Anima Machina
Narrado por Antonio Marcelo
Província do Rio de Janeiro - 1907
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C
omo não sou um fofoqueiro, ou da imprensa marrom que publica intrigas de vedetes de
teatro, vou ser de uma lisura e tentar narrar os fatos fantásticos sobre este caso. Faço isto mais como
um investigador e um especialista do oculto, já que todo esta situação foi motivo do
sensacionalismo dos magazines e periódicos de nossa cidade. Tento dar uma luz a tudo e trazer a
tona uma explicação sobre o caso de Madame Claudete Nogueira.
Madame Claudete tinha duas paixões na vida : jovens mancebos e seu papagaio Arlindo. Dos altos
dos seus cinquenta anos, com um corpo já um pouco gasto, com um belo rosto mas com as rugas
escondidas pela maquiagem francesa, já não tinha a beleza de sua juventude.
Quando ela era moça era um beldade, ou melhor, um “pitéuzinho”, palavras de um escritor famoso
(que por motivos óbvios, vamos manter em sigilo), que fora um de seus primeiros amantes. Aliás
sua coleção de parceiros amorosos fora bem razoável (por favor sou um cavalheiro, não falo mal
das pessoas que não conheci pessoalmente !) e inversamente proporcional a sua idade. Quando
nova, gostava de homens mais velhos, maduros e experientes. Mas o tempo foi passando e a
experiência por sua parte aumentando, assim começou a “adotar” belos guapos na flor de seus 20 a
22 naos.
Mas que magia Madame Claudete tinha, que fazia os homens caírem a seus pés ? Sim, ela fora uma
mulher muito bela, e nos seus cinquenta anos ainda arrancava olhares de admiração. Era um
exemplo de mulher madura e forte que chamava a atenção. Mas óbvio que os invejosos (melhor
diversas jovens invejosas de nossa sociedade) afirmavam que os moços caíam aos seus encantos
devido a sua imensa riqueza. Esta mina de ouro vinha dos estaleiros de dirigíveis que seu pai
construíra e que hoje estavam nas mãos de seu irmão. Ela recebia uma vultosa quantia em dinheiro
dos lucros mensais (a Calisto Dirigíveis, era o maior estaleiro de dirigíveis do Brasil, dizia que já
tinha emprestado dinheiro a coroa brasileira antes da grande guerra de 1898 !) e ainda tinha dinheiro
e investimentos em diversos bancos do estrangeiro. Morava no bairro nobre de Botafogo no Rio de
Janeiro, numa grande mansão no estilo vitoriano francês com cerca 40 cômodos, 30 criados e
inclusive um “chauffer” especializado na condução de seus carros a vapor alemães, dos quais tinha
uns sete na sua garagem. (Um para cada dia da semana, de acordo com seus desejos.)
A sua companhia constante era um papagaio chamado Arlindo, um exemplar vindo das matas
amazônicas, de penagem verde e que era em suas palavras “seu filho adotivo”. Madame Claudete
amava aquela ave, que era dotada de um vocabulário rico, pois “falava” português, francês e
alemão. Ela a levava para vários lugares, inclusive suas idas para o exterior sendo seu companheiro
de viagem em diversas ocasiões. Era curioso ver aquela mulher com aquele passarinho em seu
ombro e falando em certos momentos frases francesas como : “vas te faire enculer”, “fleurs de
trottoirs” ou curiosamente quando passava uma mulher bonita “à la paresseuse, en grenouille, sur le
côté”. O bichinho era muito espirituoso e bem humorado, mas o mesmo tinha uma personalidade
muito volátil.
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Quando ficava contrariado e seu humour abalado. passava para o alemão e berrava em bom tom:
“Blas mir einen!” ou “fick dich”, entre outras palavras estrangeiras a nossa lingua pátria para
descarregar sua ira. Era um prodígio aquela pequena ave.
Além de Arlindo havia outra coisa, ou melhor pessoa que Madame Claudete adorava, era o jovem
Leonardo, um belo rapaz, de corpo esguio, face de anjo, cabelos negros e olhos verdes. Costumava
desfilar com seu “belle garçon”, nas principais festas e rodas sociais do Rio de Janeiro e levá-lo
junto com Arlindo em suas viagens. Leonardo se dizia apaixonado por Madame, contudo as más
línguas diziam que tinha como amante uma belíssima mulata de nome Semiramis, do qual se
encontrava furtivamente.
