O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM O estudo da cultura para a análise dos meios de comunicação de massa Paulo de Carvalho Fragoso Filho Graduando do 8º período de Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas 24 O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM Resumo Encontra-se dificuldade em definir um caminho de pesquisa para os estudos culturais. Por sua definição ter origem na sociologia, na antropologia e na filosofia, não existe ainda uma proposta de linha de pesquisas para a área de comunicação social. Este artigo procura traçar uma linha de raciocínio para os estudos culturais na comunicação social, desde o início da formação do conceito pela sociologia, passando pela Escola de Frankfurt até a criação da sociedade de consumo. Por fim, o artigo apresenta o papel do comunicador social neste cenário de mudanças culturais. PALAVRAS-CHAVE Sociedade de consumo, Escola de Frankfurt, Cultura, Indústria Cultural, Dicotomia Cultural. Abstract It is difficult to set a search path for cultural studies. Its definition have originated in sociology, anthropology and philosophy, there is also a proposal for a line of research into the area of social communication. This article seeks to draw a line of reasoning to cultural studies in media since the beginning of concept formation in sociology, through the Frankfurt School to the creation of a consumer society. Finally, the article presents the role of social communicator of cultural change in this situation. KEYWORDS Consumer society, Frankfurt School, Culture, Culture Industry, Cultural Dichotomy. 25 O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM Apresentação A cultura é algo inerente aos agrupamentos humanos. Ainda assim, é complexo falar de cultura, já que são várias as áreas da ciência que estudam a esta característica. Por isso, não existe uma única definição de cultura.E, dentro de uma mesma área de estudo, existem correntes de pensamento que possuem definições que se diferem entre si. A comunicação social, por sua vez, não possui um conceito próprio de cultura. Utiliza-se, nos estudos de comunicação, conceitos de diversos autores, de acordo com a própria área de estudo do comunicador social. Existem diversas manifestações relativas às diversas culturas existentes em uma mesma sociedade. E cabe ao comunicador social determinar a estratégia necessária para que possa atuar com eficiência nestas culturas. Conhecendo os conceitos e as ferramentas utilizadas na construção das diferentes culturas, o comunicador social se transforma em um “comunicador de culturas”, construídas das mais diversas formas: tendo origem popular, no folclore; partindo da elite dominante; ou criada pelos meios de comunicação de massa. Em todos os casos, o comunicador social precisa conhecer a forma como a cultura se manifesta nas sociedades para que possa executar o trabalho de codificação, transmissão e recepção de mensagens da forma mais eficiente possível. 26 A construção do conceito de cultura Como definir algo que não é tangível, que não pode ser medido por instrumentos e que pode ser analisada de diversas formas? Diante desta constatação, a própria construção do conceito de cultura torna-se uma tarefa difícil. A natureza é complexa no próprio homem e, mais ainda, no mundo que o cerca, engloba, ameaça e sustenta (RABUSKE, 1995; p. 49). MACEDO ET AL (2008; In: http://meuartigo.brasilescola.com/educacao/cultura-consideracoes-preliminares.htm) afirma que “Cultura pode ser definida de maneira diferenciada de acordo com a ciência que se apropriar do termo”. Uma definição interessante é dada por Edward Taylor¹: Cultura é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade. (TYLOR, 2003; In: http://www.infopedia. pt/$edward-tylor) O conceito de Tylor foi um dos primeiros a serem desenvolvidos para explicar a cultura. Logo, sua definição não apresenta todas as facetas possíveis para uma análise mais completa. Tylor não aborda o fator tempo, que deve ser considerado ao se descrever a cultura, e não relaciona o conhecimento individual com o conhecimento coletivo para a criação da cultura de uma determinada sociedade. Então, podemos considerar o conceito apresentado por Orlando Fedeli²: O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM Alguém definiu cultura, sob o prisma individual, como aquilo que permanece após ter-se esquecido tudo o que se aprendeu. Transplantando tal conceito para o plano coletivo, poderíamos afirmar que cultura é o resíduo, imune à ação do tempo, dos conhecimentos - em sentido amplo - fundamentais dos povos. A cultura de determinada civilização