VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO: NOTAS SOBRE A VIOLÊNCIA ESOLAR E O PRECONCEITO NOS PROCESSOS EDUCACIONAIS INCLUSIVOS Daniela Brun Polo1 Gisele Caroline Pereira² Maria Isabel Formoso Cardoso e Silva Batista³ Política Social e Serviço Social INTRODUÇÃO Este trabalho foi elaborado com base na discussão do projeto de iniciação científica (PIBIC) que tem por temas centrais a violência e a violência escolar. Desse modo, o presente artigo objetiva entender a violência e como os sujeitos escolares se apresentam nela. Sendo assim, o primeiro item trata da violência de um modo geral e como ela se apresenta no modo de produção capitalista, além de apresentar a exclusão como forma e causadora da violência. Após, será mostrado como a violência se expressa no âmbito escolar e quais as suas manifestações (bullying, preconceito, discriminação, etc.). E por fim, será resgatado a categoria exclusão e as formas de inclusão no âmbito escolar. 1. A VIOLÊNCIA NO CAPITALISMO A violência está tão presente na vida das pessoas que até já se tornou algo banalizado, ou seja, natural de se existir na sociedade capitalista. Esta violência se apresenta de várias formas tais como: a física, a psicológica, a verbal, etc., de tal forma que muitas vezes se torna difícil de identifica-la no meio em que vivemos. ¹ Acadêmica do curso de Serviço Social e bolsista de iniciação científica - PIBIC, sob orientação da docente Dra. Maria Isabel Formoso Cardoso e Silva Batista, Acadêmica do Núcleo Temático: Questão Agrária e Serviço Social: as políticas públicas para a agricultura brasileira; [email protected] ² Acadêmica do curso de Serviço Social e bolsista de iniciação científica - PIBIC, sob orientação da docente Dra. Maria Isabel Formoso Cardoso e Silva Batista, Acadêmica do Núcleo Temático: Meio Ambiente, Desenvolvimento, e Educação Ambiental; [email protected] ³ Orientadora do projeto de pesquisa (PIBIC) e docente adjunta do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); [email protected] 2 Assim, a sociedade capitalista é um espaço de contradições e desigualdades, por isso, ambiente propício para uma maior disseminação da violência, assim como da exclusão, injustiça e exploração social. Para entender melhor esse fenômeno é preciso levar em conta que A violência não é um fenômeno uniforme, monolítico, que se abate sobre a sociedade como algo que lhe é exterior e pode ser explicado através de relações do tipo causa/efeito como “pobreza gera violência” ou “o aumento do aparato repressivo acabará com a violência”. Pelo contrário: ela é polifórmica, multifacetada, encontrando-se diluída na sociedade sob o signo das mais diversas manifestações, que interligam-se, interagem, (re)alimentam-se e se fortalecem. (NETO; MOREIRA, 1999, p. 34). De acordo com Neto; Moreira (1999) a violência na sociedade capitalista é apresentada através de uma individualização e responsabilização máxima do criminoso, com isso, tem-se uma não vinculação com a realidade social-genérica, porém acaba por desprezar a existência de outra forma de violência, aquela imposta por instituições clássicas da sociedade, expressando a dominação de classe, grupo e Estado, essa violência é conhecida como violência estrutural. Essa violência estrutural, é por muitos considerada como algo natural, não sendo contestada, perante a argumentação de desestabilização da ordem social, por isso que essa violência nem chega a ser entendida como expressão da violência, mas como “pura e simples incompetência de governantes e responsáveis, ou até mesmo como uma maneira de gerenciar os conflitos sociais” (Neto; Moreira, 1999, p. 35). Nesse sentido, a violência estrutural, se apresenta, dentre tantas outras maneiras, pelo fato de que o Estado aprovando políticas que beneficiam grupos restritos, restringe o acesso de grande parte da população aos direitos básicos impondo-lhe violências como a fome, a miséria e a exclusão social, com isso, gerando relações com a delinquência. A exclusão social é uma categoria central para entender a violência, uma vez que esta categoria está intrinsecamente relacionada ao capitalismo, em outras palavras, o capitalismo exclui para incluir e essa dinâmica é condição da ordem social