EDUCAÇÃO INCLUSIVA E LAICIDADE: ESTUDO SOBRE CONCEPÇÕES RELIGIOSAS DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA Vitor Hugo Rinaldini Guidotti* Elizabete Velter Borges** RESUMO: Problematizando a formação dos professores alicerçada numa perspectiva cidadã, inclusiva e consoante à concepção de direitos humanos, está pesquisa procurou discutir, a partir das visões de laicidade do Estado e por consequência da educação, quais são as implicações das concepções religiosas de estudantes de Pedagogia em relação a sua futura atuação docente. Para tanto, primeiramente foi realizada uma pesquisa teórica explorando as contribuições da Sociologia, mais precisamente a Sociologia da Religião, no intento de compreender como se procede à relação entre religião e as motivações dos atores em agir sobre determinadas orientações dotadas de sentido. Em seguida, expomos um panorama sobre a questão da educação escolar laica, sua necessidade diante de uma proposta em que a diversidade seja respeitada no processo educativo, e ao término da discussão de literatura, traçamos um entendimento sobre a formação dos professores, no que tange sua pertinência em busca de um ensino que valorize a dignidade humana. Balizado pela discussão teórica, foi realizado uma pesquisa de campo, onde acadêmicos do curso de Pedagogia responderam um questionário em que as respostas propuseram arguir sobre as concepções religiosas dos/as estudantes e seus entendimentos sobre atuação na escola e as diversidades possíveis nesse campo, explorando de que modo tais concepções implicam na atuação docente. Conclui-se que ao pensarmos na formação de professores, uma condição essencial é tomar como processo formativo as concepções que os futuros profissionais em educação possuem, para que seja analisada no sentido de propiciar uma formação que atenda os anseios das proposições laicas, indo de encontro com uma educação que respeite a diversidade cultural, sexual e religiosa. ABSTRACT: Problematizing teachers formation hold in a citizen perspective, inclusive and in line with humans right, this research seek to discus, in the perspective of state and education secularism, the implications of pedagogy students religious beliefs in their future work as teaches. So, theoretical research was done in the sociology of religion, trying to comprehend how religion relates with the students motivation to act accordingly in some orientations. After, a background about secular school tuition was exposed along with the necessity of it in a perspective of respecting diversity inside educational processes, then ending literature discussion, we delineated a stand about teacher’s formation in a tuition aimed to human dignity. Supported by theoretical discussion, a field research was done were Pedagogy students answered questions that allowed us to infer about their religious beliefs and practice in school about diversity, exploring how this conceptions influence their performance in class. In conclusion, it’s essential to see future teacher’s conceptions as formation process in the subject of their training, so we can analyze and propitiate a formation were secular propositions are respected, as well cultural, sexual and religious diversity. INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 1 PALAVRAS-CHAVE: Laicidade. Religião. Formação docente. KEYWORDS: Secularity. Religion. Teacherformation. INTRODUÇÃO Ao pensarmos uma Educação Básica que dentre suas obrigações curriculares e articulações organizativas haja o espaço para se discutir e propor um ambiente propício à promoção da dignidade humana, faz-se necessário analisar o além-muro da escola, isto é, transcender “a escola por ela mesma”, o que implica numa interpretação macro de como se dá os processos educacionais. Considerando a história da humanidade até os dias atuais, é evidente que a religião contribuiu positiva ou negativamente para o respeito à dignidade humana. No entanto, ao vermos como impasse os valores perpetrados pelas instituições religiosas contemporâneas, é possível considerar que seus fiéis carreguem consigo tais concepções para além do âmbito religioso, afetando as esferas mundanas, incluindo então a educação “formal”. Portanto, consideramos que o problema dessa pesquisa é a forma como concepções religiosas, que muitas vezes pregam o ódio e a discriminação, podem incutir dentro dos espaços escolares, por meio do corpo docente, representações de mundo excludentes, diametralmente opostas ao que se espera nesse espaço. Dessa maneira, elaboramos a seguinte pergunta: como as concepções religiosas dos/as acadêmicos/as podem influenciar na forma como lidam com questões relacionadas aos direitos humanos? Nosso intuito em pesquisar as formas como futuros docentes da Educação Infantil percebem os direitos humanos, tendo em vista as religiões que seguem, é analisar como tal fenômeno pode ser ocorrente nas práticas pedagógicas. Para isso, investigar quais são os valores que os estudantes carregam é uma forma de perceber se estes têm uma noção de que a defesa dos direitos humanos está intimamente ligada com a atuação docente. Desse modo, podemos esclarecer como a presença das concepções religiosas interfere, seja de maneira caótica ou benéfica, nas formas de se legitimar o combate à discriminação e a busca pelo respeito as diversidades no âmbito escolar. Neste sentido, o objeto de pesquisa