A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A POLÍTICA DE AMPLIAÇÃO
DO ENSINO FUNDAMETAL PARA NOVE ANOS: 2005 - 2010
Kellcia Rezende Souza1
Elisângela Alves da Silva Scaff2
Introdução
O Brasil, nas últimas décadas, tem caminhado rumo à universalização da
matrícula no Ensino Fundamental (EF). Embora esse empenho seja significante, ainda
existem desafios a serem encarados pelo estado e sociedade civil.
Carneiro (1998) salienta que no decorrer das últimas décadas do século XX,
mais precisamente nos anos de 1980 e 1990, as políticas educacionais implantadas neste
período, tiveram avanços legais que marcaram a educação brasileira. Destacamos neste
contexto, a aprovação e promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu uma
concepção ampla de educação e sua inscrição como direito social. Neste documento, foram
elaborados nove artigos específicos sobre a organização da educação, dentre eles, o artigo
208.
Neste artigo é apresentado que o dever do estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de: I – Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de
idade, assegurada também sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na
devida idade (BRASIL, 2010).
Segundo Falsarella (2002), a década de 1990 representou um período ímpar no
Brasil em relação à educação, cuja área conviveu com a aprovação e implantação de vários
dispositivos legais, entre eles, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) – Lei 9394/96. Já no início do século XXI ressaltamos o Plano Nacional de
Educação (PNE) – Lei n° 10712/01.
1
Mestranda em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Grande Dourados –
UFGD.
2
Docente do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade Federal da Grande
Dourados – UFGD.
A ampliação dos anos de escolaridade passou a se constituir como uma das
prioridades da reforma educacional dos anos de 1990 e 2000, cujo foco central é a educação
básica, mais especificamente o EF (TORRES, 1998).
No que tange a duração da escolaridade brasileira, Batista (2006) aponta que
era uma das menores da América Latina até o final do século XX, sendo o Brasil o único
país cuja educação obrigatória se iniciava aos sete anos. Na maioria dos países da América
Latina, ela começava aos seis.
No tocante à afirmação de Batista (2006) verificamos que o PNE, documento
criado pelo Ministério da Educação (MEC) com o escopo de traçar as diretrizes e metas
para a educação brasileira, elegeu como uma de suas metas a uma ampliação dos anos de
escolaridade, passando o ensino obrigatório de oito para nove anos de duração, iniciando-se
aos seis anos de idade.
A regulação normativa direcionada à obrigatoriedade dessa meta só foi
sancionada em 06 de fevereiro de 2006, pela Lei n° 11.274, que altera a redação dos
Artigos 29, 30, 32 e 87 da LDB 9394/1996, dispondo sobre a duração de nove anos para o
EF, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade, até 2010, prazo este
estabelecido para os municípios e estados (BRASIL, 2010).
A elaboração deste trabalho é conduzida pela pesquisa qualitativa, pois, busca
entender um fenômeno específico em profundidade (GOLDENBERG, 1999). Também
realizamos uma busca pelo referencial teórico de autores que já se dedicaram a explorar o
universo da temática que permeia o objeto de estudo em questão (MINAYO, 1994).
As políticas públicas geradas para a educação, procedentes do Governo Federal,
via MEC, bem como do Conselho Nacional de Educação (CNE), em específico a ampliação
da escolarização obrigatória no EF, têm gerado inúmeras discussões, tanto política,
financeira, quanto pedagógica. Diante deste cenário, julgamos ser oportuno fazer um
levantamento dos estudos relacionados a esta temática. Vejamos, então, o que tem apontado
o movimento de produções científicas no que se refere ao EF de nove anos.
O que as produções científicas têm sinalizado sobre o Ensino Fundamental de Nove
Anos
Ao iniciar o processo de revisão bibliográfica, acreditamos ser válido apontar
que foram analisados teses, dissertações, periódicos e artigos. Percebemos que o tema EF
aparece em número relevante. A esse respeito, Arelaro (2005) aponta que o EF tem sido o
nível de ensino mais pesquisado nos últimos 15 anos, representado quase a metade do total
de publicações acadêmicas na área da educação neste período.