desigual, segundo Sawaia (2001). Por isso que a relação exclusão/inclusão devem ser entendidas como uma unidade, categorias que integram uma mesma ação. Sawaia (2001) coloca que 3 Exclusão é termo da atualidade, usado hegemonicamente nas diferentes áreas do conhecimento, mas pouco preciso e dúbio do ponto de vista ideológico. Conceito que permite usos retóricos de diferentes qualidades, desde a concepção de desigualdade como resultante de deficiência ou inadaptação individual, falta de qualquer coisa [...], até a de injustiça e exploração social. (SAWAIA, 2001, p. 07). Essa relação exclusão/inclusão está conectada com os sujeitos e com suas relações sociais, sendo por isso o excluído parte integrante da sociedade, mas as perspectivas de mudanças não são boas, não há projeção de um aumento da igualdade social. Ainda, “o excluído não está à margem da sociedade, mas repõe e sustenta a ordem social, sofrendo muito neste processo de inclusão social” (Sawaia, 2001, p. 12). Nesse sentido, vários são os espaços institucionais que produzem e reproduzem a exclusão, assim como a violência e a desigualdade social, dentre eles, as escolas, as empresas e até mesmo no âmbito familiar. 1.1 A VIOLÊNCIA NA ESCOLA A escola enquanto espaço coletivo e de grande diversidade humana, ao mesmo tempo em que permite o aprendizado e o respeito às diferenças, é um espaço que produz e reproduz a desigualdade, a exclusão e a violência. Nesse sentido, percebe-se tanto a violência física, quanto a psicológica, representada pelo bullying. Silva; Salles (2010) defendem que a violência escolar não pode ser entendida apenas como agressões físicas, podendo também ser expressada através de signos, preconceitos e desenhos, isto é, aquilo que se apresenta como ameaça, conhecido como violência simbólica. Nas escolas, segundo os professores, a violência está aumentando não somente do ponto de vista quantitativo como também do qualitativo. Os tipos de violência assinalados por eles como estando mais presentes no dia a dia escolar são as ameaças e agressões verbais entre alunos e entre estes e os adultos. Os professores em seus relatos têm destacado que a violência, principalmente o desrespeito, é uma constante no meio escolar. Eles indicam que a violência na escola pública está banalizada, provocando inclusive que vários atos deixam até de serem percebidos como violentos. Embora menos frequentes, as agressões físicas também estão presentes. (SILVA; SALLES, 2010, p. 218). 4 Ainda, tem-se o aspecto da função socializadora da escola, na qual, parece não estar sendo cumprida, pois o que se apresenta hoje são expressões de violências em outros grupos sociais. Assim, a resolução de conflitos para uma convivência democrática, é uma função que deveria ser realizada pela escola, uma vez que este é o ambiente social de diferenças e de convivência, mas que não está se alcançando os resultados esperados. Nesta linha de pensamento, Camacho (2001) coloca que a escola atualmente está passando por uma crise no que se refere a socialização “e ela tem enfrentado dificuldades na transmissão das normas e dos valores gerais da sociedade”. Em vista disso, além das formas de violências citadas acima no ambiente escolar, temos uma outra forma que se não é considerada como violência de fato, é um caminho no qual a violência pode aparecer, essa categoria é o preconceito. 1.2 PRECONCEITO E EXCLUSÃO O preconceito, não é um problema social recente, é um julgamento pré-concebido pela sociedade em relação àquilo que foge dos padrões sociais, estando diretamente relacionado com a própria dinâmica da sociedade capitalista. Os indivíduos que não conseguem se adequar a esses padrões sofrem preconceito e são excluídos de certos grupos sociais por não corresponderem aos ideais impostos por esses grupos. [...] Foi Gordon Allport, num trabalho seminal sobre o preconceito, quem traçou as linhas fundamentais que definem as principais perspectivas de análise do preconceito na atualidade. Para Allport, o preconceito pode ser definido como uma atitude hostil contra um indivíduo, simplesmente porque ele pertence a um grupo desvalorizado socialmente (ALLPORT, 1954). Desse modo o preconceito caminha junto com a exclusão social, já