UMA REFLEXÃO SOBRE CONHECIMENTOS
NECESSÁRIOS AOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA
PARA AVALIAR SEUS ALUNOS
Rosinalda Aurora de Melo Teles
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
[email protected]
RESUMO
A partir de recortes de avaliações escritas, realizadas por alunos e corrigidas
por professores, tecemos rápidas reflexões sobre desafios enfrentados na
ação de ensinar e avaliar estudantes do ensino fundamental. Utilizamos
saber e conhecimento, como sinônimos e, os discutimos em duas
perspectivas: do saber matemático envolvido nas situações analisadas e dos
conhecimentos ou saberes que o professor precisa utilizar para interpretar as
respostas dos alunos. A primeira reflexão é que são necessários
conhecimentos de vários tipos, entre eles, de conteúdos específicos e
também da Didática da Matemática. E conhecimentos mais gerais,
relacionados à importância de valorizar estratégias pessoais mobilizadas
pelos alunos; identificar a presença de conhecimentos sofisticados, não os
tratando como evidentes e também a necessária observação das
regularidades dos erros cometidos pelos alunos. Embora reconheçamos a
legitimidade dos estudos sobre saberes docentes (TARDIF, 2008), não
ambicionamos, neste texto, olhar os saberes e os conhecimentos necessários
ao professor sob esta ótica. Trata-se de uma reflexão preliminar. No entanto,
no intuito de alimentar uma discussão e desencadear pesquisas futuras,
propomos algumas questões que podem ser tratadas sob o ponto de vista dos
saberes docentes na concepção de Tardif.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de matemática; avaliação; saberes dos
professores
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28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil
A REFLECTION ON MATHEMATICS TEACHERS’
KNOWLEDGE REQUIRED TO ASSES STUDENTS
Rosinalda Aurora de Melo Teles
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
[email protected]
ABSTRACT
From extracts of written evaluations, performed by students and marked by
teachers, we reflected on challenges faced in actions of teaching and
assessing primary school students. We use knowledge and understanding, as
synonyms, and discuss them in two perspectives: the mathematical
knowledge involved in the analyzed situations and knowledge or
understanding that the teacher needs to use to interpret student responses.
The first reflection is that knowledge is required of various kinds, among
them specific content knowledge and also Didactics of Mathematics
knowledge. And more general knowledge related to the importance of
valuing personal strategies mobilized by students; identify the presence of
sophisticated knowledge, not treating them as obvious and also the
necessary observation of regularities of the mistakes made by students.
While we recognize the legitimacy of the studies on teacher knowledge
(TARDIF, 2008), there is no ambition, this text, to look at the knowledge
and the skills of the teacher in this perspective. This is a preliminary
reflection. However, in order to feed discussion and further research, we
propose some questions that can be addressed from the point of view of
teacher knowledge in Tardif’s conception.
KEYWORDS: mathematics teaching, assessment, teacher knowledge
1
Introdução
Há cerca de 20 anos, vários estudos vêm discutindo os saberes que servem de base
ao ofício de professor, noutras palavras, sobre os conhecimentos, o saber-fazer, as
competências e as habilidades que professores mobilizam diariamente, nas salas de aula
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e nas escolas, a fim de realizar concretamente suas tarefas docentes (TARDIF, 2008).
Também se discute sobre a natureza dos saberes que são efetivamente mobilizados e
utilizados pelos professores. Neste trabalho não ambicionamos aprofundar a discussão
do ponto de vista teórico de Tardif (2008), porém, como o autor, acreditamos que o
“saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um
objetivo qualquer” (p.11). Trata-se de um estudo exploratório preliminar, fruto de
inquietações oriundas da relação entre a teoria e a prática. Não temos a pretensão
generalizar, mas suscitar elementos que possam gerar pesquisas futuras e colaborar com
os processos formativos de professores que ensinam matemática.