Os trabalhos contemplados nesse estudo, em sua maioria, se preocupam em
entender os problemas enfrentados pela escola pública no que se refere à gestão escolar, aos
aspectos metodológicos e curriculares, à organização em ciclos, ao processo de avaliação e
outros mais gerais. Entretanto, por se tratar de um tema relativamente novo, estudos sobre a
ampliação do EF são relativamente poucos, começando a aparecer produções a partir de
2005, período em que o tema começa a ser foco de regulamentação em nível nacional,
através da promulgação das Leis n° 11.114/2006 e n° 11.274/2006.
Em publicações de periódicos com base científica, encontramos nas revistas
Educação e Sociedade, Presença Pedagógica, Práxis Educativa, Revista Olhar de Professor,
Revista Ensaio, os artigos de Arelaro (2005), Santos e Vieira (2006), Dantas e Maciel
(2010), Kramer (2006), Goulart (2007), Saveli (2008), Abramowicz (2006) e Gorni (2007).
As palavras chaves utilizadas para identificar tais produções foram: “escola de nove anos;
ampliação do ensino fundamental; criança de seis anos no ensino fundamental; ensino
fundamental de nove anos”.
O artigo de Arelaro (2005) apresenta um breve diagnóstico sobre a situação do
EF no Brasil, apontando os impasses que esse nível de ensino vem enfrentando. A
implantação da escola fundamental de nove anos é um dos pontos discutidos pela autora,
que volta seu olhar para os debates sobre períodos, ritmos pedagógicos, sistemática
centralizada de avaliação educacional, processo acelerado de municipalização, sistemática
de financiamento, e ainda, processo de (des) valorização dos docentes.
Santos e Vieira (2006) realizaram um estudo preliminar sobre a ampliação do
EF em Minas Gerais, procurando identificar quais condições possibilitaram sua emergência
e quais as consequências de sua implementação para o EF e para a Educação Infantil (EI).
Além disso, procuraram ressaltar os grandes temas tratados na produção normativa que
regula a organização e funcionamento do EF com nove anos de duração nas escolas
estaduais de Minas Gerais. Para a realização desse estudo, basearam-se em leituras de
documentos oficiais, depoimentos de dirigentes e especialistas veiculados a imprensa nas
informações estatísticas demográficas e educacionais. Segundo as autoras, a implementação
do ensino de nove anos em Minas Gerais teve como razões não só aspectos financeiros,
mas também demográficos, políticos e pedagógicos.
O foco da pesquisa realizada por Dantas e Maciel (2010) foi a reflexão sobre o
processo de consolidação do EF de nove anos na rede pública de ensino do Distrito Federal
(DF) pondo em questão as peculiaridades da inserção de crianças de seis anos de idade a
partir da ação docente observada no contexto de pesquisa. Elas sinalizaram que a Secretaria
de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE-DF), iniciou a implantação do EF de nove
anos em 2005 com a incorporação das crianças de seis anos de idade. Para tanto, foi criado
o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA). Neste mesmo ano, o DF iniciou o atendimento às
crianças de seis anos, no EF, em apenas algumas regionais de ensino, de forma ainda
experimental. Entretanto, a consolidação do processo de atendimento das crianças no EF se
deu de fato no ano de 2008.
Kramer (2006) situa a EI no contexto político nacional, abordando a formação
de profissionais para essa área da educação e trata da EI e EF como instâncias
indissociáveis do processo de democratização da educação brasileira, destacando a
importância desta articulação no que se refere às crianças e ao trabalho pedagógico. Com
relação à inclusão das crianças de seis anos EF, deixa claro que considera uma conquista
importante para as populações infantis e para suas famílias.
Goulart (2007) reporta-se a reflexão sobre a linguagem na dimensão das
práticas culturais orais de leitura e escrita, focalizando mais especificamente a ampliação
do EF para nove anos. Destaca o fato de ser preciso muito mais sentido para a vida e para a
educação do que simplesmente informação.
