UNIVERSIDADE DE ÉVORA
Curso de Licenciatura em Gestão de Empresas
A TEORIA DA
GESTÃO E A
COMPLEXIDADE
Trabalho de Fim de Curso realizado por
Rui Manuel Boleto Grilo, sob a orientação do
Professor Doutor José Carlos Zorrinho
ÉVORA
29 de Dezembro de 1996
Este trabalho não inclui as observações e críticas feitas pelo juri.
2
«Creio que só há um caminho para a ciência - ou
para a filosofia: encontrar um problema, descobrir a sua
beleza, e apaixonar-se por ele; casar com ele e viver feliz
até que a morte nos separe - a não ser que se encontre a
solução. Mas mesmo que se encontre a solução, pode-se
descobrir, para nosso prazer, que existe uma enorme
família de problemas-filhos encantadores, embora
difíceis, e para cujo bem-estar se pode trabalhar, com
gosto, até ao fim dos nossos dias».
Karl Popper
3
Agradecimentos
Este trabalho deve muito à orientação provocante e estimulante do
Professor Doutor José Carlos Zorrinho, a quem agradeço o empenho e o
entusiasmo.
Agradeço também à minha querida amiga Elsa Justino, pelas suas
(várias) revisões críticas e pelas oportunas sugestões de novas leituras
(mesmo que à custa de sanções bibliotecárias), demonstrando a solidez e
polivalência da formação em Serviço Social em Portugal.
A responsável pela "captura" dos belos fractais que se podem observar
na terceira parte do trabalho é a minha irmã Claudia Grilo, que sabe conjugar
o instinto (e o talento) de exploradora com uma paciência invulgar.
Por elementar justiça, não podia deixar de agradecer aos meus pais,
pelos meios para realizar este trabalho, e aos meus amigos, pela paciência que
demonstraram possuir ao ouvir-me falar vezes sem conta do Caos, da Gestão
e, sobretudo, das duas coisas misturadas.
4
A TEORIA DA GESTÃO E A COMPLEXIDADE
Índice Geral:
Introdução
6
Mudança social e da Ciência - Enquadramento
9
O paradigma emergente
10
A construção da pós-modernidade e suas consequências
15
A Teoria da Gestão
18
A Teoria da Organização Científica do Trabalho e a Teoria Clássica
As teorias humanistas da gestão
20
A abordagem sistémica e contingencial
26
A informação e a pilotagem das organizações
29
A dinâmica complexa e a gestão
34
A nova abordagem científica da complexidade
38
A complexidade nos sistemas económicos e empresariais
39
Estratégia, complexidade e pilotagem das organizações
54
A abordagem convencional da estratégia empresarial
62
A necessidade de um novo quadro mental
64
Da emergência da estratégia a uma nova pilotagem das
90
organizações
Conclusões
Bibliografia
Índice Analítico
96
104
110
113
5
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Introdução
Destinando-se um trabalho de fim de curso ao “aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos pelo aluno, de modo a demonstrar a sua
capacidade de participação em tarefas de investigação (…)”1, foi assumida
neste trabalho a opção por uma temática emergente na moderna Gestão de
Empresas: o impacto da complexidade organizacional e social na teoria da
gestão, que se revela especialmente ao nível da gestão estratégica.
Trata-se, por isso, de um trabalho de reflexão teórica, que parte da
análise quer da evolução da teoria da gestão, quer da nova abordagem
científica da complexidade, para explorar as implicações de cada um destes
domínios sobre o outro e traçar um quadro conceptual para a formação da
estratégica e a pilotagem de organizações.
1
in Ordem de Serviço nº 6/91 da Universidade de Évora, Regulamento do Trabalho de Fim de Curso,
Artigo 2º.
6
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Neste sentido, o trabalho começa pelo enquadramento genérico das
evoluções da sociedade e da ciência neste final de século, procurando definir
as linhas fundamentais da mudança global a que se assiste e enquadrar a
nova abordagem científica da complexidade numa mudança global mais
profunda do pensamento científico, que se estende aos mais diversos
domínios do saber. Em seguida, faz-se uma breve viagem pela evolução da
teoria da gestão, procurando dissecar os passos sucessivos por que passou e
reflectindo sobre o seu próprio processo de formação. As novas formas de
encarar a complexidade em sistemas dinâmicos são então descritas, após o
que se procura demonstrar a sua importância para a teoria da gestão,
explicando porque se devem considerar complexos os sistemas económicos e
empresariais e o que isso implica. Sendo a estratégia o padrão de acções que
determina o futuro da empresa, é este o domínio da gestão que mais sentirá
as repercussões deste novo modelo. Assim sendo, o trabalho conclui-se com a
análise do actual processo de formulação da estratégia, a sua crítica e o
esboçar de algumas sugestões para permitir a formação de estratégia em
empresas, entendidas como sistemas complexos e levando em consideração
as características do seu comportamento como tal.
São, naturalmente, evidentes as limitações das conclusões de um
trabalho deste tipo, que carecerão de amadurecimento e devida validação, o
que, contudo, ultrapassa o âmbito de um trabalho de fim de curso. É pois
7
A Teoria da Gestão e a Complexidade
com consciência da sua imperfeição que se convidam os leitores deste
trabalho a, com a sua crítica, contribuírem para a exploração das respostas
possíveis para uma pergunta inquietante: de que forma e com que
consequências se reflecte a complexidade na gestão de empresas?
8
A Teoria da Gestão e a Complexidade
I. Mudança social e da Ciência - Enquadramento
Antes de mergulhar na realidade específica da gestão de empresas é
metodologicamente importante enquadrar a mudança económica e a nova
abordagem científica da complexidade, respectivamente, no advento da pósmodernidade e na crise do paradigma científico dominante.
Só partindo de uma noção globalizante da nova realidade que as
empresas enfrentam se considerou ser possível reequacionar a prática
interveniente nessa mesma realidade.
9
A Teoria da Gestão e a Complexidade
1. O paradigma emergente
O conhecimento científico, como hoje é concebido, foi construído
progressivamente desde o século XVI. Os cientistas mais influentes nesta
construção, como Newton, Darwin, Durkheim, Lavoisier ou Adam Smith,
trabalharam e viveram entre o século XVIII e o início deste século. Dos seus
trabalhos resultou o paradigma científico dominante, que procura um
conhecimento objectivo, universal e determinista2.
Este modelo de racionalidade foi desenvolvido essencialmente no seio
das ciências naturais, com base em regras metodológicas e princípios
epistemológicos perfeitamente definidos, com base nos quais define mesmo o
carácter racional de uma forma de conhecimento. A sua característica mais
marcante é uma confiança quase absoluta na capacidade de previsão da
ciência, que resulta na convicção de que a explicação e previsão de todos os
fenómenos está ao seu alcance. A matemática, com as suas ideias claras e
objectivas, constitui-se assim não só como o principal instrumento deste
paradigma científico mas também como o seu próprio suporte lógico.
Apesar do seu sucesso (patente na sua aplicação tecnológica corrente),
este paradigma parece estar hoje a ser posto em causa. A sua crise iniciou-se
2
Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. Edições Afrontamento, Porto,
1991.
10
A Teoria da Gestão e a Complexidade
com a Teoria da Relatividade de Einstein e a mecânica quântica, não sendo
possível ainda saber quando se conhecerá o seu desfecho.
Na sua obra "Um Discurso sobre as Ciências", Boaventura de Sousa
Santos afirma que "os sinais [conhecidos] nos permitem tão-só especular
acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário mas que,
desde já, se pode afirmar com segurança que colapsarão as distinções básicas
em que assenta o paradigma dominante"3. Este colapso do paradigma
dominante resulta de um conjunto de novos conhecimentos científicos, dos
quais se podem destacar quatro descobertas fundamentais: a Relatividade da
Simultaneidade de Einstein, o Princípio da Incerteza de Heisenberg, o
Teorema da Incompletude de Gödel e a nova abordagem da complexidade
em sistemas dinâmicos.
O pensamento sobre a Relatividade da Simultaneidade de Einstein é
tão simples como isto: como a simultaneidade de acontecimentos distantes
não pode ser demonstrada, só pode ser definida, portanto é arbitrária. Isto é o
suficiente para alterar por completo a nossa noção de tempo e espaço,
deitando por terra o tempo e espaço absolutos de Newton.
3
in SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. Edições Afrontamento, Porto,
1991, (p.24).
11
A Teoria da Gestão e a Complexidade
O Princípio da Incerteza de Heisenberg, no âmbito da mecânica
quantica, tem também consequências marcantes ao resultar da demonstração
de que não é possível conhecer simultaneamente a posição e a velocidade de
uma partícula atómica. Ou seja, que não é possível observar sem alterar o
objecto observado.
Os teoremas de Gödel são, talvez, a mais surpreendente destas
descobertas, pois surgiram no domínio científico que mais imune parecia
estar a abalos epistemológicos - a Matemática. Gödel demonstrou que é
possível formular proposições que não se podem demonstrar nem refutar
seguindo as regras da lógica matemática.
O quarto pilar desta crise do paradigma dominante é a nova
abordagem da complexidade em sistemas dinâmicos. Trata-se de um novo
corpo de conhecimentos cujo objecto são os sistemas dinâmicos não-lineares,
logo, de comportamento imprevisível, que atravessa disciplinas tradicionais e
contraria o mecanicismo clássico com conceitos como a auto-semelhança ou a
dependência sensível das condições iniciais4.
A
crise
do
paradigma
dominante
está
assim
a
destruir,
progressivamente, as fronteiras disciplinares em que, arbitrariamente, a
4
Esta temática será abordada, de forma mais aprofundada, no primeiro capítulo da terceira parte deste
trabalho.
12
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Ciência tinha dividido a realidade. A ciência determinista está a ser
substituída por uma ciência probabilística.
Quanto à caracterização do paradigma emergente, esta só pode ser
antecipada especulando sobre o que se pode depreender da crise do
paradigma dominante.
Em primeiro lugar a fragmentação do conhecimento na pós-modernidade parece ser temática e não disciplinar, ou seja, todo o
conhecimento é local e total. Isto leva a que, na praxis interveniente, seja
recomendável pensar globalmente para agir localmente.
Por outro lado, "a composição transdiciplinar e individualizada (...)
sugere um movimento no sentido da maior personalização do trabalho
científico"5, ou seja, a dimensão subjectiva, tão arduamente combatida pelo
paradigma dominante, ganha agora uma nova importância fundamental.
Boaventura de Sousa Santos afirma mesmo que "todo o conhecimento é auto-conhecimento"6.
Por fim, é de referir a tendência para que todo o conhecimento
científico se constitua em senso comum. A Ciência pós-moderna, ao saber que
5
6
in SANTOS, Boaventura de Sousa, op. cit., (p.49).
in SANTOS, Boaventura de Sousa, op. cit., (p.50).
13
A Teoria da Gestão e a Complexidade
nenhuma forma de conhecimento é racional em si mesma, procura a
racionalidade pelo diálogo com outras formas de conhecimento, pois "só a
configuração de todas elas é racional"7. Numa inversão completa dos papeis
definidos pelo paradigma dominante, agora é o senso comum que se
considera a forma de conhecimento mais importante, pois é ele que, no
quotidiano, orienta as nossas acções e a nossa compreensão da realidade.
O conhecimento em gestão de empresas pode ser apontado como um
bom exemplo deste novo tipo de construção de saber. Resulta de um dialética
permanente entre sua prática interveniente e o referencial teórico que a
enquadra. Como veremos, é este o motor da sua evolução e a fonte do seu
desenvolvimento.
7
in SANTOS, Boaventura de Sousa, op. cit., (p.55).
14
A Teoria da Gestão e a Complexidade
2. A construção da pós-modernidade e suas consequências
A crise do paradigma dominante no pensamento científico encontra
um paralelo, porventura inquietante, na mudança social a que podemos
assistir neste final de século. A sociedade moderna parece ter antecipado a
pós-modernidade, antes do próprio fim da modernidade8.
A vida social moderna desenvolve-se em processos auto-reforçados, ou
seja, reflexivos. As práticas sociais são "constantemente examinadas e
reformadas à luz da informação adquirida sobre essas mesmas práticas,
alterando assim constitutivamente o seu carácter"9. O conhecimento da
realidade altera essa própria realidade. Por exemplo, difundir a informação
de que um determinado comportamento social se está a generalizar reforça
essa generalização.
Esta voragem pelo novo e pelo futuro faz com a sociedade moderna
procure antecipar o seu estado seguinte, donde resulta a ambiguidade da
pós-modernidade: a antecipação do futuro torna-se no próprio futuro. Mas o
que é característico da modernidade "não é a adopção do novo, só por ser
novo, mas a presunção da reflexividade generalizada"10.
8
Cf. GUIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. Celta Editora, Oeiras, 1992.
in GUIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. Celta Editora, Oeiras, 1992, (p.29).
10
in GUIDDENS, Anthony, op.cit., (p.30).
9
15
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Estas características da mudança social resultam num contexto
complexo e turbulento, no qual as empresas enfrentam continuamente novos
desafios. É por isso que uma grande parte dos best-sellers de gestão se tem
dedicado aos problemas da mudança e da complexidade. Para ilustrar esta
tendência, é interessante recordar que data de 1980 a obra de Peter Drucker
“Gestão em tempos de turbulência”11. Cinco anos mais tarde, foi a vez de
Tom Peters publicar “Thriving on Chaos”12. Entretanto, prospectores de
tendências inspirados como Alvin Toffler e John Naisbitt editaram várias
obras, nas quais procuraram antever o modelo sócio-económico para o qual
tendemos. Por outro lado, já nos anos noventa, surgiram obras influentes
como “Manager dans la complexité” de Dominic Genelot13, “Paradigm Shift”
de Don Tapscott e Art Caston14 ou “O Seminário de Tom Peters: Tempos
loucos pedem organizações loucas”15, para referir apenas três exemplos, que
têm em comum a defesa de uma mudança de paradigma. No entanto, apesar
de termos como ‘Gestão do Caos’ ou ‘Gerir em turbulência’ se terem
generalizado, a verdade é não é frequente encontrar em livros sobre gestão
uma referência explícita à nova abordagem científica da complexidade. Uma
11
DRUCKER, Peter. A Gestão em tempos de turbulência. Harper & Row, 1980.
PETERS, Tom. Thriving on Chaos. MacMillan, 1985.
13
GENELOT, Dominic. Manager dans la complexité. INSEP Éditions, 1992.
14
TAPSCOTT, Don e Art Caston. Paradigm Shift. McGraw-Hill, 1993.
15
PETERS, Tom. O Seminário de Tom Peters: Tempos loucos pedem organizações loucas. Bertrand
Editora, 1994.
12
16
A Teoria da Gestão e a Complexidade
notável excepção encontra-se nos trabalhos do Professor Ralph Stacey16, nos
quais o autor parte deste novo corpo de ideias para redefinir a gestão, e que
constituem o referencial fundamental deste trabalho.
16
Especificamente: STACEY, Ralph. A Fronteira do Caos. Bertrand, 1995 e STACEY, Ralph. A
Gestão do Caos. Dom Quixote, 1994.
