Oligarquia e democracia no
governo representativo
Texto para apresentação no V Simpósio de Pós-Graduandos do Departamento de
Ciência Política da Universidade de São Paulo, 2008.
Jean Gabriel Castro da Costa
Resumo:
É quase lugar comum associar governo representativo e democracia, no entanto, no
séc. XVIII, os teóricos e políticos que fundaram o governo representativo o
entendiam como uma forma de governo radicalmente diferente da democracia e superior
a ela. Características centrais que definiam a democracia até o séc. XVIII foram
completamente excluídas na formação do governo representativo. Não apenas a
participação direta e voluntária dos cidadãos, mas também o sorteio foi
completamente excluído como método de seleção. Levantamos a hipótese de que o
governo representativo, tal como proposto pelos federalistas, é uma combinação de
oligarquia e democracia no interior de uma República que se pretende a mais
adequada à realidade da moderna sociedade civil-burguesa. Nessa construção teórica
e política, o objetivo central era criar uma forma de governo que restringisse a
democracia e as incertezas da vontade e permitisse o desenvolvimento da sociedade
comercial. Discutimos esta hipótese a partir do debate entre Bernard Manin e Nádia
Urbinati, do estudo de Koselleck sobre a soberania estatal e da análise de Hegel
sobre a relação entre sociedade civil e representação.
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"A diferença real entre as democracias antigas e as modernas reside na total exclusão do povo em sua
capacidade coletiva de qualquer partilha do poder na última, e não na total exclusão de representantes
do povo na administração da primeira". (Madison, "Federalist 63")
Quais são elementos democráticos e oligárquicos que podemos encontrar no governo
representativo construído pelos teóricos e políticos anglo-franceses no séc. XVIII? Começamos a partir
do debate entre Manin e Urbinati sobre o governo representativo. Para Manin, o arcabouço institucional
que emergiu das revoluções do séc. XVIII permaneceu inalterado nos últimos duzentos anos, com
algumas exceções, entre elas a mais visível é a extensão do direito de voto. Urbinati (URBINATI,
2006) critica Manin por sua ênfase na discrepância entre governo representativo e democracia, ênfase
que Manin fundamentou nos discursos e escolhas institucionais dos próprios pais fundadores do
governo representativo. Enquanto Manin pretende reconstruir o conceito de representação de modo a
"desnaturalizar" a identificação comum entre representação e democracia, e, desse modo, reabrir a
reflexão para estimular uma criatividade institucional que teria sido perdida, Urbinati procura defender
a democracia representativa dos ataques que ela recebe no presente a partir de dois pólos opostos: por
um lado, o pólo dos defensores de uma concepção minimalista de democracia, que tendem a reduzi-la a
uma democracia eleitoral, e, por outro lado, o pólo dos defensores da democracia direta, inspirados em
última instância em Rousseau. As ênfases são diferentes, o que não quer dizer que Manin realize uma
pesquisa meramente conceitual enquanto Urbinati, com sua defesa da democracia representativa, teria
uma preocupação mais diretamente relacionada com a política presente. Ambos pensam a partir do
presente e ambos tem consciência das possíveis conseqüências políticas de suas pesquisas. Sem negar o
valor da participação direta, Urbinati quer entender como as formas de presença política indireta
tornam o governo contemporâneo democrático. Manin, ainda que enfatize a discrepância entre governo
representativo e democracia, não deixa de sublinhar a ambigüidade entre elementos democráticos e
aristocráticos presentes no governo representativo (MANIN, 1997, p. 149). Manin não deixa de
reconhecer elementos democráticos presentes na luta pela representação parlamentar contra o
absolutismo e na luta pelo sufrágio universal.
Para entender a formação das instituições representativas modernas, Manin retorna aos
discursos e escolhas institucionais de seus fundadores no séc. XVIII. Uma característica comum a esses
diversos autores e políticos era a tentativa de construir uma forma de governo republicano, que, embora
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inevitavelmente nova, procurava se referir à tradição republicana e democrática clássica. Todos eles
pensavam a partir de uma tradição política que remontava à Grécia antiga e dialogavam com essa
herança. Na luta contra o absolutismo, as imagens das repúblicas antigas e da democracia ateniense
eram constantemente mobilizadas. Os revolucionários das três grandes "revoluções democráticas" – a
inglesa, a francesa e a americana – faziam menções explícitas às repúblicas espartana, ateniense e
romana e muitas vezes se imaginavam como verdadeiros tribunos e magistrados antigos. As imagens
mobilizadas pelos revolucionários e reformistas sobre o republicanismo antigo fundavam-se na leitura
dos filósofos, historiadores, poetas e políticos antigos. O contexto em que fizeram essa leitura estava
marcado pela luta contra o absolutismo, mas também por um forte impulso igualitário, motivado pela
luta contra os privilégios de sangue. Portanto, era natural que fossem buscar na tradição clássica outras
formas de governo que não as aristocráticas, e, nesse caso, a democracia ateniense aparecia em lugar de
destaque. O que pode parecer paradoxal é que, para a maioria dos autores do séc. XVIII, incluindo até
mesmo o "democrata radical" Rousseau, Atenas aparecia como exemplo a ser rejeitado. As
aristocráticas Roma e Esparta eram muito mais valorizadas. As escolhas podem revelar muito, mas não
é o caso de especular nesse momento sobre os motivos destas escolhas. De qualquer modo, Atenas foi
uma referência, positiva ou negativa, nos debates sobre a construção da democracia representativa.
Manin recupera esse debate e descobre como certas características importantes da democracia
representativa, entre elas a eleição como método de seleção, eram vistas como essencialmente
aristocráticas por toda a tradição política ocidental dos gregos até os revolucionários e reformistas do
séc. XVIII.
Desse modo, torna-se importante entender o que era a democracia ateniense e o que era
considerado aristocrático ou democrático na tradição do pensamento político até o momento de
fundação da moderna democracia representativa. Para Manin, a principal diferença entre a democracia
antiga e a democracia moderna não reside na participação direta ou indireta do povo. A democracia
ateniense não obrigava a participação direta de todos os cidadãos na assembléia. A participação era
voluntária. O que caracterizava a democracia ateniense era a igual chance que qualquer cidadão tinha
de participar da política. Como se sabe, a política não era constituída por profissionais e fechada ao
cidadão comum. Democracia era a forma de governo onde qualquer cidadão que tivesse interesse
poderia, sem altos custos, se dedicar à política.
Para que esse princípio da democracia se realizasse era necessário que o principal método de
seleção para os cargos públicos não utilizasse nenhum critério de distinção, que não favorecesse os
ricos, por exemplo. O principal método de seleção adotado na Atenas democrática era o sorteio, uma
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forma de seleção onde qualquer cidadão, rico ou pobre, nobre ou mercador, feio ou bonito, tinha iguais
chances de ser escolhido. A maior parte dos cargos no Estado ateniense era preenchido por cidadãos
que voluntariamente se submetiam a um sorteio. Para Manin, a combinação da seleção por sorteio com
o princípio do voluntarismo refletia o princípio de igualdade como isegoria, a igual oportunidade de
ocupar lugar na assembléia e de fazer propostas, que constituía um valor chave na democracia
(MANIN, 1997, p. 38). Além de garantir a igualdade de oportunidades para ocupar um cargo, o sorteio
garantia um outro princípio da democracia: a rotação dos cidadãos nos cargos públicos (FINLEY,
1983, p. 74). Ao longo de sua vida, o cidadão ateniense médio passava por vários cargos do Estado.