Assim como Kramer (2006), no que tange a ampliação do EF, incluindo as
crianças de seis anos, Goulart (2007) evidencia que, embora seja um desejo antigo, essa
mudança gera reflexões e preocupações de muitas naturezas. Além disto, reflete que, apesar
de todas as críticas que possam ser feitas, esta nova organização do ensino impulsiona a
rever caminhos, conceitos, espaços e tempos escolares; organização das redes de ensino,
das escolas e das salas de aula de modo geral.
A contribuição de Saveli (2008) concerne aos aspectos legais da ampliação dos
anos de escolaridade a uma política de inclusão social. Perante essa política, a autora
assume uma postura favorável ao acesso da criança à escolaridade obrigatória no ano em
que completa seis anos. Neste sentido, destaca em seu estudo, que muitos educadores se
posicionam contrários a esse preceito legal, justificando que as crianças são pequenas e está
se tirando das mesmas o tempo da infância.
No entanto, a autora se mostra contrária a esses posicionamentos e, ainda,
argumenta que nos países da América Latina, há até aqueles que iniciam a escolaridade
obrigatória aos cinco anos. Além disso, reafirma que essa é uma política educacional de
caráter afirmativo, a qual exige a implementação de ações que priorizem e respeitem o
tempo da infância da criança. Isso exige que todo o processo de implantação dessa política
seja pautado pelos aspectos administrativos, políticos e pedagógicos.
Abramowicz (2006), em sua pesquisa, fez referência a implementação da Lei n°
11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que instituiu o EF de nove anos, como uma
normatização de situações já existentes em alguns municípios e estados, de inclusão de
crianças de seis anos na escola obrigatória. Ademais, acrescenta a essa discussão a defesa
promovida pelos fóruns de educação infantil em relação à criança de zero a seis anos. A
autora faz indagações a respeito do que a escola fundamental propõe como exercício da
infância para as crianças ingressantes nesse 1° ano. No entanto, salienta que seu
posicionamento não é contrário a esse direito, mas sinaliza as necessárias modificações que
esse nível de ensino deve priorizar no atendimento a esses alunos, de modo a não dar
continuidade às histórias de fracasso escolar.
O trabalho desenvolvido por Gorni (2007) constata que muito pouco se sabe
acerca da proposta de implantação do EF de 9 anos e que pairam, ainda, muitas dúvidas e
preocupações sobre se a proposta não consiste somente em mais uma mudança política e
estrutural. Para a autora, parece ficar evidente a precocidade da implantação de forma
ampla e generalizada, antes de garantidas as condições de preparação das escolas e
professores. Ela ressalta que a proposta em questão, a exemplo do que também já ocorreu
com outras que a antecederam, tanto pode melhorar, como não alterar e até mesmo piorar o
desempenho do sistema educacional, caso não receba o tratamento adequado em sua
implementação.
No que se refere às pesquisas publicadas em anais de eventos, a partir de 2005,
encontramos nas publicações do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino ENDIPE (2006) os textos de Duran (2006), Alves (2006), Callegari (2006) e Martins
(2006). Dentre esses quatro trabalhos encontrados, três (DURAN, 2006; ALVES, 2006 e
CALLEGARI, 2006) tiveram sua origem nas discussões sobre a implementação da escola
de nove anos em Taboão da Serra, Prefeitura da Grande São Paulo. Os três textos
demonstraram como, a partir da promulgação das leis n° 11.114/2005 e n° 11.274/2006, as
discussões e (re) formulações no âmbito da educação básica se intensificaram visando a
adequação dos estados e municípios à nova estruturação do ensino. O artigo de Martins
(2006) contribui para o debate problematizando as necessidades e prioridades impostas por
essas leis, principalmente no que concerne a necessidade da formação inicial e continuada.
O trabalho de Duran (2006) refletiu sobre os sentidos atribuídos nas discussões
de uma proposta para o EF de nove anos. A autora defende a idéia de que a proposta da
escola fundamental de nove anos não vem ocorrendo como construção formal de um
conhecimento, e sim como inserção orgânica em um pensamento já construído.