escolhido para este estudo foi o corpo discente de um Curso de Pedagogia de uma faculdade particular instalada no município de Amambai – MS, no intuito de analisar se as concepções religiosas influenciam a forma como os/as futuros/as pedagogos/as compreendem os direitos humanos. Escolhemos o seguinte objeto por termos um contato constituído com a faculdade, haja vista que lecionamos nos cursos oferecidos pela instituição. Além disso, em nossas experiências em sala de sala, já foi possível constatar algumas relações entre as convicções religiosas INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 2 dos estudantes em relação ao que eles pensam sobre os direitos humanos e como este tema deve ter tratado na escola, assim que estiverem aptos a lecionar. Portanto, consideramos como relevância científica a contribuição que a pesquisa proporciona para os debates acadêmicos – sociológicos e pedagógicos, sobretudo – sobre laicidade e direitos humanos em educação. Já como relevância social tem-sea proposta de investigar as possíveis dinâmicas das discriminações oriundas do fundamentalismo religioso que permeia o espaço escolar, objetivando assim um aporte empírico para se pensar uma educação „em‟ e „para‟ os direitos humanos. Assim sendo, no intuito de compreender de que forma pode se configurar as práticas pedagógicas no que diz respeito a uma educação „em‟ e „para‟ os direitos humanos, a formação de professores/as da educação infantil se mostra como um viés investigativo, pois é possível captar a percepçãodos/as futuros/as pedagogos/as sobre temas sociais relacionados à diversidade religiosa. Tais indivíduossão também membros de uma sociedade onde fundamentalmente se configura por apresentar ações e relações sociais, explicadas por uma série de razões, à luz de Max Weber, com motivações distintas. Ao nos basearmos na teoria weberiana e demais autores influenciados por este teórico, consideramos que a religião possa exercer, a partir de seus agentes, uma dominação que possivelmente afeta a configuração das formas como outros indivíduos consideram os direitos humanos. Esta possibilidade não exclui, portanto, os discentes dos cursos de Pedagogia. 1. SENTIDOS RELIGIOSOS DA AÇÃO SOCIAL, LAICIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE Refletindo sobre uma educação que priorize a formação de indivíduos conscientes, críticos e que respeitem a diversidade de vivência e pensamento, a Sociologia mostra-se como um campo do saber humano a qual pode contribuir numa análise do que ocorre em instituições escolares, além de, através das teorias sociológicas, pensar uma educação emancipadora (FREIRE, 1996). Portanto, uma linha possível de raciocínio é compreender quais as formas e porque as pessoas agem de acordo com certos sentidos. A contribuição de Max Weber (1999; 2010a; 2010b) à Sociologia, de um modo geral, nos dá algumas pistas para a compreensão das relações sociais entre indivíduos e de que modo isso é orientado e/ou relacionado a certas características intrínsecas aos tipos de ação social. Já as contribuições para a Sociologia da religião, o autor propicia uma leitura que possibilita compreender as relações sociais de sentido religioso, de tal modo que ultrapassa o espaço da igreja, do culto, da reza, de maneira que a religião apresenta- INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 3 se como um elemento de configuração social tão presente como outros, por exemplo, a economia, a cultura e a ciência. Para Weber (2010a, p. 7), a ação social é “[...] aquela em que o sentido intentado pelo agente ou pelos agentes está referido ao comportamento de outros e por ele se orienta no seu curso”. Diferentemente de uma simples ação, que seria possível individualmente, a ação social sempre ocorre quando há mais do que um indivíduo envolvido, isto é, na perspectiva weberiana é ação social quando existe interlocução com outrem. Dessa forma, é possível aferir os sentidos subjetivos de uma ação social, pois todo indivíduo age socialmente pelos sentidos que considera pertinente. Por sentido, podemos compreender que se trata de algo subjetivamente intentado por um agente ou agentes ou um tipo puro construído por um agente ou agentes que orienta suas ações sociais (WEBER, 2010a), isto é, o sentido construído pelo agente que é motivação1 de suas ações sociais. Portanto, o sentido não é meramente uma influência de uma pessoa ou instituição, para Weber, o sentido é o que motiva o agente a agir de acordo com seus próprios fundamentos, ainda que tais fundamentos sejam oriundos da dominação de agentes ou instituições. Pelo conceito de dominação, entendemos “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo em dadas pessoas”, “[...] pode significar a probabilidade de encontrar submissão a uma ordem” (WEBER, 2010a, p. 102). Desse modo, diverge o sentido de uma simples influência externa, mas sim de que os fundamento construído pelo agente em que a obediência a alguma dominação é incorporada e aceita subjetivamente. Em suma, o conceito de ação social desenvolvido por Weber assume que os indivíduos agem de acordo com certos sentidos que são os fundamentos criados subjetivamente. Essas ações sociais são classificadas em quatro tipos diferentes: Como toda a ação, também a ação social pode ser: 1) racional em ordem a fins, determinada por expectações do comportamento de objetos do mundo exterior e dos outros homens, utilizando estas expectações como “condições” ou “meios” para fins próprios racionalmente intentados e ponderados como resultado; 2) racional quanto a valores, determinada pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma que se interprete – específico e incondicionado de uma determinada conduta puramente como tal e independentemente do resultado; 3) afetiva, sobretudo emocional, determinada por afetos e estados sentimentais atuais; 4) tradicional, determinadacomo um hábito vital (WEBER, 2010a, p. 44, grifo nosso). 