17
A Teoria da Gestão e a Complexidade
II. A Teoria da Gestão
A Revolução Industrial alterou profundamente a estrutura económica
do mundo ocidental, levando ao crescimento das unidades económicas e
modificando drasticamente as relações de produção. Iniciou-se assim uma
cadeia de transformações, que tornou cada vez mais exigente a tarefa de gerir
as novas organizações económicas - as empresas. Isto fez com que, sobretudo
a partir do final do século XIX, se sentisse a necessidade de sistematizar e
orientar a forma de gerir as organizações económicas, iniciando-se a
construção do corpo de conhecimentos a que se pode chamar a ‘Teoria da
Gestão’.
A evolução das ideias dominantes neste domínio do saber humano
processou-se de forma simultaneamente dialéctica e aditiva. Dialéctica
porque muitas vezes resultou do confronto de pontos de vista contrários
(como entre a escola clássica e escola humanista); aditiva porque cada nova
18
A Teoria da Gestão e a Complexidade
ideia se construiu frequentemente sobre as anteriores, não as rejeitando
totalmente.
Esta segunda parte do trabalho procura colocar em perspectiva, de
forma breve, as várias etapas da evolução deste corpo teórico, desde a Escola
Clássica até à actualidade, explicitando o que cada contributo traz de novo e o
que se mantém actual do pensamento anterior. Por outro lado, também se
considerou importante evidenciar as diversas formas pelas quais as novas
ideias foram sendo incorporadas na teoria da Gestão - empiricamente, por
análise racional ou por influência das ciências naturais.
19
A Teoria da Gestão e a Complexidade
1. Da Teoria da Organização Científica do Trabalho à Teoria
Clássica
A primeira abordagem sistemática da Teoria da Gestão assumiu um
carácter nitidamente mecanicista, procurando preconizar procedimentos que
conduzissem a uma correcta administração das organizações, optimizando
quer a forma de execução das tarefas, quer a estrutura da própria
organização. É de referir que, antes destes primeiros contributos, já autores
como Andrew Ure ou Charles Babbage tinham publicado, na primeira
metade do século XIX, a sua visão pessoal quanto à gestão de empresas.
Faltava, contudo, sistematização a estes pioneiros, tendo as suas obras um
carácter essencialmente empírico.
Foi Frederick Taylor (1856-1915) quem estabeleceu as bases do que
ficou conhecido como a ‘Teoria da Organização Científica do Trabalho’. As
suas ideias, centradas na forma como as tarefas são executadas, têm como
principal base a ética protestante do trabalho árduo, racionalidade económica
e individualismo. São assim uma orientação pragmática para aumentar a
eficiência do trabalho, baseada na experiência pessoal de Taylor na Midvale
Steel Company, na Bethlehem Steel Company e em outras empresas com as
quais colaborou como consultor.
20
A Teoria da Gestão e a Complexidade
A orientação de Taylor é no sentido de que a organização do trabalho
se inicie com a sua análise científica, de forma a encontrar as melhores
metodologias para executar cada tarefa. Depois de definir estas formas de
execução, havia que forçar a sua adopção universal e seleccionar os
trabalhadores mais competentes para a sua execução (que seriam então
treinados para desempenhar a sua tarefa exactamente como foi definida).
Taylor considera que, maximizando a eficiência, se maximizarão
também os rendimentos, quer de trabalhadores quer de empresários, pelo
que o conflito entre o capital e o trabalho estaria resolvido por esta via. Parte
assim do pressuposto de que bastam recompensas financeiras para motivar os
trabalhadores e que os administradores se conformariam a ver o seu papel
reduzido à organização “científica” do processo produtivo, recorrendo à
uniformização de tarefas e à divisão do trabalho. Na realidade, nenhum
destes pressupostos se verificou, pelo que quer os detentores do capital quer
os trabalhadores demonstraram resistências à sua abordagem da gestão. Os
primeiros por verem o seu bom senso e capacidade questionados e os
segundos por lhes ser exigido que desempenhassem tarefas puramente
mecânicas e repetitivas, tal como se se tratassem de máquinas.
A abordagem taylorista é parcial na forma como encara a gestão, pois
considera a empresa como uma organização fechada e se debruça apenas
21
A Teoria da Gestão e a Complexidade
sobre o processo produtivo em si, esquecendo, por exemplo, a estrutura da
própria empresa.
Embora continuem a não considerar as inter-relações da empresa com
o seu ambiente, as teorias centradas na estrutura consideram a totalidade da
organização, indo além da mera racionalização do trabalho. A ‘Teoria
Clássica’ de Henri Fayol (1841-1925) foi o primeiro contributo nesta
perspectiva, assumindo uma visão anatómica da estrutura formal da
organização. A sua principal preocupação residia nas relações e funções dos
diversos órgãos dentro da empresa. Fayol identificou também as principais
funções da empresa (técnicas, comerciais, financeiras, de segurança, de
contabilidade
e
administrativas
ou
de
gestão),
estabelecendo
uma
terminologia que ainda hoje é aceite.
A ‘Teoria Clássica’ preconizava uma estrutura hierárquica, que
traduzia uma cadeia de comando clara, revelando uma orientação de
natureza militar. Contudo, considerava que a função de gestão estava
presente em todos os níveis hierárquicos, crescendo a sua importância nos
níveis mais elevados. A função de gestão teria um papel de coordenação das
cinco restantes, envolvendo prever, organizar, comandar, coordenar e
controlar.
Os princípios para uma boa gestão também foram enunciados: divisão
do trabalho, autoridade e responsabilidade, disciplina, unidade de comando,
22
A Teoria da Gestão e a Complexidade
subordinação dos interesses individuais aos colectivos, centralização, ordem,
iniciativa e espírito de corpo. É aqui que se pode encontrar a contradição da
‘Teoria Clássica’ e do contexto em que esta surgiu. Com uma enorme massa
de trabalhadores, necessitados desesperadamente de emprego, sem poder
reivindicativo nem instrução, e uma economia em expansão, o fundamental
naqueles dias era produzir tanto quanto possível, tendo uma preocupação
vital com o comando e a hierarquia, para fazer face às crises de crescimento
das próprias empresas. Apesar disto, Fayol reconhecia nos seus princípios a
importância da iniciativa e do espírito de corpo. Ficou por saber de que forma
é que estes propósitos poderiam ser conciliados com o estilo autoritário de
gestão que preconizava.
A abordagem que Henri Fayol propõe na sua ‘Teoria Clássica’ é
eminentemente prescritiva e normativa. Propõe-se prescrever receitas, para
conduzir os empresários ao sucesso e aos lucros. Os seus pontos de vista
foram mais tarde retomados, pelos chamados autores neoclássicos (como
Koontz e O’Donnel, Dale, Newmann e Albers, por exemplo), que procuraram
reduzir a rigidez e mecanicismo originais da ‘Teoria Clássica’, utilizando
conceitos de teorias mais recentes.
Outra teoria centrada na estrutura é da autoria do sociólogo alemão
Max Weber (1864-1920). Trata-se da ‘Teoria da Burocracia’, que procura
alcançar a máxima eficiência e racionalidade da organização formal. A
23
A Teoria da Gestão e a Complexidade
‘burocracia’ de Weber (que utiliza este termo sem a actual carga pejorativa)
assenta na formalização, divisão do trabalho, hierarquia, impessoalidade,
competência técnica, separação entre propriedade e administração e
profissionalização do funcionário.
É evidente a semelhança entre a ‘Teoria Clássica’ e a ‘Teoria
Burocrática’ em aspectos como a divisão do trabalho ou a hierarquia, pois
ambas partem da estrutura formal da organização. No entanto, onde a
primeira insiste na disciplina e no comando, a segunda aponta para a
impessoalidade e o formalismo.
Um modelo deste tipo seria racionalmente perfeito e poderia ser
aplicado virtualmente a qualquer tipo de organização, independentemente da
sua natureza. Contudo, esquece a dimensão humana e informal das
organizações, conduzindo a disfunções como a despersonalização do
relacionamento no trabalho, o conformismo (que conduz ao declínio da
criatividade e da qualidade de desempenho), o formalismo excessivo e uma
enorme resistência à mudança.
A Burocracia pode ser, por isso, uma ameaça à própria sobrevivência
de qualquer organização. Quando deixa que a realidade ultrapasse o quadro
normativo estável que procura implantar ou que a indiferença e conformismo
se instalem, está a destruir as capacidades fundamentais que uma
24
A Teoria da Gestão e a Complexidade
organização deve possuir para, pelo menos, se adaptar à evolução do mundo
que a rodeia.
Por outro lado, a ‘Teoria da Burocracia’, tal como a ‘Teoria Clássica’ ou
a ‘Teoria da Organização Científica do Trabalho’, ignorou ostensivamente a
dimensão humana das organizações. Cada pessoa, mesmo enquanto elemento
de uma organização, nunca deixa de ser comportar como um indivíduo, cujo
desempenho depende da sua motivação. A parcialidade destas abordagens
não podia deixar de suscitar o seu contraponto com o surgimento de uma
nova corrente dialéctica da teoria da gestão.
25
A Teoria da Gestão e a Complexidade
2. As teorias humanistas da gestão
Foi a partir da década de 30 que surgiu a reacção inevitável às teorias
que dominavam então a gestão, centradas nas tarefas e na estrutura. O centro
das preocupações deste novo grupo de construtores da teoria da gestão era a
componente humana das organizações, as pessoas, recorrendo à Psicologia e
à Sociologia Industrial.
A primeira pedra para a construção deste novo movimento foi o
estudo realizado entre 1927 e 1932 na fábrica de Hawthorne da Western
Electric Company. Esta pesquisa, coordenada por Elton Mayo (1880-1949),
pretendia medir a influência da iluminação na produtividade dos
trabalhadores. Surpreendentemente, apesar do rigor metodológico, não
conseguiu estabelecer uma relação directa entre a intensidade da iluminação
e a produtividade dos trabalhadores. Observou-se mesmo nessa experiência
que, quando se reduziu a iluminação, a produtividade não só não sofreu uma
quebra como aumentou, sugerindo claramente a existência de outros factores,
de natureza social, que determinam a produtividade. Neste caso, pode-se
indicar, por exemplo, a motivação adicional resultante de uma equipa externa
estar a avaliar o desempenho da fábrica.
Na sequência deste estudo, surgiu a Escola das Relações Humanas,
que defendia a importância da organização informal, da motivação, das
26
A Teoria da Gestão e a Complexidade
necessidades humanas, da dinâmica de grupo, da comunicação e da liderança
como determinantes para o desempenho organizacional. Assumindo-se como
clara reacção às ideias de Taylor, Fayol ou Weber, negou os conceitos que
estes consideraram mais importantes (como a organização formal, a
autoridade, a responsabilidade, a hierarquia ou a unidade de comando),
substituindo o homo economicus que estes viam nas suas organizações por um
novo homo social, para o qual os incentivos sociais e simbólicos eram mais
importantes que as recompensas salariais.
Esta primeira abordagem humanista pecou pelo excesso e isso
reflectiu-se na sua credibilidade e prestígio. Apesar de introduzir novos
conceitos fundamentais, e que continuam a ser determinantes, os excessos de
sinal contrário levaram estes primeiros teóricos humanistas a conceber com
demasiada ingenuidade o seu homo social. Por outro lado, as soluções que
acabaram por ser adoptadas, como a introdução de períodos de lazer,
intervalos no trabalho e refeições no restaurante da fábrica, consistiam na
valorização de actividades extra-laborais, não actuando sobre as causas da
alienação e insatisfação dos trabalhadores. Era como se reconhecessem a
fatalidade de o trabalho ser um sacrifício que devia ser compensado por
actividades paralelas.
27
A Teoria da Gestão e a Complexidade
A segunda corrente humanista foi a Escola do Comportamento
Organizacional. Surgiu com um livro de Herbert Simons17, editado em 1947, e
contou com a participação de figuras marcantes como Mc Gregor, Maslow ou
Herzberg. O aspecto valorizado por esta nova escola humanista foi o processo
de tomada de decisão, vital para o sucesso de qualquer organização.
Considerando devidamente a dimensão humana da organização, isto levou
ao desenvolvimento do estudo da liderança, para conduzir as motivações e
tornar compatíveis os interesses da organização e do indivíduo.
A Escola do Comportamento Organizacional concebe as organizações
como sistemas de decisões, onde se observam cadeias de percepção, sensação,
decisão e acção, que determinam os seus comportamentos face às diversas
situações.
Depois destes contributos, estavam criadas as condições para que uma
terceira corrente emergisse, considerando as duas anteriores e adicionando
um elemento fundamental que estava a ser ignorado: o ambiente no qual a
organização se insere.
17
SIMONS, Herbert. O Comportamento Administrativo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas,
Serviço de Publicações, 1974.
28
A Teoria da Gestão e a Complexidade
3. A abordagem sistémica e contingencial
Um sistema é um “todo organizado e unido, composto por duas ou mais
partes interdependentes, componentes ou subsistemas, e delimitado por fronteiras
identificáveis do seu macro-sistema ambiental”18. Esta definição abarca um
conjunto amplo de realidades. O corpo humano é um sistema, tal como o
Sistema Solar, um ecossistema ou uma organização. Foi este carácter
pluridisciplinar que fascinou Ludwig von Bertalanffy quando estabeleceu a
sua Teoria Geral dos Sistemas, chegando a afirmar que “na ciência moderna,
a interacção dinâmica é o problema básico em todos os campos” 19. Trata-se da
constatação de um facto que parece simples: vivemos num mundo de
sistemas interdependentes.
É preciso distinguir dois tipos de sistemas. Um sistema fechado não
tem qualquer relação com o respectivo ambiente, enquanto um sistema aberto
estabelece uma interrelação com aquilo que o rodeia. A maior parte, se não a
totalidade, dos sistemas sociais corresponde a este segundo tipo.
A Teoria Geral dos Sistemas assenta em conceitos razoavelmente
intuitivos e simples. Cada sistema é composto por subsistemas ou
18
19
in KAST, Fremont e James Rosenzweig. Organization & Management. McGraw-Hill, 1985.
BERTALANFFY, Ludwig von. Problems of Life. John Wiley & Sons, Inc., New York, 1952.
29
A Teoria da Gestão e a Complexidade
componentes e está integrado num macro-sistema. O todo formado por um
sistema é superior à mera soma das partes que o constituem. Chama-se a este
conceito holismo e resulta das sinergias que se estabelecem entre os vários
subsistemas. Cada sistema transforma inputs em outputs, numa relação
dinâmica com o ambiente. A permeabilidade das fronteiras determina a
profundidade desta relação. Num sistema, a entropia (desordem) pode ser
reduzida e mesmo transformada em entropia negativa, quando a ordem
aumenta dentro do sistema. Cada sistema aberto pode encontrar estados de
equilíbrio com o respectivo ambiente. Esse equilíbrio pode resultar de um
estado de máxima entropia, que significa a “morte” do sistema, ou de um
equilíbrio dinâmico. Cada sistema está permanentemente a receber os
resultados das suas acções. Chama-se a isso retroacção ou feedback, e pode ser
positivo (quando está no “caminho certo”) ou negativo (quando se desvia do
percurso que tinha sido traçado). Um sistema pode ter múltiplos objectivos.
Cada um dos seus componentes pode ter, legitimamente, os seus interesses
específicos. Por outro lado, os sistemas abertos podem obter o mesmo
resultado partindo de situações iniciais distintas, ao que se dá o nome de
equifinalidade.
