UMA REFLEXÃO SOBRE CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA PARA AVALIAR SEUS ALUNOS Rosinalda Aurora de Melo Teles Universidade Federal de Pernambuco, Brasil [email protected] RESUMO A partir de recortes de avaliações escritas, realizadas por alunos e corrigidas por professores, tecemos rápidas reflexões sobre desafios enfrentados na ação de ensinar e avaliar estudantes do ensino fundamental. Utilizamos saber e conhecimento, como sinônimos e, os discutimos em duas perspectivas: do saber matemático envolvido nas situações analisadas e dos conhecimentos ou saberes que o professor precisa utilizar para interpretar as respostas dos alunos. A primeira reflexão é que são necessários conhecimentos de vários tipos, entre eles, de conteúdos específicos e também da Didática da Matemática. E conhecimentos mais gerais, relacionados à importância de valorizar estratégias pessoais mobilizadas pelos alunos; identificar a presença de conhecimentos sofisticados, não os tratando como evidentes e também a necessária observação das regularidades dos erros cometidos pelos alunos. Embora reconheçamos a legitimidade dos estudos sobre saberes docentes (TARDIF, 2008), não ambicionamos, neste texto, olhar os saberes e os conhecimentos necessários ao professor sob esta ótica. Trata-se de uma reflexão preliminar. No entanto, no intuito de alimentar uma discussão e desencadear pesquisas futuras, propomos algumas questões que podem ser tratadas sob o ponto de vista dos saberes docentes na concepção de Tardif. PALAVRAS-CHAVE: ensino de matemática; avaliação; saberes dos professores V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil A REFLECTION ON MATHEMATICS TEACHERS’ KNOWLEDGE REQUIRED TO ASSES STUDENTS Rosinalda Aurora de Melo Teles Universidade Federal de Pernambuco, Brasil [email protected] ABSTRACT From extracts of written evaluations, performed by students and marked by teachers, we reflected on challenges faced in actions of teaching and assessing primary school students. We use knowledge and understanding, as synonyms, and discuss them in two perspectives: the mathematical knowledge involved in the analyzed situations and knowledge or understanding that the teacher needs to use to interpret student responses. The first reflection is that knowledge is required of various kinds, among them specific content knowledge and also Didactics of Mathematics knowledge. And more general knowledge related to the importance of valuing personal strategies mobilized by students; identify the presence of sophisticated knowledge, not treating them as obvious and also the necessary observation of regularities of the mistakes made by students. While we recognize the legitimacy of the studies on teacher knowledge (TARDIF, 2008), there is no ambition, this text, to look at the knowledge and the skills of the teacher in this perspective. This is a preliminary reflection. However, in order to feed discussion and further research, we propose some questions that can be addressed from the point of view of teacher knowledge in Tardif’s conception. KEYWORDS: mathematics teaching, assessment, teacher knowledge 1 Introdução Há cerca de 20 anos, vários estudos vêm discutindo os saberes que servem de base ao ofício de professor, noutras palavras, sobre os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que professores mobilizam diariamente, nas salas de aula 2 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil e nas escolas, a fim de realizar concretamente suas tarefas docentes (TARDIF, 2008). Também se discute sobre a natureza dos saberes que são efetivamente mobilizados e utilizados pelos professores. Neste trabalho não ambicionamos aprofundar a discussão do ponto de vista teórico de Tardif (2008), porém, como o autor, acreditamos que o “saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer” (p.11). Trata-se de um estudo exploratório preliminar, fruto de inquietações oriundas da relação entre a teoria e a prática. Não temos a pretensão generalizar, mas suscitar elementos que possam gerar pesquisas futuras e colaborar com os processos formativos de professores que ensinam matemática. Utilizamos saber e conhecimento como sinônimos e, os discutiremos, neste trabalho, em duas perspectivas: a primeira, do saber matemático envolvido nas situações que analisaremos e a outra dos conhecimentos ou saberes que o professor precisa mobilizar para interpretar as respostas dos alunos. Entre as duas perspectivas não há hierarquia, nem primazia; elas se complementam e se alternam na construção do texto. Dentre os saberes socialmente construídos, o saber matemático contém elementos que ajudam o indivíduo a se ver no mundo, a compreender a realidade natural e social na qual está inserido e a se colocar de forma ativa nas relações sociais. Como destacam Campos e Nunes (1994), o saber matemático tem importância capital no desenvolvimento e no uso de tecnologias, as quais têm funcionado como um fator importante no