ISSN 2179-3484
Revista de Divulgação Científica do Conselho Regional de Biologia – 1ª Região (SP, MT, MS) – Ano I – N.º 01 – 2010
O Papel do Biólogo
na Área Ambiental
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CRBio-01 - Nº 1 - 2010
ISSN 2179-3484
Revista de Divulgação Científica do Conselho Regional de Biologia – 1ª Região (SP, MT, MS)
Ano I – N.º 01 – 2010
Sumário
Apresentação ....................................................................................................................................................... 3
Programação ........................................................................................................................................................ 4
Histórico dos Biólogos na CETESB ..................................................................................................................... 4
Aristides Almeida Rocha
Introdução da Mesa Redonda 1: Monitoramento e Diagnóstico Ambientais........................................................... 8
Eduardo Bertoletti
O Papel do Biólogo no Monitoramento da Qualidade das Águas do Estado de São Paulo...............................................9
Marta Condé Lamparelli
Qualidade dos Ecossistemas Terrestres.............................................................................................................. 13
Mara Magalhães Gaeta Lemos
Qualidade Laboratorial ......................................................................................................................................... 16
Deborah Arnsdorff Roubicek
Introdução da Mesa Redonda 3: Emergências Ambientais e Educação Ambiental ............................................ 17
Iris Regina F. Poffo
Educação Ambiental ............................................................................................................................................ 17
Julia de Lima Krahenbuhl
Emergências Ambientais..................................................................................................................................... 19
Carlos Ferreira Lopes
Biodiversidade e mudanças climáticas: na perspectiva de um Biólogo ............................................................... 21
Carlos Alfredo Joly
Conselho Regional de Biologia - 1ª Região
São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
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&5%LR
Delegacia Regional de Mato Grosso - CRBio-01
Em breve novo endereço
Diretoria:
Wlademir João Tadei
Presidente
Luiz Eloy Pereira
Vice-Presidente
Eliézer José Marques
Secretário
Edison Kubo
Tesoureiro
Mandato 2007-2011
Conselheiros Efetivos:
Wlademir João Tadei; Edison Kubo; Eliézer José Marques; Murilo Damato;
Mário Borges da Rocha; Maria Teresa de Paiva Azevedo; Luiz Eloy Pereira;
Maria Saleti Ferraz Dias Ferreira; Rosana Filomena Vazoller; Giuseppe Puortto.
Conselheiros Suplentes:
Adauto Ivo Milanez; Sandra Farto Botelho Trufem; Ângela Maria Zanon;
Eliana Maria Beluzzo Dessen; Marlene Boccatto; Sarah Arana; Edison de Souza;
Normandes Matos da Silva; Regina Célia Mingroni Netto; Osmar Malaspina.
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
Comissão Editorial: Wlademir João Tadei (Editor Chefe), Sandra Farto
Boltelho Trufem, Adauto Ivo Milanez, Giuseppe Puorto, Mario Borges da
Rocha e Maria Eugenia Ferro Rivera (MTb 25.439)
Capa: Arte do cartaz produzido pela Companhia Ambiental do Estado
de São Paulo (CETESB) para o “Seminário CRBio/CETESB: O Papel do
Biólogo na Área Ambiental”
Editoração Eletrônica:
Mauro Teles
Periodicidade: anual
Tiragem: 20.000 exemplares
CtP, impressão e acabamento:
Rettec Artes Gráficas
Fone: (11) 2063-7000
www.rettec.com.br
Apresentação
O Conselho Regional de Biologia da 1ª Região tem a satisfação de apresentar aos Biólogos e à comunidade científica a sua nova iniciativa no campo editorial: a revista BioBrasilis. Esta nova publicação de exclusivo cunho científico
e/ou técnico-científico, possui periodicidade anual e publica contribuições de
Biólogos especialmente convidados. As abordagens dos textos são pertinentes à
vasta gama de áreas das Ciências Biológicas. O objetivo do CRBio-01 com este
veículo de comunicação é promover e incentivar a divulgação científica, além
de documentar as suas realizações em Congressos, Simpósios e Seminários .
Na sua primeira edição traz artigos de Biólogos que participaram como
palestrantes do “Seminário CRBio-01/CETESB: O Papel do Biólogo na
Área Ambiental”, realizado em 02 de setembro de 2009, no Auditório Augusto Ruschi da CETESB em São Paulo. O Seminário reuniu profissionais da
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) e da Secretaria de
Meio Ambiente do Estado (SMA) que apresentaram e debateram atividades
desempenhadas, experiências e responsabilidades do profissional Biólogo na
área ambiental. Todos os palestrantes foram convidados a enviar seus textos.
Chamamos a atenção para o artigo: Histórico dos Biólogos na CETESB,
assinado por Prof. Dr. Aristides Almeida Rocha, que com propriedade, pois
foi o primeiro Biólogo contratado da CETESB, discorre sobre o início das
questões ambientais no estado, o surgimento do órgão, as dificuldades enfrentadas pelos Biólogos para serem reconhecidos e a sua importância na atuação na área ambiental. Outro destaque é o artigo do Dr. Carlos Alfredo Joly:
Biodiversidade e mudanças climáticas: na perspectiva de um Biólogo, importante e atualíssimo tema da realidade mundial.
A expectativa da diretoria do CRBio-01 é que a BioBrasilis cumpra sua
função como canal de divulgação da produção científica e técnico-científica,
contribuindo também para a preservação da memória da Ciência, além de
constituir um instrumento de consulta e referência para os Biólogos.
Boa leitura!
Editor Chefe
4
‫ ׀‬BioBrasilis
Seminário CRBio-01/CETESB: O Papel do
Biólogo na Área Ambiental
PROGRAMAÇÃO:
Qualidade de Ecossistemas terrestres – Mara M. Gaeta Lemos – ESSE/
CETESB
Áreas contaminadas – Rosana M. de Macedo Borges – ESCA/CETESB
08:30h. Inscrição/Credenciamento
Qualidade Laboratorial – Deborah A. Roubicek – EA/CETESB
09:00h – 09:30h. Abertura: Secretário do Meio Ambiente, Xico Graziano
Neto; Presidente da CETESB, Dr. Fernando Rei; Presidente CRBio-01, Dr.
Wlademir João Tadei; Deputado Fernando Capez e Vereador Adilson Amadeu.
12:00 - 13:30. Almoço
09:30h – 10:00h. Conferência de Abertura: HISTÓRICO DOS BIÓLOGOS
NA CETESB – Dr. Aristides Almeida Rocha (FSP/USP)
10:00h – 10:20h. Intervalo para o Café
Mesa Redonda 2 – LICENCIAMENTO AMBIENTAL E
FISCALIZAÇÃO
13:30 – 15:00h. Coordenação – Domênico Tremaroli /CJJ
Licenciamento Ambiental – Mayla M. Fukushima – EMIE /CETESB
Gestão de áreas naturais – Claudia T. Schaalmann – DEPRN /SMA
10:20h – 10:40h. Introdução
Ações de Controle e Fiscalização – Marcio Lourenço Gomes – CMU/CETESB
Apresentação da Programação das Mesas Redondas
15:00 - 15:20h. Intervalo para o Café
– Experiências Profissionais: Marta Condé Lamparelli – EAH/CETESB
Mesa Redonda 3 – EMERGÊNCIAS AMBIENTAIS E EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
– Descrição das formas de inserção do Biólogo no Sistema Estadual de
Meio Ambiente – Vania de A. Ramos Olichwir – ARDD
Mesa Redonda 1 – MONITORAMENTO E DIAGNÓSTICO
AMBIENTAIS
10:40h – 12:00h. Coordenação – Eduardo Bertoletti/EAHE
15:20 – 16:20h. Coordenação – Iris Poffo – EIPE/CETESB
Educação Ambiental – Julia de Lima Krahenbuhl – CEA/SMA
Emergências Ambientais – Carlos Ferreira Lopes – EIPE/CETESB
16:20h – 17:00h. Conferência de Encerramento: MUDANÇAS CLIMÁTICAS
E BIODIVERSIDADE – Dr. Carlos A. Joly UNICAMP/Projeto Biota – FAPESP
Qualidade da Água – Marta Condé Lamparelli – EAH/CETESB
Histórico dos Biólogos na CETESB
 Biol. Dr Aristides Almeida Rocha – (CRBio 01436/01-D) - ISMB/ Conselho
I
Deliberativo e FSP/USP
nicialmente quero lembrar que, embora durante a exposição (que é
mais um depoimento do que uma palestra) a maior ênfase será sobre
a atividade dos biólogos, reconheço a importância do trabalho multidisciplinar. Contudo, insisto em ressaltar nesse contexto a imprescindível
participação do Biólogo. Agradeço aos organizadores do evento, Presidentes da CETESB e CRBio-O1, respectivamente Eng. Fernando Rei e
Dr. Wlademir João Tadei, a deferência e a honra do convite.
Antes de entrar propriamente no tema, lembro que até os anos 1950
do século passado, não existia uma preocupação governamental, calcada
em entidades ou em políticas públicas específicas para a defesa ambiental. Existiam, sim, pessoas preocupadas com o meio ambiente, vozes
esparsas numa sociedade capitalista, mercantilista e imediatista. Eram
outros tempos de uma acirrada preocupação com a economia e o lucro
imediato; os bondes circulavam com uma ostensiva propaganda: “São
Paulo é a Metrópole que mais cresce na America Latina” e esse dístico era
ilustrado por uma chaminé expelindo rolos de fumaça. Dentre os nomes
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
desse período, conscientes e preocupados com a progressiva degradação
dos rios, como o Tietê, e com a poluição do ar, podem ser lembrados
Emilio Ribas, Theodoro Sampaio, Rodolpho Von Hiering, Clemente
Ferreira, Saturnino de Brito e mais adiante, o Biólogo Samuel Murgel
Branco, que teria ativa participação na criação do CETESB.
Basta lembrar que o processo de industrialização na cidade de São
Paulo e arredores se iniciou no final do século XIX, e a primeira entidade
especificamente voltada à proteção ambiental surgiu apenas ao final dos
anos 50 do século XX.
A antiga Comissão Intermunicipal de Controle da Poluição das
Águas e do Ar (CICPAA) atuou no âmbito do ABC (São Caetano do
Sul, Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema e Mauá) efetuando os primeiros levantamentos, amostragens e controle da poluição,
tanto das águas dos rios quanto do ar. O advento dessa instituição, que
formou os primeiros técnicos especializados (por sinal onde trabalhei
após estagiar no Museu de Zoologia, e como sempre digo, em face dos
janeiros acumulados, hoje poderia fazer parte do acervo deste último),
paradoxalmente foi motivado, não propriamente por uma preocupação
estritamente ambiental, mas sim induzido por queda na produção industrial e consequente diminuição de lucros, ocasionados pela falta de
água e má qualidade do ar, afetando a produtividade e a deterioração
BioBrasilis
do produto manufaturado. Devo dizer que o Conselho Consultivo e
Deliberativo da CICPAA era formado por industriais, havendo um arcabouço legal das municipalidades em relação ao tema. Digno de nota é
assinalar que grande número de técnicos dessa antiga Comissão migrou
para o CETESB quando este foi fundado e subsequentemente quando
incorporou o controle da poluição do ar.
Recordo também que a antiga Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) do Governo Federal, que originou o atual IBAMA, surgiu
apenas em 1973, assim mesmo por injunções das entidades financiadoras internacionais, no momento em que se falava do “Milagre Brasileiro”, durante a ditadura militar.
A cidade de São Paulo só teve uma primeira Estação de Tratamento
de Esgotos e, Primária, em 1953. Essa Estação, hoje desativada, que funcionou aqui vizinha à CETESB, durante muitos anos foi praticamente
a única existente e tratava apenas 0,1 a 0,3% dos esgotos gerados na
cidade de São Paulo.
Relato esses fatos, pois quando comecei na CETESB, ou no CETESB, como primeiro biólogo contratado em 1968, essa mentalidade de
progresso a qualquer custo ainda imperava e era patente o desleixo das
autoridades e a inconsciência e desconhecimento da própria sociedade.
Aqui mesmo neste auditório, em reunião acontecida depois de um
dos inúmeros derramamentos de óleo no Canal de Bertioga, ouvi a
manifestação, em tom autoritário de um militar de alta patente, então
dirigente da Petrobrás, garantindo que após ter sobrevoado a região de
helicóptero, observou que a vegetação do manguezal nenhum efeito
negativo havia sofrido. Porém, nesse período, estudos aprofundados,
das biólogas da CETESB, Cláudia Condé Lamparelli, aqui presente
hoje, e de Fabíola Rodrigues e equipe demonstravam exatamente o
contrário. Vejam que hoje a Petrobrás é exemplo de empresa preocupada com o meio ambiente.
Nas primeiras coletas de água efetuadas à jusante de um curtume,
no interior de São Paulo, mesmo quando a empresa já estava consolidada, a equipe de coletores da CETESB foi ameaçada com tiros,
tendo depois que recorrer ao destacamento policial para executar o
seu trabalho.
Todas essas digressões são para ressaltar como as posturas em relação
ao meio ambiente eram totalmente diferentes das do momento atual.
Mas também nós biólogos tínhamos sérias dificuldades na inserção
no mercado de trabalho e, consequentemente, dentro da própria empresa. Estou falando dos anos 1960, 1970 e 1980, lembrando que só
tivemos a Profissão reconhecida em setembro de 1983.
