação política e qualificação técnica dos movimentos sociais da região, ampliando nossa comunicação a nível regional para a troca de experiências e estímulo à solidariedade. No que diz respeito à relação dos movimentos sociais com os Governos da região amazônica (federais, estaduais ou departamentais e municipais), identificamos também quatro desafios e compromissos: a. Lutar por crescente democracia participativa em nossos países e no plano regional, para que a participação popular, o controle social das políticas públicas e a transparência sejam características de todos os governos da região. b. Lutar por um compromisso dos governos da região em integrar suas ações e órgãos nos planos nacional e internacional, para fortalecer o desenvolvimento sustentável, com prioridade para o fortalecimento das comunidades e do desenvolvimento local sustentável, canalizando por tanto recursos para financiamento de projetos sustentáveis, educação, desenvolvimento cientifico e tecnológico em defesa do conhecimento das comunidades tradicionais. c. Lutar pela garantia do direito a terra e sua redistribuição, através de programas de reforma agrária, crédito e assistência para a agricultura familiar e extrativismo, defesa da biodiversidade dos diferentes territórios e regularização fundiária no campo e nas cidades. d. Lutar contra as ameaças ambientais e sociais representadas pelas mudanças climáticas e por mega-projetos de infra-estrutura derivada de um modelo de desenvolvimento excludente e centralizada. Chegamos à conclusão que é fundamental continuar o esforço de reflexão iniciado neste seminário, em particular no que diz respeito a sete grandes temas para as quais a elaboração dos movimentos sociais é fundamental na construção de uma agenda popular em defesa da Amazônia: a. b. c. d. A região andino-amazônica no contexto mundial e regional; Os direitos culturais, territoriais e sobre o conhecimento dos povos indígenas; A militarização da região e a criminalização dos movimentos sociais amazônicos; Os mega-projetos de infra-estrutura e seu impacto ambiental e social na destruição da Amazônia; e. As mudanças climáticas e seu impacto na definição de políticas ditas “de desenvolvimento” para a região amazônica f. O narcotráfico, o tráfico de pessoas e a exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes na região amazônica; g. As migrações e condições de vida dos povos migrantes e nômades nas fronteiras de nossos países, bem como dos refugiados e das refugiadas por razões políticas e econômicas. Para dar conta dessas questões, nos propomos a manter e ampliar nossa articulação, assumindo espaços importantes como os representados pelo MAP – que reúne frentes de luta de Madre de Dios, Acre e Pando – e especialmente pelo Fórum Social Mundial. Saudamos a realização do Fórum Social Mundial em nossa região amazônica. Defendemos um protagonismo fundamental dos povos da floresta e de suas organizações, em aliança com os movimentos sociais urbanos amazônicos, na definição de uma agenda amazônica para o FSM e na condução do Fórum Pan-Amazônico. Para tanto, assumimos como nossa agenda a agenda da organização de encontros semfronteiras, da participação na Assembléia dos Movimentos Sociais da Amazônia, da ampliação e fortalecimento dos comitês locais preparatórios do Fórum Pan-Amazônico e do Fórum Social Mundial e da organização de um novo seminário da articulação nascida neste Seminário Tri nacional de Rio Branco, a realizar-se em Belém do Pará, durante o Fórum Social Mundial. Dedicamos esse seminário à memória de Chico Mendes, nos vinte anos de seu bárbaro assassinato, e a de todos os companheiros e todas as companheiras que foram e são diariamente massacrados pela exploração capitalista da Amazônia. Seu sangue e sacrifício são estímulos à luta por uma Amazônia livre de exploração, dominação e opressão, luta que reafirmamos como a nossa luta e de nossos movimentos e povos ao final deste Seminário. Rio Branco, 20 de julho de 2008.