Utilizamos saber e conhecimento como sinônimos e, os discutiremos, neste
trabalho, em duas perspectivas: a primeira, do saber matemático envolvido nas situações
que analisaremos e a outra dos conhecimentos ou saberes que o professor precisa
mobilizar para interpretar as respostas dos alunos. Entre as duas perspectivas não há
hierarquia, nem primazia; elas se complementam e se alternam na construção do texto.
Dentre os saberes socialmente construídos, o saber matemático contém elementos
que ajudam o indivíduo a se ver no mundo, a compreender a realidade natural e social na
qual está inserido e a se colocar de forma ativa nas relações sociais. Como destacam
Campos e Nunes (1994), o saber matemático tem importância capital no desenvolvimento
e no uso de tecnologias, as quais têm funcionado como um fator importante no
estabelecimento e na manutenção de desigualdades. A superação das desigualdades e o
exercício pleno da autonomia e da soberania exigem, portanto, a apropriação democrática
dos conhecimentos matemáticos. Os desafios enfrentados pelos professores de
matemática para exercer sua prática, são muitos. Como professora de matemática da
escola básica e, mais recentemente, como pesquisadora, algumas questões tem me
inquietado. Uma delas, foco deste texto, refere-se ao tratamento que o professor dá aos
erros cometidos por seus alunos. Vemos como Pinto (2000), o erro como uma
oportunidade didática para o professor organizar melhor seu ensino a fim de criar
situações apropriadas para o aluno superar seus erros e apropriar-se dos conhecimentos
necessários à sua cidadania. No entanto, quais seriam os conhecimentos necessários aos
professores de matemática para avaliar os erros dos seus alunos?
Defendemos uma concepção de avaliação preocupada com a formação do aluno em
termos de aprendizagens significativas e duradouras, onde o erro deixa de ser apenas uma
resposta a ser analisada e passa a ser uma questão desafiadora que o aluno coloca ao
professor, ou seja, um elemento desencadeador de um amplo questionamento do ensino
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(PINTO, 2000). O professor não julga apenas, mas informa e reorienta, se for preciso, sua
estratégia docente. Assim, os erros são bons indicadores de lacunas e falhas sistemáticas,
mas quais seriam os conhecimentos necessários para identificar e intervir nestas lacunas e
falhas?
Neste texto não ambicionamos responder estas perguntas, mas, a partir de três
recortes de avaliações escritas realizadas por alunos e corrigidos por professores,
tecermos algumas reflexões. No intuito de alimentar discussões sobre o tema, propomos
como objetivo para este trabalho:

analisar procedimentos mobilizados por alunos na resolução em questões
propostas pelos professores em atividades avaliativas de matemática para o
7º ano do ensino fundamental.
2
Procedimentos Metodológicos
Este é um estudo de cunho qualitativo que não está relacionado a pesquisas mais
amplas. É, no entanto, fruto de inquietações oriundas da relação entre a teoria e a prática.
Buscamos apontar em três (3) recortes de avaliações de matemática propostas para alunos
de 7º ano (6ª série) do ensino fundamental, alguns conhecimentos necessários aos
professores para realizar uma avaliação diagnóstica e reorientar o ensino. Os protocolos
analisados foram coletados em situações corriqueiras do cotidiano escolar e, na
perspectiva de articulação entre teoria e prática, foram analisados à luz de estudos em
Educação Matemática sobre os conteúdos específicos tratados na atividade. Foram
elencados alguns aspectos gerais que nortearam a análise dos dados: acerto ou erro na
questão; correção do professor; dificuldades envolvidas na questão e estratégias
mobilizadas pelos alunos nos procedimentos de resolução.
A partir dos recortes, sem a pretensão de generalizar, refletimos sobre três aspectos
que revelam a ausência de saberes ou conhecimentos necessários aos professores
envolvidos:

Não valorizar estratégias pessoais mobilizadas pelos alunos;

Tratar como evidentes conhecimentos sofisticados;

Não observar a regularidade dos erros cometidos pelos alunos, ou seja, não
identificar os teoremas em ação mobilizados pelos alunos, aliados a dificuldade
de explorar várias formas de representação.