1 Motivo “quer dizer uma conexão de sentido que surge ao próprio agente ou ao observador como „fundamento‟ significativo de um comportamento” (WEBER, 2010a, p. 20). INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 4 Não se comprometendo a tratar da teoria weberiana da ação detalhadamente, mas a tomando como perspectiva metodológica neste momento para estudo do nosso problema, temos na ação tradicional e na racional quanto a valores as formas as quais a religião pode exercer domínio efetivo quanto a construção dos sentidos da ação social dos agentes. Isto porque a religião exerce a dominação, em que o agente religioso encontra obediência mediante a dominação tradicional, onde os indivíduos respeitam o “sacerdote” de uma instituição religiosa burocrática, ou a partir da dominação carismática, em que o “profeta”, pela força de sua profecia, consegue obediência de certo grupos de indivíduos. Deste modo, compreende-se como a religiosidade dos agentes pode ser um fator fundamental para a formação dos sentidos de suas ações sociais (WEBER, 1999; 2003; 2010a). A questão que assume relevância para nós, em termos de compreensão das concepções religiosas de futuros docentes pedagogos, está em que esse sentido atribuído as ações sociais possivelmente imbuídas de dominação religiosa podem hipoteticamente destoar das proposições teóricas e práticas dos direitos humanos e de uma educação laica. Isto porque Weber (2010b) explica em seu texto intitulado rejeições religiosas do mundo e suas direções, que é possível que a esfera religiosa entre em tensão com várias esferas mundanas, quais sejam, a econômica, política, estética, erótica e intelectual. Para Weber, as religiões racionalizam o modo de vida de indivíduos que, em determinado ponto, criam uma tensão entre o religioso e o mundano – o que não é aceito como conduta digna de salvação – a partir do esforço das religiões “em assegurar um estado sagrado para os salvos e, com isso, um hábito que assegure a salvação” (2010b, p. 54). Essa tensão se manifesta nas esferas da vida social, sendo que isso hipoteticamente pode ser visualizado na escola, nosso interesse neste momento, pois, sempre que um indivíduo vestir-se, comportar-se sexualmente e manifestar conhecimento antagônico às bases religiosas, esta última por sua vez, representada pelos alunos fiéis, proporcionará um significativo embate: A religião de fraternidade sempre esteve em antagonismo com as ordens e valores mundanos e este antagonismo ficou pior tanto mais quando mais firmemente se colocou em prática suas exigências. Em geral, a ruptura se aprofundou ao progredir a racionalidade e sublimação dos valores mundanos, em termos de sua própria legalidade (WEBER, 2010b, p. 57). Sendo assim, parte-se aqui do pressuposto que tudo o que for contrário ao modo de vida religioso sofrerá rejeição por parte dos fiéis, como exemplo a sexualidade, mais diretamente aqueles que não se considerarem heterossexuais, as vestimentas inapropriadas para uma “pessoa de fé” e a concepção de vida, baseada na intelectualidade do agente (WEBER, 2010b). INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 5 Partindo das contribuições originais de Weber, estendemos a reflexão com base em outros autores(as). Conforme Silva (2004, p.5) “religiões, religiosidades, experiências religiosas se expressam em linguagem e formas simbólicas”. Tais simbologias emanam um poder, que segundo Bourdieu (1989), fazem com que o dominante – nesse caso, as religiões cristãs – através da confirmação dos seus ideais tidos como verdadeiros por serem predominantes, consiga determinar suas vontades e seus valores, resultados equivalentes àqueles obtidos pelo uso da força física, porém, com um agravante, este poder simbólico nem sempre é identificado porque o agente dominado (nesse caso, aquele que não possui os mesmos ideais ou particularismos do cristianismo) não se pronuncia, mantendo-se neutro, justamente porque esse poder não é palpável nem visível, por estar nas entrelinhas das palavras e nos significados dos símbolos da classe dominante. Este fenômeno, nesta conjuntura, pode ser também interpretado como violência simbólica, segundo Bourdieu: É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço de sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a domesticação dos dominados (1989, p. 11). Ainda conforme o autor, a cultura dominante através do poder simbólico tem a capacidade de unir, como também tem a faculdade de separar as diferentes culturas existentes. Isto ocorre de acordo com os seus agentes dominantes, que utilizam deste poder simbólico para tornarem a realidade sempre de acordo com interesses da classe dominante (BOURDIEU, 1989). Objetivando explicitar a violência simbólica no âmbito escolar de maneira concisa, considerando os processos pedagógicos e os agentes da educação, o fator que a denomina