UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
LEANDRO DA SILVA BATISTA
FANDO & LIS: Um espetáculo em movimento
FLORIANÓPOLIS
2014
LEANDRO DA SILVA BATISTA
FANDO & LIS: Um espetáculo em movimento
Memorial descritivo submetido ao
curso de Graduação em Artes Cênicas da
Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel.
Prof.ª. orientadora: Ms. Marília Carbonari
FLORIANÓPOLIS
2014
LEANDRO DA SILVA BATISTA
FANDO & LIS: Um espetáculo em movimento
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Artes Cênicas da
Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Artes Cênicas, sendo submetido à Banca Examinadora e considerado aprovado
em __/__/____.
[Prof. Ms. Marília Carbonari]
Professora Orientadora
[Prof.Dr. Fábio Guilherme Salvatti]
Membro da Banca Examinadora
[Prof. Ms. Priscila Genara Padilha]
Membro da Banca Examinadora
AGRADECIMENTO
Agradeço aos meus colegas por abraçarem a ideia de dar vida à obra de Fernando
Arrabal, a minha orientadora por indicar os caminhos desse trabalho, a Bruna Todeschini por
fotografar nosso espetáculo, a minha família por ser meu público mais fiel e a minha
namorada por ser minha maior crítica.
RESUMO
“Fando & Lis: um espetáculo em movimento” é analise do processo de criação
coletiva que o grupo composto por sete alunos da sétima fase do curso de Artes Cênicas da
UFSC passou para montar o espetáculo homônimo do autor espanhol Fernando Arrabal. A
peça foi criada dentro das disciplinas de “Processos Criativos” e “Estudos da Recepção”. Este
trabalho relata a adaptação da obra dentro de um ônibus, as apresentações e as reflexões do
processo.
Palavras-chave: aluno-diretor, criação coletiva, espaço não convencional, Fando & Lis.
ABSTRACT
“Fando & Lis : a moving spectacle" is analysis of the collective creation process that the
group of seven students of the seventh semester of the course for the Artes Cênicas at UFSC,
passed to mount the show's namesake Fernando Arrabal Spanish author . The piece was
created within the disciplines of " Processos Criativos" and " Estudos da Recepção" . This
paper describes the adaptation of the work on a bus, presentations and reflections of the
process.
Keywords: student director , collective creation , unconventional space, Fando & Lis .
“O teatro convencional busca heroicamente espectadores que
escasseiam e, ao mesmo tempo está atravancado por hordas de
candidatos que batem às suas portas”. Denis Guénoun
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................9
1. Reflexões do aluno-diretor em relação ao processo........................................................11
2. Registros do diário de bordo.............................................................................................14
3. O espaço, o público e "Processos Criativos e Estudos da Recepção"............................39
3.1. O espaço.............................................................................................................................39
3.2. O público............................................................................................................................41
3.3. "Processos Criativos" e "Estudos da Recepção"................................................................42
CONCLUSÃO.........................................................................................................................44
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................45
ANEXO....................................................................................................................................46
9
INTRODUÇÃO
Este memorial descritivo é referente ao espetáculo “Fando & Lis” que foi criado a
partir das disciplinas de “Processos Criativos” e “Estudos da Recepção”, do curso de
graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizadas
no ano de 2014. Tais disciplinas apresentam-se como um fechamento da formação de atores e
diretores de teatro, sendo assim, são disciplinas a serem realizadas na sétima fase do curso de
graduação.
O grupo foi formado por sete alunos do curso de graduação no primeiro semestre de
2013, quando sabíamos da necessidade de criar um projeto para as disciplinas do ano
seguinte. Desde o inicio da formação do grupo, optamos por um processo colaborativo com a
existência de dois diretores, a aluna Francielly Cabral e o aluno Leandro da Silva Batista que
assumiram a direção. As alunas Aline Helena Elingen, Gabriella Bergano e Mantra Santos,
junto aos alunos Bruno Santos e Igor Gomes assumiram a atuação.
O começo da minha pesquisa como diretor deu-se com a procura de textos
dramatúrgicos que me despertassem algum interesse. Entre as obras lidas estava “Fando e
Lis”, do espanhol Fernando Arrabal, publicado em 1958. O texto apresenta a história de um
casal que quer chegar a Tar: cidade cobiçada por ambos, “que até hoje ninguém chegou e
ninguém espera chegar” (trecho tirado da própria obra). Lis é paralítica e é Fando quem a
conduz em um carrinho, a relação dos dois é marcada por carinhos e violências. Durante esse
trajeto os dois se deparam com três figuras estranhas, os homens do guarda-chuva, que tem o
mesmo desejo: encontrar a cidade perdida, Tar.
Fernando Arrabal nasceu na Espanha em 1932, porém vive na França desde 1955, ano
em que ficou internado em um sanatório para se curar de tuberculose e exatamente neste
período escreveu Fando e Lis. É atualmente o autor espanhol mais encenado no mundo.
Escreveu diversas peças como: O Cemitério de Automóveis, O Arquiteto e o imperador da
Assíria, Piquenique no Front, entre outras.
Escolhi este texto por tratar a vida como um trajeto, o qual o destino é tão inesperado
quanto o viver, por possuir um humor único e doloroso. O texto sempre está ligado à
necessidade de estar a caminho de algum lugar, por mais que seja um lugar ignoto.
Quando a obra foi apresentado aos meus colegas a aceitação foi imediata. Um texto
tão complexo, escrito na década de 50 e ainda tão atual, seria um desafio para nosso grupo de
atores e diretores em fase de término de um curso de graduação. Além disso, a obra abordava
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temas de interesse do grupo, como: a busca eterna por chegar ao destino, a relação de domínio
entre os sexos, a tênue linha entre a vida e a morte, entre outros. Elementos que foram
explorados ao longo do processo.
Em A poética na Direção Teatral: O diretor-pedagogo e a arte de conduzir processos,
Robson Carlos Haderchpek fala sobre a escolha do tema pelo diretor em um processo criativo:
Antes de efetivar a proposta de montagem do espetáculo, é importante
também que o diretor estude a reverberação do tema dentro do grupo. Por
exemplo, se o tema da obra escolhida é de interesse coletivo, se vai gerar
polêmica, se é algo que vai trabalhar algum preconceito deles, e também, se é
um tema de interesse do diretor, pois, a partir deste momento o diretor
também se torna parte do grupo, e se o tema não lhe parecer um desafio ou
não lhe estimular de algum modo, será difícil conduzir esse processo.
(HADERCHPEK, 2009, p. 133).
Desde que a obra foi escolhida o grupo pretendia trabalhar com a utilização do espaço
não convencional; nosso objetivo era conseguir um espaço que aproximasse o público da
cena. Entretanto o grupo não tinha conhecimento nessa área até o segundo semestre de 2013,
quando tivemos a disciplina de “Espaços Alternativos: A Cena Pós-teatral”.
Durante o semestre de 2013, o grupo se encontrava duas vezes por semana para
estudar como seria a montagem do semestre seguinte. Em uma destas reuniões decidimos
utilizar um espaço não-convencional que fosse de comum acesso as pessoas, em que o
ambiente deveria compor com o enredo da obra que fala sobre a viagem, por isso o grupo
optou por utilizar um ônibus como espaço central da peça, também por esse motivo
convidamos a professora de espaços alternativos para ser nossa orientadora.
CAPÍTULO 1: Reflexões do aluno-diretor em relação ao processo.
A montagem da peça “Fando & Lis” teve inicio no primeiro semestre de 2014, quando
o grupo se encontrava todas as noites na sala 404. Desde o começo a direção se deparava com
pequenas questões, do tipo: como conquistar a confiança dos atores?
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Existiram momentos de extremas dificuldades, principalmente no inicio, quando os
exercícios não funcionavam e o grupo não estava centrado nos objetivos propostos, era
preciso muitas vezes parar e retomar do zero as atividades. Outro problema era a
desconcentração dos atores que acontecia com frequência nos ensaios.
Dentro do grupo todos eram colegas e estudavam juntos desde o primeiro semestre de
2011, o que acabou causando uma dualidade no processo: de um lado a sintonia, o jogo de
cena, a cumplicidade e o trabalho coletivo acabavam acontecendo de forma natural; por outro
a entrega e a segurança nas decisões da direção eram uma das dificuldades que melhoraram
no decorrer do processo, assim como a comunicação que os diretores tinham com os atores.
Boa parte dos nossos ensaios foram dedicados ao trabalho de ator, pois apesar de ter
sido o foco do curso, tivemos apenas duas disciplinas que abordassem a proximidade com
público “Espaços Alternativos – A cena Pós-Teatral” e “Teatro de Rua e Carnavalização”.
Nesse sentido uma das minhas preocupações enquanto encenador era como trabalhar a
proximidade ator-plateia.
Como todo o trabalho artístico, dentro e fora da Universidade, tivemos problemas nas
questões de produção de modo geral, pois dos sete participantes do grupo dois eram
encenadores e cindo eram atores, logo a produção teve que ser dividida entre todos. Porém
com os comprometimentos nas atividades de formas diferentes, a maior responsabilidade
coube à direção, deixando mais tempo para os atores se empenharem em suas personagens.
Mesmo com essa decisão, era preciso o envolvimento de mais pessoas para a produção de
cenário, maquiagem, montagem, desmontagem, iluminação, funções de contrarregra e outras
necessidades que surgiriam durante as apresentações, por isso foi aberto para alunos das
outras fases do curso de Artes Cênicas a possibilidade de nos auxiliar com a produção do
espetáculo. Assim sendo, alunos da primeira, terceira e quinta fase, juntamente com os
técnicos da UFSC, facilitaram para que o espetáculo acontecesse.
Durante o processo de ensaio a adaptação da obra foi sendo feita de forma não
textocêntrica, ou seja, o grupo criou uma nova dramaturgia a partir do texto arrabaliana.
Patrice Pavis em seu Dicionário do Teatro fala sobre uma dramaturgia mais recém:
Dramaturgia designa então o conjunto das escolhas estéticas e ideológicas
que a equipe de realização, desde o encenador até o ator, foi levada a fazer.
Este trabalho abrange a elaboração e a representação da fábula, a escolha do
espaço cênico, a montagem, a interpretação do ator, a representação
ilusionista ou distanciada do espetáculo. Em Resumo a dramaturgia se
pergunta como são dispostos os matérias da fábula no espaço textual e cênico
e de acordo com qual temporalidade. A dramaturgia, no seu sentido amplos
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mais recente, tende portanto a ultrapassar o âmbito de um estudo do texto
para englobar texto e realização cênica. (PAVIS, 1999, p113-4).
Pensando dessa maneira o grupo selecionava algumas cenas e as trabalhava a partir de
improvisações. As investigações cênicas desse espetáculo surgiram através de um fosso que
existe entre o texto e a cena, o qual na prática teatral não como ser separada, afinal no teatro
não existe uma separação entre teoria e prática. (REBOUÇAS, 2009). Outras cenas foram
criadas com a inserção de textos e situações que não estavam presentes na obra de Arrabal. Da
mesma forma que algumas ordens de cenas foram alteradas, como por exemplo, a última cena
da obra arrabaliana, que o grupo a nomeou de “encruzilhadas”, foi colocada como a primeira
do espetáculo: momento que os atores não representam nenhum personagem e dão o texto
fora do palco. Esse texto foi correlacionado com histórias reais e trabalhado de diversas
formas com os atores, até chegar ao formato utilizado no espetáculo.
Figura 1 – Inicio do espetáculo Fando & Lis.
Fonte: Bruna Todeschini, fotos do espetáculo.
O inicio do espetáculo foi uma difícil decisão, pois era importante conquistar o público
desde o primeiro momento, trazer o enredo da obra. Ao mesmo tempo, queríamos ter uma
distancia entre as personagens e a plateia, afinal no desenvolvimento do espetáculo existiria
uma aproximação muito grande entre elas. Dessa forma definimos que os atores, sem
personagens, receberiam o público e começariam a cena de “cara limpa”.
Em uma das pesquisas que fiz sobre a obra me deparei com um filme homônimo,
dirigido por Alexandro Jodorowsky. No inicio do filme temos a personagem Lis comendo
uma rosa e na sequência, com os créditos iniciais, a voz do próprio diretor explicando o que é
Tar e o que existe nesta cidade. Em nosso espetáculo utilizamos exatamente essas cenas do
filme para serem rodadas na cortina do palco, logo após a cena inicial. E era nesse tempo de
dois minutos e cinquenta e cinco segundos que os atores que representavam Fando e Lis
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tinham para colocar os figurinos das personagens e fazerem suas maquiagens. Pois assim que
terminada essa projeção, ambos estão no palco.