vem a ser, portanto, o conjunto de seus valores e conhecimentos perenes. (FEDELI,2008;In http://www.montfort.org.br/ old/index.php?secao=veritas&subsecao=arte&a rtigo=cultura&lang=bra) Para Fedeli, o conceito de cultura é uma característica perene das sociedades humanas, que resiste ao tempo e que é transmitido de forma inconsciente, que caracteriza àquela civilização como única por seus valores e conhecimentos. Este elemento temporal da cultura, transmitido entre gerações, é corroborado por Ralph Linton, que afirma que “cultura significa a herança social e total da Humanidade; como termo específico, uma cultura significa determinada variante da herança social” (LINTON, 1943; p. 96). A cultura é uma estrutura. Para Rabuske, ao se constituir o “mundo dos homens³”, os diversos segmentos da cultura não podem ser separados, e a modificação de algum destes fatores influencia os outros. BARTLE (2007; In: http://cec.vcn. bc.ca/mpfc/modules/per-culp.htm) afirma que a cultura pode ser dividida em seis dimensões, que se inter-relacionam para a criação das crenças e valores que serão transmitidos. Estas dimensões são Crença Conceptual, Valor Estético, Social, Política, Econômica e Tecnológica. Todas as dimensões interagem entre si, construindo os elementos que constituem a cultura. Desta forma, “a religião influencia a economia e vice-versa, as ciências e as artes interagem, há uma interdependência entre organização familiar e sistema de produção de bens e serviços”(RABUSKE, 1995; p. 30). Considerando que a cultura caracteriza-se como o modo de vida de um agrupamento humano, pode-se afirmar que existe uma pluralidade de culturas. Em princípio, há tantas culturas quantos são os povos. Um fenômeno contrário também é observado na sociedade contemporânea: a criação de múltiplas subculturas, desenvolvidas para atender a nichos sociais bem estabelecidos. O fenômeno contrário também é observado na sociedade contemporânea: a criação de múltiplas subculturas, desenvolvidas para atender a nichos sociais bem estabelecidos. BARTLE (2007;Op. Cit.) afirma que as subculturas são um subconjunto de uma comunidade com variações face à comunidade maior, que tem um conjunto de variáveis em todas as seis dimensões. Segundo ele,“o conceito [de subcultura] implica um subconjunto de valores ou crenças, enquanto que as variações do subconjunto (subcultura) podem estar em qualquer das seis dimensões culturais”. A linha dos estudos culturais de comunicação Considerando o conceito de cultura descrito por Fedeli, torna-se tarefa árdua separar os conceitos existentes para que se possa analisar melhor a influência mútua entre cultura e os meios de comunicação de massa. Com o objetivo de resolver esta 27 O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM questão, apresenta-se o diagrama abaixo, que traça uma linha evolutiva dos estudos culturais na comunicação. Figura 1 - Esquema de descrição de evolução de estudos culturais. Desenvolvido pelo autor baseado nos trabalhos de LARAIA (2006); KROEBER (1949); BOURDIEU (1974); FEDELI (2008); COSTA et al (2005); TOMAZI (2000); BARBOSA (2010). 28 O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM O conceito de dicotomia cultural se refere àdiferença entre culturas. Portanto, pode ser utilizada para descrever qualquer divergência cultural. Neste artigo, comparam-se osseguintes conceitos-base: “cultura de elite” e “cultura popular”. A diferença existente entre a cultura da elite e a cultura popular é analisada por diversos autores. BIZZOCHI (1999) afirma que A história cultural tem sido marcada desde sempre por essa divisão entre a cultura da elite, considerada, aliás, por muito tempo como a única forma possível de cultura, e a cultura do povo, na verdade vista pela aristocracia dominante como a não-cultura, isto é, como a ausência completa de civilização. (BIZZOCHI, 1999;In: http://www. aldobizzocchi.com.br/artigo14.asp) A cultura de elite está ligada ao posicionamento privilegiado de alguns membros de uma sociedade. MACEDO APUD CHAUÍ (2008; Op. Cit.) ressalta que “a elite está no poder, acredita-se, não só porque detém a propriedade dos meios de produção e o aparelho do Estado, mas porque tem competência para detê-los, isto é, detém o saber”. É uma cultura que existe por ela mesma, e nela encontra os atributos necessários para sua sobrevivência. A cultura de elite não é viável a uma maioria, e sim a uma pequena classe social, que possui condições para investir nesses meios de produção e obter o conhecimento, estando subordinada ao capital que esta elite possui como fator viabilizante desta cultura.Por sua vez, a