EEXPERTISE Dalberto Adulis Dalberto Adulis é professor de Sustentabilidade e Desenvolvimento na Faculdades de Campinas (Facamp) e especialista em gestão pública e desenvolvimento sustentável. Atualmente é gerente de Conteúdos e Metodologias do Instituto Akatu. RUMOS - 8 – Maio/Junho 2014 Via alternativa Especialista em gestão pública e desenvolvimento sustentável defende o consumo consciente como uma forma eficaz de promover o desenvolvimento, por meio da geração de renda e dinamização da economia Por Ana Redig O ser humano aprendeu utilizar todos os recursos disponíveis na Terra necessários à sua sobrevivência e ao seu desenvolvimento. Porém a falsa ideia de inesgotabilidade e o uso irresponsável desses insumos fizeram com que ultrapassássemos vários limites do planeta. “A previsão é que a população mundial salte dos atuais 7 bilhões de habitantes para 9 bilhões de pessoas em 2050. Se mantivermos os padrões de consumo de hoje, não haverá água e alimento suficientes para todos, e não haverá como dar destino a todo o resíduo produzido”, afirma Dalberto Adulis, gerente de Conteúdos e Metodologias do Instituto Akatu, organização não governamental que trabalha pela conscientização da sociedade para o consumo consciente. Akatu em tupi quer dizer ao mesmo tempo boa semente e mundo melhor. O Instituto foi criado há 12 anos pelo presidente da instituição, Hélio Mattar, ex-secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que já trabalhava a questão da sustentabilidade junto às empresas no Instituto Ethos. “Ele percebeu que paralelamente era necessário trabalhar junto aos consumidores, pois é muito difícil promover uma mudança desta monta apenas pelo lado da oferta. Sem um consumidor consciente não se mudam padrões de consumo”, explica Dalberto. A ideia é que os consumidores sejam esta boa semente na construção de um mundo melhor. Mantido por empresas que apostam na sustentabilidade, o Instituto vem produzindo conteúdos, realizando pesquisas e gerando informações que possam ser utilizados para sensibilizar os consumidores. O objetivo é munir o cidadão com um repertório maior de informações, tornando-o mais capaz de tomar decisões de consumo que diminuam os impactos negativos destas atividades. Professor de Sustentabilidade e Desenvolvimento na Faculdades de Campinas (Facamp) e especialista em gestão pública e desenvolvimento sustentável, Dalberto Adulis garante que o consumo consciente é uma das formas mais eficientes de promover o desenvolvimento, por meio de efeitos positivos, como geração de renda e dinamização da economia, além de minimizar os efeitos negativos, ambientais e sociais. Inicialmente o Akatu trabalhava focado apenas na conscientização do cidadão consumidor, e colaborando com empresas interessadas em oferecer produtos com menor impacto, mas que tinham dificuldades em comunicar isso ao seu público. Com o tempo, o Instituto percebeu que podia ir além e levar o olhar do consumidor para contribuir com a elaboração, desenho e implementação de políticas públicas. Avanços – O professor aponta avanços no que tange à sustentabilidade nos últimos anos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que passa a vigorar em agosto, é um exemplo. Ela colabora com a adoção de uma economia circular, em que os resíduos são vistos como recursos naturais reaproveitáveis. No entanto são necessários investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento para pensar formas de produção com menor impacto e para transformar o que antes ia para o lixo em insumos. “Esta é uma tendência mundial. Nos Estados Unidos a empresa de carpetes que mais cresce nos últimos anos já opera com 70% e tem como meta utilizar 100% de matéria-prima reaproveitada. É preciso investir em inovação e estimular este tipo de iniciativa”, cobra Adulis. O Akatu vem atuando em várias frentes – mobilidade, meio ambiente, água, energias renováveis etc. – sempre trazendo a questão do consumo consciente e o olhar do consumidor para os debates. Atualmente a instituição está envolvida na elaboração do Plano Nacional de Produção e Consumo Sustentá- RUMOS - 9– Maio/Junho 2014 EXPERTISE Dalberto Adulis vel. O Plano nasceu no Processo de Marrakesh, iniciativa liderada globalmente pelas Nações Unidas e no Brasil pelo Ministério do Meio Ambiente e, apesar de já desenhado, encontra dificuldades na implementação de suas propostas. “Os sistemas econômicos dominantes não querem ver essas mudanças acontecerem e fazem tudo para manter a legislação como está”, afirma Dalberto. O professor lembra que este é um setor estratégico, pois uma malha mais barata e eficiente reflete na boa logística, impactando na economia do país como um todo. “Precisamos abandonar o modelo centrado no automóvel individual e enfatizar o transporte coletivo de qualidade. Isso inclui fornecer ligações ferroviárias entre as cidades”, sugere. O Brasil, no entanto, parece caminhar na direção contrária. A malha ferroviária no país diminui a cada ano. No semestre passado, a Rodovia Bandeirantes, em São Paulo, uma das melhores do país, ganhou mais pistas. “O ideal seria utilizar aquela via para criar um trem