violência simbólica é compreendido por Vasconcellos que procura interpretar o conceito de Bourdieu: Através do uso da noção de violência simbólica ele tenta desvendar o mecanismo que faz com que os indivíduos vejam como “natural” as representações ou as idéias sociais “dominanantes” [sic]. A violência simbólica é desenvolvida pelas instituições e pelos agentes que as animam e sobre a qual se apóia o exercício da autoridade. Bourdieu considera que a transmissão pela escola da cultura escolar (conteúdos, programas, métodos de trabalho e de avaliação, relações pedagógicas, práticas lingüísticas), própria à classe dominante, revela uma violência simbólica exercida sobre os alunos de classes populares (VASCONCELLOS, 2002, p. 80-81). Bourdieu ainda pode nos ajudar com a noção de campo, que pode ser aplicado nas escolas. Segundo Lahire (2002, p. 47-48 apud CATANI, 2011, p. 192), campo “[..] é um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam as diversas posições”, ou INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 6 seja, a escola, definida como um campo, pode abarcar uma série de entraves pelos indivíduos que a compõe, procurando sempre manter o seu capital cultural preponderante, isso pode, então, ocorrer a partir da religiosidade dos agentes. Há ainda a teoria do habitus, que também pode ser vista como outra forma de compreender a influência da religião no âmbito escolar. Por habitusse entende: [...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciaçõese de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983, p. 65 apud SETTON, 2002 p. 62, grifos do autor). Nesse sentido, tal conceito pode nos auxiliar quando percebermos a reprodução de determinados valores (religiosos) estruturados, que são incutidos, funcionando de modo estruturante dentro dos indivíduos que coordenam as ações educativas nas escolas. Conforme ressaltam Nogueira e Nogueira: A partir de sua formação inicial em um ambiente social e familiar que corresponde a uma posição específica na estrutura social, os indivíduos incorporariam um conjunto de disposições para a ação típica dessa posição (um habitusfamiliar ou de classe) e que passaria a conduzi-los ao longo do tempo e nos mais variados ambientes de ação(2002, p. 20). Tais proposições sociológicas são instrumentos teóricos e metodológicos essenciais para compreendermos que a religião pode orientar determinados comportamentos sociais na perspectiva do agente, isto é, podemos conjecturar possíveis relações com as ideias religiosas e a forma como professores irão agir religiosamente orientados diante de determinadas situações em que a laicidade pode ser objeto da ação ou da representação. A laicidade, isto é, a neutralidade em matéria religiosa do Estado e suas instituições, incluindo a escola, é uma prerrogativa que possibilita a educação estar comprometida com os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana. Não respondendo a nenhum dogma ou doutrina de uma religião específica, a laicidade é condição inexorável de um espaço público condizente com a pluralidade de ideais e crenças, respeitando a diversidade de pertença religiosa tão evidente em nosso país. A educação, enquanto instituição laica, oferece – ou deveria oferecer – possibilidades para o combate a todas as formas de discriminação, seja ela religiosa ou de outra natureza, pois se orienta pela matriz epistemológica dos direitos humanos e da cidadania, e não pela intuição teológica de uma determinada religião (CUNHA 2013, 2014; FISCHMANN, 2012; DINIZ, LIONÇO E CARRIÃO, 2010). Algumas pesquisas que se propuseram a analisar as interfaces entre religião e educação nos apresentam resultados que ratificam a hipótese de que é possível o espaço escolar estar permeado por concepções religiosas que tendem a se opor à perspectiva dos INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 7 direitos humanos, seja pelo seu uso como modo de moralizar os alunos, no questionamento de disciplinas que se opõem aos mitos de criação religiosos e até mesmo a discriminação presente em livros didáticos distribuídos em escolas públicas (CUNHA, 2013; SANTOS, 2011; DINIZ e LIONÇO, 2010; LIMA e MENIN 2010; MALACARNE, 2009; SILVA, LAVAGNINI e OLIVEIRA 2009; CORSINO e BRANCO, 2006). Tais estudos são constatações da realidade da educação escolar brasileira, e pensar na formação de professores atentando-se e esta problemática deve ser, no mínimo, algo a ser suscitado. Conforme Saviani (2009) a história da formação de professores no Brasil apresenta uma trajetória marcada por paradigmas que, diante de novas propostas teóricas, foram substituídos, em vista das novas configurações educacionais. O autor afirma que existe um dilema teórico vigente das matrizes, sendo os “conteúdos de conhecimento” e os “procedimentos didáticos pedagógicos”, estes que são assumidos nas diversas instituições de ensino superior do país. O primeiro concebe uma visão de formação em que o docente está mais estrito às questões culturais e cognitivas, já o segundo volta-se a um ensino fechado à prática pedagógica. Saviani (2009) afirma que diante desse dilema, escolher um ou outro pouco surtirá efeito em termos de resolução de problema. A saída, justamente, é apreciar ambas as perspectivas de modo sinérgico, pois separá-las em caminhos distintos incide numa formação que não aprecia todas as necessidades do educador. Ainda conforme o autor, a