ARTIGO DE MONOGRAFIA APRESENTADO COMO CONCLUSÃO DA RESIDÊNCIA MÉDICA EM PEDIATRIA DO HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL(HRAS)/HOSPITAL MATERNO INFANTIL DE BRASÍLIA (HMIB) Acidente vascular encefálico em pediatria: relato de caso e revisão de literatura ELLEN DE SOUZA SIQUEIRA RESIDÊNCIA MÉDICA EM PEDIATRIA – HRAS ORIENTADORA: DRA DENIZE BOMFIM SOUZA Brasília, 3 de dezembro de 2012 www.paulomargotto.com.br INTRODUÇÃO Acidente Vascular Encefálico Sinais ou sintomas neurológicos + Evidência radiológica de isquemia com distribuição arterial compatível com o déficit neurológico Mekitarian et al, 2009 INTRODUÇÃO • Incidência: 2 a 4 casos a cada 100.000 crianças • Aumento nos últimos anos • Maior conscientização • Exames de imagem mais acessíveis • Crianças com fatores de risco com maior sobrevida • Cardiopatias congênitas e neoplasias • Mais frequente no sexo masculino e em negros • Episódios isquêmicos mais comuns que hemorrágicos Mekitarian et al, 2009. Friedman, 2009. Biller, 2009. Ganesan, 2009 INTRODUÇÃO • Importância do AVE na pediatria: morbimortalidade e alto custo sócio-econômico • Até 25% de óbito • Entre as dez principais causas de morte em criança • Até 66% de déficit neurológico • Epilepsia, déficits focais, distúrbios do comportamento, atraso no desenvolvimento • Até 37%: recorrência, especialmente se há arteriopatia Ganesan, 2009. Roach et al, 2008. Pediatric Stroke Working Group, 2004. INTRODUÇÃO • Grande variedade de causas na pediatria • Investigação diagnóstica é difícil • Altos índices de AVE idiopático Objetivo do trabalho •Descrever a evolução de um menino de dois anos de idade que apresentou AVE •Discutir suas possíveis causas •Breve revisão de literatura sobre o tema Friedman, 2009. Ganesan, 2009. Roach et al, 2008. CASO CLÍNICO • Criança do sexo masculino, nascido de parto normal com 36 semanas de idade gestacional, peso 1845g, índice de Apgar 8/9 • Internação por 15 dias em unidade de terapia intensiva com icterícia e desconforto respiratório • Hemangioma em ombro esquerdo em acompanhamento com dermatologia pediátrica com conduta expectante CASO CLÍNICO • Aos 2 anos de idade: síndrome motora deficitária súbita • Hemiplegia flácida à esquerda e paralisia facial central • Ao exame físico: • hemangioma de 12,0 x 20,0 cm no ombro esquerdo (figura 1) • mancha café-com-leite de 9,0 x 6,0 cm em coxa esquerda (figura 2) Figura 1: Hemangioma em ombro esquerdo Figura 2: Mancha café-com-leite em coxa esquerda CASO CLÍNICO • Exames de neuroimagem: • Tomografia computadorizada (TC) de crânio com hipoatenução em cápsula interna direita • Ressonância magnética (RNM) de crânio com hipersinal em cápsula interna direita (figura 3) Figura 3: RNM de crânio com hipersinal em cápsula interna direita CASO CLÍNICO • Quadro clínico + exames de imagem: AVE isquêmico em cápsula interna direita • Cerca de 8 horas após início dos sintomas • Investigação para causa do AVE: exames normais • • • • Hemograma, bioquímica Eletrocardiograma, ecocardiograma transtorácico Exame oftalmológico Testes para trombofilia • História familiar negativa para AVE ou fatores de risco CASO CLÍNICO • Após dois dias de hospitalização: alta hospitalar com paresia à esquerda • Melhora progressiva, sendo hoje acompanhado em ambulatório de neurologia pediátrica com hemidistonia à esquerda de leve intensidade DISCUSSÃO • Primeiras descrições de AVE em crianças datam do século XVII • Ainda existem diversas dúvidas sobre o tema • O tratamento em geral extrapolado a partir de