A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A POLÍTICA DE AMPLIAÇÃO DO ENSINO FUNDAMETAL PARA NOVE ANOS: 2005 - 2010 Kellcia Rezende Souza1 Elisângela Alves da Silva Scaff2 Introdução O Brasil, nas últimas décadas, tem caminhado rumo à universalização da matrícula no Ensino Fundamental (EF). Embora esse empenho seja significante, ainda existem desafios a serem encarados pelo estado e sociedade civil. Carneiro (1998) salienta que no decorrer das últimas décadas do século XX, mais precisamente nos anos de 1980 e 1990, as políticas educacionais implantadas neste período, tiveram avanços legais que marcaram a educação brasileira. Destacamos neste contexto, a aprovação e promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu uma concepção ampla de educação e sua inscrição como direito social. Neste documento, foram elaborados nove artigos específicos sobre a organização da educação, dentre eles, o artigo 208. Neste artigo é apresentado que o dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada também sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na devida idade (BRASIL, 2010). Segundo Falsarella (2002), a década de 1990 representou um período ímpar no Brasil em relação à educação, cuja área conviveu com a aprovação e implantação de vários dispositivos legais, entre eles, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9394/96. Já no início do século XXI ressaltamos o Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei n° 10712/01. 1 Mestranda em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. A ampliação dos anos de escolaridade passou a se constituir como uma das prioridades da reforma educacional dos anos de 1990 e 2000, cujo foco central é a educação básica, mais especificamente o EF (TORRES, 1998). No que tange a duração da escolaridade brasileira, Batista (2006) aponta que era uma das menores da América Latina até o final do século XX, sendo o Brasil o único país cuja educação obrigatória se iniciava aos sete anos. Na maioria dos países da América Latina, ela começava aos seis. No tocante à afirmação de Batista (2006) verificamos que o PNE, documento criado pelo Ministério da Educação (MEC) com o escopo de traçar as diretrizes e metas para a educação brasileira, elegeu como uma de suas metas a uma ampliação dos anos de escolaridade, passando o ensino obrigatório de oito para nove anos de duração, iniciando-se aos seis anos de idade. A regulação normativa direcionada à obrigatoriedade dessa meta só foi sancionada em 06 de fevereiro de 2006, pela Lei n° 11.274, que altera a redação dos Artigos 29, 30, 32 e 87 da LDB 9394/1996, dispondo sobre a duração de nove anos para o EF, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade, até 2010, prazo este estabelecido para os municípios e estados (BRASIL, 2010). A elaboração deste trabalho é conduzida pela pesquisa qualitativa, pois, busca entender um fenômeno específico em profundidade (GOLDENBERG, 1999). Também realizamos uma busca pelo referencial teórico de autores que já se dedicaram a explorar o universo da temática que permeia o objeto de estudo em questão (MINAYO, 1994). As políticas públicas geradas para a educação, procedentes do Governo Federal, via MEC, bem como do Conselho Nacional de Educação (CNE), em específico a ampliação da escolarização obrigatória no EF, têm gerado inúmeras discussões, tanto política, financeira, quanto pedagógica. Diante deste cenário, julgamos ser oportuno fazer um levantamento dos estudos relacionados a esta temática. Vejamos, então, o que tem apontado o movimento de produções científicas no que se refere ao EF de nove anos. O que as produções científicas têm sinalizado sobre o Ensino Fundamental de Nove Anos Ao iniciar o processo de revisão bibliográfica, acreditamos ser válido apontar que foram analisados teses, dissertações, periódicos e artigos. Percebemos que o tema EF aparece em número relevante. A esse respeito, Arelaro (2005) aponta que o EF tem sido o nível de ensino mais pesquisado nos últimos 15 anos, representado quase a metade do total de publicações acadêmicas na área da educação neste período. Os trabalhos contemplados nesse estudo, em sua maioria, se preocupam em entender os problemas enfrentados