realidade das tendências pedagógicas no Brasil caminha de modo contrário a resolução desse dilema e pouco comprometidas estão em firma-se como pedagogia crítica, isto é, uma formação que caminhe para a reflexão do cidadão. Se a formação de professores não é contemplada com a devida criticidade, pior será em termos de sua atuação na educação básica. Não obstante, pouco resta aos educadores individualmente respostas às dificuldades encontradas na sua formação. Caso estes iniciem a vida docente, Saviani afirma que a diminuta valorização do professor incide em educadores que não pesquisam, que não aderem à uma formação continuada, estagnando os processos educacionais. Tentar reverter esse quadro, segundo o autor, é a saída para objetivar uma concepção de educação/ensino voltada ao enfrentamento dos problemas sociais, inclusive o preconceito e a discriminação, nodal aos intentos de nosso trabalho. O reflexo da formação de professores não voltada à criticidade é a visão da escola como reprodutora das desigualdades sociais e de todas as formas de desvalorização da dignidade da pessoa humana. Bourdieu e Passeron (2008) apostam nessa ideia na obra “A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”. Analisando o sistema de educação francês, chegam a uma conclusão importante para se pensar a formação de professores: a escola, configurada do modo vemos na modernidade ocidental, mais contribui para a permanência de desigualdade e discriminação sociais do que para a INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 8 transformação, diametralmente oposto ao que Paulo Freire proferiu ao longo de sua vida. Portanto, ao termos uma escola que se afirma como um eixo da sociedade que coaduna com os problemas sociais, mais reproduzindo do que transformando, é necessário que os esforços políticos e acadêmicos insistam numa mudança de concepção do ensino e da educação de modo geral (SAVIANI, 2009). Nesse sentido, Cunha (2013; 2014) afirma que uma possível forma de reavermos essa situação é analisar a gestão educacional, isto é, investigar as secretarias de educação e as proposições dos gestores. A gestão educacional é a que traça os caminhos da educação e são as próprias que devem ser as mais “transformadas” se quisermos conceber uma proposição educativa voltada para a ausência de discriminação e combate às desigualdades sociais, necessário tanto para a formação docente quanto para a educação básica. Na escola pública, se defrontarão com a tarefa de defender a posição de pais e alunos contra a ação particularista de diretores e professores, que tomam a instituição de ensino como coisa privada e a utilizam para impor suas próprias crenças. Idem, com a defesa dos professores que não são cumplices dessa manipulação. Finalmente, os Conselhos de Educação – o nacional, os estaduais e os municipais – terão de deixar de ser instâncias da representação direta do clero, ou da cessão de lugares cativos para seus representantes dissimulados. [...] No processo de descolonização religiosa da escola pública, os Conselhos de Educação desempenharão papel de relevo e insubstituível, para o que sua composição terá de ser reconfigurada (CUNHA, 2013, p. 103104) Assumimos que a consideração de Cunha (2013) seja importante para se pensar também a formação de professores. Deve-se inserir a questão da laicidade no currículo da formação superior, não como mero conteúdo, mas como temática inerente aos direitos humanos, dada a realidade que a educação brasileira apresenta quanto à influência da religião nas escolas. Apostar numa formação que contemple uma educação e ensino laicos, em que os Conselhos e os gestores contribuam para isso, é um caminho para combater a discriminação religiosa nas escolas públicas. 2 ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES RELIGIOSAS DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA Neste item iremos expor os resultados da pesquisa empírica realizada em uma faculdade particular instalada no município de Amambai – Mato Grosso do Sul, que oferece o curso de Pedagogia. Foram analisados o Projeto Pedagógico (PP) do curso e as concepções dos estudantes a partir da aplicação de um questionário. INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 9 Quanto ao PP do curso, podemos afirmar que embora este apresente sinais para assumir uma formação docente que privilegie tratar de questões como cidadania, que engloba temas como discriminação e preconceito, não é evidente que temas como laicidade, educação laica ou discriminação religiosa sejam tratados. As palavras “laicidade”, “laico” ou “laica” não estão presentes no documento. Isso não significa que não são temas de interesse da instituição, mas que, diante de outras temáticas como racismo, esta fique esquecida. Boa parte dos princípios dispostos no PP do curso afirmação que a formação acadêmica oferecida pela instituição deve atender a noção de que os indivíduos são iguais em dignidade e direitos, e que o respeito à pluralidade de ideias presente na sociedade é a algo a ser preservado, além disso, dispõe quanto ao oferecimento de oportunidades em que os alunos/as possam apresentar a consciência da diversidade. Portanto, o PP do curso, indiretamente, afirma que a diversidade religiosa e de crença, aqui incluindo como irredutível a pluralidade de ideais e diversidade, deva ser considerado durante a formação acadêmica. Não obstante, o PP