bala, há muito prometido. E o pior é que as novas pistas vão gerar um fluxo maior de carros que, quando chegarem à Marginal, ficarão parados”, conclui Dalberto Adulis. Ele elogia a atuação do Ministério do Meio Ambiente na elaboração do Plano, porém lembra que várias propostas lá colocadas não conseguem hegemonia para se tornarem efetivas do ponto de vista de incentivo e de financiamento. “Muitas vezes o marco legal inviabiliza que os bancos de desenvolvimento ofereçam mais incentivos”, avalia o especialista. Resistências e avanços – A questão dos resíduos enfrentou a mesma resistência, por isso o professor acredita na educação para promover uma real mudança de cultura. “Os indicadores melhoraram, mas a qualidade do ensino ainda é fraca e as crianças passam pouco tempo na escola. Precisamos de uma educação mais abrangente, que promova o desenvolvimento de um indivíduo capaz de compreender o mundo e promover mudanças. Só este cidadão será capaz de dar o salto”, aposta Dalberto. Para envolver crianças e jovens de 8 a 16 anos no debate sobre consumo consciente e sustentabilidade, o Instituto Ikatu criou o desafio “De onde vêm as coisas?”. Pela rede de aprendizagem Edukatu, mais de mil escolas públicas e particulares participam gratuitamente de uma espécie de gincana. Alunos utilizam uma plataforma especialmente criada para o projeto como recurso de aprendizagem. O professor lidera o ambiente virtual e os alunos participam de um circuito com três percursos: água, ar e terra. “Todas as informações necessárias para vencer o desafio estão presentes na plataforma, que também tem espaços interativos e de consulta. Como o desafio é lúdico, desperta o interesse dos jovens, que muitas vezes discutem os temas de forma prática”, explica Dalberto. O especialista explica que precisamos construir uma mudança de cultura e, para isso, será necessária a participação do governo, das empresas e do consumidor. “O Brasil se ilude com sua grandiosidade, com sua fartura. Os recursos são mui- tos, mas não são ilimitados. Praticamos a cultura do desperdício e estamos perdendo com isso”, argumenta Adulis. “No Brasil a gente tem essa ilusão de que a natureza é infinita e percebe que ela se torna mais limitada quando a população passa a ser mais urbana e passa a consumir mais. Por isso investir nas próximas gerações é fundamental”, conclui. Apesar das dificuldades, tanto culturais quanto políticas, o processo de desenvolvimento econômico sustentável no Brasil tem obtido avanços em diferentes áreas. Um bom exemplo de tendência que parece ter vindo para ficar são os produtos concentrados, especialmente de higiene e limpeza. Fruto do tão necessário investimento em P&D, a inovação permite oferecer ao consumidor embalagens de 500 ml do mesmo produto tradicionalmente oferecido em recipientes de 2 litros. Este processo gera economia na logística e transportes, reduzindo as emissões de CO2, usando menos papelão para embalagens e diminuindo as áreas necessárias para estocagem. Além disso, economiza água na produção, já que a diluição será feita em casa. Este conjunto de benefícios reduz fortemente a pegada desses produtos, tornando-os mais sustentáveis. O problema, segundo o professor, é que o marco regulatório brasileiro não favorece ou estimula este tipo de iniciativa, como acontece no exterior. “Estamos falando de todos os recursos disponíveis e essenciais para a produção e não de algo distante. Racionalizar o uso dos recursos naturais representa economia. A ideia de que a sustentabilidade e o meio ambiente são contra o desenvolvimento é totalmente equivocada. Até hoje, no Brasil, as iniciativas têm partido da indústria, sem qualquer incentivo. A legislação precisa ser cada vez mais exigente, já que esses benefícios são para todos”, argumenta Dalberto. O especialista avisa que investimentos em tecnologia e inovação tecnológica são fundamentais para permitir o desenvolvimento de produtos mais eficientes e com menor impacto. “É o que acontece com as pás para produzir energia eólica, por exemplo: dependemos de importação, pois não investimos no desenvolvimento da tecnologia”, cita. Adulis explica que quando uma indústria adota uma produção sustentável ocorre uma economia imediata, com redução de custos logísticos e outros já citados. Segundo ele, o mesmo acontece com o consumidor consciente: o primeiro ganho é econômico, por isso, a oferta de produtos não pode inviabilizar a escolha. O segundo passo é o redesenho dos produtos, incorporando inovações. “Este é o salto maior, que além da economia vai gerar reputação, pois os consumidores valorizam cada vez mais as empresas com atuação mais responsável. As empresas que não entrarem nisso estão com os dias contados”, garante. Na Alemanha, as líderes da indústria automobilística Volkswagen e BMW disputam o mercado de locação de carros de forma intensa. Apostando na tendência do compartilhamento e não na posse do veículo, que ganha cada vez mais espaço na Europa, as empresas entenderam que se não oferecerem este serviço com qualidade, em paralelo às vendas de automóveis, em 10 anos estarão fora do mercado. Pelo celular os usuários