comunicação desta cultura exige o conhecimento prévio de ambas as partes, fazendo da linguagem um elemento “isolador” de membros desta cultura. A cultura popular tem suas raízes nas tradições, nos princípios, nos costumes, no modo de ser daquele povo. Desta forma, cada povo produz, por exemplo, uma arte peculiar, reflexo de suas específicas qualidades, necessariamente diversa das artes de outros povos. MACEDO (2008;Op. Cit.), afirma que “a cultura do povo é na verdade tudo que o caracteriza e o une. Sua tradição, suas danças, músicas e tudo o mais que faz parte da sua vida”. Até a primeira metade do século XVII, havia participação das elites nas festas de rua, juntamente com as pessoas menos favorecidas. Isso significou que, ao longo dos anos, a revolução científica fez com que os costumes se transformassem e fosse criada uma imensa distância entre as classes. A cultura popular teve sua importância retomada a partir do Século XIX. Neste processo, a Igreja Católica teve participação fundamental. Segundo SANTOS e SANTIAGO, A causa das transformações ocorridas na cultura popular foi o fato de as reformas religiosas empreenderem um esforço de reformulação da religiosidade popular na Europa com o objetivo de adaptar seus caprichos e aparências, ainda no século XVI. (SANTOS, SANTIAGO, 2010; In: http://www. biuvicente.com/professor/?p=408) A cultura popular possui estrutura rígida e conhecida pelos seus portadores. Considerada como “cultura do povo”, a cultura popular se baseia no folclore, nas tradições e nos costumes daquela população, existindo de maneira diferente à cultura de elite. A cultura popular é conservadora e inovadora ao mesmo tempo no sentido 29 O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM em que é ligada à tradição, mas incorpora novos elementos culturais. Muitas vezes a incorporação de elementos modernos pela cultura popular, a transformação de algumas festas tradicionais em espetáculos para turistas ou a comercialização de produtos da arte popular são, na verdade, modos de preservar a cultura popular a qualquer custo e de seus produtores terem um alcance maior do que o pequeno grupo de que fazem parte. A maior questão apresentada por esta dicotomia de conceitos está no conflito entre estas duas definições. Segundo BARTLE (2007; Op. Cit.), este conflito cultural é causado por conflitos entre as dimensões da cultura. Para ele, “todas as seis dimensões culturais têm formas incompatíveis de funcionar, e essas podem ser a base do conflito cultural, onde duas ou mais comunidades diferem e tentam ocupar o mesmo espaço ou território”. Esse espaço pode ser físico ou pertencer a uma dimensão cultural. O produtor de cultura popular e o de cultura erudita podem ter a mesma sofisticação, mas na sociedade não possuem o mesmo status social - a cultura erudita é a que é legitimada e transmitida pelas escolas e outras instituições. MACEDO (2008; Op. Cit.) afirma que “o problema começa quando a elite, para que sua cultura se sobressaia, deprecia a do povo”. Para ela, uma cultura não anula a outra, e ambas podem coexistir, sem que a outra precise desaparecer. No Século XXI, o principal elemento unificador desta dicotomia é a cultura de massa. Segundo SANTOS e SANTIAGO, Podemos analisar a cultura de massas como um ponto de interseção entre a cultura erudita e a cultura popular porque os elementos próprios da cultura de massas são consumidos tanto por setores mais ex- 30 cluídos da sociedade quanto por elites. (SANTOS e SANTIAGO, 2010; In: Op. Cit.). A Escola de Frankfurt O termo “Escola de Frankfurt” se refere às teorias desenvolvidas pelos membros doInstituto de Pesquisa Social de Frankfurt4. Fundado e financiado por Felix Weil no auditório da Universidade de Frankfurt em 1924, o Instituto foi liderado por Max Horkheimer e teve como principais nomes os filósofos Hebert Marcuse, Jürgen Habermas e Theodor Adorno, o ensaísta Walter Benjamim e o psicólogo Erich Fromm. Os estudos desenvolvidos se baseiam na teoria crítica criada por Horkheimer. Publicada em 1937, a teoria crítica pode ser definida como uma autoconsciência social crítica que é objetivada na mudança e na emancipação através do esclarecimento, e não se liga dogmaticamente aos seus próprios pressupostos doutrinais. Horkheimer afirma que Os fatos que os nossos sentidos apresentam para nós são socialmente efetuados de duas maneiras: através do caráter histórico do objeto percebido e através do caráter histórico do órgão que percebe. Ambos não são simplesmente naturais; eles são moldados por atividade humana, e também pelas percepções individuais deles mesmos como receptivos e passivos no ato da percepção. (COSTA etAL APUD HORKHEIMER. 