A Véspera Do Nada Marco Valença Agosto ÍNTIMO Sei como te laçar E resgatar do meio do redemoinho E depois me lançar Contigo na correnteza Amigo das águas Sujeito a surpresas Te abraçar no veio Do cheio do rio E ali mesmo amar Contigo na natureza Sentidos sem tréguas Pedras sem represas Sei como te degustar E te devorar na ceia da paixão Um vinho raro Um favo de néctar Caminho claro Rima e métrica Sei como te encontrar Nome, endereço, número Identidade e estética Sei como para você me dar É simples, fácil, táctil, indelével Busco o seu útero Beijo a sua testa 01.08.2011 LETAL Não sou droga na veia Não sou prova de fogo Mas o amor me incendeia E arde e me ateia e vicia Como a qualquer mortal Um mal que alivia Eu que sou tão venal Eu que sou tão venoso 03.08.2011 SÁBIO AMOR Muitas vezes não sei Se sou o cavalo ou o espírito O anjo da guarda Ou a raia do arcanjo O pai bastardo Ou o filho legítimo Não sei se sou A sela ou a montaria A cela ou a liberdade A vela ou o vento A cera ou o pavio A carne da cidade Ou sua poesia Mas sei que tudo acontece Porque você tece E me enternece com suas teias E me envolve em tramas Lençóis, ramas, artimanhas, Noites de sóis, dias de estrelas Porque você me vem Com suas lendas e mitos Como um assombro ou uma bênção E me deixa Tonto e grogue de prazer extremo Quando me explode os sentidos E não sei mesmo se sou O onírico ou o bicho Quando mio em seus ouvidos Quando lato entre seus braços Não sei se sou O herói ou o banido Seu atroz ou seu querido Mas sei que tudo se despe De qualquer empecilho Quando te encontro e me acho Mesmo distante Mesmo vestido 03.08.2011 PLANO Não sou seu dono Para não ser seu dano Sou uma coisa que trafega Entre o piegas e o mastodôntico A sua fera doméstica Zelando o teu feroz sono. 03.08.2011 CONFIANÇA Me dê os dedos Que de dádiva Te dou uns dados Não aqueles viciados Uns novos Com números inéditos Em qualquer mesa, Cama, circo, palco Onde poderemos estar Me doe os dedos Que sem dores Te dou uns dados Não aqueles já sabidos Uns outros Roçando teu ouvido Sem qualquer pressa, Tempo, risco, salto Donde nos prender ou bem estar Me dê os dedos Que te ponho Uma aliança No anular Me doe os dedos Que te dôo Uma fiança Para amar 03.08.2011 CLÍMAX O amor Em mim É cão comum Um vira latas E uma pedra rara Que me dá Paixão e êxtases O amor Para mim É cova rasa Uma carcaça E um dicionário Que me traz palavras E plêiades O amor Em si É uma coisa disforme Que se consome Nutrindo-se de si mesma O amor No fim É o começo de um todo Enorme É o sim Erguendo todo um povo É uma revolução Que se inicia Breve Dentro de nosso sonho Mas que se realiza Quando explode Seu leite de vaca E de homem Entre as pernas de uma nação Entre as fronteiras de uma mulher 04.08.2011 SINCERO Sabe aquela flor Que ninguém nunca viu Aquele tronco de mangueira Que alguém nem abraçou Mas que a gente Sabe que há Em algum lugar Que a gente ama Antes da chama do olhar Antecipando a felicidade Que sabe que virá? Assim é meu bem por você Um ponto no futuro Que sempre quero Me fazer merecer Por isso meu apuro Por isso com todo amor Te espero, te quero, venero Cada manhã e cada anoitecer 04.08.2011 MARCO Sou o mesmo Que te agradece A presença E que me entrego A cada dia Sou o mesmo De antes Que o calendário Marcasse mais uma idade Em minha vida Sou o mesmo Que te amo De formas contida Ou desmedida Aquele que te quer Que requer Você Para conjugar Todo ótimo Toda sintonia Sou o mesmo Aquele que você viu Aquele que você vê Aquele que você verá (sim, você virá!) Sou o mesmo sim Dentro da realidade E em toda poesia 11.08.2011 NOSSO Sei bem e de cor A cor e o odor De sua superfície De sua textura Das peles e mucosas Das partes líquidas E das musculosas Das desdobras íntimas Das várias expostas Sei dos seus pares E ímpares Sei dos seus vales E encostas Sei que você sabe de mim Não só do que penso Mas o que sinto e pressinto Coisas tamanhas e miúdas Segundos absurdos E extensas horas Sustos e perjúrios Crenças e oratórios Sei a seiva De sua saliva A salva de prazer Que nos faz infinitos Sei que sei Como te dizer Que o amor pode ter fim Mas não tem princípios Que o amor é isso Nosso costume, hábito ou vício. 11.08.2011 CISCO Basta a lembrança De um risco De seu cílio Respingo do seu olhar Para criar uma dança Involuntária Em minhas entranhas Me lança uma chama Estranha e óbvia Líquida e corpórea Misto de colírio E bel prazer Neste seu ato de Simplesmente Piscar Basta 11.08.2011 MUSA É quando eu vejo seu olho Irradiar o seu brilho E sinto para mim esse estio De rio que se quer se enrodilhar No rodamoinho E mais beber e mais render E mais amar sem querer Mais saber Se é pedra de rio Se vai se naufragar É quando invejo tua natureza Que cresce onde ninguém Se presta alcançar Que alça seus vôos Além dos limites E busca um amor diferente Aquele que nenhum alguém Ousou conquistar É quando eu mais tenho certeza Que você é calma Além do furor Que você é fúria Além