É fácil observar que estes conceitos correspondem à realidade das
organizações. O que a aplicação desta visão sistémica trouxe de novo à Teoria
da Gestão foi o fornecimento de um quadro global, no qual podem ser
30
A Teoria da Gestão e a Complexidade
integrados
quase
todos
os
conhecimentos
colhidos
anteriormente,
considerando agora também o ambiente no qual a organização se insere. Esta
é a grande novidade, pois, até esse momento, as teorias de gestão que tinham
sido propostas viam a empresa como um sistema fechado. Taylor concebia-a
como um sistema de produção, Fayol como uma estrutura autónoma e os
autores humanistas como um sistema social fechado.
Ao adoptar uma abordagem sistémica, a Teoria da Gestão tinha que
começar por identificar os subsistemas principais que compõem o sistema
empresarial. Cada organização tem um subsistema de objectivos e valores.
Sendo a empresa um subsistema da sociedade onde se insere, é natural que
uma boa parte dos seus valores sejam determinados pelo contexto em que se
insere. Este subsistema inclui a cultura e os objectivos globais, de grupo ou
individuais. Outro componente relevante é o subsistema técnico, que integra
o conhecimento necessário ao desempenho do papel produtivo da empresa,
bem como a tecnologia envolvida. O subsistema psicossocial compreende os
factores que influenciam o comportamento individual, como a motivação, as
dinâmicas de grupo, a liderança, a comunicação ou as relações interpessoais.
Quanto ao subsistema de estrutura, este inclui os meios de divisão e
coordenação
da
organização,
estabelecendo
as
relações
formais
de
autoridade, comunicação e trabalho. Por último, o subsistema de gestão
31
A Teoria da Gestão e a Complexidade
envolve
os
outros
quatro,
estabelecendo
os
objectivos,
planeando,
desenhando a estrutura e implementando sistemas de controlo.
Sistema Ambiental
Subsistema de
Objectivos e
Valores
Subsistema
Técnico
Subsistema de
Gestão
Subsistema
Psicossocial
Subsistema de
Estrutura
Figura 1: O sistema organizacional
A Teoria da Contingência veio na sequência imediata da abordagem
sistémica das organizações, assumindo a inexistência de receitas e
considerando, posteriormente, a importância da tecnologia na determinação
da estrutura e do comportamento organizacional das empresas.
32
A Teoria da Gestão e a Complexidade
A abordagem contingencial integra todos os desenvolvimentos que a
precederam, sendo esse, precisamente, o seu traço fundamental. Em cada
conjunto de situações a importância relativa de cada grupo de conhecimentos
pode variar. As organizações devem, assim, preocupar-se com a inovação e a
flexibilidade, para se adaptarem às modificações do meio envolvente, pois a
sua eficácia não dependerá só das relações internas formais e informais mas
também do equilíbrio dinâmico que se estabeleça com o ambiente. A
valorização da componente humana ultrapassa mesmo as teorias humanistas,
reconhecendo que esta é verdadeiramente importante, não se limitando a
tentar que os empregados se sintam importantes.
Estas abordagens de síntese são a primeira resposta às novas
necessidades desta segunda metade do século XX. Abandonam as receitas e
as prescrições para tomarem consciência do mundo onde as organizações se
movimentam. Mas a evolução está longe de parar e, hoje, as empresas
defrontam-se com a complexidade, a imprevisibilidade e a turbulência, para
as quais não têm resposta. No entanto, será desta visão sistémica e
contingencial da realidade que se partirá para lançar a ponte às ciências da
complexidade.
33
A Teoria da Gestão e a Complexidade
4. A informação e a pilotagem das organizações
Partindo de uma concepção sistémica das organizações, as duas
últimas décadas assistiram ao crescimento da importância de uma nova
dimensão do problema: a informação. A partir de Novembro de 1978, JeanLouis Le Moigne publicou na revista Informatique et Gestion a sua Teoria do
Sistema de Informação Organizacional, tomando por ponto de partida que
existe um sistema de informação inerente a cada organização social. Trata-se
de um sistema, a adicionar aos restantes subsistemas identificados
anteriormente, e que influencia a organização como um todo, pois é ele que
fornece a informação na qual se baseia a tomada de decisão e o controlo das
organizações.
A informação foi definida por Jean Louis Le Moigne como um “objecto
formatado, criado artificialmente pelo homem, tendo por finalidade
representar um tipo de acontecimento identificável por ele no mundo real”20.
É assim inerente à observação da realidade por qualquer indivíduo-observador e pode ser criada, memorizada, tratada e transmitida. Existindo a
informação desde sempre, as novas tecnologias de informação têm permitido
que estas operações se processem de forma mais rápida e eficiente.
20
LE MOIGNE, Jean Louis. «La Théorie du Système d’Information Organisationnel», Informatique
et Gestion, nºs 101 a 104. Novembro de 1978 a Março de 1979.
34
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Quando a incerteza da turbulência é a principal dificuldade, é natural
que o elemento que a pode reduzir ganhe relevância. É assim que a
informação pode ser hoje considerada um recurso estratégico de primeira
importância. Mas as suas características são muito especiais, porque “se
consome sem se gastar, se gasta sem se consumir e é abundante por
natureza”21.
Este conjunto de constatações, associadas ao já referido aumento da
eficiência das tecnologias de tratamento automático da informação e do
volume de informação a considerar, conduziu à ascensão de uma nova
disciplina dentro da Teoria da Gestão: a Gestão da Informação. Gerir a
informação dentro de uma organização é, simultaneamente, lidar com os
fluxos de dados e os padrões para a sua interpretação, bem como com os
comportamentos, atitudes e decisões que estes podem induzir.
Esta nova perspectiva abriu caminho para algumas evoluções
conceptuais de muito interesse para lidar com a nova realidade emergente.
Uma das mais importantes talvez seja a progressiva adopção do termo pilotar,
em detrimento do termo gerir. O que está subjacente a esta mudança
semântica é a noção de que o decisor é um piloto, que procura manter o
equilíbrio do sistema Organização, enquanto este ‘navega’ no macro-sistema
21
in ZORRINHO, Carlos. «Novos Desafios e Oportunidades», Sistemas de Informação nas
Organizações. Universidade de Évora, Évora, 1993.
35
A Teoria da Gestão e a Complexidade
que o envolve. É uma metáfora particularmente feliz e que se adequa
perfeitamente às ideias que se expõem no final deste trabalho.
Gerir a informação engloba a “captação, tratamento e transmissão dos
dados necessários ao funcionamento da empresa” bem como “a definição dos
conteúdos e do sistema de memorização e acesso à informação disponível”22.
Inerente a esta tarefa está a criação voluntária de um Sistema de Informação
Organizacional, uma representação do real para apoio à tomada de decisão e
ao controlo, cuja referência é a organização no seu todo e que resulta da
execução de um conjunto organizado de procedimentos. É este sistema que
faz emergir aquilo a que se chama “organização virtual”, através da qual se
postula ser possível pilotar a organização real.
O Sistema de Informação Organizacional pode-se dividir em três
subsistemas de informação, o Funcional, o Orgânico e o Genético. O primeiro
representa a informação relevante para o relacionamento dinâmico da
organização com o seu meio envolvente, o segundo a informação originada
no interior da própria organização e o terceiro a trajectória da organização no
tempo.
22
in ZORRINHO, Carlos, op. cit.
36
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Estes conceitos desenvolvidos no seio da Gestão da Informação
constituem mais um passo de adaptação da Teoria da Gestão à realidade
empresarial e constituem a base ideal, sobre a qual será possível considerar os
recentes desenvolvimentos da abordagem científica da complexidade e da
turbulência.
37
A Teoria da Gestão e a Complexidade
III. A dinâmica complexa e a gestão
As empresas são entendidas, desde que os conceitos da abordagem
sistémica se generalizaram, como sistemas. Uma vez que evoluem no tempo,
dependo o seu futuro do seu passado e presente, são sistemas dinâmicos.
Está em construção uma nova abordagem científica da complexidade
em sistemas dinâmicos. Foram descobertos comportamentos surpreendentes
nos sistemas mais insuspeitos e desenvolvidos novos conceitos como a autosemelhança e a dependência sensível das condições iniciais. O pensamento
científico em que se baseou a abordagem sistémica sofreu, por isso, alterações
radicais.
Nesta segunda parte parte-se da descrição do processo de construção
desta nova abordagem multidisciplinar da complexidade para determinar a
sua eventual importância para a Teoria da Gestão.
38
A Teoria da Gestão e a Complexidade
1. A nova abordagem científica da complexidade
Do determinismo clássico aos trabalhos de Poincaré
A tradição científica ocidental afirma que as melhores teorias são as mais
simples. É assim que desde os seus primórdios tem procurado descobrir aquilo
que é essencial e invariante. Em especial, após a introdução por Galileo Galilei do
método científico no século XVII, os cientistas passaram a acreditar que seria
possível descobrir gradualmente todas as leis que regem a realidade e a
determinam. Quem melhor exprimiu este sonho foi Pierre Simon Laplace23, ao
afirmar que «uma inteligência que, num dado instante, conhecesse todas as
variáveis do Universo, abarcaria na mesma fórmula os movimentos de todos os
corpos: nada seria incerto para ela, o futuro, tal como o passado, estaria presente
a seus olhos». Com as Leis do Movimento de Newton, surge a Mecânica
determinista Clássica e esta visão da realidade e das possibilidades da Ciência
alcança o seu apogeu.
De acordo com este paradigma, pode-se prever, por exemplo, o
comportamento de dois corpos gravíticos, explicando as órbitas da Terra em
redor do Sol. Determinar os comportamentos possíveis de um sistema três corpos
23
LAPLACE, Pierre Simon, Marquês de (1749-1827). Astrónomo e matemático francês, conhecido
pela demonstração da estabilidade do Sistema solar, recorrendo às Leis de Newton.
39
A Teoria da Gestão e a Complexidade
deveria ser também simples, embora mais trabalhoso. Só que a realidade
reservava surpresas à inteligência humana.
Este problema era traduzido por um sistema de equações diferenciais,
resultantes das leis de Newton, que descrevia a evolução do sistema. Há dois
tipos de equações diferenciais: as lineares, que se podem resolver explicitamente,
e as não lineares, impossíveis (salvo raras excepções) de resolver. Com a
introdução do corpo gravítico adicional, o sistema tornava-se não linear e, logo,
insolúvel.
Mais tarde, perto de 1880, o matemático francês Henri Poincaré24
trabalhou sobre este problema. Apesar de não poder resolver explicitamente o
sistema de equações, Poincaré, num rasgo notável, verificou que podia tirar
conclusões sobre a evolução do sistema, analisando-o qualitativamente, de forma
a determinar se este evoluiria no sentido de um equilíbrio estacionário, uma
órbita periódica ou outros comportamentos mais surpreendentes.
Poincaré descobriu então que o sistema de três corpos apresentava
comportamentos extremamente irregulares, complexos e não-periódicos. Aquilo
a que hoje se chama comportamento 'caótico'. Isto provocou um enorme choque
ao cientista, pois contrariava profundamente tudo o que se conhecia e a Mecânica
Clássica previa. Se três corpos já manifestavam um comportamento instável,
como é que se podia garantir a estabilidade do Sistema Solar?
24
POINCARÉ, Jules Henri (1854-1912). Matemático e físico francês.
40
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Na sequência do trabalho pioneiro de Poincaré, surgiu um novo campo de
investigação sobre os Sistemas Dinâmicos, em especial os não-lineares, que
acabou por se tornar conhecido sob o nome questionável de Teoria do Caos. Um
sistema dinâmico não-linear não é determinista nem previsível, evoluindo no
tempo com um comportamento aperiódico, longe do equilíbrio e fazendo
depender o seu estado futuro do estado actual. O mais interessante é verificar
que este tipo de comportamento é o mais frequente em sistemas reais, tais como
uma panela de água ao lume, um sistema ecológico, a economia mundial ou a
atmosfera. Esta característica única faz com que o eco do Caos chegue a ciências
tão diferentes como a Física, a Biologia, a Economia, a Matemática ou a Gestão.
Da dependência sensível das condições iniciais aos atractores estranhos
A evolução da construção destas novas ideias prosseguiu com o auxílio da
informática. O primeiro explorador informático do universo do Caos foi,
inadvertidamente, Edward Lorenz, um matemático dedicado à meteorologia.
Lorenz programou um simulador de clima no seu computador, um arcaico Royal
McBee. O computador imprimia séries de números que representavam a
evolução da pressão, temperatura, velocidade e direcção do vento. As equações
diferenciais utilizadas por Lorenz tinham um aspecto perfeitamente inocente, até
que um acaso revelou a sua verdadeira face.
41
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Um dia, no Inverno de 61, Lorenz quis reexaminar uma sequência
temporal do seu simulador. Para ser mais rápido, começou a meio, utilizando os
números da série anterior como ponto de partida. As duas séries deveriam ser
exactamente iguais, mas logo após alguns meses (simulados) divergiram e
perderam qualquer semelhança. Lorenz pensou primeiro numa avaria do
computador, mas a solução era mais simples: o computador guardava os
números na sua memória com 6 casas decimais, mas só imprimia as três
primeiras, para ser mais rápido. Ao introduzir os números impressos, Lorenz
cometeu um erro na ordem dos décimo-milésimos. Foi este pequeno erro o
suficiente para mudar completamente a evolução do sistema.
Mais tarde chamou-se a este comportamento 'Efeito Borboleta' ou
Dependência Sensível das Condições Iniciais e costuma ilustrar-se com a noção
de que o esvoaçar de uma borboleta hoje em Tóquio pode provocar uma
tempestade violenta sobre Nova York em poucas semanas. Este efeito é suficiente
para demonstrar a impossibilidade da previsão meteorológica e afastar de vez o
determinismo Laplaciano: para se fazer uma previsão perfeita dever-se-iam
conhecer as variáveis iniciais com uma precisão infinita. Para armazenar uma
variável com precisão infinita, é preciso uma memória infinita. Sendo impossível
dispor de uma tal memória, é impossível a previsão determinista.
Lorenz prosseguiu a análise dos sistemas dinâmicos. Escolheu um sistema
de 3 equações diferenciais (que ficaram conhecidas por Equações de Lorenz) e
42
A Teoria da Gestão e a Complexidade
representou graficamente o seu comportamento, utilizando novamente um
computador.
Chama-se atractor ao comportamento para o qual um sistema dinâmico
converge, independentemente do ponto de partida. Um pêndulo em movimento
converge para uma oscilação de período constante, uma bola a rolar sobre uma
superfície com atrito converge para uma situação de velocidade nula. Se
representarmos por um ponto num gráfico tridimensional cada estado das
Equações de Lorenz, podemos ver que convergem para um atractor
tridimensional. No entanto, este atractor não corresponde nem a uma órbita
regular nem à imobilização: é um 'atractor estranho', o sistema nunca assume o
mesmo estado duas vezes, apesar de haver uma vizinhança mais povoada. O
sistema é caótico, imprevisível, mas ao mesmo tempo converge para um atractor
determinado.
43
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Figura 2: O Atractor de Lorenz
Figura 3: Outro atractor estranho - o Atractor de Rossler
44
A Teoria da Gestão e a Complexidade
A universalidade dentro do caos
Em 1975, o físico Mitchell Feigenbaum debruçou-se sobre as estranhas
propriedades da função recursiva Xn = k Xn-1 (1 - Xn-1). Começando num valor
qualquer de X e dando um valor ao parâmetro k entre 0 e 4, podemos ver qual
vai ser o comportamento a longo prazo do sistema repetindo a fórmula recursiva
um bom número de vezes. De início, para valores de k pequenos, o sistema
converge para um valor. Com k = 3, o sistema alterna entre dois valores: é uma
solução de período 2. Para k = 3,5 o período passa a ser 4, em k = 3,56 duplica de
novo, para uma solução de período oito, começando a partir daqui a haver uma
duplicação de período cada vez mais rápida, que aparece no gráfico (figura 4)
como uma ramificação, até que perto de k = 3,58 o sistema se torna caótico. No
entanto, de forma fascinante, o Caos desaparece esporadicamente, surgindo
janelas periódicas, para reaparecer logo a seguir.
