Senhor Presidente da Comissão Parlamentar do Orçamento e Finanças, Senhora Presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, Senhoras e Senhores Deputados, Em nome da equipa de Governo da Saúde, quero agradecer o terem aceite a proposta do Ministro da Saúde para estar hoje aqui convosco, com o objectivo básico de prestar contas. É essencial que os Ministros da Saúde prestem contas à Assembleia da República da forma como gerem o Serviço Nacional de Saúde. Na verdade, um pouco mais de oito milhares de milhões de euros de despesa pública representam 5,5% do PIB, quase 22% do orçamento da despesa corrente primária e praticamente a totalidade da colecta de IRS deste ano. Durante muitos anos estes encontros foram carregados de tensão, onde Parlamentares e Governo mutuamente se recriminavam. Era costume as Comissões criticarem os Governos por três razões básicas: falta de transparência na informação financeira, irregularidade na prestação de contas e incapacidade de cumprir o orçamento inicial. Posso hoje assegurar-vos que não haverá razões substantivas para repetir este tipo de críticas. A transparência de contas é total, a execução é agora acompanhada ao mês e imediatamente disponibilizada por via electrónica nos grandes agregados da despesa; de tal forma que, desde Agosto, é conhecida e divulgada a execução financeira do 1º semestre; e, finalmente, as notícias que hoje aqui podemos confirmar vão todas no sentido de que a execução da despesa anda de par com o Orçamento e chegaremos ao final do ano com rigorosa execução orçamental, sem derrapagens. Na verdade, o contexto mudou radicalmente. O facto de o Ministério ter podido dispor de um orçamento digno, embora contido nos exactos limites da dotação final do ano anterior, permitiu ao Governo, à Administração Central, às Administrações Regionais e aos Hospitais gerirem com rigor e qualidade. O contexto mudou e logo mudam os argumentos de combate político. Já não se critica o Governo por não conseguir conter gastos, critica-se o Governo por, alegadamente, estar a colocar a solução acima do problema. Isto é, o Governo começa agora a ser criticado não já por desperdiçar recursos, mas por os usar com rigor, como se o desperdício e o relaxamento fossem sinónimo de qualidade na prestação. Podem desenganar-se os críticos de torna-viagem. O Governo não está a gastar menos do que se deve gastar. Está é a gastar melhor. Está sim, a gastar menos do que aconteceria se tudo continuasse “ao Deus dará”. E muito menos do que se, de súbito, se despejasse mais dinheiro na Saúde, caso ele existisse, como forma de fechar o fundo do saco. Mais dinheiro mal gasto acabaria por romper as últimas costuras da disciplina financeira. E podemos prová-lo, de imediato, com os resultados da produção global no 1º semestre. Comparando com semestre homólogo do ano anterior, estamos a produzir mais 2,2% de primeiras consultas, mais 13% de cirurgias ambulatórias e até mais 3% de cirurgias regulares e, naturalmente, menos 1,7% de internamentos e a obter a estabilidade nas urgências (+0,4%). Consumimos menos 2,7% em medicamentos mas muito mais em vacinas: mais 33%. Contivemos em 0,4% a factura de meios de diagnóstico comprados ao sector privado, mas ampliámos a sua produção nos hospitais. Realizámos menos 1,5% de consultas nos SAP e mais 1,3% de consultas regulares nos centros de saúde. Menos partos em pequenas maternidades sem as condições necessárias e mais partos nas maternidades com mais recursos e maior garantia de qualidade. E estamos, finalmente, a começar a oferecer médico de família a quem até aqui não o tinha, graças a novas unidades de saúde familiar, bem como a celebrar protocolos para cuidados a idosos e dependentes, nomeadamente em cuidados paliativos, área até aqui quase desprezada pelo SNS, aliviando as famílias de uma carga material e emocional tantas vezes incomportável. Estamos, na verdade, a cumprir a obrigação constitucional do Serviço Nacional de Saúde. Com mais qualidade, eficiência e ampliada equidade. Detenhamo-nos, um pouco, na virtude de bem gastar, ultrapassando o vício de gastar pior e mais. Gastar mais em Saúde, o que temos feito nos últimos 15 anos a ritmo acelerado, foi muitas vezes gastar pior. E sem resultados correspondentes. Na verdade, entre 1992 e 2004, a despesa pública em saúde, no PIB, passou de 4,2% (14º lugar) para 7,2% (6º lugar, entre os 15 da então UE). Mas sem os correspondentes ganhos em saúde. Vejam-se os actuais 1200 mortos nas estradas, os 300 nos acidentes de trabalho, os 900 por VIH/SIDA, os 300 por tuberculose. Mas vejam-se, sobretudo, os quase 23 mil mortos por cancro, quantos deles tardiamente diagnosticados e inadequadamente assistidos, ou