pela escola pública no que se refere à gestão escolar, aos aspectos metodológicos e curriculares, à organização em ciclos, ao processo de avaliação e outros mais gerais. Entretanto, por se tratar de um tema relativamente novo, estudos sobre a ampliação do EF são relativamente poucos, começando a aparecer produções a partir de 2005, período em que o tema começa a ser foco de regulamentação em nível nacional, através da promulgação das Leis n° 11.114/2006 e n° 11.274/2006. Em publicações de periódicos com base científica, encontramos nas revistas Educação e Sociedade, Presença Pedagógica, Práxis Educativa, Revista Olhar de Professor, Revista Ensaio, os artigos de Arelaro (2005), Santos e Vieira (2006), Dantas e Maciel (2010), Kramer (2006), Goulart (2007), Saveli (2008), Abramowicz (2006) e Gorni (2007). As palavras chaves utilizadas para identificar tais produções foram: “escola de nove anos; ampliação do ensino fundamental; criança de seis anos no ensino fundamental; ensino fundamental de nove anos”. O artigo de Arelaro (2005) apresenta um breve diagnóstico sobre a situação do EF no Brasil, apontando os impasses que esse nível de ensino vem enfrentando. A implantação da escola fundamental de nove anos é um dos pontos discutidos pela autora, que volta seu olhar para os debates sobre períodos, ritmos pedagógicos, sistemática centralizada de avaliação educacional, processo acelerado de municipalização, sistemática de financiamento, e ainda, processo de (des) valorização dos docentes. Santos e Vieira (2006) realizaram um estudo preliminar sobre a ampliação do EF em Minas Gerais, procurando identificar quais condições possibilitaram sua emergência e quais as consequências de sua implementação para o EF e para a Educação Infantil (EI). Além disso, procuraram ressaltar os grandes temas tratados na produção normativa que regula a organização e funcionamento do EF com nove anos de duração nas escolas estaduais de Minas Gerais. Para a realização desse estudo, basearam-se em leituras de documentos oficiais, depoimentos de dirigentes e especialistas veiculados a imprensa nas informações estatísticas demográficas e educacionais. Segundo as autoras, a implementação do ensino de nove anos em Minas Gerais teve como razões não só aspectos financeiros, mas também demográficos, políticos e pedagógicos. O foco da pesquisa realizada por Dantas e Maciel (2010) foi a reflexão sobre o processo de consolidação do EF de nove anos na rede pública de ensino do Distrito Federal (DF) pondo em questão as peculiaridades da inserção de crianças de seis anos de idade a partir da ação docente observada no contexto de pesquisa. Elas sinalizaram que a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE-DF), iniciou a implantação do EF de nove anos em 2005 com a incorporação das crianças de seis anos de idade. Para tanto, foi criado o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA). Neste mesmo ano, o DF iniciou o atendimento às crianças de seis anos, no EF, em apenas algumas regionais de ensino, de forma ainda experimental. Entretanto, a consolidação do processo de atendimento das crianças no EF se deu de fato no ano de 2008. Kramer (2006) situa a EI no contexto político nacional, abordando a formação de profissionais para essa área da educação e trata da EI e EF como instâncias indissociáveis do processo de democratização da educação brasileira, destacando a importância desta articulação no que se refere às crianças e ao trabalho pedagógico. Com relação à inclusão das crianças de seis anos EF, deixa claro que considera uma conquista importante para as populações infantis e para suas famílias. Goulart (2007) reporta-se a reflexão sobre a linguagem na dimensão das práticas culturais orais de leitura e escrita, focalizando mais especificamente a ampliação do EF para nove anos. Destaca o fato de ser preciso muito mais sentido para a vida e para a educação do que simplesmente informação. Assim como Kramer (2006), no que tange a ampliação do EF, incluindo as crianças de seis anos, Goulart (2007) evidencia que, embora seja um desejo antigo, essa mudança gera reflexões e preocupações de muitas naturezas. Além disto, reflete que, apesar de todas as críticas