45
A Teoria da Gestão e a Complexidade
x
k
Figura 4: O diagrama de bifurcações da aplicação logística Xn = k Xn-1 (1 - Xn-1),
representando para cada valor de k os valores de X para que tende.
Feigenbaum começou depois a calcular os valores de k para os quais se
davam as duplicações de período. Como utilizou uma calculadora programável
muito lenta, convinha-lhe calcular o próximo valor de forma aproximada para ter
de esperar menos tempo pelo resultado. Foi isto que lhe abriu a porta para uma
descoberta estranhíssima: os números para os quais se dava uma duplicação de
período aumentavam à razão constante de 4,6692016090. Espantado com esta
regularidade, Feigenbaum repetiu os cálculos para a função trigonométrica Xn =
k sen (Xn-1). Para sua surpresa, havia também uma razão de escalas, 4,6692016090:
era igual!
Feigenbaum tinha descoberto a universalidade no Caos. O seu número é a
constante de proporcionalidade para a duplicação de período não só em
46
A Teoria da Gestão e a Complexidade
inúmeras funções matemáticas mas também em sistemas físicos reais, como
células de convexão, fluidos turbulentos e até sistemas electrónicos, ópticos ou
biológicos.
A geometria fractal da Natureza
Pode-se observar no gráfico desta função uma particularidade curiosa: a
auto-semelhança. O diagrama contém cópias minúsculas de si próprio, repetindo
até ao infinito o seu aspecto. Esta é uma das propriedades fundamentais de um
novo conjunto de formas geométricas associado ao Caos: os Fractais.
A geometria fractal começou a ser concebida lentamente na mente de
Benoit Mandelbrot desde a década de 50. Mandelbrot, matemático de formação,
trabalhava nessa altura na secção de investigação pura da IBM, onde estava a
estudar a distribuição de rendimentos numa economia. De visita a um colega,
professor de economia em Harvard, ficou surpreso por encontrar no quadro um
diagrama semelhante ao que estava a estudar. Só que não se tratava de uma
representação gráfica de nenhuma distribuição de rendimentos, mas sim da
evolução dos preços de algodão ao longo de oito anos.
47
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Entre as duas figuras havia uma
semelhança surpreendente. Analisando-as,
Mandelbrot descobriu um novo tipo de
simetria: a simetria entre escalas. Sendo cada
variação independente e aleatória, as curvas
das variações diárias apresentavam um
aspecto semelhante ao das curvas mensais.
Esta constatação contrariava a convicção de
que as variações de pequena escala eram
apenas ruído e que nada tinham a ver com os
movimentos de longo prazo, determinados
pela evolução global da economia. O que
Mandelbrot demonstrou foi que o grau de
Figura 5: Um exemplo de fractal uma folha de feto gerada por
iterações sucessivas
variação se manteve constante ao longo de sessenta anos, durante os quais
ocorreram, por exemplo, duas guerras mundiais e uma profunda crise
económica.
Sendo, por opção, um “nómada” interdisciplinar, Benoit Mandelbrot
dedicou-se em seguida a assuntos tão diversos como a distribuição das palavras,
a teoria dos jogos, a distribuição de grandes e pequenas cidades, os ruídos nos
fios telefónicos ou as cheias do Nilo. Em cada um destes domínios divergentes
encontrou a auto-semelhança entre escalas. A nova geometria, que só ganhou um
48
A Teoria da Gestão e a Complexidade
nome em 1975, quando Mandelbrot encontrou o adjectivo fractus num dicionário
de latim e lhe pareceu que fractal seria uma denominação apropriada, tanto pode
ser encontrada em figuras criadas pela mente humana (como a curva de Koch25
ou o conjunto de Cantor26) como na realidade (dois bons exemplos são os
contornos de uma linha costeira e o sistema circulatório).
Figura 6: A Curva de Koch
O fractal mais conhecido como tal deve ser o conjunto de Mandelbrot.
Trata-se de uma representação gráfica no plano complexo, originada por uma
função recursiva tão simples como z à z2 + c (sendo z e c número complexos,
naturalmente). Pela sua aplicação repetida só há dois limites possíveis: ou
25
“Para construir uma curva de Koch, começa-se com um triângulo com lados de tamanho 1. Ao meio
de cada lado adiciona-se um novo triângulo com um terço do tamanho; e assim por diante. O
comprimento total do contorno é (…) infinito. Contudo, a área permanece menor que a área do círculo
que circunda o triângulo original. Portanto, uma linha infinitamente longa é rodeada por uma área
finita.” in GLEICK, James. Caos. Gradiva, 1989, (p.137).
26
“Começa-se com uma linha: remove-se o terço médio; depois remove-se o terço médio de cada um
dos segmentos restantes; e assim sucessivamente. O conjunto de Cantor é a poeira de pontos que resta.
É infinito, mas o seu comprimento total é zero.” in GLEICK, James, op. cit., (p.131).
49
A Teoria da Gestão e a Complexidade
converge para zero ou diverge para o infinito. Para traçar o conjunto, basta
marcar a negro os pontos que correspondem aos z iniciais para os quais a função
tende para zero, deixando os restantes a branco ou numa gradação de cores de
acordo com a rapidez com que aumentam de valor. Mas a simplicidade termina
aqui. Descobrir as formas que a fronteira do conjunto de Mandelbrot encerra é
quase como desbravar as costas de um novo continente - e o exagero é puramente
aparente, porque ampliam-se de tal forma parte do conjunto, para descobrir os
seus detalhes, que se se observasse o conjunto completo a essa ampliação, este
seria maior que o sistema solar! E pelo meio de formas fascinantes que nos fazem
lembrar cavalos marinhos, ondas ou plantas exóticas (a nossa imaginação é o
único limite...) encontramos um número infinito de copias do próprio conjunto
numa diversidade impressionante de escalas. É a auto-semelhança levada ao seu
extremo mais belo, como se pode observar na figura 7.
A tradução matemática desta complexidade geométrica é a introdução de
um conceito tão bizarro como o de que dimensão de um fractal é fraccionária. A
‘dimensão fractal’ (originalmente, dimensão de Hausdorf-Besicovitch) traduz o
grau de irregularidade de um fractal, sendo calculada através de uma definição
matemática. Por exemplo, a dimensão fractal do Conjunto de Cantor é 0,6309
(log 2 / log 3), enquanto a da curva de Koch é 1,2619 (log 4 / log 3). Isto significa,
por exemplo, que a curva de Koch, por ser mais “enrugada”, ocupa mais espaço
50
A Teoria da Gestão e a Complexidade
do que uma simples linha recta (dimensão 1), mas menos espaço do que uma
superfície (que tem dimensão 2).
51
A Teoria da Gestão e a Complexidade
52
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Figura 7: O Conjunto de Mandelbrot, em ampliações sucessivas
53
A Teoria da Gestão e a Complexidade
2. A complexidade nos sistemas económicos e empresariais
Apesar de a geometria fractal ter tido o seu início com dados de origem
económica, só muito depois é que as ciências económicas e empresariais
começaram a importar conceitos e ideias das novas formas de encarar a
complexidade. Mas basta verificar que a maior parte dos sistemas económicos
são dinâmicos (ao evoluírem no tempo, dependendo o seu estado futuro do seu
comportamento passado) e não-lineares (imprevisíveis e turbulentos), para que
pareça inevitável considerar a relevância de características como a dependência
sensível das condições iniciais ou a auto-semelhança.
Caos económico
Mas como identificar evoluções caóticas na economia? Em que é que isto
nos pode ajudar a compreender a realidade económica? David Ruelle27, um dos
pioneiros do Caos, estabeleceu uma analogia extremamente interessante entre
um sistema económico e um sistema físico dissipativo. Como sistema físico
podemos escolher uma camada de líquido viscoso aquecido, actuando como
força exterior o aquecimento aplicado. No sistema económico, como força
exterior podemos considerar o desenvolvimento tecnológico.
27
RUELLE, David. O Acaso e o Caos. Relógio d’Água, 1994.
54
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Para temperaturas baixas e pequeno desenvolvimento tecnológico, ambos
os sistemas atingem um equilíbrio estável. Com um pouco mais de energia,
começam a apresentar oscilações periódicas. Na realidade, foram efectivamente
observados ciclos económicos aproximadamente periódicos. A níveis mais
elevados de desenvolvimento tecnológico, pode haver a sobreposição de duas ou
três periodicidades diferentes (tal como se pode observar em qualquer manual de
História Económica). Por fim, a níveis suficientemente elevados de temperatura e
desenvolvimento tecnológico, os sistemas tornam-se turbulentos, e entram na
região do Caos. O sistema económico torna-se imprevisível, com variações
irregulares e uma dependência sensível das condições iniciais. Parece razoável
afirmar que vivemos hoje neste tipo de economia.
Apesar da forma convincente com que é possível traçar este paralelo, a
aplicação prática do Caos à Economia esbarra no facto de esta evolução se
processar num fundo de crescimento geral, de ser susceptível a fortes choques
externos e de não haver séries temporais suficientemente longas. Isto não
impede, porém, que o contributo conceptual do Caos para as ciências económicas
e empresariais seja importante e que a visão da realidade e os conceitos que lhe
estão associados sejam devidamente tidos em conta e aplicados nestas ciências.
Quanto a esta matéria, é interessante recordar que, em Setembro de 1987,
se reuniram Santa Fé nos Estados Unidos, físicos e economistas para avaliarem as
55
A Teoria da Gestão e a Complexidade
potencialidades da dinâmica não-linear para a economia. Acabaram por ser
apresentados vários trabalhos28, explorando as possibilidades mais promissoras.
Por exemplo, W. Brian Arthur, da Universidade de Stanford, apresentou
uma comunicação sobre mecanismos de auto-reforço (feedback) em Economia. Um
bom exemplo deste tipo de mecanismos é a forma como o mercado de
equipamentos de vídeo evoluiu no sentido de um monopólio do sistema VHS,
face ao moribundo Betamax (apesar de este último ser tecnicamente preferível).
O mercado do vídeo doméstico corresponde nitidamente a um sistema de
feedback. Quanto mais equipamentos de um sistema forem vendidos, mais filmes
estarão disponíveis para esse sistema e maior preferência terão os consumidores
por o adquirir, porque têm um maior números de títulos disponíveis para ele.
Sendo assim, qualquer pequena vantagem pode ser ampliada até resultar no
monopólio de um dos sistemas. Tendo sido lançados ambos os sistemas
sensivelmente ao mesmo tempo, as quotas de mercado terão estado equilibradas
até um determinado momento, quando uma pequena vantagem do sistema VHS
foi ampliada de tal forma que resultou na situação actual de domínio do
mercado.
28
Compilados na obra: ANDERSON, P. W., K. J. Arrow e D. Pines (editores). The Economy as an
Evolving Complex System. Addison-Wesley, 1988.
56
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Este trabalho trata-se apenas de um exemplo, retirado das doze
comunicações que foram apresentadas e que resultaram em três grupos de
trabalho e vários projectos de investigação conjunta. Passados oito anos, a
pesquisa neste domínio está, naturalmente, noutro patamar e já existem modelos
económicos não-lineares.
A empresa como sistema dinâmico não linear
A abordagem sistémica das organizações fornece-nos uma base
conceptual para entendermos as organizações. Estas são sistemas, compostas
por subsistemas e integradas no macro-sistema ambiental que as envolve. O
seu comportamento é dinâmico, simplesmente porque evolui no tempo.
Temos assim a empresa como sistema dinâmico. Resta saber se apresenta um
comportamento que a possa qualificar como sistema dinâmico não linear e,
logo, como objecto das teorias da complexidade que têm vindo a ser
desenvolvidas.
Há duas propriedades fundamentais a observar, a auto-semelhança e a
dependência sensível de pequenas causas, que resultam num comportamento
imprevisível, turbulento e longe do equilíbrio. A auto-semelhança, no campo
dos negócios, detecta-se pela observação de uma semelhança qualitativa de
padrões de acontecimentos, dentro de limites reconhecíveis. Sem que isto
57
A Teoria da Gestão e a Complexidade
resulte na possibilidade de previsão das respectivas consequências, significa
apenas que se podem encontrar semelhanças qualitativas, em diferentes
escalas, entre sequências de eventos.
A segunda característica é mais relevante para esta matéria. A
dependência sensível de pequenas causas resulta da existência de
mecanismos de feedback, que ampliam pequenas causas em ciclos viciosos ou
virtuosos. Um erro aparentemente insignificante pode conduzir ao colapso de
uma organização poderosa, tal como ao aproveitar uma oportunidade que
parecia pouco auspiciosa outra empresa pode ser conduzida a um sucesso
exponencial.
A
Kodak,
após
a
Segunda
Guerra
Mundial,
negligenciou
voluntariamente o mercado japonês, por o considerar pouco importante. Isto
abriu caminho a que a Fuji conseguisse uma sólida quota de 70% do seu
mercado interno e partisse daí para desafiar seriamente a Kodak no resto do
mundo, obrigando esta implementar reduções de custos de emergência e
levando o valor das suas acções a descer29. Tratou-se claramente de uma
situação na qual uma pequena causa se ampliou, com consequências
desastrosas (para a Kodak) ao fim de algum tempo.
Outro exemplo deste tipo de comportamentos é o caso da Netscape. A
World Wide Web foi desenvolvida entre 1989 e 1991 pelo cientista britânico
29
Exemplo apresentado em STACEY, Ralph. A Gestão do Caos. Dom Quixote, 1994.
58
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Timothy Berners-Lee, como uma parte da rede mundial Internet, na qual se
poderia aceder a documentos em hipertexto, integrando texto e imagens e
possibilitando a ligação a outros documentos mediante a simples selecção
(geralmente com o rato) de uma palavra sublinhada. Foi a WWW que levou à
crescente popularidade da Internet e à sua recente globalização. Para
‘navegar’ na Web é necessário um programa denominado browser, que lê os
documento em hipertexto e gere as complexas ligações com os servidores
onde estes estão disponíveis. A Netscape, de Marc Andreesson, criou
precisamente um browser espantoso, o Netscape Navigator, que revolucionou
a maneira de ver a World Wide Web e contribuiu para a sua expansão.
Quanto mais utilizadores a Web tivesse, mais cliente potenciais a Netscape
tinha para o seu Navigator e mais páginas surgiriam, aumentando o interesse
do público e atraindo novos utilizadores. Apanhada no meio deste ciclo
virtuoso, a Netscape ganhou em muito pouco tempo uma relevância e
prosperidade notáveis, dominando um mercado ao qual a própria Microsoft
chegou atrasada30.
Naturalmente, existirão organizações que, devido à sua dimensão
reduzida e a uma rara estabilidade do contexto onde se inserem, não
30
É de referir que esse “atraso” começou a ser recuperado, nomeadamente após o lançamento da
terceira versão do browser da Microsoft, o Internet Explorer.