Durante essa cena de Fando e Lis, os outros atores estavam no hall do teatro colocando
os figurinos e se maquiando para interpretarem as personagens Toso, Mitaro e Namur.
Quando essas três personagens estavam prontas, elas saiam do teatro antes de Fando e Lis
saírem com o público e se posicionavam: Toso no ponto de ônibus, ao outro lado da rua do
teatro, para entrar no ônibus quando este estivesse em movimento; Mitaro e Namur se
mantinham escondidos próximo ao teatro para entrarem assim que todos estivem dentro do
ônibus, antes dele partir. Aqui está um elemento que tínhamos o intuito de trabalhar
constantemente na peça: a surpresa.
A peça, entre outros temas, tratava da violência contra a mulher, assim pesquisamos e
selecionamos algumas histórias noticiadas com esse assunto mesclando com a obra
arrabaliana. Com essas notícias gravamos um áudio de sete minutos que foi utilizado no fim
do espetáculo, no momento em que os passageiros (público) retornavam sozinhos, dentro do
ônibus, em direção ao teatro. Esse era um momento muito interessante da peça, pois após a
morte de Lis, por seu amado, o público chegava ao teatro e não haviam atores, somente um
teatro fechado e vazio, ali acabava a peça.
Acredito que esse final faz com que a plateia pense sobre a história e os assuntos
tratados nela, que leve eles para casa, ou pelo menos algo que a tenha emocionado,
perturbado, irritado. Não queríamos que os espectadores após a peça encontrassem com os
atores, decidindo terminar a peça no vazio, porém com a inquietação deste fim.
Durante o processo utilizei um diário de bordo para ter registro dos dias de ensaios,
também, encaminhado pela orientadora, foi feito um diário coletivo, que anotávamos nele
quando sentíamos necessidade. Nosso processo de criação coletiva ,enquanto disciplina,
iniciou em 10 de Março de 2014 na disciplina de “Processos Criativos” e finalizou dia 02 de
Novembro, do mesmo ano, na nossa ultima apresentação do espetáculo na disciplina de
“Estudos da Recepção”.
CAPÍTULO 2: Registro dos diários de bordo
Nesse capítulo descrevo alguns encontros destacando as questões relevantes que
permaneceram durante todo o processo e que definiram minha linha de trabalho enquanto
aluno-diretor. Os registros aqui escritos tem como base dois diários de bordo, sendo um deles
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relatos dos ensaios anotados por mim e o outro de relatos do grupo. Algumas datas estão sem
registros.
No dia 10 de Março de 2014 o grupo iniciou seus trabalhos. O ponto de partida foi à
pesquisa teórica sobre o texto que seria trabalhado, também relemos a concepção criada no
semestre anterior e buscamos reorganizar as ideias da peça. Utilizamos os nove primeiros dias
para estudar como iniciar o processo prático, da mesma forma que se investigou mais sobre a
obra arrabaliana.
No inicio do processo não havia definição de quais atores fariam as personagens, e o
grupo decidiu continuar no trabalho de criação coletivo, com a existência de dois diretores. Os
ensaios práticos começaram no dia 20 de Março do ano de 2014, com experimentações,
improvisações, estudos dos temas, texto e contexto.
Um dos primeiros passos, jutos a
orientadora, foi definir as unidades e intitulá-las. Ficou da seguinte maneira:
Unidade 1 – Morte
Unidade 2 – Confiança
Unidade 3 – Expectativas
Unidade 4 – Revelação
Unidade 5 – Passeio
Unidade 6 – Ameaça
Unidade 7 – Tar
Unidade 8 – Contato
Unidade 9 – Desistência
Unidade 10 – Segunda tentativa de contato: a partir do convencimento
Unidade 11 – Vento
Unidade 12 – Preocupação/ esforço
Unidade 13 – Toso
Unidade 14 – Terceira tentativa de contato: carência
Unidade 15 – Como chegar a Tar
Unidade 16 – Toso?
Unidade 17 – Hierarquia animal
Unidade 18 – Questionamento sobre Fando
Unidade 19 – Implicância com Toso
Unidade 20 – Lis objeto
Unidade 21 – Ponderações sobre Toso
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Unidade 22 – O dia do Silêncio
Unidade 23 – Sobre o sistema de distribuir quem tem razão
Unidade 24 – Permissão de Fando e Lis para irem a Tar
Unidade 25 – Importância de ir a Tar
Unidade 26 – Partida para Tar
Unidade 27 – A tortura de Fando em relação a Lis
Unidade 28 – Promessa de felicidade
Unidade 29 – Tortura e morte de Lis
Unidade 30 – Investigação e constatação da morte de Lis
Unidade 31 - Encruzilhadas
Após esse estudo, começamos o trabalho a partir das unidades, muitas delas foram
exploradas e vieram a constituir o espetáculo. As improvisações foram criadas através de
situações que a direção e a orientação propunham.
Data: 20/03/2014
No primeiro dia de ensaio prático trabalhamos com três situações a partir da unidade 1
– Morte.
1ª Situação:
Lado A: Mantra e Igor; Lado B: Gabriella, Aline e Bruno. Pessoas do lado A tem que
convencer as pessoas do lado B que vão morrer só com o olhar. Os dois grupos ficam do lado
oposto da sala, um de cada lado vai ao centro e se comunicam com o olhar, após todos
completarem as ações se inverte as atividades.
A ideia dessa situação era trabalhar as expressões dos olhos dos atores, pensando na
proposta de proximidade com o público era importante que eles estivessem com o olhar forte
e presente.
Figura 3 – Convencimento de morte: Bruno e Igor.
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Fonte: Registro de ensaio Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
2ª Situação:
Ator 1 ao centro, ator 2 e 3 agarrando suas pernas. Ator 1 tem que convencer ator 2 e
3, sem utilizar força e fala, a soltarem ele. Quando o ator 2 e 3 soltarem o ator 1, caso isso
venha a acontecer, eles se comunicam através do olhar com os atores 4 e 5 o porque soltaram
o ator 1.
Esse exercício foi utilizado para trabalhar a troca de informações entro os atores, da
mesma forma que aproximá-los cenicamente sem a utilização da fala.
3ªSituação:
Ator 1 fica ao centro em cima de uma cadeira, fala repetidas vezes uma frase de um
diálogo do texto trabalhando-a de formas diferentes. Os outros atores ficam do lado de fora
observando. Quando um dos atores gostar da maneira que a entonação foi dada, ele se
posiciona ao lado do ator 1 e repete a entonação do ator . Enquanto este ator 2 vai repetindo a
intenção do ator 1, o primeiro ator continua variando as formas de sua fala, até que outro ator
que está do lado de fora se interesse por uma nova entonação do ator 1 e vá para cena ao lado
de um dos que já estão posicionados, e permanece repetindo a frase na entonação que o
interessou. Esta ação se segue até que todos os atores estejam em cena falando a frase com
alguma intenção que lhe agradou. Após, o ator 1 saí de cena, observa os outros atores e
escolhe uma das intenções, volta para a cena e fica repetindo ela, os outros atores param,
saem, observam o ator 1. Quando todos, que estão do lado de fora da cena, perceberem como
é a entonação que está sendo dada, eles voltam e se posicionam e falando a frase na mesma
intenção e velocidade que ficou definida. Depois de toda essa construção de uma frase, faz-se
o mesmo processo com a frase de diálogo do outro personagem.
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Esse exercício trabalha com a imitação que o ator faz de si mesmo através da imitação
de outro ator, é uma maneira coletiva que se construir as falas da personagem.
As frases utilizadas foram as primeiras da obra arrabaliana:
“Mas eu vou morrer e ninguém vai se lembrar de mim”
“Sim Lis. Eu vou me lembrar de você e irei vê-la no cemitério com uma flor e um cachorro.”
Figura 4 – Os cinco atores falando a mesma frase, a partir da forma construída: da esquerda
para direita Aline, Igor, Gabriella, Mantra e Bruno.
Fonte: Registro de ensaio UFSC.
No livro “A arte de Ator: da técnica a representação” de Luís Otávio Burnier, ele fala
sobre a observação e a imitação do ator a partir deste observar:
Observação: trata-se sobretudo de uma observação ativa, ou seja,
observação-imitação. O ator observa uma pessoa e tenta, em seguida,
imitar sua corporeidade, ou detalhes de sua corporeidade, com o próprio
corpo. Estabelece-se, conforme o caso, uma dinâmica entre observaçãoimitação-observação-imitação..., que permite ao ator conferir, a medida
que tenta imitar, uma série de detalhes das ações físicas da pessoa
observada. Esta dinâmica ocasiona um aperfeiçoamento e uma melhor
precisão da imitação. (BURNIER, 2009, p.186).
Acredito que assim como a imitação corpórea, a imitação vocal também pode fazer
com que o ator perceba detalhes que podem ser explorados que muitas vezes acabam
passando despercebidos.
Nesse primeiro dia de ensaio surgiu uma ideia que viria a ser utilizada no espetáculo:
Fando convencer que Lis é paralítica. Em nossa concepção Lis não é paralítica ela se faz de
tal para satisfação de seu amado. Uma das ideias que queríamos abordar na peça é a ofensiva
machista existente na sociedade e a manipulação que pode existir em uma relação de
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dependência. Acredito que o fato de Lis não ser paralítica é uma das maiores diferenças
dramatúrgicas de nossa peça com a obra arrabaliana.
Na obra, Arrabal não nos diz como Lis se tornou paralítica, mas há indicativas no texto
que fazem o leitor identificar Fando como o responsável por essa paralisia:
“LIS - Você nunca me considera. Lembra-se de como às vezes, antes de eu ficar paralítica,
você me amarrava na cama e me batia com a correia?!”
“FANDO - Eu não sabia que lhe maltratava.”
“LIS - Mas eu dizia sempre. Quantas vezes eu disse que não podia suportar o mal que você
me fazia!”
“FANDO - Lis, me perdoe. Eu não voltarei a lhe amarrar na cama a lhe bater com a
correia, Eu prometo.” (Quadro IV, p. 26).
Em nossa peça essa paralisia é causada por Fando no inicio do espetáculo, não de
maneira física, mas de forma psicológica, quando ele lhe convence que ela é paralítica, pois é
ele o responsável de fazer tudo por sua amada. Tínhamos a intenção de desde do inicio da
peça deixar evidente a manipulação que existia de Fando em relação a Lis.
Data: 21/03/2014
No segundo dia de prática foi trabalhado a partir de musicas: “Não tenho medo da
morte” de Gilberto Gil e “Mulher eu sei” de Chico César. Grupo 1 composto por, Aline,
Gabriella e Igor criaram uma cena a partir da música de Gilberto Gil; Grupo 2 composto por
Bruno e Mantra a partir da música de Chico César. A improvisação era utilizar as letras das
músicas ou mesmo as músicas e relacioná-las com as unidades 1 – Morte, 2 – Confiança, 3 –
Expectativas e 4 – Revelação em uma cena criada pelo grupo. Segue os textos abaixo:
Não tenho medo da morte – Gilberto Gil
não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
qual seria a diferença
você há de perguntar
é que a morte já é depois
que eu deixar de respirar
morrer ainda é aqui
na vida, no sol, no ar
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ainda pode haver dor
ou vontade de mijar
a morte já é depois
já não haverá ninguém
como eu aqui agora
pensando sobre o além
já não haverá o além
o além já será então
não terei pé nem cabeça
nem figado, nem pulmão
como poderei ter medo
se não terei coração?
não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte e depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou
então nesse instante sim
sofrerei quem sabe um choque
um piripaque, ou um baque
um calafrio ou um toque
coisas naturais da vida
como comer, caminhar
morrer de morte matada
morrer de morte morrida
quem sabe eu sinta saudade
como em qualquer despedida.
Mulher eu sei – Chico César
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Eu sei como pisar
No coração de uma mulher
Já fui mulher eu sei
Já fui mulher eu sei
Para pisar no coração de uma mulher
Basta calçar um coturno
Com os pés de anjo noturno
Para pisar no coração de uma mulher
Sapatilhas de arame
O balé belo infame
Para pisar no coração de uma mulher
Alpercatas de aço
O amoroso cangaço
Para pisar no coração de uma mulher
Pés descalços sem pele
Um passo que a revele.