Claro que para Madame Claudete, isto era fofoca das mulheres mais jovens que não tinham
conquistado o jovem apolo, contudo o fato é que Leonardo realmente tinha Semiramis como amante
e isto tem a ver também com esta narrativa.
O desenrolar destes fatos começa numa manhã de sábado, ou melhor quase próxima ao meio dia
quando Madame Claudete se levantara do leito e ia pegar sua ave para tomar café com ela. Ao abrir
a gaiola coberta deparou com uma visão que a fez de imediato desmaiar e causar rebuliço em toda a
casa : Arlindo estava no chão da mesma, todo duro, com as pernas para cima, mortinho da silva. A
madame desmaia com o choque e em pouco o tempo é encontrada por um criado desacordada no
chão de seu quarto.
Corre, corre geral. Chamam o médico da família para atender Madame, que ao despertar do
desmaio, debulhou em lágrimas copiosas...
- Ah meu pobre Arlindo - soluçava - meu companheiro o que aconteceu com você, para me
abandonar assim ? E prostrava-se no seu leito inconsolável a chorar em alto tom. Leonardo fora
chamado as pressas para consolar sua amante, mas nem isso fez com que ela voltasse a sorrir.
Durante 7 dias Madame Claudete mal se alimentou, só chorava, chorava e chamava pelo seu
papagaio. Temia-se que a mulher pudesse definhar até a morte, pois ninguém sabia que a ave era tão
importante assim para ela. Leonardo começou a se preocupar com este fato, pois nem suas
tentativas de carinho traziam algum tipo de resultado. Começou a temer pelo seu futuro, já que sua
amante o mantinha com importante mesada e dava-lhe do bom e do melhor. Se ela adoecesse ou
morrese seria o fim ! De quebra perderia a linda Semiramis, pois não poderia mimá-la com belos
presentes e em troca de compartilhar seu leito ardente.
Claudete não melhorava e isso só fazia o jovem desesperar-se. Mas como a sorte sempre sorria para
aquele rapaz,um dia encontrou um amigo seu no centro da cidade, saltando de um bonde
elétrico.Ele criava automatos mecânicos de corda, utilizados em diversas atividades. Seu nome era
Ricardo Santos e quando mais jovem projetara um destes automatos para empresas de mineração,
(que atualmente estava em produção) e ficara rico com seus invento. Ricardo era um pouco mais
velho que Leonardo, 27 anos, um neto de portugueses, alto, encorpado, bem apessoado, mas não
belo como ele. Era careca por opção, com um rosto redondo e gostava de usar um monóculo no
olho esquerdo. Junto com ele estava uma lindíssima negra, formosa de corpo e cabelos longos
encaracolados. Leonardo sabia que Ricardo era um mulherengo incorrigível e agora que estava
ficando com dinheiro, sabia que mulheres não faltariam ao seu amigo.
- Caro Leonardo, que prazer te ver - aproximou-se e cumprimentou o amigo em plena rua Rio
Branco. Vestia, como Leonardo, um terno de corte inglês e um chapéu coco. Só que estava de
braços dados com a negra que trajava um lindo vestido branco, com luvas também brancas e um
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belo chapéu vitoriano - Esta é Arlete minha namorada.
- Encantada - disse a mulher com uma voz rouca muito sensual.
- Senhora - beijou a mão da mulher - um prazer conhece-la. - virou-se para o amigo e
cumprimentou-o - e meu amigo como vai ?
Ricardo estranhou de ver o jovem meio triste e cabisbaixo
- Bem, mas e você ? Que cara é esta meu amigo ? - Berrou - parece que está vindo de um enterro...
- Nem te conto meu caro - suspirou - do jeito que as coisas estão indo daqui a pouco eu vou mesmo
a um...
- Nossa que conversa é essa ? Puxou o amigo e começou a caminhar com ele e de braços dados com
sua mulher - o que está te afligindo ?