da bonança Que você é lança Que fere o futuro Por mais sapiência Por mais abundância É quando eu mais quero Sua realeza De sabre ou de pluma De lâmina ou pétala de rara flor É quando eu te mais venero Essa mulher Que pode o veneno Mas sabe o engenho Da cura E o poder imenso Que tem o amor 11.08.2011 DIA A DIA A pia limpa A cama feita A casa cheia de luz E de ar Só falta você Para ser perfeita A tarde de prazer E ser e estar Não é por falta de convite Não é que você me evite Nem falte lugar Nesse seu vôo Nem é falta de sorte Nem excesso de azar É que o futuro Nos resguarda Com sua capa cinza Alguma reserva Propícia Para nos felicitar 11.08.2011 QUARO Quando eu chegar Para contar as minhas lendas Não te peço toda ouvidos Nem pretendo que entendas Eu só quero é mirar Seus olhos vivos Acertar nos carinhos Conquistar suas sendas Quando eu vier Para mostrar as minhas prendas Não te trago todo o mundo Nada mais que alfazemas Eu só quero perfumar Seus obscuros Clarear os caminhos E plantar minhas tendas É que já estou aqui E nem vim para falar Só cheguei para querer Só cheguei para quarar Minha roupa que se estenda Nossas almas entendam Nossos corpos Que rendam Em paz 13.08.2011 O TODO E O TUDO Creio Que alguns poetas Já disseram isso Mas um amor profundo Na idade madura É mais do que uma fruta Saborosa, fértil, única É uma alegria bélica Uma felicidade sutil Um prazer de forma Mais hedônica do que púbica Mas que tem seu lugar Mais íntimo E não público Acredito Na faina dos poetas E sei que meu amor É tudo menos Retas paralelas Que se encontram Mudo eu E ela quieta Somos uma sintonia Tão possante Que o mundo cala Ao nos ver fazer Amor E ainda mais O tudo e o todo quê Que dele exala 17.08.2011 SOU DO SIM Mais uma vez Amanheci sem você Não doeu Nem me arrasou Mas não quero Criar costume Não quero Criar ciúme Mais uma vez Amanheci outro dia Sem te ver Não me roeu Nem esfolou Mas não quero Isso amiúde Não quero Essa solitude Não quero não 18.08.2011 CHEGANÇA Pode me esperar Que sou de chegar de repente Sou de me atirar sem rede Céus sem paredes Bote de serpente Pode me aguardar Que eu sou borbulhar de enchente Sou um braço que se estende Fonte de sede Fogo florescente Se eu demorar É que estou indo de longe Mas já vejo o seu olhar A concha de sua boca As palmas de suas mãos Não há como me afastar Não tem com o que eu não sonhe Pois pressinto seu aroma A concha que não é oca As palmas que abrigarão Minha chegada Em seu chão 23.08.2011 PARA SE ENCONTRAR Vou te encontrar Eu e um rouxinol No galho de uma cerejeira em flor Vou te encontrar Eu e um sabiá Debaixo de uma velha mangueira E nós dois Vamos cantar Dormir, sonhar Até cansar Depois voltar a caminhar Nosso destino Para de novo Lua nova Ou sol a pino Nos encontrar Nós, um rouxinol e um sabiá Aos pés de um baobá Secular 25.08.2011 ESTELA Você carimba Meu passaporte de ida De volta pra você Você me torna Firme e forte Cheia de ventos minha vela De alimentos meu alforje Você me rima Me improvisa Vira e mexe Me envolve e descortina Só porque sou seu Só porque você me quer Você instiga Versos, acordes, cantigas De acordo com você Você me forma Sina e sorte Cheia de centos minha estela De óleos bentos minha prole Só porque sou seu Só porque você me quer Você me ensina Traça a vida Rasga e tece Me resolve e me atina Só porque sou seu Só porque você me quer 25.08.2011 AFIRMAÇÃO O meu amor é real Queda sobre pedra Marco de fundação E apito de barco Partindo Meu coração O meu amor é plebeu Festa sobre nada Marco de inauguração E suspiro num arco Sumindo Como um náufrago Para sempre Do meu coração 28.08.2011 UMA BELEZA QUE A NATUREZA CRIOU Como as folhas tenras Da velha mangueira Eu me faço novo Para esse amor Sem fronteiras Muito embora frondosa A árvore de nossos frutos Eu me faço verde Para esse amor maduro Como as novas mangas Que colho e saboreio Arguto Como a seiva dessa planta Que nos dá sombra E semeio É assim que te anseio E degluto Como a lombra Nos dá o esteio Como o fruto Nos traz alimento Assim te bebo E como Nutro 29.08.2011 DATA DE VÔO Estou leve Como um homem-pássaro Eu que não caço nada Além de sua presença Eu que não tenho mágoa Da distância, da ausência Eu que sou inteiramente Como os lenços e os pombos Dentro as cartolas Dos mágicos Estou breve Como se fosse parir Ou morrer A qualquer momento Como um homem-pássaro Eu que não conto pratas Eu que não vejo fadas Eu que não meço nada Além da paciência Eu que só quero a data Da sua presença 29.08.2011 Setembro O DIA SEGUINTE Assim como a vida O amor também morre Temperatura de sol vital Que se dissolve Em fumaça Próximo do nada A morte do amor Não requer velório Ou cremação É em si um ato solitário Que cada um sofre Assim como se dorme De cansaço E do melhor sonho Acorda-se Vezes rápido como um susto Ou gota a gota Sangrando O amor se esgota 26.09.2011 Poemas, Formatação e Foto da Capa Marco Valença Setembro de 2011 Salvador – Bahia Para Marta Raggi