Após a análise destes recortes, também propomos algumas questões no intuito de
alimentar uma discussão e desencadear pesquisas futuras, que podem mais
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profundamente ser tratadas sob o ponto de vista dos saberes docentes na concepção de
Tardif (2008).
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3.1
Discussão dos Resultados
Sobre a não valorização das estratégias pessoais mobilizadas pelos alunos
Neste primeiro recorte, analisaremos uma questão proposta para alunos do 7º ano
do ensino fundamental. O tema trabalhado pelo professor em sala foi resolução de
equações do 1º grau. Porém, além dos procedimentos computacionais, ou seja, resolução
em senso estrito (DA ROCHA FALCAO, 1997), a escrita algébrica exigia que os alunos
mobilizassem conhecimentos do campo das grandezas e medidas.
FIGURA 1: Opção por estratégia diferente da esperada pelo professor
O aluno escolheu uma estratégia diferente da prevista pelo professor. Esperava-se a
resolução através de uma equação do primeiro grau: chamando um dos lados x, por
exemplo, o outro seria x + 30, logo, a representação algébrica do problema seria: x + x + x
+ 30 + x + 30, ou simplesmente:
2 . ( 2x + 30) = 200
4x + 60 = 200
4x = 200 – 60 (abreviando o processo de resolução)
x= 35 cm
Se um dos lados mede 35 o outro mede 35 + 30 = 65. Daí as dimensões do
retângulo (lados paralelos iguais dois a dois) ser 30 cm e 35 cm.
O aluno, porém, opta por resolver o problema utilizando um sistema de equações
com duas incógnitas. A nosso ver, o aluno efetivamente demonstrou compreensão do
problema, além de autonomia, não se restringindo aos modelos fornecidos pelo professor
durante as aulas, o que, deveria ser valorizado. Mobilizou corretamente conhecimentos
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referentes ao conceito de perímetro ao expressá-lo como a soma dos lados do retângulo,
aos quais denominou x e y, evidenciado na escrita algébrica do aluno. Além disso,
mobilizou conhecimentos sobre uma das propriedades do retângulo: lados iguais dois a
dois; também demonstrou um conhecimento sofisticado ao interpretar que, se um lado
excede o outro em 30 cm, logo a diferença entre eles também é 30 cm, daí a escrita
y – x = 30.
Evidentemente não conseguiu finalizar a questão corretamente, porque cometeu um
erro persistente e, amplamente discutido em estudos na área de Educação Matemática: ao
eliminar o parêntese não considerou os sinais negativos antes do parêntese e no –2y que
estava dentro do parêntese. Não fosse por este erro computacional, oriundo de uma
prática mecânica, certamente teria obtido o resultado correto para o problema, pois:
2y – 200 + 2y = 60
4y= 60 + 200
y= 65
SE y= 65 e y – x = 30  x = 35, ou seja, obteria o mesmo resultado, mesmo não
utilizando como estratégia a resolução de uma equação do 1º grau com uma incógnita.
Pais (2006) defende que, valorizar estratégias pelas quais o aluno pode fazer
matemática, implica identificar esquemas de ação próprios do seu raciocínio. Para este
autor
Um esquema de ação é composto por um conjunto de ações
praticadas pelo aluno na resolução de certo problema ou
ampliação de suas concepções quanto a determinado conceito.
Essa noção é importante porque permite ao professor entender a
lógica das ações realizadas pelos alunos (PAIS, 2006, p.30).