estudos em adultos, que têm fisiologia distinta Friedman, 2009. Ganesan, 2009. deVeber, 2008. Fox et al, 2010. DISCUSSÃO • Um dos principais desafios para o diagnóstico na pediatria: quadro inespecífico e variável • Sintomas • Cefaléia (30%) • Crises convulsivas (50%) • Afasia • Alterações visuais • Paralisia facial Disfagia Ataxia Distonia Alterações do nível de consciência • Febre (50%) • • • • • Sintoma mais comum: hemiplegia (80%) • Área mais afetada é a irrigada pela artéria cerebral média Mekitarian et al, 2009. Friedman, 2009. Biller, 2009. Ganesan, 2009 DISCUSSÃO Hipótese de AVE Toda criança com déficit neurológico focal, mudança do nível de consciência, crises convulsivas neonatais ou pós-operatório de cirurgias cardíacas • Diagnóstico diferencial • Migrânea, tumores e doenças desmielinizantes Mekitarian et al, 2009. Steinlin, 2012. Biller, 2009. Ganesan, 2009 DISCUSSÃO • Atraso diagnóstico é comum: suspeita clínica baixa e quadro clínico inespecífico • Intervalo entre sintomas e diagnóstico: cerca de 30 horas • No caso apresentado, não houve atraso: diagnóstico com 8 horas do início do sintomas Mekitarian et al, 2009. Ganesan, 2009 DISCUSSÃO ETIOLOGIA • Em até 25% há múltiplos fatores de risco • Em um terço dos casos: idiopático, mesmo após investigação completa Biller, 2009. Roach et al, 2008. Friedman, 2009. Mekitarian et al, 2009. Tabela 1: Causas e fatores de risco para AVE em pediatria CARDÍACAS VASCULOPATIAS INFECCIOSA 1/3 dos casos 1) Congênitas Cardiomiopatias Tumores cardíacos Arritmias 2) Adquiridas Cardiomiopatias Arritmias Válvulas artificiais Endocardite Febre reumática Cateterização cardíaca Cirurgia cardíaca 1) Arteriopatia cerebral transitória 2) Síndrome de Down 3) Doença de Fabry 4) Neurofibromatose tipo 1 5) Síndrome PHACE 6) Doença falciforme 7) Doença de Moya Moya 8) Síndrome de Moya Moya 9) Displasia fibromuscular 10) Vasoespasmo (migrânea) 11) Dissecção HEMATOLÓGICA ARTERIOPATIAS 1) Anemia ferropriva 2) Hemoglobinopatias Doença falciforme ß–talassemia 1) Vasculites primárias Angeíte primária do SNC 3) Trombofilias Em 50% Primárias Secundárias dos casos gestação anticoncepcional oral SHU Em 80% dos casos 2) Vasculites secundárias Pós-infecciosa Infecciosa Doença do colágeno Vasculites sistêmicas 1) Meningoencefalite Viral Bacteriana Fúngica OUTRAS 1) Trauma 2) Toxinas/drogas Cocaína Anfetamina 3) Cetoacidose diabética 4) Síndrome de KlippelTrenaunauy-Weber 5) Síndrome de Menkes 6) Metabólicas Acidemias orgânicas Doença de Fabry Homocistinúria Deficiência de alfa-1antitripsina Hiperlipidemias familiares MELAS SHU: síndrome hemolítico-urêmica / SNC: sistema nervoso central / LES: lúpus eritematoso sistêmico / MELAS: encefalopatia mitocondrial, acidose lática e episódios stroke-like DISCUSSÃO ETIOLOGIA • Doenças cardíacas • Alterações congênitas ou adquiridas • Após procedimentos cirúrgicos e próteses • Discinesia das câmaras cardíacas • Policitemia • Hipóxia • Cianose • Alterações valvares 60% com retardo no desenvolvimento neuropsicomotor Roach et al, 2008. Ganesan, 2009. Mekitarian et al, 2009. DISCUSSÃO ETIOLOGIA • Hemoglobinopatias (Doença Falciforme - DF) • DF SS: 280 casos/100.000 crianças por ano • 20% com infartos silenciosos • Fisiopatologia exata ainda desconhecida • Estudo clássico STOP (Stroke Prevention Trial in Stroke Cell Anemia – Estudo Clínico para Prevenção de AVE em DF) • Primeira estratégia efetiva para redução de risco de AVE em populações susceptíveis • 92% em AVE com transfusões regulares pra manter Biller