no momento da análise estava passando por processo de atualização, o que nos impossibilitou uma análise aguçada do documento. De todo modo, a pesquisa aponta menos para a pertinência do que diz a proposta pedagógica da instituição e mais para as concepções dos acadêmicos. Vejamos. O questionário aplicado continha um total de doze interrogações, onde cinco eram de múltipla escolha e sete perguntas abertas. As perguntas de múltipla escolha se referiam à idade, sexo, semestre em que está matriculado no curso, religião e se atuava como docente no ensino fundamental ou educação infantil. As outras questões inquiriam de um modo geral sobre as concepções religiosas dos estudantes em relação à educação e à escola. Foi colhido um total de cinquenta (50) questionários, o que é parcela significativa dos estudantes do curso de Pedagogia da Faculdade de Amambai (FIAMA/UNIESP), visto que a instituição possui apenas três salas que corresponde ao terceiro, quinto e sétimo semestre. O total de alunos estudantes de Pedagogia nessa instituição é noventa e dois (92), portanto, nossa amostra corresponde a 54,34% aproximadamente do total. Ainda que nossa pesquisa não queira partir de uma análise quantitativa, o que queremos apresentar é que os dados são significativos para iniciar a reflexão aqui proposta. A média geral de idade é de 29,12 anos, com um desvio padrão de 7,49, significando que há a presença de um público jovem e adulto em termos gerais. Há 36 mulheres e 14 homens, representando 72% e 28% respectivamente. Quanto aos semestres em curso, 9 estão no terceiro semestre (18% do total), 13 no quinto (26%) e 28 no sétimo (56%), indicando que a maioria das respostas são de formandos, o que implica que suas concepções potencialmente comporão o espaço educacional e escolar em breve. INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 10 Quanto à pertença religiosa, 27 se declaram evangélicos (54%), 16 católicos (32% do total), 2 agnósticos (4%), um ateu (2%) e 2 com múltipla religiosidade (4%), sendo um católico, evangélico e espírita e outro católico e evangélico. O interessante é que os dados revelam um percentagem elevada de evangélicos e significativa de católicos, indo de contra-mão ao Censo 2010 quanto às estatísticas das religiões no Brasil (IBGE, 2010). De todo modo, os dados revelam que, somando católicos, evangélicos e os dois que aderem a mais de uma religião, temos um total de 90% de cristãos, o que coaduna com os argumentos de Pierucci (2011) sobre a pouca diversidade religiosa no Brasil. Desse total de acadêmicos, 22 já atuam em escolas (44% do total) e 28 não (56%). Isso indica que quase metade está desenvolvendo trabalhos em escolas, significando que suas concepções são presentes. Um dado que deve ser considerado em nossa pesquisa é que dos 50 acadêmicos, 21 são indígenas (42% do total) e 29 não indígenas (58%). Como as escolas indígenas, bem como sua cultura, possuem especificidades, portanto é importante analisar separadamente os dados. Não queremos aqui cogitar uma discriminação estatística, dividindo os acadêmicos como se houvesse diferenças raciais entre indígenas e não indígenas, mas sim propiciar uma análise dos dados que contemple as características da cultura e educação diversificada no espaço escolar indígena. Iniciando a apresentação dos dados dos não indígenas, temos uma média de idade de 31,8 anos aproximadamente, com desvio padrão de 8,14, um pouco acima da média dos entrevistados em geral, indicando que o publico que atua nas escolas não indígenas possuem mais idade em relação aos indígenas. Quanto ao sexo, 26 são mulheres (89,65% do total) e 3 são homens (10,40%). Quanto ao semestre em que estão matriculados, 3 estão no terceiro (10,34%), 4 no quinto (13,79%) e 22 no sétimo (75,86%). Sobre a adesão religiosa, 12 são católicos (41,37%), 16 evangélicos (55,17%) e um com múltipla religiosidade (católico, evangélico e espírita). Assumindo que o espiritismo historicamente advém de um sincretismo com o cristianismo, chegamos a constatação que 100% dos acadêmicos não indígenas são cristãos. Sobre se atuam ou não na educação, 6 disseram que sim (20,68%) e 23 não (79,31%), o que significa que poucos participam do processo educacional. Para fins de contraste e análise individual dos dados, a média de idade dos estudantes indígenas é de 25,38 anos com desvio padrão de 4,39, portanto um público relativamente jovem. Há certa paridade quanto ao sexo, onde 10 são mulheres (47,61% do total) e 11 homens (52,38%), mas o dado é interessante, pois o número de homens sobe consideravelmente, sendo maioria, em relação aos acadêmicos em geral. Quanto à matricula no curso, 6 estão no terceiro (28,57%), 9 no quinto (42,85%) e 6 no sétimo (28,57%), portanto a maioria ainda não estaria prestes a possivelmente ingressar o ensino básico, se não fosse a revelação estatística quanto a já atuação nas escolas, onde de um total de 21 indígenas, 16 já atuam como professor (76,19%) em relação à 5 que INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 11 ainda não atuam (23,80%), podendo significar que há um considerável número de professores indígenas ainda não formados ou em formação atuando nas escolas indígenas. Há mais diversidade religiosa do que em relação aos acadêmicos não indígenas, pois 11 se declaram evangélicos (52,38%), 4 católicos (19,04%), 2 agnósticos (9,52%), 2 denominados “cultura