MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA
CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL – CONDRAF
Seminário Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável
– RELATÓRIO SÍNTESE DOS PAINÉIS E DEBATES –
RELATOR
Lauro Mattei
EQUIPE DE APOIO
Arilson Favaretto, Marcelo Conterato e Karina Kato
Brasília, setembro de 2005
Apresentação
O Seminário Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF) teve como objetivo
discutir as políticas públicas para a agricultura familiar e para a reforma agrária, partindo de reflexões conceituais sobre novos temas relacionados ao desenvolvimento rural.
Estes temas poderão contribuir para a elaboração do documento orientador da Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, a ser realizada pelo CONDRAF,
momento em que se pretende definir um programa de desenvolvimento rural sustentável
para o país. Além disso, o Seminário contribuiu para a participação brasileira na Conferência Internacional de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, que será realizada
no Brasil em 2006.
Para alcançar tais objetivos, o seminário foi estruturado a partir de quatro eixos temáticos, que orientaram a conferência de abertura e todos os demais painéis. Foram eles: (a)
apresentação de uma abordagem conceitual de cada assunto; (b) discussão das relações
do tema específico com as políticas públicas; (c) reflexão sobre a relação dos temas com
a reforma agrária e a agricultura familiar; e (d) discussão das interfaces de cada tema
específico com o desenvolvimento rural sustentável.
O relatório aqui apresentado sistematiza os principais aspectos de cada uma das discussões temáticas específicas, a partir de três pontos fundamentais ressaltados pelos palestrantes: a abordagem conceitual; os elementos centrais relativos a cada tema específico e
as proposições de políticas públicas. Além disso, são contemplados alguns pontos destacados pelos participantes durante os debates. Por fim, são apresentadas breves considerações sobre o seminário, a partir das impressões do próprio relator e de sua equipe.
O evento foi realizado em Brasília, entre os dias 23 e 25 de agosto de 2005, contando
com a presença de autoridades (nacionais e estaduais), convidados internacionais, gestores de políticas públicas de diferentes órgãos públicos federais e estaduais, conselheiros
do CONDRAF e dos Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural, organizações sindicais de trabalhadores rurais, ONG, professores e estudantes de universidades e equipes
técnicas de órgãos e autarquias do Ministério do Desenvolvimento Agrário e de outros
ministérios.
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MESA DE ABERTURA DO SEMINÁRIO
Miguel Soldatelli Rossetto
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário
Marina Silva
Ministra de Estado do Meio Ambiente
Após uma breve descrição do modelo de desenvolvimento agrário do país e da forma de
ocupação de suas terras, foram ressaltados alguns dos principais obstáculos e desafios
para mudanças desse modelo, considerando-se que a ocupação do território brasileiro é
marcada por uma cultura predatória, tanto em termos dos recursos naturais como em
termos dos processos de exclusão social.
Para tanto, é necessário que os órgãos públicos e suas diferentes instâncias proponham
políticas que visem o manejo adequado dos recursos naturais e que valorizem a biodiversidade e os conhecimentos tradicionais. Neste caso, é importante que os agricultores
familiares e seus “saber-fazer” sejam contemplados por essas políticas. Esse aspecto
evidencia outra necessidade: a importância da participação e da gestão social das políticas públicas de desenvolvimento rural, especialmente nos momentos de formulação,
implementação e análise de seus resultados.
Além disso, há também um desafio indispensável, relativo à busca de mecanismos que
consigam romper com a herança colonial, democratizando o acesso à terra e promovendo a adoção de práticas de uso dos solos numa perspectiva sustentável, com destaque
para os limites da biodiversidade do país.
Estes pontos se traduzem nos dois principais desafios do momento: romper com a herança do modelo predatório e concentrador e tornar as políticas públicas mais democráticas e participativas, como forma de se contrapor às tradições tecnocráticas e autoritárias.
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CONFERÊNCIA DE ABERTURA
Perspectivas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável
CONFERENCISTAS
Elena Saraceno
Diretoria Geral de Agricultura e Desenvolvimento da Comissão Européia
José Eli da Veiga
Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEA/USP
José Graziano da Silva
Professor Titular licenciado do Instituto de Economia da Unicamp e Assessor Especial da Presidência da República
COORDENADOR PELO CONDRAF
Jean Marc von der Weid
Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – AS-PTA
O objetivo dessa conferência foi colocar em debate novos temas e questões a partir da análise de
experiências internacionais que possam contribuir para a discussão do cenário atual do meio
rural brasileiro e das perspectivas e desafios envolvidos na construção de um programa de desenvolvimento rural sustentável no Brasil.
Parâmetros conceituais básicos destacados pelos palestrantes
O desenvolvimento rural é um conceito de natureza territorial, que vai se distinguindo de desenvolvimento agrícola na medida em que as áreas rurais deixam de ser apenas espaços de produção de alimentos básicos. Com a modernização dessas áreas, as funções do espaço rural são
ampliadas, com conseqüências diretas sobre a sustentabilidade econômica, social, política e
ambiental das atividades produtivas.
Nesta perspectiva de abordagem do “rural”, nega-se o viés setorial, uma vez que as áreas rurais
diversificam suas economias, colocando novos temas (pluriatividade, territorialidade, multifuncionalidade e sustentabilidade) no centro dos debates, contrastando com o que era afirmado pela
teoria econômica.
Esses processos são complexos e com implicações diretas sobre a noção de sustentabilidade,
tendo em vista que em muitos países as políticas de desenvolvimento rural continuam sob o
comando de órgãos que as tratam como desenvolvimento agrícola, enquanto que em outros já
aparecem preocupações com as desigualdades espaciais e com os desequilíbrios ambientais.
Neste caso, as políticas públicas atingem um caráter mais amplo, assumindo uma perspectiva de
desenvolvimento regional.
Portanto, na definição de um novo modelo de desenvolvimento, os parâmetros devem ultrapassar os benefícios restritos do crescimento econômico, sendo necessário ampliar as articulações
temáticas e de esferas de abrangência, fazendo com que os projetos de desenvolvimento territorial sustentável não sejam embasados em um único segmento produtivo, como por exemplo, a
agricultura familiar.
Principais elementos ressaltados pelos palestrantes
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Em termos analíticos, o perfil produtivo mostra que as áreas rurais de muitos países “desenvolvidos” se aproximam cada vez mais das urbanas, sendo que o principal elemento diferenciador
diz respeito à densidade demográfica. Isto tem implicações sobre as políticas públicas destinadas à promoção do desenvolvimento rural, uma vez que as mesmas precisam se adequar a essa
nova realidade, incorporando o conceito territorial no lugar do setorial.
Nesta perspectiva, ganha importância a articulação das iniciativas das instâncias nacional e regional, num sistema que estrutura racionalmente suas ações, simplificando os processos burocráticos e garantindo os investimentos necessários.
No entanto, no caso brasileiro, o modelo federativo confere uma elevada autonomia aos municípios, o que coloca questionamentos quanto às possibilidades de se planejar ações adequadas que
culminem na formação de planos de desenvolvimento rural tendo como base as microrregiões e
não mais apenas os municípios. Experiência pioneira, como é o caso dos Conselhos Regionais
de Desenvolvimento (COREDES) no Rio Grande do Sul, mostra, entretanto, que a formação de
consórcios intermunicipais com um grande número de municípios acabou não sendo eficiente
em suas reivindicações e ações, bem como não se tornaram representativos.