que possam ser feitas, esta nova organização do ensino impulsiona a rever caminhos, conceitos, espaços e tempos escolares; organização das redes de ensino, das escolas e das salas de aula de modo geral. A contribuição de Saveli (2008) concerne aos aspectos legais da ampliação dos anos de escolaridade a uma política de inclusão social. Perante essa política, a autora assume uma postura favorável ao acesso da criança à escolaridade obrigatória no ano em que completa seis anos. Neste sentido, destaca em seu estudo, que muitos educadores se posicionam contrários a esse preceito legal, justificando que as crianças são pequenas e está se tirando das mesmas o tempo da infância. No entanto, a autora se mostra contrária a esses posicionamentos e, ainda, argumenta que nos países da América Latina, há até aqueles que iniciam a escolaridade obrigatória aos cinco anos. Além disso, reafirma que essa é uma política educacional de caráter afirmativo, a qual exige a implementação de ações que priorizem e respeitem o tempo da infância da criança. Isso exige que todo o processo de implantação dessa política seja pautado pelos aspectos administrativos, políticos e pedagógicos. Abramowicz (2006), em sua pesquisa, fez referência a implementação da Lei n° 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que instituiu o EF de nove anos, como uma normatização de situações já existentes em alguns municípios e estados, de inclusão de crianças de seis anos na escola obrigatória. Ademais, acrescenta a essa discussão a defesa promovida pelos fóruns de educação infantil em relação à criança de zero a seis anos. A autora faz indagações a respeito do que a escola fundamental propõe como exercício da infância para as crianças ingressantes nesse 1° ano. No entanto, salienta que seu posicionamento não é contrário a esse direito, mas sinaliza as necessárias modificações que esse nível de ensino deve priorizar no atendimento a esses alunos, de modo a não dar continuidade às histórias de fracasso escolar. O trabalho desenvolvido por Gorni (2007) constata que muito pouco se sabe acerca da proposta de implantação do EF de 9 anos e que pairam, ainda, muitas dúvidas e preocupações sobre se a proposta não consiste somente em mais uma mudança política e estrutural. Para a autora, parece ficar evidente a precocidade da implantação de forma ampla e generalizada, antes de garantidas as condições de preparação das escolas e professores. Ela ressalta que a proposta em questão, a exemplo do que também já ocorreu com outras que a antecederam, tanto pode melhorar, como não alterar e até mesmo piorar o desempenho do sistema educacional, caso não receba o tratamento adequado em sua implementação. No que se refere às pesquisas publicadas em anais de eventos, a partir de 2005, encontramos nas publicações do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino ENDIPE (2006) os textos de Duran (2006), Alves (2006), Callegari (2006) e Martins (2006). Dentre esses quatro trabalhos encontrados, três (DURAN, 2006; ALVES, 2006 e CALLEGARI, 2006) tiveram sua origem nas discussões sobre a implementação da escola de nove anos em Taboão da Serra, Prefeitura da Grande São Paulo. Os três textos demonstraram como, a partir da promulgação das leis n° 11.114/2005 e n° 11.274/2006, as discussões e (re) formulações no âmbito da educação básica se intensificaram visando a adequação dos estados e municípios à nova estruturação do ensino. O artigo de Martins (2006) contribui para o debate problematizando as necessidades e prioridades impostas por essas leis, principalmente no que concerne a necessidade da formação inicial e continuada. O trabalho de Duran (2006) refletiu sobre os sentidos atribuídos nas discussões de uma proposta para o EF de nove anos. A autora defende a idéia de que a proposta da escola fundamental de nove anos não vem ocorrendo como construção formal de um conhecimento, e sim como inserção orgânica em um pensamento já construído. Alves (2006) apresenta em seu trabalho a discussão sobre três princípios norteadores do documento preliminar para o EF de nove anos em Taboão da Serra, sendo elas: fabricar vidas, entendendo este princípio como aquele capaz de criar condições objetivas para