localizam o carro disponível estacionado mais próximo RUMOS - 10 – Maio/Junho 2014 Desenvolvimento – De forma geral o Brasil tem apresentado melhorias em seus indicadores econômicos, ambientais e sociais, mesmo quando colocado em comparação com outras nações em desenvolvimento como Índia, China e México. No entanto, ainda há importantes pontos para se avançar. O Social Progress Index, indicador desenvolvido pelo professor Michael Porter, na Universidade de Harvard, procura observar simultaneamente o bem-estar, as oportunidades e as necessidades básicas dos habitantes. O Brasil ocupa o 46° lugar. “Houve avanços no que tange às necessidades básicas. No entanto, pioramos nos itens que nos permitem dar um salto significativo rumo ao desenvolvimento sustentável, inclusive comparado a outros países da América Latina”, avisa o professor. A questão da segurança é uma delas. O Brasil está em 122° lugar e exibe uma taxa alarmante de mortes: 60 mil pessoas assassinadas em 2013 e o mesmo número de vítimas fatais no trânsito. É um contingente muito expressivo. “Quando se analisa o desenvolvimento do ponto de vista puramente econômico, podemos concluir que a violência contribui com o crescimento do PIB: aumentam os gastos com segurança patrimonial privada, blindagem, cercas elétricas, serviços de vigilância, entre outros. No entanto, isso não é um benefício para a sociedade, pois cai a qualidade de vida da população. Por isso é fundamental considerar aspectos não econômicos”, frisa o professor. Para o especialista, o país também apresenta retrocesso em outro setor estratégico: o energético. Ele critica a recente opção pelo uso crescente de energia termelétrica, diminuindo a utilização das fontes consideradas limpas e renováveis em nossa matriz energética. “Na comparação com os países em desenvolvimento, a China sai na frente com um plano de investimentos expressivo em energia solar e eólica que inclui a construção de parques enormes. No Brasil faltam incentivos para o desenvolvimento desses parques, bem como um marco regula- RUMOS - 11– Maio/Junho 2014 Fotos: Douglas Lucena “ Racionalizar o uso dos recursos naturais representa economia. A ideia de que a sustentabilidade e o meio ambiente são contra o desenvolvimento é totalmente equivocada. tório consistente”, avisa Adulis. Dalberto Adulis realça que o Brasil registrou uma melhoria significativa na distribuição de renda nos últimos 15 anos, destacando o país de qualquer outro neste quesito. Um contingente muito grande de brasileiros migrou das classes D e E para a classe C, ou seja, essas pessoas foram incluídas no mercado consumidor. Apesar de extremamente positiva, ele afirma, é preciso estar preparado para os desafios impostos por esse novo cenário, especialmente no que tange a impactos ambientais: aumento de demanda por recursos naturais – água, alimentos, energia etc. – e o crescimento na quantidade de resíduos gerados. “Como vamos atender a toda esta demanda?”, indaga o especialista. Por seu volume populacional, a China ainda é um grande mercado de venda de automóveis. No entanto, a malha ferroviária do país é planejada para que toda cidade que alcance 200 mil habitantes passe a ser servida por um trem bala no prazo de cinco anos. Este planejamento é fundamental e não estaria sendo feito no Brasil. “O mesmo acontece com os serviços ambientais. O desmatamento de florestas melhorou, mas não temos um plano para pensar a biodiversidade como um recurso estratégico no país. Continuamos a adotar uma agricultura de commodities, de baixo valor agregado – no fundo estamos exportando água –, e a gente vai caminhando para trás de certa forma em relação há 20 anos”, critica o especialista. Para o professor, quem mais avançou nos últimos anos no Brasil foi a sociedade. “As redes sociais e as novas ferramentas de mobilização permitiram às pessoas assumirem posições mais enfáticas em relação àquilo que querem. As recentes pressões por escolas, hospitais e mobilidade ‘padrão Fifa’ vão nessa direção”, opina. Para Dalberto Adulis, este novo consumidor começa a perceber que ter renda não é suficiente. É preciso alcançar qualidade de vida: uma cidade mais sustentável, com mais espaços públicos, mais espaços verdes, segurança, transporte adequado. “Cada vez mais pessoas querem alimentos saudáveis, e não em quantidade; transporte público em vez de carro; energia e água limpas em vez de fartas; o durável mais do que o descartável”, garante. De fato, é preciso conhecer os limites do planeta para não ultrapassálos. “A economia precisa se reconciliar com o meio ambiente e com a ética. Só assim conseguiremos promover a diminuição da desigualdade,” conclui. “ em uma vaga comum. Com o cartão de crédito, o caro é liberado e aquele usuário fica com ele até estacioná-lo novamente para que outro possa utilizá-lo. O sistema é inspirado no das bicicletas, iniciativa de sucesso em muitas cidades no Brasil e no mundo. “Esta é uma tendência muito forte, pois diminui o uso de recursos naturais ao mesmo tempo que oferece qualidade de serviços. Infelizmente esta ainda é uma realidade distante para o Brasil”, lamenta Dalberto.