A principal função de uma articulação de caráter microrregional é estimular as forças endógenas
para que elas gerem seu projeto de desenvolvimento a partir de seu conhecimento da realidade,
articulando demandas e transformando vantagens comparativas em vantagens competitivas.
Todavia, isso não significa uma luta apenas restrita ao campo da disputa por recursos financeiros. Por isso, uma das saídas é articular as forças locais visando construir propostas de caráter
microrregional, mesmo considerando-se a baixa capacidade dos atores sociais organizados para
elaborar planos de desenvolvimento, além da baixa participação dos agentes de desenvolvimento.
Além disso, foi destacado que no Brasil o crescimento e a intensificação dos ciclos das commodities não vêm determinando a diversificação das localidades rurais, da mesma forma que em
outras regiões. A conseqüência é que o fenômeno da pluriatividade não obtém o mesmo sucesso
que aquele obtido na Europa, uma vez que ela ainda não pode ser considerada como fator determinante na composição das rendas das famílias rurais. Na verdade, o peso principal das rendas das unidades familiares de produção ainda diz respeito às atividades agrícolas.
Mesmo assim, é necessário implementar políticas compensatórias de desenvolvimento rural de
caráter não-agrícolas, que sejam capazes de promover um redirecionamento institucional do
meio rural, com o objetivo de melhorar as condições de vida da população e manter as famílias
no campo.
Principais proposições de políticas públicas
A construção de um programa de desenvolvimento rural sustentável tem que considerar o processo de transição em curso na agricultura, especialmente no sistema familiar, direcionando o
olhar para o âmbito regional (territorial) e não apenas setorial.
Para tanto, é crucial um enfoque de políticas públicas integrado, englobando todas as dimensões
da sustentabilidade (econômica, social, ambiental e política), ao mesmo tempo em que se articulem todas as instâncias de poder em ações racionalmente estruturadas e condizentes entre si.
Neste caso, deve-se destacar o papel ativo que devem assumir as instituições de ensino, pesquisa
e extensão existentes em cada região (território) durante o processo de elaboração de planos de
desenvolvimento.
Além disso, sugeriu-se reduzir a ampla autonomia dada aos municípios pela Constituição Federal de 1988, no sentido de favorecer a elaboração de projetos de âmbito microrregional, sem os
quais se torna quase impossível implementar ações de desenvolvimento rural de natureza sustentável.
Especificamente em relação às políticas de cunho não-agrícolas para o meio rural brasileiro,
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sugeriu-se um conjunto delas, com destaque para: a) políticas de desprivatização do espaço rural; b) políticas de urbanização do meio rural; c) políticas de geração de rendas não-agrícolas; d)
políticas sociais compensatórias; e) políticas de reordenamento institucional.
Principais questões levantadas nos debates pelos participantes do evento
Pontos levantados pelo coordenador da conferência:
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No momento, a agricultura está tendo um grande destaque no cenário nacional,
especialmente pela sua participação econômica;
Há uma forte valorização do agronegócio, porém com poucas análises sobre os impactos de longo prazo deste tipo de agricultura;
Está se aproximando o fim desse modelo agrícola, tendo em vista que os recursos
naturais já atingem níveis de esgotamento, o que torna a viabilidade do mesmo insustentável;
Mesmo assim, o Governo atual está refém desse modelo, devido às respostas rápidas do mesmo aos desafios da política econômica adotada pelo país.
Um dos principais aspectos destacados pela plenária foi que o tema ambiental, como uma variável-chave no debate sobre sustentabilidade esteve praticamente ausente nas intervenções dos
três palestrantes.
Além disso, se falou pouco da agricultura familiar como uma alternativa ao modelo que se quer
superar, bem como não se discutiu se a reforma agrária ainda faz parte de um modelo de desenvolvimento rural sustentável.
Da mesma forma, não se aprofundou como deveria ser a construção de um modelo territorial de
desenvolvimento, quando se observam limitações nas formulações e na participação dos atores,
especialmente nos momentos de elaboração e de implementação das políticas públicas destinadas à promoção do desenvolvimento rural sustentável.
Finalmente, constatou-se que o foco das intervenções recaiu sobre os obstáculos, sendo apontadas poucas propostas em termos dos desafios para a construção de um programa de desenvolvimento rural sustentável.
Talvez a principal resposta dada pelo seminário neste aspecto foi constatar que é necessário
pensar o desenvolvimento em sua totalidade, planejando ações conjuntas para o rural e o urbano, como forma de se romper com uma tradição que separa dicotomicamente esses dois mundos.
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PAINEL 1
O papel da pluriatividade numa estratégia de
desenvolvimento rural
PALESTRANTES
Maria José Carneiro
Professora do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CPDA/UFRRJ
Olivier Dubois
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO
Sérgio Schneider
Professor do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural – PGDR/UFRGS
COORDENADOR PELO CONDRAF
João Carlos Sampaio Torrens
Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais – DESER
O objetivo desse painel foi discutir as características da pluriatividade, analisando suas potencialidades para o fortalecimento da agricultura familiar e da reforma agrária, além de suas contribuições ao processo de construção de um programa de desenvolvimento rural sustentável e
eqüitativo no Brasil. A pluriatividade refere-se a um fenômeno que se caracteriza pela combinação das múltiplas inserções ocupacionais das pessoas que pertencem a uma mesma família, que
aparece em situações em que a integração dos agricultores aos mercados não ocorre mais exclusivamente por meio da produção agropecuária. Neste sentido, fez-se uma reflexão sobre as possíveis formas de intervenção do Estado capazes de estabelecer mecanismos de estímulo à pluriatividade e ao desenvolvimento rural no Brasil. Com isso, buscou-se sensibilizar os atores e organizações da sociedade civil, assim como os gestores públicos que atuam nas mais diversas
esferas de governo, sobre a importância da pluriatividade no fortalecimento da agricultura familiar em um processo de desenvolvimento rural sustentável.
Parâmetros conceituais básicos destacados pelos palestrantes
O desenvolvimento rural pode ser entendido como um processo de mudança social nos espaços
rurais, a partir de parâmetros socioeconômicos que resultem em melhorias na qualidade de vida
das pessoas. Nesta perspectiva, não há um caminho único para o desenvolvimento rural, mas
situações heterogêneas determinadas por diferentes dinâmicas produtivas, principalmente nos
locais onde a agricultura familiar tem grande relevância.
Um aspecto importante do desenvolvimento rural é definido pelas diferentes formas de inserção
produtiva das famílias, como estratégia de reprodução social. Parte delas se utiliza do recurso à
pluriatividade como meio para reduzir suas vulnerabilidades, especialmente àquelas de natureza
econômica.
A pluriatividade se refere a um fenômeno que se caracteriza pela combinação das múltiplas
inserções ocupacionais das pessoas que pertencem a uma mesma família, que aparece em situações em que a integração dos agricultores aos mercados não ocorre mais exclusivamente por
meio da produção agropecuária.
Todavia, o fenômeno da pluriatividade não significa o abandono das atividades agrícolas, mas a
busca de complementaridades que objetivam reduzir situações de vulnerabilidade das famílias
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no que diz respeito às suas perspectivas de reprodução social. Assim, a pluriatividade expressa
um processo de combinação de atividades agrícolas com as não-agrícolas pelos membros familiares, fazendo parte da complexidade de fenômenos presentes no meio rural.
Estas combinações podem ocorrer de diferentes formas: atividades agrícolas, que envolvem a
produção agrícola e pecuária; atividades não-agrícolas, que são desempenhadas fora do setor
agropecuário; atividades para-agrícolas, ligadas à transformação de matérias-primas animais e
vegetais para venda externa; e atividades não-agrícolas de base agrária, realizadas na agricultura
ou fora dos estabelecimentos.