estabelecimento e na manutenção de desigualdades. A superação das desigualdades e o exercício pleno da autonomia e da soberania exigem, portanto, a apropriação democrática dos conhecimentos matemáticos. Os desafios enfrentados pelos professores de matemática para exercer sua prática, são muitos. Como professora de matemática da escola básica e, mais recentemente, como pesquisadora, algumas questões tem me inquietado. Uma delas, foco deste texto, refere-se ao tratamento que o professor dá aos erros cometidos por seus alunos. Vemos como Pinto (2000), o erro como uma oportunidade didática para o professor organizar melhor seu ensino a fim de criar situações apropriadas para o aluno superar seus erros e apropriar-se dos conhecimentos necessários à sua cidadania. No entanto, quais seriam os conhecimentos necessários aos professores de matemática para avaliar os erros dos seus alunos? Defendemos uma concepção de avaliação preocupada com a formação do aluno em termos de aprendizagens significativas e duradouras, onde o erro deixa de ser apenas uma resposta a ser analisada e passa a ser uma questão desafiadora que o aluno coloca ao professor, ou seja, um elemento desencadeador de um amplo questionamento do ensino 3 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 4 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil (PINTO, 2000). O professor não julga apenas, mas informa e reorienta, se for preciso, sua estratégia docente. Assim, os erros são bons indicadores de lacunas e falhas sistemáticas, mas quais seriam os conhecimentos necessários para identificar e intervir nestas lacunas e falhas? Neste texto não ambicionamos responder estas perguntas, mas, a partir de três recortes de avaliações escritas realizadas por alunos e corrigidos por professores, tecermos algumas reflexões. No intuito de alimentar discussões sobre o tema, propomos como objetivo para este trabalho: analisar procedimentos mobilizados por alunos na resolução em questões propostas pelos professores em atividades avaliativas de matemática para o 7º ano do ensino fundamental. 2 Procedimentos Metodológicos Este é um estudo de cunho qualitativo que não está relacionado a pesquisas mais amplas. É, no entanto, fruto de inquietações oriundas da relação entre a teoria e a prática. Buscamos apontar em três (3) recortes de avaliações de matemática propostas para alunos de 7º ano (6ª série) do ensino fundamental, alguns conhecimentos necessários aos professores para realizar uma avaliação diagnóstica e reorientar o ensino. Os protocolos analisados foram coletados em situações corriqueiras do cotidiano escolar e, na perspectiva de articulação entre teoria e prática, foram analisados à luz de estudos em Educação Matemática sobre os conteúdos específicos tratados na atividade. Foram elencados alguns aspectos gerais que nortearam a análise dos dados: acerto ou erro na questão; correção do professor; dificuldades envolvidas na questão e estratégias mobilizadas pelos alunos nos procedimentos de resolução. A partir dos recortes, sem a pretensão de generalizar, refletimos sobre três aspectos que revelam a ausência de saberes ou conhecimentos necessários aos professores envolvidos: Não valorizar estratégias pessoais mobilizadas pelos alunos; Tratar como evidentes conhecimentos sofisticados; Não observar a regularidade dos erros cometidos pelos alunos, ou seja, não identificar os teoremas em ação mobilizados pelos alunos, aliados a dificuldade de explorar várias formas de representação. Após a análise destes recortes, também propomos algumas questões no intuito de alimentar uma discussão e desencadear pesquisas futuras, que podem mais V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 5 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil profundamente ser tratadas sob o ponto de vista dos saberes docentes na concepção de Tardif (2008). 3 3.1 Discussão dos Resultados Sobre a não valorização das estratégias pessoais mobilizadas pelos alunos Neste primeiro recorte, analisaremos uma questão proposta para alunos do 7º ano do ensino fundamental. O tema trabalhado pelo professor em sala foi resolução de equações do 1º grau. Porém, além dos procedimentos computacionais, ou seja, resolução em senso estrito (DA ROCHA FALCAO, 1997), a escrita algébrica exigia que os alunos mobilizassem conhecimentos do campo das grandezas e medidas. FIGURA 1: Opção por estratégia diferente da esperada pelo professor O aluno escolheu uma estratégia diferente da prevista pelo professor. Esperava-se a resolução através de uma equação do primeiro grau: chamando um dos lados x, por exemplo, o outro seria x + 30, logo, a representação algébrica do problema seria: x + x + x + 30 + x + 30, ou simplesmente: 2 . ( 2x + 30) = 200 4x + 60 = 200 4x = 200 – 60 (abreviando o processo de resolução) x= 35 cm Se um dos lados mede 35 o outro mede 35 + 30 = 65. Daí as dimensões do retângulo (lados paralelos iguais dois a dois) ser 30 cm e 35 cm. O aluno, porém, opta por resolver