59
A Teoria da Gestão e a Complexidade
apresentarão comportamentos complexos e longe do equilíbrio. Para estas, as
conclusões deste contributo não terão o mesmo interesse, mas as empresas
nesta situação são cada vez em menor número. A complexidade no
comportamento de uma organização pode resultar de si própria, pela sua
dimensão ou pela forma como os seus subsistemas interagem em feedback,
mas pode também ser resultante da turbulência do ambiente de mercado
onde esta se insere e dos mecanismos que lhe estão subjacentes.
Entenda-se então a empresa (com as restrições referidas acima) como
um sistema dinâmico não linear. Qual será a relevância prática desta
concepção? Simplesmente brutal. As decisões que tomamos dependem
grandemente do quadro mental que construímos para interpretar a realidade.
Se alterarmos esse quadro mental, estaremos também a modificar a forma
como tomamos decisões e, em última análise, o nosso comportamento. É
deste ponto de vista que o contributo das teorias da complexidade pode ser
extremamente importante para a Teoria da Gestão. É óbvio que quem procure
na estabilidade e equilíbrio o sucesso, terá poucas probabilidades de o
encontrar se este se encontrar longe do equilíbrio, algures nas correntes do
Caos. Adoptando um modelo mental mais adequado à realidade actual,
estaremos necessariamente a caminhar na direcção certa.
Mas este novo modelo que agora se propõe não faz sentir o seu
impacto de igual forma em todas as dimensões da organização. Quando se
60
A Teoria da Gestão e a Complexidade
tratar de um processo de mudança fechada a curto prazo, os métodos
tradicionais de controlo continuam, naturalmente, a aplicar-se. O principal
reflexo vai-se fazer sentir, naturalmente, nas situações de final aberto, de
dimensão estratégica, que determinam o futuro da organização. A Gestão
Estratégica é, por isso, o primeiro alvo de uma Gestão consciente da
complexidade imprevisível.
61
A Teoria da Gestão e a Complexidade
IV. Estratégia, complexidade e pilotagem das
organizações
Entende-se por estratégia o padrão das acções que determinam a longo
prazo a forma e a posição da empresa em relação aos seus clientes, fornecedores,
concorrentes e reguladores. Este padrão vai acabar por determinar o
desempenho organizacional e, em última análise, a sobrevivência da própria
empresa.
O padrão das acções estratégicas é entendido, tradicionalmente, de uma
forma intencional e previamente definida. A gestão estratégica resultará assim da
aplicação um processo analítico de formulação, produzindo ‘planos estratégicos’
que, tal como mapas do tesouro, se espera que conduzam a empresa à
concretização da sua ‘missão’.
É esta a base do pensamento actual sobre a forma de gerir
estrategicamente as organizações, que é desenvolvida sumariamente no primeiro
62
A Teoria da Gestão e a Complexidade
capítulo desta parte do trabalho. Depois, no segundo capítulo, expõem-se as
razões que fazem com que hoje estas ideias sejam postas em causa e se assista à
queda do planeamento, enquanto forma de "produzir estratégia". Por último,
face a esta rejeição do modelo convencional, lançam-se no terceiro capítulo
algumas pistas sobre novas formas de formar Estratégia em organizações
encaradas como sistemas dinâmicos, bem como sobre as possibilidades de
pilotagem que as organizações complexas oferecem.
63
A Teoria da Gestão e a Complexidade
1. A abordagem convencional da estratégia empresarial
Começou-se a falar em estratégia, num contexto empresarial, nos
Estados Unidos, em plenos anos sessenta, quando surgiram os primeiros
modelos de análise estratégica. Tratava-se de responder à necessidade de
tomar decisões de forma racional, substituindo a forma intuitiva e irregular
que era corrente, e aproveitando aquele foi o período mais longo de
crescimento económico ininterrupto do século XX31.
A emergência desta nova preocupação na gestão empresarial foi mais
tarde perspectivada como tendo resultado de uma evolução gradual, que se
iniciou com o planeamento financeiro, consistindo este na elaboração de
orçamentos anuais como instrumentos de controlo. Em seguida procurou-se
alargar o horizonte temporal das previsões, recorrendo a modelos mais
aperfeiçoados e permitindo decisões quanto aos objectivos e à estratégia da
organização, numa fase que se designou planeamento financeiro avançado ou
planeamento orientado para o futuro.
O planeamento estratégico surgiu como uma terceira etapa deste
percurso, partindo da análise do ambiente para a definição da estratégia.
31
A abordagem convencional da Gestão Estratégica que é exposta neste capítulo resulta,
essencialmente, da síntese das obras: CARDOSO, Luís, Gestão Estratégica das Organizações, Verbo,
1995; e AA. VV., Strategor, Dom Quixote, 1993.
64
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Trata-se assim de um processo analítico, protagonizado pelos planeadores,
que procura ajustar a intenção estratégica e os objectivos da organização às
oportunidades e ameaças que detecta no ambiente, bem como às forças e
fraquezas da própria empresa.
O planeamento estratégico é um «processo de recolha e tratamento de
informação sobre o ambiente e a organização
que
leva
à
tomada
de
decisões, através das quais a organização se adapta, modifica e actua sobre o
contexto em que está inserida»32. A estratégia é assim assumida como o
resultado de um processo formalizado, sendo formulada de forma consciente.
O processo de formulação estratégica pode ser dividido em passos
sucessivos: primeiro, definindo os objectivos; depois, procedendo a uma
auditoria externa para avaliar o meio ambiente; em seguida, fazendo uma
auditoria interna para descobrir as vantagens competitivas da empresa (as
forças) e as suas eventuais fraquezas. A quarta etapa consiste na avaliação das
alternativas estratégicas, ao que se seguirá, por fim, a sua operacionalização e
posterior controlo. O processo de planeamento compreende assim quatro
elementos: os objectivos, os orçamentos, as estratégias e os programas.
Pode-se defender que, neste momento, já se assiste a uma quarta etapa
de evolução, que se pode denominar gestão estratégica, compreendendo o
processo de formulação e implantação de planos. Sem rejeitar o planeamento
32
in CARDOSO, Luís. Gestão Estratégica das Organizações. Verbo, 1995, (p.43).
65
A Teoria da Gestão e a Complexidade
estratégico, distingue-se deste por passar a incluir a sua implantação,
avaliação e controlo.
Feito este enquadramento, podemos esquematizar o modelo de gestão
estratégica que é usualmente aceite:
→
MISSÃO E OBJECTIVOS
↓
AMBIENTE GERAL
↓
AMBIENTE ESPECÍFICO
↓
DIAGNÓSTICO INTERNO
↓
ESTRATÉGIAS ALTERNATIVAS
↓
ESCOLHA ESTRATÉGICA
↓
IMPLANTAÇÃO ORGANIZACIONAL
↓
IMPLANTAÇÃO COMPORTAMENTAL
↓
CONTROLO
↵
Figura 8: Um modelo de gestão estratégica33
33
in CARDOSO, Luís, op. cit., (p.49).
66
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Missão, visão e objectivos
Este primeiro elemento do modelo apresentado constitui o ponto de
partida do processo clássico de formulação estratégica. A missão deve assim
assumir uma visão do futuro desejado para a empresa, afirmando o sentido
da sua existência e legitimando a sua função social.
A missão de uma organização é concebida como factor da sua própria
identidade,
interna
e
externa,
diferenciando-a
da
concorrência
e
acrescentando-lhe valor. A missão pode também envolver a definição do
negócio da empresa, determinando os seus produtos, os mercados a que se
destina e as necessidades que quer satisfazer.
A visão, para ser eficaz, deve traduzir uma antecipação do estado
futuro do mercado antes que este aconteça, servindo de base para os gestores
projectarem as suas acções.
Os objectivos explicitam o que a organização pretende atingir com a
sua actividade. Como tal devem permitir a sua avaliação, pelo que não
podem deixar de ser mensuráveis, calendarizados e difíceis (mas exequíveis).
A definição de objectivos concretiza a missão e completa a base sobre a
qual se vai proceder à avaliação de oportunidades, ameaças, forças e
fraquezas, tal como, posteriormente, à definição e avaliação de alternativas
estratégicas.
67
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Ambiente e diagnóstico interno
A análise do ambiente que rodeia a organização é especialmente
importante. A velocidade com que este se altera tornam a sua análise
simultaneamente mais difícil e importante. Pretende-se com ela identificar
oportunidades e ameaças.
A informação sobre o ambiente pode-se dividir em duas escalas: a
relativa ao ambiente geral (de âmbito mais lato, referindo-se ao sistema social
no qual a empresa está inserida) e a relativa ao ambiente específico (que se
refere
apenas
ao
que
pode
afectar
directamente
a
empresa
no
desenvolvimento dos seus negócios).
No ambiente geral, os factores mais importante serão os socioculturais
(valores, atitudes, instituições, conflitos, usos e costumes), os económicoindustriais (tendências e situação económica, produtividade e política
industrial), os tecnológicos (política de investigação e desenvolvimento, infraestruturas científicas e conhecimentos científicos e técnicos) e os políticolegais (quadro normativo no qual a empresa actua).
O ambiente específico tem como protagonistas os consumidores, os
concorrentes e o sector de actividade. Os consumidores têm diferentes perfis
de necessidades e preferências, podendo contudo ser agrupados em
conjuntos razoavelmente homogéneos. O processo que conduz à sua
68
A Teoria da Gestão e a Complexidade
identificação denomina-se segmentação de mercado. Para identificar cada um
destes segmentos, é preciso conhecer as respostas a perguntas como “Que
factores influenciam a procura?”, “Que benefícios procura o consumidor
obter com o produto?” ou “Que serviços espera o consumidor?”.
A análise dos concorrentes é igualmente importante e passa pela
identificação dos concorrentes actuais e potenciais, seguida da análise do
modo como estes actuam. Será assim relevante conhecer a sua estratégia
actual, a forma como segmentam o mercado, os seus pontos fortes e fracos ou
as suas políticas de marketing-mix.
O terceiro elemento desta análise do ambiente específico é o sector.
Para o conhecer é especialmente útil o modelo das cinco forças competitivas
de Michael Porter. Trata-se de um modelo que assume a especial importância
da concorrência num contexto de escassez de recursos, internacionalização e
constante mudança técnica e social.
69
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Ameaça de novos
concorrentes
↓
Poder negocial dos
fornecedores
→
Competição
existente entre os
actuais
concorrentes
↑
←
Poder negocial dos
clientes
Ameaça de
Substitutos
Figura 9: O modelo das cinco forças competitivas de Michael Porter
De acordo com Porter, há cinco forças competitivas que determinam o
interesse de cada sector de actividade:
• o grau de rivalidade entre os actuais concorrentes (com consequências ao
nível dos preços, inovação e capacidade produtiva instalada);
• o poder negocial dos clientes (com reflexos nos preços e prestações de
serviços adicionais);
• o poder negocial dos fornecedores (que afecta a rendibilidade do negócio);
• a ameaça de novos concorrentes (que depende das barreiras à entrada no
sector) e
70
A Teoria da Gestão e a Complexidade
• a ameaça de produtos substitutos (que é um factor de risco para o próprio
sector).
Estas forças vão depender de factores como a taxa de crescimento do
sector, o número de concorrentes, a repartição das suas quotas de mercado ou
o grau de diferenciação dos produtos - no caso do grau de rivalidade entre os
actuais concorrentes; a dimensão dos clientes, a sua sensibilidade ao preço ou
a existência de produtos substitutos - para o poder negocial dos clientes; o
número de fornecedores, os custos de mudança de fornecedor ou a existência
de substitutos - no caso do poder negocial dos fornecedores; os obstáculos à
entrada no sector, as retaliações previsíveis à entrada ou a atractividade
presente ou esperada do sector - quanto à ameaça de novos concorrentes; e,
por fim, o desempenho relativo dos produtos substitutos, a propensão do
comprador para a substituição ou o poder financeiros dos sectores substitutos
- na determinação da ameaça de produtos substitutos.
Por outro lado, o Estado pode afectar cada uma destas cinco forças
competitivas, através da sua intervenção directa ou indirecta, condicionando,
por exemplo, o acesso a determinados sectores por motivos económicos ou de
segurança. O Estado pode também ser um grande cliente ou um grande
fornecedor, para além de, pela sua actividade legislativa, poder regular o
quadro competitivo das empresas.
71
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Enquanto a análise do ambiente procura detectar as oportunidades e as
ameaças, o diagnóstico interno pretende identificar as forças e fraquezas da
organização.
Desta
forma,
a
empresa
deverá
tentar
aproveitar
estrategicamente as oportunidades que se adequem aos seus pontos fortes.
A análise da organização deverá contemplar, entre outros aspectos, a
dimensão histórica da estratégia da empresa, o seu desempenho, a sua
estrutura económica, os recursos de que dispõe, o seu sistema de valores e a
sua capacidade criativa. Desta análise deverá resultar uma avaliação das
características e capacidades de acção da empresa, da sua posição
competitiva, do seu posicionamento dentro do sector, enfim, dos seus pontos
fortes e fracos.
Alternativas estratégicas e modelos de decisão
No início dos anos 80, entendia-se que as duas formas de vantagem
competitiva eram a liderança em custos e a diferenciação. Os custos baixos
permitem
ter
confortáveis
margens
de
comercialização,
mantendo
competitivos os preços. A diferenciação consistia na resposta adequada às
necessidades específicas de um determinado segmento do mercado,
permitindo também boas margens por o consumidor estar disposto a pagar
um excedente no preço.
72
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Outra opção que era tipificada referia-se à amplitude do domínio
concorrencial, entendida como a escolha entre produzir muitos produtos para
muitos consumidores ou ter poucos produtos dirigidos a um grupo de
consumidores definido.
TIPO DE VANTAGEM
LARGO
DOMÍNIO
CONCORRENCIAL
ESTREITO
BAIXO CUSTO
DIFERENCIAÇÃO
LIDERANÇA
GLOBAL
EM CUSTOS
DIFERENCIAÇÃO
CONCENTRAÇÃO COM
VANTAGENS EM
CUSTOS
CONCENTRAÇÃO
GLOBAL
COM
DIFERENCIAÇÃO
Figura 10: Estratégias básicas, segundo Porter
Resultam deste quadro quatro estratégias básicas, pela intersecção de
cada uma das duas opções. Qualquer destas estratégias pode ser a adequada,
dependendo do contexto concorrencial no qual a empresa se insira. No
entanto, de uma forma geral, era preconizado que se optasse claramente por
uma das quatro opções, fugindo a posições intermédias.
A vantagem competitiva de cada empresa pode ser desagregada numa
cadeia de valor, que integrará as suas actividades estrategicamente mais
73
A Teoria da Gestão e a Complexidade
relevantes, permitindo a análise dos custos e factores de diferenciação de
cada uma delas.
Outra
estratégias
tipologia
de
de
estabilidade,
estratégias
de
alternativas
crescimento,
de
distingue-as
entre
desinvestimento
e
combinadas.
A estratégia de crescimento é a opção mais cómoda e consiste,
simplesmente, em manter a estratégia até então adoptada. É, por isso, uma
estratégia aparentemente segura, mas que só é aceitável quando o ambiente é
estável e os produtos estão em fase de maturidade.
As estratégias de crescimento apontam para a diversificação para
novos produtos ou mercados, ou para o crescimento dos negócios actuais por
integração vertical ou aumento da quota de mercado. Trata-se de uma
estratégia que é facilmente aceite e que pode trazer bons resultados (por
exemplo, pela redução de custos devido a economias de escala). No entanto,
comporta um risco considerável, pelo que deve ser precedida por uma
avaliação cuidada das suas consequências.
