UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
RICARDO DA SILVA ALMEIDA
PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA:
uma análise frente às divergências doutrinárias e jurisprudenciais
Biguaçu
2012
RICARDO DA SILVA ALMEIDA
PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA:
uma análise frente às divergências doutrinárias e jurisprudenciais
Monografia apresentada à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial a obtenção do grau em Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos
Santos.
Biguaçu
2012
RICARDO DA SILVA ALMEIDA
PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA:
uma análise frente às divergências doutrinárias e jurisprudenciais
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Público
Biguaçu, 05/11/2012.
Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos
UNIVALI – Campus Biguaçu
Orientador
Prof. MSc. Fabiano Pires Castagna
UNIVALI – Campus Biguaçu
Membro
Dedico este trabalho, primeiramente, a todos os pesquisadores
do Direito e, sobretudo, aos apaixonados pelo direito penal.
Especialmente, à minha mãe, Nerci da Silva Almeida, e aos
meus irmãos, pelo amor que me tiveram e sempre pude contar.
À minha esposa, Ana Paula C. Machado Almeida, pela ternura
e afeto incondicional que me demonstra, pelos quais a amo e
respeito.
Ao meu estimado pai, Walter Santiago de Almeida (in
memoriam) – saudade eterna.
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas são responsáveis direta e indiretamente pelo resultado
desta pesquisa, algumas de forma muito especial.
Agradeço a todos os docentes da Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI – Biguaçu/Kobrasol, catedráticos incansáveis na luta diária pelo
aprendizado acadêmico, sem os quais, obviamente, não seria possível a
concretização deste trabalho.
Ao meu orientador, professor Msc. Rodrigo Mioto dos Santos, que
conheceu todas as minhas dificuldades e, mesmo assim, me orientou e me
incentivou durante toda a longa trajetória de elaboração deste Trabalho Monográfico,
desde antes mesmo de eu me decidir pelo tema em todas as suas minúcias.
Por fim, mas não menos importante, aos amigos e colegas do Curso de
Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – Biguaçu/Kobrasol, por
travarem, lado a lado, as batalhas diárias em busca do aprendizado e do
desenvolvimento intelectual por um amanhã melhor e mais justo.
“O não matarás integra o pacote de uma lição que só os
deuses tiveram forças de ensinar, mas nem sempre são
ouvidos, pois a arma, criada e justificada como instrumento de
defesa, destinado à preservação da vida, por força da
liberdade, pode ser utilizada exatamente para a destruição da
vida, tanto do próprio usuário quanto de outrem.”
Jacy de Souza Mendonça.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 05 de novembro de 2012.
Ricardo da Silva Almeida
RESUMO
O presente trabalho monográfico trata da divergência de posicionamento encontrada
na doutrina e também na jurisprudência pátrias, mais especificamente nas Turmas
Julgadoras do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal quanto à
tipicidade, ou não, da conduta de portar ilegalmente arma de fogo desmuniciada. O
Estatuto do Desarmamento, Lei n. 10.826/2003, proíbe o porte de arma de fogo sem
as devidas autorizações de porte, mas não esclarece sobre a tipicidade ou
atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição no território nacional.
Além do mais, as Turmas das Instâncias Superiores do Sistema Judiciário Brasileiro
divergiram por muitos anos nas decisões acerca do tema e, mesmo nos dias atuais,
ainda restam pensamentos destacados na jurisprudência que vão de encontro ao
posicionamento dominante. O objetivo do trabalho é observar, com base na doutrina
brasileira e em algumas das mais recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça
e do Supremo Tribunal Federal, qual será o posicionamento mais adequado a
responder a este dúvida deixada no ar pelo Estatuto do Desarmamento. Para isso, o
trabalho foi dividido em três capítulos, utilizando-se do Método Dedutivo para seu
desenvolvimento. O primeiro capítulo abordará as principais características da
legislação desarmamentista no Brasil, trazendo, inclusive, um sucinto histórico sobre
a conduta de portar arma de fogo nas normas que conduziram a matéria através dos
tempos, no entanto, sem a pretensão de esgotar a matéria. Já no segundo capítulo,
para que, posteriormente, se pudesse ter maiores conhecimentos sobre a matéria
foco da presente pesquisa, tratou-se de realizar uma abordagem conceitual dos
basilares princípios que regem a disciplina penal no Direito moderno, assim como de
algumas classificações doutrinárias acerca dos tipos penais, para uma melhor
interpretação dos delitos contidos na Lei n. 10.826/2003. Assim sendo, no terceiro e
último capítulo, foi dado enfoco total à exposição da divergência propriamente dita,
no campo doutrinário e também jurisprudencial, mas designadamente na
jurisprudência compreendida pelas Turmas julgadoras do Superior Tribunal de
Justiça e do Supremo Tribunal Federal, acerca do porte ilegal de arma de fogo
desmuniciada.
Palavra-chave: Porte ilegal. Arma de fogo desmuniciada. Estatuto do
Desarmamento. Tipicidade. Atipicidade. Superior Tribunal de Justiça. Supremo
Tribunal Federal.
ABSTRACT
This monograph deals with the positioning of divergence found in doctrine and
jurisprudence also homelands, specifically Judging Classes in the Superior Court of
Justice and the Supreme Court as to typicality or not the conduct of illegally
possessing a firearm unloading. The Disarmament Statute, Law n. 10.826/2003
prohibits possession of a firearm without proper authorizations to carry, but not clear
about the typicality or atypicality of conduct carrying a firearm without ammunition in
the country. Moreover, the classes of instances of the Superior Judiciary Brazilian
diverged for many years in the decisions on the subject and, even today, remain
prominent in jurisprudence thoughts that go against the dominant position. The
objective is to observe, based on the Brazilian doctrine and in some of the more
recent decisions of the Superior Court and the Supreme Court, which will be the most
appropriate position to answer this question in the air left the Disarmament Statute.