indígena” (9,52%), um com múltipla religiosidade (4,76%) e um ateu (4,76%), o interessante aqui é que mais da metade dos indígenas são cristãos e menos de 10% assumem a cultura indígena como religiosidade, além disso, salta aos olhos que o ateísmo e agnosticismo estão presentes entre os indígenas, cuja posição geralmente é relacionada com a cultura ocidental. De todo modo, acreditamos que a noção de religiões universais e religiões étnicas proposta por Pierucci (2006) seja uma explicação desse fenômeno, em que as religiões universais tendem a separar os indivíduos e alcançar a maior número de fiéis que puder, muitas vezes denegrindo e demonizando outras religiosidades, o que prejudica as religiões étnicas que possuem a função de fortalecer a comunidade, nesse caso, indígena. Tais dados contribuem para a compreensão das respostas das questões abertas. Não iremos discorrer separadamente os indígenas e não indígenas, no entanto, sempre que necessário falaremos sobre a relevância da dinâmica distinta entre as instituições de ensino em relação com as respostas apresentadas pelos discentes do curso de Pedagogia, com breves apontamentos entre as respostas de índios e não índios. A primeira pergunta aberta procurou identificar se os estudantes consideravam algum tema trabalhado nas escolas ou proposto pelas orientações educacionais impróprios para o espaço escolar. Nosso interesse era identificar se havia temáticas que pudessem não ser assumidas como pertinentes à educação pelos estudantes por conta de suas percepções religiosas de mundo. Três dos estudantes afirmaram que são contrários ao tema “sexo” nas escolas, afirmando que os estudantes entram em contato com esse tema muito cedo, o que não é “proporcional” para a idade, além de que tal temática deve ser trabalhado pelos pais. A questão é que a educação sexual é tema transversal que contribui para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo. De um modo geral os alunos consideram que todos os conteúdos são pertinentes ao ambiente escolar, porém, o detalhe é que por ser a primeira questão e não mencionar coisa alguma sobre religião, estes tenderam a responder que são favoráveis à todos os conteúdos. A segunda questão se propôs a identificar se os alunos consideraram as orações em sala algo positivo para as escolas. Abaixo algumas respostas dos acadêmicos: “Toda oração é bem vinda, pois atribui as crianças um caráter melhor e temor a Deus. Se todos tivessem temor a Deus, o mundo não estaria nesse [sic] violência, nessa falta de amor ao próximo” (Questionário nº12). INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 12 “Sim. Pois Deus vem em primeiro lugar, mas esse assunto tem que se [sic] tratado sem questionar a religião de cada um, apenas respeitar para não gerar conflito” (Questionário nº09). “Não pois a escola e o ensino é laico e creio que orações de rotina em sala não acarreta em melhoria ou regresso na educação” (Questionário nº15). As duas primeiras respostas representam a maioria da opinião dos estudantes, dizendo que a oração deve ser feita de tal modo que não desrespeite nenhuma religiosidade. A última é a única que mencionou a laicidade educacional e certa minoria diz que não concorda com oração em sala pois pode gerar transtorno. A questão é que, para a maioria dos estudantes, a noção de diversidade religiosa só é vista em se tratando das religiões cristãs, pois tanto os que aprovam quanto os que rejeitam as orações em sala fizeram ponderações sempre recapitulando que se deve respeitar todas as religiões, visto que “Deus é um só”. Isso reitera que outras religiosidades de matriz não cristã, ateísmo e agnosticismo são simplesmente esquecidos quando se debate a questão das orações em sala. Esse questionamento vai de acordo com o restante das respostas oferecidas pelos estudantes quanto a questionamentos semelhantes, quais sejam, perguntamos se eles aprovavam a presença de líderes religiosos nas escolas e se eles podem contribuir para a educação; como deveria ser o relacionamento entre escolas e as religiões; e se achavam que seria importante a presença da religião nas escolas. Nesse sentido, as maiorias dos acadêmicos colocaram-se em favor da presença de líderes religiosos nas escolas, que deveria haver uma relação entre igrejas e escolas e a presença da religião nas escolas é necessária, onde muitos sempre apontavam sobre o respeito a outras religiões, mas sempre apontando para a diversidade religiosa cristã, esquecendo-se de inserir nessa proposta de tolerância religiões de outras matrizes e os que não possuem crença. Uma parcela minoritária se prestou contrária à presença de líderes e a religião no espaço escolar, apontando para a questão da religião como caráter privado do ser humano e menos ainda foram aqueles que argumentaram a justificativa a partir dos pressupostos da laicidade. Duas questões apontaram respostas com raciocínio semelhante, mas sobre temas que divergem dos anteriores. A primeira destas sobre a reação dos estudantes caso algum aluno manifestasse opinião religiosa diferente da que professam mostra que os/asfuturos/as pedagogos/as apresentam uma indicação a tolerância, no entanto, alguns discursos se mostram como apologéticos, em que s acadêmicos disseram que tentariam “convencer” os alunos que estão de posicionando de forma errônea. A afirmação de respeito continua a ser entre as religiões cristãs, em que