2003; In: http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_revistas/211.pdf) A teoria crítica tinha como principal objetivo combinar pensamento prático e O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM normativo para que possa “explicar o que está errado com a realidade social corrente, identificar atores para mudá-la e fornecer normas claras para o criticismo e finalidades práticas para o futuro.” (AVRITZER, ET AL APUD BOHMAN, 2004; p. 713) Uma das teorias desenvolvidas seguindo esta linha de pensamentos foi o conceito de “cultura de massa”: total de ideias, perspectivas, atitudes, memes5, imagens e outros fenômenos que são julgados como preferidos por um consenso informal, contendo o mainstream6 de uma dada cultura, especialmente a cultura ocidental do começo da metade do século XX e o emergente mainstream global do final do século XX e começo do século XXI. Fortemente influenciada pela mídia de massa, essa coleção de ideias permeia o cotidiano da sociedade. Por isso, costuma ser mais volátil, evoluindo e se atualizando com maior agilidade. Uma de suas características é a presença dos Meios de Comunicação de Massa (MCM). Esta presença faz a transmissão de valores acontecer de maneira mais ágil, permitindo a rápida atualização dos valores e conhecimentos desta sociedade. Edgar Morin considera o fenômeno da cultura de massa como uma manifestação específica da sociedade moderna, esta vista como essencialmente policultural. Para ele, “a cultura de massa alimenta-se dos sistemas simbólicos já existentes, possuindo um caráter profundamente integrador” (SETTON APUD MORIN, p. 31). Logo, seguindo esta ideia,os valores e referenciais das culturas locais, religiosas e étnicas são sempre reutilizados por ela, que apenas ordena e propõe uma forma de apropriação. Diferente das culturas popular e de elite, a cultura de massa é produzida para alimentar uma suposta necessidade de consumo de cultura pela grande população. Apesar de esta necessidade ser verdadeira, a forma como a cultura é produzida, e como seus valores são transmitidos,são o que fazem desse conceito uma peça chave para as pesquisas sobre os MCM. A precificação da cultura Para que a cultura seja produzida e consumida de maneira comercial,é necessária a construção de uma estrutura que possa cumprir com essa demanda. Esta estrutura é conceituada, inicialmente pelos teóricos da Escola de Frankfurt, como “Indústria Cultural”. O conceito é apresentado, inicialmente, por Adorno. A indústria cultural pode ser definida como o conjunto de meios de comunicação como, o cinema, o rádio, a televisão, os jornais e as revistas, que formam um sistema poderoso para gerar lucros e por serem mais acessíveis às massas, exercem um tipo de manipulação e controle social, ou seja, ela não só edifica a mercantilização da cultura, como também é legitimada pela demanda desses produtos. (COSTA etAL APUD HORKHEIMER. 2003; Op. Cit.) Outros filósofos complementam o conceito apresentado pela Escola de Frankfurt. Um exemplo pode ser dado por Edgar Morin (2001). Para ele, O sistema da indústria cultural, por estar submisso a uma demanda externa (subordinados aos detentores dos instrumentos 31 O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM de produção e difusão), obedece aos imperativos da concorrência pela conquista de mercado, ao passo que a estrutura de seu produto decorre das condições econômicas e sociais de sua produção. (SETTON APUD MORIN,2001; Op. Cit.) Morin afirma que os produtos da indústria cultural obedecem às regras de mercado, inclusive às regras de concorrência. Estes produtos do sistema da indústria cultural, designados como “cultura média” ou “arte média”, são destinados a um público muitas vezes qualificado de “médio”. É lícito falar de cultura média para designar os produtos do sistema da indústria cultural pelo fato de que estas obras produzidas para o sua público encontram-se inteiramente definidas por ele. Podem-se perceber duas particularidades encontradas em relação à “cultura legítima7”. O primeiro é nítido: a transformação da cultura em investimento. Logo, apenas investimentos rentáveis devem ser patrocinados, já que precisam propiciar algum tipo de retorno (seja ele financeiro, de mídia, imagem, relacionamento ou outro). Com isso, elementos de cultura popular ou de elite acabam segregados à categoria de cultura de nicho. Primeiro, temos que entender por que o formato de indústria cultural funciona. Para que o mecanismo de qualquer produto comercial funcione, são necessários três elementos: a indústria