Esse princípio pretendia dificultar a formação de uma nova oligarquia. Os oligarcas atenienses
criticavam o sorteio alegando que ele impedia a escolha dos “melhores” para os cargos e defendia o
método de escolha por eleição como o mais adequado a esse propósito. Os democratas alegavam que
em caso de necessidade de um conhecimento e experiência específicos, como no caso do estratego
(chefe militar), era recomendável o uso de eleição, já que não se poderia escolher alguém que não
tivesse o conhecimento necessário para o cargo. Segundo Glotz:
"Desde o século V, o sorteio tornou-se o procedimento democrático por excelência, e, por seu
intermédio, foram designados todos os magistrados cuja escolha não dependia necessariamente das
idéias políticas ou dos talentos. (...) Todos os magistrados de quem cumpria exigir competência
profissional ou garantias de riqueza eram designados mediante votação com as mãos erguidas. Entre
tais magistrados, figuraram, desde o século V, os funcionários militares: os 10 estrategos, os 10
taxiarcos, os dois hiparcos, os 10 filarcos e os 10 oficiais de recrutamento ou katalogeîs. Também
entre eles figuraram os chefes dos serviços técnicos: no século V, provavelmente os hellênotamíai ou
tesoureiros da caixa federal; no séc. IV, figuraram os administradores do theôrikón e o epimelétês das
águas e das fontes". Grifos nossos. (GLOTZ, 1980, p. 171 e p. 175).
Os democratas aceitavam a eleição para determinados cargos e os critérios eram, para Glotz, a
necessidade de um conhecimento específico e garantias de riqueza. Glotz não explica qual era a
justificativa para a necessidade de “garantias de riqueza” como pré-requisito para assumir determinados
cargos, mas podemos supor, com base na tradição republicana, que a propriedade, especialmente a
propriedade da terra, era vista como uma garantia contra a corrupção e que cidadãos em situação de
carência estariam mais tentados a se corromper (POCOCK, 1975). Mas os democratas não poderiam
defender explicitamente um critério censitário, preferiram então uma saída hipócrita: aceitar a eleição
para determinados cargos como meio de suprir a necessidade de “garantias de riqueza” sem defender
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explicitamente um critério censitário. Isso porque a eleição, na prática, tendia a favorecer os mais ricos,
que detinham mais recursos em dinheiro e em status para se eleger. Deve-se considerar também o fato
de que alguns cargos altos não eram remunerados e não atraiam os mais pobres, que, sem remuneração,
não poderiam se dedicar ao cargo. Mesmo que os democratas aceitassem utilizar a eleição nesses casos,
utilizá-la em todos os cargos, mesmo naqueles onde não fosse necessário um conhecimento específico,
seria o mesmo que implantar completamente a oligarquia e impedir a isegoria. Apesar da prevalência
dos ricos em muitos cargos altos, seria exagero dizer que todos os cargos mais importantes em Atenas
eram ocupados pelos ricos, isso tendia a ocorrer apenas onde a seleção era feita por eleição, mas
existiam cargos muito importantes, e não apenas cargos secundários, onde a seleção era feita por
sorteio (MANIN, 1997, p. 17).
Para entender a importância do sorteio na democracia ateniense é importante observar como ele
operava nas suas instituições mais importantes. A assembléia dos cidadãos (ekklesia) decidia em suas
votações as principais medidas que afetariam a cidade. Era formada por todos os cidadãos que nela
estivessem presentes. Qualquer cidadão podia fazer uma proposta para a votação ou uma acusação,
mas, para evitar abusos, o cidadão poderia ser responsabilizado penalmente em caso de injúria, ou de
submeter uma proposta ilegal para votação ou de propor uma medida que, uma vez implantada,
provocasse a ruína da cidade. O rigor da pena poderia variar de simples multas até a pena de morte,
dependendo da gravidade. A presença na assembléia não era obrigatória, mas para algumas decisões
mais importantes, como declaração de guerra ou decidir pelo ostracismo de um cidadão, era necessário
um quorum de pelo menos 6.000 cidadãos (em uma população de aproximadamente 35.000).
Como não seria viável o funcionamento de uma assembléia com 6.000 cidadãos fazendo
propostas ao mesmo tempo, existia um Conselho (Boulé) que tinha a função de organizar a pauta de
discussão e votação que seria repassada para a assembléia. Os 500 membros do Conselho (os Bouletaí)
eram escolhidos por sorteio entre os cidadãos presentes na assembléia que tivessem mais de 30 anos de
idade e que se apresentassem como candidatos. Eram escolhidos a uma razão de 50 por tribo, isto após
as reformas de Clístenes, que dividiram a cidade em 10 tribos e ampliaram o velho conselho de 400
para um conselho de 500 cidadãos (GLOTZ, 1980, p. 150). Os bouletaí tinham mandato de um ano,
recebiam pagamento por presença nas reuniões e estavam dispensados do serviço militar. Nenhum
cidadão poderia ser membro do conselho mais de duas vezes em sua vida (MANIN, 1997, p. 17). O
conselho (Boulé) se reunia normalmente todos os dias, mas para a solução dos assuntos ordinários e
para a preparação dos trabalhos era escolhido, por sorteio entre os membros do conselho (boulé), um
"conselho diretor". Os prítanes eram os membros deste "conselho diretor". Eram 50 os prítanes, 5 para
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cada uma das 10 tribos da cidade. O "presidente" dos prítanes era o epistátês, que era escolhido, todos
os dias, por sorteio. O epistátês tinha em seu poder, durante uma noite e um dia, as chaves dos templos
onde ficavam o tesouro e os arquivos, e a chancela do Estado. Segundo Glotz:
"Assim, em 50 prítanes, 35 pelo menos, e algumas vezes 39, obtinham a presidência. Isso quer
dizer que o ateniense médio, contando, como contava, desde que o desejasse, com muitas
possibilidades de entrar no Conselho, dispunha de quase o mesmo número de possibilidades de ser o
presidente da república um dia em sua vida" (GLOTZ, 1980, p. 155).
O Conselho (boulé) era, para Glotz, a instituição mais importante da democracia ateniense, com
poderes amplos como: decidir a pauta da assembléia (ekklesia), definir a política externa, cuidar da
administração marítima e supervisionar a administração pública, incluindo nesta as finanças da cidade.
O Conselho deliberava sobre quais propostas iriam para votação na assembléia. Algumas propostas
eram formuladas em detalhe, outras eram mais abertas para mudanças na assembléia. Segundo Hansen,
cerca de metade dos decretos votados na assembléia eram ratificações de medidas precisas propostas
pelo Conselho (boulé) e a outra metade era formada por propostas feitas diretamente na assembléia
(HANSEN, pp. 138-140.).