o respeito seria existente nessa situação, mas com o discurso relacionado sempre a diversidade do cristianismo. Isto é, por nenhum acadêmico foi mencionado um possível conflito e opinião diversa de outra INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 13 percepção religiosa que não fosse à cristã, ratificando que sequer outras matrizes são consideradas na discussão. A última questão procurou aferir a relação entre temas de direitos humanos e a religião a partir da seguinte pergunta: “Alguns temas sobre direitos humanos, como a defesa de direitos dos homossexuais, das mulheres, de minorias religiosas (fiéis de religiões não cristãs, como o Candomblé e a Umbanda) e daqueles que não professam religião muitas vezes acabam sendo contrários ao que é propagado pelas religiões. Nesse sentido, caso algum tema fosse contrário ao que sua religião prega viesse a ser trabalhado na escola em que você atua/atuará, qual seria seu ponto de vista a respeito?”. Algumas respostas podem elucidar a explicitação: “Devemos respeitar as opiniões dos outros, por isso nesse caso eu aceitaria, mas isso não significa mudar o meu pensamento ou minha religião pela estudada” (Questionário nº 8). “Não teria problema algum sobre falar, trabalhar e explicar, caso não fosse a minha religião, iria me preparar melhor para cumprir bem meu papel de educadora” (Questionário nº 18) “É uma situação bem complicada. Não saberia como lidar ou aceitar. Se tivesse algum poder dentro da escola não aceitaria, tentaria pelo menos barrar” (Questionário nº 20). “Seria contrária a esse trabalho, mas trabalharia pois hoje nas escolas são estudadas as religiões por livre e espontânea vontade” (Questionário nº 26). “O professor não deve se aprofundar em determinados temas, mas se fosse o caso faria o trabalho defendendo o que penso a respeito” (Questionário nº3) Tais respostas são representativas das oferecidas pelos acadêmicos. Houve maior aceitação por parte dos estudantes quantos aos temas de direitos humanos, mas uma parcela afirma que trabalharia por conta da imposição da escola; que não mudariam de opinião; que colocariam sua percepção sobre o tema. Isso significa que, mesmo que seja minoria, há a possibilidade por parte dos estudantes em apresentar sua opinião religiosa sobre a temática. Outra constatação é que os indígenas se mostraram visivelmente mais propensos a trabalhar os temas sem haver divergência com a crença, sendo que os não indígenas apresentaram, de forma diminuta, alguma resistência às temáticas de direitos humanos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A problemática levantada por essa pesquisa, a nosso ver, a partir da discussão teórica e posteriormente dos dados empíricos, contribuiu para compreender de que forma a formação de professores deve ater-se as dinâmicas sociais relacionadas ao pensamento dos indivíduos, e principalmente nesse momento, em como essa configuração influência INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 4, Edição número 22, de Outubro/2015 a Março,/ 2016 - p 14 a forma como futuros/as pedagogos/as irão participar como atores sociais da educação no que tange as considerações dos direitos humanos. Esta reflexão mostra-se como um aporte para a legitimação do respeito à dignidade humana e progresso do combate à discriminação, a integração da pauta da diversidade religiosa e a laicidade do Estado no ensino universitário, inexoravelmente indispensáveis ao âmbito educacional. Os dados apresentam que umas parcelas significativas dos acadêmicos simplesmente não mencionam que a diversidade religiosa está para além das várias religiões de matriz cristã. Talvez num posterior trabalho enfocar essa questão seja produtivo para conseguir compreensões importantes à temática que buscamos na presente pesquisa. Mesmo que não houve a ocorrência de manifestações propriamente fundamentalistas ou discriminatórias, alguns discursos proferidos apontam a força da percepção religiosa dos acadêmicos, em especial quando há a discussão sobre as pautas defendidas. Não obstante, há também parcela significativa de estudantes que se mostraram favoráveis ao respeito às opiniões e à diversidade, seja ela qual for. Entretanto, poucos foram os alunos que mencionaram a laicidade da educação para fundamentar suas justificativas. Isso é importante para se constatar que essa especificidade da educação pública, tão defendida historicamente, pouco é conhecida pelos acadêmicos. Fomentar os debates em disciplinas que tratam da gestão escolar, políticas educacionais, filosofia, história e sociologia da educação pode se mostrar uma proposição inerente à busca de uma educação efetivamente laica. Assim sendo, não apenas pensar a formação de professores, mas todo o processo educacional, especialmente os Conselhos de Educação e a Gestão Pública, seja o caminho para conceber um ensino, uma proposta pedagógica e um espaço escolar que estejam comprometidos com a dignidade da pessoa humana e ao combate de todas as formas de discriminação e preconceito, no intento de uma educação crítica, tolerante e humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A., 1989. ____, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. Petrópolis: Vozes, 2008. CATÂNI, Afrânio M. As possibilidades analíticas da noção de campo social. Educação & Sociedade, v. 32, n. 114, jan.-mar. 2011. 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