Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXII Prêmio Expocom 2015 – Exposição da Pesquisa Experimental em Comunicação
Histórias do Jardim Itatinga: Retratos de uma Zona de Prostituição a céu Aberto 1
Roberta Pereira PONTES 2
Valéria Manfre Garcia de SOUZA 3
Patrícia Ceolin do NASCIMENTO 4
Faculdades Integradas Rio Branco, São Paulo, SP
RESUMO
O livro-reportagem “As Meninas do 240” registra a história de vida de três profissionais do
sexo que trabalham e moram no Jardim Itatinga, localizado na cidade de Campinas (SP),
além de reconstruir o passado do bairro e traçar um panorama da região com a contribuição
de depoimentos das próprias profissionais e moradores do referido local. Para a realização
do livro-reportagem, foram realizadas visitas ao Jardim Itatinga e entrevistas pessoais com
as personagens centrais da obra, além de uma sólida pesquisa quanto ao surgimento da
prostituição no mundo, a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo em
diversos países, e os motivos que levaram ao surgimento do bairro campineiro, conhecido
como uma das principais zonas de prostituição do estado de São Paulo.
PALAVRAS-CHAVE: Prostituição; Profissionais do Sexo; Jardim Itatinga; Jornalismo
Investigativo; Jornalismo Literário.
1. INTRODUÇÃO
Apesar da má aparência, algumas ruas ainda não asfaltadas, e o aspecto de
abandono no local, o Jardim Itatinga, um bairro periférico e distante do centro da cidade de
Campinas, foi planejado. Planejado para a prostituição.
1
Trabalho submetido ao XXII Prêmio Expocom 2015, na Categoria Jornalismo, modalidade Livroreportagem.
2
Aluna líder e estudante do 8º Semestre do Curso de Jornalismo, e-mail: [email protected].
3
Estudante do 8º Semestre do Curso de Jornalismo, e-mail: [email protected].
4
Orientadora do trabalho. Professora do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco, e-mail:
[email protected].
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Por volta dos anos 1950, o comércio profissional do sexo estava presente e
espalhado por toda a cidade, sendo comum a convivência da elite campineira com as
garotas de programa em locais públicos da cidade. Porém, havia um bairro na região leste
da cidade que possuía maior concentração de profissionais do sexo, o Taquaral, afirma a
antropóloga Regina Maria Mazzariol (1977), em sua tese de mestrado “Mal Necessário:
Ensaio Sobre o Confinamento da Prostituição na Cidade de Campinas”.
Já nos anos 1960, o governo campineiro começou a receber bons investimentos
industriais do poder público, o que deu início à grande expansão da cidade, e, também, ao
início da ampliação das rodovias que ligariam Campinas a Jundiaí e São Paulo.
Junto com a expansão da cidade, também foi julgado o que deveria manter-se ali e
o que deveria ser eliminado, ou, pelo menos, afastado. Por esse motivo, em 1966, através de
um programa governamental chamado de “Operação Limpeza”, toda a prostituição
espalhada em Campinas foi isolada num canto distante da cidade: às margens da Rodovia
Santos Dumont e à beira da Rodovia Bandeirantes, ocasionando o surgimento do bairro
Jardim Itatinga.
Concluída a “Operação Limpeza”, a instalação dos bordéis, e a ida das prostitutas
para o Jardim Itatinga, os comentários sobre o surgimento do bairro começaram a aparecer,
e, consequentemente, deram-lhe fama. Aos poucos, a região virou referência para garotas
de programa de outras cidades.