O trabalho com a música fez com que os atores colocassem um ritmo natural nas cenas
criadas, logo, buscando aspectos para as personagens que estariam nas unidades trabalhadas,
Fando e Lis, por mais que nenhum personagem havia sido definido todos estavam ajudando a
construir e dar vida ao que seria os dois principais personagens da obra, assim como suas
relações.
Data: 24/03/2014
Cada ator levou uma imagem que representa a personagem Lis e justificou a escolha:
Gabriella – Rosa azul com espinhos: forte/ amor verdadeiro/ mutação genética (criação
humana);
Aline – Rosa vermelha: delicadeza, porém com espinhos. Fando conhece a rosa e onde estão
suas fraquezas;
Mantra – Rosa sem cor: espinho delicado;
Igor – Vários pinguins se movimentando para uma queda: prevê o fim/ liberdade;
Bruno – Escultura de Camille Claudel, La Danaide: mulher submissa ou não.
Todos trocaram as imagens e criaram monólogos que contavam o espetáculo em três
minutos, a partir das imagens. O resultado foram cenas interessantes que possibilitaram os
atores a se envolverem cada vez mais com a história, assim como trazer novas interpretações
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da obra para o grupo. O próximo passo foi formar dois grupos e transformar esses monólogos
em cenas sem falas. Uma dessas criações veio a fazer parte do espetáculo, cena que
nomeamos de o “Enterro de Lis”.
Figura 5 – Enterro de Lis
Fontte: Bruna Todeschini, fotos do espetáculo.
Data: 25/03/2014
Nesse dia de ensaio foi trabalhado com os atores improvisações e experimentações em
cima das unidades. O exercício era caminhar pelo espaço enquanto os diretores falavam o
nome de uma unidade, após um tempo se batia uma palma e os atores congelavam e
expressavam as unidades em seu corpo.
Figura 6 - Igor representando a unidade revelação.
Fonte: Registro de ensaio UFSC.
Segue abaixo anotação de uma das atrizes desse dia de ensaio:
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O trabalho em grupo está fluindo, todos engajados até o momento, é bom
participar de um grupo comprometido e criativo. As experimentações são
muito divertidas, sempre surgem coisas novas. Pode-se notar a entrega de
cada um ao trabalho. Incrível como as cenas se desenvolvem sempre
melhorando de experimentação a experimentação. (Mantra).
No ensaio deste dia em cima das unidades ajudou no desenvolver de ideias para as
personagens de Fando e Lis, como por exemplo, Fando vai se tornando mais autoritário com o
passar da peça, assim como Lis mais submissa, de forma que isso reflita nos corpos.
Data 31/03/2014
Nessa data foram selecionadas algumas das cenas mais interessantes que foram criadas
entre os monólogos e as cenas coletivas, depois nós começamos a trabalhá-las. Essas cenas
seriam
apresentadas
dias
à
frente
para
a
orientadora:
1- Mulher eu sei (Bruno e Mantra);
2- Eu acredito (Aline e Igor);
3- Roguintura (Aline, Bruno, Igor e Mantra).
A partir dessa data o grupo começou a definir a palavra do dia que definiria o
ensaio. Nesse dia foi: produtivo.
A partir dos ensaios feitos, surgiu a ideia de começar o espetáculo em dois ambientes
distintos, de um lado o público com os três homens e de outro lado com Fando e Lis. Durante
o espetáculo esse público se encontraria, assim como os personagens, terminando a peça em
um espaço conjunto. Contudo essa ideia foi repensada, pois era preciso que o público tivesse
esse primeiro contato com Fando e Lis para entrar na história do casal.
Data: 01/04/2014
Montamos o ônibus na sala de ensaio, com cadeiras, deixando os atores interagirem
nesse espaço, propondo situações do tipo: ônibus quebrar, alguém passar mal, pessoas
tentando se matar. Porém nada ligado à obra. A ideia era coloca-los nesse espaço e modificar
o pensamento desse ônibus como um lugar simples.
Figura 7 – Ônibus dentro da sala de ensaio
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Fonte: Registro de ensaio na UFSC
Nesse dia de ensaio foram selecionadas e ensaiadas as cenas restantes que
apresentaríamos à orientadora:
4- Não tenho medo da morte (Aline, Gabriella e Igor)
5- Lises (Aline, Bruno, Gabriella, Igor e Mantra)
6- Tarde demais (Aline e Bruno)
7- Enterro de Lis (Aline e Bruno)
8- Bravíssimo (Gabriella)
9- Uma flor e um cachorro (Igor)
10- Vamos parápatar (Mantra)
11- E Fando matou Lis (Bruno)
Todas essas cenas foram criadas ao longo dos ensaios
Palavra do dia: Repetições.
Não tínhamos ensaiado no ônibus uma única vez, por esse motivo a preocupação era
grande. Além de fazer o espaço fictício dele dentro da sala para os ensaios, passamos como
exercícios os atores e atrizes perceberem como é o estar dentro de um ônibus, como as
pessoas se relacionavam, quais os atos comuns e observarem suas ações dentro desse
ambiente.
Data: 02/04/2014
As cenas selecionadas foram apresentadas a orientadora. No grande geral recebemos
retorno positivo, porém faltava entrega dos atores para algumas cenas. Foi então que Marília
sugeriu um exercício para essa entrega: o ator, individualmente, entra no espaço cênico;
enquanto caminha narra todos os seus passos, em terceira pessoa, até chegar a uma cadeira
que está no centro, onde se senta. Quando sentado volta a falar em primeira pessoa e conta
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uma história de desilusão amorosa. Assim que termina de relatar, narra sua saída em terceira
pessoa.
Apesar de todos do grupo, com exceção da orientadora, conhecerem-se a mais de três
anos, o exercício foi interessante pra aumentar ainda mais a intimidade. A entrega de uma das
atrizes nesse exercício foi de fato tão grande e libertadora, que o choro e o soluço invadiram a
sala de ensaio, mas nas atividades seguintes era perceptível uma conexão dela com a cena que
se destacava de todos. Foi um momento único de emoção que dificilmente conseguiríamos
nos ensaios seguintes.
Palavra do dia: Tumulto
Muitas vezes a prática do teatro, por mais paradoxal que isso seja, nos afasta do fazer
teatral que é muito mais do que estar em cena, teatro é libertação é confiança é o momento de
restituir fragmentos nossos que estão quebrados. Em suma foi o que aconteceu nesse ensaio.
Data: 04/04/2014
Nesse dia de ensaio foram criadas cenas com utilização de objetos: guarda-chuva,
pandeiro e matraca. Bruno e Gabriella interpretaram Namur e Mitaro, respectivamente,
utilizando o guarda-chuva. Essa cena tratava-se dos personagens quando crianças pensando
em ir para Tar, explorando os motivos e como chegar. Havia uma terceira personagem que não
estava em cena, mas que sempre era mencionado, Toso. A outra dupla, Igor e Mantra, usaram
os instrumentos para conduzir o ritmo de uma cena sem fala, não existiam personagens. Essa
cena era toda simétrica e foi intitulada como “ritual de morte”.
Ao final do ensaio foi passado para os atores memorizarem o diálogo da cena 27- A
tortura de Fando em relação a Lis, para a próxima semana.
O trabalho começou a dar-se em cima dos três homens, o qual o grupo havia
trabalhado pouco. Enquanto concepção, decidimos primeiro dar vida a esses cinco
personagens, de forma que as cenas iam surgindo subsequentemente com as experimentações
e improvisações.
Data: 07/04/2014
O trabalho se deu em cima das unidades 20 – Lis objeto e 27 – Tortura de Fando em
relação a Lis. Experimentamos a unidade 20 com uma atriz representando Lis e um ator
representando Fando, os outros Mitaro e Namur (exercício feito em quatro pessoas),
passavam a mão em Lis e a beijavam nos momentos em que Fando os solicitava, a atriz na
cadeira não podia mostrar reação algum, ficava imóvel. Depois se inverte a situação, um ator
25
representa Lis e uma atriz representa Fando. Nesse exercício os atores tinham que estar bem
concentrados e por mais que se inverte o sexo, a cena não podia ser levada para a comédia.
Esse exercício ajudou a criar elementos de uma das cenas mais importantes da peça e
trabalhou o contato corporal entre os atores.
Na unidade 27 separamos os atores em duplas (uma das atrizes não estava presente).
Como o texto já estava decorado o trabalho foi em cima dele, com diretores sugerindo
elementos corporais para os atores irem criando, ao fim tínhamos duas interpretações da
unidade 27. Colocamos as duas duplas em cena, cada qual em um canto da sala, de forma que
as cenas acontecessem simultaneamente. O interessante dessa criação era observar de um lado
uma Lis séria e brava com um Fando jovem e ágil, e de outro uma Lis mais frágil e um Fando
mais velho e rancoroso. Os grandes momentos de pico nessa experimentação eram quando as
personagens davam as falas ao mesmo tempo e eram bem perceptíveis as interpretações
diferentes que tínhamos.
Essas duas unidades precisavam expressar certa sensibilidade, por isso ambas foram
trabalhadas muitas vezes em diversos ensaios, pois viriam a compor o espetáculo. Algumas
vezes fazíamos com que os atores se assistissem para perceber o que o outro trazia de
interessante para a personagem, já que não havíamos ainda definido os papeis. Todos esses
trabalhos de experimentação ajudaram os encenadores a perceber quais atores dariam vida a
quais personagens arrabalianos.
Data: 08/04/2014
Nesse dia foi montado o ônibus dentro da sala de ensaio e colocamos os atores dentro
do espaço, sem personagens, e começamos a propor situações. Não tínhamos o ônibus ainda
como espaço para ensaio, porém precisamos fazer com que eles se apropriassem desse lugar.
Talvez pelo fato de os atores terem observando os comportamento das pessoas dentro desse
espaço, as improvisações foram interessantes e funcionaram, mesmo assim existia uma
limitação nas criações, era preciso o espaço.
Após todas as experimentações tínhamos pré-definição de quais personagens seriam
interpretados por quais atores; Lis: Aline, Fando: Bruno, Mitaro: Gabriella, Namur: Igor e
Toso: Mantra. Com essas pré-definições separamos os dois núcleos e cada diretor ficou
responsável, por criar uma cena. Eu trabalhei com Fando e Lis unidade 29 – Tortura e morte
de Lis, fora da sala de ensaio, na rua. Francielly trabalhou dentro da sala de ensaio com os três
homens unidade 31 – Encruzilhadas.
26
O interessante no trabalho feito na rua era a reação das pessoas que passavam, muitas
vezes vinham até o local para saber se estava tudo bem, algumas não entendiam como teatro e
sem perceber acabavam entrando na cena, outras após perceberem continuavam suas jornadas
noturnas observando ao se distanciar. Cena que viria a ser feita no espetáculo, de forma
parecida com a conformação que a criamos, no lado de fora do ônibus.
Após as cenas prontas e apresentadas ao grupo, os encenadores trocaram as cenas para
acrescentar um pouco no que já havia sido criado.
Data: 09/04/14
Dia de ensaio com a presença da orientadora, na qual a mesma propôs as atividades.
Trabalhamos com impulsos corporais e com a sintonia entre o grupo, exercícios de foco e de
concentração, sempre tirando o “tapete” dos atores.
Refizemos a cena Lis objeto, relendo o texto e seguindo as rubricas dadas. Ao final
passamos para os atores como tarefa a função de reler a obra em casa. Como não havíamos
feito uma adaptação antes das experimentações, muitas vezes o grupo precisava reler o texto
para as criações.
Data: 10/04/2014
Começamos o ensaio trabalhando com exercícios de concentração e de escuta. Os
exercícios não funcionaram e aconteceram de forma contrária, todos os atores se
desconcentravam e riram muito, e quanto mais se tentava trabalhar com a concentração mais
se desconcentravam. Por isso, resolvemos trabalhar de outra forma: com o caos e o riso.
Aproveitamos a desconcentração e deixamos os atores rirem. Fomos jogando situações e
deixando-os improvisarem. Automaticamente com o tempo, passamos do caos para o ócio e
logo para o silêncio. A partir desse momento o ensaio do dia começou a ser interessante,
trabalhamos o texto através de improvisações com as personagens. Nesse ensaio chegamos a
final definição dos personagens, trocando Namur para Mantra e Toso para Igor, da mesma
forma como trouxemos o silêncio das improvisações para as cenas.
Palavra do dia: Alegria.
A troca entre os atores que faziam Namur e Toso foi de fato um acerto, ambos, dentro
de suas possibilidades, viriam a se envolver muito com essas personagens.