Em função disso, conformam-se diferentes tipos de pluriatividade: a tradicional, não mercantilizada e interna à propriedade; a de base agrária, que ocorre dentro do setor agrícola em decorrência da terceirização do trabalho; a intersetorial, que decorre da articulação entre os setores
agrícola e não-agrícola; a informal, que se refere à prestação de serviços no meio rural; e a para-agrícola, decorrente do processo de beneficiamento e transformação das matérias-primas
agropecuárias.
Principais elementos ressaltados pelos palestrantes
A pluriatividade apresenta um conjunto de significados que variam entre as famílias devido às
condições em que esse fenômeno ocorre, podendo ser interpretada como complemento de renda,
melhoria da qualidade de vida, fonte de financiamento para a agricultura, investimento na formação de membros familiares, conservação das unidades de produção e manutenção da atividade agrícola. Neste caso, a pluriatividade promove a interação entre famílias, processos produtivos e mercado de trabalho.
Este fenômeno, porém, pode ser analisado sob dois pontos de vista distintos. Em termos conjunturais, a pluriatividade aparece como resultado da crise do modelo agrícola produtivista assentado na monocultura, especialmente por meio do trabalho sazonal. Estruturalmente, entretanto, é a
expressão da grande capacidade da agricultura familiar de se adequar às transformações gerais
do meio rural e do próprio capitalismo agrário.
Embora o recurso à combinação de atividades agrícolas com as não-agrícolas, por parte das
famílias de agricultores, seja uma prática antiga, a expansão da pluriatividade está associada à
interiorização das indústrias, ao crescimento de atividades não-agrícolas nos espaços rurais, à
própria crise enfrentada pela agricultura e às novas funções desempenhadas pelas áreas rurais.
O significado da pluriatividade para as famílias rurais encontra-se, tanto na dinâmica interna das
famílias como no contexto socioeconômico em que as mesmas se inserem. Porém, para os jovens o fenômeno assume diferentes propensões. Enquanto que para as moças a pluriatividade
aparece como uma possibilidade de inserção econômica, o que lhes permite sair da invisibilidade, romper com situações de subordinação e exercer um papel que vai além de ser mãe e esposa,
para os rapazes é uma fonte individualizada de renda por meio da inserção no mercado de trabalho não-agrícola, uma possibilidade de conquista de uma esposa e a perspectiva de permanência
no lote familiar.
Destacou-se, ainda, que esse fenômeno não se restringe às áreas agrícolas modernizadas e que
ele potencializa a expansão e a estabilidade da renda familiar, reduz a pobreza e a vulnerabilidade das famílias, propicia novas oportunidades de trabalho, reduz os movimentos migratórios,
ajudando a permanência da população no meio rural, além de auxiliar na diversificação das
economias locais.
Mesmo assim, nota-se que as políticas públicas desenhadas atualmente para o meio rural brasileiro, especialmente aquelas voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar, não conseguem cobrir as especificidades relativas à condição de ocupação das famílias rurais, impregnando-se fortemente do viés agrícola.
Em contraposição a essa situação, afirmou-se que as políticas públicas deveriam ter um caráter
multisetorial, de tal forma a privilegiar a diversificação das economias locais. Isso implica reco8
nhecer o papel relevante da pluriatividade e da multifuncionalidade como fatores fundamentais
no dinamismo das áreas rurais. Com isso, estaria se legitimando a agricultura familiar a partir de
toda a sua heterogeneidade social.
Principais proposições de políticas públicas
Partindo-se do pressuposto que uma política de desenvolvimento rural sustentável precisa incorporar também as questões emergentes, como é o caso dos enfoques da pluriatividade, multifuncionalidade e territorialidade, fez-se um conjunto de proposições de políticas, destacando-se:
a) que abordagem do desenvolvimento rural sustentável envolva mais pessoas e
instituições, visando fortalecer o tecido social;
b) que as políticas de desenvolvimento rural sustentável procurem diversificar as economias locais, incorporando os enfoques emergentes citados anteriormente;
c) que as políticas públicas que tenham como alvo os jovens rurais levem em conta as
expectativas desses atores, o que poderá potencializar o papel da pluriatividade,
uma vez que os jovens rurais não se distinguem dos jovens urbanos em suas perspectivas de reprodução social;
d) a implantação de programas de capacitação dos gestores públicos sobre a importância da pluriatividade e da diversificação do modo de vida rural;
e) a implantação de programas de qualificação profissional da população rural, repensando-se, inclusive, o próprio papel das escolas técnicas na formação dos jovens;
f) a implantação de um amplo programa de habitação no espaço rural;
g) o estabelecimento de um processo de concertação dos diferentes níveis de governo,
visando melhorar a eficácia das políticas públicas;
h) a implantação de um programa de melhorias na rede de infra-estrutura básica, com
ênfase em estradas, abastecimento de água e disponibilidade de meios de comunicação;
i) a introdução de mudanças nas normas do crédito aos agricultores, sendo o quesito
renda bruta insuficiente para enquadrar as famílias que terão acesso aos recursos;
j) que o processo de descentralização não privilegie ações políticas individualizadas
que só levarão ao fortalecimento do poder político local.
Principais questões levantadas nos debates pelos participantes do evento
Um dos primeiros aspectos destacados nos debates em plenário foi que os proponentes e gestores de políticas públicas têm dificuldades de reconhecer a pluriatividade como elemento importante na dinâmica da agricultura familiar e no próprio processo de desenvolvimento rural.
Além disso, foi destacado novamente que a questão ambiental não teve uma abordagem adequada no painel, e que isso explica também porque ela normalmente está ausente nos projetos
de desenvolvimento. Neste ponto, deve-se reconhecer que o uso adequado do meio ambiente
requer um processo regulatório como pré-requisito básico para a sustentabilidade.
Outro aspecto importante do debate foi a dimensão do espaço de participação dos trabalhadores
rurais nos momentos de formulação e implementação das políticas públicas, o que remete ao
tema da capacitação, sendo sugerido uma ampliação dos investimentos nesta área como forma
de preparar melhor a força de trabalho.
Do ponto de vista dos jovens, o principal ponto discutido foi a dúvida que existe para se lidar
com a saída de casa dos filhos, o que gera certo esvaziamento demográfico das áreas rurais.
Uma alternativa é fazer com que as remessas de capital revitalizem as economias locais, de modo a estimular os jovens a não abandonar o campo. No entanto, a permanência e o retorno dessas pessoas vão depender do contexto social local e das próprias políticas públicas.
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Quanto às oportunidades de trabalho extra-agrícola, citou-se o setor do turismo, ainda que este
remunere muito mal os trabalhadores. Mesmo que o setor absorva mão-de-obra, especialmente a
jovem, aqui pode estar ocorrendo um processo de precarização das relações de trabalho, fato
que se caracterizaria como efeito negativo da pluriatividade.
Finalmente, discutiram-se aspectos da legislação que podem estar funcionando como entraves
ao estímulo da pluriatividade, destacando-se como exemplo a legislação previdenciária, na medida em que esta exclui atores que possuem outras funções e se torna um entrave à diversificação.