Ao adoptar uma estratégia de desinvestimento, a empresa reduzirá as
suas linhas de produtos ou mercados, racionalizando a gestão. Esta opção só
é adequada quando o ambiente é pouco favorável, os produtos estão em fase
de declínio ou os resultados de outras estratégias são negativos.
74
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Podem-se
também
utilizar
estratégias
combinadas,
adoptando
diferentes orientações para os diversos negócios da empresa ou utilizando,
sequencialmente, diferentes estratégias. Isto justifica-se sempre que a
diversidade dos negócios o imponha e para fazer face a um ambiente
instável.
Estas
diferentes
estratégias
podem
ser
adoptadas
interna
e
externamente, envolvendo, neste caso, entidades exteriores à organização. As
estratégias podem também ser concêntricas (relacionadas) ou conglomeradas
(de diversificação total). No primeiro caso, a diversificação é feita sem
descaracterizar a empresa e «respeitando» a definição do negócio. No
segundo, não há afinidades entre os diversos produtos ou mercados,
diversificando-se o risco e procurando obter sinergias. Esta opção estratégica
é usual, sobretudo, em condições de declínio da carteira de produtos ou de
grande disponibilidade financeira.
Analisando as diferentes estratégias de outro prisma, estas podem ser
horizontais ou verticais, sendo horizontais quando apontam para um
crescimento dentro do negócio ou sector de actividade e verticais se
conduzem à integração de novas fases do processo produtivo.
Depois de identificadas as alternativas estratégicas que se poderiam
colocar às empresas em diversas situações, importava desenvolver técnicas e
75
A Teoria da Gestão e a Complexidade
modelos de apoio à escolha da mais adequada, pois a simples análise das
forças, fraquezas, ameaças e oportunidades revelava-se extremamente
complexa. Foi assim que surgiu a teoria do ciclo de vida dos produtos, bem
como os modelos BCG (Boston Consulting Group), McKinsey/General
Electric, A. D. Little e PIMS.
A teoria do ciclo de vida dos produtos foi inspirada na Biologia,
entendendo que, tal como um ser vivo, também os produtos atravessam as
fases da Introdução, Crescimento, Maturidade e Declínio. Em cada uma
destas fases podem observar-se diferentes taxas de crescimento, variando
também o número de concorrentes, a repartição do mercado e a tecnologia
envolvida.
Na fase de introdução consideram-se factores críticos de sucesso a
inovação e o planeamento. Este último factor deve a sua importância ao facto
de esta primeira fase ser caracterizada pela associação entre elevado
investimento, reduzido retorno e uma grande exigência na criação das
estruturas de produção e distribuição, o que torna o planeamento importante
como instrumento para tornar tão curta quanto possível esta etapa da
evolução do produto.
Na fase do crescimento, torna-se crítica a forma como a empresa seja
capaz de aproveitar esse crescimento e torná-lo tão grande quanto possível.
Os fluxos financeiros tornam-se favoráveis, sendo fundamental aproveitá-los
76
A Teoria da Gestão e a Complexidade
para sustentar as necessidades de investimento, que se mantêm elevadas. Este
crescimento pode tornar o mercado apetecível para potenciais concorrentes, o
que se pode contrapor à tendência para a estabilização das posições
concorrenciais.
Ao atingir a maturidade, o mercado aproximou-se da sua expressão
máxima, crescendo agora a um ritmo lento. O número de concorrentes será
agora elevado, pelo que o marketing se assume como o factor crítico para
conquistar quota de mercado. O fluxos financeiros são agora mais
abundantes, pelo que se procurará que esta fase seja tão longa quanto for
possível.
Por último, o produto chegará à sua fase de declínio, quando o
mercado global começar a diminuir sensivelmente, sendo necessário escolher
o momento certo para o abandonar. O controlo de gestão deverá estar, nesse
momento, no centro das atenções, procurando rendibilizar os produtos até ao
seu abandono selectivo.
As ideias que esta teoria introduz são importantes, servindo de base
para os modelos que se seguem. No entanto, tem uma capacidade de previsão
limitada, por as fases terem uma duração muito variável e por as empresas
poderem afectar com a sua acção a forma e ordem como se sucedem.
77
A Teoria da Gestão e a Complexidade
O modelo BCG, do Boston Consulting Group, foi pioneiro no final dos
anos 60 no apoio à escolha estratégica quanto a uma carteira de produtos,
respondendo à diversificação de actividades que se observava, em especial
após a 2ª Guerra Mundial. Tem como objectivos facilitar a tomada de decisão
quanto a que produtos a empresa deve ter, que estratégia deverá adoptar
para cada um deles e como articular estas decisões com uma estratégia global
de obtenção e aplicação de fundos.
A
construção
deste
modelo
partiu
de
pressupostos
que,
simultaneamente, o sustentam e o limitam:
• A rendibilidade e a capacidade de gerar fundos dependem dos efeitos de
escala e da experiência;
• Há uma relação directa entre a quota de mercado e a rendibilidade, no
longo prazo;
• A taxa de crescimento do mercado depende da fase de vida do produto e
• Os recursos necessários ao crescimento de um produto são directamente
proporcionais à taxa de crescimento do mercado.
Estes quatro pressupostos assentam sobre duas variáveis: a quota de
mercado e a sua taxa de crescimento. Combinando-as, obtemos quatro
situações:
78
A Teoria da Gestão e a Complexidade
TAXA DE
CRESCIMENTO
Estrela
Alta
Criança Difícil
Fluxos financeiros moderadamente
positivos ou negativos
Fluxos financeiros muito negativos
DAS
VENDAS DO
PRODUTO
Vaca Leiteira
Cão
Baixa
Fluxos financeiros muito positivos
Fluxos financeiros moderadamente
positivos ou negativos
Alta
Baixa
QUOTA DE MERCADO
Figura 11: O modelo BCG34
As «crianças difíceis» são produtos com elevada taxa de crescimento
mas cuja quota de mercado é reduzida. É o caso típico da fase de introdução
de um produto, de acordo com a teoria do ciclo de vida dos produtos. As
opções que se colocam quanto a estes produtos são investir fortemente ou
abandonar o produto. A decisão deverá ser tomada tendo em conta o
potencial de crescimento de cada produto face aos concorrentes.
Os produtos «estrela» crescem a uma taxa elevada, com vendas
consideráveis. Contudo, os fluxos financeiros são modestos devido ao esforço
necessário ao crescimento. A estratégia a adoptar será a de manter a posição.
Quando atingem a fase de «vaca leiteira», os produtos têm uma
posição de liderança num mercado amadurecido. Nesta situação, o
34
in CARDOSO, Luís, op. cit., (p.113).
79
A Teoria da Gestão e a Complexidade
crescimento é lento, com vendas muito elevadas e reduzidas necessidades de
investimento, o que faz com que os fluxos financeiros sejam fortemente
positivos. A opção estratégica ideal é a de rendibilizar.
Finalmente, os «cães» são produtos em declínio, com pequena quota de
mercado. São produtos que não geram fundos consideráveis mas que também
têm necessidades muito reduzidas. Como tal, a opção deverá ser abandonar
os «cães» ou conservá-los na expectativa, mas apenas enquanto os fluxos
financeiros que gerarem não sejam negativos.
A escolha de uma carteira de produtos ideal deve conseguir equilibrar
a obtenção e aplicação de fundos, aplicando no desenvolvimento das suas
«crianças difíceis» os fluxos financeiros gerados pelas suas «vacas leiteiras».
O percurso do êxito conduz um produto de «criança difícil» a «estrela» e,
depois, a «vaca leiteira». Contudo, é possível que um produto mal sucedido
passe directamente de «criança difícil» a «cão», situação na qual um produto
só deve ser mantido enquanto gerar alguns fluxos financeiros positivos.
O modelo BCG responde aos objectivos a que se propôs, contudo está
adequado apenas ao contexto em que foi criado, apontando para uma
estratégia de crescimento e liderança em custos. Hoje em dia, liderar em
custos e ter a maior quota de mercado não basta. É possível atingir o sucesso
com base na liderança em apenas um segmento de mercado, e há novos
factores determinantes, como a inovação ou a qualidade.
80
A Teoria da Gestão e a Complexidade
O modelo McKinsey/General
Electric procura ultrapassar a
simplificação reducionista do modelo BCG. Adopta, por isso, uma nova
matriz, na qual os vectores são o valor ou o interesse do sector e a posição
concorrencial da empresa nesse negócio:
POSIÇÃO
CONCORRENCIAL
Alta
Manter a posição
de Líder custe o
que custar
Média
Mais tenacidade
Manter a posição
e seguir o
desenvolvimento
Rendibilizar
Rendibilizar
Retirada Selectiva
prudentemente
Baixa
Duplicar o nível
da posição ou
abandonar
Retirada
progressiva e
selectiva
Desinvestimento
Baixa
Média
Alta
ATRACTIVIDADE DO SECTOR
Figura 12: O modelo McKinsey/General Electric: a estratégia recomendada para os
diversos produtos35
A diferença fundamental deste modelo face ao anterior não está na
estratégia recomendada para cada situação, mas sim na forma de posicionar
os produtos em cada quadrante.
35
in CARDOSO, Luís, op. cit., (p.122).
81
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Por sua vez, o modelo de Arthur D. Little relaciona o ciclo de vida do
sector com a posição competitiva da empresa. Considera assim que cada
negócio (entendido como indústria ou sector) atravessa quatro etapas:
• Fase de emergência - novas necessidades, inovações tecnológicas,
alterações de custos ou de outras variáveis económicas ou sociológicas dão
origem ao aparecimento do negócio;
• Fase de crescimento - o sector cresce intensamente, por norma pela
exploração de tecnologias de ponta em capital intensivo (nesta fase o sector
é denominado estratégico);
• Fase de maturidade - a dimensão global do mercado é, agora, elevada e a
tecnologia relativamente estável; os fluxos financeiros são elevados e o
sector toma agora a designação de básico;
• Fase de declínio - em resultado de novas alterações nas preferências dos
consumidores ou do surgimento de substitutos, a procura reduz-se e a
rendibilidade vai também diminuindo.
Em cada uma destas fases do ciclo de vida do sector a empresa pode
assumir diversas posições competitivas: dominantes, forte, favorável,
desfavorável e marginal. A matriz resultante é a seguinte:
82
A Teoria da Gestão e a Complexidade
CICLO DE VIDA DA INDÚSTRIA OU SECTOR
EMERGENTE
DOMINANTE
SITUAÇÃO
FORTE
FINANCEIRA
EM
CRESCIMENTO
MADURA
EM DECLÍNIO
III
I
Forte
Forte
Forte
Forte
rendibilidade
rendibilidade
rendibilidade
rendibilidade
Fraca
Necessidade
forte de
autofinancia-
necessidade de
forte excedente
investimento =
mento
investimento =
de liquidez
OU
POSIÇÃO
FAVORÁVEL
COMPETITIVA
DESFAVORÁVEL
DA
EMPRESA
MARGINAL
II
IV
Fraca
Fraca
Fraca
Fraca
rendibilidade
rendibilidade
rendibilidade
rendibilidade
Forte
Forte
Fraca
Fraca
necessidade de
necessidade de
necessidade de
necessidade de
investimento
investimento
investimento
investimento
Forte défice de
Forte défice de
Défice de
Défice de
activos
activos
activos
activos
circulantes
circulantes
circulantes
circulantes
Figura 13: Matriz estratégica orgânica - Situação financeira e estratégica36
Da análise deste quadro resulta que a liquidez é tanto maior quanto
mais dominante for a posição da empresa no negócio e quanto mais maduro
estiver o produto .
36
in CARDOSO, Luís, op. cit., (p.126).
83
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Por último, é de referir o Projecto PIMS (Profit Impact of Marketing
Strategies). Foi lançado em 1960 pela General Electric e alargado, já na década
de 70, à Harvard School e ao Marketing Science Institute. O Strategic
Planning Institute foi criado em 1975 para o gerir, contando com a associação
de um vasto conjunto de empresas, sobretudo norte-americanas.
Este modelo utiliza 37 variáveis (entre as quais a quota de mercado, a
posição do produto no seu ciclo de vida, a taxa de crescimento do sector e a
intensidade do investimento) para explicar as variações da rendibilidade e
dos fluxos financeiros. Procura assim demonstrar que, em diferentes sectores,
se podem identificar tendências semelhantes. Desta forma, permite a
realização de projecções informáticas de estratégias alternativas, como
auxiliar na tomada de decisão.
Todos estes modelos surgiram em contextos determinados, que
influenciaram as suas próprias conclusões. O seu papel de auxiliares na
tomada de decisão foi enquadrado num processo ordenado e formalizado de
formulação estratégica: o planeamento estratégico.
84
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Implantação e controlo da estratégia
Após o processo de escolha estratégica chega o momento de tornar
operacional a estratégia formulada. Para isso, há duas dimensões a
considerar: a implantação organizacional (relacionada com a estrutura da
organização) e a implantação comportamental (cujo sucesso é determinado
pela capacidade de liderar e motivar os sujeitos que executarão a estratégia
definida).
A relação entre estratégia e estrutura deve estabelecer-se em ambos os
sentidos: a estrutura deve adequar-se à estratégia pretendida, mas também
deve ser considerada no processo de formulação estratégica. Os principais
problemas surgem, geralmente, como resultado da dificuldade de alterar a
estrutura organizacional para a adequar à estratégia pretendida. Desta forma,
a estrutura, pela sua rigidez, pode revelar-se um importante obstáculo para a
mudança organizacional.
Cada organização tem uma estrutura com características próprias e
distintivas. Contudo, para facilidade de análise, as estruturas organizacionais
podem-se tipificar em:
• estrutura informal;
• estrutura formal;
• estrutura divisionalizada;
85
A Teoria da Gestão e a Complexidade
• unidades estratégicas de negócios;
• organização por projecto;
• estrutural matricial e
• organização em rede.
A estrutura informal corresponde à fase de arranque de uma
organização. É uma estrutura muito centralizada, com poucos trabalhadores,
sem uma atribuição clara de responsabilidades e onde a relação de trabalho
se estabelece informalmente.
Em resultado do crescimento da organização, a estrutura informal é
geralmente substituída pela estrutura funcional, na qual o trabalho é dividido
em departamentos funcionais, com responsáveis definidos. A decisão
continua a ser centralizada e a gestão personalizada, mas a responsabilidade
é assumida com clareza e, dentro de cada função, as actividades são
facilmente coordenáveis. No entanto, a estrutura funcional não facilita a
avaliação dos gestores, já que os resultados da organização dependem
simultaneamente dos vários departamentos.
A estrutura divisionalizada surge para responder ao crescimento
concêntrico ou relacionado dos produtos ou mercados da organização e
substitui os departamentos funcionais por divisões segmentadas por critérios
geográficos, por produtos ou por tipo de cliente. Dentro de cada divisão é
86
A Teoria da Gestão e a Complexidade
usual surgirem departamentos funcionais, sem prejuízo de, por norma, se
criarem órgãos centrais funcionais, de assessoria ou com poder hierárquico,
com o objectivo de assegurarem a uniformidade de procedimentos e a
coerência das decisões na organização. A estrutura divisionalizada tem como
principais vantagens permitir uma melhor avaliação dos gestores, aumentar a
agressividade comercial no domínio de cada divisão e poder conduzir a uma
maior motivação ou a algumas reduções de custos, de acordo com o critério
de segmentação. As desvantagens deste tipo de estrutura encontram-se,
essencialmente, no aumento de custos (pelo aumento do número de gestores
ou pela duplicação de serviços funcionais) e na dificuldade de controlo das
decisões.
