ATUAÇÃO PROFISSIONAL DOS PSICÓLOGOS NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL INFANTO-JUVENIL: FORMAÇÃO E INTERVENÇÃO MENEZES, Marina, Professora Doutora do Curso de Psicologia, Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, e-mail [email protected] SILVA, Josiane da Silva Delvan da, Professora Doutora do Curso de Psicologia, Universidade do Vale do itajaí – UNIVALI – e-mail [email protected] BORGES, Tamara Behenck, Aluna Egressa do Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI – e-mail [email protected] SILVA, Caroline Aparecida da, Egressa do Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI – e-mail [email protected] Resumo: A saúde mental infantil representa um campo importante de intervenção do psicólogo. No entanto, as políticas públicas voltadas à saúde mental das crianças são escassas, reduzindo-se aos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi). O presente estudo teve como objetivo caracterizar o perfil profissional, as concepções de saúde e doença mental infantil, a atuação profissional e a formação acadêmica de psicólogos provenientes de dois CAPSi de Santa Catarina. A pesquisa foi de cunho qualitativo, com quatro psicólogos e o instrumento utilizado para a coleta dos dados foi uma entrevista semi-estruturada. As informações foram analisadas através da análise de conteúdo que gerou quatro categorias: perfil profissional, atuação profissional, concepções sobre saúde e doença mental infantil e formação acadêmica. Percebeu-se maior frequência de profissionais do gênero feminino; com idade inferior a 40 anos; cuja graduação foi cursada em instituições privadas e com especialização lato sensu. As concepções de saúde e doença mental infantil evidenciaram perspectivas desenvolvimentistas e sociais, bem como comportamentais e contextuais. Na atuação profissional predominou a atuação interdisciplinar e nas intervenções profissionais ressaltaram-se as atividades individuais e grupais, as atividades com os pais e junto à escola. Nas intervenções terapêuticas realizadas pelos profissionais evidenciou-se a utilização de estratégias como atendimentos individuais, grupais e a psicoterapia. Quanto à formação acadêmica, esta mostrou-se parcialmente suficiente, sendo sugerido pelos participantes, maior incremento nos currículos de Psicologia sobre saúde pública e atuação do psicólogo em políticas públicas. Palavras-chave: saúde mental; infância/adolescentes; formação de psicólogos. INTRODUÇÃO A saúde mental de crianças e adolescentes tornou-se uma questão prioritária para a Organização Mundial de Saúde (OMS) devido à desigualdade com que este tema tem sido tratado quando comparado à atenção dedicada à saúde do adulto. Estima-se que 20% da população infanto-juvenil sofram com problemas de saúde mental e que um alto 1 índice de crianças com transtorno mental, não serão diagnosticadas e, portanto, não receberão o tratamento adequado (OMS, 2003). Este fato deve-se em grande parte, à insuficiência das políticas públicas voltadas para a saúde mental desta população e à falta de profissionais habilitados para intervir em tais ações. Apesar da significativa prevalência de transtornos mentais na infância e adolescência, em aproximadamente 90% dos países não há políticas públicas voltadas à saúde mental infanto-juvenil e menos de 1% do orçamento com saúde é direcionado à saúde mental (RONCHI; AVELLAR, 2010). No Brasil, estima-se que em torno de 12% das crianças e adolescentes apresentem um elevado risco para desenvolver algum transtorno mental (ARRUDA et al., 2010). Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram concebidos, enquanto política pública nacional, como dispositivos de atenção à saúde mental, substitutivos dos hospitais psiquiátricos. Para a população infanto-juvenil, foram criados os Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi), cujo serviço é baseado no tratamento de crianças e adolescentes com transtornos mentais severos e persistentes. Desde sua implantação em 2002, o CAPSi desenvolve estratégias de intervenção planejadas, objetivando inserir socialmente os usuários deste serviço e promover sua autonomia a partir de recursos da própria comunidade (BRASIL, 2002). Neste contexto de atuação, a participação do psicólogo é imprescindível, inserido em equipes multiprofissionais, participando da elaboração de projetos e ações voltadas para o paciente e sua família (BRASIL, 2005; DOMBI-BARBOSA et al., 2009). Para tanto, este profissional necessita estar capacitado para atuar no campo da saúde mental, na esfera pública e privada, pois sua formação está pautada nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, que recomendam uma formação mais abrangente, que possibilite o desenvolvimento de habilidades e competências para desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde psicológica e psicossocial, em nível individual e coletivo (BRASIL, 2011). Considerando os aspectos elencados, o presente trabalho teve como objetivo caracterizar o perfil profissional, a formação e as intervenções realizadas por psicólogos que atuam em dois CAPSi no estado de Santa Catarina, buscando também identificar as percepções sobre saúde e doença mental infantil para estes profissionais. 