que essa é gerada socialmente pelas relações de trocas econômicas desiguais próprias do capitalismo. [...] rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo [...] sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Essas reações, porque não se trata estritamente de exclusão, não se dão fora dos sistemas econômicos e dos sistemas de poder. Elas [...] fazem parte deles ainda que os negando. As reações não ocorrem de fora para dentro; elas ocorrem no interior da realidade problemática, 5 “dentro” da realidade que produziu os problemas que as causam. (MARTINS, 1997, p. 14) Assim a exclusão social, como afirma Sawaia (2006, p. 9), não é uma falha do sistema [capitalista], devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ele é produto do funcionamento do sistema. Percebe-se que o preconceito e a exclusão social atingem de maneira significativa o cenário escolar, gerando assim manifestações de violência, discriminação e bullying no ambiente escolar. 1.3 A ESCOLA E A INCLUSÃO A partir da década de 1990 ocorreu o fortalecimento da educação inclusiva, com isso um significativo número de pessoas vem tendo acesso à educação escolar formal; a conferência de Jomtien em 1990 e a de Salamanca em 1994 marcaram esse fortalecimento. No Brasil o número de matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular em 2003 e em 2009 passou para 61 (ver INEP/MEC, 2009). A elevação no número de alunos com necessidades educacionais especiais inclusos nas escolas regulares tem gerado especulações em torno das reações (violentas) dos demais alunos frente a esses. No entanto, em uma pesquisa realizada anteriormente (Preconceito em relação aos incluídos na Educação Inclusiva de 2010-2012) estudou-se empiricamente a relação entre manifestações de preconceito e inclusão, a pesquisa mostrou também que o crescimento da inclusão, tende a enfraquecer a manifestação de preconceitos, concluindo-se, assim, que escolas mais inclusivas são instituições menos preconceituosas que tendem a inibir a reprodução da violência. É de grande importância a necessidade de se considerar as diferenças entre os indivíduos, pois cada sujeito possui sua individualidade, sua própria identidade. Alguns autores, afirmam que hoje não se pode mais desconsiderar a pluralidade existente em nosso cotidiano escolar e social. Cada educando possui um modo de vida, uma forma única de compreender o mundo, uma religiosidade ou crença, um comportamento pessoal único, características físicas e pessoais bastante divergentes, entre outras. A perseguição às vítimas que parecem frágeis é marca frequente em diversas formas de preconceito, a violência existente no ambiente escolar é fruto concreto do preconceito, expressando-se em discriminação e bullying, ou seja, o preconceito funda-se na violência. 6 As políticas inclusivas vêm para mostrar a necessidade de garantir educação a todos os indivíduos da sociedade, independentemente de sua situação especial, defender o direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem qualquer tipo de discriminação. Na sociedade contemporânea a educação inclusiva conquista espaço central no debate acerca do papel da escola na superação da lógica da exclusão. Na busca de constituir políticas públicas para promover educação de qualidade para todos os alunos o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial apresentou, em 2008, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. O objetivo da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva é garantir o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo assim transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; atendimento educacional especializado; continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; participação da família e da comunidade; acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. Um dos objetivos fundamentais da Constituição de 1988 é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV). Define, no artigo 205, a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” como um dos princípios para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208). Assim, as escolas devem atender as necessidades desses sujeitos com necessidades especiais de forma que tenham uma educação de qualidade. Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, 7 assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (MEC/SEESP, 2001). Dessa forma, escolas mais inclusivas contribuem de forma extremamente significativa para o desenvolvimento do indivíduo, enfraquecem o preconceito e inibem a reprodução da violência. Todo este trabalho, para ser eficaz, necessita de ser desenvolvido em cooperação com outros docentes e técnicos, promovendo projetos de base interdisciplinar e com ligação à comunidade (RODRIGUES, 2007). O papel da família nesse processo é de grande importância, é necessário desde seu nascimento o ensinamento de princípios que tornarão esse sujeito um indivíduo pluralista, capaz de respeitar o próximo e aceitar as diferenças. A importância e a influência da família como agente educativo é inquestionável. Por exemplo, o estabelecimento de um vínculo afetivo saudável entre os pais e seus filhos pode desencadear o desenvolvimento de padrões interacionais positivos e de repertórios salutares para enfrentar as situações cotidianas, o que permite um ajustamento do indivíduo aos diferentes ambientes em que ele participa (MARQUES, 2001). Segundo Maciel (2000), nos últimos anos, ações isoladas de educadores e de pais têm promovido e implementado a inclusão, nas escolas, de pessoas com algum tipo de deficiência ou necessidade educacional especial, visando resgatar o respeito humano e a dignidade, no sentido de possibilitar o pleno desenvolvimento e o acesso a todos os recursos da sociedade por parte desse segmento. CONSIDERAÇÕES Percebe-se que na atualidade tem-se uma naturalização e banalização da violência no capitalismo, tanto pela sociedade civil quanto pelos órgãos responsáveis em combater tais violências. Essa violência é apresentada de várias formas, muitas nem sendo considerada violência, como o preconceito. No ambiente escolar a violência aparece de várias formas, sendo elas, bullying, preconceito, discriminação, etc., porém, muitas vezes, essas violências nem são percebidas. Tem-se também a exclusão, enquanto movimento que leva a violência e que está presente no nosso dia-a-dia. 8 Assim, conclui-se que escolas mais inclusivas apresentam uma forma de garantir um ensino de qualidade e com igualdade social, dessa forma geram menos preconceitos, levando também a diminuição da violência escolar, já que é nesse ambiente que as expressões da violência escolar costumam aparecer. Desse modo para prevenir e evitar essas manifestações de violência é necessário agir em conjunto, respeitando os direitos de todos e lutar contra qualquer tipo de discriminação, criando um ambiente no qual prevaleça o afeto, o respeito e a liberdade de expressão. Possibilitando desse modo um amplo desenvolvimento do aluno, tornando-o desde cedo um indivíduo pluralista capaz de aceitar as diferenças e conviver com outros indivíduos mesmo que esses não compartilhem das mesmas opiniões e crenças. REFERÊNCIAS ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Wokingham: Addison-Wesley, 3ª ed, 1954. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001. CAMACHO, Luiza Mitiko Yshiguro. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. In: Educação e Pesquisa. 2001, vol.27, n.1, p. 123-140. NETO, Otávio Cruz; MOREIRA, Marcelo Rasga. A concretização de políticas públicas em direção à prevenção da violência estrutural. Ciênc. saúde coletiva [online]. 1999, vol.4, n.1, pp. 33-52. INEP/MEC (2009) Censo Educacional. Disponível em <http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/censo/escolar/arquivo10.htm> Acesso em 12 de maio de 2014, às 14:33. MACIEL, Maria Regina Cazzaniga. Portadores de deficiência: a questão da inclusão social. São Paulo: Perspectiva. 2000, vol.14, n.2, pp. 51-56. MARQUES, R. Professores, família e projeto educativo. Colecção: Perspectivas actuais em educação. Porto, Portugal: Asa Editores, 2001. 9 MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997. SILVA, J. M. A. P.; SALLES, L. M. F. A violência na escola: abordagens teóricas e propostas de intervenção. In: Educar em Revista, Curitiba: UFPR, n. especial 2, p. 217-232, 2010. SAWAIA, Bader (org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2ª ed, 2001.