Manin, apoiado em Hansen e Aristóteles, também considera a Boulé a principal magistratura da
democracia ateniense. Os membros do conselho (Boulé) também eram considerados magistrados
(arché). Mas, em geral, as magistraturas correspondem ao que hoje chamamos de cargos executivos e
podiam ser de ordem política (arkhaí), funções meramente administrativas (epimeleíai) e cargos
subalternos (hupêresíai), que podiam ser atribuídos tanto a metecos e escravos como a cidadãos
(GLOTZ, 1980, p. 168). Dos cerca de 700 cargos de magistrados existentes na democracia ateniense
cerca de 600 eram escolhidos por sorteio (MANIN, 1997, p. 12). O mandato durava um ano e, no caso
dos cargos eletivos, em geral não era permitida a reeleição, exceto em alguns casos (O estratego - chefe
militar - podia ser reeleito, e Péricles foi reeleito por 15 vezes seguidas, GLOTZ, 1980, P. 169). Esses
cargos eletivos guardam alguma semelhança com a moderna representação, talvez fossem o único
espaço em que se podia exercer a "profissão" de político. Manin considera um erro dizer que a
democracia antiga era caracterizada pela participação direta do povo e pela ausência completa
de representação. Havia em Atenas uma combinação de participação direta e representação, de sorteio
e de eleição, de acordo com um sistema político coerente que visava a realização plena da Isegoria.
Manin cita o federalista Madison a respeito das diferenças entre as democracias antigas e as modernas:
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"A diferença real entre as democracias antigas e as modernas reside, de acordo com Madison,
na 'total exclusão do povo em sua capacidade coletiva de qualquer partilha do poder na última, e não
na total exclusão de representantes do povo na administração da primeira". (MADISON, "Federalist
63". In: MANIN, 1997, p. 2.)
Tampouco podemos utilizar como critério de diferenciação entre a democracia ateniense e
a democracia moderna a limitação ou não da soberania do povo, como sugeriram muitos. Nessa
interpretação comum, de corte liberal, a democracia ateniense seria uma tirania da maioria, uma
soberania absoluta do povo reunido em assembléia. No entanto, a pesquisa recente não autoriza essa
interpretação. Hansen enfatiza em sua pesquisa a enorme importância da dikkasteria (a corte de justiça)
e seu papel na limitação das decisões da assembléia do povo. Não é verdade que a assembléia dos
cidadãos (ekklesia) tinha poderes absolutos e inquestionáveis. Os membros da dikkasteria, os heliastas,
eram escolhidos por sorteio entre os cidadãos com trinta anos de idade ou mais que voluntariamente
participavam do sorteio. Todos os anos, 6.000 cidadãos eram escolhidos por sorteio desse pool de
voluntários para fazer parte da Corte do Povo (dikkasteria). Os escolhidos faziam um juramento
prometendo votar de acordo com as leis e decretos da Assembléia e do Conselho e decidir de acordo
com sua própria consciência do que é justo em casos não previstos pela lei, e prometiam ouvir
imparcialmente a defesa e a acusação (HANSEN, 1991, pp. 138-140). Todos os dias os heliastas que
desejassem se apresentavam pela manhã do lado de fora do prédio da Corte e os juízes (dikastai)
necessários para o dia eram recrutados entre eles por sorteio. Se fosse necessária mais de uma Corte no
dia, outro sorteio era feito para determinar quem seria juiz em cada Corte. Cada Corte poderia ter 501,
1001, 1501 ou até mais juízes (dikastai), dependendo da seriedade do assunto em questão (MANIN,
1997, P. 19). Os juízes recebiam 3 óbolos por dia (valor equivalente na época a aproximadamente meio
dia de trabalho). Em sua maioria, eram os pobres e idosos que se sentavam como juizes nas cortes
(MANIN, 1997, p. 19; HANSEN, 1991, pp. 183-186).
Os juízes (dikastai) guardam mais semelhança com o que hoje chamamos de jurados, que em
muitos países ainda são escolhidos por sorteio. Para Manin e para Hansen, o termo “Cortes” pode
enganar a respeito da natureza da dikkasteria, porque as Cortes, além de resolver disputas entre
indivíduos e questões penais, também resolvia disputas políticas. Esse trabalho de resolver disputas
políticas representava inclusive grande parte da atividade da dikkasteria (MANIN, 1997, p. 19;
HANSEN, 1991, p. 178-180). O poder da dikkasteria de limitar os poderes da assembléia do povo
(ekklesia) fica claro nos casos de ação criminal por ilegalidade. Qualquer cidadão podia mover uma
ação por ilegalidade contra uma proposta (seja ela uma lei ou um decreto) submetida à Assembléia do
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povo (ekklesia). A ação era movida nomeadamente contra a pessoa que fez a proposta supostamente
ilegal. A ação por ilegalidade poderia ser movida inclusive contra uma proposta de decreto ou lei
que tivesse sido aprovada com unanimidade pela Assembléia do Povo (ekklesia). Para evitar a
leviandade nas acusações, o acusador poderia ser responsabilizado penalmente em caso de má fé ou
acusação indevida. Portanto, a dikkasteria tinha um papel importante na limitação do poder da
assembléia do povo (HANSEN, 1990), contrariando a tese da tirania da maioria e indicando a
existência de um sistema de checks and balances construído conscientemente na democracia
ateniense. (MURRAY, 1991). Portanto, a democracia ateniense não era absoluta, nem estava
completamente ausente dela a representação. Mas há outros equívocos comuns.
Também convém ponderar um pouco a tese de que a democracia ateniense só era possível por
ter como pressuposto uma economia escravista. O trabalho livre era mais importante na Atenas clássica
do que o trabalho escravo, a sociedade ateniense na época democrática era fundamentalmente uma
sociedade de pequenos agricultores que viviam ao redor da cidade, sem diminuir a importância dos
comerciantes, mas apenas os ricos se beneficiavam do trabalho escravo. (WOOD, 2003, pp. 157-175;
OBER, 1999, pp.123-139).
Pesquisadores recentes, como Murray, também não consideram correto tratar Atenas como uma
sociedade puramente “tradicional”, que se reduziria a uma solidariedade mecânica, na linguagem de
Durkheim, pois a escolha dos magistrados por sorteio e por apenas um ano, os princípios da
colegialidade, a fragmentação da responsabilidade, as regras de accountability não eram
desenvolvimentos acidentais, mas partes de um sistema coerente, onde o demos ateniense
conscientemente estava comprometido com a renovação e aperfeiçoamento contínuo do sistema
político (MURRAY, 1991, p. 11). Murray defende a existência de uma racionalização na democracia
ateniense que pode ser observada na presença contínua da reforma (Sólon, Clístenes, Péricles) e com a
distinção, analisada por Hansen (HANSEN, 1991), entre a democracia costumeira e oral do séc. V e a
constituição formal e escrita do séc. IV. Ainda que considere a cidade grega fundamentalmente
diferente de qualquer organização moderna, Murray defende que ela era racional e que não há razão
para discutir a cidade grega nos termos de uma sociedade tribal ou tradicional (MURRAY, 1991, p.
21). Nesse sentido, convém observar também o estudo de Ober, apontando que o grau de dissenso
político na democracia ateniense era bem maior do que normalmente se imagina (OBER, 2002).
