10 | Primeira Linha | Jornal de Negócios | Segunda-Feira, 1 de Outubro de 2012 . Crise no euro “[A partir de 2009] toda a equipa começou a focar a atenção na América Latina.” HENRIQUE RODRIGUES CEO da Martifer Solar “Espanha era uma alternativa de crescimento. Neste momento está igual a Portugal.” MIGUEL MATIAS Vice-presidente da Self Energy E M PRE SAS PORTU G U E SAS Crise espanhola não é a “brincar” e até já chega às sanitas nacionais Da energia à cerâmica, do brinquedo aos sanitários, todos sentem na pele a crise económica e social espanhola. Há quem já só venda a pronto “Não reforçámos o investimento comercial em Espanha. As perspectivas de crescimento são poucas.” LUÍS ASCENSO Director comercial da Recer “Quando vemos as barbas dos vizinhos a arder temos de meter as nossas de molho.” RICARDO SILVA Gestor da Sanindusa para Espanha ANTÓNIO LARGUESA MIGUEL PRADO Grandes, pequenas, novas ou antigas. O impacto dacrise económica esocialespanholanãoolhaaotamanhonemàantiguidadedasempresas portuguesas com negócios em Espanha – e são muitas, já que era no final do ano passado o principal destinodasexportaçõesnacionais, com uma quota de 24,8%. Os empresáriosouvidospelo Negócios relatam asubidado incumprimento edosprazosderecebimento,aquebranovolumeenovalormédiodas encomendas e a transição do foco deinvestimentoparaoutrasgeografias. Sobretudo foradaEuropa. Apenas aSacoorBrothers, através de fonte oficial, desdramatiza, para já, as consequências: “até ao momento mantemos as boas relações com todos os parceiros ibéricoseonegócionãoreflectiuainstabilidade”.EmOliveiradoBairro,já saiu aordem paraaRecer “não reforçaroinvestimentocomercial”do outro lado da fronteira, pois “as perspectivas de crescimento são “Temos receio do desemprego e da perda de poder de compra das famílias espanholas.” FILIPE SILVA Gestor de marca da Jetclass “O volume médio por encomenda baixou quase para metade e temos tido mais incumprimentos.” NUNO FERNANDES Administrador da Classic Toys poucas”. Luís Ascenso contaque a travagemafundodaconstruçãoem Espanhanos últimos dois anos fez baixarde10%para5%opesodeste mercado nas vendas, que totalizaram28,7milhõesdeeurosem2011. Notando“algumdesânimo”nosinterlocutores espanhóis, o director comercialdiz que aempresade cerâmica“nãotemtidoainfelicidade” de facturas incobráveis, mas relata “períodos muito dramáticos por causadaretracção ao nível dos seguros de crédito”. A forma desapaixonada como muitasexportadorasolhavampara o mercado interno é agoraem parte extensívelao outro lado dafronteira. “Sabemos muito bem o que eles estão apassar. O consumo vai ficar castrado, tal como em Portugal”,resumeRicardoSilva,gestorda Sanindusa para Espanha. O peso deste mercado “baixou, e de que maneira”. Para metade: dos 20% em2007paraosactuais10%.Oresponsável da unidade de sanitários garanteque“Espanhaestácompletamente estagnadae não se vê que hajaumamudançaparamelhor”.É que,alémdareduçãodacarteirade encomendas, “fazer-se hoje uma vendaemEspanhaéumriscoenorme”.AopçãoemAveirofoiimporo pagamento a pronto “para evitar problemas”, mesmo “sabendo que isso custavendas”. Arriscar as dores de crescimento Se as empresas “históricas” baixaram parametade aexposição aEspanha, as mais jovens sentem jáas doresdecrescimentosomadaspela conjuntura. Mas ainda acreditam no potencial de um mercado com 45milhõesdeconsumidores.Mesmo que cadaumdeles estejaaficar maispobre.ÉocasodaClassicToys, que vende 15% dos brinquedos em Espanha e acredita que vai subir essaquota. O administradorNuno Fernandesacabadechegardeuma feiraeviuláacrisecomo“umacoisa dura que lhes caiu em cima”. Continuaaarranjarnovosclientes, mas cada um deles compra agora “quasemetade”eexigeumprazode pagamento mais dilatado. “Aquestão do incumprimento paranósnãoseaplica.Háumasina- Jornal de Negócios | Segunda-Feira, 1 de Outubro de 2012 | Primeira Linha | 11 . Miguel Baltazar C R I AT I V I DA D E PA R A M A N T E R N E G Ó C I O S E M E S PA N H A A INSTABILIDADE ECONÓMICA E SOCIAL NO PAÍS VIZINHO TEM EFEITOS QUASE INEVITÁVEIS NA ACTIVIDADE DAS EMPRESAS PORTUGUESAS. ALGUMAS DELAS ESTÃO A APROVEITAR PARA REPENSAR A ESTRATÉGIA E A FORMA DE CHEGAR AO CONSUMIDOR lização de 30% e o pagamento dos restantes70%éfeitoantesdaexpedição daencomenda”, explicaFilipeSilva,daJetclass.Hádoisanos,a empresa de mobiliário de luxo de Paredes vendia 50% da produção paraEspanha. Hoje vale 15%. Aestratégia foi expansionista, mesmo temendo“aperdadepoderdecompra das famílias espanholas”. Em