o problema utilizando um sistema de equações com duas incógnitas. A nosso ver, o aluno efetivamente demonstrou compreensão do problema, além de autonomia, não se restringindo aos modelos fornecidos pelo professor durante as aulas, o que, deveria ser valorizado. Mobilizou corretamente conhecimentos V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil referentes ao conceito de perímetro ao expressá-lo como a soma dos lados do retângulo, aos quais denominou x e y, evidenciado na escrita algébrica do aluno. Além disso, mobilizou conhecimentos sobre uma das propriedades do retângulo: lados iguais dois a dois; também demonstrou um conhecimento sofisticado ao interpretar que, se um lado excede o outro em 30 cm, logo a diferença entre eles também é 30 cm, daí a escrita y – x = 30. Evidentemente não conseguiu finalizar a questão corretamente, porque cometeu um erro persistente e, amplamente discutido em estudos na área de Educação Matemática: ao eliminar o parêntese não considerou os sinais negativos antes do parêntese e no –2y que estava dentro do parêntese. Não fosse por este erro computacional, oriundo de uma prática mecânica, certamente teria obtido o resultado correto para o problema, pois: 2y – 200 + 2y = 60 4y= 60 + 200 y= 65 SE y= 65 e y – x = 30 x = 35, ou seja, obteria o mesmo resultado, mesmo não utilizando como estratégia a resolução de uma equação do 1º grau com uma incógnita. Pais (2006) defende que, valorizar estratégias pelas quais o aluno pode fazer matemática, implica identificar esquemas de ação próprios do seu raciocínio. Para este autor Um esquema de ação é composto por um conjunto de ações praticadas pelo aluno na resolução de certo problema ou ampliação de suas concepções quanto a determinado conceito. Essa noção é importante porque permite ao professor entender a lógica das ações realizadas pelos alunos (PAIS, 2006, p.30). Neste exemplo, além, de valorizar a estratégia pessoal mobilizada pelo aluno, o professor ainda precisaria reconhecer alguns aspectos conceituais relacionados ao ensino e a aprendizagem da Álgebra. Teles (2007) desenvolveu uma pesquisa, cujo desenho teórico-metodológico permitiu lançar um olhar novo e esclarecedor sobre o ensinoaprendizagem das fórmulas de área e abriu uma via original de análise dentro da Teoria dos Campos Conceituais: o estudo de imbricações entre campos conceituais, como elemento que, pela variedade de abordagens possíveis, amplia as possibilidades de compreensão dos sujeitos aprendizes e ao mesmo tempo, pela amplitude, explica a complexidade dos processos de aprendizagem de conteúdos matemáticos. O exemplo apresentado acima ilustra o que Teles (2007) chamou de imbricações entre campos conceituais como possibilidade de mobilizar diferentes procedimentos, relacionadas a 6 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil diferentes campos conceituais, como também cometer erros de um campo que impedem de resolver corretamente uma questão de outro. Neste recorte analisado, um erro do campo numérico, relacionado às multiplicações de números inteiros negativos, impede a resolução de uma questão de cunho algébrico. A álgebra, segundo diversos estudos em Educação Matemática, apresenta várias dimensões, entre elas a dimensão funcional, quando letras são utilizadas para expressar relações entre grandezas ou quantidades, assumindo o papel de variáveis. O aspecto funcional é citado nos PCN (BRASIL, 1997) no desenvolvimento de conteúdos referentes à geometria e às grandezas e medidas, nos quais os alunos terão oportunidades de identificar regularidades, fazer generalizações, aperfeiçoar a linguagem algébrica e obter fórmulas, como para áreas. Há também a dimensão interpretativa e procedimental, onde as letras assumem o papel de representar simbolicamente, através de uma equação, situações envolvendo um ou mais valores desconhecidos para, em seguida, simplificá-las e resolvê-las, neste caso são incógnitas, como no exemplo. Dada à complexidade deste campo conceitual, para Da Rocha Falcão (1997), a tarefa global de resolução de um problema algébrico pode ser decomposta, para fins de análise, em quatro etapas: mapeamento do problema; escrita algébrica (colocação do problema em equação); procedimento de resolução (cálculo algébrico em strictu senso) e retomada do sentido (formulação da resposta final). Ainda segundo Da Rocha Falcão (1997), o trabalho em quatro etapas não reproduz necessariamente a abordagem proposta para a introdução à álgebra na maioria dos currículos escolares. Para ele, a abordagem, num contexto que respeite as etapas acima descritas favorece a exploração integrada das várias vertentes deste complexo campo conceitual, como por exemplo: conceitos de variável e parâmetro, fórmula e equação; aritmética e álgebra. No exemplo em tela, o aluno, embora diferente do esperado pelo professor, mapeia corretamente o problema, coloca corretamente na forma de equação, mas comete um erro no procedimento de resolução, ou seja, no cálculo algébrico no senso estrito, o que impede a retomada do sentido corretamente. A formulação da resposta final evidentemente está incorreta. Porém, como justificar a correção do professor, desconsiderando totalmente a tentativa do aluno? Pesquisas posteriores, por exemplo, podem analisar o que pensa o professor, especialmente de matemática, sobre a valorização de estratégias pessoais mobilizadas pelos estudantes. 