que todas as crianças da escola se integrem ao mundo letrado; fazer do EF de nove anos um espaço de articulação das mentes, das emoções e dos desejos das crianças, estabelecendo uma relação concreta entre cultura da escola e a cultura local e; acreditar que toda criança é capaz de aprender, dependendo da forma como é conduzido o processo de ensino. O texto de Callegari (2006) aborda o sentido do projeto político que sustenta a proposta da escola de nove anos e problematiza os principais argumentos que se colocam como obstáculos. Este autor assinala que um dos sentidos da escola de nove anos, implementada no município de Taboão da Serra, foi a possibilidade de produzir uma mudança relevante na estrutura da escola. Tal mudança rompeu com a cultura de exclusão que tem marcado o afastamento dos setores populares da escola. Ressalta que propostas desse fôlego não acontecem somente pela aplicação de novas legislações, mas sim, pelo comprometimento dos professores e das comunidades. O estudo de Martins (2006) contribuiu, assim como os demais, para a reflexão de que a partir da promulgação da Lei n° 11.114 ocorreram razoáveis modificações na estrutura e funcionamento da EF, apontando o fato de todo instrumento normativo criar um movimento de mudanças, mas estas nem sempre vêm acompanhadas de subsídios necessários para sua efetivação. Isso acarreta uma distância considerável entre o discurso oficial e a realidade do cotidiano das redes escolares. A autora, assim como Santos e Vieira (2006) e Duran (2006), preocupa-se com as várias interpretações e decorrências que podem emergir de uma proposta dessa natureza. Ela percebeu, a partir de suas observações, a existência de problemas na compreensão e análise do material, geralmente utilizado na divulgação de diretrizes do governo. Martins (2006) aponta também que os órgãos gestores sobrepõem orientações às escolas, provocando desorientações e que, as secretarias estaduais e municipais passam, elas próprias, por uma aprendizagem institucional nesses processos de mudança, configurando, muitas vezes um vácuo normativo. Outro evento contemplado em nossa pesquisa foi a Reunião Anual da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa (ANPED), em cujas publicações encontramos apenas os trabalhos de Pereira (2007), Correia (2007) e Silva e Scaff (2009), os primeiros publicados nos anais da 30a Reunião Anual da ANPED, e o último, na 32 a Reunião. O estudo de Pereira (2007) teve como objetivo discutir a implantação do EF de nove anos na rede municipal de ensino de Lages, Santa Catarina. Esse trabalho problematiza questões referentes à necessidade de reformas pedagógicas, à oportunidade de se repensar a cultura escolar destinada a crianças na faixa etária que compreende os seis anos e à busca pela reversão de resultados negativos frente a avaliações internas e externas no âmbito das escolas municipais, mais especificamente o caso de Lages. Correa (2007), por sua vez, deixa claro que seu trabalho trata-se de um ensaio, com objetivo de apontar desafios para o alcance de uma educação de qualidade, quer na EI, quer no EF. A autora discute o que considera as principais recomendações do MEC para a nova disposição do EF de nove anos e faz indagações com intuito de apontar para a necessária atenção a ser dirigida à organização do EF de nove anos, a fim de que o ganho de mais um ano de escolaridade não se torne na prática prejuízo. A pesquisa de Silva e Scaff (2009) analisa a instituição da política educacional de ampliação do tempo de escolaridade obrigatória, de 8 para 9 anos, com o ingresso de crianças de 6 anos de idade, contemplando a implantação dessa política nos estados da Bahia e do Mato Grosso do Sul. Este estudo demonstra que o principal avanço dessa política é a garantia legal de acesso à escola para toda criança que completa 6 anos até o início do ano letivo. As autoras evidenciaram também que a Lei 11.274/2006 vem sendo implantada em ritmos diferente e que, embora isso não configure confronto com a legislação, gera implicações sobre os processos de organização dos sistemas de ensino, particularmente os municipais. Nos anais do Congresso Ibero-Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação identificamos a publicação de Scaff e Brito (2010), cujo trabalho busca identificar os principais desafios à gestão educacional, decorrentes da ampliação dos anos de escolaridade. As discussões se pautaram na revisão da legislação educacional sobre o EF, tendo como especificidade a análise da implementação da Lei nº 11.274. O estudo permitiu apontar como um dos principais desafios enfrentados pela gestão educacional, em nível local, a compreensão acerca do trabalho pedagógico a ser desenvolvido no primeiro ano do EF. Partindo para pesquisa em teses e dissertações produzidas sobre a temática, percebemos que são pouquíssimas as produções, e as encontradas, foram defendidas após 2007. Por meio de pesquisa minuciosa no site Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, disponibilizado na página oficial do MEC, identificamos teses e dissertações que tratam dessa temática com enfoque nos estudos sobre a infância, principalmente no que se refere à idade de ingresso na escolaridade obrigatória. Entre essas produções podemos citar Santaiana (2008); Silva (2009); Araújo (2008); e Costa (2009), cujas abordagens realizadas se apóiam em áreas como: psicologia, sociologia, antropologia, filosofia e pedagogia. Essas obras, no entanto, não trazem como foco central a política de ampliação da escolaridade obrigatória. É possível depreender aqui a necessidade de um diálogo maior entre a EI e o EF. As políticas de ampliação dos anos de escolaridade são analisadas mais objetivamente nas seguintes dissertações de mestrado: Políticas para educação obrigatória: o ensino fundamental com 9 anos de duração (CRUVINEL, 2009); A implantação do ensino fundamental de nove anos no estado do Paraná (OLIVEIRA, 2009); e Ensino Fundamental de Nove Anos: em busca da legitimação no cotidiano da escola (ANTUNES, 2010). A seguir, apresentaremos um breve resumo dos resultados desses trabalhos e posteriormente um diálogo mais apurado com as produções. A pesquisa desenvolvida por Cruvinel (2009) consiste em uma dissertação do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas, na área de concentração: Políticas de Educação e Sistemas Educativos. Este trabalho teve como objetivo geral: analisar a normatização que se refere à da política de ampliação do EF de nove anos considerando o período entre 2003 e 2008. Os objetivos específicos foram: descrever o processo de normatização do EF com 9 anos de duração nos âmbitos da Federação e do estado de Minas Gerais e; verificar os argumentos e concepções dos responsáveis pela organização e legislação que se referem à ampliação da escolaridade obrigatória. A autora faz um acompanhamento da trajetória de conquistas legais, de polêmicas e de avanços no que se refere ao atendimento da criança pequena no Brasil, priorizando a etapa do EF, principalmente no que tange a ampliação desse nível de ensino de oito para nove anos de duração em âmbito nacional e estadual, centrando seu foco em Minas Gerais. Minas Gerais se antecipou à lei federal na ampliação dos anos de escolaridade, sendo o primeiro estado a tomar esta medida. Por meio do Decreto n° 43.506, de 6 de agosto de 2003 foi sancionado o Ensino Fundamental com 9 anos de duração nas escolas da rede estadual de Minas Gerais (CRUVINEL, 2009). A autora aponta o envolvimento de diferentes movimentos e organizações na discussão e implementação da política de ampliação como: o Movimento Interfórum de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), denunciando a entrada de crianças menores que seis anos de idade no EF e defendendo o direito à EI; A União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) questionando aplicação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF); A Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), como entidade privada, solicitando orientações a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) quanto à matrícula da criança de seis anos de idade no Ensino Fundamental, além de Conselhos Municipais de Educação e Secretarias Municipais de Educação. Tais fatos revelaram forças e correlação de forças com os órgãos normatizadores e legisladores. Tanto os documentos de âmbito federal, quanto estadual traziam advertências quanto