Data: 11/04/2014
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Para esse ensaio trouxe alguns exercícios de clown retirados do livro “A Arte de Ator,
da técnica à representação” de Luís Otávio Burnier:
Ações físicas:
a) maneiras de andar (rápido, lento, grande, pequeno)
b) possibilidades diferentes de pisar (calcanhar, ponta do pé, lado externo, lado
interno, nível alto, nível baixo), variar ritmo (rápido e lento) e amplitude (grande e
pequena);
c) correr;
d) saltar;
e) girar;
f) mudar de direção (olha primeiro e depois vai; corpo vira primeiro e depois a
cabeça);
g) Stops
h) modos de olhar
i) sentar. (BURNIER, 2009, p. 213).
As improvisações foram criadas a partir de exercícios que deram possibilidades a uma
imersão rasa, do trabalho de clown, entre Branco e Augusto. Principalmente para a criação
das três personagens secundárias da peça. O palhaço Branco geralmente é o que manda que
tem as ideias. Ele sempre é o chefe e possui um ar superior, uma figura mais fria, geralmente
o chefe na relação e a representação mais adulta. O palhaço Augusto simploriamente
conceituando é o oposto. Ele não tem as ideias, ele as executa. Em grande parte de maneira
contrária a que o palhaço Branco o solicita. É inocente, sofre com as repreensões do colega e
está muito ligado criança, ao infantil (FELLINI, 1988).
Trabalhamos as unidades 7- TAR, 11 - Vento e 23 – Sobre o sistema de distribuir quem
tem razão. A unidade 11 foi proposta através de um jogo de criança, “pedra, papel e tesoura”,
porém com a variação: “tubarão, escopeta e pirata”.
Após essa semana os diretores fizeram a seleção das cenas/unidades, criadas na sala de
ensaio, que a priori estariam no espetáculo, segue elas:
1- Começa com Mitaro e Namur na entrada do teatro decidindo ir para TAR;
2- Fando e Lises;
3- Fando convence que Lis é paralítica;
4- Enterro de Lis/ TAR;
(dentro do ônibus);
5- Contato/ Silêncio;
6- Vento;
7- Fando tenta segundo contato;
8- Ônibus para;
9- Fando e três homens decidem como chegar a TAR;
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10- Lis objeto;
11- Sistema de distribuição de quem tem razão;
12- Tortura de Fando em relação à Lis;
13- Promessa de felicidade;
14- Tortura e morte de Lis;
15- Encruzilhadas.
A partir dessa seleção o grupo começou a escrever a adaptação da obra.
Data: 14/04/2014
Esse dia o Trabalho foi com a criação de personagem: Mitaro, Namur e Toso tiveram
inspiração clownesca (talvez apenas um suspiro), alguns exercícios de clown eram repetidos
em alguns ensaios. Tínhamos a intenção de trabalhar em uma proximidade com o publico e
precisávamos que os atores não só representassem, mas que eles fossem essas três
personagens. Entre as técnicas que podíamos experimentar resolvemos por utilizar da
inspiração clownesca.
O clown é a exposição do ridículo e das fraquezas de cada um. Logo, ele é
um tipo pessoal e único. Uma pessoa pode ter tendências ao clown branco ou
ao clown augusto, dependendo de sua personalidade. O clown, portanto, não
representa, ele é - o que faz lembrar os bobos e bufões da Idade Média. Não
se trata de um personagem, ou seja uma entidade externa a nós, mas da
ampliação e dilatação dos aspectos ingênuos, puros e humanos, portanto
‘estúpidos’ do nosso próprio ser. (BURNIER, 2009, p. 209).
A ideia de trazer exercícios de clown era pra abrir o leque de possibilidades para que
os atores pudessem ter outras formas de criação e de entrega às personagens.
Data: 15/04/2014
No primeiro momento do ensaio trabalhamos com exercícios de concentração, energia
e percepção. Após o intervalo trabalhamos com as personagens para que os atores fossem se
apropriando cada vez mais. Nos últimos momentos do ensaio discutimos nosso projeto
elaborado no ano anterior repensando os figurinos.
Palavra do dia: cores.
Como cabia a nós a produção do espetáculo, muitas vezes utilizávamos o final do
ensaio para definir essas questões, também nos encontrávamos no período vespertino. E como
29
já esperado, a concepção de direção de arte montada ano anterior ao processo, já havia
mudado devido às necessidades do trabalho.
Data: 22/04/2014
O ônibus imaginário foi montado e estudamos como os personagens Mitaro e Namur
entrariam dentro desse espaço, procurariam pelo Toso e como Fando iria interagir com eles.
Testamos também a entrada de Toso e trabalhamos mais uma vez a unidade 20 – Lis objeto.
O ultimo ensaio que faríamos sem conhecer o ônibus, por isso ensaiamos os primeiros
contatos das personagens com o ônibus para deixar a cena de forma mais limpa e facilitar o
dia seguinte.
Data: 23/04/2014
Esse foi o primeiro dia de ensaio em que tivemos o ônibus. Ensaiamos com ele
estacionado o tempo todo dentro do campus da UFSC. Antes dos atores entrarem no ônibus
separamos esse primeiro contato em dois momentos:
1º momento: O ator entrava no espaço sozinho, e poderia ter o reconhecimento desse
ônibus. Ficava no tempo médio de cinco minutos fazendo o que tivesse vontade. Era um
ônibus de 45 lugares, sem catraca e com espaço para cadeirante.
Figura 8 - Mantra fazendo reconhecimento do ônibus
Fonte: Registro de ensaio no ônibus.
2º momento: A personagem entrava no espaço sozinha e tinha a mesma liberdade do
primeiro momento.
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Figura 9 - Toso fazendo o reconhecimento do ônibus.
Fonte: Registro de ensaio ônibus alugado.
Depois trabalhamos as cenas inicias em que temos o ônibus: entrada de Mitaro e
Namur, interação dessas personagens com o Fando e a entrada de Toso. Esse primeiro contato
com o ônibus facilitou os dias seguintes de ensaio, porém muitas coisas ainda estavam
obscuras, que só saberíamos de seu funcionamento com o ensaio do ônibus em movimento.
Data: 25/04/2014
O único registo dessa data é a Frase do dia: Vai ficar lindo. Durante um tempo de
processo o grupo notou que uma palavra do dia seria pouco para definir o ensaio, então
começamos a finalizar com a frase do dia.
Data: 28/04/2014
A adaptação da obra, que foi baseada nos processos de ensaio, foi entregue para os
atores. Definimos que a personagem Lis, não é paralítica como na obra de Arrabal, mas ela se
torna para satisfazer as necessidades e vontades de Fando, deixando em evidencia o controle
que o homem tem sempre sua amada.
Unidade 27 – Tortura de Fando em relação a Lis, 28 – Promessa de felicidade e 29 –
Tortura e morte de Lis foram às cenas trabalhadas. Na unidade 27 resolvemos trazer para cena
uma Lis forte, que sofreu durante toda a peça, mas nesse momento caminha, corre e tem uma
doença que se espalha pelo corpo de forma crescente, essa doença é simbolizada por seus
movimentos. Em contra ponto de Lis como forma de oposição, Fando está sentado e
conversando com a amada em um diálogo que fomos fiéis ao texto. A cena seguinte, 28, que
foi totalmente modificada da obra, foi trabalhada e recriada diversas vezes, em principio seria
com uma música em cena e ambos dançando, porém pensamos que precisava ser uma cena
que remetesse a infância deles. Tínhamos a certeza de essa cena terminar com Lis sentada em
seu balanço.
Esse balanço faz parte do cenário do ônibus, ele era o local onde Fando tem a sua
amada para apreciação. Simboliza também a juventude que liga esse casal, em contradição
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com algumas ações que ele comete quando a coloca nesse lugar. Para a cena 29 pensamos
nela como sendo o ultimo contato dos atores com o público, por se tratar do momento ápice
da peça e de carga emocional elevada, decidimos em trabalhar ela com a sensação de um
público incapaz de reação. Essa cena foi feita na parte de fora do ônibus com as pessoas
trancadas dentro do mesmo, podendo apenas observar. Durante toda a peça os atores e o
público estiveram tão perto, porém nesta ultima existe um distanciamento entre eles. Por essa
necessidade de acabarmos a peça nesse momento, a unidade 31- Encruzilhadas veio para o
inicio do espetáculo.
Frase do dia: precisa gente, precisa.
05/05/2014
O trabalho esse dia se deu com os três homens: Mitaro, Namur e Toso. Como na obra
de Arrabal, a personagem Toso seria sempre a opinião contrária dos seus dois parceiros, por
isso queríamos que essas características refletissem nos corpos, maquiagens e figurinos.
Resolvemos então trazer tipos clownescos para auxiliar na criação; Mitaro: Branco, Namur:
Augusto e Toso: Tramp, que é o palhaço solitário, conhecido também como vagabundo. Em
uma escala hierárquica temos Branco, Augusto e Tramp que sofre de ambos.
Como exercícios levamos os três para a rua, no ponto de ônibus enfrente a biblioteca
da UFSC. Primeiro Toso ia ao espaço e apenas ficava por lá. Por estar com alguns acessórios,
muitas pessoas estranharam essa figura. Depois de um tempo ele saia e vinham Mitaro e
Namur procurá-lo, mexendo em tudo que estava por ali, inclusive nas pessoas. Após um longo
período de procura, Toso reaparece e os três saem do espaço discutindo.
O exercício foi interessante, trouxe uma parceria de cena entre Mitaro e Namur que
muitas vezes faltava, afinal as atrizes tinham uma cumplicidade e era preciso ver esta sintonia
nas personagens. De forma geral elas criaram situações interessantes e se resolveram bem
interagindo com as pessoas que ali estavam e despertando o riso no local. Quando Toso
apareceu o interesse das pessoas que ali estavam cresceu, todos queriam saber quem eram
essas figuras. Este foi o primeiro momento que eu vi as três personagens em cena.
Data: 06/05/2014
Uma das cenas que trabalhamos nesse dia foi a passagem do espaço teatro para o
ônibus. Em uma improvisação surgiu que Fando se direcionaria a alguém da plateia,
apresentaria a sua noiva e após a convidaria para jogar flores pelo caminho em que eles e o
público fariam até a saída do teatro.
Nesse dia excluímos mais uma cena, que também não estava na obra. Fando se
encontraria com uma Lis, depois outra e assim até estar cuidando de quatro Lises, a qual
teriam um grande controle sobre seu amado. Conforme a cena iria seguindo as Lises iam
saindo uma a uma e Fando tornava-se cada mais autoritário com a força que sua amada ia
perdendo. Essa cena seria logo após a cena excluída de Mitaro e Namur. Porém essa cena
também foi cortada.
Data: 12/05/2014
Nessa data já tínhamos uma boa parte do espetáculo construído. Obviamente existia
uma preocupação a mais com as cenas dentro do ônibus, já que era trabalhada uma interação
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com o público que geralmente não o tínhamos no ensaio. Bem como o ônibus, que era preciso
montar na sala com as cadeiras.
Os nossos ensaios das cenas no ônibus eram feitos em cima do erro. Pois existiam
muitos riscos no espetáculo dentro desse espaço, principalmente com as intervenções
externas. E cabia aos atores estarem sempre atentos para aproveitarem do problema que
poderia vir a acontecer e transformá-lo em situação.
Em uma das nossas ultimas apresentações, o ônibus parou na sinaleira e havia uma
pessoa fazendo malabares com fogo que chamou a atenção de algumas pessoas do público, os
atores se aproveitaram da situação a agregando a cena.
Palavra do dia: “Precauções”
Data: 13/05/2014
Esse ensaio se estabeleceu nas cenas dentro do ônibus, com o foco na personagem Lis.
Por mais que nas cenas dentro desse espaço a maior parte de suas ações era pequena, a
personagem estava muito presente. Dessa forma trabalhamos com ela de uma maneira
diferente, o tempo todas suas ações estariam em seus olhos, a indicação à atriz foi de trocar
olhares com o público, principalmente a partir do momento em que ela fica no balanço.
Uma das ideias que surgiu ao longo do processo, com uma releitura da obra, foi de Lis
não ver os três homens do guarda-chuva, trabalhando uma maior relação deles com Fando.
Sendo eles formas da mente de Fando que o influenciariam mais para a loucura da
personagem.
Frase do dia: O que eu mais gosto é de...
Uma das propostas da peça era mostrar essa fragilidade da personagem Lis diante de
seu amado, por esse motivo optamos por sua paralisia acontecer como um comando de Fando
(diferente da obra onde Lis é realmente paralítica), tornando-a cada vez mais submissa as
vontades de Fando.