For this, the work was divided into three chapters, using the Deductive Method for its
development. The first chapter will discuss the main features of the legislation
disarmament in Brazil, bringing, including a brief history about the conduct of
possessing a firearm in the rules that led to the field through time, however, without
pretending to exhaust the subject. In the second chapter, so that later, if I could have
more knowledge on the subject focus of this research, it was to perform a conceptual
approach of the basic principles governing the penal discipline in modern law, as well
as some ratings on doctrinal types of offenses, for better interpretation of the
offenses contained in Law no. 10.826/2003. Thus, the third and final chapter, I focus
was given full exposure of the divergence itself, in the field and also jurisprudential
doctrine, but particularly in jurisprudence Classes understood by judging the Superior
Court and the Supreme Court, about the illegal possession Firearm unloading.
Keyword: Illegal possession. Firearm unloading. Status of Disarmament. Typicality.
Atypicality. Superior Court of Justice. The Supreme Court.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12
1 CARACTERÍSTICAS DA LEGISLAÇÃO DESARMAMENTISTA NO BRASIL .... 14
1.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO BRASIL ... 14
1.2 OBJETO JURÍDICO TUTELADO PELO ESTATUTO DO DESARMAMENTO ... 21
1.3 O PORTE DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO ......... 24
1.3.1 As distinções entre posse irregular e porte ilegal de arma de fogo,
acessório e munição .............................................................................................. 27
1.3.2 O porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e o porte ilegal de arma
de fogo de uso restrito .......................................................................................... 34
1.4 APRESENTAÇÃO DA DIVERGÊNCIA QUANTO A (A)TIPICIDADE DA
CONDUTA DE PORTAR ILEGALMENTE ARMA DE FOGO SEM MUNIÇÃO ......... 35
2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS REFERENTES À MATÉRIA E
DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ...................................................................... 40
2.1 PRINCÍPIOS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO ESTATAL. ...................... 41
2.1.1 Princípio da legalidade e da reserva legal ................................................... 43
2.1.2 Princípio da intervenção penal mínima ....................................................... 46
2.1.3 Princípio da fragmentariedade ..................................................................... 47
2.1.4 Princípio da insignificância .......................................................................... 49
2.1.5 Princípio da proporcionalidade .................................................................... 50
2.1.6 Princípio da lesividade ou da ofensividade ................................................ 52
2.2 SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ...................................................... 56
2.2.1 Crimes Materiais. .......................................................................................... 57
2.2.2 Crimes Formais. ............................................................................................ 58
2.2.3 Crimes de Mera Conduta. ............................................................................. 59
2.2.4 Crimes de Dano ou de lesão ........................................................................ 59
2.2.5 Crimes de Perigo. .......................................................................................... 60
2.2.5.1 Crimes de Perigo Concreto .......................................................................... 61
2.2.5.2 Crimes de Perigo Abstrato ........................................................................... 62
3 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: UMA ANÁLISE
FRENTE ÀS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS .............. 65
3.1 OS CRIMES DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO
DESARMAMENTO. ................................................................................................. 65
3.2 A TIPICIDADE VERSUS A ATIPICIDADE DA CONDUTA DE PORTAR ARMA
DE FOGO DESMUNICIADA FRENTE À DOUTRINA. ............................................. 70
3.3 ANÁLISE DA MATERIA FRENTE ÀS DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS . 76
3.3.1 O dissenso sobre a (a)tipicidade do porte de arma de fogo desmuniciada
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça .......................................................... 76
3.3.2 A divergência no âmbito do Supremo Tribunal Federal ............................. 84
3.4 ANÁLISE E CRÍTICA DO OBJETO DO TRABALHO .......................................... 94
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 98
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 100
ANEXO A – LEI N. 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003 ............................... 107
ANEXO B – DECRETO N. 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004 .............................. 120
12
INTRODUÇÃO
Os delitos de porte ilegal de arma de fogo, trazidos nos artigos 14 e 16,
ambos do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003) não mencionam, em
nenhum momento, como elemento indispensável à consumação de tais crimes, a
ocorrência da efetiva exposição de outrem a perigo, sendo classificados, portanto,
como crimes de mera conduta e de perigo abstrato, o que faz presumir que as
consumações dos delitos de porte ilegal de arma de fogo se dão com o simples
cometimento das condutas descritas no Estatuto do Desarmamento.
Em contrapartida, para o Princípio da Lesividade, também conhecido como
Princípio da Ofensividade Penal, uma conduta somente pode ser tipificada se for
capaz de produzir um resultado jurídico, ou seja, uma lesão ao bem jurídico tutelado
pela norma penal, sendo, portanto, pela interpretação de tal Princípio, atípicas todas
as condutas que não provocarem ameaça concreta de lesão ao bem protegido,
renegando todos os crimes de perigo abstrato existentes.
A presente pesquisa monográfica tem sua razão de ser ao investigar nos
âmbitos doutrinário e jurisprudencial o crime de porte ilegal de arma de fogo, nos
casos em que o agente é surpreendido sem que haja, à sua disposição, munição
capaz de tornar o objeto propício para a produção de disparos, finalidade para a qual
é produzido, uma vez que a Lei n. 10.826/2003 foi silente no sentido de tipificar tal
comportamento, o que fez gerar uma divergência ampla de posicionamentos que,
ora afirmam prevalecer a mens legislatoris, ao promulgar dispositivos de perigo
abstrato e de mera conduta, ora defendem a atipicidade da conduta por não gerar a
arma desmuniciada efetivo risco de dano à incolumidade pública, objeto tutelado
pelo Estatuto do Desarmamento.
Trata-se, portanto, de um estudo baseado em observações jurisprudenciais
e em pesquisas bibliográficas e documentais, em que o método utilizado será o
método dedutivo, uma vez que se partirá do histórico e dos princípios gerais do
Direito Penal e Constitucional brasileiros para o conflito de posicionamentos contidos
nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, acerca da (a)tipicidade da conduta de
portar arma de fogo desmuniciada em território nacional.
13
Este trabalho encontra-se estruturado em três capítulos, imediatamente
seguidos de conclusão, acerca do tema central da pesquisa.
O
primeiro
capítulo
abordará
as
características
da
legislação
desarmamentista no Brasil, trazendo à baila, primeiramente, um breve histórico
sobre o porte ilegal de arma de fogo nas leis que regeram a matéria através dos
tempos sem, no entanto, a pretensão de esgotar a matéria.
Para tanto, tratar-se-á de destacar, já na atual legislação (Lei n.
