Deixa que eu monto, embalo, entrego...
Transportadora, não. A JSL multiplicou seus negócios ao inventar o conceito de
logística completa. É um mercado bilionário. E o melhor: nenhum concorrente
percebeu
Por Raquel Salgado
J-S-L. Você com certeza já viu alguns caminhões pintados de branco e vermelho
estampados com essas três letras em alguma estrada do Brasil. A princípio parece mais
uma transportadora a se beneficiar da gigantesca porém precária malha de rodovias do
país. Não é bem assim. A empresa se especializou em serviços logísticos e cresceu, em
média, 27,5% ao ano desde 2001. Com isso, ficou dez vezes maior, com um
faturamento na casa dos R$ 2,5 bilhões. Nada mal para um negócio que começou há 55
anos com Julio Simões, um português recém-chegado ao Brasil que, em vez de abrir
uma padaria, comprou um caminhão e passou a transportar verduras pelas cidades
paulistas de Mogi das Cruzes, Suzano e seus arredores. Os números deixam evidente a
trajetória de sucesso do seu Julio e sua JSL. Mas Fernando Antonio Simões, um dos sete
filhos do português, atual presidente da empresa, não compartilha dessa opinião. “Eu
não acredito em sucesso. Achar que tem sucesso é o primeiro passo para o fracasso,
porque você tende a se acomodar. Acredito em momentos de felicidade. E isso nós
temos tido bastante por aqui.”
Bota felicidade nisso. Nos últimos anos, a JSL comprou três empresas, entrou no setor
de cargas refrigeradas, estreou na bolsa de valores, deu início ao serviço de aluguel de
curto prazo de caminhões e acaba de fechar o seu mais ambicioso contrato: vai
controlar, por dez anos, toda a logística do frigorífico Marfrig, da gestão do estoque à
contratação de fornecedores na área. Mas atingir esse pico de felicidade consumiu
tempo, pneus e deu bastante trabalho. A Julio Simões Transportadora, mais tarde Julio
Simões Logística, hoje somente JSL, precisou se reinventar ao longo das últimas cinco
décadas. A primeira mudança de jogo aconteceu já no início do negócio, no começo dos
anos 50. Seu Julio, hoje com 83 anos e aposentado das atividades empresariais,
percebeu logo que ali na região havia outros produtos mais rentáveis para transportar do
que verdura. Passou, então, a fazer parte do quadro de caminhoneiros que trabalhavam
para uma promissora indústria, a Companhia Suzano Papel e Celulose. Caiu nas graças
de Leon Feffer, o fundador da Suzano. A parceria, que perdura até hoje, permitiu, em
1956, que a JSL desse a primeira arrancada. Para atender a Suzano, Julio, que
trabalhava sozinho, comprou mais caminhões e contratou terceiros. Nessa época,
começou a trocar a boleia pela cadeira de escritório.
O tempo passou, os clientes foram se diversificando, as receitas subindo, e um outro
segmento industrial ganhou peso no faturamento da transportadora: o da siderurgia. No
fim da década de 80, 75% das vendas de Julio Simões estavam ligadas a esse setor. Só
que essa dependência era incômoda, não só para os dirigentes da empresa, mas também
para os clientes. “Ninguém quer contratar uma transportadora que está atrelada a um ou
dois setores ou a um ou dois clientes. Se um deles for mal, a empresa pode parar”, diz
Fernando. A saída foi se aproximar mais dos clientes para extrair uma solução que
pudesse reduzir essa dependência e, ao mesmo tempo, trazer mais receita. Não era só a
JSL que queria faturar mais. Seus clientes estavam em uma encruzilhada parecida. Era a
década de 90, quando a valorização do real levou a nocaute a competitividade das
exportações brasileiras. Por isso, as empresas resolveram colocar na cartilha de gestão
uma palavra até então estranha: terceirização.
O objetivo principal era fazer algo que hoje é tido como o clichê dos clichês quando o
assunto é administração: focar no negócio. Naquela época isso não estava tão claro. Os
empresários pensavam de outra forma: para que fazer fora o que eu posso resolver aqui
dentro? Pois o foco no negócio dos outros significou a ampliação das atividades da JSL.
A primeira experiência foi com a própria Suzano, que queria terceirizar o transporte de
seus funcionários. Em seguida, a Aracruz pediu que a JSL fizesse a locação dos veículos
que a empresa utilizava no dia a dia. Uma coisa puxou a outra e o transporte de cargas
foi perdendo peso no faturamento da companhia. “Nossa ampliação não significou sair
do foco [olha ele aí, de novo]. No fim das contas, continuamos trabalhando com as
mesmas coisas: serviços que envolvem carros, pneus, motoristas, veículos”, diz
Fernando.
Desde 2001, o conceito de transporte se expandiu. A JSL não queria apenas levar os
funcionários da Suzano ou alugar e gerir a frota de automóveis da Aracruz. A ideia era
organizar e administrar todos os pormenores de uma operação – fazer a logística de
verdade. No segmento de papel e celulose, a atuação da turma de Fernando começa na
mata, com a colheita do eucalipto. Passa pelo carregamento, transporte, picote e, após a
madeira ser transformada em celulose, novo transporte desse material até o porto. Algo
semelhante acontece na cadeia automotiva, com os motores Cummins (veja o gráfico).