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PAINEL 2
Multifuncionalidade da agricultura e políticas
de desenvolvimento rural
PALESTRANTES
Philippe Bonnal
Pesquisador do Centre de Coopéracion Intenationale en Recheche Agonomique pour le développement– CIRAD
Maria Dione Moraes
Professora da Universidade Federal do Piauí – UFPI
Renato Maluf
Professor do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CPDA/UFRRJ
COORDENADOR PELO CONDRAF
Gilson Alceu Bittencourt
Ministério da Fazenda
O objetivo do painel foi apresentar o enfoque da noção de multifuncionalidade da agricultura e
sua construção no Brasil, na qual ganhou destaque um conjunto de funções relacionadas às atividades agrícolas, a saber: a) reprodução sócio-econômica das famílias rurais; b) promoção da
segurança alimentar da sociedade e das próprias famílias rurais; c) manutenção do tecido social
e cultural; d) preservação dos recursos naturais e da paisagem rural. Além disso, abordaram-se
os fatores que estimulam e constrangem a incorporação do enfoque da multifuncionalidade da
agricultura nos programas destinados à agricultura familiar e à reforma agrária. Finalmente, à
luz de experiências de adoção do enfoque da multifuncionalidade da agricultura em políticas
agrícolas e de desenvolvimento rural, fez-se uma reflexão das perspectivas do tema diante da
realidade brasileira.
Parâmetros conceituais básicos destacados pelos palestrantes
Partindo do pressuposto que existe uma noção coerente, mas de difícil operacionalização, situase o debate no âmbito dos questionamentos ao modelo agrícola intensivo e despreocupado com
a sustentabilidade ambiental. Neste sentido, a emergência do tema da multifuncionalidade vem
acompanhada do debate sobre programas de desenvolvimento rural sustentável.
Deste modo, a noção de multifuncionalidade não se resume ao debate sobre externalidades presente na teoria econômica tradicional. Ao contrário, refere-se à provisão de bens públicos (ou
comuns) relacionados à preservação ambiental, à segurança alimentar e à reprodução e manutenção do tecido social e cultural.
Na verdade, trata-se de uma noção polissêmica (palavra com muitos significados) composta por
duas concepções diferentes que devem ser consideradas:
a) concepção positiva: multifuncionalidade como característica do processo de produção, cuja visão prioriza a regulação das funções ambiental e social pelo mercado.
Não se restringe à agricultura, podendo ser atribuída a qualquer atividade produtiva
cuja realização resulte em impactos de naturezas diferenciadas. Essa definição encontra-se dentro da Economia do Bem-Estar e se preocupa em como fazer que um
bem público (que representa o livre acesso a todos os agentes) seja tratado no mercado;
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b) concepção normativa: multifuncionalidade como o conjunto das funções assinaladas pela sociedade à agricultura, cuja visão dá prioridade à ação coletiva. Esta definição busca sua fundamentação no campo sociológico e das ciências políticas, tratando das maneiras de se ampliar o interesse e o reconhecimento das múltiplas funções da agricultura na sociedade.
Registre-se que essa noção surge e se estrutura como um princípio diretor, sendo utilizada pela
primeira vez na Conferência Mundial do Meio Ambiente de 1992, realizada no Rio de Janeiro.
No plano internacional, ainda que o debate sobre o tema seja marcado por elementos do campo
político (aspectos não-comerciais), as discussões não se esgotam neste plano de análise, na medida em que dificultam a identificação do uso da noção enquanto justificativa para a continuidade dos subsídios agrícolas.
A multifuncionalidade é essencialmente uma noção que envolve a negociação entre atores econômicos e sociais. Neste caso, é importante ter presente a idéia de modo de vida dos agricultores, o qual diz respeito à forma de se compreender a complexidade das situações que envolvem
os agricultores, suas vivências e maneiras de inserção no território.
Principais elementos ressaltados pelos palestrantes
O debate sobre multifuncionalidade tem que ser dissociado das discussões de comércio internacional e relações internacionais, uma vez que o reconhecimento da multifuncionalidade não é
coerente com políticas segmentadas, ou seja, com as políticas que deixam sua regulação a cargo
do mercado para posterior correção de suas falhas.
A implementação dessa noção necessita de instrumentos específicos em cada território ou sociedade, não havendo regras definidas. Assim, cada país deve formatar a sua visão, uma vez que
se trata de uma noção que é construída socialmente.
No Brasil, a construção do enfoque da multifuncionalidade da agricultura incorpora os seguintes
elementos:
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Um novo olhar sobre a agricultura familiar;
A interação entre famílias rurais e territórios;
O modo de vida integral das famílias rurais;
A provisão de bens públicos pela agricultura familiar relacionados à segurança
alimentar, ao meio ambiente e ao patrimônio cultural;
A contestação da separação entre as dimensões mercantil e não mercantil das atividades produtivas.
Desta forma, a noção de multifuncionalidade permite a ampliação dos papéis da agricultura para
além da dimensão produtiva, destacando-se os seguintes campos: reprodução socioeconômica
das famílias rurais, promoção da segurança alimentar das famílias rurais e da sociedade, manutenção do tecido social e cultural e manutenção da paisagem.
As possibilidades fornecidas pelo enfoque da multifuncionalidade, especificamente em relação à
realidade rural brasileira, podem ser ressaltadas pelos seguintes fatores:
a) pela opção de focalizar as análises nas famílias rurais, pois esse segmento é o mais
propenso a expressar as várias dimensões da multifuncionalidade, sendo que as demais dinâmicas e atores que a influenciam não devem ser descartados da análise;
b) pela incorporação dessa noção às políticas públicas, o que pode contribuir para o reconhecimento e legitimação do papel da agricultura familiar no país;
c) pelo reconhecimento das múltiplas funções da agricultura, possibilitando a promoção do desenvolvimento rural sustentável, na medida em que permite um olhar sobre dinâmicas e fatos sociais que se encontram obscurecidos nas visões que privilegiam apenas os aspectos econômicos.
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Além disso, foi destacada a existência de um conjunto de fatores determinantes na incorporação
da noção de multifuncionalidade da agricultura, sendo alguns favoráveis (retórica não produtivista; eqüidade e sustentabilidade; novos temas, como gênero e geração; crescimento e fortalecimento do enfoque territorial; agregação de valor e diferenciação de produtos) e outros restritivos (elevada pobreza rural; restrições ao acesso à terra; orientação econômica hegemônica; baixo crescimento e elevado emprego; negociações comerciais internacionais; obscurecimento das
diferenciações de modelo na agricultura (agronegócio e agricultura familiar).
Principais proposições de políticas públicas
Para que a noção de multifuncionalidade seja incorporada nos programas de políticas públicas é
necessário que:
a) seja revisto o foco produtivo entre agricultura e unidade familiar rural;
b) o enfoque seja ampliado, com integração das ações;
c) na esfera institucional sejam criados mecanismos de integração das políticas.
Além disso, que os projetos de desenvolvimento rural sustentável com enfoque multidimensional devem contemplar os seguintes aspectos:
a) articular e integrar ações de programas e entre programas;
b) enfoque com uma visão plural acerca de bens, valores, normas e espaços, o que elimina a visão setorializada da agricultura;
c) contratualizar as relações entre Estado e beneficiários, explicitando-se claramente
os deveres e direitos de cada uma das partes envolvidas;
d) articular os interesses locais com os gerais, repensando a profissão do agricultor.
Além disso, as políticas públicas precisam considerar os aspectos sociais, culturais e ambientais,
além das dimensões econômicas, os quais se expressam no modo de vida dos agricultores, nas
suas vivências e formas de inserção nos territórios.