à ampliação do EF em detrimento do atendimento de qualidade na EI. Ainda com relação ao embate entre a EI e o EF a autora destaca dois aspectos importantes: o currículo de cada nível e o lugar da criança de seis anos de idade (CRUVINEL, 2009). O trabalho desenvolvido por Oliveira (2009) consiste em uma dissertação do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, na área de concentração: História e Políticas Educacionais. Esta dissertação teve como objetivo geral: Analisar como se deu o processo de ampliação do EF de nove anos no estado do Paraná. Os objetivos específicos foram: verificar o prescrito nos documentos legais no tocante à legitimação do direito à educação obrigatória que tratam da implantação do EF de nove anos a nível nacional e no estado do Paraná e; explicitar as ações definidas pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná para o EF de nove anos. Neste estudo, um dos principais dados que a autora apresenta sobre a implantação do EF de nove anos no estado do Paraná refere-se às polêmicas ocorridas por ocasião da implementação da deliberação do governo estadual n° 03/06, a qual estabeleceu que a criança deveria completar seis anos de idade até 1° de março para ingressar no primeiro ano do EF de nove anos. Dessa deliberação emergiram dois posicionamentos em torno do corte etário: uns defendiam a entrada das crianças no 1° ano, em 1° de março e, outros, consideravam o ano do nascimento da criança e não o mês. Antunes (2010) desenvolveu uma dissertação vinculada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sendo da área de concentração Políticas Públicas e Práticas Educativas. O objeto geral deste estudo consistiu em identificar as possíveis mudanças impulsionadas no cotidiano escolar vividas pelos professores no exercício da docência e no exercício da gestão, considerando a ampliação da escolarização obrigatória no EF. Os objetivos específicos foram: conhecer as implicações e possibilidades que a proposta de ampliação obrigatória do EF trouxe para as práticas pedagógicas; analisar as concepções dos professores acerca da política educacional que ampliou o EF de oito para nove anos; e identificar as mudanças realizadas no âmbito administrativo, físico e pedagógico. Entre os dados encontrados neste estudo, destacam-se a falta de subsídios e orientações sobre a proposta de implantação do EF de nove anos. Esse fator fez com que sentimentos de dúvidas, desconforto e insegurança fossem vivenciados pelos professores e pelos pais. Considerando o fato da comunidade escolar não se sentir participante da construção da prerrogativa legal, a autora destaca que esta normatização chegou à escola de forma hierárquica e imposta. Ela ainda aponta que os profissionais da educação não são ouvidos na elaboração oficial das legislações, se constituindo em meros executores das políticas públicas. Antunes (2010) evidencia que, ao sancionar a lei que ampliou o EF para nove anos de duração, os legisladores municipais convidaram as escolas para promoverem mudanças no aspecto administrativo, físico e pedagógico. As mudanças administrativas e físicas incidiram na questão de infra-estrutura e de definição de quais professores assumiriam o primeiro ano do EF de nove anos. Entretanto, a autora retrata que as mudanças não passaram de arranjas e ajustes para adaptação desta nova etapa da educação. Ela alega que a falta de recursos e de salas foram empecilhos para que as ações se concretizassem de forma significativa. Quanto ao aspecto pedagógico, assevera que a dimensão que mais foi alvo de reflexões, as quais centralizaram-se nas discussões referentes aos conteúdos. Considerações Finais Ao analisar as produções sobre a política de ampliação do ensino fundamental para nove anos nos deparamos com o interessante movimento de construção do conhecimento acerca de um novo fenômeno. Embora a ampliação do EF já estivesse sinalizada desde 1996 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, e tenha se tornado meta no Plano Nacional de Educação, em 2001, somente a partir do final de 2006, quando foi sancionada a Lei n° 11.274, que tornou obrigatório em âmbito nacional e com o prazo de adequação ao sistema até o ano de 2010 é