et al, 2009. hemoglobina S abaixo de 30% Roach et al, 2008. Friedman et al, 2009. Ganesan, 2009. Ganesan et al, 2004. Ali et al, 2012. DISCUSSÃO ETIOLOGIA • Trombofilias • • • • Deficiência de proteína C, S Deficiência de antitrombina III Lipoproteína A elevada Mutação do fator V de Leiden • • Anticorpos antifosfolipídeos Polimorfismos na enzima metilenotetraidrofolase • Controvérsias: maioria dos especialistas: estados prótrombóticos são importantes na presença de outros fatores de risco Roach et al, 2008. Fox et al, 2010. Kenet et al, 2010. Witmer et al, 2010. DISCUSSÃO ETIOLOGIA • Arteriopatias – Vasculopatias • Arteriopatia cerebral transitória: estenose idiopática na artéria carótida interna ou na artéria cerebral média • Associação com varicela • Aspecto radiológico semelhante a outras causas de arteriopatia, mas não há progressão da doença • Doença de Moya Moya: doença crônica que provoca estenose intracraniana espontânea e progressiva da artéria carótida interna e de seus ramos + surgimento de colaterais nos gânglios da base • Primária ou secundária Friedman et al, 2009. Biller, 2009. Smith et al, 2012. Mekitarian et al, 2009. Roach et al, 2008. Fox et al, 2010. Beslow et al, 2010. DISCUSSÃO ETIOLOGIA • Arteriopatias – Dissecção • Pós traumas ou sem fatores predisponentes • Associação com doenças do colágeno • Quadro: de oligossintomático até cefaleia e cervicalgia importantes • Arteriopatias – Vasculites inflamatórias • Angeíte primária do SNC • Secundária a doenças do colágeno Roach et al, 2008. Friedman et al, 2009. Sepelyak et al, 2010. DISCUSSÃO Criança do caso relatado: AVE idiopático • Não foi possível realizar angioressonância cerebral • Dificuldade de acesso a exames necessários em hospital pediátrico não terciário DISCUSSÃO • Dados interessantes do caso: • Baixo peso de nascimento: fator de risco independente para AVE • Baixo ganho ponderal abaixo de 2 anos de idade Osmond et al, 2007. Eriksson et al, 2000. DISCUSSÃO • Dados interessantes do caso - Alterações 1. Manchas café-com-leite: ≥ 6, >0,5cm em prépúberes ou dermatológicas • • >1,5cm em púberes 2. ≥ 2 neurofibromas Manchas café-com-leite 3. Efélides axilares ou inguinais 4. Glioma óptico • Até 25% das crianças hígidas 5. Nódulos de Lisch • Quando múltiplas: considerar síndrome de McCune-Albright, 6. Lesão óssea (displasia esfenóide síndrome de Noonan, neurofibromatose tipodo 1 (NF1) ou afinamento córtex ou pseudoartrose) NF 1: 7. Parente de 1º grau com • Diagnóstico difícil em menores de 1 ano (<50%) diagnóstico • Aos 8 anos de idade, 97% terão diagnóstico pelos critérios *Critérios diagnósticos para NF 1 – National Institute of Health, 1999 Shah et al, 2010. Landau et al, 1999. Friedman, 2002. Young et al, 2002 DISCUSSÃO • Dados interessantes do caso - Alterações dermatológicas • Lesões vasculares devem ser ativamente pesquisadas • Síndrome PHACE: hemangioma em região facial ou cervical + alterações de fossa posterior + arteriopatia (síndrome de Moya Moya) + defeitos cardíacos, oculares e abdominais • Em AVE hemorrágico, síndrome de Klippel-TrenaunayWeber Biller, 2009. Heyer et al, 2008. DISCUSSÃO DIAGNÓSTICO • Neuroimagem o mais rápido possível • TC: sem restrição quanto à estabilidade da criança • RNM • Padrão-ouro • Maior especificidade e sensibilidade • Angioressonância: para diferenciar de doenças desmielinizantes, avaliar arteriopatias • Podem sugerir etiologia • Múltiplos: tromboembolismo • Sinal do duplo lúmen: dissecção arterial Steinlin, 2012. Ganesan, 2009. Roach et al, 