Como surgiu a CETESB
No decorrer da segunda metade da década de 1960 os órgãos estaduais relacionados ao problema da água, fundamentalmente, eram voltados
ao fomento, isto é ao abastecimento público de água potável, em quantidade e qualidade e, em menor escala, ao tratamento dos esgotos domésticos e, de modo incipiente, aos resíduos industriais. Ênfase maior se dava
sempre à necessidade de dispor de águas para a geração de energia elétrica,
suporte da produção industrial. Os óbices ao meio ambiente (água, ar e
solo) tornaram-se insuportáveis, de tal modo que a sociedade civil deu
inicio a uma série de protestos, culminando na formação das ONGs, uma
forma de instrumentalização da sociedade em seus vários segmentos.
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A gênese da CETESB nesse período faz parte dessa crescente
preocupação, motivando discussões sobre como seria possível instituir um sistema de gestão ambiental do Estado de São Paulo. As
primeiras reuniões para tanto aconteceram na Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo, mais especificamente no Departamento de Saúde Ambiental, das quais participaram, dentre outros técnicos e professores, Eduardo Riomey Yassuda, José Meiches
(estes depois Secretários de Estado de Obras e Meio Ambiente e da
Prefeitura Municipal), Cláudio Manfrini, Paulo Soichi Nogami, José
Martiniano de Azevedo Netto, Lucas Nogueira Garcez, Max Lothar
Hess, Antonio Pezzolo, Otacílio Alves Caldeira, Armando Fonzari
Pêra, Walter Engrácia de Oliveira, e do também professor e Biólogo
Samuel Murgel Branco, que no futuro seria Assessor e posteriormente Diretor de Pesquisas da CETESB, período dos mais produtivos
da Companhia.
Foi criado, em 1968, o Centro Tecnológico de Saneamento Básico,
o CETESB, uma coordenadoria autárquica, do Fomento Estadual de
Saneamento Básico (FESB). O CETESB, à semelhança do Robert Taft
Center de Cincinnati , Ohio (posteriormente transformado na Environmental Protection Agency, a EPA, a agência de proteção ambiental
dos Estados Unidos) tinha, precipuamente, as funções de suporte laboratorial da Coordenadoria de Controle e Fiscalização do próprio FESB,
fazendo análises rotineiras das águas, e também um setor de Pesquisas,
destinado à procura de novas metodologias, adaptação de técnicas já
existentes, estabelecimento de novos padrões de qualidade e monitoramento das águas dos rios das bacias hidrográficas do Estado de São
Paulo. Veja-se que o enfoque básico não era propriamente a rotina do
controle, mas sim o da pesquisa. Um parêntesis, lembro aqui que as
atribuições para o controle da Poluição do Ar só foram incorporadas à
empresa em 1973.
Inicialmente o CETESB funcionou na Rua do Riachuelo, no edifício do antigo Departamento de Águas e Esgotos (DAE), e de onde
vieram vários profissionais para o então CETESB (depois transformado
na Companhia CETESB); desse endereço passou-se para a Estação de
Tratamento de Águas do Alto da Boa Vista, na época da Companhia
Metropolitana das Águas (COMASP), em seguida transformada na atual SABESP. Depois de alguns meses, após o término da construção dos
primeiros laboratórios aqui na Av. Prof. Frederico Hermann Jr, houve a
transferência definitiva, embora ainda vinculado ao FESB, este sediado
na rua Bernardino de Campos, no bairro do Paraíso.
Eu, primeiro Biólogo contratado do CETESB, procedente da antiga
CICPAA após passar três meses na COMASP, aqui cheguei acompanhado do Químico Fernando Fukuda e, logo a seguir, dos Engenheiros
Celso Eufrásio Monteiro, Alvino Genda e Carlos Celso do Amaral e
Silva. Bem, a propósito, quero dizer que o meu crachá era 007, e como
naquela época foi criada uma Superintendência de Segurança, chefiada
por um militar, este estava sempre de olho no meu crachá.
Meses depois do antigo laboratório do DAE, vieram a Dra. Maria
Therezinha Martins, odontóloga, mas especializada em algas, portanto
trabalhando com biologia; Ivan Horcel e Daici sua esposa, Kátia Momo
todos químicos; Vitor Faciolo, químico que depois tornou-se biólogo;
o químico João Ruocco, Wilma Ana Rosa Cardinale Branco, bióloga.;
e mais adiante o limnólogo japonês Hideo Kawai, os biólogos Pedro
Jureidini (de saudosa memória), Sérgio José Chinês, e com ele a química Petra Sanches Sanches; as biólogas Denise Navas Pereira, Cláudia
Condé Lamparelli, Marta Lamparelli, a Wilma, antes secretária que se
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‫ ׀‬BioBrasilis
rios serviam também à propaganda do Governo. Lembro que
numa tarde, logo após o almoço, o Hideo Kawai procurou o
engenheiro químico Caraí Ribeiro de Assis Bastos e pediu para
que fizesse cálculos para uma solução 1 Molar (como disse com
seu habitual sotaque 1 Molal). O engenheiro demorou algum
tempo e retornou com os cálculos já efetuados, perguntando
-Mas para que você quer isto? Ao que veio a resposta – É que
vem visita e eu piciso fazer sorução cororida. Não necessito dizer
qual foi a reação do Caraí. Bons tempos cetesbianos aqueles.
formou em Biologia e se especializou em vírus, Rosana Vazoler, Elenita
Guerardi, Eduardo Bertoletti e outros que as calendas do tempo impedem lembrar neste momento.
A propósito, há um episódio que gostaria de lembrar relacionado
com os biólogos na CETESB. A antiga Associação Paulista de Biólogos
(APAB), então dirigida pela Dra Noemy Yamaguishi Tomita, grande lutadora pela criação do Conselho de Biologia e reconhecimento da nossa
classe, em certa ocasião promoveu um Encontro de Biólogos, no auditório
do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP e solicitou que eu fizesse uma palestra sobre a atuação dos biólogos na CETESB.
Naquela oportunidade, mais ou menos cinco anos após a implantação da Companhia, quando ainda não éramos oficialmente reconhecidos como profissão, falei de nossas atividades e da participação nas
pesquisas de laboratório e trabalhos de campo e me referi ao fato de que
o número de biólogos em relação ao de engenheiros, era sensivelmente desproporcional; 9 biólogos para 103 engenheiros. No dia seguinte,
quando almoçava no refeitório da empresa, comentei o fato com o saudoso amigo e colega engenheiro Mário Narduzzo, e ele em tom jocoso
respondeu; “puxa, como tem biólogo na CETESB”.
d)
A primeira coleta de água realizada pelo CETESB nos rios Jundiaí
e Tietê, em Jundiaí, Itaci, Pimenta, Itupeva, atendendo ao Primeiro Plano Estadual de Controle da Poluição das Águas, coordenado
pelo Engenheiro Paulo Soichi Nogami, e que tinha o assessoramento de uma Equipe Técnica formada pelos engenheiros Celso
Eufrásio Monteiro e Alvino Genda, o químico Fernando Fukuda
e um biólogo que era eu, foi feita com o meu fusquinha.
e)
O primeiro trabalho (levantamento de represas) Represa de
Americana e rio Atibaia contou não só com a minha participação, da bióloga Vilma Cardinale Branco, do limnólogo Hideo
Kawai, dos químicos Uilson Sá Melo, Hélio Marsiglia, Ariovaldo Monteiro, Adhemar Chavaglia, mas também com biólogos
do Departamento de Ecologia Geral do Instituto de Biociências da USP, Prof. Dr. Claudio Frohelich (meu orientador de
mestrado e doutorado), Professoras Dras. Maria Aparecida
Juliano de Carvalho, Marlene Arcifa Zago e Gisela Yuka Shimizu. Contou ainda com a supervisão e assessoria do Biólogo
Prof. Dr. Samuel Murgel Branco.
Episódios pitorescos dessa trajetória
O primeiro período, diria foi heróico, pois fazíamos de tudo: coleta
de campo, análise de laboratório, levantamento de materiais para compra, participação dos processos de licitação, coleta de material bibliográfico, elaboração de relatórios, laudos de análise, acompanhamento
de visitantes e de consultores nacionais e estrangeiros, preparação de
cursos, aulas e treinamento na própria Companhia e em Estações de
Tratamento de Água e Esgoto, Indústrias etc.
Dessa época pinçando alguns fatos, aleatoriamente posso mencionar:
a)
O primeiro Curso para Operadores de Estações de Tratamento de Água e Esgoto oferecido pelo CETESB, ainda quando
provisoriamente instalado na Estação de Tratamento de Águas
do Alto da Boa Vista, em que ganhei de presente um paliteiro de madeira, que guardo até o presente, ofertado por um
emocionado senhor, operador da Estação de Porto Ferreira, ao
encerramento do Curso.
b)
O dia programado para a inauguração dos laboratórios do
CETESB em que o material de laboratório (vidrarias, pinças
etc.) já licitado e adquirido não foi entregue. A situação tornouse delicada, pois à tarde o Governador Abreu Sodré e comitiva
viriam oficialmente dar início às atividades desse então novo órgão
estatal. Lembro que pela manhã, acompanhado pelo químico
Fernando Fukuda, no meu Volkswaagen (fusca), com ordem do
Presidente, o saudoso Dr. Otacilio Alves Caldeira, fui pedir ao
Dr. Cláudio Manfrini, da COMASP, algum material emprestado
da Estação de Tratamento de Águas da Via Anchieta, às margens
da Represa Billings (onde eu havia trabalhado quando de minha
passagem pela COMASP). Foi assim que, à tarde, por volta de
16 horas, o Governador Abreu Sodré e convidados encontraram
o laboratório em pleno funcionamento! com soluções coloridas,
água borbulhando, peixinhos guarús em aquários, simulando
bio-ensaios, beckers fervilhando. Os laboratórios do CETESB
foram, portanto, inaugurados.
c)
Mas as visitas continuariam por muito tempo. Era um período
de mudanças sob a égide do período ditatorial e esses laborató-
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
Importância dos Biólogos na CETESB
Lembro, novamente, que a nossa profissão só foi regulamentada em
setembro de 1979 e, portanto, a nossa afirmação como profissionais foi
penosa, inclusive na CETESB. No início não se tinha as prerrogativas
do pessoal de nível superior, a faixa salarial era sempre menor do que
outras categorias profissionais, e se estava sempre à reboque quando dos
processos decisórios. Todos esses motivos constituíram objeto de nossa
preocupação e constante movimentação no sentido de haver mudança
desse quadro.
Entretanto, a militância da classe e o empenho, até que fosse criado
o Conselho Federal e respectivamente os Regionais, trouxeram, felizmente, subsídios para a existência de outros tempos.
Atualmente reconhece-se que:
a)
O biólogo na CETESB é importante não só como elemento de
bancada de laboratório, com sua capacidade de efetuar identificações e análises, mas também como partícipe do planejamento e discussões;
b)
Na história da CETESB os biólogos têm exercido papel fundamental, por exemplo, nos trabalhos para o estabelecimento de
padrões de controle inseridos na legislação;
c)
A adaptação ou criação de metodologias de coleta de amostras e análises foi e é atividade pioneira e difundida não só
em território nacional, mas no âmbito internacional (desde
muitos anos a CETESB tornou-se laboratório de referência
da Organização Pan Americana e Mundial da Saúde (OPS/
OMS); no meu tempo de atuação na CETESB, eram apenas
BioBrasilis ‫ ׀‬7
sete os laboratórios credenciados no mundo, e na América do
Sul, a CETESB recebia amostras para análise, inclusive vindas da Argentina; o outro laboratório era o da própria OPS,
no Centro de Pesquisas de Ingenieria Sanitária (CEPIS), em
Lima, Peru, que por sinal, durante muitos anos, foi presidido
pelo Eng. Sérgio Augusto Caporali, oriundo da nossa CETESB.
d)
A inserção na legislação do parâmetro biológico indicador
“Animais Bentônicos ou de Fundo” foi pioneiramente pesquisado aqui na CETESB por nossos biólogos e eu me orgulho de
minha modesta contribuição;
e)
Assim também os bioensaios padronizados com micro-crustáceos Daphnia e outros organismos deve-se aos esforços dos biólogos da CETESB, citando dentre outros Eduardo Bertoletti.
f)
O monitoramento para conhecer a balneabilidade das praias
teve um pioneiro estudo feito por mim aqui na CETESB, analisando as legislações de outros países e estabelecendo os primeiros
pontos de amostragem nas praias de todo o litoral de São Paulo.
Essa tarefa de campo e laboratório que fiz, acompanhado do
Químico Hélio Marsiglia, gerou um relatório que foi discutido
em Brasília e subsidiou a antiga SEMA nessa matéria.
g)
A criação do chamado IQA, Índice de Qualidade das Águas,
envolvendo vários parâmetros é também trabalho pioneiro da
CETESB com a ativa participação do corpo de biólogos.
h) A pesquisa do controle e tratamento de resíduos industriais
com processos biológicos e microbiológicos aeróbios e anaeróbios, assim como o estudo dos vírus é feita com profundidade
na Companhia.
i)
Atualmente também são efetuados estudos da poluição do solo
e do ar envolvendo a participação de biólogos da CETESB.
j)
As técnicas específicas para o controle das marés vermelhas
adaptadas e criadas com a participação dos biólogos liderados
por Denise Navas Pereira.