produtora, a distribuidora e o consumidor, que fecha o ciclo. Desta forma, a construção de um produto cultural precisa seguir o mesmo modelo de produção. O segredo da indústria cultural para possibilitar sua existência está em dar aos 32 produtos culturais o mesmo tratamento dado aos produtos comerciais. Sendo assim, a relação entre os conceitos apresentados, nos produtos culturais, é simples: os produtos de cultura são produzidos e precisam ser enviados ao consumidor de alguma forma. Esse papel logístico passa a ser responsabilidade dos MCM. Cabendo a eles, em conjunto com o próprio produto, vendê-lo da melhor maneira possível. A cultura de massa é algo comercial, precisa ser estudada e antecipada para que seja consumida de maneira simples e rápida, gerando lucro para seu produtor e distribuidor. Da mesma forma como um produto cultural passa por um período de pesquisa e desenvolvimento, a cultura também passa por este processo, onde o produtor analisa o público-alvo, a rentabilidade daquele produto e a tendência de consumo para a época de seu lançamento, da mesma forma como é desenvolvido um produto normal. Considerando o lado capitalista da indústria cultural, chegamos à segunda particularidade observada: a “cultura de consumo”. A cultura de consumo se caracteriza por criar “necessidades” na singularidade dos indivíduos, para que sejam reconhecidos, identificados como integrantes desse ou daquele grupo. O que nos leva a acreditar que o único meio de se construir uma identidade é através do consumo de bens materiais. Se o consumo é menor do que a demanda, a cultura passa a ser utilizada para vender a si mesma. Enquanto uma indústria comum se utiliza de recursos de marketing e propaganda para escoar a produção, a indústria se utiliza de outras ferramentas para aumentar o consumo: sequências, exploração de outros produtos temáticos, en- O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM Figura 2 – Formato clássico de produção. Fonte: DIAS FILHO, Clóvis. Produção, distribuição e consumo dos bens simbólicos: uma reflexão sobre os programas de apoio ao artesanato. Disponível em www.cult.ufba.br/ enecult2009/19543.pdf. tre outros.Isso se torna explícito nos planos de marketing da maior parte das empresas fornecedoras de bens de consumo, nos quais os consumidores em potencial são definidos pelos grupos socioculturais aos quais pertencem. Segundo BAUDRILLARD, A produtividade, enquanto obsessão coletiva consignada nos livros de contas, desempenha antes de mais a função social de mito. Para alimentar semelhante mito, tudo é bom, mesmo a inversão de realidades objetivas, que introduzem a contradição nos números que a sancionam (...) Todas as sociedades desperdiçaram, dilapidaram, gastaram e consumiram sempre além do estritamente necessário, pela simples razão de que é no consumo do excedente e do supérfluo que tanto o individuo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver. (BAUDRILLARD, 2010; p. 38) O consumo exacerbado passa, então, a ser o único motivo da existência dos po- vos e da felicidade. O consumo de produtos passa a ser o assunto discutido nas conversas e o objetivo do produto é suprir às necessidades falsas criadas pela indústria cultural. Por isso, este tipo de sociedade, que se encontra em avançado estado de capitalização e industrialização, é conceituado como “sociedade de consumo”. O conceito atribuído designa uma sociedade característica do mundo desenvolvido, em que a oferta excede geralmente a procura, os produtos são normalizados e os padrões de consumo estão massificados. Este excesso de oferta levou ao desenvolvimento de estratégias de marketing extremamente agressivas e sedutoras e às facilidades de crédito, quer das empresas industriais e de distribuição, quer do sistema financeiro (ELIAS, 2001). BARBOSA (2010, p. 57) diferencia os dois conceitos no quadro apresentado abaixo: 33 O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM Tabela 1 –Sociedade de Consumo X Cultura de Consumo. Fonte: BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. 3ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. O principal problema encontrado neste tipo de sociedade é a sedução do consumidor, que passa a ser iludido pelos MCM a consumir a falsa felicidade distribuída por ela. Pois, para “vender” os produtos culturais, a indústria cultural opera pela sedução do consumidor, isto é, há um nivelamento da produção cultural com vistas ao mercado. Há desse modo, a criação de um produto “médio”, voltado ao gosto público “médio” do senso. O público-alvo dos produtos de indústria cultural é considerado em posição de desvantagem, por essa criação fantasiosa, em relação aos produtores de cultura. Por causa dessa desvantagem, Jean Baudrillard propõe o conceito de “consumerismo”, em oposição ao consumismo. Para ele, O Consumerismo designa um tipo de atitude oposta ao consumismo e que se caracteriza por um consumo racional, controlado e responsável e que tem em contas as consequências econômicas, sociais, culturais e ambientais do próprio ato de consumir. 