2008. Ciccone et al, 2011. González et al, 2001. Lanni et al, 2011 Tabela 2: investigação diagnóstica sugerida para episódios de AVE AVALIAÇÃO DE CARDIOPATIA Eletrocardiograma, ecocardiograma transtorácico ou esofágico, radiografia de tórax e monitorização com Holter AVALIAÇÃO DE ARTERIOPATIAS Angioressonância cerebral AVALIAÇÃO DE CAUSAS INFECCIOSAS Hemograma e bioquímica (eletrólitos, glicemia) Punção lombar Sorologias para HIV e sífilis Hemoculturas (endocardite) AVALIAÇÃO DE HEMOGLOBINOPATIAS Eletroforese de hemoglobina AVALIAÇÃO DE HIPERCOAGULABILIDADE TRIAGEM INICIAL PARA DOENÇAS DO COLÁGENO Dosagem da proteína C e S, antitrombina III, fator V de Leiden, pesquisa de polimorfismos da enzima metilenotetraidrofolase e níveis de lipoproteína A Presença de anticorpos antifosfolipídeos TAP, INR e TTPA VHS e PCR FAN AVALIAÇÃO DE OUTROS FATORES DE RISCO Exame toxicológico Glicemia (excluir cetoacidose diabética) Lactato, piruvato arterial e perfil de ácidos orgânicos na urina (se suspeita de erros inatos do metabolismo) Avaliação oftalmológica (triagem para doenças genéticas) Eletroencefalograma HIV: vírus da imunodeficiência humana/VHS: velocidade de hemossedimentação/PCR: proteína C reativa/FAN: fator antinúcleo (adaptado de Mekitarian et al1) DISCUSSÃO TRATAMENTO • Objetivo: normalizar fluxo sanguíneo e reduzir lesão cerebral • Controle das crises convulsivas, dos sinais vitais, dos distúrbios de glicose e eletrólitos • Trombolíticos: não liberados para uso pediátrico Ganesan, 2009. Ganesan et al, 2004. deVeber et al, 2008. Roach et al, 2008. Chadehumbe et al, 2009. Ciceri et al, 2011. Monagle et al, 2012. Tabela 3: Comparação entre recomendações para tratamento de AVEs em pediatria GERAL DISSECÇÃO Royal College of Physicians, American Heart Association, 20086 20045 1) HBPM até 1 semana até determinação da etiologis Aspirina 1-5mg/kg/dia 2) Após, aspirina de 3 a 5mg/kg/dia 1) Se dissecção intra-craniana ou hemorragia subaracnóide: não Considerar uso de realizar anticoagulação anticoagulação até evidência reparo do vaso 2) Se dissecção extra-craniana: sangüíneo ou até 6 meses HBPM ou warfarina de 3 a 6 meses Chest, 201230 1) Se excluída dissecção e cardioembolismo, aspirina 15mg/kg/dia por 2 anos 1) HBPM por pelo menos 6 semanas 2) Tratamento contínuo até normalização radiológica 3) Aspirina pode substituir 1) HBPM por pelo menos 3 Considerar uso de HBPM ou warfarina por mais de 1 meses EMBOLIA CARDIOGÊNICA anticoagulação com ano 2) Se shunt direita-esquerda, cardiologista assistente fechamento cirúrgico Warfarina a longo prazo para ESTADOS Encaminhar paciente ao alguns estados de Não discutido PROTROMBÓTICOS hematologista hipercoagulabilidade 1) Revascularização para doença de Moya Moya Revascularização para doença de VASCULOPATIA Aspirina 1-3mg/kg/dia 2) HBPM ou aspirina por 3 Moya Moya meses e após até normalização radioló-gica 1) Hemotransfusão imediata 1) Hemotransfusão imediata para para manter HbS ≤ 30% e a manter HbS ≤ 30% cada 3-6 semanas 1) Hemotransfusão imediata 2) Programa de transfusões para manter HbS ≤ 30% 2) Após 3 anos, alvo é HbS ≤ regulares a longo prazo DOENÇA FALCIFORME 50% 2) Programa de transfusões 1) Se não transfusão, usar regulares a longo prazo 1) Se não transfusão, usar hidroxiuréia hidroxiuréia 2) Considerar transplante de 2) Considerar transplante de medula óssea medula óssea HBPM: heparina de baixo peso molecular / HbS: hemoglobina S (adaptado de deVeber et al7) OBRIGADA! 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