10.826/2003), questões que a caracterizam como uma legislação desarmamentista,
como o objeto jurídico que tutela, as particularidades dos crimes de porte ilegal de
arma de fogo e suas distinções do delito de posse irregular de arma de fogo, bem
como se fará uma breve e sumária apresentação da divergência em relação a
tipificação, ou não, da conduta de portar armamento de fogo sem munição, em
âmbito doutrinário e jurisprudencial.
Já no segundo capítulo, para que se possa analisar com mais propriedade o
objeto da presente pesquisa, tratou-se de resgatar os principais princípios que
regem a matéria penal no Direito moderno, assim como necessário se fez abordar,
com o mesmo propósito, algumas classificações doutrinárias acerca dos tipos
penais, para uma melhor interpretação dos crimes contidos no Estatuto do
Desarmamento.
No terceiro e derradeiro capítulo, focou-se a exposição da divergência
propriamente dita,
em âmbito doutrinário e também jurisprudencial,
mais
especificamente na jurisprudência abarcada pelas Turmas julgadoras do Superior
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, acerca do tema objeto desta
pesquisa, ou seja, sobre a divergência de posicionamentos em relação à tipicidade
ou atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição em território
brasileiro, trazendo, ao final, uma abordagem crítica com foco no rumo a ser tomado
pela Jurisprudência da Suprema Corte.
Na conclusão, far-se-á um breve apanhado do conteúdo explanado ao longo
deste trabalho monográfico, com foco na doutrina e nas jurisprudências relacionadas
ao porte ilegal de arma de fogo sem munição, para, ao final, se analisar qual
caminho irá se destacar após os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal
sobre o assunto.
14
1 CARACTERÍSTICAS DA LEGISLAÇÃO DESARMAMENTISTA NO
BRASIL
Este trabalho monográfico tem sua razão de ser nas divergências de
posicionamento encontradas na doutrina brasileira, assim como também na
jurisprudência nacional, no que concerne à tipicidade, ou à atipicidade, da conduta
de portar ilegalmente arma de fogo sem munição.
Não obstante, primeiramente, faz-se necessário tecer alguns comentários
para uma melhor compreensão dos institutos contidos por detrás das condutas que
levaram o legislador pátrio a criminalizar o porte ilegal de arma de fogo, condutas
estas que são reguladas, atualmente, pela Lei n. 10.826/2003 1, mais conhecida
como Estatuto do Desarmamento.
Por se tratar de uma legislação recente no país, mas que possui um forte
apelo social e político no tocante ao seu conteúdo, ou seja, cadastro, controle e
repressão à utilização das armas de fogo, acessórios e munições em território
brasileiro, tanto é que há vários anos vem crescendo em importância no cenário
nacional, será pertinente, por primeiro, um conciso resgate histórico do porte ilegal
de arma de fogo no Brasil.
1.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO BRASIL
Preliminarmente, faz-se necessário conceituar arma de fogo, para que se
possa dar um preciso sentido ao que estabelecem os tipos penais do Estatuto
Desarmamento.
Arma de fogo, como regra geral, nada mais é do que um “instrumento
natural com o qual são disparados projéteis propelidos pela combustão da pólvora
1
A Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, também conhecida como Estatuto do Desarmamento:
Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema
Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação
Brasileira).
15
ou de outros explosivos”2. Ou ainda, em outras palavras, é um “dispositivo que
impele um ou vários projéteis através de um cano pela pressão de gases em
expansão produzidos por uma carga propelente em combustão” 3.
De uma forma mais completa, podemos melhor entender esse conceito ao
se observar o artigo 3º, inciso XIII, do Decreto n. 3.665, de 20 de novembro de 2000,
que regulamenta a fiscalização para produtos controlados:
Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação,
são adotadas as seguintes definições:
[...]
XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a
força expansiva dos gases gerados pela combustão de um
propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está
solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à
combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;4
Muitas são as razões para o ser humano utilizar armas e, contudo,
desenvolver armas de fogo, no entanto, é preciso se regular este uso para que a
ordem em sociedade não fuja ao controle do poder organizado estatal. Atualmente,
no Brasil, as condutas de portar ilegalmente arma de fogo de uso permitido ou de
portar arma de fogo de uso restrito são regidas pelos artigos 14 e 16,
respectivamente, da Lei n. 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, mas nem
sempre tais condutas tiveram tal enfoque perante o pensamento das pessoas em
sociedade e, consequentemente, sobre a legislação. 5
Desde os primórdios, quando a raça humana despontou para o mundo, o
homem, devido à sua inteligência, faz o uso de coisas, desviando-as de suas
finalidades naturais, utilizando-as a serviço de seus próprios fins. 6
A árvore deixa de buscar seus fins, para servir como casa ou
inúmeras modalidades de instrumentos; o algodão deixa de ser flor
2
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 02.
3
POLÍCIA FEDERAL. Cartilha de armamento e tiro da Polícia Federal. Disponível em:
<http://www.dpf.gov.br/servicos/armas/>. Acesso em 01 ago. 2012.
4
BRASIL. Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para a
Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. Acesso em: 03 nov. 2012. (Legislação
Brasileira).
5
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei
n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 03.
6
MENDONÇA, Jacy de Souza. O Direito Natural à Vida. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto
do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do
Brasil, 2004. p. 15.
16
para se transformar em tecido e roupas, etc., etc. Uma das
modalidades de aproveitamento da natureza é usá-la como arma,
para proteger-se contra agressões e preservar a vida e a integridade
física.7
Desta feita, desde tempos remotos, em que o ser humano fazia uso de
pedras como meio de ataque e defesa, os ensejos pelos quais se utilizava armas
sempre foram os mesmos, certo é que o homem necessitava de proteção contra as
intempéries da natureza, carecia caçar para se alimentar e se proteger de outros
agrupamentos humanos, para preservar a propriedade e também como forma de
dominação política e econômica perante os demais membros do grupo. 8
Foi justificado nesta necessidade de sobrevivência da raça humana que o
uso das armas de fogo se disseminou na sociedade, e, em especial, na sociedade
contemporânea, compreendida como o atual estágio da vida em coletividade, tendo
ascenso à uma proporção tão exacerbada em números e em poder de destruição,
que passou a ameaçar a própria sobrevivência da civilização como a conhecemos,
talvez, pela insaciedade da indústria armamentista. 9
As primeiras armas de fogo de que se têm notícias foram desenvolvidas no
século XIV, elas eram grandes e não podiam ser portadas. O primeiro grande
aperfeiçoamento veio a ocorrer a partir de 1425, quando o disparo destas armas foi
melhorado com a invenção da trava de mecha, ou seja, um pavio, normalmente um
cordão, que queimava muito lentamente, que era introduzido de forma a ficar em
contato com uma caçarola de escorva10, que disparava a carga principal quando
todo o pavio se queimava, tendo contato com a pólvora. 11
Por volta de 1500, uma invenção atribuída à Leonardo da Vinci veio a ser o
que após se tornou um grande avanço na corrida armamentista, ou seja, um projeto
7
MENDONÇA, Jacy de Souza. O Direito Natural à Vida. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto
do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do
Brasil, 2004. p. 15-16.