Alves (2006) apresenta em seu trabalho a discussão sobre três princípios
norteadores do documento preliminar para o EF de nove anos em Taboão da Serra, sendo
elas: fabricar vidas, entendendo este princípio como aquele capaz de criar condições
objetivas para que todas as crianças da escola se integrem ao mundo letrado; fazer do EF de
nove anos um espaço de articulação das mentes, das emoções e dos desejos das crianças,
estabelecendo uma relação concreta entre cultura da escola e a cultura local e; acreditar que
toda criança é capaz de aprender, dependendo da forma como é conduzido o processo de
ensino.
O texto de Callegari (2006) aborda o sentido do projeto político que sustenta a
proposta da escola de nove anos e problematiza os principais argumentos que se colocam
como obstáculos. Este autor assinala que um dos sentidos da escola de nove anos,
implementada no município de Taboão da Serra, foi a possibilidade de produzir uma
mudança relevante na estrutura da escola. Tal mudança rompeu com a cultura de exclusão
que tem marcado o afastamento dos setores populares da escola. Ressalta que propostas
desse fôlego não acontecem somente pela aplicação de novas legislações, mas sim, pelo
comprometimento dos professores e das comunidades.
O estudo de Martins (2006) contribuiu, assim como os demais, para a reflexão
de que a partir da promulgação da Lei n° 11.114 ocorreram razoáveis modificações na
estrutura e funcionamento da EF, apontando o fato de todo instrumento normativo criar um
movimento de mudanças, mas estas nem sempre vêm acompanhadas de subsídios
necessários para sua efetivação. Isso acarreta uma distância considerável entre o discurso
oficial e a realidade do cotidiano das redes escolares.
A autora, assim como Santos e Vieira (2006) e Duran (2006), preocupa-se com
as várias interpretações e decorrências que podem emergir de uma proposta dessa natureza.
Ela percebeu, a partir de suas observações, a existência de problemas na compreensão e
análise do material, geralmente utilizado na divulgação de diretrizes do governo. Martins
(2006) aponta também que os órgãos gestores sobrepõem orientações às escolas,
provocando desorientações e que, as secretarias estaduais e municipais passam, elas
próprias, por uma aprendizagem institucional nesses processos de mudança, configurando,
muitas vezes um vácuo normativo.
Outro evento contemplado em nossa pesquisa foi a Reunião Anual da
Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa (ANPED), em cujas publicações
encontramos apenas os trabalhos de Pereira (2007), Correia (2007) e Silva e Scaff (2009),
os primeiros publicados nos anais da 30a Reunião Anual da ANPED, e o último, na 32 a
Reunião.
O estudo de Pereira (2007) teve como objetivo discutir a implantação do EF de
nove anos na rede municipal de ensino de Lages, Santa Catarina. Esse trabalho
problematiza questões referentes à necessidade de reformas pedagógicas, à oportunidade de
se repensar a cultura escolar destinada a crianças na faixa etária que compreende os seis
anos e à busca pela reversão de resultados negativos frente a avaliações internas e externas
no âmbito das escolas municipais, mais especificamente o caso de Lages.
Correa (2007), por sua vez, deixa claro que seu trabalho trata-se de um ensaio,
com objetivo de apontar desafios para o alcance de uma educação de qualidade, quer na EI,
quer no EF. A autora discute o que considera as principais recomendações do MEC para a
nova disposição do EF de nove anos e faz indagações com intuito de apontar para a
necessária atenção a ser dirigida à organização do EF de nove anos, a fim de que o ganho
de mais um ano de escolaridade não se torne na prática prejuízo.