Manin não está satisfeito com a dicotomia comum entre democracia antiga e democracia
moderna, critica a idéia de que a diferença fundamental entre as duas democracias seria a participação
direta do povo na primeira e a participação indireta através de representantes na segunda. Em sua
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pesquisa, Manin se pergunta sobre os motivos que levaram ao completo desaparecimento do sorteio,
acontecimento que merece explicação, afinal o sorteio existiu não apenas em Atenas, mas em outras
constituições "republicanas" como Roma, Florença, Veneza, apenas para citar algumas, e, no
pensamento político ocidental, pelo menos até o séc. XVIII, o sorteio aparecia invariavelmente ligado à
democracia enquanto a eleição aparecia como uma instituição típica da oligarquia. Para Manin, o
desaparecimento completo do sorteio não pode ser explicado simplesmente por conta de uma
dificuldade técnica, pois, em geral, é mais complexa a organização de uma eleição do que a
organização de um sorteio. O tamanho da população também não explica por si só o abandono do
sorteio, pois a população poderia ser dividida em distritos menores que escolheriam por sorteio os
cidadãos de instâncias superiores. As maiores dificuldades técnicas dos cargos em um governo
moderno também não explicam o completo abandono do sorteio, pois em Atenas, por exemplo, em
cargos que necessitassem de cidadãos com um conhecimento específico, o método de seleção utilizado
já era a eleição. Apenas onde não fosse necessário conhecimento especializado o método de seleção
utilizado era o sorteio. Havia uma combinação de eleição e sorteio de acordo com as necessidades
de cada cargo. No entanto, o governo representativo moderno abandonou completamente o
sorteio, mesmo para cargos os legislativos, onde não há necessidade de um conhecimento
“técnico”.
Segundo Manin, o sorteio teria sido eliminado por conta de uma mudança no princípio
legitimador da autoridade. Na democracia ateniense, o princípio que legitimava a autoridade política a
isegoria: as instituições estavam construídas de modo a garantir, para qualquer cidadão, a igual
oportunidade de participação no poder político. O princípio legitimador na democracia moderna
deixa de ser a possibilidade igual de ocupar cargos e passa a ser obter o consentimento dos
governados. Um governo legítimo passa a ser aquele em que os governantes são escolhidos pelos
governados. A eleição pareceu ser um mecanismo que permitia a realização deste princípio. A mudança
guarda correspondência com a passagem de uma concepção de liberdade positiva para uma concepção
de liberdade negativa. Para Manin, quando o governo representativo foi estabelecido, a preocupação
com a igualdade na distribuição dos cargos entre os cidadãos foi abandonada. Isso significa que uma
nova concepção de cidadania emergiu e nesta concepção os cidadãos são vistos em primeiro lugar
como fontes de legitimidade política, mais do que como pessoas que desejam participar do governo
(MANIN, 1997, p. 92).
Embora considere a explicação de Manin plausível, a considero insuficiente para explicar a exclusão
completa do sorteio no governo representativo. Pretendemos desenvolver a seguinte hipótese: o
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sorteio foi sendo eliminado por conta do antagonismo e da contingência crescente da sociedade
civil-burguesa, situação que exigia uma forma de governo menos exposta às vicissitudes da
vontade e que fosse capaz de neutralizar a vontade, de modo a tornar a política previsível e
impotente, garantindo assim o desenvolvimento da sociedade comercial.
Sem instituições capazes de absorver o impacto do desenvolvimento do particularismo e do
subjetivismo se desenvolve a corrupção e a decadência da cidade. Para alguns autores, essas
instituições só surgirão com a criação do governo representativo, a partir do séc. XVIII. Podemos
encontrar em Burke e em Hegel esta concepção que descreve as funções mediadoras das instituições
representativas. (URBINATI, nota 76, p. 240).
Para Hegel, a democracia ateniense não teria sido capaz de encontrar um equilíbrio entre a
expansão da particularidade, que produz fragmentação e o bem comum. A individualidade, que ele
chama no texto seguinte de "particularidade", aparece nos estados antigos, mas não consegue
desenvolver-se. Seu surgimento teria produzido decadência:
“O desenvolvimento subsistente por si da particularidade (cf 124 Anot.) mostra-se, nos estados
antigos, como o momento em que irrompe a corrupção dos costumes e como fundamento último da
decadência destes”.1
A representação política é entendida por Hegel e por Burke como uma ponte entre a
fragmentação social e a unidade. Essa concepção também está presente em um autor conhecido como
o anti-Burke por excelência em seu tempo: Thomas Paine. Para Paine, a democracia representativa
seria superior à democracia ateniense porque seria "mais consistente com o caráter da sociedade civil e
teria mais capacidade de durar do que a democracia ateniense" (URBINATI, p. 173). De modo similar
ao futuro diagnóstico hegeliano, para Paine, a democracia ateniense foi condenada a durar pouco
porque não teria sido capaz de superar a contradição entre, por um lado, estimular a liberdade
individual e uma sociedade dinâmica, e, por outro lado, não possuir os meios para enfrentar o resultado
pluralista desta liberdade. Mesmo com seu território pequeno, a democracia ateniense teria declinado
por não possuir um "método para consolidar as partes da sociedade" (URBINATI, 2006, p. 173.
Citando: PAINE, 1989, p. 170).
Entretanto, é preciso atentar para o fato de que antes do governo representativo moderno, o
Estado soberano, sob a sua primeira forma da monarquia absolutista, já tinha obtido sucesso em
1
Hegel, G.W.F. “Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio”.
Terceira Parte: A Eticidade. Segunda Seção: A Sociedade Civil. Tradução: Marcos Lutz Müller. Ed. Unicamp. Pág.18.
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neutralizar o conflito civil interno que se intensifica depois de mudanças fundadoras da modernidade,
como o renascimento comercial e urbano e a reforma protestante. Mudanças que radicalizaram a antiga
questão urbana, tanto no plano da multiplicação dos interesses privados quando na expansão da razão
subjetiva. A soberania estatal apresentou uma solução provisória para o crescente conflito interno que
ameaçava tornar-se guerra civil e em alguns países efetivamente se tornou. O conflito civil assumiu
face religiosa, mas era simultaneamente um conflito de classes, pois os grupos religiosos em disputa
eram formados por classes diferentes, com programas políticos diferentes. Para resolver a guerra civil
religiosa, emerge a soberania estatal, que separou legalidade e moralidade e assim foi capaz de
submeter os diferentes partidos à autoridade estatal (KOSELLECK, 1999, p. 21). Desenvolve-se aí um
modo progressivamente sistêmico de integração social, a técnica será chamada a cumprir seu papel
na manutenção da ordem:
"Deste modo, a razão cria um espaço neutro para a técnica política, em que a vontade do
príncipe é a única lei. Nesse Estado, racional é apenas a legalidade formal das leis, não o seu
conteúdo. Racional é o mandamento formal, da moral política, de obedecer às leis independentemente
de seu conteúdo. O Estado não é apenas um deus mortal: torna-se também o automaton, a grande
máquina, e as leis são as alavancas acionadas pela vontade absoluta do soberano para manter a
máquina do Estado em funcionamento". (KOSELLECK, 1999, p. 33).