Hoje, o Jardim Itatinga está localizado entre os bairros Parque São Paulo e Jardim
Maria Rosa, na zona sudoeste de Campinas, e é considerado como uma das principais zonas
de prostituição do estado de São Paulo, devido à quantidade de garotas de programa que
trabalham no local. O Parque São Paulo, por ser uma ligação direta com a Rodovia dos
Bandeirantes, é bem desenvolvido. Mas o bairro Jardim Maria Rosa, mais periférico, não
conseguiu crescer tanto, apesar de já apresentar bastante movimento e ter uma Secretaria
Municipal de Assistência Social aos moradores e um Núcleo Comunitário para crianças e
adolescentes. O Jardim Itatinga, como um irmão cheio de problemas e complicações, ficou
esmagado entre os dois bairros e praticamente esquecido pelos Órgãos Públicos da cidade
de Campinas, uma vez que não se encontram dados sobre o local nem na própria Prefeitura
da cidade.
Com base nos princípios e práticas do jornalismo, o livro-reportagem “As Meninas
do 240” relata a história de vida de três profissionais do sexo que trabalham e moram no
Jardim Itatinga, além de reconstruir o passado do bairro e traçar um panorama da região
com a contribuição de depoimentos das próprias profissionais e moradores do referido
local.
A obra também é resultado do trabalho de pesquisa, captação e produção
jornalística realizado pelas autoras no período de julho de 2013 a maio de 2014, por meio
de visitas ao bairro, coleta dos depoimentos dos personagens centrais e fontes secundárias, e
pesquisas de dados sobre a história da prostituição no mundo e o surgimento do bairro
Jardim Itatinga. Esse período foi fundamental para a criação e elaboração do livroreportagem, pois proporcionou as autoras a prática da observação do comportamento,
características e rotinas das personagens, além da realidade das pessoas que trabalham e
moram no local, o funcionamento das casas de prostituição e a movimentação dos clientes.
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2. OBJETIVO
O objetivo inicial do livro-reportagem “As Meninas do 240” era de registrar
histórias de vida e o dia a dia de cinco personagens centrais do Jardim Itatinga: duas garotas
de programa, um travesti, uma ex-garota de programa e um morador antigo, tendo como
introdução da obra um histórico do surgimento do bairro.
Entretanto, devido ao medo e à insegurança dos moradores e profissionais da
região, somente duas garotas de programa e um travesti que trabalham e moram no Jardim
Itatinga autorizaram as autoras a relatarem suas histórias, desde que suas identidades
fossem preservadas.
Contudo, independente da quantidade de perfis escritos, o objetivo do trabalho foi
alcançado, uma vez que, por meio das histórias relatadas, foi possível conhecer os dramas,
as angústias e os altos e baixos da vida de Pietra, Fátima e Monique, personagens principais
do livro-reportagem. Além disso, as visitas e entrevistas realizadas pelas autoras no Jardim
Itatinga proporcionaram a captação do clima e das circunstâncias do bairro, ambiente de
trabalho e moradia dos personagens, mas, que também já foi cenário de homicídio e
protestos.
3. JUSTIFICATIVA
Jornalismo envolve informação, investigação, apuração, imparcialidade, checagem
e registro. Pode parecer clichê, mas entre as teorias criadas ao longo dos anos e das
diferentes fases já vividas pelo jornalismo, essas palavras não deixam de aparecer nos livros
acadêmicos voltados a essa profissão.
Entre as práticas existentes no âmbito jornalístico, o jornalismo literário destaca-se
em registrar os detalhes, fatos e dados sobre um determinado assunto ou pessoa, e requer
uma postura diferenciada do jornalista durante a coleta de dados e apuração das
informações. É necessário que o autor perceba o que está além do factual e do imediato para
registrar também os hábitos, costumes, características e modo de comportamento sobre a
pessoa ou assunto escrito.
Ou seja, o jornalismo literário permite ao autor ir além da estrutura da pirâmide
invertida, mantendo a veracidade das informações sem inventar ou aumentar. De acordo
com o jornalista Felipe Pena (2006), o jornalismo literário
significa potencializar os recursos do Jornalismo, ultrapassar os limites
dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade,
exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lead,
evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e
profundidade aos relatos. (PENA, 2006, p. 13).
