842 V Mostra de Pesquisa da PósGraduação Suzanne Labin e o Pensamento Militar: a Guerra Revolucionária como estratégia de atuação na sociedade civil (1963-1967) Raquel Silva da Fonseca1, Helder Gordim da Silveira1 (orientador) 1 Programa de Pós-Graduação em História, PUCRS Este resumo faz parte de um projeto de pesquisa recém ingresso na pós-graduação em História da PUCRS (2010/1). A pesquisa visa compreender a reutilização feita pelos militares brasileiros da Guerré Revolutionnaire francesa, nos anos de 1963 e 1966-1967. Para tanto, selecionamos documentação especificamente produzida por militares. O primeiro documento selecionado é uma ação educativa sobre Guerra Revolucionária, produzida pelo Ministério da Guerra e o Estado-Maior do Exército em 1963. O segundo documento selecionado são os livros do Inquérito “Policial Militar 709”, em especial os tomos 2 e 3, onde a autora da qual falaremos a seguir é mais utilizada. A autora é Suzanne Labin, e a principal obra utilizada é “Em Cima da Hora” (LABIN, 1963). Traçaremos um paralelo entre esses dois documentos para identificar a produção de uma estratégia militar de atuação na sociedade civil. Acreditase que a estratégia formulada nesses documentos concorda com a doutrina de Guerré Revolutionnaire francesa, na qual Suzanne Labin seria seu expoente. O trabalho parte da seguinte problemática: De que maneiras o Exército brasileiro reutilizou o pensamento de Suzanne Labin, de 1963 a 1967, e como essas reutilizações podem ser vistas como influências da doutrina de Guerré Revolutionnaire francesa? O objetivo principal estabelecido é analisar a forma como o pensamento de Labin foi reutilizado nos documentos selecionados, e como esse pensamento progride ao longo do período estabelecido. Para realizar a análise, o referencial teórico utilizado parte de Gramsci, principalmente das suas idéias de Bloco Histórico e Hegemonia (PORTELLI, 1977; GRAMSCI, 2004). Dentro do Bloco Histórico, a sociedade é dividida em dois planos, a sociedade política, que seria o aparelho de Estado em si e o monopólio da coerção, e a sociedade civil. O autor Hugues Portelli salienta que esta divisão se dá apenas em plano V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 843 teórico e que a separação dessas realidades acarretaria em um erro metodológico grave (PORTELLI, 1977). Num primeiro momento, as Forças Armadas aparecem nessa perspectiva como o principal braço coercitivo na sociedade política, aparentemente afastada da sociedade civil. No entanto, em uma análise mais detalhada da história das Forças Armadas em nosso país, podemos perceber não só seu aspecto coercitivo, mas, principalmente, o papel político relevante que esta instituição teve dentro da história republicana. Para isso, relativizando os conceitos propostos por Gramsci dentro da realidade de nossa sociedade, esta pesquisa encara as Forças Armadas não só como o braço coercitivo da sociedade política ou como perpetuador da ideologia da classe dominante. As Forças Armadas brasileiras atuam também dentro da sociedade civil, com projetos que buscam o consenso da sociedade, ao invés de se preocupar apenas com a aplicação da coerção. O autor Acanda argumenta a distinção entre sociedade política e sociedade civil: “Nos Cadernos, Gramsci distingue dois momentos da superestrutura que estão em permanente relação dialética: de um lado a „sociedade política‟, de outro a „sociedade civil‟. A sociedade política está constituída pelos órgãos da superestrutura encarregados de implementar a função de coerção e domínio, ao passo que a sociedade civil é conformada pelo conjunto de organismos, usualmente considerados „privados‟, que possibilitam a direção intelectual e moral da sociedade, mediante a formação de consenso e a adesão das massas. A trama da sociedade civil é formada por múltiplas organizações sociais de caráter cultural, educativo e religioso, mas também político e, inclusive, econômico. Por seu intermédio, difundem-se a ideologia, os interesses e valores da classe que domina o Estado, e se articulam o consenso e a direção moral e intelectual do conjunto social. Nela se forma a vontade coletiva, se articula a estrutura material da cultura e se organiza o consentimento e a adesão das classes dominadas.” (ACANDA, 2006, p. 175) Acredita-se que a reutilização do pensamento de Suzanne Labin e sua possível identificação com a Guerré Revolutionnaire trouxeram para o Exército novas formas de pensar a sociedade civil e ainda trouxe subsídios para se montar uma estratégia de atuação na sociedade civil, em que o papel das Forças Armadas ia além da força coercitiva. Referências ACANDA, Jorge Luis. Sociedade Civil e Hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. BONNET, Gabriel. Guerras Insurrecionais e Revolucionárias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. BRASIL, Pedro. Livro Branco sôbre a Guerra Revolucionária no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1964. V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 844 CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. CASTRO, Celso. 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