2 REFERENCIAIS TEÓRICOS DA PESQUISA Os problemas de saúde mental na infância sofrem influência de múltiplos precursores, compreendendo aspectos biológicos, sociais e psicológicos, destacando-se os fatores de risco e seus efeitos no desenvolvimento humano. Os fatores de risco aumentam a vulnerabilidade de uma pessoa para desenvolver determinada doença ou agravo à saúde (HALPERN; FIGUEIRAS, 2004). Além disso, é preciso identificar os fatores predisponentes, precipitantes, perpetuadores dos problemas de saúde mental, bem como os fatores protetores, que se referem às características individuais de adaptabilidade e de suporte social (ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2008). Considerar o impacto destes diferentes fatores na saúde mental infantil requer do profissional da Psicologia, especial atenção às influências ambientais no desenvolvimento do ser humano. Tal perspectiva deve estar presente na sua formação, a fim de que possa atuar em contextos diversos, como na Saúde Pública, cuja inserção vem se ampliando paulatinamente, desde a década de 90 do século XX. O modelo do profissional de Psicologia no Brasil vem se alterando de acordo com as necessidades da sociedade, pois o país vem enfrentando inúmeras dificuldades, como o desemprego e a pobreza. A atuação crescente dos psicólogos no sistema de saúde pública decorre da Reforma Psiquiátrica e da criação do campo da Saúde Mental (FERREIRA NETO, 2008). Fato este, que pode ser observado a partir da sua inserção no Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS representa um contexto que requer do psicólogo, sensibilidade quanto ao processo histórico que permeia a constituição das relações de trabalho e das propostas de ações designadas para sua atuação, intervindo de forma transdisciplinar, fazendo uso de seus instrumentos teórico-metodológicos de modo flexível. O serviço de atenção à saúde mental está incluído no SUS desde a década de 90 do século XX, sendo o CAPSi, um dos serviços oferecidos na rede de saúde pública para a população infanto-juvenil, em municípios com população acima de 200 mil habitantes (BRASIL, 2004). As atividades desenvolvidas são as mesmas ofertadas nos CAPS e incluem atendimento individual, grupal e familiar, psicoterapia, visitas domiciliares, atividades de inserção na sociedade, oficinas terapêuticas, atividades culturais, esportivas e externas (BRASIL, 2004). Atualmente, existem no Brasil 149 CAPSi, no entanto, em 5 estados (Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e Tocantins), esse serviço ainda não foi implantado. Estes dados ressaltam a precariedade de ações 3 políticas para desenvolver a atenção à saúde mental infantil no país. No estado de Santa Catarina há apenas 6 CAPSi em funcionamento, sendo que a população do estado em 2013, foi estimada em 6.634.254 habitantes1 (BRASIL, 2012). São funções do psicólogo no contexto dos CAPSi: a) reconhecer que o outro procura o serviço, seja uma criança, adolescente ou familiar; b) conduzir a ação do cuidado durante todo o processo, considerando que a criança/adolescente são sujeitos de direitos e responsabilidades que possuem dimensões subjetiva e social; c) comprometer familiares/responsáveis no cuidado e tratamento da criança, na forma de participação conjunta do paciente, família e profissionais; d) atuar e discutir com os outros membros da equipe (médico, enfermeiro, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, técnicos e auxiliares) a respeito das diretrizes das políticas públicas de saúde mental no campo do cuidado; e) manter o cuidado na fundamentação dos recursos teóricometodológicos utilizados; f) atuar na perspectiva da rede ampliada de atenção, através da articulação com outros equipamentos do território (BRASIL, 2005). ASPECTOS METODOLÓGICOS O presente estudo caracterizou-se como descritivo exploratório e de cunho qualitativo, pois objetivou compreender as particularidades do fenômeno estudado, analisando-as de acordo com a realidade. Foram