Neste exemplo, além, de valorizar a estratégia pessoal mobilizada pelo aluno, o
professor ainda precisaria reconhecer alguns aspectos conceituais relacionados ao ensino
e a aprendizagem da Álgebra. Teles (2007) desenvolveu uma pesquisa, cujo desenho
teórico-metodológico permitiu lançar um olhar novo e esclarecedor sobre o ensinoaprendizagem das fórmulas de área e abriu uma via original de análise dentro da Teoria
dos Campos Conceituais: o estudo de imbricações entre campos conceituais, como
elemento que, pela variedade de abordagens possíveis, amplia as possibilidades de
compreensão dos sujeitos aprendizes e ao mesmo tempo, pela amplitude, explica a
complexidade dos processos de aprendizagem de conteúdos matemáticos. O exemplo
apresentado acima ilustra o que Teles (2007) chamou de imbricações entre campos
conceituais como possibilidade de mobilizar diferentes procedimentos, relacionadas a
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diferentes campos conceituais, como também cometer erros de um campo que impedem
de resolver corretamente uma questão de outro. Neste recorte analisado, um erro do
campo numérico, relacionado às multiplicações de números inteiros negativos, impede a
resolução de uma questão de cunho algébrico.
A álgebra, segundo diversos estudos em Educação Matemática, apresenta várias
dimensões, entre elas a dimensão funcional, quando letras são utilizadas para expressar
relações entre grandezas ou quantidades, assumindo o papel de variáveis. O aspecto
funcional é citado nos PCN (BRASIL, 1997) no desenvolvimento de conteúdos referentes
à geometria e às grandezas e medidas, nos quais os alunos terão oportunidades de
identificar regularidades, fazer generalizações, aperfeiçoar a linguagem algébrica e obter
fórmulas, como para áreas.
Há também a dimensão interpretativa e procedimental, onde as letras assumem o
papel de representar simbolicamente, através de uma equação, situações envolvendo um
ou mais valores desconhecidos para, em seguida, simplificá-las e resolvê-las, neste caso
são incógnitas, como no exemplo.
Dada à complexidade deste campo conceitual, para Da Rocha Falcão (1997), a
tarefa global de resolução de um problema algébrico pode ser decomposta, para fins de
análise, em quatro etapas: mapeamento do problema; escrita algébrica (colocação do
problema em equação); procedimento de resolução (cálculo algébrico em strictu senso) e
retomada do sentido (formulação da resposta final).
Ainda segundo Da Rocha Falcão (1997), o trabalho em quatro etapas não reproduz
necessariamente a abordagem proposta para a introdução à álgebra na maioria dos
currículos escolares. Para ele, a abordagem, num contexto que respeite as etapas acima
descritas favorece a exploração integrada das várias vertentes deste complexo campo
conceitual, como por exemplo: conceitos de variável e parâmetro, fórmula e equação;
aritmética e álgebra. No exemplo em tela, o aluno, embora diferente do esperado pelo
professor, mapeia corretamente o problema, coloca corretamente na forma de equação,
mas comete um erro no procedimento de resolução, ou seja, no cálculo algébrico no
senso estrito, o que impede a retomada do sentido corretamente. A formulação da
resposta final evidentemente está incorreta. Porém, como justificar a correção do
professor, desconsiderando totalmente a tentativa do aluno? Pesquisas posteriores, por
exemplo, podem analisar o que pensa o professor, especialmente de matemática, sobre a
valorização de estratégias pessoais mobilizadas pelos estudantes.
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3.2
Tratar como evidentes conhecimentos sofisticados
Outro exemplo, neste mesmo campo, retrata a resolução de uma inequação do 1º
grau. No exercício apresentado ao grupo de alunos da 6ª série do ensino fundamental (7º
ano), além do sinal de desigualdade há termos fracionários, o que constitui uma
dificuldade adicional. As ideias relacionadas às representações fracionárias são essenciais
para compreensão do conceito de número racional e amplamente discutidas em estudos
do campo da Educação Matemática. Diferentes significados e diferentes representações
contribuem para o conceito de número racional romper com ideias válidas no domínio
numérico dos números inteiros.