A estrutura por unidades estratégicas de negócio resulta da
autonomização formal das divisões por negócios ou área geográfica. Cada
unidade estratégica tem um gestor, que responde pelos seus resultados e que
a gere como se se tratasse de uma empresa independente. Este tipo de
estrutura procura obter em grandes empresas as vantagens das pequenas
empresas com grande flexibilidade e coesão.
Em organizações cujos produtos são particularmente voláteis, com
ciclos de vida curtos, pode ser adoptada uma estrutura por projecto, criandose um grupo para cada projecto ou produto, que se dissolve com a conclusão
do projecto. Este tipo de estrutura tem o aspecto muito positivo de fazer
87
A Teoria da Gestão e a Complexidade
depender a estrutura do negócio da empresa e não das pessoas, mas tem um
âmbito de aplicação reduzido.
A estrutura matricial resulta da combinação das estrutura funcional
com a estrutura divisionalizada, procurando conciliar a eficiência da primeira
com a eficácia da segunda. Neste tipo de estrutura, dependem do
administração (ou do director-geral) os directores de pessoal, financeiro, de
produção e de marketing, enquanto deste último dependem gestores de
produto que estão, simultaneamente, na dependência dos restantes
directores. É uma estrutura mais complexa, que depende de forma sensível
da capacidade de articulação dos seus protagonistas concretos.
Por último, a estrutura em rede traduz uma tendência para o
desaparecimento da lógica hierárquica tradicional. Corresponde a pequenos
núcleos organizacionais que recorrem ao exterior para assegurar a maior
parte dos serviços e que, através de um sistema de informação adequado,
respondem às necessidades dos seus clientes, com grande flexibilidade e
capacidade de adaptação. Este tipo de estrutura é, por isso, especialmente
adequado a mercados ou produtos em rápida mutação.
Nenhuma destas estruturas é a ideal. Cada uma delas se adequa a um
contexto ou a um momento específico da evolução de cada organização. No
entanto, é relevante constatar que quanto mais dinâmico for o contexto, mais
importante é a coordenação e a descentralização.
88
A Teoria da Gestão e a Complexidade
O controlo dos resultados da gestão estratégica deve permitir avaliar o
desempenho da organização e funcionar como input no próximo processo de
formulação estratégica. O processo de avaliação e controlo deve, por isso,
começar com a definição do que se vai medir e o estabelecimento das metas,
dos padrões e dos limites de tolerância para os eventuais desvios. Em
seguida, é necessário medir os resultados, o que implica a construção de um
sistema adequado de controlo de gestão, organizado em centros de
responsabilidade, após o que estes se podem comparar com as metas e
padrões, desencadeando um processo de correcção.
89
A Teoria da Gestão e a Complexidade
2. A necessidade de um novo quadro mental
Para lidar com a enorme quantidade de informação com que é
constantemente bombardeado, o cérebro humano recorre a modelos mentais,
seleccionando
e
simplificando
a
informação
em
padrões
causais
reconhecíveis. São estes modelos que depois utiliza para enquadrar a nova
informação que recebe e para determinar as suas reacções37.
É assim que as nossas escolhas e acções dependem daquilo que
aprendemos, pelo que quanto mais adequados à realidade estiverem os
nossos modelos mentais, mais eficazes serão as nossas acções. É por isso que a
abordagem largamente aceite para a gestão estratégica deve ser substituída:
porque constrói um modelo mental que não corresponde à realidade.
Os actuais modelos de gestão estratégica assentam, como vimos no
capítulo anterior, em visões e valores partilhados, num processo de
planeamento formalizado e num controlo correctivo intermitente. Estas bases
partem do modelo mental tradicional do funcionamento de uma empresa: um
sistema aberto, mas em que se podem observar as relações directas entre
causas e efeito, para o qual o êxito será encontrado no equilíbrio estável, com
harmonia interna e uma adaptação perfeita ao meio. Pressupõe-se assim que
37
MARQUANT, J. Anatomy and Change. Harvester Wheatsheaft, 1989; in STACEY, Ralph. A
Fronteira do Caos. Bertrand, 1995, (p.26 e seguintes).
90
A Teoria da Gestão e a Complexidade
as previsões do futuro não só são possíveis como devem estar na base de um
processo reactivo ou pró-activo de adaptação.
É aqui que se situa, precisamente, a falha de toda esta construção
teórica. Este modelo ignora a dinâmica de feedback que faz com que pequenas
causas originem grandes efeitos, ignora que a turbulência torna o futuro, por
definição, incognoscível e impossível de antecipar e não aceita que cada
empresa, como actor organizacional, pode determinar e influenciar as
características do próprio meio. A abordagem convencional da gestão
estratégica não considera, por isso, a importância da aprendizagem complexa
e insiste na definição de planos que, passado muito pouco tempo, se
encontram desactualizados e não são executados.
Uma vez que a natureza do cérebro humano faz com que seja
impossível agir sem que se tenha presente um modelo mental, importa que
este modelo retenha as características fundamentais da realidade. É por isso
que é necessário um novo quadro mental para a gestão estratégica, porque
mudando os modelos muda-se, indirecta mas profundamente, todo o padrão
de acções.
As antevisões do estado futuro da empresa, a Visão ou Missão
estratégica, tendem a ser mais prejudiciais do que benéficas. Apesar dos
exemplos que são frequentemente citados na literatura de gestão (como a
91
A Teoria da Gestão e a Complexidade
missão da Microsoft de "colocar um computador em cada lar, cada
secretária") parecem ser mais numerosos os casos em que uma "visão"
enganadora se revelou uma miragem, tendo a empresa persistido num
caminho errado, por vezes à custa da própria sobrevivência.
Por outro lado, as missões ou visões expressam apenas, na maior parte
dos casos, condições básicas de sobrevivência empresarial (do tipo "servir os
nossos clientes" ou "prestar o melhor serviço possível") ou então limitam-se a
enunciar aspirações comuns, à partida, a todas as organizações económicas
(por exemplo "liderar o mercado", "prestar o melhor serviço" ou "ter a maior
rendibilidade"). Em qualquer destas situações, partir de uma ideia
pré-concebida do futuro não propicia que se aproveitem as oportunidades
que surjam, nem sugere que a orientação estratégica se ajuste às alterações da
realidade. Partir de visões para construir a estratégia é assim definir o
caminho antes de se conhecer o mapa.
A coesão interna e a partilha de valores são também considerados
fundamentais pela abordagem convencional da gestão estratégica. Contudo,
não é pela unanimidade e homogeneidade que se obtém a necessária
criatividade para agir no actual contexto empresarial. Estes valores
contribuem para uma cultura de empresa conservadora, criando resistências
ao surgimento e, sobretudo, à aceitação de ideias novas.
92
A Teoria da Gestão e a Complexidade
O planeamento estratégico surgiu associado ao maior período de
crescimento contínuo deste século, em meados dos anos 60. A mudança que
as empresas enfrentavam na altura tinha, por isso, características de mudança
quase fechada, o que fazia com que a projecção do comportamento passado
numa previsão do futuro fosse, em princípio, útil.
O planeamento estratégico tem em comum com a Organização
Científica do Trabalho de Taylor uma separação entre a decisão e a execução,
a teoria e a prática. O planeamento procurou assim formalizar o processo
intelectual de criar estratégia. O seu objectivo é que os planeadores formulem
as melhores estratégias e os planos detalhados para as executar. Se os
resultados não corresponderem ao pretendido, haverá sempre duas razões
perfeitas (para os planeadores): ou os planos foram executados de forma
deficiente ou os gestores de topo não os apoiaram devidamente. O problema,
contudo, é mais profundo.
A
estratégia,
como
já
foi
definida
neste
trabalho,
resulta
essencialmente da síntese de inúmeras variáveis e tendências, para a qual são
fundamentais a intuição e a criatividade. O planeamento é um processo
analítico, sendo por natureza incapaz de produzir um resultado de síntese. O
planeamento estratégico não pode ser, por isso, confundido com pensamento
estratégico.
93
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Na realidade, o processo de planeamento é, com frequência, um
elemento conservador na organização, apesar do seu propósito manifesto de
"facilitar as mudanças". Os planos são construções tão detalhadas que se
tornam frágeis, podendo cair por terra ao mínimo ajustamento. As próprias
características de formalismo do processo tornam-no centralizado e
desincentivam a iniciativa e a criatividade. Em resultado, o planeamento
geralmente limita-se a articular e reorganizar a linha estratégica actual, sem
suscitar grandes mudanças organizacionais e sem criar, na realidade,
estratégia.
Por último, em relação ao processo de planeamento, os seus métodos
de previsão não passam de projecções do passado sobre o futuro, pelo que
são incapazes de levar em conta as descontinuidades e os efeitos da
turbulência sobre a possibilidade de prever o futuro.
O controlo intermitente, a intervalos de tempo determinados e
essencialmente quantitativo, permite verificar e corrigir desvios quantitativos
face ao que tinha sido planeado. É assim apenas um controlo da execução e
não um controlo com resultados na estratégia da organização.
94
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Apesar de os próprios gestores não seguirem o modelo formalizado
que eles próprios preconizam38, há uma enorme resistência a mudar o quadro
mental e a ilusão de segurança e estabilidade que o planeamento implica.
Aceitar que o futuro é desconhecido e, sobretudo, imprevisível, podendo a
sobrevivência da empresa depender de cada pequena acção, é, para dizer o
mínimo, motivo de ansiedade para a maior parte dos gestores. Será assim
para diminuir essa ansiedade que se insiste num modelo que não está,
comprovadamente, adequado à realidade?
38
ver STACEY, Ralph. A Gestão do Caos. Dom Quixote, 1994, (p.23 e seguintes).
95
A Teoria da Gestão e a Complexidade
3. Da emergência da estratégia a uma nova pilotagem das
organizações
Considerar a empresa como um sistema dinâmico não linear altera,
como já vimos, o quadro mental em que esta deve ser entendida. Desta
alteração devem resultar consequências práticas na utilização que os gestores
fazem do seu poder dentro da organização.
Em primeiro lugar, o longo prazo tem que ser encarado com a maior
atenção, mas não através de planos ou confiando em visões. Um futuro
desconhecido e (o que é mais importante) impossível de conhecer é
construído a cada momento. Sendo assim, a empresa confrontar-se-á
permanentemente com questões com potencial estratégico, ou seja, que podem
vir a contribuir para a construção do seu futuro. Este potencial estratégico
pode não ser aparente, pois, como já vimos, pequenas causas podem provocar
grandes efeitos. Por isso, é necessária grande atenção e constante reavaliação
para detectar o maior número de questões com esta importância.
A criação de uma saudável cultura de empresa não pode degenerar na
constituição de uma legião acrítica de fanáticos. A heterogeneidade é a chave
da criatividade e uma organização que saiba aproveitar as diferenças de
opinião e de valores entre os seus elementos para explorar novas ideias e
inovar estará um passo à frente das suas concorrentes.
96
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Por último, é preciso que a empresa saiba utilizar, em simultâneo,
diferentes formas de controlo para diferentes situações. O controlo
operacional de curto prazo, baseado em processos de planificação, deverá,
naturalmente, continuar a assegurar a gestão corrente da empresa. A
inovação deverá ser introduzida no controlo das questões com potencial
estratégico, onde é necessário o desenvolvimento de novos modelos.
A formação da estratégica como um processo emergente
A mudança com que uma organização se confronta pode variar desde
a mudança fechada, na qual as consequências são conhecidas, até à mudança
aberta, cujo desfecho é incognoscível. Se na primeira situação era possível
definir a priori uma intenção e executá-la, próximos do outro extremo não faz
sentido definir orientações, pois a estratégia vai ser construída ao longo do
percurso. No primeiro caso falava-se em formulação da estratégia, no segundo
é mais correcto referir-se um processo de formação da estratégia.
A estratégia forma-se como o padrão que emerge de um conjunto de
acções isoladas, que se reforçaram ou anularam, e que só é verdadeiramente
visível retrospectivamente. É assim através de um processo de construção que
a estratégia surge.
97
A Teoria da Gestão e a Complexidade
O controlo tradicional baseia-se na definição prévia da intenção,
incidindo sobre a sua concretização. Não existindo esta definição, as
preocupações-chave da gestão devem ser criar condições para gerar
criatividade
e
inovação
e
encontrar
novas
formas
de
controlar
estrategicamente a organização.
Aprendizagem complexa e criatividade
Em mudança aberta, face à impossibilidade de prever, os gestores de
uma empresa podem considerar que toda a inovação é um acréscimo de risco,
adoptando uma postura radicalmente conservadora. Esta é a conduta mais
perigosa, pois torna apenas numa questão de tempo saber quando essa
empresa vai ser liquidada por inúmeros concorrentes mais inovadores. Por
outro lado, o raciocínio contrário de que para maximizar a inovação se devem
permitir todas as experiências pode redundar numa anarquia auto-destrutiva.
Resta então à empresa um estreito caminho, entre estes dois precipícios, no
qual se deve equilibrar, aprendendo com os erros e inovando tanto quanto
possível, sem comprometer a sua integridade.
A forma mais promissora de criar condições para que a criatividade
possa surgir é através de um processo de aprendizagem de grupo, sem
limitações formais ou de estrutura. Contudo, para evitar que a organização
98
A Teoria da Gestão e a Complexidade
caia na anarquia destrutiva, a estrutura hierárquica deve constituir um
referencial de distribuição de poder regulador. Uma forma de compatibilizar
esta estrutura com a aprendizagem de grupo é pela constituição de equipas
heterogéneas para explorar novas perspectivas sobre problemas ambíguos de
potencial estratégico.
Estas equipas devem reunir pessoas de diferentes áreas e níveis
hierárquicos, de forma a garantir uma tensão criadora resultante da troca de
pontos de vista diferentes, para a qual é fundamental assegurar uma total
liberdade de expressão. Competirá aos gestores, pelo seu comportamento e
pela forma como utilizam o seu poder, criar as condições para que eles
próprios e os seus colegas possam aprender em grupo sobre a mudança
aberta.
Esta aprendizagem de grupo deve ser incentivada e aperfeiçoada, de
forma a que a empresa esteja preparada para desenvolver novos modelos
mentais para as novas situações com que se defronte. No entanto, é
fundamental ter presente que não se pode forçar o surgimento de uma ideia
criativa. O que pode ser feito é aumentar as probabilidades de que isso
aconteça.
Face à mudança aberta, a capacidade de aprendizagem complexa em
grupo é fundamental e depende dela a escolha estratégica inovadora e
criativa.
99
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Novas formas de controlo e pilotagem das organizações
Ao lidar em simultâneo com um leque de diferentes níveis de
mudança (desde a mudança fechada até à aberta) a empresa deve saber
aplicar, simultaneamente, sistemas de controlo diferenciados. Para as
consequências a curto prazo da mudança fechada, já vimos que o sistema
convencional de controlo de gestão se adequa perfeitamente, devendo a
empresa utilizar o planeamento e a análise de desvios. É para enfrentar a
mudança aberta que é necessário o desenvolvimento de novos modelos de
controlo, que consigam direccionar a dinâmica criativa da empresa no sentido
do êxito.