Data: 14/05/2014
Os ensaios dentro do ônibus, mesmo com ele parado, tornavam as cenas mais
interessantes e com maior possibilidade de serem trabalhadas. Os espaços a serem ocupados
foram testados: quais bancos os atores sentariam e como seria essa troca de lugares. Isso nos
permitiu ter uma média de quantas pessoas poderiam assistir ao espetáculo, no caso vinte e
três por apresentação.
O interessante do espaço ônibus eram as perspectivas diferentes que o público teria ao
ver a peça, obviamente pelos lugares em que estariam sentados, pensando nisso decidimos
que os atores teriam liberdade para interações pequenas com pessoas que se sentem ao lado
das personagens.
Ao final do espetáculo, unidade 28- Promessa de felicidade, Fando explica ao público
quando conheceu sua noiva e, ao mesmo tempo, Lis se senta ao lado de um passageiro e
explica como conheceu seu noivo e porque estão indo para Tar. Ambas as falas não eram da
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obra arrabaliana, foram criadas na sala de ensaio de forma coletiva. Todos do grupo,
individualmente, escreveram as falas do casal. Depois Selecionamos as frases mais
interessantes de cada criação e formamos os textos dessa cena. Seguem eles:
Fando:
A gente sempre brincava de se perder. Um dia, ela inventou de querer brincar de
subir. Eu não quis e fui brincar de cair. Mas alguém estava brincando de buraco. Ela
não
me
ouviu
e
acabou
caindo.
Nove. Não, sete. Entre sete e nove foi quando a conheci. Ela era linda e parecia uma
abelha, mas não sabia que era linda. Isso deixava ela mais bonita.
Sempre me atormentou saber que uma abelha pode dar apenas uma picada e depois
ela morre. No mesmo dia. Mas o mel que ela deixa pode durar anos e nunca estragar.
Não
é
engraçado?
Eu
ri.
Às vezes eu era cruel comigo. E comigo incluía ela. Mas é só por alguns instantes.
Pic-pic faz a abelhinha. Será que essa menina sabe o que é a vida?
Quem sou você? Ela. Sou. É. Eu. Ela nunca mais iria fugir sem mim. Então ela
embarcou na minha fuga.
Lis:
Eu caí quando eu tinha oito anos; e quando eu levantei eu tinha dez. E foi com nove,
no
ele
meio
desse
amava
levantar
mel.
E
que
eu?
eu
Eu
conheci
era
o
uma
Fando.
abelha.
Qual o seu nome? O meu é Lis. Você fala e quando vê já acabou. Lis. É um nome que
não se demora, e talvez por isso ninguém tenha se demorado em mim. Mas quando o
Fando me olhou, ele não olhou com pressa. E quando ele disse meu nome, ele de
repente ficou tão grande e tão importante! Era Lis, mais durava mais que Elisete,
muito
mais
que
Elisabete.
Um dia eu sonhei com umas árvores deitadas, planas, onde eu subia e não caía. O
Fando me disse que poderia ser Tar, aquele lugar que todos desejam e ninguém tem
muita
certeza
de
que
alguém
já
chegou.
você correr atrás daquilo que você quer? Porque a partir do momento em que a gente
nasce, a gente pode morrer.
Frase do dia: surpreenda-se.
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Uma das intenções desse trabalho era construir para cada espectador uma visão a partir
de pontos de vistas distintos. Muitas pessoas se levantavam para poder assistir melhor, saiam
do seu lugar para comer alguma fruta, dividiam os momentos de silêncio com alguma leitura
de carta que estava à cima de suas cabeças, ou mesmo conversavam durante o espetáculo.
Essas opções era uma das ideias de nossa peça. Queríamos possibilitar a esses espectadores a
quebra dessa passividade do público que existe na maioria dos espetáculos de espaço
convencional.
No livro A linguagem da encenação teatral Jean-Jacques Roubine expressa:
O espectador, enfim, deve enfrentar uma situação inteiramente inédita.
Situação essa que lhe proíbe a passividade a que o teatro à italiana o havia
acostumado. E se na representação tradicional os acontecimentos mais
sangrentos não passavam de uma situação incapaz de perturbar o seu
confronto e a sua impavidez, aqui, pelo contrário, a simulação de qualquer
ação, por inócua que seja, pode a qualquer momento intervir na sua
existência, com a força de um acontecimento. (ROUBINE, 1998, p. 107).
É interessante perceber o que acontece com o público ao longo do espetáculo. Se no
inicio da peça dentro do teatro eles estão quietos e não se viravam para acompanhar os atores
que interpretavam fora do palco, no fim eles estão de pé dentro no ônibus observando a morte
da personagem e conversando sobre o que acontece ao lado de fora do ônibus.
Acredito ser necessário buscar por esse teatro que tira o público da conformação à
italiana, é preciso dispensar a passividade do espectador.
Data: 21/05/2014
Esse foi o primeiro ensaio com o ônibus em movimento: todas as cenas foram
caóticas. Os corpos construídos tinham dificuldade de ser mantidos, as falas estavam
inaudíveis e as cenas estavam sem ritmo. Como solução definimos que o ônibus andaria a
uma velocidade média de 20km/h e que retrabalharíamos as vozes das personagens, assim
como a projeção vocal dos atores.
Era preciso definir qual a trajetória desse ônibus, para onde ele vai? Por onde passar?
Onde parar? Por que parar? A solução foi surgindo durante os ensaios, com os testes dos
lugares previamente pensados. Nesses ensaios, com o ônibus em movimento, os diretores se
dividiam, enquanto um conduzia o ensaio o outro, junto ao motorista, fazia tentativas de
trajetos e paradas. O complicado era conciliar a cena que estava acontecendo como momento
exato que o ônibus chegaria ao local destinado, sempre trabalhando com a possibilidade de
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erro: trânsito, sinaleira que não abre, clima não favorável. Porém com os ensaios,
automaticamente as cenas foram se ajustando com o tempo de parada do ônibus e com os
atores já prontos para uma margem de erro para menos ou mais tempo.
Data: 22/05/2014
Durante esse ensaio foi trabalhada a projeção vocal dos atores experimentando
diferentes formas de vozes, principalmente aos personagens Mitaro, Namur e Toso que eram
as figuras “menos reais”. Era preciso encontrar uma voz que ficasse confortável e que fosse
audível no ônibus. Com as personagens Mitaro e Namur, que eram representas por mulheres,
buscamos por vozes mais graves, já com a personagem Toso, em que um homem
representava, sua voz foi explorada por uma forma mais aguda.
Quando ensaiamos as cenas que já estavam prontas, percebemos que elas estavam
cristalizadas, da forma que os atores não se influenciavam pelo que acontecia na cena, mas
por algo do tipo “esperar minha deixa”. Por esse motivo começamos a trabalhar com a
possibilidade de os atores se surpreenderem. O que de fato funcionou deixando-os mais atento
ao momento.
Frase do dia: Paciência, fé e recompensa.
O fator surpresa de fato funcionou. A partir daquele ensaio os atores estavam sempre
interessados em surpreender o colega em cena. Surpresas que foram feitas até o ultimo dia de
apresentação.
Uma das coisas interessantes do teatro é essa possibilidade do novo que surge a todo o
momento, o trabalho nunca está terminado. E nesse caso específico o novo muitas vezes é
trazido pelo público.
Data: 26/05/2014
Havíamos definido que a primeira cena de nossa peça seria a última da obra
arrabaliana, mas queríamos fazer essa cena com os atores sem personagens. E foi exatamente
isso que trabalhamos nesse ensaio.
O primeiro passo foi se apropriar do texto (modificar, colocar de trás pra frente,
mesclar com outras histórias), após testamos com os atores fazendo algumas ações:
aquecendo, alongando e ajeitando o espaço da apresentação. Porém as ações não se tornaram
verdadeiras e as falas ainda estavam super mecânicas.
Nesse ensaio estávamos com a presença da orientadora, que indicou que aos atores se
sentassem cada um em uma cadeira e contassem o texto sem se prender ao que estava escrito
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na obra. Durante, eles eram questionados sobre o que eles contavam, tinham que explicar o
que entendiam de suas próprias falas, facilitando assim seu entendimento do texto.
Frase do dia: Nosso trabalho vai ficar lindo.
Durante a criação coletiva o grupo foi pesquisando sobre histórias de violência a
mulher e inevitavelmente as comparamos com a obra de Arrabal. A cena inicial da peça nós a
mesclamos com a história de uma mulher que foi algemada, torturada e morta por seu
namorado, assim como na obra arrabaliana, ato que aconteceu durante o nosso processo.
Data: 04/06/2014
Este dia marcava exatamente um mês para nossa estreia. Ensaiamos dentro do ônibus e
levamos os técnicos da UFSC para pensarmos no cenário e iluminação deste espaço. A ideia
era utilizar três cores para descaracterizar o espaço: azul, vermelho e âmbar.
Durante o processo muitas decisões haviam sido tomadas em relação ao descontruir
esse espaço ônibus de linha. O teto foi coberto por cartas escritas por Fando para sua ama e
algumas que ele mesmo recebeu dela. O chão estava com folhas secas, os bancos cobertos
com sacos para batatas e as barras de ferro estavam cobertas para quebrar as caraterísticas do
ônibus de linha. Jornais e outros elementos completariam a descaracterização do espaço.
Figura 10 – Cenário dentro do ônibus.
Fonte: Bruna Todeschini, fotos do espetáculo.
Como não existia nenhum dinheiro para a montagem do espetáculo, muito do que
havíamos pensado, tínhamos que ajustar e adaptar da melhor forma possível. Os contatos que
conseguimos ajudaram muito na montagem de cenário. O Museu do lixo da COMCAP nos
forneceu dois manequins e o material prateado que isolamos os ferros do ônibus; com o
Direto do Campo conseguimos todos os sacos que revestimos os bancos e os caixotes onde
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alguns passageiros sentaram; as cartas o grupo (e aqui incluo as pessoas da primeira, terceira e
quinta fase que nos ajudaram) produziu durante o semestre e colou em uma folha branca
cedida pelo ILUCENO; os jornais os atores foram trazendo; as folhas secas eram catadas e
coladas no papel pardo.
No ponto de vista da nossa concepção o ônibus trabalharia com algo mais fantástico,
dessa forma as cenas no teatro tinham que conter o mínimo de acessórios, não existia cenário
e a iluminação era muito simples, para ter essa oposição ao ônibus. Esse é um dos motivos
que as personagens Mitaro, Namur e Toso aparecem somente nesse espaço.
Datas: 06/06/2014
A menos de um mês do espetáculo foi trabalhado com os atores exercícios de
improvisação e jogos teatrais. Acredito ser importante distanciar o ator da personagem para
perceber outras perspectivas. Sendo assim as experimentações continuaram sendo feitas,
porém com os lugares e situações da peça, mas sem as personagens. Muitas coisas
interessantes surgiram nessas criações, principalmente o trabalho com o silêncio que até então
não havíamos inserido na obra, exatamente pela preocupação de não deixar o vazio, contudo
foi exatamente isso que resolvemos quebrar e inserir o silêncio da viagem (afinal silêncio não
significa vazio, ainda mais se tratando de uma viagem) e as coisas possíveis de se fazer
durante a mesma: comer, dormir, conversar com o colega do lado e outras.
Após essas improvisações, testamos com as personagens essas novas criações. O
resultado foi interessante e o silêncio foi definitivamente acrescentado à peça.
Frase do dia: minha bochecha tá doendo.
Data: 01/07/2014
Semana da estreia, faltavam apenas três dias para apresentação e exatamente nessa
data foi feito o ensaio geral.
Dentro da concepção da peça ela dava muito liberdade aos atores para durante os
ensaios e principalmente nas apresentações, criarem situações novas a todo o momento. E
essa era uma das intenções do trabalho que não foi diferente no ensaio geral. E o mérito
dessas criações é dos atores por estarem apropriados das personagens, tinham mais confiança
para essas criações.
Até o dia do ensaio geral, na unidade 28 – Promessa de felicidade, existia uma música
(uma cantiga de roda) que tocaria de fundo, entretanto esta não acrescentava nada à cena,
38
então a cortamos, podendo ouvir melhor a cena e deixando o som de fora compor com o que
acontecia no interior do ônibus.
Umas das incertezas que ficaram até quase o fim do processo de criação era como
reproduzir a música de Jacques Brel, “Ne me quitte pas” e o áudio gravado pelos atores,
dentro do ônibus. Como solução encontrei um carrinho que na verdade é um aparelho de som
que funciona a bateria. Esse carrinho tornou-se parte dos objetos que são carregados pelo
personagem Toso, que ao final do espetáculo o deixa dentro do ônibus para que o público
possa ouvir o áudio final.