- Bom Claudete está muito mal...
- A matrona ? Perguntou, chamava Claudete assim - ela está doente ?
- Sim. - disse - Você lembra que ela tinha aquele maldito papagaio ?
- Aquele bicho era intragável...
- Pois é o desgraçado morreu...
- Ora vivas - berrou o amigo - então nem tudo é motivo de tristeza !
- Meu caro, Claudete está há uns quinze dias em depressão desde que aquele bicho morrera. Eu
estou com medo que ela adoeça e bata as botas...
- Aí acaba sua vida de rei, não é ?
Leonardo olhou o amigo meio sem jeito...
- Pois é...
Ricardo riu
- Bom eu acho que posso te ajudar...
- Como é que é ?
- Eu sei de uma maneira que você pode trazer de volta sua mina de ouro e não perder aquela mulata
que eu sei que você anda enrabixado...
- Ricardo ! - asseverou - sabe que isto é fofoca !
- Bom se é ou não, problema é seu - riu - como eu gosto de você seu patife, vou te contar minha
idéia, mas vai ter que pagar um absinto para mim e minha companheira.
- Está bem - disse - me conte seu plano.
Fazia um mês que Madame Claudete estava trancada em casa. Emagrecera e tinha sombras negras
sob os olhos. Arlindo seu papagaio, tinha sido enterrado com toda a pomba no cemitério de
Botafogo num belo jazigo de acordo com os caprichos de sua antiga dona. A mesma estava em casa
numa espécie de luto. Não sorria, mal comia e não procurava os carinhos de Leonardo. Este a
visitava todo o dia para ver como a mesma estava, acompanhando seu estado de saúde.
Também esperava “a solução de seus problemas” que Ricardo lhe prometera mediante a uma
quantia de dinheiro. Aliás de maneira muito fácil conseguiu subtrair de sua amante este montante,
sob a justificativa de comprar roupas novas. A mulher nem perguntou nada, entregou dinheiro do
qual foi passado as mãos de seu amigo para por o plano em ação.
Numa bela manhã de domingo, Ricardo pediu para encontrar Leonardo na casa de Madame
Claudete, pois tinha uma encomenda especial para ele. Por volta das 11 da manhã chegou na casa da
mulher, onde era aguardado ansiosamente pelo rapaz.
Carregava uma espécie de gaiola coberta e foi conduzido pelo amigo pelos amplos aposentos da
casa, chegando a uma sala reservada. Ao entrar pediu a Leonardo que fechasse a porta atrás deles e
colocou o curioso objeto em cima de uma mesinha.
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- Eis meu amigo - apontou para a gaiola - a solução de seus problemas.
- Que diabos é isso ? Perguntou
- Veja !
Puxou o pano revelando o conteúdo da gaiola. Ali colocado num puleiro havia uma ave, só que a
mesma não era uma ave de verdade e sim um automato de corda. Tinha o corpo metalizado com
penas desenhadas no mesmo. Era de cor verde jade, com pequenas pernas, bico e asas de metal. A
cabeça era pequena e dois pequenos olhos de vidro davam um ar um pouco assustador. Estava
imóvel parecendo uma estátua.
- Ricardo em nome do Senhor ? Que coisa é essa !!!!
Ricardo fez um semblante de decepcionado
- Meu caro esta é minha última criação e sua salvação ! - aproximou-se do automato e pressionando
uma chavinha no seu pescoço ligou-o. Uma série de ruídos metálicos e de engrenagens, se fez no
recinto, os olhos se acebderam num tom azulado suave. Temia o barulho daquela coisa ao emitir
algum som, mas para a surpresa se Leonardo a voz de um papagaio, sem nenhuma conotação
artificial se fez ouvir -”Craaarrr Louro quer biscoito !”
O automato mexia a sua cabeça, de maneira quase natural, fazendo que o jovem se encantar com o
bicho mecânico. Parecia um animal de verdade. Os olhos do papagaio mecânico brilhavam
vivamente, parecendo que estava em pleno funcionamento.