8
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas
de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre
Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo:
Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 38.
9
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas
de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre
Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo:
Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 38-39.
10
Escorva: “Orifício onde se punha a pólvora para dar fogo com as antigas armas.” DICIONÁRIO
PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/>. Verbete
“escorva”.
11
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 02.
17
de arma tipo “wheel-lock”, que usava um sistema de rodete12 ao invés do sistema
de trava de mecha, onde um tipo de pedra, a pirita, era envolta em um tecido ou
pedaço de couro, presa em uma espécie de pinça de duas garras, fixadas através
de um parafuso de aperto. 13 A partir disso, as armas de fogo sofreram um avanço
tecnológico cada vez mais apurado e técnico que lhes
permitiu maior
transportabilidade e capacidade de lesividade.
Em 1515 a carabina surgiu substituindo os antigos mosquetes utilizados pelos
soldados de infantaria; no século XVI nasceu o sistema de estriamento dos canos de
armas pequenas, oferecendo às munições um movimento rotatório quando do
disparo; o sistema de ignição-percussão foi inventado no século XIX, com cartuchos
com carga explosiva fixa; e, finalmente, chegou-se ao século XX, quando, com o
advento da segunda guerra mundial, passou-se à utilização de submetralhadoras e
rifles semi-automáticos.14
No entanto, mesmo que possa ser utilizada como meio de defesa e garantia
da sobrevivência individual, ou mesmo de outrem, uma arma de fogo sempre é
propositalmente projetada para ofender a integridade física de alguém e,
consequentemente, isto coloca em perigo a incolumidade pública. 15
Diante desse amplo desenvolvimento do poder de devastação, cada dia
maior, que as armas de fogo passaram a ser desenvolvidas, a sociedade organizada
começou a incompatibilizar-se, cada vez mais, com o uso descontrolado de armas
12
O sistema de rodete, também conhecido por “wheel-lock“, veio a substituir o sistema de mecha,
pois era mais moderno e rápido, uma vez que com o sistema de mecha era preciso ajustar
constantemente o comprimento do pavio (cordão) que era ligado ao orifício contendo a pólvora para
poder disparar o projétil pela queima do explosivo, o que poderia causar sérios problemas em um
confronto direto com o inimigo, sendo que o rodete, ou seja, um sistema que se assemelhava com
os usados atualmente em isqueiros à gás, que usava uma chave similar a utilizada para dar corda
em um relógio antigo, que girava a roda numa volta completa até ser travada pelo gatilho da arma,
era muito mais seguro e rápido ao seu portador. O que tinha que se fazer era carregar a arma como
de costume, colocando em seguida um pouco de pólvora em um orifício específico. O sistema
continha uma pequena pedra chamada de pirita que era posicionada sobre uma roda de ferro
serrilhada nas extremidades. Quando se puxava o gatilho, a roda era liberada e girava rapidamente
pela ação de uma mola. A pirita, pressionada sobre a lateral serrilhada da roda, causava faíscas que
detonavam a pólvora, liberando o projétil pelo efeito do explosivo. NETO, Carlos. Sistemas de
ignição de armas de fogo. Disponível em: <http://armasonline.org/armas-on-line/sistemas-deignicao-em-armas-de-fogo/>. 05 out. 2009. Acesso em: 01 ago. 2012.
13
NETO, Carlos. Sistemas de ignição de armas de fogo. Disponível em:
<http://armasonline.org/armas-on-line/sistemas-de-ignicao-em-armas-de-fogo/>. 05 out. 2009.
Acesso em: 01 ago. 2012.
14
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 02-03.
15
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78.
18
de fogo pela população e começou a exigir uma forma mais ativa do Estado que,
como estrutura racional designada a disciplinar e manter a boa convivência entre as
pessoas na coletividade, garantindo assim, à sociedade, a sobrevivência de seus
membros, a segurança individual e coletiva, a saúde, etc., enceta a impor normas
jurídicas para restringir o uso e a facilidade com que o cidadão adquire armas de
fogo.16
Para Guilherme de Souza Nucci, como já aludido, uma arma de fogo pode
ser utilizada tanto para salvar e proteger vidas, como para tirá-las e, portanto, cabe
ao Estado, como legítimo detentor da incumbência de zelar pela proteção do direito
individual fundamental à segurança pública, regular e restringir o uso e a
comercialização das armas de fogo pela população.17
Nessa seara, e no que se refere ao Brasil, Liliana Buff e Silva e Luiz Felipe
Buff e Silva afirmam que
No Brasil, desde o Código Criminal do Império, de 183018, já se
punia o uso ‘de armas offensivas, que forem proibidas’, com
pena mínima de 15 dias de prisão simples e multa correspondente à
metade do tempo, pena média de um mês e pena máxima de 60
dias, além da perda das armas (art. 297). Competia à Câmara
Municipal declarar quais as armas proibidas (art. 299 e Lei de
1.10.1828, art. 71), não incorrendo nas penas cominadas para
esta infração penal ‘os officiaes de justiça, andando em
diligencia; os militares de primeira e segunda linha e
ordenanças, andando em diligencia ou em exercício (...)’ e os
que obtivessem licença dos juízes de paz (art. 298).19 (sem grifos
no original).
Nesse diapasão, buscava-se punir, como crime, o uso e o porte das armas
que fossem consideradas proibidas. Assim sendo, adotando uma postura de
proteção da pessoa humana, o legislador também estabeleceu, na lei datada de
16
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 40.
17
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78.
18
BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 13 jan. 2012.