A pesquisa de Silva e Scaff (2009) analisa a instituição da política educacional
de ampliação do tempo de escolaridade obrigatória, de 8 para 9 anos, com o ingresso de
crianças de 6 anos de idade, contemplando a implantação dessa política nos estados da
Bahia e do Mato Grosso do Sul. Este estudo demonstra que o principal avanço dessa
política é a garantia legal de acesso à escola para toda criança que completa 6 anos até o
início do ano letivo. As autoras evidenciaram também que a Lei 11.274/2006 vem sendo
implantada em ritmos diferente e que, embora isso não configure confronto com a
legislação, gera implicações sobre os processos de organização dos sistemas de ensino,
particularmente os municipais.
Nos anais do Congresso Ibero-Luso-Brasileiro de Política e Administração da
Educação identificamos a publicação de Scaff e Brito (2010), cujo trabalho busca
identificar os principais desafios à gestão educacional, decorrentes da ampliação dos anos
de escolaridade. As discussões se pautaram na revisão da legislação educacional sobre o
EF, tendo como especificidade a análise da implementação da Lei nº 11.274. O estudo
permitiu apontar como um dos principais desafios enfrentados pela gestão educacional, em
nível local, a compreensão acerca do trabalho pedagógico a ser desenvolvido no primeiro
ano do EF.
Partindo para pesquisa em teses e dissertações produzidas sobre a temática,
percebemos que são pouquíssimas as produções, e as encontradas, foram defendidas após
2007. Por meio de pesquisa minuciosa no site Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações, disponibilizado na página oficial do MEC, identificamos teses e dissertações
que tratam dessa temática com enfoque nos estudos sobre a infância, principalmente no que
se refere à idade de ingresso na escolaridade obrigatória. Entre essas produções podemos
citar Santaiana (2008); Silva (2009); Araújo (2008); e Costa (2009), cujas abordagens
realizadas
se apóiam em áreas como: psicologia, sociologia, antropologia, filosofia e
pedagogia. Essas obras, no entanto, não trazem como foco central a política de ampliação
da escolaridade obrigatória. É possível depreender aqui a necessidade de um diálogo maior
entre a EI e o EF.
As políticas de ampliação dos anos de escolaridade são analisadas mais
objetivamente nas seguintes dissertações de mestrado: Políticas para educação
obrigatória: o ensino fundamental com 9 anos de duração (CRUVINEL, 2009); A
implantação do ensino fundamental de nove anos no estado do Paraná (OLIVEIRA,
2009); e Ensino Fundamental de Nove Anos: em busca da legitimação no cotidiano da
escola (ANTUNES, 2010). A seguir, apresentaremos um breve resumo dos resultados
desses trabalhos e posteriormente um diálogo mais apurado com as produções.
A pesquisa desenvolvida por Cruvinel (2009) consiste em uma dissertação do
Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas, na área
de concentração: Políticas de Educação e Sistemas Educativos. Este trabalho teve como
objetivo geral: analisar a normatização que se refere à da política de ampliação do EF de
nove anos considerando o período entre 2003 e 2008. Os objetivos específicos foram:
descrever o processo de normatização do EF com 9 anos de duração nos âmbitos da
Federação e do estado de Minas Gerais e; verificar os argumentos e concepções dos
responsáveis pela organização e legislação que se referem à ampliação da escolaridade
obrigatória.
A autora faz um acompanhamento da trajetória de conquistas legais, de
polêmicas e de avanços no que se refere ao atendimento da criança pequena no Brasil,
priorizando a etapa do EF, principalmente no que tange a ampliação desse nível de ensino
de oito para nove anos de duração em âmbito nacional e estadual, centrando seu foco em
Minas Gerais.
Minas Gerais se antecipou à lei federal na ampliação dos anos de escolaridade,
sendo o primeiro estado a tomar esta medida. Por meio do Decreto n° 43.506, de 6 de
agosto de 2003 foi sancionado o Ensino Fundamental com 9 anos de duração nas escolas da
rede estadual de Minas Gerais (CRUVINEL, 2009).
