A revolução
de
1930
agosto2010
Entrevista
3
Jornal Unesp
80anos
As contradições de Vargas na educação
A Revolução de 1930, que marca o início da hegemonia política de
Getúlio Vargas, gerou avanços como
a criação do Ministério da Educação,
mas ao mesmo tempo deixou sem solução desafios como a melhoria do ensino fundamental, de acordo com João
Cardoso Palma Filho. Graduado em
História Natural, Pedagogia e Direito, Palma Filho é mestre em Ciências
Sociais e Educação. Doutor em Educação, é professor do Instituto de Artes da Unesp, câmpus de São Paulo,
membro titular da Câmara de Ensino
Superior do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e membro honorário da Academia Paulista de Educação.
(Entrevista a Oscar D’Ambrosio)
Jornal Unesp: O que a Revolução de
1930, que completa 80 anos em 2010, fez
pela Educação no Brasil?
João Cardoso Palma Filho: Em
primeiro lugar, houve a criação do Ministério da Educação. Isso é um avanço, pois, até então, as questões educacionais eram tratadas no âmbito do
Ministério da Justiça. O primeiro ministro foi um jurista, Francisco Campos. Secretário da Educação em Minas
Gerais ainda na Primeira República,
ele viria a ser um dos responsáveis
pela redação da Constituição de 1937,
Daniel Patire
Dirigente queria
país com economia
independente,
mas teve política
educacional
conservadora
Reprodução de página de cartilha escolar do Estado Novo, em que figura do ditador era exaltada
Para professor, o ensino médio e o superior avançaram, mas governo não modernizou escola primária
associada ao Golpe do Estado Novo de
Getúlio Vargas.
JU: Qual foi a atuação de Campos?
Palma: Ele será o responsável pela
primeira reforma educacional de 1931,
que atingiu tanto o ensino superior,
como o hoje chamado ensino médio
– secundário, na época. Não mexeu com
o ensino primário que, desde 1834, era
uma responsabilidade dos Estados. Essa
é a primeira limitação de Vargas na educação, pois o problema brasileiro não
era o ensino superior ou o secundário,
mas justamente a educação elementar,
porque o Brasil tinha, em 1930, mais de
50% da população analfabeta. Não cuidar disso foi uma frustração na expectativa que se tinha de um movimento que
se intitulava revolucionário. No ensino
superior, porém, foi criado o Estatuto
da Universidade brasileira, que deu uma
organicidade ao setor.
JU: Quais são os fundamentos desse Estatuto?
Palma: A universidade brasileira foi
criada oficialmente em 1915, mas não
saiu do papel. Em 1922, centenário da
Independência, o governo brasileiro decidiu dar o título de Doutor Honoris
Causa ao rei da Bélgica. Descobriu-se
então que não havia universidade para
dar o título. Foi então instituída a Universidade do Rio de Janeiro, hoje UFRJ,
que só começou a funcionar em 1926.
Em 1931, Francisco Campos estabelece
que as universidades devem contar com
quatro instituições: três tradicionais (faculdades de direito, medicina e engenharia) e uma quarta (faculdade de filosofia,
ciências e letras). No ensino secundário,
a reforma consolida o que já existia. Estabelece um sistema seriado, que já vinha
sendo acenado pela reforma de 1925,
com a duração de sete anos, em dois níveis: o ginásio, com cinco anos, e o colégio, com dois anos, destinado a preparar
para a universidade.
JU: Deu certo essa proposta?
Palma: Os estudantes ingressaram no
novo sistema em 1932. Sete anos mais tarde, calcula-se que, de aproximadamente
20 mil ingressantes na primeira série do
ginásio, concluem o curso apenas quatro
mil. Havia 80% de reprovação e de abandono. A seriação foi organizada com uma
enormidade de avaliações: provas escritas,
orais, bimestrais, semestrais e anuais. O
estudante passava, por ano, por 108 provas. Só aquele estudante que contava com
algum apoio em casa e cuja família podia
contratar um professor particular conseguia passar por tudo isso.
JU: E o que aconteceu no ensino primário?
Palma: Embora Vargas, em 1931,
não tenha se preocupado com o ensino
primário, houve uma expansão significativa de grupos escolares. Houve um
aumento da pressão social pelo ensino primário devido à industrialização.
Vargas inicia um processo de industrialização que gera uma urbanização.
A população começa a se deslocar da
zona rural para trabalhar nas fábricas
das cidades. E, para isso, é necessário
saber ler e escrever. Como o ensino
primário é responsabilidade dos Estados, nas unidades onde a industrialização se dá mais fortemente, como São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,
houve, por meio dos governos locais,
uma expansão significativa do atendimento, atingindo as crianças de sete a
dez anos.
JU: Qual é o balanço que se pode fazer na
educação da Era Vargas, no período de 1930
a 1945?
Palma: Estima-se que, em 1930, havia
pouco mais de 50% de analfabetos. Em
1940, esse número cai pra 36%. Havia,
portanto, ainda muito analfabeto no país.
Isso é um alerta para os que se entusiasmam
muito com as realizações de Vargas na educação. Foi iniciado, sim, um caminho para
mostrar a necessidade de escolarizar toda
a população, pelo menos no nível primário, o atual ensino fundamental. Mas houve
mais discurso do que ação. Na educação,
o governo Vargas viveu uma contradição.
Queria uma expansão da indústria e tornar
o país independente das economias internacionais, mas, para ser coerente com isso,
teria que ter uma política mais avançada na
educação – e, na realidade, teve uma política conservadora na área.
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