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Ideologia e terror: imaginário de um mundo na interpretação de
Hannah Arendt1
* Daner Honrich
Resumo:
O totalitarismo se configura com instituições políticas inteiramente novas que
destruíram toda a tradição do pensamento político Ocidental, fundamentandose em duas bases: a ideologia e o terror. O Estado totalitário se mantém e se
sustenta mediante a receita da ideologia de domínio total e uso do terror,
como legalidade dos seus propósito para eliminar o indivíduo pelo bem da
espécie, e fabrica uma nova humanidade de marionetes.
I
O totalitarismo se configura com instituições políticas inteiramente novas que destruíram
toda a tradição do pensamento político Ocidental, fundamentando-se em duas bases: a
ideologia e o terror. O Estado totalitário se mantém e se sustenta mediante a receita da
ideologia de domínio total e uso do terror, como legalidade dos seus propósito para eliminar o
indivíduo pelo bem da espécie, e fabrica uma nova humanidade de marionetes.
O Estado totalitário é um fenômeno novo que não se confunde com nenhum despotismo
ou tirania, pois a natureza antiutilitária em sua estrutura governamental pôs em xeque as
categorias utilitárias do pensamento político Ocidental e criou uma nova concepção de
1
Cf. HORNICH, Daner. A liberdade como conceito Político em Hannah Arendt. Dissertação de Mestrado,
PUC/SP, 2002, pp. 16 - 19.
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governo, porque a política totalitária destruiu o fundamento da teoria política e rompeu com
toda essência de governo que se orienta entre aquilo que pode ser legal e o que pode ser ilegal,
o poder arbitrário e o poder legítimo. Isso acontece porque, na concepção de Hannah Arendt,
A política totalitária não substitui um conjunto de leis por outro, não estabelece o seu
próprio consensus iuris, não cria, atráves de uma revolução, uma nova forma de
legalidade. O seu desafio a todas as leis positivas, inclusive às que ela mesma
formula, implica a crença de que pode dispensar qualquer consensus iuris e ainda
assim não resvalar para o estado tirânico da ilegalidade, da arbitrariedade e do
medo. Pode dispensar o consensus iuris porque promete libertar o cumprimento da
lei de todo ato ou desejo humano; e promete a justiça na terra porque afirma tornar a
humanidade à encarnação da lei (OT, 1997, 514 – 515 ou T 1985, 462).
A política totalitária interpreta todas as leis como se fossem leis de movimentos que, ao serem
aplicadas, destroem a espontaneidade da vida de cada homem. A lei de movimento só pode
ser legitimada pelo terror, que é a essência do governo totalitário, cuja finalidade é destruir
toda e qualquer ação humana espontânea. Sendo assim, é possível argumentar que o
fundamento legal do terror é a própria lei do movimento que se expressa em “alguma força
sobre-humana, seja da Natureza ou a História” (Id, 1997, 517 ou Id, 1985, 465).
O terror, enquanto expressão e executor da lei de um movimento, é o fabricador de uma
humanidade incapaz de agir e de pensar na própria urgência de viver na comunidade política.
E, ao fabricar essa nova humanidade incapaz, o governo totalitário está destruindo a
possibilidade do homem ser a encarnação viva da lei, porque tal homem continuará separado
da autoridade que exige consentimento e obediência da lei, e não a sua desobediência e
quebra da autoridade2.
O terror total é a força motriz que elimina a capacidade do homem para a palavra e a ação,
pois no sistema de governo totalitário não deve existir canal de comunicação entre os homens
porque com a comunicação os organismos políticos criam condições de diversidade e
pluralidade para a palavra e a ação humanas, que dificultam a concretização da política
totalitária cuja a meta é dissolver ou diluir os homens em “Um-Só-Homem de Dimensões
2
Ler os ensaios sobre “O que é autoridade” In ARENDT, Hannah. Entre o Passado E O Futuro. Tradução de
Mauro W. Barbosa de Almeida. 3ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1992. E, “Desobediência Civil” In Crise na
República. Tradução de José Volkmann. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
3
Gigantescas” (Id, 1997, 518 ou Id, 1985, 466). Essa diluição rompe com o espaços políticos
entre os homens e os torna marionetes; ela erradica dos seus corações o amor à liberdade –
que é simplesmente a capacidade de agir – por meio da ideologia e não do medo, o elemento
mais característico de toda ação totalitária, o medo que pode perder a sua “utilidade prática
quando as ações que inspira já não ajudam a evitar o perigo que se teme” (Id, 1997, 520 ou
Id, 1985, 467).