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O livro-reportagem é o melhor exemplo de produto jornalístico para exemplificar a
mistura do jornalismo com a literatura. Mais especificamente das técnicas do jornalismo
investigativo e literário. Ou seja, trata-se da realização de uma extensa coleta e apuração de
informações e uma literatura não ficcional com um olhar do autor que ajuda a detalhar a
história.
“As Meninas do 240” é fruto do conhecimento absorvido pelas autoras na sala de
aula e da oportunidade de praticar o processo de produção jornalística e das técnicas do
jornalismo investigativo e literário, desde a criação das pautas até a edição e checagem das
informações obtidas sem comprometer suas fontes.
Os perfis escritos registram um momento da história da prostituição ocorrida no
bairro Jardim Itatinga, profissão essa considerada no mundo como a mais antiga e, também,
como uma das mais criticadas, se não a mais, pela sociedade.
Além disso, a realização do referido livro-reportagem contribui como fonte de
dados para futuras pesquisas relacionadas ao tema prostituição.
4. MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS
Para esse projeto, o principal método utilizado para coleta de dados e depoimentos
foram entrevistas pessoais com os personagens centrais do livro-reportagem, todas
realizadas no bairro Jardim Itatinga, o que permitiu às autoras a captação de detalhes e
características pessoais das personagens e uma melhor pesquisa de campo do local e das
pessoas que ali vivem e trabalham. Outra técnica também utilizada foi a pesquisa de dados
e informações em diversas plataformas de conteúdo, como trabalhos e artigos acadêmicos e
registros jornalísticos veiculados na mídia.
Ao todo, foram realizadas oito visitas ao bairro Jardim Itatinga e uma até a
Prefeitura de Campinas. Mas, somente na quarta visita, feita no dia 17 de março de 2014,
que começaram realmente as entrevistas com as principais fontes da obra: as garotas de
programa Monique, Pietra e Fátima, que moram e trabalham na mesma casa. Antes disso e
também durante as últimas visitas, foram coletadas informações e materiais sobre o bairro,
como fotos e relatos contados por moradores do bairro, profissionais dos postos de
combustível e outros comércios localizados no próprio bairro e no entorno.
O levantamento de informações sobre o bairro Jardim Itatinga e as atividades
ligadas à prostituição no bairro também foram fundamentadas em pesquisas bibliográfica e
eletrônica.
5. DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO
As primeiras páginas do livro-reportagem “As Meninas do 240” possuem uma
dedicatória e os agradecimentos, seguidos pelo sumário. Há também uma nota das autoras,
após o sumário, informando aos leitores que os nomes dos personagens foram omitidos para
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evitar intrigas, consequências negativas ou algum tipo de perseguição aos que nos
confiaram seus segredos e histórias de vida. Ao todo, a obra possui 66 páginas.
Na introdução, é contada de forma breve os bastidores das visitas feitas ao bairro
Jardim Itatinga pelas autoras para a coleta de dados e informações. Ou seja, o que foi visto,
sentido, observado e concluído durante a produção desse trabalho. São apresentados
também alguns dados sobre os motivos do surgimento do bairro Jardim Itatinga.
Para escrever a introdução, foi realizada uma narrativa em formato de reportagem.
Vale ressaltar que os três perfis foram escritos com base nas técnicas do jornalismo
literário, mesclando os depoimentos das fontes com o que foi observado e registrado pelas
autoras.
O primeiro capítulo do livro-reportagem, intitulado de “Opção todo mundo tem
SIM”, trata sobre a história de Pietra, que trabalha como garota de programa há 10 anos.
Suas primeiras experiências como prostituta ocorreram quando trabalhava com a irmã mais
velha no entorno do bairro paulistano Luz. Após a morte de sua irmã e de sua amiga, Pietra
decidiu trabalhar e morar no Jardim Itatinga.
O segundo capítulo possui o título “Sobre ser guerreira há 35 anos”, e registra a
história de vida de Dona Fátima, garota de programa que também trabalha e mora no bairro.