Portanto, devo finalmente ressaltar que o verdadeiro patrimônio da
CETESB, construído ao longo dessa maravilhosa trajetória, se consubstancia na atuação de seu corpo técnico e científico, e nesse caso, a participação dos biólogos tem sido fundamental. 
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
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‫ ׀‬BioBrasilis
Mesa Redonda 1:
Monitoramento e Diagnóstico Ambientais
Introdução
 Coordenador: Biól. Eduardo Bertoletti (CRBio 00599/01-D) EAHE/CETESB
O
s temas escolhidos para essa mesa redonda serão, sem dúvida,
abordados com propriedade pelos respectivos palestrantes. Por
tal motivo, a introdução aos trabalhos dessa mesa redonda consiste em
discorrer sobre aspectos comportamentais, ao invés dos técnicos. Nesse
sentido, em função dos vários anos de convivência com profissionais de
formação distinta, na CETESB, torna-se pertinente pontuar ao menos
três ações comportamentais que têm influenciado na realização profissional de muitos biólogos nessa Companhia.
ADAPTAR
DESBRAVAR
1990
1971
Aristides A. Rocha
Wilma C. Branco
Hideo Kawai
Esclarecimento e
discussões com engenheiros
BIÓLOGO
PERSISTIR
2000 – 2005
Inclusão nas legislações
estadual e federal
Figura 1
Na figura 1 estão representadas as três ações comportamentais, ou
seja, de desbravar, de adaptar e de persistir, as quais obedecem uma
sequência cronológica de acontecimentos dentro da CETESB. Para discorrer sobre essas ações, utilizaremos como pano de fundo as análises
ecotoxicológicas que consistem, resumidamente, na utilização de organismos vivos para detectar a ocorrência de efeitos tóxicos produzidos
por agentes químicos contidos em efluentes líquidos, águas superficiais
e sedimentos.
Sobre a ação de desbravar, pode-se entender duas das acepções da
palavra. A primeira delas é a de amansar, de perder a braveza, atitude
que os biólogos precursores da CETESB (alguns nominados na figura)
empreenderam contra os profissionais de engenharia que, no passado,
“torciam o nariz” ou ficavam bravos quando se mencionava o uso das
análises ecotoxicológicas.
O segundo significado da ação de desbravar é aquele típico do
biólogo, ou seja, o que abre o caminho ou o pioneiro. Nesse sentido,
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
podem-se citar como desbravadores, na CETESB, os biólogos Aristides
Almeida Rocha, Wilma Cardinale Branco e Hideo Kawai. Estes biólogos, no início dos anos de 1970, desenvolveram pesquisas com os ensaios ecotoxicológicos tendo como finalidade verificar o efeito tóxico de
efluentes líquidos em seus respectivos corpos hídricos receptores. Os
primeiros efluentes pesquisados foram os de indústrias químicas e de
chapas de fibra vegetal. O aspecto que merece destaque é que esses biólogos, na época, previam o potencial de efeito tóxico desses efluentes
com base no resultado dos ensaios ecotoxicológicos e, também, levando em consideração a diluição dos efluentes no corpo hídrico receptor.
Mais precisamente, o destaque mencionado reside no fato de que esse
tipo de previsão só seria utilizado nos EUA., pioneiramente no mundo
em termos legislativos, 10 anos depois das pesquisas publicadas pelos
biólogos da CETESB.
A ação de adaptar pode ser exemplificada na figura de biólogos que
ainda atuam na CETESB. Nesse sentido, pesquisas desenvolvidas na década de 1980 culminaram na elaboração de documentos publicados, em
1990, sobre a aplicação dos ensaios ecotoxicológicos na caracterização
de efluentes líquidos. O aspecto a ressaltar não é a publicação dos documentos, mas sim os trabalhos de convencimento e de consenso junto
a profissionais de formação diferente, particularmente os engenheiros,
para que os documentos fossem publicados.
Considerando a predominância histórica dos engenheiros na tomada de decisões relativas ao meio ambiente, houve a necessidade de
se compreender e dimensionar o conhecimento dos profissionais da
Engenharia, de modo que os biólogos pudessem adaptar a sua linguagem e forma de expressão. Para exemplificar, percebeu-se a dificuldade
dos engenheiros no uso dos nomes científicos dos animais nas discussões, sendo que o entendimento se tornava mais fluido quando tais
animais eram tratados como “bichinhos”. Portanto, o fato da linguagem hermética ter sido deixada de lado, momentaneamente, permitiu manter o foco das discussões em torno do significado dos ensaios
ecotoxicológicos.
Nessa mesma época, além da linguagem, outro tipo de adaptação
foi necessária, tal como a forma de aplicação dos resultados das análises
ecotoxicológicas, no caso de efluentes líquidos. Do ponto de vista estritamente biológico, a ocorrência, ou a ausência, de um efeito tóxico aos
organismos aquáticos já seria suficiente para caracterizar a existência, ou
não, de um impacto ambiental. No entanto, outros fatores também devem ser considerados para evitar os impactos ambientais, sendo que tais
fatores devem estar claramente demonstrados tanto para os emissores
de efluentes, como para os técnicos dos órgãos de controle da poluição.
Assim, os biólogos da CETESB tiveram que eleger uma fórmula matemática que englobasse os fatores envolvidos e, principalmente, que fosse
concisa e de fácil entendimento numérico, em especial para engenheiros. Como resultado, ao longo dos anos, foi possível constatar que a fórmula eleita para o controle ecotoxicológico de efluentes líquidos permite
BioBrasilis ‫ ׀‬9
o entendimento inequívoco de seus princípios, independentemente da
formação acadêmica dos profissionais envolvidos.
balneabilidade, a irrigação, a dessedentação, a recreação (navegação), o
uso paisagístico e a proteção da vida aquática.
Por fim, a ação de persistir é aquela que está implicitamente presente desde o início das pesquisas ecotoxicológicas na CETESB (década
de 1970), porém os resultados dessa persistência foram explicitamente
percebidos entre os anos de 2000 e 2005. Tais resultados consistem na
inclusão das análises ecotoxicológicas em algumas peças legais de cunho
ambiental, particularmente na Resolução estadual SMA-03/2000 e nas
Resoluções federais CONAMA 344/2004 e 357/2005.
Os padrões de qualidade para as variáveis biológicas, considerando os diferentes usos, são estabelecidos por diversos instrumentos legais. A regulamentação Federal inclui a Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde (Brasil, 2004),
referente à potabilidade das águas, a qual estabelece padrões para variáveis como
coliformes termotolerantes, presença de protozoários, número de células de cianobactérias e concentração de cianotoxinas, visando a proteção da saúde humana. Além disso, deve-se considerar a Resolução CONAMA 274/2000 (Brasil,
2000) que estabelece os padrões referentes à balneabilidade, incluindo coliformes termotolerantes e/ou E.coli e a Resolução CONAMA 357/2005 (Brasil,
2005) que estabelece critérios para a classificação e enquadramento dos corpos
d’água, bem como condições e padrões de lançamento de efluentes, incluindo para isso variáveis como pigmentos fotossintetizantes, número de células de
cianobactérias, o uso de comunidades biológicas e de ensaios ecotoxicológicos e toxicológicos. Estes últimos podem ser utilizados para avaliar as possíveis
interações entre as substâncias e a presença de contaminantes não listados na
Resolução, passíveis de causar danos aos seres vivos. Esses marcos legais, além da
legislação existente nas esferas estadual e municipal, são o ponto de partida para
o estabelecimento de programas de monitoramento.
A persistência mencionada pode ser atribuída à crença, de alguns biólogos da CETESB, de que as análises ecotoxicológicas são primordiais e
fundamentais para avaliar a qualidade de efluentes líquidos. No entanto,
a persistência foi também concretizada por outro aspecto, como a participação obrigatória e ativa em diversos fóruns de debate, onde a argumentação técnica raramente foi contestada e, quando ocorreram discordâncias,
houve a oportunidade para os esclarecimentos necessários. Além disso,
sem querer, alguns biólogos iniciaram-se na prática do “lobismo”, o qual
é incomum no cotidiano dos biólogos, porém corriqueiro em outras profissões. Portanto, embora o espaço para manifestação dos biólogos na CETESB tenha sido um tanto limitado, seja pela pouca representatividade
nos cargos administrativos (e consequentemente, na tomada de decisões)
ou pela dedicação exclusiva nas atividades de laboratório, a ação de persistir nas discussões relacionadas às suas especialidades foi aspecto crucial
para o reconhecimento dos seus trabalhos.
Em suma, as experiências na CETESB demonstram que não é suficiente para o biólogo ser um técnico eficaz. Como demonstrado na
figura, as ações de desbravar, adaptar e persistir devem sempre envolver
os biólogos, assim como outras tantas que poderiam ser eleitas, porém
essas três mencionadas foram fundamentais para o sucesso na trajetória
de muitos desses profissionais nessa Companhia.
As três ações apresentadas são dignas de reflexão, especialmente por
biólogos que iniciam suas atividades profissionais em qualquer empresa
ou universidade, visto que os aspectos comportamentais podem direcionar, de forma positiva, a trajetória tanto dos biólogos como das instituições que os abrigam. 
Rede de Monitoramento
O monitoramento da qualidade das águas interiores do Estado
de São Paulo é realizado pela CETESB desde a década de 70, com
o objetivo de avaliar a evolução da qualidade das águas, diagnosticar locais críticos, (definindo as causas, possibilitando a definição de
prioridades nas ações de prevenção, controle ou recuperação, conforme o uso destinado), subsidiar o planejamento ambiental (ex: emissão de licenças), além de fornecer informação aos Comitês de Bacia
e à população (CETESB, 2009a).
Os biólogos participam de diversas fases das atividades da Rede de
Monitoramento da CETESB, desde o seu planejamento, passando pela
coleta de amostras em campo, realização de análises laboratoriais e elaboração de relatórios técnicos.
Dentre os ensaios de cunho biológico realizados pelos laboratórios
da Cetesb estão os:
O Papel do Biólogo no Monitoramento da
Qualidade das Águas do Estado de São Paulo
•
Ecotoxicológicos: Testes de toxicidade aguda e crônica
(Bactérias, algas, microcrustáceos e equinodermos); Testes
de mutagenicidade e genotoxicidade (Teste de Ames, micronúcleo, cometa); Estudos de bioacumulação em organismos
aquáticos.
•
Microbiológicos e Parasitológicos: Indicadores microbiológicos de contaminação (coliformes, E.coli, Enterococos,
Pseudomonas aeruginosa, Clostridium perfringens, S. aureus, C.
albicans, bacteriófagos, bactérias heterotróficas e outros). Patógenos: Salmonella sp., Vibrio cholerae, vírus entéricos, protozoários (Giardia, Cryptosporidium) helmintos, etc. e microcistina. Microrganismos associados com corrosão e deterioração
de água.
•
Hidrobiológicos: Comunidades aquáticas (peixes, macroinvertebrados bentônicos, fito e zooplâncton); Algas tóxicas (cianobactérias); Clorofila a.
 Biól. Marta Condé Lamparelli (CRBio 14040/01-D) – EAH/CETESB
E
ntre as diferentes linhas de ação e atribuições legais da CETESB
(Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) está incluído o
monitoramento da qualidade ambiental do Estado de São Paulo. Esse
monitoramento tem por finalidade acompanhar a evolução da qualidade dos diferentes meios (ar, água e solos), elaborar diagnósticos e prognósticos, visando fornecer informação a planos de ação, além de subsidiar processos decisórios. Nesse sentido, a avaliação da qualidade das
águas interiores do Estado pela CETESB é realizada sistematicamente
por uma rede de monitoramento e por programas específicos. A escolha
das variáveis a serem monitoradas, incluindo nesse universo as biológicas, e o padrões aplicados para a interpretação dos resultados dependem
do enquadramento e, consequentemente, dos usos previstos para os
diferentes corpos d’água. Esses usos incluem o abastecimento público, a
Nem todos os ensaios são utilizados na rotina da Rede de monitoramento, mas servem de ferramentas para diagnósticos específicos. Em
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
10
‫ ׀‬BioBrasilis
cada ponto de monitoramento, que totalizam aproximadamente 400,
são determinadas até 50 variáveis, incluindo as físicas, químicas e biólogicas. Dentre as variáveis biológicas que fazem parte das análises
rotineiras da Rede de monitoramento da CETESB estão os coliformes
termotolerantes, testes de Ames, clorofila a, ensaios ecotoxicológicos,
número de células de cianobactérias, microcistinas, além da avaliação
de comunidades biológicas cuja implantação e utilização dos resultados
serão discutidas a seguir.
Índices de Qualidade das Águas
A apresentação dos resultados do monitoramento é feita por meio de
índices que sistematizam a informação de grande número de variáveis e facilitam aos operadores do saneamento e gestores ambientais a compreensão
dos resultados obtidos. Esses índices são utilizados para classificar os corpos
d’água em faixas de qualidade: Péssima, Ruim, Regular, Boa e Ótima.