7 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 3.2 Tratar como evidentes conhecimentos sofisticados Outro exemplo, neste mesmo campo, retrata a resolução de uma inequação do 1º grau. No exercício apresentado ao grupo de alunos da 6ª série do ensino fundamental (7º ano), além do sinal de desigualdade há termos fracionários, o que constitui uma dificuldade adicional. As ideias relacionadas às representações fracionárias são essenciais para compreensão do conceito de número racional e amplamente discutidas em estudos do campo da Educação Matemática. Diferentes significados e diferentes representações contribuem para o conceito de número racional romper com ideias válidas no domínio numérico dos números inteiros. No protocolo abaixo o aluno realiza corretamente vários procedimentos para resolver a inequação: calcula o mínimo múltiplo comum (MMC) dos denominadores, escreve as frações equivalentes aos termos da inequação, ou seja, reduz ao mesmo denominador comum, mas comete um erro relacionado à ausência de mobilização de um aspecto conceitual delicado, por vezes não explorado nas aulas de matemática: a propriedades da equivalência das desigualdades. Não é tão evidente a necessidade de inverter o sinal da desigualdade quando se multiplica ou divide os dois membros da igualdade por um número negativo. Isto rompe com o conhecimento já construído em relação às equações. FIGURA 2: O sinal de desigualdade em inequações do 1º grau. De acordo com Pinto (2000) o professor tende a orientar sua ação sobre o erro por uma perspectiva essencialmente empirista, isto é, sobretudo corretiva. Essa postura corretiva por parte do professor, que considera o erro como uma incapacidade do aluno, deve ser substituída por uma postura construtiva, na qual o erro passa a ser problematizado sob várias dimensões, e focalizado em sua gênese. Por outro lado, é 8 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil preciso observar se os erros são recorrentes no grupo de alunos; analisar suas e causas e definir encaminhamentos em relação a estes erros, mas para isto é preciso que o professor possua conhecimentos específicos, em especial relacionados à Didática da Matemática. Dada a limitação de páginas deste texto, não será possível aprofundar a discussão sobre tais conhecimentos, apenas apontar alguns aspectos. Pesquisas têm mostrado que, na aprendizagem do cálculo numérico relativo às operações com números racionais escritos na forma decimal, é preciso apoiar-se amplamente na compreensão do sistema numérico decimal; nas operações com as representações fracionárias. E preciso, entre outros aspectos, garantir a compreensão da fração como um número e não como um par de números inteiros. Estas constatações induzem a considerar aspectos de continuidade na passagem dos números naturais para os racionais. Esta continuidade também é observada historicamente, como destaca Brousseau (1983), ao ilustrar um artigo sobre obstáculos epistemológicos, com o caso dos decimais. Ele diz que na edição de 1784 de determinada enciclopédia sobre matemática, o Padre Bossut apresenta os decimais como um número natural: “ce sont des entiers avec une virgule servant à représenter les mesures”. O aspecto fração decimal é relegado a um “apêndice”. Uma quebra anuncia-se entre as frações decimais e os “decimais populares”. Têm-se algoritmos tão extraordinariamente simples que vão permitir popularizar totalmente a compatibilidade comercial do sistema métrico decimal (BROUSSEAU, 1983). Será que o professor reconhece a sofisticação dos aspectos conceituais que envolvem os números racionais? Por outro lado, será que as abordagens conceituais e metodológicas adotadas nos livros didáticos de matemática são satisfatórias para exploração das propriedades de equivalência da igualdade? 3.3 Não observar a regularidade dos erros dos alunos, isto é, não identificar os teoremas em ação mobilizados pelos alunos aliado a dificuldade de explorar várias formas de representação Neste último exemplo, ainda do mesmo ano de escolaridade, identificamos um erro relacionado a uma dificuldade amplamente discutida na literatura: a compreensão da ordenação no conjunto dos números inteiros. Neste sentido, o suporte de uma reta numérica teria sido essencial para o sucesso do aluno nesta questão. Outras formas de representação parecem não terem sido exploradas em sala de aula. 9 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 10 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil FIGURA 3: Regularidade dos erros Por um lado é possível