que começam a aparecer produções (dissertações e teses) sobre o tema. Esses trabalhos, que tiveram suas origens nas discussões sobre a implementação das Leis n° 11.114/2005 e n° 11274/2006, apontam para a relevância de se estudar o tema de ampliação do EF a partir de seus diversos prismas: histórico, político, social, ideológico e pedagógico. Eles remetem à importância das discussões nos municípios e estados, visando implementar uma proposta de acordo com sua realidade e necessidades; da preocupação com as diversas formas de interpretação e sentidos que uma lei e suas orientações podem gerar; da importância da formação de professores; e das mudanças geradas a partir de um instrumento normativo. A partir da análise dessas pesquisas, podemos apontar questões passíveis de novas investigações, sendo uma delas, a ampliação da escolaridade obrigatória para a idade de 4 a 17 anos, determinada a partir da Emenda Constitucional No. 59, promulgada em 11 de novembro de 2009, que altera o Art. 208 da Constituição Federal, tendo prazo até 2016 para sua implantação em todas as redes de ensino, quando há redes estaduais e municipais que ainda não implantaram a escolaridade obrigatória com 9 anos de duração. Outro aspecto que merece maior atenção em novas pesquisas diz respeito à necessidade de estudos avaliativos longitudinais do sucesso e/ou fracasso de alunos que ingressaram com seis anos no EF ou de acompanhamento de diferentes práticas de inclusão dos pequenos nos sistemas educacionais brasileiros. Acreditamos ser de suma importância tratar o ingresso das crianças de seis anos no EF ampliado como objeto de pesquisa e fenômeno a ser interrogado na perspectiva de uma análise política, sociológica e pedagógica, objetivando avançar na busca de uma educação fundamental de qualidade para todos. As produções também argumentaram sobre a necessidade de inserção do Brasil no contexto mundial de ampliação da escolaridade obrigatória, principalmente em relação aos países da América Latina. Acreditamos que esta consiste em uma importante temática a ser investigada, merecendo estudos comparados, que descortinem qual o valor social da educação para os diversos países, inclusive o Brasil. Percebemos que a implementação de mudanças educacionais, como a ampliação dos anos de duração do EF exige especialmente o comprometimento dos profissionais e das instituições responsáveis pela implantação da política em foco. Diante do exposto, apontamos para a necessidade de estudos e debates no âmbito de cada instituição de ensino, dando ênfase a reelaboração dos PPPs das escolas, de modo a assegurar às crianças seu pleno desenvolvimento nos aspectos cognitivos, físicos, intelectuais, sociais, culturais e psicológicos. O movimento de implantação do EF de nove anos desperta a necessidade de conhecer os diversos processos locais que engendram tal implantação, sem com isso desconsiderarmos que as iniciativas locais são condicionadas e induzidas pelas orientações da política nacional. Os estudos realizados permitem afirmarmos que a ampliação da escolaridade obrigatória com a inserção da criança de seis anos de idade no Brasil esteve e ainda continua envolto em polêmicas e conflitos que envolvem forças e correlação de forças. No entanto, diante das indagações e questões postas pelos pesquisadores da área, temos que considerar que os resultados positivos da implantação e implementação do EF de 9 anos clamam por uma sociedade civil organizada por cidadãos comuns, estudiosos e profissionais da educação conscientes de seu papel perante a defesa de um direito público subjetivo. Referências Bibliográficas ABRAMOWICZ, A. Educação infantil e a escola fundamental de 9 anos. Olhar de professor, Ponta Grossa, n. 02, p. 317-325, 2006. ALVES, Maria Leila. A escola de nove anos: integrando as potencialidades da educação infantil e do ensino fundamental. In: Encontro Nacional de Didáticas e Práticas de Ensino - ENDIPE, Recife – PE, abr. 2006. ANTUNES, Jucemara. Ensino fundamental de nove anos: em busca da legitimação no cotidiano escolar. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, 2010. ARAÚJO, Rita de Cássia Barros de Freitas. 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