- Mas como você fez isso ? gaguejou
- Seu amigo é especialista nisso esqueceu ? - Riu - bem tenho que te explicar algumas coisas. Este
bichinho tem a mesma capacidade de armazenamento de palavras de um pagaio vivo, através de um
sistema de gravação de ranhuras em mini discos de metal, como os fonógrafos atuais. Você precisa
de 30 em 30 dias dar corda para que ele não pare de funcionar - pausou - é como um relógio sabe...
Além disso cada 5 anos você deve colocá-lo numa revisão. - pausou e fez uma cara séria - Você está
recebendo um dos primeiros e exclusivos protótipos, somente ano que vem estas coisinhas vão
entrar no mercado pela minha empresa.
- Mas é impressionante !
- Eu sei, mas nada que a boa e velha ciência não explique e faça - sorriu - este “rapaz” aqui tem
algumas coisas gravadas, mas boa parte do vocabulário ainda precisa ser “ensinada”. Pelas minhas
estimativas a vida útil deste pequeno automato é de 40 anos.
- Nossa ! - Leonardo sorriu - Meu amigo não sei como lhe agradecer !
- Ora aquela polpuda contribuição que você me deu, permitiu finalizar esta coisinha, bem - cobriu o
automato - leve ele para sua amante, garanto que irá gostar.
- Obrigado meu amigo ! Pegou a gaiola - vou até o quarto de Claudete, não sei se vou demorar...
- Não se preocupe Leonardo - disse se retirando - vim aqui apenas para isso, Arlete me espera para
irmos a um sarau, boa sorte.
Leonardo deixou o amigo e dirigiu-se ao quarto de Claudete, no segundo piso da casa. Chegou na
porta e deu três batidas leves. Um “entre” vindo de uma voz débil se fez ouvir. Abriu a porta e
entrou no aposento. O mesmo estava a meia luz e num pequeno canapé, perto de uma grande cama,
estava Claudete prostrada como se estivesse muito doente. Vestia uma camisola larga, seus cabelos
estavam desgrenhados e seus olhos marejados como alguém quem estava chorando há poucos
instantes atrás. Leonardo delicadamente chegou perto dela e sussurrou-lhe ao ouvido
- Meu amor tenho um presente para você ...
A mulher olhou pouco interessada e sem nada falar fez um gesto com a mão de que mostrasse.
Leonardo descobriu a gaiola do automato e este como por magia disse :
- Bela senhora não fique triste, deixe eu trazer a alegria para seu coração...
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A mulher olhou sobressaltada, como se tivesse tomado um choque, para a pequena criatura
mecânica.
- O pequeno Nené quer atenção e carinho...
A mulher pela primeira vez em semanas sorriu
- O que é isso ? Perguntou com a voz firme
Leonardo olhou triunfante, algo acontecera, parece que Claudete se encantara com a geringonça de
corda de Ricardo.
- É um presente minha flor - disse - algo que eu mandei trazer de longe para você para tentar de
alegrar.
- Parece um pássaro...
- Longe de ser um pássaro, ou antes que pense que é um substituto de seu querido Arlindo - como
detestou aquelas palavras - é um companheiro para você, quando eu não estiver aqui...
A mulher olhava o automato fascinada. Começou a fazer os mesmos barulhos que fazia com seu
finado papagaio e o sistema de gravação respondia que nem uma relógio. Em poucos instantes a
mulher estava de pé com “Nené” empoleirado em seu braço, falando diversas frases. Leonardo a
acompanhou a tarde inteira e notou que aos poucos sua companheira estava saíndo daquele torpor.
Isto se comprovou nos dias seguintes, onde Madame Claudete recuperou toda sua energia e em uma
semana ela era a mesma mulher de sempre. Leonardo só ganhou com isso, pois a mulher o cobriu
de presentes e eternas juras de amor. Ambos viajaram logo em seguida para umas férias de vinte
dias em Paris e na volta ele ganhou um carro a vapor só seu. Neste mesmo período, começou a se
encontrar cada vez mais com Semiramis e dá-la jóias e belos vestidos. Comprou um belo
apartamento de 3 quartos na Glória para levar sua amante, contratando um mordomo e duas
cozinheiras. Além disso comprou algumas lojas no centro do rio e alugou para alguns comerciantes
para ter uma fonte de renda fixa. Madame Claudete dava mais amor e dinheiro para ele. O
automato era um sucesso com ela, e com toda a sociedade carioca. Todos queriam ter um igual a
madame, mas ele sabia que isto seria por um bom tempo uma coisa exclusiva de sua amante.