(Legislação Brasileira).
19
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41.
19
26/10/183120, punições de prisão com trabalho que variavam de 01 (um) a 06 (seis)
meses, ou o dobro, em casos de reincidência, também às condutas de portar sem as
devidas permissões e licenças outras espécies de armas, como pistolas,
bacamarte21, ou até mesmo facas com pontas, canivetes ou punhais, ou seja,
instrumentos perfurantes.22
Posteriormente, o Código Penal de 1890, discorrendo sobre a proibição do
uso de armas sem licença da autoridade policial, estabeleceu tal conduta como
contravenção penal que trazia pena de prisão celular que variava de 15 (quinze) até
60 (sessenta) dias.23
Apesar da tentativa do legislador de diminuir a criminalidade e restringir o
uso de armas de fogo pela sociedade, estas brandas sanções não eram eficazes
para cumprir com o intuito da legislação e, até o cidadão cumpridor das normas
jurídicas sentia-se influenciado a manter, mesmo que ilegalmente, uma arma de fogo
em sua residência, como forma de garantir, através do emprego da força, sua
segurança e de sua família. 24
A partir deste marco histórico, inúmeras legislações foram criadas em
complementação ao Código Penal de 1890 e, posteriormente, entrou em vigor a Lei
das Contravenções Penais de 1941 (Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de
194125), todas elas tratando as condutas do porte e do uso de armas de fogo como
meras contravenções.26
20
BRASIL. Lei de 26 de outubro de 1831. Prescreve o modo de processar os crimes publicos e
particulares e dá outras providencias quanto aos policiaes. Disponível em:
<http://ciespi.org.br/media/lei_26_out_1831.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira).
21
Bacamarte: “Arma de fogo de cano curto e largo, reforçada na coronha.” FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Editora
Positivo, 2008. p. 160. Verbete “bacamarte”.
22
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41.
23
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41-42.
24
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78.
25
BRASIL. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 12 jan.
2012. (Legislação Brasileira).
26
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 43.
20
Foi apenas em 1997 que o Governo Federal, pressionado pelos anseios da
população brasileira, na tentativa de reduzir a criminalidade e, com ela, os delitos
mais impactantes para a sociedade, produzidos, na maioria das vezes, mediante o
uso de armas de fogo, sancionou a Lei n. 9.437/1997 27, atualmente revogada,
tratando o porte ilegal de arma de fogo como crime e não como simplesmente uma
contravenção penal, assim como as legislações predecessoras que vinham
regulando a matéria.28
Vale destacar, assim como bem anotam Liliana Buff e Luiz Felipe Buff, que
tal legislação manteve em vigor o dispositivo do Decreto-Lei n. 3.688/1941,
conhecida como Lei das Contravenções Penais, que discorria sobre as armas
brancas, porém, tratando como crime e, consequentemente, punindo mais
severamente, a posse, o porte e o comércio de armas de fogo e munições. 29
No entanto, Damásio de Jesus explica que
A Lei n. 9.437/97, a chamada „Lei das Armas de Fogo‟ continha
inúmeros erros. Por isso, o legislador editou a Lei n. 10.826, de 22 de
dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), já em vigor, outra
vez dispondo sobre o registro, porte e comercialização de armas de
fogo, definindo delitos e disciplinando o Sistema Nacional de Armas
de Fogo (SISNARM).30
Também porque, com o advento da Lei n. 10.259/2001 31, que estabeleceu,
no âmbito da Justiça Federal, como crime de menor potencial ofensivo os delitos
com pena máxima in abstrato não superior a 02 (dois) anos, trazendo,
consequentemente, tal definição também para os crimes de alçada da Justiça
27
BRASIL. Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Institui o Sistema Nacional de Armas SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9437.htm>. Acesso
em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira).
28
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 03.
29
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41.
30
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 03.
31
BRASIL. Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais
Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10259.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012.
(Legislação Brasileira).
21
Estadual (Lei n. 9.099/199532), restou totalmente prejudicada a intenção do
legislador da Lei n. 9.437/97 de proteger a pessoa humana e restringir a
criminalidade armada, uma vez que o porte e o uso imprudente de armas de fogo
acarretam perigo à pessoa e, a partir deste momento, passou a ser considerado
delito de menor potencial ofensivo.33
Desse modo, assim como assinalam Liliana Buff e Luiz Felipe Buff, constatase
[...] que, basicamente a mesma inquietação que moveu o atual
legislador ao elaborar e aprovar o Estatuto do Desarmamento,
influenciou o legislador de mais de meio século atrás. Buscava-se
diminuir a violência não só a punindo, mas punindo igualmente, como
forma de prevenção, as condutas que pudessem possibilitar a sua
ocorrência.34
Destarte, percebe-se que a conduta de portar arma de fogo já se encontra
regulada pelo ordenamento jurídico brasileiro há muito tempo, passando por
períodos de menor e de maior repressão popular e legislativa e, atualmente, é
sobrepujada pela Lei 10.826/2003.
Assim, para que se possa adentrar mais aprofundadamente à análise das
características do Estatuto do Desarmamento é necessário, antecipadamente,
conhecer os fundamentos jurídicos em que se apoiou o legislador pátrio para
reprimir a conduta de portar arma de fogo em todo o território nacional.
1.2 OBJETO JURÍDICO TUTELADO PELO ESTATUTO DO DESARMAMENTO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz logo em seu
artigo 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana, nos seguintes
32
BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação
Brasileira).
33
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 42 e 44-45.
34
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 45.
22
termos: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana” 35.
Nesse sentido, a Lei Maior trouxe em seu artigo 5º, caput, uma série de
garantias fundamentais, sem as quais não se poderia sequer pensar em dignidade
humana, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]36. (Sem grifos
no original).