Inicialmente, a CETESB utilizava no seu monitoramento das águas
interiores o Índice de Qualidade das Águas (IQA) que agrega variáveis
físicas, químicas e bacteriológicas para a avaliação das águas relativa à sua
tratabilidade, para fins de abastecimento público. Ao longo do tempo
o monitoramento foi incorporando, além de novos pontos de amostragem, novas variáveis e índices, buscando melhor diagnóstico dos rios e
reservatórios do Estado. Em 1994 os testes de toxicidade com organismos aquáticos (testes de toxicidade crônica com Ceriodaphnia dubia) integraram o programa, avaliando a presença/ausência de contaminantes.
Em 1998 uma resolução da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de
São Paulo (São Paulo, 1998) criou um grupo de trabalho para revisão
dos indicadores de qualidade de água composto por técnicos da CETESB, SABESP, Instituto de Botânica, Instituto de Pesca, Universidade
de São Paulo, Universidade Federal de São Carlos e outras instituições
do estado de São Paulo, que resultou na proposta de três diferentes índices de avaliação da qualidade das águas, relativos a diferentes usos:
Índices:
•
IVA: Índice de qualidade das águas para fins de proteção da
vida aquática dos rios e reservatórios. Este índice é composto de 12 variáveis, incluindo avaliação de substâncias tóxicas,
ensaios de ecotoxicológicos e grau de eutrofização (clorofila a),
(Zagatto et al., 1999);
•
IAP: Índice de qualidade da água bruta com vistas ao abastecimento público. Este índice é composto de 21 variáveis,
incluindo o IQA e a presença de substâncias tóxicas e organolépticas, precursores de trahalometanos, a determinação do
número de células de cianobactérias e os ensaios de mutagenicidade (teste de Ames), (CETESB, 2009a);
•
IB - Índice de balneabilidade, que avalia a condição da água
para recreação por meio de ensaios microbiológicos (CETESB,
2009b).
O desenvolvimento desses índices e sua aplicação em 2002 na
Rede de Monitoramento foi possível devido à experiência acumulada
pelos técnicos envolvidos, bem como ao banco de dados existente
na CETESB. Os índices de comunidades biológicas (fitoplâncton,
zooplâncton e bentos) discutidos nessa ocasião necessitaram ainda de
uma fase de validação (Coelho-Botelho et al., 2006), sendo incluídos no
monitoramento rotineiro do estado de São Paulo em 2003, juntamente
com avaliação da qualidade dos sedimentos.
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
Índices de Comunidades Aquáticas
A avaliação de comunidades aquáticas como ferramenta de diagnóstico ambiental teve início na CETESB década de 70 e inúmeros trabalhos
foram desenvolvidos ao longo dos anos em rios e reservatórios. O objetivo
do monitoramento biológico é integrar e traduzir, por meio de indicadores biológicos, eventuais impactos a que as comunidades aquáticas estão
submetidas no ambiente. Suas vantagens, em relação ao monitoramento
tradicional, são complementar as avaliações instantâneas, resultantes de
coletas pontuais de água, com avaliações que integram o ciclo de vida dos
organismos, incluindo indicações da disponibilidade dos contaminantes e
suas interações no ambiente, por meio da resposta das comunidades.
Bioindicadores de alterações estruturais ou funcionais das comunidades podem ser empregados na avaliação de impactos ambientais (ESD,
2005). Esses diferentes indicadores, como número total de organismos,
presença ou ausência de espécies sensíveis ou tolerantes, grau de dominância de grupos ou espécies, presença de espécies introduzidas podem
ser traduzidos em índices numéricos, ou em avaliações qualitativas. Cada
um dos indicadores pode ser apresentado individualmente ou de modo
integrado, em índices multimétricos. Estudos florísticos e taxonômicos
são fundamentais para a identificação das espécies que são tolerantes ou
resistentes e também em abordagens de monitoramento que dependem
de informações taxonômicas, como por exemplo, índices de diversidade.
Na avaliação das comunidades aquáticas é essencial separar os
efeitos antrópicos das variações naturais, pois ambos resultam em
modificações em sistemas biológicos. Para tanto, devem ser estabelecidos valores e/ou regiões de referência para comparação com a
área de estudo. Alguns autores que utilizam índices multimétricos
consideram como as condições de referência a integridade biológica
– definida como uma condição local capaz de suportar e manter um
sistema biológico equilibrado, integrado e maleável, apresentando
toda a gama de elementos e processos.
Os resultados do biomonitoramento podem ser descritivos ou
quantitativos. A falta de indicadores numéricos manteve os indicadores biológicos em desvantagem em relação aos indicadores físicos
e químicos tradicionalmente utilizados na engenharia sanitária. Os
resultados expressos em números são importantes, principalmente
quando se trabalha em equipes multidisciplinares, quando são comparados e os diagnósticos são realizados com base na análise global de
resultados. Também são importantes para interação entre o biólogo e
os profissionais de ciências exatas, como engenheiros ou sanitaristas,
e a divulgação para o público em geral, pois facilitam a “tradução” de
conceitos em resultados numéricos.
Além disso, as análises de comunidades aquáticas integram o rol de
determinações rotineiras, sendo executadas em grande número e exigindo
rapidez nos resultados, portanto, os métodos adotados devem atender a
essas premissas. Seguem alguns exemplos de índices de comunidade utilizados no biomonitoramento da qualidade das águas pela CETESB:
Fitoplâncton
A comunidade fitoplanctônica pode ser utilizada como indicadora da qualidade da água, principalmente em reservatórios, e a análise
da sua estrutura permite avaliar alguns efeitos decorrentes de alterações
ambientais. Esta comunidade é a base da cadeia alimentar e, portanto, a
produtividade dos elos seguintes depende da sua biomassa.
BioBrasilis ‫ ׀‬11
Os organismos fitoplanctônicos respondem rapidamente (em
dias) às alterações ambientais decorrentes da interferência antrópica ou natural. É uma comunidade indicadora do estado trófico
(grau de enriquecimento por nutrientes como fósforo e nitrogênio), podendo ainda ser utilizada como indicador de poluição por
pesticidas ou metais pesados (ex. presença de espécies resistentes ao
cobre) em reservatórios utilizados para abastecimento (Lamparelli
et al. , 1996).
A presença de algumas espécies em altas densidades pode comprometer a qualidade das águas, causando restrições ao seu tratamento e
distribuição. Atenção especial é dada ao grupo das Cianobactérias, que
possui espécies potencialmente tóxicas. A ocorrência destas algas tem
sido relacionada a eventos de mortandade de animais e danos à saúde
humana (Chorus & Bartran, 1999).
Índice da Comunidade Fitoplanctônica – ICF
Para uma resposta mais rápida na avaliação da qualidade da água, a
identificação em grandes grupos ou a observação da espécie dominante
já pode dar subsídios para ações imediatas. O índice para a comunidade
fitoplanctônica aplicado pela CETESB tem demonstrado ser eficaz para
biomonitoramento da qualidade da água em reservatórios (Carvalho,
2003). Este índice é baseado em três medidas, ou seja, proporção dos
grandes grupos que compõem o fitoplâncton, da densidade dos organismos e a concentração de clorofila a, classificando a água em Ótima, Boa,
Regular, Ruim e Péssima.
Como análises complementares são realizadas determinações do número de células de cianobactérias e, eventualmente, da concentração de
microcistina.
Zooplâncton
A comunidade zooplanctônica, formada por protozoários, rotíferos,
cladóceros e copépodes, grupos dominantes no ambiente de água doce,
é importante na manutenção do equilíbrio do ambiente aquático, podendo atuar como reguladora da comunidade fitoplanctônica (utilizando-a como alimento) e na reciclagem de nutrientes, além de servir de
alimento para diversas espécies de peixes.
Uma das alterações da comunidade zooplanctônica associada ao
aumento da poluição aquática é a simplificação da cadeia alimentar e
conseqüente redução do número de espécies, sendo as mais resistentes
geralmente presentes em números elevados. Sabe-se atualmente que a
riqueza planctônica é variável que sofre interferência de diversos fatores
e o aumento do estado trófico, muitas vezes, promove a presença de
maior número de espécies, devido à redução da competição por recursos
alimentares entre elas (Matsumura-Tundisi et al., 2002).
Índice da Comunidade Zooplanctônica para Reservatórios - ICZRES
O ICZRES (Coelho-Botelho, 2003) aplicado pela CETESB leva
em consideração a presença ou ausência dos grupos principais e relaciona a razão entre o número total de calanóides (NCal), indicador
de melhor qualidade da água, e o número total de ciclopóides (NCyc),
indicador de ambientes altamente eutróficos com o respectivo Índice
de Estado Trófico (IET), calculado com os dados de clorofila a. Estes
dois resultados (razão NCal/NCyc e IET) são associados com categorias
de qualidade Boa, Regular, Ruim e Péssima.
Bentos
A comunidade bentônica corresponde ao conjunto de organismos
que vive todo ou parte de seu ciclo de vida no substrato de fundo de
ambientes aquáticos. Os macroinvertebrados (invertebrados selecionados em rede de 0,5mm) que compõem essa comunidade têm sido
sistematicamente utilizados em redes de biomonitoramento em vários
países porque ocorrem em todos os tipos de ecossistemas aquáticos e
exibem ampla variedade de tolerâncias a vários graus e tipos de poluição. Além disso, os macroinvertebrados têm baixa motilidade, estando
continuamente sujeitos às alterações de qualidade do ambiente aquático, servindo como monitores contínuos que possibilitam a avaliação, a
longo prazo, dos efeitos de descargas regulares, intermitentes ou difusas,
de concentrações variáveis de poluentes e de efeitos sinergísticos e antagônicos entre contaminantes. Nos rios são avaliadas as comunidades das
zonas deposicionais e nos reservatórios, as comunidades de duas zonas,
a sublitoral e a profundal, são consideradas. A região sublitoral é mais
sensível à degradação recente, ou seja, a contaminantes presentes na coluna d’água, e a segunda, ao histórico de degradação local, associada a
contaminantes acumulados nos sedimentos.
Índices da Comunidade Bentônica para rios e reservatórios (ICB)
O ICB aplicado pela CETESB considera diferentes descritores, os
quais foram fundidos em índices multimétricos, adequados a cada tipo
de ambiente, ou seja, zonas sublitoral e profundal de reservatórios e rios.
As métricas consideradas na composição do ICB são Riqueza; Índice
de Diversidade de Shannon-Wiener; Índice de Comparação Sequencial;
Razão Tanytarsini/Chironomidae; Riqueza de táxons sensíveis; Dominância de grupos tolerantes.
Além disso, sempre que possível, ou seja, quando ocorrem populações significativas de Chironomus nas amostras, é avaliada a frequência
de deformidade no mento dessas larvas, tendo sido considerado deformidade, “gap”, falta e excesso de dentes (Kuhlmann et al., 2000), as
quais são correlacionadas com a presença de contaminantes no meio.
Os índices de comunidades planctônicas, juntamente com o da comunidade bentônica da região sublitoral, permitem um diagnóstico integrado dos ecossistemas aquáticos, cuja avaliação considera em conjunto
os resultados das variáveis físicas e químicas, bem como climatológicas.
Sedimento
A avaliação e a classificação da qualidade dos sedimentos, incorporada desde 2003 à Rede de monitoramento, é baseadas em diferentes
linhas de evidência, quais sejam: a concentração de substâncias químicas, testes de ecotoxicidade, mutagenicidade e resultados da avaliação da
comunidade bentônica. Com relação ao seu potencial de ecotoxicidade,
são utilizadas quatro classes de qualidade de ótima a péssima, de acordo
com os tipos e intensidades de efeitos observados em ensaios realizados
com Hyalella azteca (Araújo, 2005) na graduação de efeito agudo (mortalidade) e subletal (crescimento). A qualidade química do sedimento,
com vistas à proteção da vida aquática, foi baseada nos valores estabelecidos pelo “Canadian Council of Ministers of the Environment”
(CCME, 2002) para arsênio, metais pesados e compostos orgânicos,
utilizando cinco classes de contaminação química (Kuhlmann et al.,
2007). O diagnóstico da qualidade dos sedimentos integra essas diferentes avaliações, incluindo a comunidade bentônica e anualmente
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
12
‫ ׀‬BioBrasilis
abrange aproximadamente 30 pontos localizados em bacias que apresentam maiores problemas de contaminantes no corpo de água e que são
reavaliados e eventualmente alterados/substituídos ao longo dos anos.
Publicações
Outra atividade de suma importância é a publicação e a divulgação
dos trabalhos, por meio de relatórios técnicos, artigos científicos, livros
e manuais. Os resultados do monitoramento são publicados no Relatório de Qualidade das Águas, que são divulgados pela internet (CETESB,
2009b). Além disso, alguns trabalhos de tópicos específicos, relacionados
à qualidade das águas, também são produzidos, como o “Manual ilustrado para Identificação e Contagem de Cianobactérias Planctônicas de
Águas Continentais Brasileiras”, (Sant’Anna et al., 2006), publicado em
conjunto com pesquisadores do Instituto de Botânica (SP) e o recente documento da Série Manuais (Bertoletti, 2008) que atualiza procedimentos
para utilização de testes de toxicidade no controle de efluentes líquidos.
Desafios do Biomonitoramento
Os grandes desafios para os programas de monitoramento são ter agilidade, continuidade, atualização e qualidade dos resultados. Além disso,
quando é incluído o biomonitoramento, além de infraestrutura laboratorial
adequada, metodologia padronizada e garantias de qualidade, visando comparações espaciais e temporais, o significado dos indicadores escolhidos deve
ser claro para os tomadores de decisão e o público em geral (USEPA, 2005).