os cerca de 38 mil mortos por doença cardio-cérebro-vascular, com prevenção e orientação insuficientes. E foi, justamente, onde menos e melhor gastámos, na Saúde da Mãe e da Criança, com a concentração de 200 para 50 locais de parto, que obtivemos os maiores ganhos em saúde, baixando, em 20 anos, a mortalidade perinatal de 21,0%0 (1984) para 4,6 (2004) por mil nascimentos. Havendo tanto ainda a fazer nas áreas mais críticas, tantos recursos que aí serão necessários, tudo nos deve levar a pensar que tem de ser nessas e noutras novas doenças como as decorrentes do tabaco, do álcool, da obesidade e da falta de exercício físico que os esforços para ganhos em saúde se devem concentrar. Tudo o que de mal gastarmos em medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica desnecessários, por vezes desperdiçados, e aqui e ali prejudiciais, nos faz falta para cuidar dos doentes com cancro, dos doentes hipertensos e isquémicos, dos doentes diabéticos, dos doentes mentais, dos doentes terminais. Temos que gastar melhor, muito melhor, os elevados recursos que temos votado à SIDA e à tóxicodependência, como temos que reorganizar a nossa rede de transporte de doentes na parte pré-hospitalar, de urgência/emergência ou simplesmente no transporte normal para e entre unidades de saúde. Senhores Presidentes e Senhoras e Senhores Deputados, Creio que todas V.ª Exas. entendem estes factos. Permitam-me que simplifique o argumentário, concentrando em cinco pontos as boas razões para se gastar bem na Saúde: 1. A reorganização do SNS é essencial à sua modernização. Todos queremos um SNS eficaz, eficiente, equitativo e de qualidade. Ora, é poupando onde for possível, sem prejudicar nem a equidade nem a qualidade, que se conseguem criar novas instituições, novos programas para solucionar novos problemas. Se não concentrarmos locais de parto e urgências, se não reorganizarmos os cuidados primários, não teremos recursos humanos para as Unidades de Saúde Familiares, para a Cirurgia Ambulatória, para os Cuidados a Idosos. 2. A qualidade é inimiga do desperdício. A qualidade não se melhora gastando mais, às vezes até se deteriora, tal como a equidade. Ter salas de partos, urgências e SAP espalhados por todo o País é sinónimo de má qualidade na rede prestadora. O País atrasou-se muito nesta matéria e deixou-se criar a ilusão de que a qualidade poderia estar ao pé da porta de cada um. A dispersão de recursos é inimiga da qualidade. Qualidade desigual é sinónimo de perda de equidade. E dispersão de baixa qualidade é sinónimo de desperdício. 3. Gastar menos no sector público conduz a que as famílias também gastem menos, na componente privada. A sobriedade e rigor na prescrição de medicamentos e meios de diagnóstico beneficia a todos, cidadãos e Estado comparticipante. Com dupla poupança para o cidadão, no que gasta directamente e no que paga em impostos. 4. Comandar a despesa em vez de ser por ela arrastado. Isto é, gastar onde se deve actuar, com prioridades bem definidas, sem nos deixarmos conduzir pela última moda terapêutica ou pela última tecnologia, quantas vezes mais agressivas e quase sempre mais dispendiosas que as anteriores. A inovação é-nos indispensável, desde que pendente de avaliação criteriosa. 5. Finalmente, sem boas contas não há bom SNS. A relação do SNS com os actores, parceiros e fornecedores tem de basear-se no “pagar a tempo e horas”, como estamos a fazer este ano, e vamos conseguir nos restantes anos do nosso mandato político. Só cumprindo as obrigações contratuais e financeiras estaremos em condições de exigir cumprimento e qualidade nos serviços e no desempenho dos que trabalham para o SNS. Senhoras e Senhores Deputados, Um orçamento apertado, mas realista e contido, contribui para a melhor gestão do SNS, a todos os níveis. Gestão mais autónoma e mais responsável. O povo bem diz que “a necessidade aguça o engenho”. A gordura acumula-se nos seres vivos e nos sistemas que não se movimentam, que não agilizam o seu desempenho. Há ainda alguma gordura no SNS. Libertando-o dela, o SNS servirá melhor os Portugueses. Estamos sempre disponíveis para prestar contas, boas contas, que honram o SNS e os que nele ou para ele trabalham. Hoje, aqui, estamos em condições de vos afiançar que gastamos bem os recursos que nos concederam no início do ano. Não apenas contivemos a despesa, mas obtivemos mais valor por cada euro consumido. Associámos a eficiência à economia e ampliámos a equidade. Deste modo, cumprimos de forma activa e inovadora o objectivo de prestar, a todos, serviços de qualidade adequados às necessidades de cada um. Assembleia da República, Lisboa - 10/10/2006 O Ministro da Saúde António Correia de Campos