Desta feita, evidente está que a própria Carta Magna de 1988 destaca
alguns direitos fundamentais, inerentes e primordiais à sobrevivência e à boa
convivência em sociedade, como forma de garantir a todos o convívio em
coletividade perante um primado de ideal democrático, consubstanciado no princípio
da dignidade da pessoa humana.37
Isso porque, a ordem jurídica tem como finalidade proteger bens
juridicamente relevantes, os quais necessitam ser tutelados pelo Estado, motivo pelo
qual, se deve não somente punir agressões efetivas a tais direitos, mas também
preveni-las.38
Bens são, de uma forma muito ampla, tudo aquilo que nos é apresentado
como valioso, digno e necessário para nossa interação e convivência em sociedade,
ou seja, coisas materiais ou elementos imateriais que fazem parte, ou são inerentes
ao homem como ser vivente e que, de certa forma, por serem ambicionados,
almejados e disputados cotidianamente, necessitam ser protegidos, tutelados por
uma força maior, pois são suscetíveis à ataques e lesões. 39
35
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 jan.
2012. (Legislação Brasileira).
36
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 jan.
2012. (Legislação Brasileira).
37
Nesse sentido: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10.
38
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 45.
39
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 15.
23
No entanto, não são todos os bens que merecem a tutela do Direito Penal. 40
Conforme explica Francisco de Assis Toledo: “dentre o imenso número de bens
existentes, seleciona o direito aqueles que reputa „dignos de proteção‟ e os erige em
„bens jurídicos‟”41.
Maximiliano Roberto Ernesto Führer, discorrendo sobre a subsidiariedade do
Direito na proteção de bens jurídicos relevantes ensina que
No Estado Democrático a violência do Direito Penal somente pode
ser empregada subsidiariamente, em último caso, após esgotadas as
outras possibilidades (princípio da subsidiariedade), e no grau
mínimo necessário para alcançar seu fim, assim entendida a
proteção dos bens jurídicos indispensáveis para a manutenção da
vida em sociedade.42
Dentre tais direitos fundamentais, está o direito fundamental à segurança
pública, abarcado no artigo 5º, caput, acima transcrito, e regrado pelo artigo 144,
caput, ambos da Constituição Federal de 1988, que diz: “A segurança pública, dever
do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” 43. (grifou-se)
Assim, garantir o direito à segurança é dever do Estado e, ao contrário da
maioria dos demais direitos sociais, pertencentes ao homem como sujeito singular
no
seio
da
coletividade,
este
tem
à
própria
coletividade
como
titular,
consubstanciado na segurança e na paz pública dos indivíduos que convivem em
sociedade e a compõem.44
Com este entendimento e ciente de que as questões envolvendo armas de
fogo estão diretamente ligadas à questão da segurança social, Damásio Evangelista
de Jesus alerta que “nos delitos de porte de arma e figuras similares, a objetividade
40
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 417.
41
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 16.
42
FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. História do direito penal. (Crime natural e crime de
plástico). São Paulo: Editora Malheiros, 2005. p. 98.
43
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 jan.
2012. (Legislação Brasileira).
44
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 96.
24
jurídica principal pertence à coletividade (incolumidade pública, segurança coletiva),
sendo esse o seu traço marcante. 45
Portanto, como o legislador do Estatuto do Desarmamento procurou elevar
ao máximo a proteção da vida humana, o bem jurídico considerado mais importante,
tanto quanto pela antecipação da proteção, como pela generalização da mesma, dizse que o Estatuto do Desarmamento contém normas que visam à proteção da
incolumidade pública, ou seja, de bens jurídicos coletivos. 46
Não obstante, apesar de a maioria dos crimes descritos no Estatuto do
Desarmamento apresentarem a incolumidade pública, ou seja, a segurança pública,
tutelada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, como objeto
jurídico principal, imediato, nada impede que nos crimes de porte de arma de fogo e
correlatos possa haver uma objetividade jurídica secundária, uma vez que a Lei n
10.826/2003, protegendo interesses coletivos, acaba também resguardando,
secundariamente, interesses singulares, como a vida, a integridade corporal, a
saúde, etc47.
A seguir far-se-á uma melhor abordagem dos institutos contidos na Lei n.
10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, que tratam do porte ilegal de
arma de fogo em território nacional, bem como as distinções entre os tipos legais de
porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e de uso restrito e posse irregular de
arma de fogo de uso permitido e restrito.
1.3 O PORTE DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Nos últimos quinze anos modifificou-se substancialmente a realidade fática
no Brasil em relação às armas de fogo, pelas mudanças ocorridas nas tipificações
das condutas, que deixaram de ser tratadas como meras contravenções penais e
45
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 07.
46
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418.
47
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 07.
25
passaram a ser encaradas pelas legislações como crimes e, principalmente, com o
advento da Lei n. 10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, que dispôs
sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, passando a
ocorrer, desde então, um maior controle e repressão à circulação dessas armas no
território nacional.48
Inclusive, quando da promulgação do Estatuto do Desarmamento, o
legislador pátrio, assim como bem leciona Nucci, buscou
[...] proibir, por completo, o comércio de armas de fogo no Brasil,
invocando-se um referendo popular para aprovar ou desaprovar o
art. 35, caput, da Lei 10.826/2003. Em outubro de 2005, concretizouse o mencionado referendo e houve a rejeição da proibição do
comércio de armas e munições. É natural que toda medida de
caráter absoluto, mormente envolvendo direitos há décadas
consolidados, seja vista com desconfiança pela população, motivo
pelo qual não se admitiu a aprovação do art. 35.49
Uma vez desaprovado pela população brasileira o referido artigo 35 do
Estatuto do Desarmamento, restou regrar-se novas formas de consecução do porte
de armas de fogo, que, de acordo com a nova sistemática legislativa, ficou
estabelecido a partir da promulgação do Decreto n. 5.123, de 1º de julho de 2004,
que regulamentou a Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que o porte de arma
de fogo no Brasil será expedido pela Polícia Federal, com prévia autorização do
SINARM, habilitando, desta forma, a pessoa a trazer consigo a arma de fogo, para
pronto uso, caso haja necessidade. 50
Da mesma forma, o legislador deixou o controle de outras espécies de
armas, as chamadas de uso restrito, dentre outras, a cargo do SIGMA, o Sistema de
Gerenciamento Militar de Armas. 51
Com a previsão do SINARM e também do SIGMA no Estatuto do
Desarmamento, a intenção do legislador foi controlar com mais rigor e eficiência através destes Sistemas implantados desde a promulgação da Lei n. 9.437/1997,
48
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78.
49
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78.
50
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 432.
51
ZULTAUSKAS, Alexandre Muller. SINARM e SIGMA: Os procedimentos de aquisição, controle de
armas e suas consequências. Conteúdo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2012. Disponivel em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.37141&seo=1>. Acesso em: 29 ago. 2012.