Todos estes fatos levaram a uma situação não prevista e não desejado por Leonardo : Claudete
queria casar com o homem que a tornara novamente feliz, neste caso específico : ele.
A idéia o assustou, já que ele tinha apenas 22 anos e Claudete 50 e ele aproveitar a vida e queria ter
ainda muitas “Semiramis” pela sua vida. Sabia que em 5 anos Claudete seria uma mulher velha e
acabada e seria um estorvo aguentá-la.
Mas ao mesmo tempo sabia que teria uma fonte de renda fácil e ainda poderia se tornar herdeiro de
toda aquela fortuna. Planejando tudo de maneira astuta resolveu aceitar o pedido de casamento. Em
menos de dois meses os dois se casaram, causando um frison na sociedade carioca.
Quem claramente não gostou disso foi o irmão de Claudete, que via em Leonardo um aventureiro e
aproveitador, mas a mulher estava cega de paixão pelo jovem, então ele nada pode fazer. Viajaram
numa lua de mel de 2 meses e Leonardo ardilosamente levou Semiramis junto, pedindo que ela se
insinuasse e tornasse amiga de Claudete, para se aproximar deles e assim poder frequentar a mesma
casa. O plano funcionou maravilhosamente e na viagem de navio que fizeram, ele colocava
soníferos na bebida da mulher que caía prostrada na cama, e em seguida corria para a cabina da
mulata onde passava as noites nos braços da mesma. Ao voltarem ao Rio de Janeiro começaram a
viver uma vida de casados. Nesta mesma época Leonardo inventou a desculpa de estudar francês e
ocultismo, desculpa que usava para encontrar Semiramis, e assim tendo uma vida dupla
maravilhosa.
Os meses se passaram e o pequeno automato continuava funcionando a contendo. Ricardo fora uma
vez visitá-los e pediu para verificar se o mesmo estava ok. Depois de uns dez minutos de exame
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constatou que o pequeno pássaro mecânico estava funcinando perfeitamente. Tudo ia
maravilhosamente bem : dinheiro, viagens, Semiramis.
Até que um dia...
O que eu vou narrar agora foi contado por um empregado muito próximo de Senhora Claudete, por
isso não sei se foi exagero ou mesmo aumento dos fatos, sabe como é o povo. Mas como sou um
narrador e no início deste relato um estudante do oculto, vou contar o que dizem que aconteceu
naquela casa nos meses de setembro e novembro de 1904. Tudo começara numa sexta-feira de
setembro, onde Madame Claudete estava tomando banho e Leonardo estava sozinho com a ave
mecânica. De acordo com as palavras vindas deste empregado foi ali que se deu o início de tudo.
Leonardo estava lendo o jornal, no quarto dos dois olhando para o pássaro. Este estava parado,
como se estivesse desligado, mas o jovem sabia que aquilo era um comportamento comum. Largou
seu jornal, e se aproximando dele disse :
- Ah Nené, como eu tenho que agradecer a você, meu caro amiguinho ! - sorriu - graças a ti, hoje
sou um homem rico e tenho tudo que eu quero...
O pássaro mecânico o olhava mexendo sua cabeça de metal e com barulho das engrenagens vindo
de seu corpo.
- Sei quanto é chata aquela megera, mas temos que fazer sacrifícios para termos o que queremos... completou - nossa o corpo dela já está gasto e ficando sem graça...
O pássaro nada falava, apenas emitia pequenos sons metálicos. Leonardo o olhava com satisfação o
pequeno automato, pensando no prodígio de seu funcionamento. Seu amigo Ricardo, era um gênio
sem dúvida e com certeza que ficaria mais rico. De repente o passáro começou a emitir alguns
ruídos meio diferentes, despertando Leonardo de seus devaneios. A sua cabeça começou a mexer de
maneira meio desordenada e isto assustou o rapaz que nunca vira aquele comportamento repentino
na máquina.