Nesse contexto, o antigo discurso republicano da virtude torna-se progressivamente
dispensável, pois a manutenção da ordem não precisa mais de cidadãos, mas apenas de súditos.
Sob a proteção do Estado soberano, cresceu a sociedade civil-burguesa, e nela o particularismo pôde se
desenvolver de modo esplêndido sem produzir com isso a decadência da "cidade", e isto foi possível
sob a proteção da soberania estatal. A soberania estatal foi a primeira resposta moderna para as
perguntas que emergiram da questão urbana sobre a capacidade da razão de substituir os valores
tradicionais na reprodução da ordem social e sobre a possibilidade de conciliar os interesses privados
com o bem público. Se a razão não pode obrigar, o Estado pode, então a "autonomia" é restringida, a
lei que obriga é a lei estatal, com sua capacidade coercitiva. Com a separação entre legalidade e
moralidade, as visões particulares de bem podem, finalmente, se multiplicar ao infinito. O homem
é partido em dois, uma metade privada e outra pública, na pública ele é um súdito do Estado, na
privada ele é "livre". Desde que não contrariem a lei estatal, os indivíduos são deixados livres. Isso só
foi possível porque os indivíduos tornaram-se impotentes frente à soberania estatal – solução
inexistente na Atenas democrática demasiado dependente da virtude. A soberania estatal foi a
primeira maneira moderna e sistêmica de neutralizar a vontade dos cidadãos de modo a permitir que a
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fragmentação social, provocada pelo desenvolvimento da urbanidade (interesses particulares, comércio,
razão subjetiva), não levasse à decadência e permitisse a manutenção da unidade. Mas neste novo
mundo, aparece com força o problema da legitimidade, pois com a separação entre legalidade e
moralidade podem se desenvolver dissensos morais e políticos na sociedade civil contra a legalidade
mais formal do Estado soberano. A separação entre legalidade e moralidade, entre Estado e sociedade
civil pode se tornar oposição.
Antes da soberania estatal moderna, o discurso republicano apelava para as virtudes como meio
de contrabalançar o crescimento do particularismo e da razão subjetiva e garantir o bem comum e a
unidade da Polis. O discurso da virtude torna-se insuficiente no mundo moderno, pois o particularismo
e subjetivismo se desenvolvem de modo muito mais intenso e o discurso das virtudes ainda carrega
dentro de si demasiado espaço para a “vontade”, o que implica algum grau de incerteza a respeito do
comportamento e das ações dos cidadãos. A virtude obriga de um modo diferente do Estado soberano.
A obrigação que provém da virtude era interna e era o resultado de um processo de formação do
cidadão para a Polis. No mundo urbano pré-moderno, virtude e autogoverno estavam intrinsecamente
ligadas. Virtude significava o autogoverno de si dos cidadãos, tomado como condição necessária para o
autogoverno da Polis. A virtude tinha como pressuposto a idéia de formação dos cidadãos não apenas
através da educação propriamente dita, mas também através de modos de vida que estimulassem a
virtude e o patriotismo e a rejeição de modos de vida que estimulassem em demasia o particularismo.
Este era o caso da arte de enriquecer (chrematístika), condenada por Aristóteles como nociva por
estimular um particularismo excessivo e formar cidadãos desinteressados pela política e apenas
interessados no aumento da riqueza particular, era um modo de vida que potencialmente poderia
corroer o bem comum. Por isso, na maior parte das Polis pré-modernas havia uma restrição à
participação de comerciantes na política. No mundo moderno, a “chrematístika” se liberta de todos os
freios extra-econômicos que limitavam seu desenvolvimento. O mercado tende a produzir uma
individualidade auto-interessada e uma sociabilidade mediada pela mercadoria. O bem comum só se
realiza mediado pelo interesse particular. “Vícios privados interesses públicos”, diria Mandeville. Esta
nova individualidade tende a não se interessar pela política, a não ser como meio, não como fim. O
discurso da virtude passa a ser considerado autoritário.
Mas então como manter a unidade da Polis frente ao crescimento do particularismo e do
subjetivismo? Como resolver o problema da obrigação? A saída moderna para evitar o "autoritarismo"
da virtude e manter a ordem social ao mesmo tempo foi a soberania estatal, a ordem mantida de modo
sistêmico, por mecanismos de controle social formais e externos aos indivíduos, por dispositivos que
não precisam necessariamente ter sentido para os súditos. Mas com isso não se perde também a
12
liberdade? Para muitos liberais não. Uma integração social "sistêmica", desde que limitada
constitucionalmente, abre um campo para o desenvolvimento do pluralismo e da liberdade individual,
uma liberdade que se dá "no silêncio da lei". Para uma interpretação mais "republicana", esta liberdade
apenas negativa seria incapaz de defender a si própria das investidas arbitrárias de um poder demasiado
distante. Além de não resolver bem o problema da legitimação do poder político, mantendo uma
situação de crise permanente que resulta da cisão entre sociedade civil e Estado, entre moralidade e
legalidade (KOSELLECK, 1999). Para muitos republicanos, o problema maior do despotismo não era a
autoridade, mas a autoridade sem sentido, a coerção sem a legitimidade.
O Estado soberano em sua primeira forma, a monarquia absolutista, deteve,
momentaneamente, o ciclo de ascensão e queda da "cidade". O Estado soberano permitiu o
desenvolvimento da sociedade civil-burguesa. No entanto, essa sociedade civil-burguesa volta-se
contra este mesmo Estado soberano no séc. XVIII. A cisão entre o foro interno e o foro externo, entre a
moral e a política, entre a sociedade civil e o Estado se aprofunda. (KOSELLECK, 1999) Acima da
fragmentação social, a unidade representada pelo rei já não era capaz de dar conta da nova
complexidade. Era necessária uma forma de unidade mais vaga. Não encarnada. Uma unidade
menos exposta às incertezas da vontade. Pois o poder soberano que promoveu a separação entre
legalidade e moralidade neutralizou as vontades dos cidadãos, mas não a vontade do próprio rei
soberano. Os financistas que cresceram sob a proteção do Estado absolutista e passaram a financiar o
Estado começam a se voltar contra ele:
"O acesso ao orçamento secreto e inatingível do Estado lhes era vetado. Não tinham nenhuma
influência sobre a administração financeira e, como se não bastasse, também não possuíam nenhuma
segurança para os seus capitais: a decisão real levava-os frequentemente a perder o dinheiro que
haviam ganho com a especulação e o trabalho" (KOSELLECK, 1999, p. 58)
No momento da luta contra o absolutismo, financistas e homens de letras unem-se na luta contra
o Estado2. Os homens de letras, reunidos nas sociedades secretas, procuravam encontrar uma pátria em
um domínio a-político e a-religioso e a encontraram na moral, produto da religião confinada ao espaço
privado. Eles são também produto do absolutismo, pois o predomínio do moralismo e do utopismo é
conseqüência do confinamento do cidadão na vida privada, condenado a desempenhar um papel
apolítico. (KOSELLECK, 1999, p. 159-160). Para Koselleck, "a utopia burguesa é o 'filho natural' da
soberania absolutista" (Id.). Em comum com os financistas, os homens de letras, excluídos do poder
político, voltavam-se contra o Estado e também contra as incertezas da "vontade":
2
Além de Koselleck e Marx, entre outros autores, Burke também viu essa aliança: "Em consonância com os interesses do
capital, uma nova classe surgiu, cujos interesses se uniram aos dos primeiros de forma clara e estreita: os escritores
políticos". (BURKE, 1982, p.126).