26
porém, agora podendo contar com a interligação destes Órgãos - os registros dos
dados das armas de fogo que circulam no país, pois havia uma facilidade muito
grande de pessoas não autorizadas e capacitadas obterem armas de fogo,
acessórios e munições em decorrência das limitações dos sistemas de fiscalização
até então existentes, que ficava a cargo de cada Estado-Membro.52
O SINARM (Sistema Nacional de Armas), instituído no Ministério da Justiça,
no âmbito da Polícia Federal, é a estrutura destinada a exercer o controle, bem
como a fiscalizar os dados existentes das armas de fogo que circulam no território
brasileiro e, do mesmo modo que na Lei antecessora do Estatuto do Desarmamento,
Lei n. 9.437/97, foi trazido logo em seu artigo 1º, demonstrando sua importância no
combate ao uso indiscriminado de armas de fogo pela população, objeto este
merecedor de especial controle pelo Estado.53
Já quanto ao SIGMA – Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – trazido
no artigo 2º do Decreto regulamentador n. 5.123/2004, instituído no Ministério da
Defesa, no âmbito do Comando do Exército, a mens legislatoris foi criar uma
estrutura similar ao SINARM, para exercer o controle sobre tipos especiais de
armamentos54, ou seja, que mantivesse
O registro de todas as armas de fogo institucionais (Forças Armadas,
Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares, ABIN e Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República); dos
integrantes das instituições já denominadas; as importadas ou
adquiridas no país para fins de testes e avaliação técnica e as
obsoletas [...].55
Portanto, afora raras exceções legais, em momento mais oportuno
devidamente apontadas, o indivíduo abordado portando arma de fogo, acessório ou
munição sem o devido documento autorizador, expedido pela respectiva autoridade
competente, estará comendo um ilícito penal. Mas, cabe ainda distinguir, antes de
tudo, as condutas típicas de porte ilegal de arma de fogo e posse irregular de arma
52
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 61.
53
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 429.
54
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 61-62.
55
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 62.
27
de fogo, para então, posteriormente, partir-se para a exposição das particularidades
do Estatuto do Desamamento.
1.3.1 As distinções entre posse irregular e porte ilegal de arma de fogo,
acessório e munição
Diferentemente da legislação anterior que regulava a matéria (Lei n.
9.437/1997), o Estatuto do Desarmamento trouxe em seu artigo 12 a proibição de se
possuir ou guardar arma de fogo, acessório ou munição, sendo este último,
inclusive, um dos grandes requerimentos da doutrina, separando tais condutas de
outras que anteriormente eram trazidas em um mesmo dispositivo normativo. 56
Comparando os diplomas legais da Lei n. 9.437/1997 e a nova sistemática
trazida pela Lei n. 10.826/2003, Capez aponta que
A Lei n. 9.437/97 previa em seu artigo 10, caput, várias condutas
típicas, tais como possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender,
alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter,
empregar, manter sob sua guarda e ocultar arma de fogo. A todas
essas condutas cominava a mesma sanção penal. Assim, o
legislador punia a posse, o porte e o comércio de arma de fogo com
a mesma pena.57
Assim o fazendo, o legislador pátrio ao aplicar penas idênticas a situações
tão dessemelhantes, prevendo todas aquelas condutas em um mesmo dispositivo
normativo, optou por uma técnica legislativa um tanto quanto questionável, abrindo
mão do princípio da proporcionalidade das penas.58
Mas nem tudo pode ser criticável, pois com o advento da Lei n. 9.437/1997
e, principalmente, com sua posterior revogação pelo Estatuto do Desarmamento, Lei
n. 10.826/2003, percebeu-se uma sensível melhora para a segurança pública, uma
vez que à época em que portar uma arma de fogo sem nenhuma autorização legal
56
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 436.
57
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 384.
58
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 384.
28
era tida como mera contravenção penal, vivia-se uma situação caótica onde a cada
dia mais armas ilegais circulavam pelas ruas gerando assombrosos índices de
criminalidade armada.59
Realmente, naquele ano de 1997 o Governo Federal fez viger a Lei n. 9.437,
chamada de Lei das Armas de Fogo, no sentido de atualizar e modernizar nossa
legislação penal, com o intuito de reduzir a denominada criminalidade de massa,
como estava sendo chamada a crescente delinqüência urbana armada. 60
Como bem leciona Nucci, “a falsa aparência de segurança, de quem portava
arma, várias vezes, terminava em tragédia pelo uso indevido do instrumento
vulnerante em brigas de bar e em casas noturnas” 61, por exemplo.
A nova sistemática trazida pelo Estatuto do Desarmamento torna tão
burocrática e trabalhosa a obtenção do registro das armas de fogo que o cidadão
comum, ou seja, as pessoas que não vivem do crime para sobreviver, certamente,
irão, aos poucos, perdendo o interesse por adquirir tais armamentos bélicos, o que,
certamente, era a intenção do legislador da Lei n. 10.826/2003. 62
Quanto ao novo dispositivo legal da posse irregular de arma de fogo de uso
permitido, dispõe o artigo 12 do Estatuto do Desarmamento, ipsis litteris:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório
ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta,
ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o
responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.63
Percebe-se, com isso, que o Estatuto do Desarmamento inovou quando
trouxe no seu artigo 12 apenas as condutas típicas de possuir ou manter sob sua
guarda, sendo que as outras figuras nucleares contidas no artigo 10 e parágrafos da
59
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78.
60
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 03.
61
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78.
62
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 03.
63
BRASIL. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define
crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. Acesso em: 09 ago. 2012. (Legislação
Brasileira).
