Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 599.538 - MA (2003/0184958-1) RELATOR RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : : MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA TELEMAR NORTE LESTE S/A CARLOS FREDERICO TAVARES DOMINICI E OUTROS MARIA DACI RODRIGUES DA SILVA MARCOS DALLA BARBA EMENTA RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO. ALTO PARNAÍBA. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA. MERO DISSABOR. A deficiência do fornecimento de energia elétrica pode justificar a paralisação do serviço de telefonia, em prejuízo da obrigação de continuidade, porém é indispensável a demonstração inequívoca da culpa exclusiva do terceiro, o que não se verifica na espécie. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília, 04 de março de 2004 (data do julgamento). MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA, Relator Documento: 458228 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/09/2004 Página 1 de 6 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 599.538 - MA (2003/0184958-1) RELATÓRIO EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Maria Daci Rodrigues da Silva, ora recorrida, propôs ação de indenização por danos morais contra Telemar Norte Leste S.A., ora recorrente, tendo em vista a má prestação do serviço de telefonia no Município de Alto Parnaíba-MA, pela concessionária ré, inclusive com interrupção por mais de dez dias contínuos. O MM. Juízo de primeiro julgou procedente a demanda, condenando a ré a pagar R$ 3.000,00 a título de danos morais. Irresignada, a demandada interpôs apelação para o egrégio Tribunal Justiça do Estado do Maranhão, que deu parcial provimento para reduzir o valor da indenização para R$ 1.500,00, em v. acórdão assim ementado: "APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TELEFONIA. INTERRUPÇÃO NA PRESTAÇÃO. I - Assiste ao consumidor o direito de reclamar em juízo a indenização por danos decorrentes da prestação deficiente do serviço público de telefonia, tendo como causa freqüentes interrupções na comunicação. II - cabe à concessionária de serviço público tomar as medidas necessárias para assegurar ao consumidor a prestação adequada e contínua dos seus serviços, evitando que fatores externos, reiterados e previsíveis, interrompam o seu regular fornecimento. III - a fixação do quantum em indenização por danos morais deve ater-se a critérios razoáveis, pois se presta à reparação do prejuízo sofrido, não servindo de fonte de enriquecimento da outra parte. IV - apelo provido parcialmente." (fl. 113). Rejeitados os aclaratórios, a concessionária interpôs recurso especial com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, por alegada violação dos arts. 6º, VI e X, 14, § 3º, II, 20 e 22 do Código de Defesa do Consumidor, além de dissídio pretoriano. Sem resposta, o apelo foi admitido na origem, ascendendo os autos a esta Corte. É o relatório. Documento: 458228 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/09/2004 Página 2 de 6 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 599.538 - MA (2003/0184958-1) EMENTA RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO. ALTO PARNAÍBA. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA. MERO DISSABOR. A deficiência do fornecimento de energia elétrica pode justificar a paralisação do serviço de telefonia, em prejuízo da obrigação de continuidade, porém é indispensável a demonstração inequívoca da culpa exclusiva do terceiro, o que não se verifica na espécie. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. VOTO EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): 1. A recorrente alega infringência dos arts. 6º, VI e X, 14, § 3º, II, 20 e 22 do Código de Defesa do Consumidor, afirmando a configuração de excludente de responsabilidade ante a culpa exclusiva de terceiro. A concessionária sustenta que a deficiência no fornecimento de energia elétrica acarretaria a má prestação do serviço de telefonia no município de Alto Parnaíba-MA, elidindo sua responsabilidade pela interrupção dos serviços. Na espécie, o egrégio Tribunal a quo afastou a alegação, assentando: "A apelante, enquanto prestadora de serviços, deve oferecer satisfatória qualidade operacional de seus sistemas. A alegativa de que as interrupções são ocasionadas por falta de energia elétrica não pode suplantar o direito do consumidor, pois cabe à apelante adotar as providências necessárias para o contínuo oferecimento dos serviços. Incumbia-lhe, então, conhecendo esta realidade, adquirir equipamentos adequados e mais resistentes a uma região que sofre de constantes quedas de energia, que assegurem um serviço de telefonia constante e estável para a tranqüilidade e a segurança de toda uma população." (fl. 118). (...) a falta de energia elétrica não pode suplantar o direito do consumidor à regular e adequada prestação dos serviços, cabendo à embargante, que já tem conhecimento desse fato não ocasional, adotar as providências necessárias para suprir a deficiência de energia, adquirindo equipamentos, tais como geradores, que garantam a continuidade dos serviços de modo pelo menos razoável." (fl. 136). O Código de Defesa do Consumidor determina: Documento: 458228 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/09/2004 Página 3 de 6 Superior Tribunal de Justiça "Art. 14. (...) § 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: (...) II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro." A Lei de n. 