Esse tipo de operação ganhou o nome de “serviços dedicados” e atualmente responde
por 50% do faturamento da companhia. Outros 25% vêm da terceirização e gestão de
frotas. Não há mais um setor dominante no balanço da empresa, como na década de 80.
O segmento que mais pesa é o de papel e celulose, e não chega a 6% do faturamento.
Leonardo Nitta, analista do Banco do Brasil, afirma que, ao oferecer uma solução
logística integrada, a JSL aumenta a fidelização do cliente. É mais fácil para ele deixar
tudo na mão de um só fornecedor. Esse é um dos grandes problemas do setor: a alta
rotatividade das empresas contratadas. “Da forma com que a JSL faz, não é fácil trocar
por um concorrente”, diz o analista. Em alguns casos, a empresa atua até como uma
consultoria logística. Ela pode, por exemplo, ser contratada apenas para transportar
carga. Mas, ao fazer isso, percebe que há problemas no gerenciamento de estoques e já
oferece a solução para esse gargalo. “Assim, você muda o patamar do negócio. Sai de
algo que é praticamente uma commodity para um serviço com maior valor agregado”,
diz Nitta.
NOVOS CAMINHOS A compra da Schio, especializada no
transporte de cargas refrigeradas, dará à JSL condições de
explorar dois rentáveis setores: alimentos e produtos
farmacêuticos
Palavrões e piadas de português
Fernando Simões é o principal responsável por esse novo rumo que a empresa vem
seguindo há uma década. O executivo tem 44 anos e há 30 trabalha na empresa. Não fez
faculdade. Só a escola JSL, diz. Seus conhecimentos de gestão e negociação foram
aprendidos no dia a dia da empresa, no convívio com seu pai e com seus parceiros,
como David Feffer, presidente do Grupo Suzano e neto de Leon. Na hora de negociar
com clientes e fornecedores, Fernando segue os ensinamentos do seu Julio, de nunca
deixar uma reunião sem um acordo justo. A diferença entre os dois é que o fundador
fazia o estilo durão. O filho é mais light. “Seu Julio ia até o fim com os fornecedores.
Falava que aquele preço era absurdo, levantava da mesa, fingia que ia encerrar a
reunião. Uma hora ele coçava o nariz e colocava a mão no ombro do outro cara. Aí já
era. Eu sabia que ele ia conseguir o que queria”, diz Antonio Bento, gerente da filial da
JSL em Guarulhos, que trabalha desde 1972 na empresa. Fernando, por outro lado,
cativa pela prosa boa e seu leve sotaque do interior de São Paulo. É mais paciente que o
pai. Dizem que mais discreto também.
Na JSL, simplicidade é lei. Não são apenas os funcionários que usam uniforme. O
presidente também veste a camisa branca, com o logo da empresa bordado no bolso. A
decoração é frugal. Os espaços de trabalho, funcionais. O clima é familiar, mesmo numa
empresa com 17 mil pessoas. Julio Simões, apesar da fama de durão com os
fornecedores, era o primeiro a quebrar qualquer formalidade interna. Quando estava na
JSL, falava palavrões e fazia troça de sua origem. “Isso aí parece trabalho de português.
Arruma e faz benfeito”, dizia aos funcionários,
rindo.
Continuar fazendo benfeito agora é obrigação de
Fernando. Seu desafio é aumentar os acordos com os
clientes de carteirinha e fazer com que outros
conheçam o trabalho da empresa. A compra da
Schio, transportadora líder no segmento de carga
refrigerada, em novembro passado, é um exemplo
dessa estratégia de captação de novos contratos.
Fernando pagou R$ 250 milhões para entrar no
segmento de alimentos congelados, cujo consumo
disparou junto com o aumento da renda dos
brasileiros. O acordo também dará a oportunidade
para a empresa atender ao setor farmacêutico. Neste
começo de ano, em outro movimento, a JSL aprovou
a incorporação da Simpar, rede de concessionárias
ligada ao grupo, mas que estava fora da estrutura da
holding. As lojas terão vida independente e serão uma mão na roda na hora de vender a
frota de caminhões e comprar os veículos diretamente das montadoras – a JSL precisa
renová-los de tempos em tempos. Para ter uma ideia, a empresa é a maior compradora
de veículos pesados do país. Juntando essas últimas empreitadas com as perspectivas de
aumento da demanda no segmento de transportes, por conta da realização da Copa do
Mundo e da Olimpíada no Brasil, o cenário para a JSL parece bem positivo. Até agora,
porém, o reconhecimento dos bons serviços prestados está restrito aos clientes. O
mercado financeiro ainda não abriu os braços para a empresa. Os papéis seguem no
mesmo patamar desde a abertura do capital, em abril de 2010. A aposta de Nitta,
analista do Banco do Brasil, é que este ano a empresa mude o jogo. Seu preço-alvo para
as ações é de R$ 13,20 – alta de 70% sobre o valor atual. Continuar fazendo benfeito,
também para os acionistas, é outra obrigação de Fernando.
Funcionários controlam em tempo real os movimentos de cada um dos 16,7 mil carros e
caminhões da JSL
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Deixa que eu monto, embalo, entrego... Transportadora, não. A JSL