A autora aponta o envolvimento de diferentes movimentos e organizações na
discussão e implementação da política de ampliação como: o Movimento Interfórum de
Educação Infantil do Brasil (MIEIB), denunciando a entrada de crianças menores que seis
anos de idade no EF e defendendo o direito à EI; A União dos Dirigentes Municipais de
Educação
(UNDIME)
questionando
aplicação
do
Fundo
de
Manutenção
e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF); A
Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), como entidade privada, solicitando
orientações a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) quanto à
matrícula da criança de seis anos de idade no Ensino Fundamental, além de Conselhos
Municipais de Educação e Secretarias Municipais de Educação. Tais fatos revelaram forças
e correlação de forças com os órgãos normatizadores e legisladores.
Tanto os documentos de âmbito federal, quanto estadual traziam advertências
quanto à ampliação do EF em detrimento do atendimento de qualidade na EI. Ainda com
relação ao embate entre a EI e o EF a autora destaca dois aspectos importantes: o currículo
de cada nível e o lugar da criança de seis anos de idade (CRUVINEL, 2009).
O trabalho desenvolvido por Oliveira (2009) consiste em uma dissertação do
Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, na
área de concentração: História e Políticas Educacionais. Esta dissertação teve como
objetivo geral: Analisar como se deu o processo de ampliação do EF de nove anos no
estado do Paraná. Os objetivos específicos foram: verificar o prescrito nos documentos
legais no tocante à legitimação do direito à educação obrigatória que tratam da implantação
do EF de nove anos a nível nacional e no estado do Paraná e; explicitar as ações definidas
pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná para o EF de nove anos.
Neste estudo, um dos principais dados que a autora apresenta sobre a
implantação do EF de nove anos no estado do Paraná refere-se às polêmicas ocorridas por
ocasião da implementação da deliberação do governo estadual n° 03/06, a qual estabeleceu
que a criança deveria completar seis anos de idade até 1° de março para ingressar no
primeiro ano do EF de nove anos. Dessa deliberação emergiram dois posicionamentos em
torno do corte etário: uns defendiam a entrada das crianças no 1° ano, em 1° de março e,
outros, consideravam o ano do nascimento da criança e não o mês.
Antunes (2010) desenvolveu uma dissertação vinculada ao Programa de Pós
Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sendo da área
de concentração Políticas Públicas e Práticas Educativas. O objeto geral deste estudo
consistiu em identificar as possíveis mudanças impulsionadas no cotidiano escolar vividas
pelos professores no exercício da docência e no exercício da gestão, considerando a
ampliação da escolarização obrigatória no EF.
Os objetivos específicos foram: conhecer as implicações e possibilidades que a
proposta de ampliação obrigatória do EF trouxe para as práticas pedagógicas; analisar as
concepções dos professores acerca da política educacional que ampliou o EF de oito para
nove anos; e identificar as mudanças realizadas no âmbito administrativo, físico e
pedagógico.
Entre os dados encontrados neste estudo, destacam-se a falta de subsídios e
orientações sobre a proposta de implantação do EF de nove anos. Esse fator fez com que
sentimentos de dúvidas, desconforto e insegurança fossem vivenciados pelos professores e
pelos pais. Considerando o fato da comunidade escolar não se sentir participante da
construção da prerrogativa legal, a autora destaca que esta normatização chegou à escola de
forma hierárquica e imposta. Ela ainda aponta que os profissionais da educação não são
ouvidos na elaboração oficial das legislações, se constituindo em meros executores das
políticas públicas.
Antunes (2010) evidencia que, ao sancionar a lei que ampliou o EF para nove
anos de duração, os legisladores municipais convidaram as escolas para promoverem
mudanças no aspecto administrativo, físico e pedagógico. As mudanças administrativas e
físicas incidiram na questão de infra-estrutura e de definição de quais professores
assumiriam o primeiro ano do EF de nove anos. Entretanto, a autora retrata que as
mudanças não passaram de arranjas e ajustes para adaptação desta nova etapa da educação.
Ela alega que a falta de recursos e de salas foram empecilhos para que as ações se
concretizassem de forma significativa. Quanto ao aspecto pedagógico, assevera que a
dimensão que mais foi alvo de reflexões, as quais centralizaram-se nas discussões
referentes aos conteúdos.