convidados a participar deste estudo, os psicólogos que atuavam em 2 CAPSi no estado de Santa Catarina. Os CAPSi foram classificados como CAPSi A e CAPSi B para manter o sigilo das informações. Do total de 8 psicólogos atuantes nestas instituições, apenas 4 aceitaram participar da pesquisa, realizada entre fevereiro e abril de 2011. O instrumento utilizado para coletar os dados foi uma entrevista semiestruturada que buscou conhecer aspectos relacionados à formação do profissional, sobre o local de trabalho (CAPSi), a percepção a respeito do processo de saúde e doença mental infantil, e informações sobre a atuação/intervenção do psicólogo neste contexto. A seguir os procedimentos da pesquisa: após a autorização concedida pelas Secretarias de Saúde dos municípios, pelos coordenadores dos CAPSi e mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos participantes da pesquisa, foram agendadas as entrevistas de acordo com a disponibilidade dos profissionais. As 1 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=sc . Acesso em 14 de outubro de 2013. 4 informações foram gravadas em áudio e transcritas respeitando a fidedignidade dos dados. Os dados coletados foram analisados por meio da análise de conteúdo, método utilizado para descrever e interpretar o conteúdo e o significado das falas dos entrevistados. Este método foi constituído de cinco etapas: 1º preparação das informações; 2º unitarização ou transformação do conteúdo em unidades; 3º categorização ou classificação das unidades em categorias; 4º descrição e 5º interpretação (MORAES, 1999). A presente pesquisa respeitou as regras da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, referindo-se às questões éticas nas pesquisas com seres humanos, bem como contou com a permissão do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) por meio do parecer consubstanciado de projeto de pesquisa em seres humanos, nº 352/10 a. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em relação ao perfil profissional se percebeu uma predominância de profissionais do gênero feminino, com idades entre 26 a 40 anos, com carga horária semanal de 30 horas, cuja graduação foi cursada em instituições privadas e com pósgraduação lato sensu em sua maioria. O predomínio de profissionais do gênero feminino em relação ao masculino reflete o que Machado (2006) ressalta sobre a feminilização tornar-se uma marca registrada no setor saúde, evidenciando que a maior parte da força de trabalho na saúde é feminina. Nota-se também a presença de profissionais na faixa etária entre 26 a 40 anos, prevalecendo a idade de 27 anos, inseridos no serviço público de saúde mental. Esta inserção profissional aponta para uma tendência crescente dos novos psicólogos que ingressam no mercado de trabalho e optam por esta área de atuação. Quanto à maior frequencia de profissionais graduados em universidades privadas, observa-se que nestas instituições de ensino superior há mais ofertas de vagas e o processo seletivo é mais simples e menos competitivo do que nas instituições públicas. Com relação à pós-graduação, a maior frequência foi referente às especializações lato sensu, que objetivam aprimorar a formação profissional do psicólogo, no entanto, quando questionados sobre a produção de pesquisas e artigos científicos, observou-se que tais atividades ocorreram apenas no percurso da formação 5 acadêmica de metade dos participantes, sendo estas decorrentes das práticas de pesquisas e estágios curriculares. Os demais psicólogos nunca desenvolveram tais ações referentes às suas práticas. De acordo com a atuação profissional observou-se que os profissionais entrevistados afirmaram em sua maioria, ter atuado com crianças e adolescentes nos estágios de Psicologia Clínica e Psicologia Educacional. Tais campos de atuação predominavam no período anterior a implantação das Diretrizes Nacionais Curriculares em 2004. Foi a partir da elaboração dessas diretrizes que também se ampliou a formação para a atuação do psicólogo em diversos contextos, bem como se determinou que o psicólogo devesse ter habilidades para atuar em qualquer área e desenvolver várias atividades, como prevenção às doenças, promoção à saúde, diagnósticos, tratamentos, atividades individuais e coletivas e atuar em equipes multidisciplinares (BRASIL, 2011). Em relação ao tempo de atuação dos psicólogos nos CAPSi, houve predomínio de participantes que atuavam aproximadamente há um ano, variando até 4 anos. É importante mencionar que todos os psicólogos participantes da presente pesquisa possuíam vínculo empregatício como funcionários públicos municipais. Esta