perceber a regularidade nas respostas dadas pelo aluno: antecessor é o número que vem depois e sucessor o que vem antes, porém, a lógica do aluno, ainda estava centrada no conjunto dos números naturais. Conforme os PCN (BRASIL, 1997), na escola, o estudo dos números inteiros costuma ser cercado de dificuldades, e o resultados, no que se refere à sua aprendizagem ao longo do ensino fundamental, tem sido bastante insatisfatórios. Dentre as dificuldades que os alunos enfrentam no contato com os números inteiros destaca-se reconhecer a existência de números em dois sentidos a partir do zero, enquanto para os naturais a sucessão acontece num único sentido. Por outro lado, a Teoria dos Campos Conceituais, elaborada pelo professor e pesquisador francês Gèrard Vergnaud e seus seguidores, defende que a elaboração de situações didáticas potencialmente ricas do ponto de vista da aprendizagem baseia-se necessariamente no conhecimento da dificuldade relativa das tarefas cognitivas, dos obstáculos habitualmente enfrentados, do repertório de procedimentos disponíveis, das representações simbólicas possíveis e dos esquemas formados anteriormente pelo sujeito. Representações simbólicas, segundo Vergnaud, correspondem “ao conjunto das formas de linguagem (ou não) que permitem representar simbolicamente o conceito, suas propriedades, as situações e os procedimentos de tratamento (o significante)” (VERGNAUD, 1990, p. 145). A representação geométrica dos inteiros numa reta orientada, também é um interessante recurso para explorar vários aspectos desse conteúdo, entre outros: visualizar o ponto de referência (origem) a partir do qual se definem os dois sentidos; reconhecer a V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 11 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil ordenação dos inteiros: dados dois números inteiros quaisquer, o menor é o que está à esquerda (no sentido positivo da reta numérica); assim, dados dois números positivos será maior o que estiver mais distante do zero e, dados dois negativos, será maior o que estiver mais próximo do zero (BRASIL, 1997). A Teoria dos Campos Conceituais permite analisar as relações entre conceitos enquanto conhecimentos explícitos e invariantes operatórios implícitos nas condutas dos sujeitos. Por tratar-se de uma teoria que investiga o processo de conceitualização do sujeito, contribui para a análise dos erros e acertos dos alunos, no processo ensino aprendizagem da matemática por meio, por exemplo, da interpretação dos procedimentos de resolução. Finalmente, outras questões que podem suscitar pesquisas futuras, emergem da análise destes dados: como o professor escolhe as estratégias metodológicas que utilizará em suas aulas? O que o impede de propor diferentes formas de representações para uma mesma questão? 4 Considerações Finais A partir destes três extratos de avaliações escritas, refletimos sobre alguns conhecimentos necessários aos professores para proceder a uma avaliação diagnóstica e reorientar o ensino. A primeira reflexão é que são necessários conhecimentos de vários tipos. Conhecimentos de conteúdos específicos e conhecimentos da Didática da Matemática. Mas também são necessários conhecimentos mais gerais, como por exemplo, sobre a importância de valorizar estratégias pessoais mobilizadas pelos alunos e reconhecer as regularidades dos erros cometidos pelos alunos para subsidiar o planejamento de intervenções didáticas mais eficientes. Neste trabalho, embora reconheçamos a legitimidade dos estudos sobre saberes docentes (TARDIF, 2008), não ambicionamos olhar os saberes e os conhecimentos necessários ao professor, sob esta ótica. Porém, no intuito de alimentar uma discussão e desencadear pesquisas futuras, que podem, até tomar como referencial os estudos de Tardif, propomos algumas questões: como se justifica o professor, desconsiderar totalmente a tentativa de resposta do aluno, quando este demonstra conhecimentos sofisticados sobre a questão e comete apenas um erro computacional? Ao se tratar de erro relacionado às operações com números racionais na forma decimal, será que o professor reconhece a sofisticação deste aspecto conceitual? O que impede o professor de propor diferentes formas de representações para uma mesma questão? V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 12 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Referências CAMPOS, Tânia; NUNES, Terezinha. Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem da Matemática. Revista Em Aberto. Brasília, ano l4, n. 62, abr/jun. 1994. BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília. MEC/SEF, 1997. BROUSSEAU, Guy. Les obstacles épistémologiques et les problèmes en mathématiques. Recherches en Didactique des Mathématiques, Grenoble, Vol. 4, nº 2, 1983. P. 165198. DA ROCHA FALCÃO, Jorge Tarcísio. A Álgebra como Ferramenta de Representação e Resolução de Problemas. In: SCHLIEMANN, Analúcia Dias. 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