Figura 11 – Objetos de Toso
Fonte: Bruna Todeschini, fotos do espetáculo.
Capítulo 3 – O espaço, o público e “Processos Criativos” a “Estudos da Recepção”.
Como resultado da disciplina “Processos Criativos”, apresentamos o espetáculo
“Fando & Lis” três vezes no primeiro semestre de 2014. Todas as apresentações foram
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extremamente boas e fizeram o público reagir de formas diferentes, principalmente no
segundo momento da peça, que acontece dentro do ônibus. Muitos acostumados ao teatro à
italiana ficavam apenas sentados observando, outra parcela do público se levantava para
assistir melhor as cenas.
A parte do espetáculo que acontecia dentro do ônibus foi trabalhada com a ideia de
assentos numerados, ou seja, todos da plateia ganhavam um número de 01 a 23 (número
máximo de público), para encontrarem seus lugares dentro do ônibus. Nesse momento o
público se tornou passageiro e ocupou os espaços a qual era indicado pelo número, contudo a
ordem em que os números estavam dispostos era aleatória, o que fazia com que os
passageiros, na maioria das apresentações, sentassem-se ao lado de pessoas desconhecidas.
A numeração nos ajudou com o controle, pois assim escolheríamos os lugares que o público
sentava, deixando algumas cadeiras, que as personagens iriam sentar, vazias.
3.1 – O espaço
Durante o ano de 2013, desde o momento que o grupo começou a ler a obra de
Arrabal, desejávamos que a peça ocorresse em um espaço não convencional. Após muitas
reuniões e ideias definimos por fazer o espetáculo, que fala sobre viagem, ser uma viagem:
determinando um ônibus como espaço a ser usado. Então era preciso decidir: como se
apropriar desse espaço? O espetáculo seria todo dentro dele? Qual seria sua rota?
A disciplina de “Processos Criativos” ofereceu ao grupo a possibilidade de usarmos o
teatro da UFSC como espaço para apresentarmos a peça, sendo assim, nosso grupo optou por
começar o espetáculo dentro dele, principalmente para apresentar ao público o casal que leva
o nome da peça para depois utilizar o segundo espaço: ônibus.
Em uma das primeiras ideias, a projeção que acontece dentro do teatro seria exibida
em quatro lugares diferentes: frente, lados e teto. A primeira cena aconteceria no hall e quando
a plateia entrasse no teatro seria como entrar em uma instalação. Porém, após testes e a falta
de recursos, resolvemos por manter uma única projeção.
O grande desafio não estava em como se apropriar do espaço teatro, mas sim do
espaço ônibus. Durante os ensaios, dentro e fora do ônibus, buscávamos possibilidades para
essa apropriação, era preciso desconstruir a imagem de ônibus comum. Na obra de Arrabal,
Fando transporta Lis dentro de um carrinho de criança, em nossa peça resolvemos transformar
o ônibus nesse carrinho em que Fando a conduz, exatamente por isso dentro do espetáculo o
nome ônibus mudou para carrinho. Ainda assim era preciso uma transformação desse espaço.
40
As principais ideias de modificações do ônibus surgiram a partir do texto. Na obra, Fando
envia muitas cartas a Lis quando a mesma está no hospital:
“LIS - Sim, confio em você. Você é sempre muito bom comigo. Eu me lembro que
quando eu estava no hospital, você me enviava cartas enormes, para que eu pudesse me
gabar que recebia cartas tão grandes.”(Quadro I, p. 7).
Por esse motivo em nossa adaptação Fando coloca cartas no teto do ônibus para que
Lis possa lê-las durante a viagem. Como o carrinho é de Fando, tínhamos que pensar como o
mesmo construiria esse espaço para a noiva.
A maior parte dessas cartas foi produzida nos períodos que o grupo se encontrava,
juntamente com os alunos das outras fases, para fazer a produção do espetáculo.
O chão do ônibus foi uma interpretação que o grupo fez a partir das leituras e das
indicações das rubricas do texto: folhas secas.
Outros elementos usados no ônibus foram para desconstruir esse espaço: os jornais e
os sacos de batata nos bancos. O papel alumínio que reveste todo o ferro do ônibus foi usado
como uma das últimas opções, havíamos pensado em papel pardo ou jornal, porém a UFSC
não ofereceu recursos financeiros para essa disciplina, por isso utilizamos matérias que
surgiram através de doações. O papel alumínio, por exemplo, foi doado pelo Museu do Lixo.
Ao longo dos ensaios fomos testando lugares por onde esse ônibus passava. Era
preciso definir um trajeto próximo, pois tínhamos como ideia não ficar mais de uma hora
dentro do ônibus para evitar possíveis enjoos ou outros transtornos Também or esse motivo o
ônibus andava em uma velocidade média de 20km/h.
Para definirmos os trajetos buscamos referências na obra. Em algumas passagens no
texto as personagens questionam que sempre passam pelo mesmo lugar, por exemplo:
“FANDO - Lis, estou muito cansado. Vou descansar um pouco. (Lis olha distraida) estou
dizendo que estou muito cansado e que vou me sentar um pouco. (Lis olha sacudindo a
cabeça e inexpressiva) Você quer alguma coisa? Me diga se você quer alguma coisa. (Lis não
responde) Fale comigo, Lis, não se cale, diga alguma coisa. Eu sei o que é que você tem.
Você está zangada comigo, porque depois de tanto andar não avançamos e estamos no
mesmo lugar de sempre” (Quadro II, p. 8);
“MITARO - Você está em melhores condições que nós. Você tem um carrinho. Assim pode
andar melhor e mais depressa.”
“FANDO - Sim, é claro que eu ando mais depressa, mas sempre volto ao mesmo lugar.”
“MITARO - Conosco acontece o mesmo.” (Quadro III, p.13);
“FANDO - Sim, estou em grande vantagem. (Contente) E no entanto nós saimos na
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mesma hora; mas eu tenho o carrinho.”
“LIS - Mas outra vez voltamos ao mesmo lugar. Não adiantamos nada.” (Quadro IV, p.26).
Assim, definimos por um itinerário nas redondezas da UFSC que fizesse sempre o
mesmo trajeto.
No decorrer dos ensaios e improvisações ideias foram surgindo: O ônibus quebrar;
Toso ficar em uma parada e entrar no ônibus depois; a freada brusca do motorista; a interação
com as pessoas de lado de fora. ´
Uma das coisas que havíamos definido no inicio do processo é que a morte de Lis
seria do lado de fora do ônibus, com o público apenas observando, fechados do lado de dentro
do ônibus. Assim criando uma impossibilidade de reação das pessoas que estavam a assistir.
Com toda certeza o maior desafio que passamos nesse processo foi a adaptação da
obra dentro do espaço escolhido. Além de tudo ser uma novidade para o grupo, a todo
momento os atores tinham que estar prontos para qualquer intervenção inesperada que o
espaço não convencional proporciona.
3.2 – O público
Em nossa peça, pensávamos a todo o momento na plateia. Havíamos definido que
teríamos um público de vinte e três pessoas por apresentação, isso devido ao espaço do
ônibus. Por isso as reservas eram feitas através de um e-mail.
Os atores tem uma relação física muito próxima ao público, por esse motivo as
personagens tinham que ser sinceras em seus atos, era preciso entrega total à cena. Sendo
assim, durante o processo foram trabalhadas muitas possibilidades de imprevistos que
poderiam surgir. Contudo, como o nome já sugere, imprevistos acontecem mesmo quando se
ensaia para que eles não aconteçam. Na disciplina do segundo semestre de 2014, “Estudos da
Recepção” (disciplina em que o espetáculo trabalhado em “Processos Criativos” precisa ser
reapresentado), dois passageiros se sentaram nos lugares das personagens. Assim coube aos
atores lidar com essa situação, sentando no chão e em alguns momentos se mantendo de pé,
mas não perdendo a cena e aproveitando do que aconteceu para trabalhar com as
possibilidades que o imprevisto nos oferece.
Na primeira parte do espetáculo o público já se depara com os atores fora do palco e
uma das cenas que vem logo na sequência, é o momento que Fando conversava com alguém
da plateia e o questiona sobre o amor, com a seguinte pergunta: “você já amou alguém?”. Em
uma das apresentações um homem respondeu que nunca amou e no momento seguinte seus
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olhos se encheram de lágrimas, nesse instante o silêncio se instaurou no espaço por alguns
segundos – o ator relatou que teve muita vontade de abraçar o espectador –, mas logo em
seguida Fando perguntou se ele nunca sentiu um amor de mãe ou de algum animal. Nesse
momento o espectador, que já havia deixado de ser público, abriu um sorriso e consentiu,
Fando seguiu a cena. Depois, todo a espetáculo, as pessoas se lembravam desse homem,
olhavam pra ele como se ele tivesse se tornado um ator da peça.
“Fando & Lis”, em nossa concepção, tornou-se um drama com um final silenciado
pela morte e por vozes que noticiavam a mesma. Por esse motivo não queríamos que o
público tivesse o encontro com os atores após o espetáculo, era preciso não destruir toda a
informação que foi passada, deixar a reflexão no ar, pois não estávamos lidando só com o
teatro inspirado na obra de Fernando Arrabal, mas com a vida.
Como aluno-diretor queria que o público saísse do espetáculo não somente com toda
informação literária e trágica da peça, mas também com a percepção das possibilidades de um
trabalho teatral no espaço não-convencional. As possibilidades para trabalhos dessa forma são
enormes e interessantes, porém pouco aproveitadas na cidade. A utilização de um espaço de
tão comum acesso a população para a cena teatral era o interesse do grupo. Após as
apresentações recebi alguns comentários de pessoas que assistiram à peça, segue uma delas:
Trabalho lindíssimo muito bem estruturado nos prende, nos leva lá a
autorreflexões o tempo todo nos surpreende. Os atores maravilhosos,
produção fantástica. Eu viajei literalmente. Pra mim isto é teatro, pra isto
serve o teatro. (Neusa Borges).
3.3 – “Processos Criativos” e “Estudos da Recepção”
As apresentações do primeiro semestre estavam dentro da disciplina de “Processos
Criativos” que era composta por uma banca de três professores que iria avaliar o “produto
final”, ou seja, o espetáculo. Essa banca era composta pela professora Dirce Waltrick,
professor Fábio Salvatti e professor Paulo Berton. Os mesmos deram suas notas e passaram
considerações que poderiam ser melhoradas na peça.
Então o que se seguiu após as apresentações do primeiro semestre, foi uma análise das
considerações que a banca fez ao grupo e, a partir desse ponto, a peça foi retrabalhada. No
geral poucas coisas foram alteradas, apenas algumas questões de atuação e de cenografia do
ônibus: retirar as luz âmbar e substituir por azul, assim como colocar jornais no teto, diminuir
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o número de cartas e retirar a maioria dos objetos que estavam pendurados no ônibus,
deixando o espaço mais limpo.
Nosso maior foco foi voltar a trabalhar as atuações, deixar as personagens mais
inteiras em cena. Por isso um dos exercícios que trabalhamos após as apresentações do
primeiro semestre, já durante o segundo, foi o trabalho dos animais para suas personagens.
Durante esse exercício eles pensaram em algum animal que não estivesse necessariamente
ligado a personagem, os animais foram: avestruz (Gabriella); esquilo (Mantra); gato (Aline);
girafa (Igor); tigre (Bruno). Foi trabalhado a representação desse animal a partir de situações e
a mescla do mesmo com a personagem. A figura abaixo ilustra a diferença nos olhares da
personagem, do animal e da mescla.
Figura 12 – Olhar: Toso, girafa e mescla (Igor gomes)
1- personagem
2 - animal
3 - mescla
Fonte: Registro de ensaio UFSC.
Ao longo dos ensaios do segundo semestre esse exercício foi repetido. Durante as
apresentações foi perceptível como ele foi útil para os atores, deixando suas personagens mais
interessantes para as apresentações seguintes.
CONCLUSÃO
A peça “Fando & Lis” foi trabalhada durante oito meses dentro de duas disciplinas,
“Processos Criativos” e “Estudos da Recepção”, através da criação coletiva. O processo
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coletivo levou o grupo a criar e realizar a concepção cênica no andamento dos ensaios, porém
essa metodologia fez o grupo abandonar muitas vezes o texto arrabaliano. Algumas criações
que surgiram com os exercícios e as improvisações de sala de ensaio não estavam
relacionadas ao texto. Essa foi uma decisão que o grupo tinha consciência e queria explorar,
mesmo resultando, por exemplo, em Lis não ser paralítica.