As metodologias utilizadas no biomonitoramento estão em constante aperfeiçoamento e vários aspectos continuarão a ser avaliados em projetos específicos
da CETESB, bem como em parcerias com universidades e institutos de pesquisa. O avanço do conhecimento é essencial para a produção de ferramentas
baseadas em conceitos ecológicos e biológicos, que incluam diferentes níveis de
organização dos seres vivos, adequadas para a avaliação de diferentes efeitos biológicos, conjuntamente com aspectos físico, químicos e da legislação.
A inclusão, na última década, de padrões de qualidade para variáveis
biológicas e de monitoramento de comunidades aquáticas na legislação federal favoreceram programas de biomonitoramento. No entanto, estes ainda não são amplamente utilizados no Brasil. No Estado de Minas Gerais,
uma deliberação conjunta do Conselho de Recursos Hídricos e do Conselho de Política Ambiental de 2008 (Minas Gerais, 2008) estabelece, em seu
Art. 6º que a qualidade dos ambientes aquáticos deverá (grifo do autor) ser
avaliada por indicadores biológicos, utilizando-se comunidades aquáticas,
em um prazo de quatro anos, com critérios a serem definidos. Segundo
Machado (2008), a utilização dos peixes e de outros organismos aquáticos
como indicadores de qualidade ambiental tem favorecido o envolvimento
da população na compreensão das metas de revitalização de rios no estado de Minas Gerais, como ocorre no programa de recuperação do rio das
Velhas. A obrigatoriedade da utilização de indicadores biológicos pode ser
considerada um avanço, devendo ser um desafio para os outros estados.
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Qualidade dos Ecossistemas Terrestres
especialmente no Vale do Moji, que desceram rio abaixo e encobriram
muitos pátios de armazéns industriais, rompendo duto de amônio e,
obrigando a retirada em massa da população.
O Governador Franco Montoro constituiu uma Comissão Especial para a Restauração da Serra do Mar na região de Cubatão, presidida pelo então presidente da CETESB, Werner Eugênio Zulauf. Foram
tomadas medidas emergências, de médio e longo prazo, incluindo o
controle da poluição atmosférica e ações de recuperação da vegetação.
Com orientação do Instituto de Botânica foram realizados plantios
em 200 ravinas.
A CETESB, a partir desta situação, realizou série de trabalhos voltados à avaliação do impacto provocado pelo conjunto de poluentes
atmosféricos sobre a vegetação como um todo, além de trabalhar em
parceria com o Instituto de Botânica e realizar Convênio Internacional.
Todo este processo culminou na estruturação, na CETESB, de um laboratório para estudos com vegetação e de um viveiro, além da realização,
em fevereiro e abril de 1989 e em janeiro de 1990, de semeadura aérea
com sementes peletizadas de espécies arbóreas e arbustivas pioneiras e
secundárias resistentes à poluição (aproximadamente 750 milhões de
sementes).
 Biól. Mara Magalhães Gaeta Lemos (CRBio 03259/01-D) – ESSE/
CETESB
A
proteção da qualidade do ecossistema terrestre com relação à poluição atmosférica e a disposição no solo de resíduos e efluentes é
feita com base na definição de critérios de qualidade, diagnósticos e monitoramentos que subsidiam as atividades de licenciamento e as ações de
controle. Envolve tanto ecossistemas naturais, como áreas agrícolas ou
mesmo áreas de descarte de resíduos. Não basta avaliar as emissões dos
poluentes e, desta forma, a participação de biólogo é muito importante
na realização de planos de monitoramento e diagnósticos ambientais
que possam subsidiar ações de prevenção e na definição de critérios de
qualidade e procedimentos a serem adotados pelos empreendedores.
Um dos primeiros estudos realizados pela CETESB para avaliar a
suscetibilidade de florestas à poluição atmosférica foi com relação à degradação da vegetação da Serra do Mar. Em outubro de 1984 foi publicado o relatório preliminar “A degradação da vegetação da Serra do Mar
em Cubatão” para verificar quais os principais poluentes que poderiam
estar atuando nessa degradação, a partir de análise de substâncias químicas em amostras foliares e do folhedo, coletadas nos vales do Moji
(vegetação degradada) e do Quilombo (sem indício de degradação advinda da poluição atmosférica). Dentre os resultados, observou-se forte
tendência de acúmulo de fluoretos no Vale do Moji, sendo este um dos
mais importantes agentes fitotóxicos.
A cobertura vegetal é mais sensível à poluição atmosférica do
que os animais. Com o passar do tempo, nas comunidades vegetais,
os efeitos dos poluentes e suas interações podem resultar em uma
série de alterações: eliminação de espécies sensíveis, redução na diversidade, remoção seletiva das espécies dominantes, diminuição no
crescimento e na biomassa e aumento da suscetibilidade ao ataque
de pragas e doenças.
Em 1985, devido às fortes chuvas dos dias 22 e 23 de janeiro, aliado
à grande degradação da vegetação, o equilíbrio das escarpas foi rompido,
ocorrendo centenas de escorregamentos nas encostas da Serra do Mar,
Degradação do ecossistema da Mata Atlântica advinda da poluição atmosférica
de Cubatão e os deslizamentos da Serra do Mar ocorridos na região, em janeiro
de 1985.
A partir desta estruturação, foram desenvolvidos diversos trabalhos
no Estado de São Paulo de diagnóstico ambiental no entorno de áreas industriais (solo e vegetação), de biomonitoramento com espécies
vegetais e de recuperação de áreas degradadas. Neste último, pode-se
destacar o Projeto experimental, pioneiro no Estado de São Paulo, de
implantação de manguezal na região de Cubatão (fotos a seguir).
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14
‫ ׀‬BioBrasilis
Plantio de Rizophora sp realizado pela CETESB na região de Cubatão
Laboratório e viveiro da CETESB relacionado a estudos com bioindicadores
vegetais
solo, que podem impactar negativamente o ecossistema terrestre, com
antecedência, quando comparado com análises físicas ou químicas, além
de ser ferramenta de baixo custo para aplicação. Como exemplo, pode-se citar a padronização de ensaios com espécie vegetal para verificar o
potencial de fitotoxicidade de emissões atmosféricas de fluoretos gasosos
e da presença de ozônio troposférico.
Nicotiana tabacum Bel W3, variedade de tabaco sensível ao ozônio troposférico,
utilizada no biomonitoramento, apresentando folhas com injúrias típicas da ação
desse poluente
Atualmente, para a prevenção e o controle da qualidade de Ecossistemas Terrestres são desenvolvidos estudos relacionados a:
•
estabelecimento de ensaios utilizando bioindicadores vegetais;
•
elaboração de critérios de qualidade;
•
realização de diagnósticos e monitoramentos; e
•
participação na elaboração de regulamentos.
A importância do estabelecimento de ensaios com bioindicadores
vegetais é que eles podem indicar alterações na qualidade do ar ou do
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
Conjunto de exemplares de Cordyline terminalis (dracena) utilizado no biomonitoramento ativo para avaliar fluoretos atmosféricos.
BioBrasilis ‫ ׀‬15
São importantes também campanhas de coleta de amostras foliares
de indivíduos que estão no local impactado, para a avaliação cumulativa
de eventos ocorridos em um determinado período de tempo, resgatando um histórico ambiental não passível de detecção ou medição por
outros métodos.
Para subsidiar e validar valores orientadores de qualidade do solo, a
CETESB, seguindo critérios internacionais, desenvolveu ensaios de fitotoxicidade crônica, avaliando o desenvolvimento das espécies vegetais
de Brassica juncea (mostarda) e Helianthus annuus (girassol), em vasos
contendo solos com diferentes concentrações de chumbo. Os resultados
para as duas espécies utilizadas (mostarda e girassol) foram similares,
apresentando inibição do crescimento, da produção de biomassa e da
maturação sexual, em solo a partir de 106 mg kg-1 de chumbo.
Esses valores hoje encontram-se definidos na Lei Estadual no
13.577, de 8 de julho de 2009, que dispõe sobre diretrizes e procedimentos de proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas
contaminadas.
A CETESB, considerando a importância de conhecer a qualidade dos
solos do Estado de São Paulo, tem realizado estudos regionais em solos de
fragmentos de mata e de áreas agrícolas, publicando em 2008 o relatório
“Valores da condição da qualidade dos solos da bacia hidrográfica do Alto
Tietê – UGRHI 6 e Região Metropolitana de São Paulo – RMSP”. A
figura a seguir apresenta as classes de concentração de cádmio encontradas
em fragmentos de mata e áreas agrícolas da região de estudo.
Distribuição espacial dos resultados de cádmio das amostras de solo
coletadas na UGRHI 6
Foto mostrando o resultado final do crescimento até a maturação de exemplares
de Helianthus annuus (girassol) plantados em vasos contendo solo com concentrações de chumbo (da esquerda para direita) de 90000, 106, 42 e 16 mg/kg
Os critérios de qualidade mais importantes estabelecidos são os
valores orientadores da qualidade do solo e da água subterrânea. Em
2001, a CETESB publicou a primeira lista de valores orientadores,
que foram revisados e atualizados em 2005 (disponível em http://
www.cetesb.sp.gov.br/Solo). Estes valores foram definidos como: valores de referência de qualidade (VRQ), de prevenção (VP) e intervenção (VI).
Para proteção da vegetação, a CETESB realiza campanhas de coleta de amostras vegetais de plantas que se encontram no local de estudo (biomonitoramento passivo) ou de exposição de espécies vegetais
bioindicadoras de poluição atmosférica (biomonitoramento ativo). A
figura seguinte apresenta os resultados obtidos em 2004 para verificar,
em Cubatão, o potencial de fitotoxicidade à emissão de fluoretos atmosféricos, mostrando que ainda este poluente pode estar prejudicando a
regeneração da Mata Atlântica neste trecho.
Os valores de referência de qualidade foram estabelecidos a partir de avaliação das características dos solos paulistas, em locais que
ainda conservavam condições mais próximas das naturais, sendo definidos como a concentração de determinada substância que define
um solo como limpo ou a qualidade natural da água subterrânea.
O valor de prevenção foi definido como a concentração no solo
de determinada substância acima da qual podem ocorrer alterações
prejudiciais à qualidade do solo. Este valor indica a qualidade de um
solo capaz de sustentar as suas funções primárias, protegendo-se os
receptores ecológicos.
O valor de intervenção é a concentração de determinada substância no solo, acima da qual existem riscos potenciais diretos e indiretos à saúde humana, considerado um cenário de exposição genérico.
Resultados obtidos para fluoretos no biomonitoramento com Cordyline terminalis (dracena) realizado em 2004, em diversos pontos de Cubatão, em comparação
com o Valor de Referência.
Os desafios e as perspectivas são inúmeros, pois essa área ainda não
tem suporte técnico equivalente ao ambiente aquático.
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‫ ׀‬BioBrasilis
Por exemplo, a poluição do solo vem, cada vez mais, se tornando motivo de preocupação para a sociedade e para as autoridades, devido não só
aos aspectos de proteção à saúde pública e ao meio ambiente, mas também
à publicidade dada aos relatos de episódios críticos de poluição por todo o
mundo, advindos do efeito cumulativo da deposição de poluentes atmosféricos, da aplicação de defensivos agrícolas e fertilizantes e da disposição de
resíduos sólidos industriais, urbanos, materiais tóxicos e radioativos.
BPL – Boas Práticas de Laboratório (em inglês, GLP – Good Laboratory Practices) e a NBR ISO/IEC 17025, que estabelece os requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração. Estas duas últimas são concedidas aos laboratórios somente pelo
INMETRO e diferem um pouco na sua abrangência, porém ambas
preocupam-se com a segurança dos dados analíticos, a rastreabilidade dos resultados e todas as garantias de qualidade do laboratório.
Apesar desta realidade, a poluição do solo, ainda não foi plenamente
discutida e ainda não existe consenso entre os pesquisadores de quais seriam as melhores formas de abordagem da questão. Além das dificuldades
técnicas, a questão política reveste-se de grande importância, pois, se não
for adequadamente conduzida, o controle da poluição ficará prejudicado,
induzindo a ocorrência de áreas que apresentam condições adversas para a
ciclagem de nutrientes (ciclo do carbono, nitrogênio, fósforo), no ciclo da
água, prejudicando a produção de alimentos de origem vegetal e animal.
Em agosto de 2006, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de
São Paulo publicou uma Resolução condicionando a aceitação de laudos
analíticos pelos órgãos integrantes do SEAQUA (Sistema Estadual de
Administração da Qualidade Ambiental, Proteção, Controle e Desenvolvimento do Meio Ambiente e Uso Adequado dos Recursos Naturais)
à acreditação do laboratório pelo INMETRO na norma ABNT NBR
ISO/IEC 17025:2005 (RBLE) ou por outro organismo que faça parte
de acordos de reconhecimento mútuo, a partir de agosto de 2008. Houve prorrogação por mais um ano e, em 01/09/09, a Resolução entrou em
vigor. O objetivo desta Resolução é garantir a qualidade dos resultados
analíticos que são apresentados ao sistema de meio ambiente do Estado
de São Paulo, que subsidiam ações legais de controle, monitoramento e
fiscalização de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
Nesta linha, os grandes desafios são a elaboração de procedimentos
para avaliação de risco ecológico adaptado às nossas condições, a definição de valores de referência de qualidade para poluentes em vegetação, o
estabelecimento de procedimentos para disposição de efluentes líquidos
e resíduos em solo agrícola e a adoção sistemática do biomonitoramento
com espécies vegetais como ferramenta de prevenção e controle de poluição atmosférica (fluoreto, ozônio, chumbo, etc). 