II
A ideologias são de caráter cientifico, sustenta seu imaginário teórico com atitude
científica, com resultados de importância filosófica e têm a pretensão de ser uma filosofia
científica. A palavra ideologia significa, literalmente, a lógica de uma idéia, e a história é o
seu objeto de estudo, no qual se aplica a “idéia” aos resultados de um processo em constante
mudança para se Ter uma base lógica dos acontecimentos – pela possibilidade de mapear e
revelar os mistérios de todo processo histórico, como os seus segredos passados, as suas
complexidades e incertezas do futuro, num conjunto harmonioso de idéias lógicas (Cf. Id,
1997, 521 ou Id, 1985, 469 ).
Se os objetos de estudo das ideologias são as perspectivas históricas que se interessam
pela ascensão e queda das civilizações, pode-se argumentar que os interesses das ideologias
não contemplam os estudos das ações humanas. Para os olhos do historiador ideólogo, as
ações humanas são condicionamento natural dos processos históricos, e não ações que
realizam no espaço da imprevisibilidade, que rompe com todo sistema de processo lógico de
idéias petrificadas. Exemplo corrente é a idéia de racismo que parte do princípio de que existe
um movimento lógico da própria idéia de raça – dispensando, assim, qualquer atividade
inerente ao próprio fenômeno. As ideologias analisadas pelos historiadores como movimento
único da história revelam que os acontecimentos surgem segundo a lógica de uma idéia.
Daí ser possível verificar que o processo que dá suporte teórico a essa atitudes científicas
é lógica dedutiva, que parte de uma premissa para expressar sua argumentação sobre o
suposto acontecimento. A explicação lógica dedutiva de um acontecimento na sua totalidade
se aplica a uma idéia lógica como movimento de pensamento. O pensamento, que é a
possibilidade de compreensão do acontecimento, passa a ser explicação ideológica do mundo,
operação calculada e prevista que se torna útil para o raciocínio totalitário.
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O raciocínio totalitário, como as ideologias, parte do pressuposto de uma idéia bem
elaborada, com base lógica adequada, é suficiente para explicar o desenvolvimento dos
acontecimentos do mundo, criando-se assim uma visão de mundo capaz de interpretar e
prever todos os acontecimentos incertos do futuro. As ideologias e a “visão de mundo”, ou
imaginário, são as camisas de forças que realizam verdadeiras análises lógicas para o domínio
totalitário, domínio esse capaz de eliminar a capacidade humana de pensar a sua própria
condição de pluralidade. A ideologia totalitária consegue realizar tal proeza porque é capaz de
criar uma idéia do mundo com a pretensão de explicação total, e emancipação da realidade,
uma vez que a ideologia não tem poder de transformar a realidade.
Esses três elementos totalitários: a história, a ideologia e o terror surgem da especificidade
de todo pensamento ideológico que, em primeiro lugar, se caracteriza pela explicação daquilo
que acontece e passa para a história com os processos de movimento, com princípios da
natureza que servem para interpretar a história e reduzi-la a elemento da natureza. Em
segundo lugar, o pensamento ideológico liberta o homem de toda experiência possível, para
emancipá-lo dos acontecimentos. Exemplo dessa peculiaridade é a propaganda do movimento
totalitário que consegue modificar os acontecimentos para afirmar sua ideologia. Em terceiro
lugar, o pensamento ideológico precisa cientificamente os fatos de um acontecimento sob a
forma de um processo absolutamente lógico e coerente, sua margem para erros e possíveis
questionamento da realidade.
Considerações Finais
A questão levantada é que o terror e a ideologia como imaginário de um mundo elimina
qualquer comunicação e ação humana (dimensão política) e têm o poder para mudar qualquer
comportamento humano (moral) por meio da doutrinação e da violência, que só que faz
promover a luta totalitária contra toda compreensão e juízo do domínio político3. Exemplo de
tamanha barbárie são os sistemas de governo totalitário, configurados no nazismo, no
fascismo e no comunismo – mas que antes deram margem para acontecimentos singulares,
como o caso Alfred Dreyfus.
3
Sobre esse assunto ler o estudo sobre “compreensão e política”. In ARENDT, Hannah. A Dignidade da
Política: ensaios e conferências. Tradução de Helena Martins e outros. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. The Origens of Totalitarianism. A Harvest Book. Harcourt, Inc. San
Diego New York London, 1985.
_____________. A Dignidade da Política: ensaios e conferências. Tradução de Helena
Martins e outros. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
_____________. Crise na República. Tradução de José Volkmann. 2ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1999.
_____________. Entre o Passado E O Futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa de Almeida.
3ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1992.
_____________. Origem do Totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo
Companhia das Letras, 1989.
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