Lentamente os olhos azuis do pássaro, começaram a mudar de cor, para um vermelhos sangue
brilhante. Leonardo assustou-se e pensou que poderia estar ocorrendo algum tipo de defeito.
- Você engana a minha senhora - chilreou a voz do pássaro - você é uma pessoa má.
Leonardo pulou assustado para trás não acreditando nas palavras do pássaro. Não era possível que
ele tivesse ouvido aquilo. Mal teve tempo de tentar se recompor, pois Claudete saíra do banho e
voltara ao quarto. Ela o encarou e em seguida com o semblante preocupado perguntou :
- Meu amor o que houve com você, está branco como uma vela - se aproximou botando a mão em
sua testa - você está se sentindo bem, está com febre ? - assustou-se de repente tirando a mão nossa você está gelado !
Ele imediatamente olhou para o automato e viu que os olhos vermelhos, tinham se transformado
novamente em azuis e a ave dançava despreocupada. Tentou disfarçar a surpresa de ver o pássaro
funcionando normalmente, como se nada tivesse acontecido.
- Desculpe minha querida, mas foi uma indisposição repentina que senti - tentou sorrir - deve ter
sido a carne de porco do almoço...
- Eu já falei para você que carne de porco não é algo bom de se comer. - conduziu-o a uma cadeira
próxima - sente-se vou pedir um chá de boldo para você e um remédio. - saiu do quarto correndo
Ficou novamente a sós com o pássaro e durante todo o tempo que passou com ele, até a volta de
Claudete, nada aconteceu. Começou a pensar que tudo fora um pesadelo ou sonho ruim, e até
mesmo efeito da carne de porco sobre ele. Naquela noite dormiu um sono meio agitado, sonhando
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com os olhos vermelhos da máquina. Mas os dias foram passando e o fato foi esquecido. A vida
voltou ao rítmo normal e novamente ele e Claudete viajaram para o exterior, desta vez indo para os
EUA de drigível. Pegaram um luxuoso dirigível americano, o George Washington, um verdadeiro
transatlantico dos céus, capaz de levar cerca de 500 pessoas, com diversos salões de jantar, piscina,
3 restaurantes e luxuosas cabines. Semiramis foi com eles como convidada e novamente o
estratagema do sonífero foi usado.
Numa noite porém logo que depositou Claudete na cama, sob os efeitos dos medicamentos e se
preparava para ir para a cabine de Semiramis, a ave o encarava novamente com os dois olhos
vermelhos.
- Vai sair de novo canalha e se entregar aos braços daquela rameira ?
Leonardo gaguejou e sentiu o estômago virar. Reunindo coragem falou.
- Máquina estúpida eu posso te destruir, de que você está falando ?
O papagaio mecânico com os olhos vermelhos e com diversos barulhos de estalos metálicos de seu
corpo falou :
- Sei de sua vida dupla, sei que engana minha ama e senhora, não adianta, vou te destruir !
Leonardo foi tomado por um medo que rapidamente se transformou em raiva. Se dirigiu a máquina
e deu um soco na mesma derrubando-a no chão. Esta imediatamente apagou-se, desligando-se em
seguida. Ele tomado de pânico se desesperou pois pensou que poderia tê-la quebrado. Tentou ligá-la
e para seu alívio a mesma voltou a funcionar. Os olhos estavam azúis e aparentemente nada
acontecera. Deixara no poleiro e saiu do quarto. Definitivamente alguma coisa estava errada, pois
com certeza não imaginara aquilo.
Quando entrou na cabine de Semiramis, que era próxima das dos dois, estava com uma cara de que
vira um fantasma e naquela noite não desfrutou do prazer com sua amante. Semiramis perguntou o
que acontecera, mas ele disse que estava passando mal do estômago e que provavelmente naquela
noite não poderia ter o prazer com ela. Voltou menos de vinte minutos depois para a cabine de sua
mulher.
Durante o resto da viagem, não aconteceu mais nenhum fato estranho, mas Leonardo sabia que
chamaria Ricardo quando voltasse ao Brasil para verificar o que estava ocorrendo com o automato.