34 (NUNES, apud BAUDRILLARD, 2008; In: http://www.knoow.net/cienceconempr/ economia/consumerismo.htm.) A diferença entre consumismo e consumerismo é nítida: • Consumismo: Consumo irracional, impulsivo, discriminado, sem olhar as consequências, baseado em valores materiais e na ostentação. • Consumerismo: Consumo racional, controlado, seletivo, baseado em valores sociais e ambientais e no respeito pelas gerações futuras. O consumerismo é uma proposta para que a sociedade possa se manter consciente dentro do cenário de indústria cultural. Baudrillard procura, com o consumerismo, fortalecer a instituição da sociedade consumidora, resistindo aos apelos dos MCM sobre a população a qual influencia. O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM O resultado do consumerismo no Brasil é a construção de instituições que auxiliem o consumidor a filtrar as informações que recebem pelos MCM. Além disso, órgãos que fiscalizam a publicidade acabam desenvolvendo ações pró-consumerismo, já que protegem o consumidor de abusos causados pela publicidade de produtos e serviços comerciais. Conclusão A divergência entre culturas é um dos grandes fatores de conflito. Cada uma possui suas características em cada uma de suas dimensões. É possível ainda que a criação de subculturas possa gerar conflitos dentro de uma cultura (BARTLE, 2007; Op. Cit.). A cultura de massa passa a ter a função de unificar estas comunidades, com suas subculturas, em torno de valores comuns. Este será uma das funções do profissional de comunicação. A importância atual de se estudar as culturas é nítida. O estudo do conceito de cultura e da dicotomia entre cultura de elite e cultura popular permite a compreensão da influência dos MCM na sociedade antiga – e na construção da geração atual, enquanto os conceitos desenvolvidos pela Escola de Frankfurt são fundamentais para entender o poder da influência dos MCM na construção da cultura da sociedade atual – e das gerações futuras. Conhecer as culturas permite que o profissional de comunicação tenha um conhecimento maior sobre os stakeholders que lhe interessem. É necessário conhecer os pontos de conflito entre culturas, para que o trabalho de comunicação seja eficaz e para que a mensagem gere o mínimo possível de impacto negativo. É perceptível que nos encaminhamos para a construção da sociedade de consumo. Para BARBOSA (2010), esta é a consequência das sociedades extremamente industrializadas. Enquanto houver evolução do capitalismo, existirão pessoas consumindo e existirão pessoas construindo produtos culturais, para suprir necessidades criadas para esse público e posicionando as outras culturas para o status de cultura de nicho (BAUDRILLARD, 2010). Referências ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. Disponível em http://www. alucinando.com.br/web30/wp-content/ uploads/2011/05/indstria_cultural_e_sociedade_-_theodor_adorno.pdf. Acesso em 25/09/2012, às 18:41. BARBOSA, Lívia. 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Ou seja, diferentemente de outros seres, o humano se autoproduz reproduzindo o meio que o circunda; recria o mundo natural e o já criado, criando novo significado e novas formas de aproveitamento das realidades já existentes. 4. Originalmente, o nome do Instituto era “Instituto de pesquisa sobre a história do socialismo e do movimento operário, através da história econômica e história e crítica da O ESTUDO DA CULTURA PARA A ANÁLISE DOS MCM economia política” (em alemão, Institut für Forschungenüber die Geschichte dês Sozialismusund der Arbeiterbewegung, über Wirtschafts geschichteund Geschichteund Kritik der politischen Ökonomie). 5. O termo meme é usado para descrever um conceito que se espalha via Internet. O termo é uma referência ao conceito de memes, que se refere a uma teoria ampla de informações culturais criada por Richard Dawkins em 1976 no seu livro The Selfish Gene. 6. Mainstream (“corrente principal”) é um termo inglês que designa o pensamento ou gosto corrente da maioria da população. 7. Conceito cunhado pelo autor, para diferenciar a cultura originada da sociedade com a cultura criada e introduzida na sociedade pela indústria cultural. 37