Não é demais repetir que em gestão não há receitas. Na gestão em
mudança aberta menos se poderia aceitar a prescrição de modelos ou técnicas
concretas. Ter presentes estes pressupostos é importante para enquadrar o
que se segue como meras sugestões ilustrativas das possibilidades que a
gestão em complexidade oferece.
O controlo em mudança aberta deve ser concebido como um processo
contínuo e qualitativo, por oposição ao controlo periódico e quantitativo
inerente à gestão estratégica tradicional. Este novo tipo de controlo deve
100
A Teoria da Gestão e a Complexidade
incidir sobre o processo de formação da estratégia e não sobre o resultado
desse processo. Deve, por isso, agir sobre os mecanismos de tomada de
decisão e sobre o desenvolvimento da capacidade de aprender.
A capacidade fundamental da gestão deverá ser detectar e dar atenção
às questões com potencial estratégico que se colocam à empresa. Para isso,
deve ter em atenção a dinâmica de auto-reforço (que faz com que pequenas
causas possam ter grandes consequências), que pode "mascarar" o que vai
determinar o futuro da empresa, fazendo-o parecer insignificante.
A chave para este controlo pela atenção pode estar na utilização e
permanente actualização de uma agenda de questões com potencial
estratégico. A construção desta agenda deve estar intimamente ligada ao
processo de aprendizagem complexa e deve orientar a escolha das acções
exploratórias a empreender. A sua importância será tanto maior quanto mais
a empresa, como grupo de pessoas, conseguir aprender da sua actualização e
quanto maior for a atenção que a gestão de topo lhe dedicar.
Para além de depender das agendas estratégicas, as decisões "criativas"
devem também depender de um processo político de decisão. Este processo
pode definir-se de forma tão simples como "uma ideia, para ser posta em
prática, necessita de apoio". Este controlo introduz uma componente de autoregulação no sistema, tornando participada a escolha estratégica e
aproveitando o bom senso colectivo para orientar essa escolha.
101
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Com este enquadramento, torna-se útil sintetizar este modelo de
controlo estratégico dinâmico:
AMBIENTE
ACONTECIMENTOS
MUDANÇA
EXTERNA
MUDANÇA
INTERNA
AVALIAÇÃO
DETECÇÃO,
INTERPRETAÇÃO
E SELECÇÃO
ACÇÕES
(ESCOLHA)
REFORÇAR O
SUCESSO E
ANULAR O
INSUCESSO
AGENDA DE
QUESTÕES COM
POTENCIAL
ESTRATÉGICO
APRENDIZAGEM
ORGANIZACIONAL
COMPLEXA
ORGANIZAÇÃO
Figura 14: Um modelo de controlo estratégico dinâmico
De acordo com este modelo, o controlo estratégico é entendido como
um processo que parte da detecção dos elementos relevantes na mudança
interna e externa (que interagem entre si), seleccionando-os e interpretandoos, de forma a actualizar a agenda de questões com potencial estratégico.
Desta actualização pode resultar o empreendimento de acções, em geral
exploratórias, que provocarão novas mudanças internas (e, eventualmente,
102
A Teoria da Gestão e a Complexidade
externas) e que deverão ser avaliadas, no sentido de reforçar as dinâmicas
positivas e favoráveis à empresa (os ciclos virtuosos) e de procurar anular as
dinâmicas destrutivas (os ciclos viciosos).
Quer com a interpretação da mudança interna e externa, quer com este
processo de tentativa e erro, a organização deverá ser capaz de aprender,
constituindo essa aprendizagem um referencial para a própria construção da
agenda estratégica.
Este é um modelo possível para a pilotagem de organizações longe do
equilíbrio. Não se procura aqui uma harmonia interna e uma adaptação
perfeita, mas sim uma dinâmica constante de criação e aprendizagem, que
leve os gestores a desenvolver novos modelos para lidar com cada nova
situação.
É
na
capacidade
de
inovação
constante
que
se
joga,
verdadeiramente, o futuro e a sobrevivência de cada empresa. Ignorar este
desafio é o caminho mais seguro... Para a própria destruição.
103
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Conclusões
A sociedade moderna caracteriza-se por uma abundância de
informação, associada à sua globalização, num quadro de mudança
permanente, imprevisível e turbulenta. São tempos loucos, que fazem novas
exigências às organizações e as confrontam com novos desafios.
O conhecimento científico também está a sofrer uma alteração
profunda, com a progressiva substituição do determinismo clássico por um
paradigma emergente, que tem como arautos a Teoria da Relatividade, a
Mecânica Quântica e, mais recentemente, a chamada Teoria do Caos, uma
nova abordagem científica da complexidade em sistemas dinâmicos.
A gestão enquadra a sua prática interveniente num referencial teórico
que tem vindo a ser desenvolvido ao longo deste século, adaptando-se
continuamente de forma a responder às principais preocupações dos gestores
104
A Teoria da Gestão e a Complexidade
em cada momento. Hoje em dia, a questão que mais inquietação desperta nos
gestores é a mudança e o seu impacto organizacional
As empresas são sistemas abertos, em interacção permanente com meio
onde se inserem. Este conceito foi introduzido pela abordagem sistémica da
gestão de empresas, e é hoje aceite pacificamente. A novidade é a noção de
que nessa interacção os sistemas-empresa apresentam um comportamento
dinâmico, quer no seu interior, quer na relação com o meio, estabelecendo-se
ciclos auto-reforçados, que fazem com que pequenas causas originem efeitos
mais do que proporcionais e seja impossível a previsão ou antecipação do
futuro.
A empresa, como sistema, enquadra-se assim no objecto da nova
abordagem científica da complexidade, podendo ser qualificada como
sistema dinâmico não linear. O seu comportamento corresponde às principais
características destes sistemas: é impossível de prever e está sujeito a ciclos
auto-reforçados, com dependência sensível de pequenas causas.
As consequências desta alteração no enquadramento do conceito de
empresa fazem-se sentir, em primeiro lugar, no domínio da gestão que lida
com a forma e posicionamento da empresa no longo-prazo: a gestão
estratégica.
A abordagem convencional da gestão estratégica assenta sobre os
conceitos de missão, planeamento e controlo e vê a criação de estratégia como
105
A Teoria da Gestão e a Complexidade
um processo formal e analítico. Está inerente a esta abordagem a convicção de
que o êxito será encontrado na harmonia interna e na adaptação perfeita ao
meio. A estratégia resulta da síntese de um conjunto vasto de tendências e
acções, pelo que um processo analítico como o planeamento parece
inadequado para a sua criação. Por outro lado, o carácter formal e detalhado
da sua formulação desencoraja a verdadeira mudança organizacional.
Os modelos mentais estão na base da nossa compreensão da realidade
e determinam o padrão das nossas acções. Assim, mudando o quadro mental
alterar-se-á, necessariamente, a forma como se intervém sobre a realidade. É
desta mudança de quadro mental que deverá partir o principal impacto da
nova abordagem científica da complexidade sobre a gestão de empresas em
geral e a sua gestão estratégica em particular. Se o modelo da empresa como
sistema dinâmico não linear que opera sempre longe do equilíbrio
corresponde melhor à realidade, este será necessariamente mais útil e a sua
adopção aumentará a probabilidade de que as escolhas estratégicas sejam
acertadas.
Este novo modelo implica o abandono da perspectiva actual sobre a
gestão a longo prazo como um processo de planeamento. No entanto, está
longe de sugerir o abandono do longo prazo, implica até que este seja
considerado com maior atenção.
106
A Teoria da Gestão e a Complexidade
A formação da estratégia é, neste quadro, caracterizada como um
processo no qual a orientação estratégica emerge, em resultado de um padrão
de acções e condicionantes que só é visível retrospectivamente. Esta
característica não impede que se identifiquem os factores críticos de sucesso e
se possam sugerir algumas medidas para uma gestão estratégica eficaz em
turbulência.
Neste sentido, a preocupação fundamental da gestão estratégica
deverá ser permitir que as novas orientações estratégicas surjam. Para isso é
necessário criar condições que propiciem a criatividade e a inovação,
utilizando a aprendizagem complexa de grupo como o método fundamental
para que isso aconteça. De forma a aproveitar essa dinâmica organizacional,
os gestores de topo da organização deverão saber aplicar novas formas de
controlo para gerir o longo prazo, centradas na aprendizagem complexa e no
processo político de tomada de decisão (fazendo depender, por exemplo, o
explorar de um novo caminho de negócio do apoio que a ideia obtenha
dentro da organização). Contudo, para enfrentar a mudança fechada do curto
prazo, a empresa deverá manter um sistema de controlo convencional,
quantitativo e que envolva um processo de planeamento, de forma garantir a
gestão corrente e manter a integridade da organização. Assim, uma gestão
eficaz do processo estratégico em turbulência deverá ser capaz de aplicar, em
107
A Teoria da Gestão e a Complexidade
simultâneo, diferentes formas de controlo, em função da natureza da
mudança.
A chave para a coordenação destes processos pode estar na criação de
uma agenda de questões com potencial estratégico, ou seja, que podem
influenciar a orientação estratégica e o futuro da organização. Esta agenda
deve estar em mudança constante, acompanhando a evolução da organização,
e focando o interesse da gestão de topo.
O controlo estratégico dinâmico pode, neste contexto, partir da
detecção, interpretação e selecção dos elementos da mudança interna e
externa, para os traduzir na actualização da agenda de questões com
potencial estratégico e no enriquecimento da aprendizagem complexa da
organização. Da agenda pode resultar a escolha de acções, de forma criativa,
que provocarão mudanças internas (com repercussões eventuais no exterior) e
que deverão ser avaliadas. Com essa avaliação, a empresa deverá aprender e
agir, reforçando os ciclos virtuosos do sucesso e procurando anular os
eventuais ciclos viciosos em que tenha caído. Por último, importa salientar a
importância da aprendizagem complexa na detecção de questões com
potencial estratégico e na sua constante actualização.
Como é evidente, esta é uma primeira abordagem, que carece de
aprofundamento e posterior validação. As conclusões são, por isso,
108
A Teoria da Gestão e a Complexidade
necessariamente provisórias e constituem um ponto de partida possível para
uma discussão que se impõe.
109
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Bibliografia:
AA. VV. Strategor. Dom Quixote, 1993
ALMEIDA, Fernandes de, António Serrano, José Ventura e Carlos Zorrinho.
Sistemas de Informação nas Organizações. Universidade de Évora, Évora,
1993
ANDERSON, P. W., K. J. Arrow e D. Pines (editores). The Economy as an
Evolving Complex System. Addison-Wesley, 1988
CARDOSO, Luís. Gestão Estratégica das Organizações. Verbo, 1995
CHAMPY, James e Nitin Hohria. Fast Forward: The Best Ideas on Managing
Business Change. Harvard Business School Press, 1996
CHIAVENATO, Idalberto. Administração de Empresas. McGraw-Hill, 1982
DRUCKER, Peter. A Gestão em tempos de turbulência. Harper & Row, 1980
GATES, Bill. Rumo ao Futuro. McGraw-Hill, 1995
GENELOT, Dominic. Manager dans la complexité. INSEP Éditions, 1992
GLEICK, James. Caos. Gradiva, 1989
GODET, Michel. Manual de Prospectiva Estratégica. Dom Quixote, 1993
GOOLD, M. com J. J. Quinn. Strategic Control: Milestones for long term
performance. Hutchinson, 1990
110
A Teoria da Gestão e a Complexidade
GUIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. Celta Editora, Oeiras,
1992
HANDY, Charles. Beyond Certainty. Hutchinson, 1995
HANDY, Charles. A Era do Paradoxo. CETOP, 1994
HANDY, Charles. A Era da Irracionalidade. CETOP, 1992
KAST, Fremont e James Rosenzweig. Organization & Management. McGrawHill, 1985
LE
MOIGNE,
Jean
Louis.
«La
Théorie
du
Système
d’Information
Organisationnel», in Informatique et Gestion, nºs 101 a 104, Novembro
de 1978 a Março de 1979
MAGALHÃES, José. Roteiro Prático da Internet. Quetzal Editores, Lisboa, 1995
MILLER, D.. The Icarus Paradox: how excelent organizations can bring about their
own downfall. Harper Business, 1990
MINTZBERG, Henry. Mintzberg on Management. The Free Press, 1990
MINTZBERG, Henry, James Brian Quinn e Sumantra Ghoshal. The Strategy
Process. Prentice-Hall, 1995
MINTZBERG, Henry. The Rise and Fall of Strategic Planning. Prentice Hall,
1993
NAISBITT, John. Megatrends Asia. Nicholas Brealey Publishing, 1995
NAISBITT, John. Global Paradox. Avon Books, 1994
NAISBITT, John. Macrotendências. Presença, 1988
111
A Teoria da Gestão e a Complexidade
PASCALE, R. T.. Managing on the edge. Vicking Penguin, 1990
PETERS, Tom. O Seminário de Tom Peters: Tempos loucos pedem organizações
loucas. Bertrand Editora, 1994
PETERS, Tom. Thriving on Chaos. MacMillan, 1985
PORTER, Michael. Competitive Advantage. Nova Iorque, The Free Press, 1985.
RUELLE, David. O Acaso e o Caos. Relógio d’Água, 1994
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. Edições
Afrontamento, Porto, 1991
SENGE, Peter. The Fifth Discipline. Doubleday, 1990
STACEY, Ralph. A Fronteira do Caos. Bertrand, 1995
STACEY, Ralph. A Gestão do Caos. Dom Quixote, 1994
STEWART, Ian. Deus Joga aos Dados?. Gradiva, 1991
TAPSCOTT, Don. Digital Economy. McGraw-Hill, 1996
TAPSCOTT, Don e Art Caston. Paradigm Shift. McGraw-Hill, 1993
TOFFLER, Alvin. A Terceira Vaga. Livros do Brasil, Lisboa, 1984
TOFFLER, Alvin. Os Novos Poderes. Livros do Brasil, Lisboa, 1991
ZORRINHO, Carlos. Gestão da Informação. Presença, 1991
112
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Índice Analítico:
Introdução
6
Mudança social e da Ciência - Enquadramento
9
O paradigma emergente
10
A construção da pós-modernidade e suas consequências
15
18
A Teoria da Gestão
Da Teoria da Organização Científica do Trabalho à Teoria Clássica
20
As teorias humanistas da gestão
26
A abordagem sistémica e contingencial
29
A informação e a pilotagem das organizações
34
38
A dinâmica complexa e a gestão
39
A nova abordagem científica da complexidade
39
Do determinismo clássico aos trabalhos de Poincaré
Da dependência sensível das condições iniciais aos atractores
41
estranhos
A universalidade dentro do Caos
45
A geometria fractal da Natureza
47
A complexidade nos sistemas económicos e empresariais
54
Caos económico
54
A empresa como sistema dinâmico não linear
57
113
A Teoria da Gestão e a Complexidade
Estratégia, complexidade e pilotagem das organizações
62
A abordagem convencional da estratégia empresarial
64
Missão, visão e objectivos
67
Ambiente e diagnóstico interno
68
Alternativas estratégicas e modelos de decisão
72
Implantação e controlo da estratégia
85
A necessidade de um novo quadro mental
90
Da emergência da estratégia a uma nova pilotagem das organizações
96
A formação da estratégia como um processo emergente
97
Aprendizagem complexa e criatividade
98
100
Novas formas de controlo e pilotagem das organizações
Conclusões
104
Bibliografia
110
114
Download

A Teoria da Gestão e a Complexidade