Aproveitaram a estada nos EUA e Leonardo e sempre se acalmava nos braços de Semiramis.
Prudentemente começou a evitar de ficar sozinho com a ave, para não acontecer outra vez aquela
situação. Na viagem de volta conseguira inclusive desligar o pássaro quando Claudete dormia sob o
efeito dos sedativos e assim alcançou um certo alívio.
Quando voltaram ao Rio Leonardo chamou Ricardo a sua casa e contou o que ocorrera. O amigo riu
no início, mas ao ver a cara de Leonardo muito séria começou uma série de testes de rotina na ave
mecânica. Desmontou e remontou uma série de mecanismos da máquina e no final disse.
- Não existe nada de errado com ela Leonardo.
- Tem certeza Ricardo ?- perguntou incrédulo - não existe nenhuma peça com defeito ou algum
mecanismo com algum tipo de avaria ?
- Nada meu amigo, a revisão que eu fiz foi completa - deu um tapinha de leve na máquina desligada
- ela está 100% ok.
- Certo...- disse meio pensativo - acho que quem deve fazer uma revisão sou eu, vou marcar um
médico...
- Faz bem - disse - uma época quando eu estava trabalhando demais, cismei que um automato
conversava filosofia comigo - riu - mas depois que meu médico me receitou umas cachaças para
beber, melhorei.
- Muito obrigado meu amigo por tudo - disse - vou me cuidar.
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- Faça isso Leonardo, não quero ver você discutindo com qualquer relógio ou carro a vapor...
- Obrigado.
No meio de outubro Semiramis fazia aniversário e Leonardo montou um estratagema para viajar
com a mulata. Disse a sua mulher que teria uma iniciação ocultista, onde ninguém poderia saber do
conteúdo, e que seria submetido a diversos rituais de purificação onde inclusive teria que ficar sem
fazer sexo por 1 semana. Explicou a mulher e pediu sua compreensão, e esta engoliu toda a história.
Exultante ficou duas semanas fora com a amante indo para as instâncias hidrominerais de Minas
Gerais, comendo e bebendo do melhor.
Na última noite da viagem, depois de desfrutar de sua amante, estava deitado acordado no quarto
escuro do hotel juntamente com Semiramis. Esta dormia e ele olhava o céu estrelado pela janela.
Estava um pouco frio e decidiu se levantar para fechar a janela. Ao fazer isso e ao voltar-se para sua
cama parou petrificado, como se tivesse visto o olhar da própria Górgona. Na parede do quarto dois
pequenos olhos vermelhos o encaravam, e ruídos metálicos se faziam ouvir. Imediatamente correu
para o interruptor do quarto e acendeu a luz. Não havia nada no quarto, além dele, Semiramis e os
móveis. Assustado como se a própria morte o tivesse visitado sentou-se na cama com a garganta
seca e um frio no estômago.
Despertando sua amante pediu que chamasse a recepção para ver se havia um médico no hotel que
o pudesse atender. Em poucos instantes um senhor de idade e de ar muito sério, vestindo uma roupa
branca e portando uma maleta chegou ao quarto. Era o médico do hotel que o examinou,
constatando que ele não tinha nada, nem sua pressão estava alterada. Deu-lhe um calmante e este
derrubou Leonardo na cama, num sono sem sonhos e nem um pouco prazeiroso.
No dia seguinte retornou ao Rio com Semiramis de trem. Apesar de ter aproveitado as duas
semanas, estava tomado de um sentimento de tristeza e desespero. Ele estava ficando louco e
precisava se tratar. Sua amante percebeu isso e pediu que ele fosse a um centro de candomblé tomar
um passe com um caboclo, pois aquilo na opinião dela, tinha sido “um trabalho” feito contra ele por
alguma pessoa invejosa.
Ricardo que não acreditava nestas coisas disse que aquilo era um mal passageiro, pois consumira
uma alimentação mais “pesada” nestes dias. Falou que agora tinha certeza que deveria parar de
comer carne de porco, pois isso sempre acontecia quando fazia isto. A amante ficou menos
preocupada, mas assim mesmo insistiu que ele fosse ao centro espírita.