característica pode estar relacionada à forma de ingresso do profissional no sistema, que ocorre através do concurso público e do recente histórico de atuação dos psicólogos no serviço de saúde mental e no CAPSi, implantado a partir de 2002. Assim, os dados parecem estar diretamente associados ao tempo em que foram iniciados os concursos públicos para o campo da saúde mental e ao período em que foram chamados os profissionais para atuar nestes serviços. Referente à atuação profissional com saúde mental em contextos públicos, apenas 1 dos participantes já possuía experiência prévia, refletindo a falta de familiaridade com esta possibilidade de inserção profissional do psicólogo em uma época “pré” Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Psicologia. Entre as intervenções realizadas, foram citadas com maior frequencia as avaliações psicológicas através de entrevistas, seguidas de utilização de instrumentos padronizados (testes), e observação do comportamento. Os entrevistados referiram o desenvolvimento de suas práticas numa perspectiva interdisciplinar, através de atendimentos individuais e grupais, de oficinas, atividades junto às escolas, bem como através de realização de psicoterapias, conforme preconizam as funções dos psicólogos em CAPSi (BRASIL, 2005). As dificuldades encontradas foram relativas aos recursos 6 materiais (falta de insumos para as oficinas, falta de testes psicológicos e brinquedos) e humanos (poucos profissionais, falta de capacitação e supervisão). Tais dificuldades enfrentadas por estes profissionais ressaltam os aspectos observados por Ronchi e Avellar (2010), sobre a falta de investimento e planejamento orçamentário para a saúde mental infantil no Brasil. Contudo, os participantes ressaltaram como aspectos positivos a possibilidade de atuar em equipes de saúde e a experiência adquirida na área da saúde mental. No aspecto referente às concepções de saúde mental na infância, esta foi evidenciada sob o enfoque desenvolvimentista e social, corroborando as perspectivas que integram aspectos individuais e ambientais. Já a doença mental infantil foi caracterizada através de aspectos comportamentais e contextuais, considerando os múltiplos fatores que estão associados ao seu desenvolvimento (ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2008; HALPERN; FIGUEIRAS, 2004). A formação acadêmica foi considerada suficiente com relação aos conhecimentos sobre desenvolvimento infantil, no entanto, não forneceu os subsídios necessários para atuar com políticas públicas de saúde mental infantil ou em saúde pública. Os participantes sugeriram a inclusão de temas como saúde pública, a inserção do psicólogo em políticas públicas, psicopatologia, enfoque nas questões sociais e preparo para atuar em grupo. Tais temas reforçam, novamente, a importância que as mudanças trazidas pelas novas diretrizes curriculares podem e devem oferecer ao acadêmico e futuro psicólogo que venha a se inserir no campo da saúde mental infantil (BRASIL, 2011). CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando as condições atuais da saúde mental infantil no Brasil, a presente pesquisa buscou conhecer a formação profissional dos psicólogos, além de compreender as intervenções que são realizadas com o público que utiliza o serviço de saúde mental, e por fim como estes profissionais compreendem o processo saúde-doença mental infantil. Nesse sentido, os dados obtidos parecem servir como o eco das informações sobre o descaso e a falta de gerenciamento das políticas públicas de atenção à saúde mental infanto-juvenil. Tais dados ainda refletem as percepções de profissionais que 7 avaliaram sair da graduação despreparados para atuar com saúde pública e neste contexto buscaram complementar as faltas acadêmicas através das práticas do cotidiano. REFERÊNCIAS ARRUDA, M.A; ALMEIDA, M.; BIGAL, M.E.; POLANCZYK, G.V.; MOURA RIBEIRO, M.V.; GOLFETO, J.H. Projeto Atenção Brasil: Saúde Mental e desempenho escolar em crianças e adolescentes brasileiros. Análise dos resultados e recomendações para o educador com base em evidências científicas. Ed. Instituto Glia, Ribeirão Preto, SP, 2010. ASSUMPÇÃO JÚNIOR, F. B.; KUCZYNSKI, E. Desenvolvimento infantil e Agentes estressores. In F. B. ASSUMPÇÃO JUNIOR; E. KUCZYNSKI. Situações Psicossociais na Infância e Adolescência. São Paulo: Atheneu, 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.º 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002. Brasília: Ministério da Saúde, p.1-9, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. 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