O trabalho com o espaço não convencional, nesse caso dentro do ônibus, está longe de
ser a maior inovação no teatro, porém faz parte da possibilidade de espaços a ser explorados
para a cena teatral, ainda mais pensando na necessidade de um teatro renovado que alcance
um público diferente ao que sempre se faz presente, ou seja, os próprios artistas. .
Finalmente concluo que o papel do aluno-diretor é de fato muito difícil em um
processo de montagem final, tanto pelas relações pessoais com meus colegas, como pelas
decisões que precisam ser tomadas, sobretudo se consideramos que durante todo o curso não
houve outra disciplina como essa, que proporciona a possibilidade dos alunos de estar em um
verdadeiro processo de montagem, no qual eles precisam resolver os problemas e tomar as
decisões, muitas vezes, sozinhos. Por não termos passado por uma experiência dessa
proporção em trabalhos anteriores é muito importante destacar a presença da orientação que,
em muitos momentos, aconselhou a direção ou mesmo tomou a frente dos exercícios, afinal,
por mais que durante os ensaios tivéssemos esquecido, esse processo se trata de uma
disciplina e o intuito final da mesma é o aprendizado.
BIBLIOGRAFIA
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Martins Fontes, 2006.
BURNIER, Luís Otávio. A Arte de Ator: da Técnica a representação. UNICAMP, 2009.
45
FELLINI, Federico. Sobre o Clown, 1988.
GUÉNOUN, Denis. O Teatro é necessário? (Tradução Fátima Saadi). Perspectiva, 2004.
HADERCHPEK, Robson Carlos. A Poética da Direção Teatral: O diretor-pedagogo e a artes
de conduzir processos. Universidade de Campinas, Doutorado em Artes. 2009.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Perspectiva, 2008.
REBOUÇAS, Evill. A Dramaturgia e a encenação no Espaço não Convencional. UNESP.
2009.
ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da encenação teatral. 1998.
Fonte online:
ARRABAL, Fernando. Fando e Lis. www.desvendandoteatro.com (Tradução Wilson Coêlho)
ANEXO
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FANDO E LIS de FERNANDO ARRABAL
Adaptação.
ATO I
Cena I
Mitaro e Namur: Decisão de ir para TAR
Cena II
Projeção: TAR
Cena III
Fando e Lises
Cena IV
Enterro de Lis
Cena V
Expectativas
Cena VI
Fando convence que Lis é paralítica
Cena VII
Para TAR
FANDO - Quer que eu lhe conte estórias bonitas, como a do homem que levava uma mulher
paralítica, a caminho de Tar, num carrinho?
LIS - Primeiro, me tira daqui. (Fando coloca Lis em seus braços) Como você é bom, Fando!
FANDO - Sim... Lis, você verá como eu vou me portar bem de agora em diante.
LIS - Sim, Fando.
FANDO - Me diga o que é que você quer.
LIS - Que nos coloquemos a caminho de Tar.
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FANDO - Vamos partir imediatamente... Há muito tempo que nós estamos tentando chegar a
Tar e não conseguimos nada.
LIS - Vamos tentar outra vez...
FANDO - Muito bem, Lis, como você quiser. (Fando desce do palco) Eu peço perdão pelo
que aconteceu. Eu não queria te fazer sofrer.
LIS - Eu sei disso, Fando.
FANDO - Confia em mim. Nunca mais vou fazer isso.
LIS - Sim, confio em você. Você é sempre muito bom comigo. Eu me lembro que
quando eu estava no hospital, você me enviava cartas enormes, para que eu pudesse me gabar
que recebia cartas tão grandes.
FANDO - (Envaidecido) Isso não tem importância.
LIS - Também me lembro que, muitas vezes, como não tinha nada pra me contar, você me
mandava um monte de papel higiênico para que a carta ficasse bem cheia.
FANDO - Isso não é nada, Lis.
LIS - Como eu ficava contente!
FANDO - Você está vendo como tem que confiar em mim?
LIS - Sim, Fando, eu confio.
FANDO - Sempre farei o que você mais goste.
LIS - Então, vamos nos apressar para chegarmos a Tar.
FANDO - (Triste) Mas não chegaremos nunca. (Fando se encaminha para sair do teatro)
LIS - Eu já sei, mas tentaremos.
FANDO - (Direcionado as pessoas que o observam) Sejam bem vindos para nos acompanhar
para TAR.
ATO II
Cena I
Mitaro e Namur entram no ônibus: Procura de Toso
Cena II
Vento
Cena III
Enfrentamento de Fando
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Cena IV
Toso
ATO III
Cena I
Como chegar a TAR
MITARU - Se fossemos por ele estaríamos mortos.
NAMUR - Mortos ou pior.
NAMUR - Já levamos muitos anos tentando isso e ele não ajuda.
FANDO - Ouvi dizer que é impossível chegar.
NAMUR - Não, não é que seja impossível. O que acontece é que até hoje ninguém
chegou e ninguém espera chegar.
MITARO - O que já não é tão complicado é tentá-lo.
FANDO - Então, nós nunca chegaremos?
MITARO - Você está em melhores condições que nós. Você tem um carrinho. Assim pode
andar melhor e mais depressa.
FANDO - Sim, é claro que eu ando mais depressa, mas sempre volto ao mesmo lugar, olha
aqui (aponta para fora).
MITARO - Conosco acontece o mesmo.
NAMUR - Mas isso não é o mais grave, o pior é que nunca tomamos precauções.
MITARO - Sim, Namur tem razão, isso é o pior. Como teríamos adiantado se tivéssemos
tomado precauções.
TOSO - (Chateado) Vocês continuam com histórias de precauções. O importante é
seguir nosso caminho.
NAMUR - (Desolado) Para sermos exatos, o que nos impede chegar a Tar é ele, Toso
,sempre em contradição, sempre colocando-se contra nós.
MITARO - Não é que nós, Namur e eu, pensamos da mesma maneira ou tenhamos as
mesmas ideias, mas, afinal, chegamos a um acordo, mas ele... Ele é o culpado por ainda não
termos chegado a Tar.
FANDO - Lis, não chegaremos nunca.
Lis - Eu já sei, mas tentaremos.
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Cena II
Lis objeto
MITARO - Pelo menos você tem ela, nós temos o Toso. O senhor sim é que é feliz.
FANDO - Sim, é verdade, ela não me incomoda em nada. Ela é encantadora.
MITARO - Que sorte!
FANDO - Sente-se aí, vou mostra-la. (Fando leva Lis até o centro do ônibus e a coloca em
um balanço que por ali estava). Olhem para ela, olhem como é bonita... Venha, se aproxime.
(Mitaro se chega perto).
MITARO - Sim, ela é bonita.
FANDO - Olhem suas pernas e como o pano da sua combinação é suave. Olhem suas coxas,
são tão brancas e tão macias.
MIATRO - É verdade, são brancas e são bonitas.
FANDO - Toquem-na. (Mitaro excita, olha para os lados e com a mãe em direção de Lis).
Espere (Fando se abaixa e coloca-se em baixo do balanço olhando por dentro do vestido de
Lis) Abaixem-se, para vê-la por baixo, em perspectiva. (Fando se afasta e de um lado deita
Mitaro e de outro Namur).
MITARO E NAMUR - É realmente muito bonita.
FANDO - O que eu mais gosto é de beijá-la. Seu rosto é muito suave. Dá gosto acariciá-lo.
Experimentem.
MITARO - Agora?
FANDO - Sim, acariciem assim. (Fando, com as duas mãos acaricia o rosto de Lis e as
escorrega ternamente) Venham, podem acariciá-la, vocês vão ver como é bom.
(Mitaro acaricia o rosto de Lis com uma das mãos).
FANDO - Não, com as duas mãos. (Mitaro, com muito respeito a acaricia).
FANDO - Então, o que acha?
MITARO - (Entusiasmado) Ótimo.
FANDO - Você também. (Apontando Namur)
(Namur a acaricia)
FANDO - Beijem-na também, como eu. (Fando beija rapidamente Lis na boca) Façam isso,
vão ver como é bom. (Namur e Mitaro beijam Lis, com muito respeito, nos lábios. Lis
continua inexpressiva) Então, gostou?
MITARO E NAMUR - Sim, muito.
FANDO - (Muito satisfeito) Pois é minha noiva.
MITARO - Para sempre?
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FANDO - Sim, para sempre.
MITARO - E, nunca se cansa?
TOSO - (Interrompendo-os) Quando é que vamos nos pôr a caminho para Tar?
Cena III
Ponderações sobre Toso
MITARO - (Depois de uma pausa) O senhor está vendo como ele é?
FANDO - Sim.
NAMUR - Nunca nos deixa terminar.
TOSO - O que estou dizendo é que devemos nos pôr a caminho para Tar o quanto antes.
MITARO - (Indulgente) Desculpe todas as suas falhas. Ele é assim e nasceu assim.
Contra isso não há nada a fazer.
NAMUR - Não adianta ensinar nada para ele, é inútil. Quando vamos fazer alguma coisa, na
mesma hora ele começa a nos perturbar com suas complicações. Ele nunca nos deixa entrar
em acordo.
FANDO - Mas talvez ele tenha razão nisso de que o bom é nos por a caminho.
NAMUR - Razão, o que se diz razão, ele sempre tem um pouco.
MITARO - É preciso reconhecer que não vai falar por falar.
NAMUR - Isso é, se olharmos bem de perto, às vezes, ele tem alguma razão, não muita,
naturalmente, mas alguma coisa sim...
MITARO - Talvez seja o maior inconveniente para nós. Eu vou explicar: nós sempre
encontramos uma base de razão em tudo o que ele diz, ainda que muito distante.
NAMUR - Distantissíssima.
MITARO - Sim, sim, muito distante, mas ao menos sempre encontramos uma base. Por isso,
apesar de acharmos suas proposições absurdas e dissolúveis, sempre as aceitamos e as
discutimos e, inclusive, nos esforçamos em lhe mostrar os pontos bons e os pontos maus
daquilo que ele diz.
TOSO - O que eu creio é que devemos nos pôr a caminho para Tar.
NAMUR - (Muito satisfeito) O senhor está vendo?
MITARO - (Também satisfeito) O senhor se dá conta?
FANDO - Sim, sim, estou vendo.
MITARO - Seria tão simples que ele se calasse.
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FANDO - É simples se calar?
MITARO - Não estou dizendo que não faça falta tomar as devidas precauções, e
inclusive ter experiência, mas se se tenta de verdade, pode-se ficar calado.
Cena IV
O dia do Silêncio
FANDO - Pois eu tentei um dia... E não pense o senhor que o caminho é de rosas!
NAMUR - Ah! Que homem interessante! Quantas coisas ele fez!
MITARO - E o que aconteceu, quando o senhor tentou?
FANDO - (Corando) Foi divertido.
MITARO - Conte-nos, conte-nos! Ah! Que interessante!
NAMUR - Como foi? O que fez?
FANDO - Eu me levantei pela manhã e me disse: "Hoje passarei todo o dia calado".
NAMUR - (Procurando compreender, repete em voz alta) Se levantou pela manhã e
disse a si mesmo: "Hoje passarei todo o dia calado".
FANDO - (Continua) E, então...
NAMUR - (Interrompendo de novo) Há uma coisa que não entendo bem. Se o senhor nos
disse que tentava passar o dia calado, como é que falou?
MITARO - Não seja estúpido, ele falou mentalmente.
NAMUR - Ah! Isso muda tudo.
MITARO - Continue, continue que isso é muito interessante.
FANDO - Então, decidido a não falar, comecei a pensar no que poderia fazer para
compensar o silêncio e me pus a andar de um lado para o outro.
NAMUR - O senhor devia estar muito contente.
FANDO - No princípio, sim. Eu andava e andava. Mas logo aconteceu o pior. (Fando se cala)
NAMUR - (Muito interessado) O que aconteceu?
MITARO - Conte, conte.
FANDO - Não, não vou contar, é muito íntimo.
NAMUR - E vai nos deixar assim, com o mel nos lábios?
FANDO - É melhor que eu me cale agora... a história acaba mal.
NAMUR - Mas muito mal?
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FANDO - (A ponto de chorar) Sim, sim, muito mal.
NAMUR - Que pena!
MITARO - É verdade! Como é triste!
Cena V
Sobre o sistema de distribuir quem tem a razão
TOSO - Melhor será nos pôr a caminho para Tar.