Qualidade Laboratorial
 Biól. Deborah Arnsdorff Roubicek (CRBio 03287/01-D) - Responsável pela
Qualidade - Departamento de Análises Ambientais - Gerente do Setor de
Toxicologia Humana e Saúde Ambiental - EA/CETESB
U
m dos principais fatores no desempenho de uma organização é
a qualidade de seus serviços. Isto também é válido para ensaios
realizados em laboratórios, sejam eles de pesquisa ou como prestadores
de serviço, públicos ou privados. Espera-se que os resultados analíticos
sejam corretos e confiáveis, o que requer, necessariamente, a existência
de controles rígidos de qualidade.
A implantação de um Sistema de Gestão de Qualidade Laboratorial
é um passo além da garantia da qualidade analítica, que abrange todos os
aspectos da organização, inclusive administrativos. Desta forma, é possível gerenciar todos os itens capazes de afetar os resultados de um ensaio.
Além disso, pode aumentar a confiabilidade dos resultados gerados, a
credibilidade do laboratório e ainda possibilita o reconhecimento da sua
competência nacional e internacionalmente.
De maneira bastante simplificada, pode-se dizer que o sistema de
gestão da qualidade significa, na prática, dizer o que se faz, em referência
a todos os procedimentos do laboratório que devem estar documentados; fazer o que diz, isto é, seguir os procedimentos estabelecidos; provar
o que diz que faz, sendo possível rastrear todos os passos e demonstrar
que os procedimentos foram seguidos e, por último, verificar periodicamente, o que quer dizer que o sistema deve ser avaliado/auditado.
Existem algumas normas de referência para a implantação de
sistemas de gestão da Qualidade. As normas da série ISO 9000 são
bastante conhecidas e aplicam-se basicamente a produtos e serviços oferecidos por uma organização. Este reconhecimento pode ser
concedido por empresas certificadoras ou pelo Instituto Nacional
de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO.
Para ensaios de laboratório, as normas utilizadas são geralmente a
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A CETESB, Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, tem
unidades laboratoriais em oito municípios do Estado, incluindo a capital.
Nestes laboratórios realiza-se diversa gama de ensaios químicos, biológicos
e toxicológicos, dos quais uma parte considerável já está acreditada junto
ao INMETRO (cerca de 400 ensaios/parâmetros). A cada ano, o escopo
de acreditação dos laboratórios é incrementado e a meta é ter todos os
ensaios acreditados, incluindo os procedimentos de amostragem.
Na prática, a acreditação é vantajosa, pois os ensaios têm menos
erros, há menos retrabalho e é mais fácil perceber e corrigir problemas.
O trabalho fica mais organizado e o pessoal mais envolvido e participativo. É fundamental para os sistemas de gestão da qualidade ter o
comprometimento de todos, seja pessoal gerencial ou técnico. Confiabilidade dos resultados e credibilidade do laboratório são mais que
uma vantagem: podem representar ganho econômico ao laboratório.
Também há dificuldades na implantação desses sistemas. Eles são
burocráticos, pois tudo deve ser corretamente registrado e não é muito
fácil, dependendo do tamanho da organização, manter o pessoal da alta
administração do laboratório comprometido todo o tempo. No que diz
respeito à parte técnica, verifica-se que não há, no momento, ensaios
de proficiência para todos os parâmetros analisados pelos laboratórios
e também alguma dificuldade nos cálculos de incerteza. A Norma também requer garantias de insumos e fornecedores, o que nem sempre é
tarefa simples quando a empresa é pública e todos os processos de aquisição de insumos envolvem licitações e várias outras exigências legais.
Para o trabalho do biólogo, a gestão da qualidade complementa
os controles de qualidade analíticos e impõe alguns outros desafios.
As regras e normas foram, na sua grande maioria, estabelecidas considerando análises químicas instrumentais, o que é muito diferente das
análises biológicas, que dependem, essencialmente do analista, da sua
experiência e dos organismos/sistemas com os quais se está trabalhando. Pensar em controles que atendam a ISO 17025, seja nos cálculos
de incerteza, seja nos padrões de referência, requer dose extra de ciência e de criatividade.
De maneira geral, no entanto, as dificuldades podem ser superadas
e a implantação de Sistemas de Gestão de Qualidade de ensaio traz realmente inúmeras vantagens aos laboratórios e aos analistas. 
BioBrasilis ‫ ׀‬17
Mesa Redonda 3:
Emergências Ambientais e Educação Ambiental
Introdução
 Coordenador: Biól. Iris Regina F. Poffo (CRBio 06154/01-D) – (DSc) –
EIPE/CETESB
A
gradeço o convite do CRBio-01 e a indicação da Biól. Marta Lamparelli da CETESB para coordenar este painel sobre o papel do
biólogo nas Emergências Ambientais e na Educação Ambiental. Sou bióloga formada pela Universidade Mackenzie em 1987, tenho mestrado
e doutorado em Ciência Ambiental pelo PROCAM-USP e trabalho na
CETESB desde 1985, contando o tempo de estagiária. Neste período tive
oportunidade de atuar nestas duas áreas. Assim, gostaria de apresentar um
breve histórico destes dois temas antes de passar a palavra aos palestrantes.
As atividades relacionadas com Educação Ambiental na CETESB começaram no início da década de 1980, com a criação da Diretoria de Planejamento e Educação Ambiental - DEPLAN, uma ação inovadora de políticas públicas no governo do Estado de São Paulo após o período da ditadura.
Havia dois grupos de trabalho, um voltado para Educação Ambiental Formal, ou seja, direcionado para as escolas, e o outro, de Educação
Ambiental não formal, direcionado para o trabalho de ação comunitária. No primeiro setor, formado por sociólogas e pedagogas, surge o
primeiro biólogo, Edson Lobato (formado pela Univ. de Santo Amaro –
OSEC na época), sendo atualmente gestor do Parque Estadual da Serra
do Mar – Núcleo São Sebastião.
Muitos foram os trabalhos elaborados por estes grupos, destacando-se a publicação de materiais didáticos de apoio aos professores de 1º e 2º
graus, contemplando a aplicação de conceitos ambientais não como uma
única disciplina, mas inserido nas diversas disciplinas do currículo escolar
tais como ciências, geografia e português. Várias cartilhas de Educação
Ambiental foram também elaboradas para os alunos. O material elaborado e utilizado nesta época está disponível na biblioteca da CETESB.
Paralelamente, o outro setor desenvolvia trabalhos com a comunidade, sendo a cidade Cubatão uma das primeiras a ser contemplada, devido
à emergência dos graves problemas socioambientais e de saúde pública
provenientes da poluição industrial. Nesta época surgiram as primeiras
“parcerias” entre a CETESB e as ONGS – organizações não governamentais sem fins lucrativos, como apoio a estes trabalhos de Educação Ambiental. Como exemplo, citemos apenas duas para não esquecer outras
organizações de grande importância: a ABEPPOLAR - Associação Brasileira de Ecologia e Prevenção a Poluição do Ar, e o CEACON – Centro
de Estudos e Atividades de Conservação da Natureza, por intermédio do
Projeto FREPNA - Frente de Proteção da Natureza, o qual foi criado originalmente por um grupo de estudantes de biologia do Mackenzie.
Cabe lembrar que, no início da década de 1980, a CETESB pertencia ao quadro da SOMA – Secretaria de Obras e Meio Ambiente pois a
Secretaria do Meio Ambiente, ainda não havia sido criada. Quando foi
criada a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, surgiu a Coordenadoria de Educação Ambiental – CEAM, e na CETESB, surgiu uma área
voltada para ações de mobilização ambiental, tendo três biólogos no
corpo gerencial e mais cinco biólogos na equipe, os quais ingressaram
como estagiários. Entre as atividades desenvolvidas pela “Mobilização”,
além de Campanhas sobre Poluição do Ar e Saneamento Ambiental,
uma das mais conhecidas foi a Operação Praia Limpa, iniciada na época
da SOMA, com o nome de “Lugar de lixo é no lixo”, então coordenada
pelo sociólogo Ícaro A. Cunha.
Enfim, resumindo, com as mudanças de gestão governamental, a
área de mobilização foi extinta na década de 1990 e a Coordenadoria de
Educação Ambiental continuou e desenvolveu muitas atividades importantes, ampliando seu leque de atuação não apenas na interface educação formal/não formal, como também junto às unidades de conservação
e prefeituras. 
Educação Ambiental
 Biól. Julia de Lima Krahenbuhl - CEA/SMA
É comum ouvirmos a definição de sociedade sustentável como
aquela “capaz de satisfazer as suas necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras”. Incontestável.
A definição nos faz lembrar da nossa responsabilidade de deixar aos
nossos filhos e netos um mundo com tantas oportunidades quanto a
que tivemos o privilégio de desfrutar. Por outro lado, a definição não
cita como alcançamos essa sociedade tão almejada. Precisamos definir a
forma de tornar isso prático. Qual(is) ação(ões) deve(m) ser adotada(s)
para tornar isso possível?
O início da construção dessa definição operacional é que não precisamos reinventar, formular e construir sociedades sustentáveis a partir
do zero. Podemos aprender como outras sociedades que conseguiram
se sustentar durante séculos. Podemos também aprender moldar sociedades de acordo com os ecossistemas naturais, que são comunidades sustentáveis de plantas, animais e microorganismos. Uma vez que
a característica mais marcante da biosfera é a capacidade inerente de
sustentar a vida, uma sociedade sustentável terá que ser planejada de
tal maneira que os seus estilos de vida, tecnologias, relações sociais, respeitem, apóiem e cooperem com a capacidade inerente da natureza de
manter a vida.
Para tanto, é fundamental que conheçamos a fundo quais são os
processos, métodos, formas de a natureza sustentar a grande e complexa
teia da vida.
Como os ecossistemas se organizaram para sustentar os processos
vitais básicos através de bilhões de anos de evolução? Como eles podem
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‫ ׀‬BioBrasilis
prosperar com uma abundância de energia e sem desperdício? Como
a natureza transforma e cria superfícies mais duras do que a cerâmica
(manufaturada pela nossa alta tecnologia), como é o caso das conchas
que encontramos na praia; e os fios que as aranhas tecem serem mais
resistentes do que o aço? E sem produção de nenhum resíduo tóxico!?
A Educação Ambiental é uma forma de facilitar o entendimento
dessas questões, traduzindo a complexidade de termos e princípios básicos da biologia, despertando o respeito pela natureza, por meio de uma
abordagem multidisciplinar e transversal baseada nas experiências e na
participação ativa da sociedade.
Em 1977, na Conferência de Tbilisi (UNESCO), a Educação Ambiental foi definida como um processo contínuo no qual os indivíduos
e a comunidade tomam consciência de seu meio ambiente e adquirem
o conhecimento, os valores, as habilidades, as experiências e a determinação que os tornam aptos a agir – individual e coletivamente – e resolver os problemas ambientais presentes e futuros. Portanto, por meio da
Educação Ambiental damos início e continuidade na transformação da
sociedade, visando à melhoria da qualidade de vida.
A Educação Ambiental estimula tanto o entendimento intelectual
da ecologia como cria vínculos emocionais com a natureza. Por isso,
ela tem muito mais probabilidade de fazer com que nossas crianças se
tornem cidadãos responsáveis e realmente preocupados com a sustentabilidade da vida; que sejam capazes de desenvolver uma paixão pela
aplicação dos seus conhecimentos ecológicos, propondo novas formas
de compreensão e desenvolvimento das nossas tecnologias e instituições
sociais, de maneira a preencher a lacuna existente entre a prática humana e os sistemas da natureza ecologicamente sustentáveis.
Tendo isso como base, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente
de São Paulo, pelo Secretário Xico Graziano, criou o Programa Criança
Ecológica com o principal objetivo de discutir as relações entre meio
ambiente e mudanças de atitude com crianças de 8 a 10 anos. Com uma
linguagem lúdica, divertida, as crianças entram em contato com um
mundo de fantasia e super-heróis que transformam a teoria da biologia
densa e sistemática, para uma linguagem de fácil compreensão. As Agendas Ambientais (Fauna, Flora, Poluição, Água e Aquecimento global)
são representadas por personagens, com o intuito de criar uma identidade com as crianças. Dois personagens representam as atitudes contrárias
à preservação, como o consumismo e o desperdício, estabelecendo assim
um elo com as atitudes prejudiciais ao meio ambiente, causados pelo
descaso e pela falta de informação. Ao final da história, essas últimas
personagens se dão conta que as más atitudes não contribuem para a
sustentabilidade do Planeta, e se juntam a Turma da Criança Ecológica.
O compromisso assumido, fortalece o elo entre Estado e Município,
sendo que este último poderá receber recursos financeiros caso tenham
sido bem-sucedidos na elaboração de políticas públicas eficazes na área
ambiental.
Não existe nenhum “currículo de sustentabilidade” que sirva pra
tudo. Os programas bem-sucedidos não são necessariamente reproduzíveis, mas possibilitam e estimulam os principais atores multiplicadores
(pais e educadores, por exemplo) a procurarem soluções para as especificidades de seus próprios problemas.