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, por sua vez, estabelece que é direito do usuário o "acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional" (art. 3º, I). Daí as obrigações das prestadoras de serviço em regime público, situação da recorrente, de continuidade, que "objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso" (art. 79, § 2º). Desse modo, a ausência de fornecimento de energia elétrica pode constituir paralisação justificada do serviço, em prejuízo da obrigação de continuidade, porém é indispensável a demonstração inequívoca da culpa exclusiva da concessionária de energia elétrica. Na espécie, todavia, além da culpa de terceiro, indicou o v. acórdão recorrido que a ora recorrente não adotou todas as providências cabíveis e necessárias, como a aquisição de equipamentos mais resistentes às constantes quedas de energia, a fim de minimizar as paralisações do serviço de telefonia. Assim, o exame da pretensão, a fim de constatar a culpa exclusiva do fornecedor de energia elétrica, demandaria necessariamente o revolvimento do substrato fático-probatório, vedado em sede de recurso especial a teor do verbete n. 7 da Súmula desta Corte. 2. No que tange à divergência jurisprudencial, alega a recorrente dissídio com acórdão dessa egrégia Quarta Turma, assim ementado: "RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS TELEFÔNICOS. PROVA DOS PREJUÍZOS. ACÓRDÃO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. Os embargos de declaração visam à integração e correção do julgado, objetivos que não se descortinam no caso. O tão-só fato da interrupção dos serviços telefônicos não é o bastante para automaticamente inferir-se a ocorrência do alegado dano moral à pessoa jurídica. Recurso especial não conhecido." (REsp 299.282/RJ, relator para o acórdão o eminente Ministro Barros Monteiro, DJ 05.08.2002). Na ocasião, esta egrégia Quarta Turma refutou a ocorrência de dano Documento: 458228 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/09/2004 Página 4 de 6 Superior Tribunal de Justiça moral à pessoa jurídica, ante a inexistência de prejuízo à imagem e à honra subjetiva da empresa. Naquela oportunidade, asseverei, acompanhando o r. voto condutor: "Não houve nenhuma ofensa à honra subjetiva nem mesmo à imagem da empresa pela interrupção dos serviços telefônicos. Até diria mais, pois, embora a matéria não seja objeto de discussão, não consigo vislumbrar sequer dano moral para a pessoa física. O aborrecimento que uma pessoa possa ter porque o telefone não funciona, não induz, na minha concepção, com o devido respeito, a que se tenha por ofensa moral." É certo que o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Lembro, aqui, a lição de Sérgio Cavalieri Filho, em seu "Programa de Responsabilidade Civil" (Malheiros Editores Ltda., 1996, p. 76), citando Antunes Varela, pela qual "a gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)" , e "o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado ". Por isso é que, "nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente ao comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral ". Apoiado nessas premissas, tenho que o desgaste que a recorrida alega ter sofrido em virtude de interrupção freqüente e deficiência do serviço de telefonia no Município de Alto Parnaíba-MA está mais próximo do mero aborrecimento do que propriamente de gravame à sua honra. Apesar da obrigação da recorrente de prestar o serviço com continuidade, sem paralisações injustificadas, o aborrecimento pelo não funcionamento do telefone não induz, automaticamente, a configuração de ofensa moral. 3. Ante o exposto, conheço do recurso pela alínea "c" e dou-lhe provimento, para excluir a condenação por danos morais, invertidos os ônus da sucumbência. Documento: 458228 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/09/2004 Página 5 de 6 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2003/0184958-1 RESP 599538 / MA Números Origem: 70001825819 96572003 PAUTA: 04/03/2004 JULGADO: 04/03/2004 Relator Exmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO Secretária Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK AUTUAÇÃO RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : TELEMAR NORTE LESTE S/A CARLOS FREDERICO TAVARES DOMINICI E OUTROS MARIA DACI RODRIGUES DA SILVA MARCOS DALLA BARBA ASSUNTO: Civil - Direito do Consumidor CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Barros Monteiro votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. O referido é verdade. Dou fé. Brasília, 04 de março de 2004 CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK Secretária Documento: 458228 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 06/09/2004 Página 6 de 6