13
"No bellum omnium contra omnes da república das letras, a moral sempre inventava novas
razões para prevenir a ação soberana, para a qual não há um motivo, no sentido próprio do termo.
Ela vivia trocando constantemente sua argumentação, pois não tinha, por natureza, acesso ao poder.
Finalmente, teve que decapitar o monarca". (KOSELLECK, 1999, p. 160). Grifos nossos.
Nesse contexto, do final do séc. XVIII, onde a sociedade civil move-se contra o Estado e
cresce a desconfiança em relação à "vontade", o governo representativo aparece aos fundadores
da nova ordem política como uma forma de governo superior à democracia ateniense. Os
federalistas falavam abertamente que o que pretendiam criar não era uma democracia, mas uma
“aristocracia eletiva” (MANIN, 1997. P. 78, 113, 118, 119, 145). Esse era o sentido das propostas dos
federalistas, que pretendiam, com seu arranjo institucional restringir a democracia e as incertezas da
vontade, especialmente as incertezas da vontade popular. O maior perigo seria a “tirania da maioria” e
a “vontade”. Para os federalistas, o risco de “tirania da maioria” não era uma distante especulação
teórica, mas era percebido nos conflitos violentos entre devedores e credores em diversas cidades dos
EUA no momento dos debates da convenção de 1787, que, diferentemente das convenções
constitucionais que ocorreram na França imediatamente após a revolução, celebrou-se a portas
fechadas (GARGARELLA, 2006, p. 173-174). Tratava-se de neutralizar estes dois riscos, tirania da
maioria e incertezas da vontade, para permitir o desenvolvimento da “sociedade comercial” desejada
por Hamilton. Para restringir a democracia, se exclui completamente o sorteio e as formas de
participação direta dos cidadãos, assim como se adota a estratégia de grandes distritos eleitorais como
“proteção contra demagogos e contra o paroquialismo” (WILSON, Speech os December 4, 1787, citado
por MANIN, 1997. P. 122). Neste ponto concordavam também Hamilton e Madison: os grandes
distritos eleitorais tornavam mais cara uma eleição e tendiam e formar uma aristocracia eletiva que
afastava a idéia de representação como semelhança entre representantes e representados, idéia de
semelhança que estaria mais de acordo com a democracia do que com a aristocracia. Já os antifederalistas “aceitavam uma certa diferença entre os representantes e os representados, mas eles
temiam que com grandes distritos eleitorais esta diferença se tornasse muito grande; eles temiam que
certas categorias seriam privadas de representantes próprios, e que ao final a riqueza se tornaria o
critério prevalecente de distinção” (MANIN, 1997. P. 131). Neste caso, estaríamos falando não de uma
aristocracia eletiva, o governo dos melhores por suas qualidades naturais, mas sim de uma oligarquia
eletiva, o governo dos ricos em seu próprio interesse. Para restringir as incertezas da vontade, os
federalistas propõem uma série de mecanismos constitucionais para afinar ou refrear o processo de
tomada de decisão.
14
Para Hegel, como para Montesquieu e para os federalistas, a democracia era uma forma de
governo que pertencia ao passado. Era necessária uma estabilidade maior, pois a contingência e o
antagonismo da sociedade civil-burguesa eram muitos maiores que nas "cidades" anteriores. Para
Hegel, concordando com o "democrata" progressista Thomas Paine (PAINE, 1989, p. 170), o Estado
moderno não pode ser uma democracia, dadas a contingência e o crescimento particularismo e do
subjetivismo na sociedade civil-burguesa. Não existem mais os modos de vida e laços de amizade
específicos que formavam as bases da democracia antiga. A subjetividade livre, a razão abstrata e a
concorrência no mercado criam uma situação de antagonismo e contingência que corroem as garantias
e vínculos que formavam as bases da antiga identificação do indivíduo com os valores e instituições
básicas da comunidade. Esta cisão entre o indivíduo e o mundo ideal comum enfraquece a vida ética,
ameaçando levar a sociedade à dissolução. A virtude perde suas bases "sociais", pois ela estava
fundada em firmes valores compartilhados. O eclipse da virtude está relacionado com o avanço do
individualismo, que não deve ser compreendido apenas em termos morais ou de comportamento
(apenas subjetivamente), pois estaria fundado em bases materiais que o promoviam, como a
chrematístika (arte de enriquecer) livre de seus antigos freios políticos e éticos. A perda de efetividade
da virtude compromete a forma de governo que dependia dessa "disposição de ânimo": a democracia3.
O sorteio como método de seleção para diversos cargos no Estado não parecia mais reunir condições
para conter a incerteza e o antagonismo da sociedade civil-burguesa organizada pelo mercado. A
virtude e a participação direta tornam-se insuficientes para garantir a coesão social frente à liberação
das potências da particularidade. Assim, a república democrática estaria ultrapassada:
"(...) então é preciso notar, a esse respeito, que, numa sociedade mais avançada em sua
formação e no desenvolvimento, o tornar livre das potências da particularidade, a virtude dos chefes
de Estado é insuficiente, e que uma outra forma de lei racional que não a disposição de ânimo é
requerida, para que o todo possua a força de manter-se coeso e de deixar as forças da particularidade
desenvolvida prosperar tanto no seu direito positivo como negativo".4 Grifos nossos.
No mundo antigo, o Império era a forma política que suportava um pluralismo maior do
que suportava a democracia, lidava melhor com a multiplicação de concepções particulares de
vida boa. O Império era compatível com um amplo pluralismo porque um poder externo aos cidadãos
demarcava o campo de atuação dos particulares, que assim podiam ser diferentes entre si e indiferentes
3
Hegel refere-se à teoria das formas de governo de Montesquieu e sua avaliação de que a democracia estava fundada na
virtude, na capacidade do cidadão manter-se reto e dedicar-se à coisa pública. Montesquieu e outros autores costumavam
avaliar a decadência das democracias antigas em termos de desaparecimento da virtude.
4
Hegel, G.W.F. “Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio”.