No protocolo abaixo o aluno realiza corretamente vários procedimentos para
resolver a inequação: calcula o mínimo múltiplo comum (MMC) dos denominadores,
escreve as frações equivalentes aos termos da inequação, ou seja, reduz ao mesmo
denominador comum, mas comete um erro relacionado à ausência de mobilização de
um aspecto conceitual delicado, por vezes não explorado nas aulas de matemática: a
propriedades da equivalência das desigualdades. Não é tão evidente a necessidade de
inverter o sinal da desigualdade quando se multiplica ou divide os dois membros da
igualdade por um número negativo. Isto rompe com o conhecimento já construído em
relação às equações.
FIGURA 2: O sinal de desigualdade em inequações do 1º grau.
De acordo com Pinto (2000) o professor tende a orientar sua ação sobre o erro por
uma perspectiva essencialmente empirista, isto é, sobretudo corretiva. Essa postura
corretiva por parte do professor, que considera o erro como uma incapacidade do aluno,
deve ser substituída por uma postura construtiva, na qual o erro passa a ser
problematizado sob várias dimensões, e focalizado em sua gênese. Por outro lado, é
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preciso observar se os erros são recorrentes no grupo de alunos; analisar suas e causas e
definir encaminhamentos em relação a estes erros, mas para isto é preciso que o professor
possua conhecimentos específicos, em especial relacionados à Didática da Matemática.
Dada a limitação de páginas deste texto, não será possível aprofundar a discussão sobre
tais conhecimentos, apenas apontar alguns aspectos.
Pesquisas têm mostrado que, na aprendizagem do cálculo numérico relativo às
operações com números racionais escritos na forma decimal, é preciso apoiar-se
amplamente na compreensão do sistema numérico decimal; nas operações com as
representações fracionárias. E preciso, entre outros aspectos, garantir a compreensão da
fração como um número e não como um par de números inteiros. Estas constatações
induzem a considerar aspectos de continuidade na passagem dos números naturais para os
racionais.
Esta continuidade também é observada historicamente, como destaca Brousseau
(1983), ao ilustrar um artigo sobre obstáculos epistemológicos, com o caso dos decimais.
Ele diz que na edição de 1784 de determinada enciclopédia sobre matemática, o Padre
Bossut apresenta os decimais como um número natural: “ce sont des entiers avec une
virgule servant à représenter les mesures”. O aspecto fração decimal é relegado a um
“apêndice”. Uma quebra anuncia-se entre as frações decimais e os “decimais populares”.
Têm-se algoritmos tão extraordinariamente simples que vão permitir popularizar
totalmente a compatibilidade comercial do sistema métrico decimal (BROUSSEAU,
1983).
Será que o professor reconhece a sofisticação dos aspectos conceituais que
envolvem os números racionais? Por outro lado, será que as abordagens conceituais e
metodológicas adotadas nos livros didáticos de matemática são satisfatórias para
exploração das propriedades de equivalência da igualdade?
3.3
Não observar a regularidade dos erros dos alunos, isto é, não identificar os
teoremas em ação mobilizados pelos alunos aliado a dificuldade de explorar várias
formas de representação
Neste último exemplo, ainda do mesmo ano de escolaridade, identificamos um erro
relacionado a uma dificuldade amplamente discutida na literatura: a compreensão da
ordenação no conjunto dos números inteiros. Neste sentido, o suporte de uma reta
numérica teria sido essencial para o sucesso do aluno nesta questão.
Outras formas de representação parecem não terem sido exploradas em sala de aula.