Finalmente, sugeriu-se que os programas de desenvolvimento rural sustentável incorporem os
múltiplos sistemas de conhecimento disponíveis no âmbito local, combinando-os com os conhecimentos científicos.
Principais questões levantadas nos debates pelos participantes do evento
Inicialmente o coordenador da mesa levantou mais duas questões para ampliar o debate. A primeira delas diz respeito às interações e compatibilidades necessárias aos programas e políticas.
Neste caso, ressaltou-se que há uma tendência a departamentalização em todas as esferas de
governo, o que implica que esse debate também seja feito nos âmbitos estadual e local.
A segunda questão se refere ao aspecto da contratualização, uma vez que é necessário recuperar
o debate sobre os problemas relativos ao tema, especialmente naquilo que diz respeito aos marcos legais. Isto porque, em alguns casos, é o próprio Estado que não cumpre os seus contratos e,
em outras, são os próprios beneficiários. Decorre daí a necessidade de se trabalhar visando o
fortalecimento e o cumprimento dos contratos.
Um outro aspecto do debate destacou que o enfoque produtivista já está enraizado, especialmente a partir da monocultura, e se mostra mais rentável aos agricultores, como é o caso da produção de eucaliptos. No entanto, o desafio é achar mecanismos de se contrapor a isso, uma vez que
esse modelo caminha no sentido inverso ao da sustentabilidade, muito embora a expansão dessa
atividade tenha um importante significado econômico.
Além disso, foi colocado também em questão se o modelo europeu possui elementos suficientes
para contemplar nossa realidade. Neste ponto, sugeriu-se que, mesmo em realidades diferentes,
os mecanismos de contratualização trazem embutidos três aspectos importantes: a construção de
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um espaço de discussão, a coordenação e o processo de aprendizagem dos atores envolvidos.
Também se destacou que os mecanismos de contratos pressupõem a resolução de conflitos, ao
mesmo tempo em que possibilitam a transparência na gestão dos recursos públicos.
Neste painel também foi retomado o debate sobre semelhanças e diferenças entre pluriatividade
e multifuncionalidade, considerando-se a expressão utilizada por um dos palestrantes que os
dois temas são duas caras de uma mesma moeda. O entendimento dos palestrantes é que pluriatividade e multifuncionalidade são temas próximos, mas com algumas diferenças. A pluriatividade tem seu foco sobre o trabalho com repercussões na renda e nos sistemas de funcionamento
das famílias. Já a multifuncionalidade tem seu foco sobre os estabelecimentos agrícolas, destacando as diferentes funções da agricultura e seus impactos sobre o meio ambiente.
Um último aspecto destacado sobre a participação social na perspectiva da multifuncionalidade
é se os conselhos estariam ajudando ou dificultando a criação de consensos ao redor de um programa de desenvolvimento rural sustentável. Aqui se voltou novamente à forma com que esses
conselhos são criados e quais os interesses que neles se manifestam, podendo os mesmos não
estar expressando a diversidade existente no mundo rural.
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PAINEL 3
A abordagem territorial e as políticas de desenvolvimento rural
PALESTRANTES
Ricardo Abramovay
Professor Titular da Faculdade de Economia e Administração e do PROCAM/USP
Edna Castro
Professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA/UFPA
Ademir Antonio Cazella
Professor do Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas – PPAGR/UFSC
COORDENADOR PELO CONDRAF
Antônio Carlos Filgueira Galvão
Ministério da Integração Nacional
O objetivo do painel foi discutir a abordagem territorial do desenvolvimento e sua correlação
com as políticas públicas de desenvolvimento rural. O ponto de partida foi a análise de potencialidades e obstáculos presentes em iniciativas que buscam valorizar recursos territoriais específicos. Entende-se por território o resultado de um encontro de atores sociais, em um espaço geográfico dado, que procura identificar e resolver problemas comuns. Com isso, organizou-se uma
estrutura procurando abordar os seguintes temas norteadores: a) principais características das
dinâmicas territoriais de desenvolvimento rural; b) mecanismos existentes ou a serem concebidos capazes de gerar “vantagens diferenciadoras” dos territórios; c) interfaces e contradições
entre políticas setoriais e políticas territoriais; d) concepção de mecanismos de controle à tendência de elitização das ações formais de desenvolvimento territorial; e) gestão de conflitos no
âmbito dessas ações.
Parâmetros conceituais básicos destacados pelos palestrantes
Existem três justificativas fundamentais da necessidade de uma política de desenvolvimento
rural:
a) uma política de desenvolvimento rural se justifica por uma visão de como se deve
organizar o espaço nacional, isto é, não se quer uma sociedade onde as possibilidades (sociais, econômicas e culturais) da população estejam restritas aos espaços urbanos, às metrópoles;
b) este desejo baseia-se na constatação de que há potenciais nas regiões interioranas
que podem ser a base para esta outra forma de organização social;
c) existem forças sociais que querem desenvolver o meio rural e podem ser protagonistas de tal processo, fato que deve ser o ponto de partida para quem quer planejar
iniciativas de promoção do desenvolvimento rural. No entanto, deve-se atentar para
o fato de que as forças sociais não se reduzem a um único setor econômico e que os
protagonistas do desenvolvimento rural não são socialmente homogêneos.
A abordagem territorial do desenvolvimento rural coloca ênfase nos laços diretos e localizados
entre atores sociais como base para um conjunto de transformações políticas, culturais e econômicas que podem resultar em modificação substantiva na maneira como os indivíduos e os grupos sociais usam os recursos de que dispõem e criam novas oportunidades de interação.
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Para isso, essa abordagem se apóia em duas premissas fundamentais: o caráter multisetorial do
processo de desenvolvimento e a organização dos atores como um meio decisivo para adquirir o
poder de intervenção necessário a alterar a qualidade de sua inserção social.
Desta forma, o enfoque territorial é também um espaço de recriação de identidades com o local
de onde derivam estratégias de permanência e de desenvolvimento, pois se trata de tomar o território em suas múltiplas dimensões, reunindo vivências coletivas que lhe dão sentido e o potencial de recursos naturais, ambos relevantes à reprodução social dos grupos.
Nesta lógica, a formação de um território resulta do encontro e da mobilização dos atores sociais
que integram um dado espaço geográfico e que procuram identificar e resolver problemas comuns. Assim, o território pode ser visto como uma configuração mutável, provisória e inacabada, considerando que sua construção pressupõe a existência de uma relação de proximidades dos
atores.
Em síntese, pode-se dizer que o território é, ao mesmo tempo, uma criação coletiva e um recurso institucional, definição que está associada à idéia de que as transformações das propriedades
do território podem gerar e maximizar o processo de valorização dos recursos desse próprio
espaço. Neste caso, sobressaem duas propriedades fundamentais de um território: é uma realidade em evolução e é também resultado simultâneo dos “jogos do poder” e dos compromissos
estabelecidos entre os atores sociais.
Principais elementos ressaltados pelos palestrantes
Um primeiro aspecto trazido para o debate foi que em regiões pobres há um conflito mais ou
menos agudo entre participação social e as inovações sócio-culturais, produtivas e políticas
necessárias ao processo de desenvolvimento. Isto é, um conflito potencial entre representatividade e inovação presente, tanto nas políticas públicos como nas demandas dos atores sociais.
Compreender essas questões é chave para interpretar as diferentes tentativas de implantar métodos e técnicas voltados a estimular o desenvolvimento territorial, das quais os conselhos são
expressões das mais profícuas. A hipótese é que, embora os conselhos sejam até representativos,
eles estão organizados de uma determinada maneira e com uma composição que não favorece a
promoção de inovações substantivas, como requer a idéia de desenvolvimento territorial.