O fato é que ao voltar para casa começou a todo custo evitar a ave e seu comportamento ficou um
pouco mais arredio. Foi a alguns médicos, visitou dois especialistas e de acordo com eles nada
havia de errado. Começou a ficar em casa muito tempo nos jardins e a noite quando Madame
Claudete adormecia, saia para dormir num quarto ao lado. Um de seus empregados me contou que
um dia ele acordara no meio da noite, assustado e disse que o papagaio mecânico falara com ele
ameaçando sua vida. Claudete observou que o jovem estava ficando doente, tendo pesadelos a noite
e emagrecendo a olhos vistos. Ela pensou que a tal iniciação tinha feito algum mal a ele e chamou
um padre para tentar benze-lo ou fazer um exorcismo. Semiramis também viu seu amante naquele
estado e chamou também um pai de santo para fazer um descarrego nele. Ele se submeteu aos dois
processos sem protestar uma palavra e como por milagre. parece que a união das duas correntes
espirituais, causaram algum resultado. O jovem começo a voltar ao seu estado normal logo em
seguida, voltando a dormir melhor e se alimentar de maneira satisfatória.
Na noite do dia 23 de novembro logo após o jantar, Leonardo pediu licença e subiu aos aposentos
para pegar algo. Claudete estava sentada na sala de jantar, mas começou a estranhar a demora da
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volta de seu marido. Resolveu subir para o quarto atrás do jovem e ao tentar abrir a porta notou que
a mesma estava fechada.
Lá dentro ouviu a voz de seu marido berrar com alguém, e ela notou que uma luz avermelhada
surgiu embaixo da fresta da porta. Assustada começou a bater na porta e berrar:
- Leonardo abra a porta, o que está acontecendo ? - forçava a fechadura
Lá dentro o jovem berrava palavras desconexas e Claudete desesperada tentava abrir a porta.
“Demônio ! Ser do inferno !” a voz totalmente irreconhecida de Leonardo se fazia ouvir
- Meu amor abra a porta !!! berrou desesperada a mulher.
De repente um barulho de janela quebrada e um grito. Claudete notou que a porta abriu em seguida
misteriosamente e a luz vermelha sumira. No quarto via-se Nené parado no seu puleiro e a janela
quebrada. Claudete correu para mesma e ao olhar para baixo, viu o corpo de seu marido morto no
chão da casa, numa imensa poça de sangue.
Para finalizar minha narrativa desta história, Madame Claudete resolveu mudar para São Paulo e
vender sua casa. De acordo com ela não conseguiria morar mais ali, pois as memórias são muito
dolorosas. Hoje a mesma é residência de verão de um industrial Nordestino que vem ao Rio de
Janeiro em férias em janeiro. A casa passa a maior parte do ano fechada.
A mulher levou Nené, seu automato, para a nova residência. Pelo que sei, até hoje nada de estranho
aconteceu com ela e com seu novo amante paulista (conheceu um jovem alferes de 20 anos, que
caiu de amores por Madame). Semiramis continuou sua vida de princesa, já que Leonardo tinha
deixado uma série de documentos bancários e procurações em seu nome e por isso teve acesso a
uma vultosa quantia que ele tinha, herdando as lojas e o apartamento pois era a pessoa mais chegada
a ele (curiosamente não apareceu nenhum parente de Leonardo até hoje.). Neste meio tempo
conheceu um rico industrial inglês e logo em seguida casou com ele mudando-se para o exterior.
Hoje as lojas e seus apartamentos são administrados por um advogado contratado.
Os automatos de estimação de Ricardo estão a venda hoje em dia e ninguém reclamou de nenhum
defeito ou problema (ou mesmo caso similar...). Para muitos Leonardo realmente foi vítima de
alguma doença ou mesmo “macumba” por parte de alguém, mas isto nunca saberemos. Ficam aqui
os fatos finais de minha narrativa. Só lamento que o pobre Leonardo tenha perdido sua vida tão
jovem, mas quem sabe isto não tenha sido um castigo divino devido a seu comportamento ruim ?
Finis
copyright - Antonio Marcelo - [email protected]
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