MITARO - (Silêncio e consternação) O senhor está vendo? Para que insistir?
FANDO - Sim, sim, verdadeiramente. Eu logo me dei conta de que eram os senhores que
tinham razão e não ele. Desde que começaram a discussão sobre o vento que eu me dei conta.
MITARO - E como é que o senhor compreendeu tão rápido?
FANDO - Eu me disse...
NAMUR - (Interrompendo) Mentalmente?
MITARO - Claro, homem!
NAMUR - (Assombrado) Olha cara! Ele fala mentalmente!
FANDO - Então eu me disse: terá razão o primeiro que disser a palavra "onde" e como os
senhores a disseram antes dele, soube que ele não tinha razão.
NAMUR - (Entusiasmado) Pois é um bom procedimento para saber quem tem razão.
FANDO - Sim, é muito bom.
NAMUR - E, sempre o emprega?
FANDO - Quase sempre.
MITARO - Assim, o senhor deve ter muita experiência.
FANDO - Sim, não me falta. Apesar de às vezes empregar outros sistemas.
NAMUR - (No cúmulo do assombro) Outros sistemas?
FANDO - (Lisonjeado) Pois claro!
NAMUR - Que cara fecundo!
MITARO - Que preocupação em saber aonde está a razão.
FANDO - Desde a infância eu utilizo sistemas infalíveis para reconhecê-la.
NAMUR - Isso é o que deveríamos ter feito e não perder tempo como temos perdido.
MITARO - Já não é hora de se lamentar.
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NAMUR - (Magoado) Sim, claro. (Pausa) E que outros procedimentos o senhor utiliza para
saber quem tem a razão?
FANDO - Outro que também tenho empregado é o dos dias da semana, mas é muito
complicado.
MITARO - (Interessado) Como é?
FANDO - É assim: nos dias múltiplos de três, têm razão os senhores de idade, nos dias pares
têm razão as mães e, nos dias terminados em zero, ninguém tem razão.
MITARO - (Entusiasmado) Mas é muito bom!
FANDO - Mas é muito complicado: tem que se estar sempre atento ao dia que é e ter bastante
cuidado para não se confundir. Foi assim que alguns dias eu dei razão quem não tinha.
MITARO - (Alarmado) Muito grave!
FANDO - Gravíssimo! Muitas vezes, isso impedia que me crescessem as unhas.
MITARO - Se compreende que o senhor prefira o sistema atual.
FANDO - Acontece que, olhando bem, é mais simples.
NAMUR - Mais simples? E se ninguém disser a palavra "onde"?
FANDO - Eu previ tudo. Se em cinco minutos, ninguém disser a palavra "onde", dou
razão ao primeiro que disser a palavra "mosca".
MITARO - (Com assombro) Perfeito!
FANDO - (Satisfeito) Sim, sim, sem dúvida é um sistema perfeito.
NAMUR - E se ninguém disser a palavra "mosca".
FANDO - Então, eu troco pela palavra "árvore".
MITARO - (Assombrado) Como o senhor prevê tudo!
FANDO - (Lisonjeado) Sim, não posso me queixar.
NAMUR - E se ninguém disser a palavra "árvore"?
FANDO - Então, eu dou razão ao primeiro que disser a palavra "água".
MITARO - (No cúmulo do assombro) Caramba, que quantidade de previsões!
FANDO - (Muito satisfeito) Eu prefiro sempre fazer uma coisa completa. Com o tempo, fica
melhor assim, apesar de ser mais difícil no começo.
NAMUR - (Odioso) E se ninguém disser a palavra "água"?
(Fando e Mitaro olham Namur com rancor. Silêncio. Namur se envergonha).
NAMUR - Eu só pergunto o que acontece se ninguém disser a palavra "água". Eu não quero
ofendê-lo.
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MITARO - (Magoado) Não somente ofendê-lo, mas parece que você tem uma
implicância com ele.
NAMUR - (Aturdido) Está bem, está bem, não perguntei nada.
MITARO - Assim é melhor.
NAMUR - (Baixo) Mas eu sei que se ninguém disser a palavra "água", estará afundado todo
o sistema.
MITARO - (Ofendidíssimo) Você é teimoso que nem Toso.
FANDO - Não tem importância. Tenho tudo previsto. Se ninguém disser a palavra "água" eu
dou razão ao primeiro que disser (dúvida) que disser (pensa) que disser a palavra... a
palavra... "palavra"!
NAMUR - Isso não vale, o senhor acabou de inventar.
MITARO - Você me envergonha, Namur, com suas incorreções.
FANDO - Não, não é verdade, eu não acabei de inventar.
NAMUR - Então, nos diga uma coisa: quando fez essa experiência?
FANDO - (Envergonhado) A verdade é que eu não experimentei ainda...
NAMUR - (A Mitaro) Está vendo, está vendo?
Cena VI
Ônibus Quebrado
Cena VII
Importância de ir a TAR
(Fando entra no ônibus e começa a beijar Lis)
TOSO – Devemos nos por a caminho!
FANDO – De onde?
NAMUR - O senhor ainda pergunta onde? A Tar. Onde o senhor queria ir?
FANDO – Mas pra que temos que ir a Tar?
NAMUR - Que pergunta!
FANDO - É que é tão importante assim?
NAMUR - Mas este homem nos saiu completamente tonto do cu!
FANDO - (Desculpando-se) É que eu não sabia...
NAMUR - E o senhor poderia deixar de tentar chegar a Tar?
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FANDO - (Envergonhado) Não.
NAMUR - O senhor está vendo? Tentará sempre. Isso demonstra o importante que é.
FANDO - Ah, bem!
MITARO - Nós vamos nos pôr a caminho.
(Todos se sentam. Silêncio).
ATO IV
Cena I
Tortura de Fando em Relação a Lis
(Ônibus com luz apagada)
FANDO - O que há você?
LIS - Estou doente.
FANDO - O que quer que eu faça, Lis?
LIS - Não sei.
FANDO - Que doença você tem?
LIS - Não sei.
FANDO - Isso é o pior, se eu soubesse que doença você tem, tudo mudaria.
LIS - Mas eu me sento muito mal.
FANDO - (Com muita tristeza) Você não vai morrer.
LIS - Tenho um mal-estar muito grande. Me sinto muito mal, Fando. (Silêncio). E ainda como
se não bastasse você sempre diz que vai me algemar as mãos.
FANDO - Não, não vou algemar você. (Pausa)
LIS - Você nunca me considera. Lembra-se de como às vezes, antes de eu ficar paralítica,
você me amarrava na cama e me batia com a correia?!
FANDO - Eu não sabia que lhe maltratava.
LIS - Mas eu dizia sempre. Quantas vezes eu disse que não podia suportar o mal que
você me fazia!
FANDO - Lis, me perdoe. Eu não voltarei a lhe amarrar na cama a lhe bater com a
correia, Eu prometo.(Pausa) Você devia ter me avisado.
56
LIS - Eu sempre lhe digo tudo, mas você nunca me ouve.
FANDO - Lis, não fique zangada comigo, me beija!
LIS - (Com resignação) Você pensa que assim tudo se ajeita arranja?
FANDO - Você me atormenta, Lis. (Abatido. Silêncio. Continua contente) Em quem vou dar
um beijinho na boquinha?
LIS - Não são brincadeiras, Fando.
FANDO - Lis, não brigue comigo, eu sei que sou culpado, mas não brigue comigo que vou
ficar muito triste.
LIS - Não pense que assim se ajeita tudo.
FANDO - Me beija, Lis. (Lis, muito séria e sem expressão, permite que Fando,
apaixonadamente, a beije) Esqueça todas estas coisas e não me faça pensar nelas.
(Silêncio)
LIS - Ontem você inventou de me deixar nua toda a noite na estrada e sem dúvida é por isso
que eu estou doente.
FANDO - Mas eu fiz isso para a vissem os homens que passassem: para que todo mundo
visse como você é bonita.
LIS - Fazia muito frio. Eu estava tremendo.
FANDO - Pobre, Lis... Mas os homens a olhavam e ficaram muito felizes e é claro depois
deviam ter continuado o caminho com mais alegria.
LIS - Eu me sentia muito só e com muito frio.
FANDO - Eu estava do seu lado. Você não me viu? Além do mais, muitos homens a
acariciaram quando lhes pedi. (Pausa) Mas eu nunca mais vou fazer isso, Lis, estou
vendo que você não gosta.
LIS - Você sempre diz isso.
FANDO - É que às vezes você é estranha e não percebe que tudo o que eu faço é para o seu
bem. (Pausa. Ele se lembra) Você estava muito bonita toda nua. Era um espetáculo
maravilhoso.
LIS - O mais entediado é sempre pra mim.
FANDO - Não, Lis. Que pena que você não tenha os meus olhos para ver a si mesma.
LIS - Fando, eu estou muito mal. Me sinto muito mal.
FANDO - O que quer que eu faça por você, Lis?
LIS - Agora não há mais remédio. (Pausa) O que eu quero é que você me trate sempre bem.
FANDO - Sim, Lis, lhe tratarei bem.
LIS - Mas faça um esforço.
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FANDO - Está bem, vou fazer.
Cena II
Morte de Lis
LIS - Não me faça sofrer.
FANDO - (Duramente) Por que você acha que vou lhe fazer sofrer?
LIS - (Suave) Não me fale nesse tom, Fando.
FANDO - (Entediado, se levanta e responde) Eu falo com você sempre no mesmo tom.
LIS - O que é que você está pretendendo?
FANDO - (Violento) Nada.
LIS - Se está querendo fazer alguma maldade, você vai ver.
FANDO - (Violentamente) Lá vem você com as suas coisas.
LIS - (Humilde) Sei muito bem que você quer me colocar as algemas. Não faça isso,
Fando. (Ela soluça)
FANDO - (Com aspereza) Não chora.
LIS - (Se esforça para não chorar) Não, não vou chorar, mas me ponha as algemas.
FANDO - (Irritado) Você sempre desconfia de mim.
LIS - (Com doçura) Não, não desconfio de você. (Muito sincera ela continua) Acredito em
você.
(Fando dá alguns passos entre o carrinho e Lis. Ela chora)
FANDO - (Autoritário) Me dê as mãos.
LIS - Não, não faça isso, Fando. Não me ponha as algemas. (Lis estende as mãos. Fando
coloca as algemas nervosamente)
FANDO - Assim é melhor.
LIS - Fando. (Muito triste) Fando.
FANDO - Eu coloquei para ver se você pode se arrastar com elas. Vá, tente se arrastar.
LIS - Eu não posso, Fando.
FANDO - Tente.
LIS - Fando, não me faça sofrer.
FANDO - (Fora de si) Eu já lhe disse pra tentar. Vá, se arraste. (Lis tenta se arrastar, mas não
consegue; suas mãos unidas pelas algemas a impedem).
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LIS - Não posso, Fando.
FANDO - Tente, ou será pior para você.
LIS - (Docemente) Não me bata, Fando, não me bata.
FANDO - Tente, eu já disse. (Lis faz um grande esforço sem conseguir se arrastar).
LIS - Não posso, Fando.
FANDO - Tente outra vez.
LIS - Não posso, Fando. Me deixa. Não me faça sofrer.
FANDO - Tente, ou será pior para você...
LIS - Não me bata. Sobretudo, não me bata com a correia.
FANDO - (Irritado) Tente.
LIS - Não posso.
(Fando vai ao carrinho e pega a correia).
FANDO - Tente ou vou lhe bater.
LIS - Fando, não me bata. Estou doente.(Fando açoita em Lis com violência).
FANDO - Arraste-se.
(Lis faz um esforço supremo e consegue se arrastar. Fando a contempla palpitante de
emoção).
LIS - Não posso mais.
FANDO - Mais, mais.
LIS - Não me bata mais.
FANDO - Arraste-se.
(Fando volta a açoitá-la. Lis se arrasta com dificuldade. Num falso movimento, esbarra suas
mãos amarradas no tambor e rasgam o couro).
FANDO - (Colérico) Você rasgou o meu tambor. Você rasgou o meu tambor.
(Fando a açoita. Ela cai desmaiada cuspindo sangue pela boca).
(O ônibus vai embora deixando os dois do lado de fora).
Cena III
Encruzilhadas
(Assim que o ônibus parte ele pára logo em seguida, os três homens descem, e o ônibus segue
seu trajeto. Se as pessoas solicitarem que ônibus pare em algum ponto, ele parará).
Fim.
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Fando e Lis - TCC - Universidade Federal de Santa Catarina