Com isso, há riscos concretos de elitização das ações formais de desenvolvimento rural onde o
processo de valorização dos recursos locais tende a se voltar para as camadas médias da sociedade que já se encontram integradas à vida econômica, social e política, resultando em escolhas
pouco coerentes com a lógica do desenvolvimento territorial.
Em decorrência disso, nota-se que os resultados das ações formais de desenvolvimento tornamse pífios, pois além da fragilidade da capacidade de barganha política das minorias historicamente excluídas e os equívocos de técnicas e abordagens participativas, a inexperiência da maioria dos agentes de desenvolvimento territorial é decisiva, uma vez que os mesmos não concebem os conflitos como elementos constitutivos das sociedades locais.
Nestas esferas locais ocorrem dois tipos de conflitos: os abertos e os velados. O primeiro tipo de
conflitos diz respeito ao reconhecimento da complexidade do social, das divergências de interesses dos diversos atores e das distintas estratégias e concepções de desenvolvimento entre os
envolvidos. Estes elementos não são normas, mas fazem parte das regras do jogo no processo de
construção de ações formais de desenvolvimento. Já o segundo tipo se refere às tendências de
subestimar, ou até mesmo ignorar, a existência de conflitos e os seus efeitos sobre as ações programadas.
No entanto, para que as ações de desenvolvimento se tornem mais efetivas é importante que os
conflitos sejam bem mediados e negociados. Agindo desta forma, são incorporados fatores de
socialização, integração e coesão social, que acabam se revertendo em laços de consolidação
das sociedades democráticas.
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Este processo enfrenta, ainda, obstáculos de diversas ordens quando se busca construir uma
política territorial que procure fortalecer a gestão social e as redes sociais locais de cooperação
que procuram dinamizar a economia e melhorar a qualidade de vida da população, destacandose a fragmentação e a baixa mobilização dos atores; as dificuldades de integração das políticas
governamentais de desenvolvimento; as dificuldades de sistematizar iniciativas e experiências
locais que poderiam se transformar em políticas públicas; e as limitações de conhecimento sobre
desenvolvimento, especialmente desenvolvimento sustentável.
Principais proposições de políticas públicas
Partindo do pressuposto que as políticas de desenvolvimento rural no Brasil, especialmente nas
últimas décadas do século XX, foram marcados pelo “municipalismo”, fez-se um conjunto de
sugestões para as políticas de desenvolvimento territorial, com destaque para:
a) o processo de formação dos territórios poderá ser mais exitoso quando os mesmos
forem constituídos a partir das iniciativas locais em contraposição àqueles que simplesmente são determinados por instâncias governamentais ou estruturas administrativas legais;
b) a composição dos fóruns precisa espelhar a dinâmica das forças sociais existentes
nos territórios, para além do privilégio a um determinado setor e/ou grupo específico;
c) o processo de seleção e de avaliação de projetos precisa introduzir mecanismos que
favoreçam o aprendizado organizacional, pois a tarefa principal das organizações
está em encontrar formas inovadoras de estímulo às atividades locais capazes de
ampliar a capacidade dos mais pobres se inserirem em mercados mais dinâmicos,
além de desfrutarem de melhores oportunidades em seus cotidianos;
d) a introdução de contrapartidas territoriais nos projetos de desenvolvimento, especialmente aquelas de cunho socioambiental, entendendo-se que esse mecanismo é
uma forma rápida para se passar das políticas setoriais para ações territoriais;
e) a criação de uma instituição supraministerial para fazer a concertação das políticas,
evitando-se sobreposição de competências e financiamentos cruzados;
f) a implantação de um programa de formação de alto nível na esfera do reordenamento territorial, especialmente dos funcionários de carreira dos órgãos públicos;
g) um processo de planejamento territorial que reconheça a percepção dos atores rurais
locais, visando o fortalecimento das organizações populares, das redes e fóruns, os
quais poderão construir políticas de desenvolvimento territorial a partir de suas vivências;
h) o respeito ao princípio da diversidade dos grupos que fazem parte de um território,
buscando inverter o enfoque setorial e autoritário que predominou no modelo de desenvolvimento rural brasileiro.
Principais questões levantadas nos debates pelos participantes do evento
Destacamos, a seguir, algumas das questões destinadas aos palestrantes, com suas respectivas
respostas, como forma de sistematizar a linha do debate.
1ª) Questionou-se se há um conflito ou uma complementaridade entre territorialidade e setorialidade. Os palestrantes entenderam que não existe uma contradição insanável entre estas duas
dimensões das abordagens de desenvolvimento, como bem demonstra a experiência italiana. A
questão está na falta de uma maior abertura nas políticas de desenvolvimento territorial aos outros atores igualmente necessários para a promoção desta abordagem, o que se expressa, por
exemplo, na falta de diálogo entre as políticas ou na composição de fóruns, como é o caso atual
dos CONSAD e das próprias institucionalidades territoriais.
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2ª) Qual o tratamento possível da dimensão ambiental numa perspectiva de desenvolvimento
territorial? Uma das maneiras pela qual a questão ambiental aparece na abordagem territorial diz
respeito a sua exploração pelo ecoturismo, por exemplo. Se este tema não apareceu com mais
vigor neste seminário é justamente porque os atores que têm explorado estas possibilidades são
aqueles que conseguem construir as estruturas necessárias ao funcionamento dos mercados em
torno destas atividades.
3ª) Qual o espaço da agricultura familiar na produção agrícola e no debate sobre os territórios?
Até o passado recente o eixo da discussão sobre desenvolvimento rural se baseou na viabilidade
da agricultura familiar vis-à-vis agricultura patronal. Hoje a questão principal diz respeito à
construção social dos mercados, uma vez que os mesmos não servem apenas para alcançar melhores preços, mas para estabilizar relações entre compradores e vendedores e minimizar seus
riscos. Logo, a inserção da agricultura familiar se faz justamente por meio de sua inserção nas
dinâmicas territoriais, das quais os mercados são expressões de comprovada relevância.
4ª) Qual o lugar da questão agrária na abordagem territorial do desenvolvimento rural? A terra
é, sem dúvida, um recurso fundamental a ser transformado em ativo nos processos de desenvolvimento territorial. No entanto, o debate atual sobre as políticas de acesso a terra não favorece
uma lógica contratual e uma relação mais profícua com as dinâmicas territoriais.
5ª) Quais os principais recursos e ativos que podem se converter em fatores decisivos para o
desenvolvimento dos territórios rurais? Um dos principais ativos é a educação, mas não se trata
apenas da elevação do nível de escolaridade, mas sim do tipo de educação que é oferecido aos
diferentes segmentos da população. O outro ativo fundamental é a terra.