Terceira Parte: A Eticidade. Terceira Seção: O Estado. Tradução: Marcos Lutz Müller. Textos Didáticos. Ed. Unicamp,
2000. Parágrafo 273. Pág. 71.
15
em relação ao Estado. Para Hegel, com o "tornar livre das potências da particularidade", é preciso
encontrar outra forma de lei racional que não a virtude ("disposição de ânimo"), e não se trata de
encontrar alguma lei que elimine o direito da particularidade, como Platão havia sugerido. É preciso
uma forma nova de lei racional para garantir o pleno desenvolvimento da particularidade, tanto no "seu
direito positivo como negativo". Essa forma nova seria o direito moderno garantido por um Estado
soberano. Essa forma seria mais apropriada a uma realidade cindida. Se terminasse aí, satisfeito com a
liberdade negativa e a prioridade dos direitos, Hegel seria um liberal, no entanto, Hegel não
considerava completamente dispensável a virtude5 e nem a considerava incompatível com o direito:
"Da mesma maneira, é preciso remover o equívoco em considerar que, por ser a disposição de
ânimo a forma substancial na república democrática, essa disposição de ânimo seria dada por
dispensável ou mesmo por ausente, e é preciso, também, remover de todo o equívoco de considerar que
a virtude e a atuação legalmente determinada numa organização articulada seriam opostas e
incompatíveis entre si."6
Hegel admite que a virtude (“disposição de ânimo”) não é mais suficiente, mas não a considera
dispensável, pois, como republicano, considera que uma autoridade meramente externa aos cidadãos,
sem “sentido” para os cidadãos, é o mesmo que despotismo, além de não resolver o problema da
legitimidade, problema que adveio com a separação entre legalidade e moralidade, entre Estado e
sociedade civil. Por isso, Hegel procura conciliar o direito com a virtude. Nesse ponto, Hegel
acompanha uma visão republicana de tipo aristotélico sobre a liberdade e que consiste em uma
espécie de dialética da liberdade: quanto mais se desenvolvem as potências da particularidade,
mais se desenvolve um poder formal e externo aos indivíduos. O poder meramente externo é
identificado com o despotismo, portanto a desmedida da liberdade individual resulta no
despotismo, que esmaga a própria liberdade individual. Hegel procura conter esse processo de
ascensão e queda da "cidade", daí a necessidade de resgatar de alguma forma a comunidade, daí a
virtude não ser dispensável e a necessidade de concilia-la com a forma moderna do direito. Portanto,
para Hegel, dado o avanço do individualismo, torna-se necessária alguma forma de poder externo. A
república moderna é um termo médio entre a república e o despotismo (poder externo). Ela
precisa ser uma república separada, uma república representativa:
"Este sistema de representación constituye el sistema de todos los nuevos Estados europeos. No
ha existido en los bosques de Germania, pero ha salido de ellos e hizo época en la história universal.
La conexión de la civilización mundial ha dirigido al género humano desde el despotismo oriental al
5
O pensamento político do girondino Condorcet para muitos intérpretes tinha como objetivo principal livrar o
republicanismo da "intemperança" da virtude para convertê-lo em uma política da imparcialidade e da busca da verdade
(URBINATI, 2006, p 179). Urbinati não nega este aspecto do pensamento de Condorcet, um dos fundadores do ideal de
democracia representativa, mas considera insuficiente a redução de seu pensamento a este aspecto.
6
Ibid.
16
dominio universal de una república y, al degenerar esta, a ese punto medio entre ambos, siendo los
alemanes el pueblo de donde ha nacido esta tercera forma universal del espírito del mundo"7 (Grifos
nossos).
Para Hegel, a necessidade de representação se origina muito mais de características qualitativas
da sociedade civil-burguesa, do que de aspectos quantitativos, como o tamanho maior da população,
embora este aspecto também seja levado em conta. O moderno Estado político tem que ser
representativo porque objetivamente na sociedade civil "cada um é um fim para si", cada indivíduo se
dedica às suas atividades privadas, às suas carências (necessidades) e ao seu trabalho. Como é a
carência que governa a sociedade civil, os indivíduos em concorrência não têm tempo nem interesse
para uma dedicação aos assuntos públicos. Então é preciso eleger representantes. O “Estado externo”,
o universal que se impõe aos indivíduos "de fora", é uma conseqüência necessária de uma
sociedade de indivíduos separados e em concorrência, enfim, do caráter antagônico e contingente
da sociedade civil. No sistema de carências (mercado) os indivíduos se dedicam aos seus interesses
privados e para satisfazê-los devem se orientar em relação aos outros, uma riqueza universal emerge
dessa interação, não obstante, este universal não era o objetivo dos particulares, ele é acidental,
contingente, e é este universal externo às consciências individuais, esta racionalidade cega, que
comanda os indivíduos que se adaptam as suas determinações. Tem lugar aí uma alienação do homem
como animal político, que teria no universal o seu objetivo particular. O Estado político moderno
então não pode ser a república democrática, ele tem que ser um Estado representativo, uma
combinação de soberania com representação, um termo médio entre o “Império” e a
“República”. Este Império moderno não pode ser arbitrário, ele deve ser o Império da lei. No plano do
Estado político, é a representação que faz com que o Estado moderno não seja meramente um Império,
mas sim um termo médio entre o Império e a República:
"Representation for Hegel is a system of mediation between the population and the government,
between the interests of civil society and the universalism of the state. As such, it is a necessary element
in the political structure. The absence of mediation is despotism. In a despotism, 'where there are only
rulers and people, the people is effective, if at all, only as a mass destructive of the organization of the
state' ".8
As mediações são entendidas como fundamentais, pois a sua ausência reduziria o Estado
moderno à sua dimensão despótica. No Estado político, a representação é um sistema de mediação
entre a população e o governo. A representação é uma forma de transcender o particularismo da
sociedade civil-burguesa. A sociedade civil-burguesa é, para Hegel, um momento essencial do
7
Hegel, G. W. F. La Constituición de Alemania. Aguilar, Madrid. Ed. 1972. Edição original de 1802: "die verfassung
deutchlands".
8
Avineri, Shlomo. Hegel's Theory of the Modern State. Cambridge University Press, 1974. Pág. 161. Obs. Avineri cita o
parágrafo 302 da Filosofia do Direito de Hegel.
17
desenvolvimento humano, mas não deve ser considerado o fim último da vida humana. Uma situação
na qual a população não se liga a nada acima da sociedade civil-burguesa é uma situação de
desintegração social e hybris (AVINERI, 1972, p. 197). De modo semelhante, Carl Schmitt considera
que a representação é a representação de uma idéia. Faz a mediação entre a idéia transcendente e a
matéria diversa da vida humana. Daí a sua associação entre o catolicismo e a representação
(SCHMITT, 2000). A unidade da complexio católica está em um princípio de totalização que está para
além da realidade imediata:
"A força da idéia política do catolicismo está na sua capacidade de conformar a realidade
humana a partir de um princípio de unificação que transcende essa mesma realidade e, ao mesmo
tempo, se atualiza nela". (Ferreira, B. Pg. 33.)
Para Schmitt, a representação é um princípio unificador, ela obtém sua dignidade do povo,
não porque a obtém do povo, mas sim porque produz o povo. Ela produz um sentido comum. Para
Schmitt, a crença em uma ordem fundada em si mesma seria a expressão mais radical e, ao mesmo
tempo, mais conseqüente da imanência do "pensamento técnico-econômico" e, de modo semelhante ao
de Hegel, Schmitt considerava que a eliminação da atitude representativa do horizonte da experiência
moderna teria como resultado extremo a eliminação do próprio governo e da política como dimensões
necessárias da constituição de ordem na vida social (FERREIRA, p. 37). Para Schmitt, o liberalismo
tem como conseqüência a substituição progressiva da política pela tecnologia, que seria cega em
relação aos fins (McCORMICK, 1997). Sem nenhum sentido comum, sem metafísica, poderia haver
desagregação social e a morte da política que seria substituída, na melhor das hipóteses, por uma "mera
técnica administrativa":
"Tal vez sea éste uno de los núcleos esenciales del pensamiento schmittiano: hacer explícito el
entramado entre metafísica y política, o más precisamente, que el agotamiento de la metafísica
conlleva consecuentemente la muerte de la política, la cual deberá pensarse en las antípodas de una
'mera técnica administrativa' ". (Rossi, M. Schmitt y la esencia del catolicismo. In: Carl Schmitt: su
época y su pensamiento. Pág. 90).