Portanto, o entendimento das conexões da natureza estudadas e
discutidas no ensino da biologia e ecologia, facilitam a adequação da
linguagem para os públicos que necessitam de maiores informações para
que consigam mudar as atitudes, o comportamento que vêm atrasando/
dificultando a luta a favor de uma sociedade sustentável.
“O desequilíbrio dos ecossistemas reflete um desequilíbrio anterior da
mente, tornando-o uma questão fundamental nas instituições voltadas
para o aperfeiçoamento da mente. Em outras palavras, a crise ecológica é,
em todos os sentidos, uma crise da (na) educação.” David W. Orr
“A sobrevivência da humanidade vai depender de nossa habilidade em entender os princípios da ecologia e viver de acordo com eles”.
Fritjof Capra
Nós Biólogos, temos um enorme desafio pela frente! 
Personagens do Projeto Criança Ecológica representando a Agenda Ambiental
Créditos: Criação: Mônica de Lima Ilustração: Ricardo Martins
Créditos: Arquivo SMA
O Programa, criado em 2009, em apenas 1 ano de existência já
conta com mais de 130.000 alunos engajados na discussão de trabalho
efetivo de mudanças de comportamentos individuais e coletivas. O livro
“Criança Ecológica – Sou dessa Turma” foi oferecido a mais de 450
municípios como um recurso pedagógico para ser trabalhado em sala
de aula e no ambiente doméstico. A teoria repassada aos alunos por seus
professores pode ser vivenciada na prática, em 24 espaços adaptados
pelo Projeto com o objetivo de continuar a aprendizagem fora da sala de
aula, em Unidades de Conservação pertencentes ao Estado.
O Programa, incluído no Projeto Ambiental Estratégico Município Verde Azul, possibilita que os municípios se dediquem à prática e
envolvimento de seus alunos na causa ambiental, criando formas diferenciadas e criativas de trabalhar a biologia dentro e fora da sala de aula.
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Alunos do município de Barretos visitam o espaço Villa Ambiental no Parque
Villa Lobos, São Paulo
BioBrasilis ‫ ׀‬19
Emergências Ambientais
 Biól. Carlos Ferreira Lopes (CRBio 06374/01-D) - MSc. CETESB – Setor
de Operações de Emergência - EIPE/CETESB
A
gestão do atendimento a emergências químicas deve considerar os
riscos do comprometimento à saúde e à segurança do homem, ao
meio ambiente e ao patrimônio. A hierarquização na atenção a esses
aspectos deve seguir necessariamente a sequência anteriormente citada.
Em determinadas ocorrências as demandas podem ser dirigidas unicamente a um desses aspectos, enquanto que em outros casos, os cenários
acidentais podem ameaçar a todos eles.
Dessa forma, a estrutura para o atendimento a uma emergência química deve ser composta por uma equipe multidisciplinar e interinstitucional, cada qual desempenhando sua função e atribuição, a fim de atender
às demandas que recaem sobre sua competência e perícia. Neste sentido,
a CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, como órgão
ambiental, integra esta estrutura visando suprir as demandas ambientais
que surgem na maioria dos acidentes envolvendo produtos perigosos.
A CETESB, por meio do Setor de Operações de Emergência e de suas
agências ambientais, atua nesta questão desde 1978. Desde aquele ano até
o final de agosto de 2009, foram registrados pelo Centro de Controle de
Desastres e Emergências Químicas da CETESB, o total de 7843 acidentes
envolvendo produtos químicos, conforme indicado na figura 1:
Figura 2 – Distribuição da porcentagem de acidentes atendidos pela CETESB,
de acordo com os diferentes modais envolvidos.
outros. Em geral, quanto menos tóxico e menos persistente for o
poluente, menor o impacto ambiental esperado e mais rápida sua
recuperação.
Entretanto, os ambientes respondem diferentemente a determinado
tensor. Um mesmo poluente pode agir distintamente, de acordo com o
local onde foi gerado o acidente. Um ambiente com presença de espécies
sensíveis e que favoreça a permanência do poluente, certamente exibirá
maior impacto ambiental e recuperação mais tardia que um ambiente
com espécies mais resistentes e com possibilidade de dissipação/degradação natural do contaminante.
Independente do modal envolvido, uma emergência química pode
contaminar a atmosfera, recursos hídricos superficiais e contaminação
do solo e aquífero freático (figura 3).
Figura 1 – Emergências químicas registradas pela CETESB entre os anos de 1978
e 2009.
Estas ocorrências originam-se a partir de eventos nos mais variados
modais, envolvendo acidentes no transporte (rodoviário, ferroviário,
marítimo, dutovias), vazamentos provenientes de postos de revenda de
combustíveis, indústrias, descartes de produtos em vias públicas, entre
outros. Os cenários que mais geram acidentes são o transporte rodoviário, seguido por postos de revenda de combustíveis. Outros modais,
no entanto, concorrem com menor frequência de acidentes, como o
transporte ferroviário, marítimo e transporte por dutos (figura 2).
Os acidentes dessa natureza levam a um desequilíbrio ambiental, sendo que o grau de impacto e o tempo de recuperação do ambiente estão associados a muitos fatores como o tipo e a quantidade
do produto químico envolvido, o tipo de ambiente atingido, entre
Queima de mancha de óleo, com liberação de material particulado de gases tóxicos
Figura 3 – Exemplos de consequências ambientais provenientes de
emergências com produtos químicos.
Quando ocorre um acidente com produto químico, decisões urgentes
devem ser postas a termo visando minimizar o grau de impacto, assim como
acelerar o processo de recuperação do ambiente e do recurso atingido.
Um atendimento a acidentes com produtos químicos envolve série
de atividades as quais são desencadeadas, no âmbito da CETESB, por
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
20
‫ ׀‬BioBrasilis
intervenções visando remover tanto quanto possível o produto sem no entanto, agredir ainda mais o ambiente atingido, orientar a gestão de resíduos
na emergência, realizar a manipulação de fauna e da flora contaminados, etc.
Também faz parte da atuação do biólogo, assim como dos demais integrantes
das equipes de atendimento, a intervenção direta no controle de uma emergência, realizando atividades de estancamento e contenção de vazamentos,
neutralização e remoção do produto.
Para uma atuação eficiente neste campo, são necessários conhecimentos das principais características e comportamento dos produtos químicos,
da dinâmica ambiental e da interação do produto químico com o meio
atingido, conhecimento de procedimentos de combate a emergências, etc.
Figura 3 - Mancha de óleo atingindo área entre-marés de praia arenosa.
uma equipe multidisciplinar, envolvendo químicos, engenheiros, técnicos ambientais, biólogos, entre outros.
O biólogo representa importante profissional nesta questão, pois seu
perfil e área de atuação permitem o desenvolvimento de ações e atividades
necessárias ao cumprimento dos objetivos a um atendimento onde sejam demandadas questões ambientais. Normalmente, constituem papel do biólogo
o atendimento a emergências químicas, a monitoração ambiental, coleta de
amostras, vistorias para avaliação de impactos, orientação e proposição de
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
Algumas disciplinas da grade curricular do biólogo oferecem importantes
embasamentos que podem ser utilizados e aplicados durante um atendimento
emergencial, como botânica, zoologia, ecologia, geologia, química (orgânica
e inorgânica), oceanografia, limnologia, avaliação de impactos entre outras.
Não obstante o conhecimento adquirido durante sua formação
profissional, para o ingresso na equipe de atendimento a emergências
da CETESB, o profissional biólogo, assim como os demais, necessita
passar por capacitação que, de acordo com a Norma ISO 9001/2000
que certifica essa atividade na CETESB, o habilite a desenvolver plenamente esta atividade. O profissional que ingressa na área é treinado
durante dois meses; 1 (um) mês em treinamento teórico e 1 (um) mês
em treinamento prático, acompanhando as equipes em atendimentos a
emergências químicas. 
BioBrasilis ‫ ׀‬21
Biodiversidade e mudanças climáticas: na perspectiva de um Biólogoa
 Biol. Carlos Alfredo Joly - (CRBio 00759/01-D) UNICAMP/Projeto Biota/
FAPESP
A
região Neotropical teve evolução singular ao longo de sua formação.
Praticamente, do Cretáceo ao final do Terciário, a região ficou completamente isolada por dezenas de milhões de anos, sendo substancialmente transformada com a elevação dos Andes, que se iniciou há cerca de
23 milhões de anos. Resultado do choque das Placas da América do Sul e
Nazca, a formação gradual dos Andes criou “mares” interiores e inverteu
o curso de rios, formando grandes lagos (RÄSÄNEN et al, 1995) até que
a nova drenagem, agora direcionada para o Atlântico, se configurou e a
bacia Amazônica gradativamente tomou as feições que conhecemos.
Ao norte, a movimentação das Placas do Caribe e Cocos e a mudança no padrão de deposição de sedimentos marinhos na interface entre os
oceanos Atlântico e Pacífico resultaram na formação da América Central
há cerca de 3 milhões de anos. Com o estabelecimento de uma conexão
terrestre entre a Região Neotropical e a Região Neártica, ocorreu alteração significativa da fauna neotropical, especialmente de grupos mais
recentes, como os mamíferos (BURNHAM & GRAHAM, 1999).
Finalmente, as flutuações climáticas do Quaternário (AB’ SABER
1977; MASLIN & BURNS, 2000; BUSH & OLIVEIRA, 2006),
quando ao longo de milhares de anos ocorreram alternâncias entre períodos mais frios e secos e períodos mais quentes e úmidos, deram à região
Neotropical as características encontradas pelos homens que aqui chegaram há 15.000 ou 40.000 anos (SANTOS et al. 2003). A expansão e/ou
retração de biomas, nos períodos glaciais e interglaciais do Quaternário,
resultaram em novas oportunidades de especiação.
cia entre a velocidade das mudanças climáticas e a do processo evolutivo.
Espécies longevas - como o jatobá e o jequitibá, que podem viver mais
de 200 anos – não terão condições de responder evolutivamente as estas mudanças ou migrar para novas áreas, tendendo a desaparecer. O
resultado é um aumento exponencial nas taxas de extinção de espécies,
particularmente na região Neotropical.
Os ciclos econômicos do extrativismo do pau-brasil no século XVI;
da cultura canavieira, que teve inicio no século XVII em um gigantesco
impulso no final do século XX início do século XXI, com o uso do etanol como combustível; do ciclo da mineração em busca de ouro e pedras
preciosas do século XVIII; do ciclo do café, no século XIX; e do recente
ciclo do papel e celulose, somado à expansão urbana, expansão da infraestrutura viária e da infraestrutura de geração de energia, reduziram e fragmentaram nossos biomas e alteraram nossas bacias hidrográficas. Da Mata
Atlântica (Figura 1) restam 11,4 a 16% (RIBEIRO et al, 2009), sendo
que menos de 8% são fragmentos com mais 100 hectares (INPE & SOS
MATA ATLANTICA, 2008); do Cerrado (Figura 2) restam menos do
que 30% (CI, 2005). Este grau de destruição, associado à alta diversidade
biológica e ao alto grau de endemismo constatado nestes biomas, os colocaram como “hotspots” (Figura 3) de biodiversidade (MYERS et al 2000),
sendo, portanto, considerados prioritários para ações de conservação.
Resultados de pesquisas em andamento mostram que as florestas
intactas podem estar ajudando a amortecer a taxa de aumento do CO2
atmosférico, reduzindo os impactos das mudanças climáticas globais
(PHILLIPS et al. 1998). De qualquer forma, o estoque de carbono nas
florestas maduras parece ser vulnerável a diversos fatores como o desma-
O processo lento e gradual de formação da região está, intrinsecamente, relacionado com os elevadíssimos índices de diversidade de espécies hoje encontrados em países como Brasil, Colômbia Peru e Equador,
considerados como megadiversos.
No passado geológico o aquecimento e o resfriamento do planeta
deram-se de forma gradativa no decorrer de milhares de anos, dando
tempo para que, ao longo de centenas de gerações de plantas e animais
os mecanismos do processo evolutivo atuassem. O homem, entretanto, modificou completamente este cenário. Os povos que habitavam a
região antes do descobrimento caçaram algumas espécies levando-as à
extinção, alteraram em pequena escala regiões costeiras e fluviais, implantaram sistemas de cultivo e ocuparam áreas de floresta, de cerrado,
de caatinga, bem como de páramos e savanas.
Com a chegada dos europeus, a velocidade dos processos de alteração começou a aumentar, passando da escala de milhares de anos para a
escala secular. Quinhentos anos depois estamos vivenciando nova mudança de escala. A referência agora são décadas, e há crescente discrepâna
Figura 1
Este artigo foi redigido antes do governo brasileiro estabelecer a meta de redução do crescimento das emissões de gases de efeito estufa no país entre 36,1% e
38,9% até 2020, e do Congresso Nacional aprovar a Lei que estabelece a Política Nacional de Mudanças Climáticas.
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
22
‫ ׀‬BioBrasilis
tamento, a fragmentação, o aquecimento e as mudanças nos regimes de
precipitação. Nas últimas duas décadas, as áreas de floresta na paisagem
da Amazônia central experimentaram mudanças em sua dinâmica e composição. De 115 espécies de árvores relativamente abundantes, 27 tiveram
sua densidade alterada de forma significativa. As espécies de crescimento
rápido estão dominando a área, e o índice de valor de importância das
árvores de crescimento lento está diminuindo (LAURANCE et al 2004).