Julho,abriuumalojaemMarbella. “Piorarnãoacreditoquepiore”,crê o gestordamarca. Espanhóis menos “enérgicos” No sector da energia, os relatos acompanham a tendência. HenriqueRodrigues,CEOdaMartiferSolar,lembraque“acrisedeEspanha paraosectorfotovoltaicocomeçou hátrêsanos”eporissooajustamentoquetinhadeserfeitonaestruturadaempresanesse mercado jáfoi feito. “Todaaequipaapartir dessa alturacomeçouafocaraatençãona América Latina”, explica o gestor, que tememMadridcercade 15 colaboradores. Já Miguel Matias, vice-presidente da SelfEnergy, admite que A forma desapaixonada como muitas exportadoras olhavam para o mercado interno é agora em parte extensível ao outro lado da fronteira. a conjuntura espanhola teve impactos essencialmente narede de parceiros da empresa. “Tivemos que mudar de subempreiteiros”, conta o mesmo responsável, lamentando os custos judiciais ligados à falência de alguns fornecedores espanhóis. “Mas conseguimos ir gerindo”, acrescenta Miguel Matias. Além disso, a Self Energytambémviuo seusócio local para a área da eficiência energéticasofrercomacrise. O parceiroespanhol,umconstrutordeAlicante, “teve muitas dificuldades”, deixando a SelfEnergy mais dependente de si mesma. O gestor da empresa portuguesadogrupoSoaresdaCostaacreditaque asubidados custos daenergia em Espanha, embora negativa para os consumidores, poderá favoreceronegóciodaSelfEnergyna venda de soluções de eficiência energética. Mas a imagem de “nuestros hermanos” é já uma cópiadacrisenacional.“Espanhaera uma alternativa de crescimento. NestemomentoestáigualaPortugal”, remataMiguel Matias. ABERTURA DE LOJA NUMA “FUGA EM FRENTE” Como muitas empresas nacionais, a Jetclass também começou o processo de internacionalização em Espanha porque “a maior proximidade implica um risco menor”, explica Filipe Silva. Até há dois anos, a empresa de mobiliário de Paredes vendia lá 50% do total, mas houve uma quebra rápida e abrupta, baixando essa percentagem para 15%. A estratégia foi abrir uma loja na estância balnear de Marbelha, “onde há pessoas ricas e influentes” para comprar os seus produtos de luxo, acredita o gestor da marca, que factura 2,5 milhões de euros e exporta 90% da produção para 20 mercados. “Mas claro que temos algum receio do desemprego e da perda de poder de compra das famílias espanholas”, acrescenta. VENDER PARA UM TIPO DE CLIENTES MENOS HABITUAL A Classic Toys tinha 200 clientes espanhóis no final do ano passado e espera chegar a Dezembro com 350. É que se as encomendas e o preço médio de venda para o outro lado da fronteira baixaram, a empresa maiata conseguiu clientes de outras áreas, que não as clássicas lojas de brinquedos. “Agora há papelarias e mercearias a pedir os nossos produtos porque querem incrementar a oferta para compensar o que vão perder por outro lado. As pessoas lá estão a mexer-se para procurar outras fontes de rendimentos”, detalha Nuno Fernandes. Entre as estratégias em curso para “preparar” o impacto da crise, o administrador indica que está a “adaptar a gama, pois não vale a pena ter lá um brinquedo de 100 euros se ninguém o compra”. Não ignora as dificuldades em Espanha, mas tem um lema natural: “Ainda assim, lá temos mais pano para mangas, mesmo que esse pano esteja a ficar mais curto”. MANTER ESTRUTURAS PARA APOIO A OUTROS MERCADOS Nos últimos dois anos, Espanha perdeu importância para a Recer “pelo fraco dinamismo do sector da construção”. Essa quebra está a ser absorvida sobretudo pelas vendas adicionais fora da Europa. Emprega 250 pessoas e exporta 60% dos produtos fabricados em Oliveira do Bairro. A produtora de pavimentos e revestimentos cerâmicos, fundada em 1977, mantém do outro lado da fronteira uma sala de exposição e um serviço logístico. O director comercial, Luís Ascenso, refere que mantêm essas infraestruturas físicas por servirem de apoio a outros mercados europeus. FÁBRICA EM VALÊNCIA APENAS PRODUZ A 30% DA CAPACIDADE Para “penetrar a sério” num mercado espanhol que é “muito proteccionista”, a Sanindusa foi obrigada a comprar uma empresa espanhola (a UNISAN) em 2003. Começava um período de fulgor, que acabou por ter em 2007 o pico, em termos de facturação, no país vizinho: 16 milhões de euros. A partir daí o mercado começou a diminuir e hoje pesa só metade do que então valia nas vendas, com o retalho e a construção como destinos finais. Actualmente, relata Ricardo Silva, o responsável pelo mercado vizinho, a capacidade instalada na fábrica de Valência está reduzida a 30% do seu potencial, que são 300 mil peças.