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FIGURA 3: Regularidade dos erros
Por um lado é possível perceber a regularidade nas respostas dadas pelo aluno:
antecessor é o número que vem depois e sucessor o que vem antes, porém, a lógica do
aluno, ainda estava centrada no conjunto dos números naturais. Conforme os PCN
(BRASIL, 1997), na escola, o estudo dos números inteiros costuma ser cercado de
dificuldades, e o resultados, no que se refere à sua aprendizagem ao longo do ensino
fundamental, tem sido bastante insatisfatórios. Dentre as dificuldades que os alunos
enfrentam no contato com os números inteiros destaca-se reconhecer a existência de
números em dois sentidos a partir do zero, enquanto para os naturais a sucessão acontece
num único sentido.
Por outro lado, a Teoria dos Campos Conceituais, elaborada pelo professor e
pesquisador francês Gèrard Vergnaud e seus seguidores, defende que a elaboração de
situações didáticas potencialmente ricas do ponto de vista da aprendizagem baseia-se
necessariamente no conhecimento da dificuldade relativa das tarefas cognitivas, dos
obstáculos habitualmente enfrentados, do repertório de procedimentos disponíveis, das
representações simbólicas possíveis e dos esquemas formados anteriormente pelo sujeito.
Representações simbólicas, segundo Vergnaud, correspondem “ao conjunto das formas
de linguagem (ou não) que permitem representar simbolicamente o conceito, suas
propriedades, as situações e os procedimentos de tratamento (o significante)”
(VERGNAUD, 1990, p. 145).
A representação geométrica dos inteiros numa reta orientada, também é um
interessante recurso para explorar vários aspectos desse conteúdo, entre outros: visualizar
o ponto de referência (origem) a partir do qual se definem os dois sentidos; reconhecer a
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ordenação dos inteiros: dados dois números inteiros quaisquer, o menor é o que está à
esquerda (no sentido positivo da reta numérica); assim, dados dois números positivos será
maior o que estiver mais distante do zero e, dados dois negativos, será maior o que estiver
mais próximo do zero (BRASIL, 1997).
A Teoria dos Campos Conceituais permite analisar as relações entre conceitos
enquanto conhecimentos explícitos e invariantes operatórios implícitos nas condutas dos
sujeitos. Por tratar-se de uma teoria que investiga o processo de conceitualização do
sujeito, contribui para a análise dos erros e acertos dos alunos, no processo ensino
aprendizagem da matemática por meio, por exemplo, da interpretação dos
procedimentos de resolução.
Finalmente, outras questões que podem suscitar pesquisas futuras, emergem da
análise destes dados: como o professor escolhe as estratégias metodológicas que utilizará
em suas aulas? O que o impede de propor diferentes formas de representações para uma
mesma questão?
4
Considerações Finais
A partir destes três extratos de avaliações escritas, refletimos sobre alguns
conhecimentos necessários aos professores para proceder a uma avaliação diagnóstica e
reorientar o ensino. A primeira reflexão é que são necessários conhecimentos de vários
tipos. Conhecimentos de conteúdos específicos e conhecimentos da Didática da
Matemática. Mas também são necessários conhecimentos mais gerais, como por
exemplo, sobre a importância de valorizar estratégias pessoais mobilizadas pelos alunos e
reconhecer as regularidades dos erros cometidos pelos alunos para subsidiar o
planejamento de intervenções didáticas mais eficientes.
Neste trabalho, embora reconheçamos a legitimidade dos estudos sobre saberes
docentes (TARDIF, 2008), não ambicionamos olhar os saberes e os conhecimentos
necessários ao professor, sob esta ótica. Porém, no intuito de alimentar uma discussão e
desencadear pesquisas futuras, que podem, até tomar como referencial os estudos de
Tardif, propomos algumas questões:
como se justifica o professor, desconsiderar
totalmente a tentativa de resposta do aluno, quando este demonstra conhecimentos
sofisticados sobre a questão e comete apenas um erro computacional? Ao se tratar de erro
relacionado às operações com números racionais na forma decimal, será que o professor
reconhece a sofisticação deste aspecto conceitual? O que impede o professor de propor
diferentes formas de representações para uma mesma questão?
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Download

uma reflexão sobre conhecimentos necessários aos