Conhecida como uma das veteranas do Jardim Itatinga, Dona Fátima vive da prostituição há
35 anos, desde que decidiu fugir da casa dos pais, ainda adolescente. Com base em seus
depoimentos, é feito um comparativo da situação do bairro no passado com os dias atuais,
enquanto sua história de vida e os motivos que a levaram a se prostituir são relatados.
O terceiro e último capítulo registra a vida de Monique, travesti que mora e
trabalha no bairro Jardim Itatinga. Nascido em Hortolândia, Monique começou a se
prostituir ainda adolescente. Uma característica trabalhada na narrativa desse perfil foi a de
Monique ser um travesti já com 11 anos de profissão, que se diz aceito pelos pais e que este
sempre esteve ali porque quis e não apenas porque foi “a oportunidade que lhe restou”, o
que é muito utilizado pelas garotas de programa quando tentam justificar a escolha da
profissão. Seu perfil foi nomeado como “A boneca Monique”.
Para ilustrar o livro-reportagem “As Meninas do 240”, há fotos em preto e branco
que ilustram alguns locais do bairro, como ruas e placas, fachadas de algumas casas de
prostituição, e de certa maneira as personagens dos perfis retratados.
6. CONSIDERAÇÕES
As visitas ao Jardim Itatinga e as entrevistas realizadas com os moradores,
trabalhadores e, principalmente, com as garotas de programa Pietra, Fátima e Monique,
foram fundamentais para que as autoras entendessem como a prostituição é exercida no
bairro campineiro, uma área isolada da cidade e onde ninguém quer aparecer. Nem quem
vende, muito menos quem compra sexo. Mais do que compreender, foi possível registrar no
livro-reportagem “As Meninas do 240” as histórias dessas três profissionais do sexo que
concordaram em registrar os seus relatos na referida obra jornalística.
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Durante a pesquisa sobre o surgimento da prostituição no mundo e os assuntos
relacionados ao tema da obra, foi preciso entender conceitos de cultura e como ela se
manifesta na maioria das sociedades, das mais desenvolvidas as mais precárias, pelo fato da
atividade dos profissionais do sexo ser regulamentada em alguns países, e em outros, tal
prática ser caracterizada como criminosa.
Além disso, por ser considerada como a profissão mais antiga do mundo, a
identificação de referências e de autores que discutem sobre prostituição tornou-se
complexa. Outro obstáculo encontrado em campo foi a dificuldade de conquistar a
confiança das fontes principais do livro-reportagem, afinal, as autoras estavam em
desvantagem no Jardim Itatinga: ninguém as conhecia por lá, muito menos as protegiam, o
que fazia da captação de depoimentos das fontes virar uma atividade arriscada e incerta.
Mesmo assim, foi possível mencionar as mudanças que permitiram a evolução e o
crescimento da prostituição no mundo e retratar três histórias de vida. Histórias tão
diferentes e ao mesmo tempo com muitas semelhanças.
Para as autoras, a sensação vai além de ter tido a oportunidade de registrar essas
histórias e de ter estabelecido uma relação de confiança com as personagens principais. “As
Meninas do 240” representa para as autoras a conclusão de um ciclo acadêmico e o início
de suas carreiras como jornalistas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONSECA, Guido. História da prostituição em São Paulo. São Paulo: Resenha
Universitária, 1982.
HELENE, Diana. A cidade das meninas: o Jardim Itatinga e o confinamento urbano da
prostituição.
Disponível
em:
<http://www.academia.edu/4186431/A_cidade_das_meninas_o_Jardim_Itatinga_e_o_confi
namento_urbano_da_prostituicao>. Acesso em: 06 abr. 2014.
MAZZARIOL, Regina Maria. Mal necessário: ensaio sobre o confinamento da prostituição
na cidade de Campinas. Tese (Mestrado em Antropologia Social) - IFCH/UNICAMP,
Campinas, 1977.
PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Contexto, 2006.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2010.
PRADO, Magaly (org.). Técnicas de reportagem e entrevista: roteiro para uma boa
apuração. São Paulo: Saraiva, 2009.
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