Figura 3 – As 25 áreas classificadas como “hotspots” de biodiversidade por
MYERS et al (2000).
Figura 1 – Cobertura original da Mata Atlântica e mapa dos remanescentes atuais, segundo INPE & SOS Mata Atlântica (2008).
Figura 2 – Cobertura original do Cerrado e mapa dos remanescentes atuais, segundo Conservação Internacional (2005).
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
O aumento das concentrações de CO2 na atmosfera pode explicar essas
mudanças, embora os efeitos desta e de outras alterações do ambiente em
larga escala continuem incertos. Estas mudanças de composição podem ter
importantes impactos na acumulação de carbono, na dinâmica e na biota
das diversas fisionomias florestais da Amazônia (PYLE et al, 2008). A fumaça
resultante das queimadas afeta a composição de aerossóis, altera o regime de
precipitações e, esses processos conjugados afetam a dinâmica de circulação
(DALMEIDA et al, 2007; COX et al, 2008; GUNTHE et al 2009). Dados
recentes demonstram que alterações no ciclo hidrológico da região Amazônica
afetam, significativamente, a distribuição de chuvas em toda a América do
Sul, particularmente as regiões Centro Oeste e Sudeste do Brasil (Antonio
Donato Nobre in http://riosvoadores.com.br/WordPress/?p=360).
Um estudo utilizando técnicas de modelagem de nicho ecológico
para determinar os efeitos de mudança climática na distribuição de espécies arbóreas do bioma Cerrado, através do cruzamento de informação
entre 15.657 pontos de ocorrência de 162 espécies arbóreas, mostrou
redução de cerca de 25% da área de Cerrado, no cenário otimista, e
de quase 90% de redução, no cenário pessimista. Para ambos os cenários utilizados foram previstas reduções maiores que 50%, para todas
as espécies analisadas. Os casos mais graves foram observados para 18
espécies (para o cenário otimista) e 56 espécies (cenário pessimista) que
serão levadas à extinção (SIQUEIRA; PETERSON, 2003).
Figura 4 – Exemplos da projeção da área ocupada no presente (quanto mais
intenso o vermelho maior a probabilidade atual de ocorrência das espécies), e da
área potencial de ocorrência em 2050, em azul considerando o cenário climático
otimista (a temperatura média da região sobe menos do que 2º C) e em rosa
considerando o cenário climático pessimista (a temperatura média da região sobe
mais do que 3º C). A) Qualea grandiflora (Vochysiaceae), B) Acosmium subelegans
(xxxx); C) Qualea parviflora (Vochysiaceae); Rapanea guianensis (Myrsinaceae).
Segundo SIQUEIRA & PETERSON (2003)
BioBrasilis ‫ ׀‬23
Figura 6 – Mapa com a soma das áreas de ocorrências das 38 espécies arbóreas da
Mata Atlântica estudadas por Colombo (2007), utilizando GARP. A – ocorrência
atual; B – ocorrência em 2050 no cenário otimista; C – ocorrência em 2050 no
cenário pessimista.
Nordeste, em função de maior aridez, e na região Sul, onde espécies
como a Araucaria angustifolia tendem a desaparecer, caso o aumento
da temperatura seja ≥ 4 °C. O cenário futuro da Floresta de Araucária foi estudado de forma mais detalhada por WRENGE et al (2009),
focando na área potencial de ocorrência da Araucaria angustifolia, e é
apresentado na Figura 8. Na região Sudeste, a presença das serras, que
pelo efeito orográfico mantêm alta pluviosidade e amenizam alterações
na temperatura, as modificações seriam menos evidentes. Mas, mesmo
nesta região, espécies típicas de áreas mais elevadas e úmidas (SALIS et
al. 1995) tenderiam a desaparecer.
Figura 5 – Projeção da área atual do bioma Cerrado (A) e da área potencial de
ocorrência em 2050, no cenário climático otimista (B) e no cenário climático
pessimista (C). Segundo SIQUEIRA & PETERSON (2003).
Figura 7 – Potencial redução da área ocupada por Araucaria angustifolia em diferentes cenários climáticos, segundo WREGE et al (2009).
Utilizando a mesma metodologia, COLOMBO (2007), estudou as
consequências potenciais das mudanças climáticas para 38 espécies arbóreas típicas da Mata Atlântica. No cenário otimista, para o aumento
≤ 2 °C na temperatura da região, haveria, em média, redução da ordem
de 28% da área hoje ocupada pelas espécies estudadas. No cenário pessimista, com aumento ≥ 4 °C na temperatura da região, esta redução
pode atingir até 65%.
Desde o início da década passada o impacto do desmatamento no
clima regional e o impacto das mudanças climáticas na região Amazônica estão no centro do debate internacional (NOBRE et al 1991;
MAHLI et al 2008
Uma agravante deste cenário é que a redução da área favorável é diferente para as diferentes fitofisionomias que constituem a Mata Atlântica. O efeito deletério das mudanças climáticas globais será pior na região
No Pleistoceno os biomas se expandiram e/ou se retraíram em
função de mudanças na temperatura e na distribuição de chuvas. Na
última glaciação do hemisfério norte, que resultou em climas mais
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
24
‫ ׀‬BioBrasilis
frios e áridos no hemisfério sul, a Mata de Araucária se expandiu
para áreas interiores dos estados da região Sul e Sudeste, as Caatingas chegaram à região Sudeste e os Cerrados dominaram parte da
Bacia Amazônica (AB’ SABER, 1977). A extensão destas alterações,
e se de fato as florestas ficaram restritas a refúgios como propuseram
HÄFFER (1969, 1992) e paralelamente VANZZOLINI (1970) &
AB’ SABER (1977) para o Brasil, e VIADANA & AGOSTINHO
(2007) para o Estado de São Paulo, é discutível (BUSH & OLIVEIRA 2006), mas evidências fósseis sustentam que no passado geológico recente os limites dos biomas eram distintos daqueles registrados
por pesquisadores europeus que percorreram o Brasil no século XIX
(von MARTIUS 1824).
Estima-se que no período 1994-2005 tenha ocorrido crescimento de
17% no total de emissões brasileiras, sendo que 72% do total correspondiam a CO2 (CERRI et al 2009).
A falta de atualização deste inventário, que deveria ser alimentado
anualmente pelo compromisso do governo brasileiro junto à Convenção
Quadro de Mudanças Climáticas, demonstra que a questão de emissões
de gases de efeito estufa não é prioritária na agenda do país. As metas
de redução voluntária das emissões de gases de efeito estufa propostas
pelo governo brasileiro em 2008, às vésperas da COP14 da Convenção
Quadro de Mudanças Climáticas em Poznań (Polônia), ainda não foram
efetivamente adotadas pelo país.
Em minha opinião, a posição do governo brasileiro - apegando-se ao fato de historicamente termos contribuído só com 1% dos
GEEs produzidos desde a revolução industrial (Figura 11), para justificar que o país não precisa ter metas de redução na sua taxa de
emissão destes gases – é moralmente insustentável, pois usa o passado para comprometer o futuro.
Figura 8 - Possível sobreposição entre desmatamento e mudanças climáticas na
região Amazônica. Em marrom, a área potencial de perda florestal até 2050 – A
cenário BAU – “bussiness as usual”; B – cenário de implementação efetiva de
políticas de conservação. Segundo MAHLI et al (2008).
Hoje, entretanto, a elevada fragmentação dos biomas nativos, como
já salientado, impõe barreiras intransponíveis para a grande maioria das
espécies. Conseqüentemente, a deletéria sinergia entre a fragmentação/
redução de habitats e as mudanças climáticas pode resultar na extinção
de grande número de espécies. Por esta razão, autores como CRUTZEN
(2002) sugerem que o surgimento do homem na Terra marcou o início
de uma nova Era Geológica, o Antropoceno, e que mantidas as tendências atuais, o planeta ruma para a 6ª extinção em massa de sua biota
(LEAKEY & LEWIN, 1996)
Reconhecidamente estes modelos preditivos têm limitações, pois
partem de cenários climáticos recortados de projeções feitas para o
mundo, não tendo a especificidade e a precisão de um cenário regional, construído sobre uma base de dados climáticos do Brasil ou da
América do Sul. O INPE está se capacitando, em termos de infra-estrutura de computação, para gerar estes cenários regionais em um
ou dois anos. Entretanto, mais grave do que a falta de cenários climáticos regionais é o nosso limitadíssimo conhecimento da biologia
das espécies nativas. Nesta área necessitamos de biólogos qualificados
para gerar e interpretar os dados necessários para o aperfeiçoamento
dos modelos preditivos, pois somente um profissional com formação
aprofundada em Botânica (incluindo Fisiologia, Ecofisiologia, Biologia Reprodutiva), Zoologia (incluindo Etologia, Fisiologia, Ecofisiologia e Biologia Reprodutiva), Ecologia (incluindo Dinâmica de
Populações/Comunidades e Funcionamento de Ecossistemas) terá a
capacidade de integrar informações nestes diversos níveis.
No Brasil a questão das mudanças climáticas está fortemente associada com a questão do uso sustentável da biodiversidade, pois 75% das
nossas emissões de CO2 vêm do desmatamento e da queima de nossa
biodiversidade (Figura 10), como mostra o único inventário nacional de
emissões de gases publicado em 2004 com dados de 1994 (MCT 2004).
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Figura 9 – Emissões brasileiras de CO2 por setor de atividade, mostrando que
75% vêm da Mudança no Uso da Terra/Desmatamento. Segundo MCT (2004).
Figura 10 – Contribuição histórica do Brasil em termos de emissões de Gases do
Efeito Estufa, pós-revolução industrial. Segundo MCT (2004).
O Brasil tem a oportunidade histórica, e a obrigação moral, de
chegar a COP15 da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas, a se
realizar em Kopenhagen em dezembro de 2009, propondo significativa
diminuição voluntária de suas emissões de GEEs, com metas prefixadas
de redução de desmatamento e com mecanismos de certificação e fiscalização internacional. Redução, perene e consistente, de 80% das taxas
atuais de desmatamento, meta que interessa para a economia do país,
pois significaria a implantação de um novo modelo de desenvolvimento,
BioBrasilis ‫ ׀‬25
mais sustentável e ambientalmente correto, estaríamos reduzindo em
30% nossa taxa de emissão de gases de efeito estufa. Em função de sua
matriz energética limpa (Figura 12), pois mais de 70% da energia elétrica utilizada é gerada por hidroelétricas (que causam impacto ambiental
na fase de construção, mas não emitem GEEs na fase de operação), em
contraste com o resto do mundo, onde predominam as fontes não renováveis de energia (Figuras 13 e 14), tem 2/3 da frota de carros/utilitários
utilizando etanol em lugar de combustíveis fósseis (Figura 15) o Brasil
pode reduzir suas emissões de GEEs, mantendo ainda uma taxa de crescimento da ordem de 4% ao ano.
Figura 12 - Matriz de Oferta de Energia Elétrica no Brasil – 2008 (% e TWh).
Segundo Ministério de Minas e Energia (2009a).
Figura 13 – Total de energia utilizada (TWh) e matriz de fontes de energia no
mundo, em 1973 e 2006. Segundo Ministério de Minas e Energia (2009a).
Figura 11 – Participação das diferentes fontes na Matriz Energética do Brasil.
A – 2003; B – 2007 e C – projeção para 2020. Segundo Ministério de Minas e
Energia (2008).
Figura 14 – Evolução da frota nacional de veículos de passeio/utilitários, por tipo
de combustível. Segundo Ministério de Minas e Energia (2009b).
Figura 2-7 - Evolução Estilizada da Frota de Veículos por Tipo de Combustível até 2030.
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
26
‫ ׀‬BioBrasilis
Ao pararmos de incinerar nossa rica, e em grande parte ainda desconhecida, biodiversidade, dando oportunidade para que as gerações
futuras se beneficiem do uso sustentável deste patrimônio natural, estaremos, voluntariamente, atingindo meta significativa de redução de
emissão de gases de efeito estufa. Evidentemente, este esforço tem custos
que, a meu ver, devem ser financiados pelos países desenvolvidos, com a
fiscalização e certificação do efetivo cumprimento das metas de redução
de desmatamento estabelecidas.
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Biólogo pela USP e PhD em Ecofisiologia Vegetal pela University of St.
Andrews, na Escócia, pós-doutorado pela Universität Bern, na Suíça. Atualmente é Professor Titular em Ecologia Vegetal do Instituto
de Botânica da UNICAMP, Coordenador do Programa BIOTA/
FAPESP (www.biota.org.br), Editor Chefe do periódico BIOTA
NEOTROPICA (www.biotaneotropica.org.br) e Membro Titular
da Academia Brasileira de Ciências.
utor para correspondência: Carlos Alfredo Joly, Departamento
A
de Biologia Vegetal, Instituto de Biologia – IB, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, CP 6109, CEP 13083-970, Campinas, SP, Brasil. - E-mail: [email protected]
CRBio-01 - Nº 1 - 2010
&5%LR
Publicação do Conselho Regional de Biologia - 1ª Região (SP, MT, MS)
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Prova Revista Final V5 (1) - Conselho Regional de Biologia