Assim como Schmitt, Hegel reconhecia a necessidade de um poder externo aos cidadãos, na
forma da soberania estatal, e reconhecia as dificuldades de implantar a democracia nos tempos
modernos, mas também havia em Hegel uma preocupação em não eliminar a política e a atitude
representativa, pois a autoridade externa e sem sentido para os cidadãos era identificada com o
despotismo e considerada incapaz de conter a desagregação social. No entanto, Schmitt pensa a
produção de sentido apenas de cima para baixo. Hegel pensa a produção de sentido através do processo
da eticidade, onde o Estado representa sim o cume do processo, mas não a fonte exclusiva dele. A
eticidade começa na família, passa pela sociedade civil-burguesa e chega ao Estado. Para Hegel,
18
construir a unidade apenas a partir do Estado, por mais "racional" que seja a intenção dos governantes,
era justamente o erro dos jacobinos e necessariamente degenerava em terror, pois o sentido comum, a
unidade produzida de modo unilateral a partir do Estado, não consegue se tornar substancial, desejada
internamente pelos cidadãos. Nesta forma, o sujeito Estado "quer oprimir a substância, mas não
consegue tornar-se ele próprio substancial" (BOURGEOIS, 2000, p. 40).
Urbinati critica a visão de Schmitt de que a representação produz a unidade apenas de cima para
baixo, ela pensa essa produção de sentido como produto de uma circularidade entre representantes e
representados. A circularidade seria garantida pela democracia representativa formada por partidos que
defendem idéias políticas distintas, e não apenas interesses particulares. A representatividade do
governo e dos partidos é um resultado do atrito social que se torna disputa política. Quando não há
atrito social perde-se representatividade e surge o que Condorcet chamou de "despotismo indireto". É
possível para os representantes, pela distância e independência em relação aos eleitores, afastar-se de
sua base eleitoral, e, ao mesmo tempo retornar a ela (circularidade). É no espaço criado por esse
afastamento que se produz uma imagem do "bem comum" que retornará à sociedade, formando
uma unidade (URBINATI, 2006). De modo contrário, Hegel considerava que a representação política,
onde os cidadãos em seu isolamento individual votavam em políticos profissionais sem relação com
suas vidas concretas tenderia a reduzir o Estado à sociedade civil, o interesse público aos interesses
particulares, portanto, em vez de promover a transcendência para além do particularismo da sociedade
civil-burguesa e garantir um espaço para a política, iria reduzir a política ao mercado e fortalecer a
dimensão meramente administrativa do Estado moderno. Hegel retorna então a uma idéia antiga
presente na tradição republicana: o governo misto, entendido como um governo misto de ordens
sociais. Mas o governo misto proposto por Hegel, não era mais entendido como um misto das
ordens sociais fixas do mundo antigo e medieval, mas como um governo misto de ordens sociais
abertas ao talento, abertas à livre escolha profissional dos indivíduos. Hegel pensa então em uma
nova forma de governo misto de ordens sociais, onde o papel das corporações profissionais seria
central. Esta idéia também esteve presente em outros momentos de retorno da questão urbana,
especialmente em Florença (NAJEMY, 2000), e também em alguns anti-Federalistas (MANIN, 1994):
"The only way in which they could think of a balanced government was 'in traditional terms
of a government composed of representatives of social orders – either the fixed orders of a mature
Britain or the natural orders of a youthful America. Now, as mentioned above, the checks and balances
provided by the constitution precisely departed from the traditional model of the mixed government to
the extent that they were not intended to embody distinct social forces. All the departments of the
government were to be emanations of the people as a whole. Indeed the disembodiment of government
from the society constitutes one of the major features of the historical process which reached its
culmination in 1787." (MANIN, 1994, p. 33).Grifos nossos.
19
Como alguns dos anti-Federalistas nos EUA, Hegel temia a separação excessiva entre governo e
sociedade civil. Hegel pensava que o modelo eleitoral atomista seria incapaz de realizar aquilo que
Urbinati acredita ser possível com esse modelo: a circularidade da representação política que faria a
ponte entre a fragmentação social e a unidade.
A partir do debate entre Nádia Urbinati e Bernard Manin, e do recurso a Hegel, Burke,
Koselleck e Carl Schmitt, percebemos que o governo representativo, tal como surge na construção dos
federalistas nos EUA, é uma combinação de oligarquia e democracia no interior de uma República que
se pretende a mais adequada à realidade da moderna sociedade civil-burguesa. Os elementos
democráticos seriam: 1) a extensão da cidadania política, através do sufrágio universal e 2) a
circularidade entre representantes e representados através das eleições regulares. Os elementos
oligárquicos desta república seriam: 1) a completa exclusão do sorteio como meio de seleção para
qualquer cargo público, 2) a exclusão de mecanismos de participação direta dos cidadãos, 3) a distância
excessiva entre governantes e governados, tornada possível através de mecanismos como distritos
eleitorais grandes e eleições a partir de eleitores individuais isolados (sem mediação entre sua condição
social concreta e a representação política). Nos autores que aparecem neste artigo não há uma
problematização maior de outros elementos possivelmente oligárquicos do governo representativo
como as restrições à democracia que provém do sistema partidário e suas burocracias partidárias, que
levaram Robert Michels a formular sua tese da “lei férrea da oligarquia”. De qualquer modo, em
nenhum dos autores estudados neste artigo há um simples saudosismo da democracia ateniense, nem
em Manin. Os autores reconhecem a necessidade da representação no mundo moderno e de um
governo misto entre aristocracia e democracia. O que há é uma problematização a respeito de como
realizar esse governo misto e qual elemento deve ou pode predominar. Para os simpatizantes da idéia
de república democrática, o problema não é terem tentado os federalistas construir uma aristocracia
eletiva, mas o risco de que essa aristocracia eletiva se torne uma oligarquia eletiva. Uma das questões
interessantes que emergem a partir da reflexão de Manin é a identificação da democracia ateniense não
com a participação direta de todos os cidadãos na política, tarefa de realização ainda mais difícil no
mundo moderno, mas sim a igual chance de participar para qualquer cidadão que tivesse interesse em
participar (Isegoria). É possível usar o termo “democracia” para definir uma forma de governo onde
esta “igual chance” é tremendamente bloqueada? Acreditamos na relevância de reabrir conceitos como
democracia e representação em um momento de considerável desilusão dos cidadãos com as
democracias realmente existentes, desilusão que freqüentemente tem aparecido sob o título de “crise da
representação política”.
20
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