Considerações Finais
Ao analisar as produções sobre a política de ampliação do ensino fundamental
para nove anos nos deparamos com o interessante movimento de construção do
conhecimento acerca de um novo fenômeno. Embora a ampliação do EF já estivesse
sinalizada desde 1996 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, e tenha
se tornado meta no Plano Nacional de Educação, em 2001, somente a partir do final de
2006, quando foi sancionada a Lei n° 11.274, que tornou obrigatório em âmbito nacional e
com o prazo de adequação ao sistema até o ano de 2010 é que começam a aparecer
produções (dissertações e teses) sobre o tema.
Esses trabalhos, que tiveram suas origens nas discussões sobre a implementação
das Leis n° 11.114/2005 e n° 11274/2006, apontam para a relevância de se estudar o tema
de ampliação do EF a partir de seus diversos prismas: histórico, político, social, ideológico
e pedagógico. Eles remetem à importância das discussões nos municípios e estados,
visando implementar uma proposta de acordo com sua realidade e necessidades; da
preocupação com as diversas formas de interpretação e sentidos que uma lei e suas
orientações podem gerar; da importância da formação de professores; e das mudanças
geradas a partir de um instrumento normativo.
A partir da análise dessas pesquisas, podemos apontar questões passíveis de
novas investigações, sendo uma delas, a ampliação da escolaridade obrigatória para a idade
de 4 a 17 anos, determinada a partir da Emenda Constitucional No. 59, promulgada em 11
de novembro de 2009, que altera o Art. 208 da Constituição Federal, tendo prazo até 2016
para sua implantação em todas as redes de ensino, quando há redes estaduais e municipais
que ainda não implantaram a escolaridade obrigatória com 9 anos de duração.
Outro aspecto que merece maior atenção em novas pesquisas diz respeito à
necessidade de estudos avaliativos longitudinais do sucesso e/ou fracasso de alunos que
ingressaram com seis anos no EF ou de acompanhamento de diferentes práticas de inclusão
dos pequenos nos sistemas educacionais brasileiros. Acreditamos ser de suma importância
tratar o ingresso das crianças de seis anos no EF ampliado como objeto de pesquisa e
fenômeno a ser interrogado na perspectiva de uma análise política, sociológica e
pedagógica, objetivando avançar na busca de uma educação fundamental de qualidade para
todos.
As produções também argumentaram sobre a necessidade de inserção do Brasil
no contexto mundial de ampliação da escolaridade obrigatória, principalmente em relação
aos países da América Latina. Acreditamos que esta consiste em uma importante temática a
ser investigada, merecendo estudos comparados, que descortinem qual o valor social da
educação para os diversos países, inclusive o Brasil.
Percebemos que a implementação de mudanças educacionais, como a
ampliação dos anos de duração do EF exige especialmente o comprometimento dos
profissionais e das instituições responsáveis pela implantação da política em foco. Diante
do exposto, apontamos para a necessidade de estudos e debates no âmbito de cada
instituição de ensino, dando ênfase a reelaboração dos PPPs das escolas, de modo a
assegurar às crianças seu pleno desenvolvimento nos aspectos cognitivos, físicos,
intelectuais, sociais, culturais e psicológicos. O movimento de implantação do EF de nove
anos desperta a necessidade de conhecer os diversos processos locais que engendram tal
implantação, sem com isso desconsiderarmos que as iniciativas locais são condicionadas e
induzidas pelas orientações da política nacional.
Os estudos realizados permitem afirmarmos que a ampliação da escolaridade
obrigatória com a inserção da criança de seis anos de idade no Brasil esteve e ainda
continua envolto em polêmicas e conflitos que envolvem forças e correlação de forças. No
entanto, diante das indagações e questões postas pelos pesquisadores da área, temos que
considerar que os resultados positivos da implantação e implementação do EF de 9 anos
clamam por uma sociedade civil organizada por cidadãos comuns, estudiosos e
profissionais da educação conscientes de seu papel perante a defesa de um direito público
subjetivo.
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