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PAINEL 3
Desenvolvimento rural, eqüidade social e sustentabilidade:
reforma agrária, agricultura familiar e atores sociais
PALESTRANTES
Guilherme Delgado
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA
Alfredo Wagner
Professor da Universidade Federal do Amazonas – UFAM
Bernardo Mançano
Professor da Universidade Estadual Paulista – Unesp
Sérgio Leite
Professor do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CPDA/UFRRJ
COORDENADOR PELO CONDRAF
Roberto Vizentin
Ministério do Meio Ambiente
O objetivo do painel foi discutir as possibilidades do desenvolvimento rural brasileiro, trazendo
para o centro das análises os próprios protagonistas deste processo (Estado, sindicatos, movimentos sociais, organizações não-governamentais etc.), os quais se encontram envolvidos na
ampliação dos programas de reforma agrária e assentamentos rurais, na consolidação da agricultura familiar, no reconhecimento das lutas e reivindicações que emanam de organizações ligadas
aos povos indígenas, aos trabalhadores sem-terra, sindicalizados, extrativistas e atingidos por
barragens, movimento de jovens, mulheres e quilombolas. Para tanto, fez-se uma abordagem
sobre as políticas públicas e os processos sociais destinados a uma melhor distribuição da riqueza e dos ativos existentes, o que pode resultar em padrões mais equânimes da sociedade brasileira, fator vital para a dimensão sustentável do desenvolvimento.
Parâmetros conceituais básicos destacados pelos palestrantes
O desenvolvimento visa criar situações em que as pessoas possam ter igualdade de oportunidades, para além dos limites da subsistência. A passagem de uma situação de ausência da eqüidade
para uma situação em que haja desenvolvimento exige um forte conteúdo de políticas sociais e
de fomento produtivo capazes de gerar esta transição. As políticas sociais e suas conexões com
os programas de desenvolvimento rural sustentável são ações no âmbito dos direitos sociais
garantidas pela constituição federal brasileira de 1988.
Em termos genéricos, o subdesenvolvimento é medido por meio do crescimento econômico,
onde se reproduzem desigualdades e relações sociais atrasadas, enquanto que o desenvolvimento é um processo de transição do subdesenvolvimento para uma situação com igualdade de oportunidades no espaço agrário (idéia de eqüidade).
Nesta lógica, foi enfatizado que não se pode reduzir o padrão de desenvolvimento simplesmente
ao aumento da riqueza, pois no caso do meio rural brasileiro há outras dimensões do processo
econômico, social e político que devem ser igualmente observadas para que seja possível desenhar um padrão de desenvolvimento rural sustentável mais abrangente.
Estes aspectos nos remetem à necessidade de questionar a estratégia desenvolvimentista atual
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que está centrada na orientação exportadora e assentada em dois pilares básicos: o comércio
internacional de produtos agropecuários, em um contexto bastante vulnerável, e a expansão de
monoculturas, que não assegura um modelo socialmente inclusivo, além de provocar efeitos
danosos sobre o meio ambiente. Para alguns, isso significa a predominância do paradigma do
capitalismo agrário.
Principais elementos ressaltados pelos palestrantes
Em termos das políticas sociais (clássicas e não clássicas), destacou-se que elas deveriam cumprir a função de dotar de capacidades os atores sociais que estão momentaneamente descartados
do mundo do trabalho e do tecido social local, através de políticas de direitos e de políticas de
fomento à produção.
Entretanto, ao olhar a trajetória recente dessas políticas no país constata-se que parte delas tem
sido garantida e conquistada, mas parte tem sido desconstruída ou obstaculizada, especialmente
no que diz respeito aos direitos (seguridade social, educação e propriedade fundiária). Além
disso, atualmente nota-se que a principal ausência diz respeito às políticas de fomento, que tradicionalmente estiveram direcionadas ao setor de produção de commodities. O PRONAF, que é
um marco nesta trajetória, está voltado fortemente ao provimento de crédito, sem correspondência em políticas agrícolas e comerciais.
A modernização conservadora da agricultura (1965-1980) aumentou a produção, elevou o padrão tecnológico, disponibilizou crédito, consolidou as cadeias agroindustriais, aumentou a exportação, mas concentrou a terra e a renda e destruiu os recursos naturais. No contexto recente
(1980-2005), a dinâmica da produção agrícola brasileira tem caminhado na direção de uma especialização de bens exportáveis primários, aumentando com isso a dependência da vulnerabilidade internacional do país. Isto caminha na direção oposta à sustentabilidade, à segurança e à
soberania alimentar e à geração de empregos e inclusão socioeconômica.
Todavia, ressaltou-se que, mesmo com essa “commoditização” do espaço agrário, há também,
concomitantemente, uma re-territorialização (ex: quilombolas, terras indígenas) e um fortalecimento dos mercados segmentados. Com isso, quase ¼ do território está sendo utilizado sob
estas novas formas de uso social dos recursos naturais, com incorporação da floresta e das pessoas aos processos produtivos de maneira sustentável, não depredando a natureza e não dependendo de investimentos públicos.
No entanto, este ¼ do território está sendo cercado pelo avanço da produção agrícola de monoculturas, particularmente da soja. Isto se torna mais dramático ainda porque é exatamente nestes
territórios que se concentram os recursos hídricos e grande parte da biodiversidade do país. Além disso, como a Constituição de 1988 deu abertura à idéia de autodenominação e da definição
de povos, há uma dificuldade em enquadrar determinadas situações nas categorias oficiais já
estabelecidas (por exemplo, imóvel rural).
Estes pontos mostram que, se as linhas gerais do avanço do neoliberalismo trouxeram consigo
uma desestruturação de determinadas organizações, como é o caso do sindicalismo operário,
trouxeram também uma revitalização de identidades e movimentos que mostram que o caminho
sinalizado pelo agronegócio não é único nem monotônico.
Principais proposições de políticas públicas
Partindo do pressuposto que desenvolvimento com eqüidade requer a intervenção pública, principalmente para as populações em economias de subsistência, as condições de transição da economia agrária atual para um novo desenvolvimento requerem a superação de três constrangimentos básicos:
a) Relações de trabalho limitantes à incorporação da força de trabalho: a estrutura do
mercado de trabalho agrário atual não permite que a incorporação do contingente
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populacional rural ocorra via o assalariamento clássico, pois 10% são protegidos,
20% são assalariados desprotegidos e 70% são agricultores familiares;
b) A estrutura fundiária continua refém e caudatária do agronegócio, este entendido
para além da base técnica;
c) Os direitos sociais continuam restritos. Isso implica romper com relações de trabalho tradicionais que ainda prevalecem no meio rural.
Também foi mencionada a necessidade de se implementar uma política de fomento agrícola e
comercial destinada ao setor da produção familiar.
Além disso, a reforma agrária deve ser um dos principais pilares constitutivos de um modelo
sustentável em oposição aos rumos do desenvolvimento rural atual.
Destacou-se, ainda, a necessidade de se repensar o eixo dos investimentos públicos brasileiros,
em termos da prioridade na alocação dos recursos que estão sendo cada vez mais escassos.
Já o desenvolvimento territorial deve ser concebido a partir da participação política dos sujeitos,
o que implica que os territórios devem ser concebidos a partir da participação efetiva dos atores
sociais, pensando articuladamente os temas da pluriatividade e da multifuncionalidade dos territórios por meio da autonomia dos agentes do desenvolvimento rural sustentável.
Finalmente, sugeriu-se discutir e definir linhas de políticas étnicas bem delineadas para atender
aos novos movimentos sociais organizados e grupos e comunidades tradicionais.
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Considerações do relator sobre o evento
Inicialmente deve-se recordar que o seminário tinha como objetivo principal retomar o debate
sobre políticas públicas necessárias à promoção do desenvolvimento rural sustentável no país,
incorporando à agenda pública temas relativamente novos para o caso brasileiro, mas que são
essenciais para a compreensão do processo de transformações em curso nas áreas rurais. Dentre
esses temas, destacou-se a relevância da pluriatividade e da multifuncionalidade e as interfaces
dos mesmos com as políticas de reforma agrária e de apoio à agricultura familiar. Para tanto,
foram organizados painéis em que se buscou compreender a transversalidade dessas questões
em um programa amplo de desenvolvimento rural, além de estabelecer parâmetros mínimos das
discussões específicas relativas a cada um desses temas.
Um dos primeiros aspectos que gostaríamos de ressaltar foi a grande aceitação obtida para a
realização do evento, considerando-se a enorme procura para participar do mesmo em praticamente todos os estados do país. De alguma forma, este fato revela duas questões importantes:
por um lado, a inexistência de um debate seqüencial do tema num cenário em que as contradições do modelo de desenvolvimento rural do país estão cada vez mais afloradas e, por outro, a
necessidade de se retomar a construção de um programa de políticas públicas que tenha como
fio condutor a sustentabilidade e a inclusão social.
Além disso, devem ser destacados mais dois aspectos importantes. O primeiro deles foi a participação qualificada dos mais diversos atores sociais (agricultores, extrativistas, sindicalistas,
membros de ONGs, gestores de políticas públicas, pesquisadores, estudantes, dentre outros) nos
três dias de discussões. O outro se refere ao conjunto qualificado de pesquisadores (brasileiros e
internacionais) que, num curto período de tempo, se dispuseram a participar do seminário, contribuindo com estudos em suas respectivas áreas de conhecimento e, acima de tudo, com seus
compromissos na construção de um programa de desenvolvimento rural em base mais sólidas e
sustentáveis.
Também convém realçar que o seminário como um todo conseguiu avançar em direção a um
conjunto de proposições de políticas públicas, mesmo que timidamente, as quais poderão servir
de base para os debates que deverão ocorrer nos estados antecedendo à Conferência Nacional, a
ser realizada em 2006, que procurará definir as linhas estratégicas do programa nacional de
desenvolvimento rural sustentável para o país.
No caso específico das políticas públicas, registre-se a participação dos convidados internacionais que, com suas análises, contribuíram para aprofundar a compreensão sobre os caminhos a
serem seguidos. Para tanto, experiências como as políticas públicas da União Européia servem
para nosso país, menos como exemplo a ser imitado, mas muito mais como uma referência para
se compreender a multiplicidade de fatores envolvidos no processo de promoção do desenvolvimento rural e as opções que podem ser utilizadas, em contraposição a tudo o que tradicionalmente está sendo feito nesta área.
Por fim, cabe registrar que a transversalidade esperada entre os temas da pluriatividade e multifuncionalidade com a agricultura familiar e a reforma agrária foi pouco densa, ganhando consistência o debate sobre desenvolvimento territorial, tema, aliás, que esteve presente em todas as
seções plenárias. De certa forma, isto revela que o mesmo está sendo incorporado à agenda com
mais consistência, comparativamente aos demais eixos temáticos do evento.
O fato de a atual administração federal ter retomado esse debate já é um ponto extremamente
positivo que não deve ser ignorado. No entanto, neste processo apareceram algumas questões e
lacunas que, na continuidade das discussões, igualmente não podem ser ignoradas. Dentre elas
destacamos:
1ª) DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: neste ponto ficou evidente a necessidade de se apro22
fundar o debate sobre o que se entende, em primeiro lugar, por desenvolvimento, e quais os
parâmetros mínimos de um programa de políticas públicas para atingir estágios de sustentabilidade. Isto recoloca o desafio de se ultrapassar as barreiras simplistas do viés do crescimento
econômico, o qual normalmente reforça contradições e exclusões, como é o caso do modelo
agrário brasileiro atual. Além disso, quando se fala de rural fica evidente a necessidade de uma
qualificação mais aprimorada sobre as diferentes concepções acerca desse mundo e os efeitos
das mesmas sobre os desenhos de políticas públicas.
2ª) VARIÁVEL AMBIENTAL: os parâmetros da sustentabilidade prevêem uma articulação bem
clara das esferas econômica, social, política, cultural e ambiental como forma de se garantir o
atendimento de todas as necessidades das gerações futuras. Neste caso, o uso e o manejo adequado dos recursos naturais, valorizando a biodiversidade e os conhecimentos tradicionais, é um
pressuposto básico para qualquer proposta de mudanças que se pretende impor à rota atual do
desenvolvimento brasileiro. Entretanto, nota-se que a discussão ambiental está praticamente
ausente de todos os debates e, particularmente, das proposições de políticas públicas voltadas à
construção de um programa de desenvolvimento rural sustentável.
3ª) QUESTÃO AGRÁRIA: o processo histórico de ocupação das terras levou a conformação de
um modelo agrário que situa o país entre aqueles com os maiores índices de concentração de
terras do mundo. Embora em um dos momentos do seminário a questão fundiária tenha sido
tratada, aparecendo inclusive propostas de reordenamento fundiário à luz de experiências internacionais, verifica-se que o lugar da questão agrária num programa de desenvolvimento rural
sustentável praticamente não foi discutido, o que revela a necessidade de se retomar esse ponto
na seqüência dos debates.
4ª) PARTICIPAÇÃO SOCIAL: é amplamente conhecido o processo histórico de exclusão a que
foram submetidos os agricultores e suas organizações, especialmente nos momentos de definições estratégicas das políticas públicas. Com isso, instaurou-se um modelo de políticas do tipo
“top down”, em que há pouca sensibilidade às demandas sociais, especialmente aqueles dos
setores mais vulneráveis e menos organizados da sociedade. Visando superar esses problemas,
assistiu-se, particularmente na última década do século XX, a emergência de práticas “conselhistas” que, atualmente, não conseguem ir além de colocar suas demandas na agenda pública e
gastar tempo atrás da alocação dos recursos necessários. O resultado é que pouco tempo sobra
para a formulação e elaboração de projetos estratégicos de desenvolvimento. Esta lógica de
intervenção precisa ser alterada, caso se queira mudar os rumos do desenvolvimento, ficando
claro a necessidade de aprofundar este ponto na continuidade dos debates.
5ª) POLÍTICAS PÚBLICAS E SEUS GESTORES: o redesenho das políticas públicas tem que refletir a dinâmica social local e não apenas escolhas de órgãos governamentais em relação a determinados interlocutores privilegiados de suas ações. Este tipo de opção pode ser prejudicial,
na medida em que atores importantes ficam excluídos, ao mesmo tempo em que aumentam as
possibilidades de ações meramente pontuais e sem qualquer efeito qualitativo, em termos de
projetos de desenvolvimento. Aqui é crucial o papel dos gestores das políticas públicas, no sentido de perceberem seu papel enquanto agentes e não definidores exclusivos dos rumos do desenvolvimento. Por isso, é necessário rediscutir programas de capacitação também para estes
atores, além dos agricultores e suas organizações. Durante a realização do evento notamos que o
diálogo com os gestores de políticas públicas ficou bem aquém do esperado, implicando na
necessidade de se repensar o papel dos mesmos nas atividades seguintes relacionadas à construção do programa de desenvolvimento rural sustentável.
6ª) EXPERIÊNCIAS LOCAIS: embora o eixo central do seminário não tivesse sido pautado pelo
relato e discussão de experiências, é recomendável que nas etapas seguintes sejam incorporadas
aos debates diferentes reflexões e experiências das mais diversas regiões do país, visando contemplar a diversidade produtiva, social e cultural existente. Neste caso, seria importante incorporar à agenda de debates relatos de vivências dos mais variados atores sociais, bem como suas
estratégias de intervenção visando à construção de um programa de desenvolvimento sustentável.
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Seminário Nacional de Desenvolvimento Rural