29
Lei n. 9.437/1997 passaram a ser objeto de normatização específica, com algumas
alterações, e outras foram abolidas. Além disso, o Estatuto do Desarmamento incluiu
em seu artigo 12 a figura típica consubstanciada na arma de fogo encontrada no
interior da residência do agente ou em seu local de trabalho, quando titular ou
responsável pelo estabelecimento, inseriu dois novos objetos materiais, ou seja,
acessório ou munição e aumentou a pena prevista in abstrato para 1 (um) a 3 (três)
anos de detenção e multa.64
Necessário observar que com esta majoração da pena in abstrato, o
Estatuto do Desarmamento deslocou também a competência para julgamento do
crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, uma vez que retirou da
esfera de competência dos Juizados Especiais Criminais tal incumbência – assim
como, anteriormente, quando regido pela Lei 9.437/1997, após o advento da Lei
10.259/2002 - e passou a ser do Juízo Comum Estadual, certo é que o artigo 61 da
Lei n. 9.099/1995 considera crime de menor potencial ofensivo e, portanto, sendo
competente o Juizado Especial Criminal para o julgamento das contravenções
penais e dos crimes cuja pena máxima in abstrato não seja superior a dois anos. 65
Portanto, como dito, a competência para o julgamento dos crimes de posse
irregular de arma de fogo, com a promulgação da Lei 10.826/2003, continuou a ser
da Justiça Comum Estadual, visto que o objeto jurídico tutelado pelo Estatuto do
Desarmamento, ou seja, a incolumidade pública, não diz respeito a nenhum
daqueles elementos contidos no artigo 109 da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, que trata da competência dos Juízes Federais para o
processamento e julgamento de determinadas matérias, com exceção do artigo 18
da Lei n. 10.826/2003, quando trata do tráfico internacional de arma de fogo.66
Isso porque, o simples fato de existir um controle dos registros e portes de
armas de fogo, em âmbito nacional, realizado pelo SINARM, órgão este submetido
ao comando do Ministério da Justiça, não obsta em nada esta competência
estadual, mesmo porque, é de responsabilidade do Estado-membro da Federação,
64
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 384-385.
65
SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de
armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN,
Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São
Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 43.
66
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 79.
30
por intermediação de suas polícias civil e militares, a manutenção da ordem
pública.67
Com o escopo de classificar, de forma detalhada, o crime de posse irregular
de arma de fogo de uso permitido, trazido no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003, Nucci
ensina que
É crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); mera
conduta [sic] (não depende da ocorrência de nenhum efetivo prejuízo
para a sociedade ou para qualquer pessoa); de forma livre (pode ser
cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (os verbos
indicam ações); permanente (a consumação se arrasta no tempo); de
perigo abstrato (a probabilidade de dano, com o mau uso da arma, é
presumida pelo tipo penal); unissubjetivo (pode ser cometido por uma
só pessoa); plurissubsistente (cometido por mais de um ato); admite
tentativa, embora de rara configuração.68
Também se trata de norma penal em branco, uma vez que as noções de
arma de fogo, acessório, munição e arma de fogo de uso permitido, assim como as
determinações e autorizações legais e regulamentares, ínsitas no tipo penal
incriminador, estão dispostas em outras normas. 69
Os conceitos de acessório de arma, arma de fogo e munição estão dispostos
no art. 3º, incisos II, XIII e LXIV, respectivamente, do Decreto n. 3.665/2000, que
assim estabelece
Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação,
são adotadas as seguintes definições:
[...]
II - acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita
a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito
secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma;
[...]
XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a
força expansiva dos gases gerados pela combustão de um
propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está
solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à
combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;
[...]
LXIV - munição: artefato completo, pronto para carregamento e
disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição,
67
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 79.
68
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 82.
69
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 436.
31
iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal;
exercício; manejo; outros efeitos especiais;70
Já quanto ao conceito de arma de fogo de uso permitido, este foi
restabelecido com o advento do Decreto n. 5.123, de 1º de julho de 2004, que
regulamentou a Lei n. 10.826/2003, vindo a substituir o inciso XVII do artigo 3º do
Decreto n. 3.665/200071, quando trouxe em seu artigo 10 que
Art. 10. Arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é
autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de
acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições
previstas na Lei nº 10.826, de 2003.72
Importante salientar que o tipo penal trazido no artigo 12 trata da pena
privativa de liberdade mais branda trazida pelo Estatuto do Desarmamento, uma vez
que outras condutas bem aproximadas, como por exemplo, a do porte ilegal de arma
de fogo de uso permitido, possui pena mínima in abstrato em dobro.73
O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido está contido no
artigo 14 da Lei 10.826/2003, que dispõe, ipsis litteris:
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter,
empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.74
70
BRASIL. Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para
a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. Acesso em: 21 ago. 2012. (Legislação
Brasileira).
71
Tal artigo definia que “arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em
geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército”. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. Acesso em: 21 ago. 2012.
72
BRASIL. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e
munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em: 09 ago.
2012. (Legislação Brasileira).
73
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 436.
74
BRASIL. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define
crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. (Legislação Brasileira).
32
Já quanto aos delitos de posse e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito,
que sofreram maior rigor repressivo da legislação, estão descritos no artigo 16 do
Estatuto do Desarmamento:
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em
depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.75
Não obstante, nos incisos I a VI do parágrafo único do artigo 16 da Lei n.
10.826/2003, se encontram as chamadas figuras equiparadas, ou seja, que prevêem
condutas de alteração ou supressão de algum sinal identificador das armas de fogo,
ou de modificação das características das armas de fogo, acessórios ou munições
para torná-las equiparadas com aquelas listadas no rol de armas de fogo, acessório
ou munição de uso proibido ou restrito.76 Tais dispositivos dispõem, ipsis litteris:
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de
identificação de arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la
equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de
dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial,
perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou
incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo
com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de
fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e
75
BRASIL. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define
crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. (Legislação Brasileira).
76
RIGHETTO, Luiz Eduardo Cleto. Leis penais especiais comentadas. Florianópolis: Editora
Conceito Editorial, 2010. p. 80.
33
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou
adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. 77
Portanto, denota-se que a principal distinção entre a posse irregular e o
porte ilegal de arma de fogo, acessório e munição, trazidos no Estatuto do
Desarmamento está, substancialmente, na ação daquele que possui arma de fogo,
acessório ou munição no interior de sua residência, ou em seu local de trabalho,
desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa, sem
que esta esteja registrada, o qual deve responder pelo artigo 12, ou 16, em caso da
arma estar com numeração raspada ou com sinal identificador suprimido, ou ainda,
tratando-se de arma, acessório ou munição de uso restrito. Isso porque, aquele que,
embora possuindo a arma registrada, a retira de sua residência para levá-la consigo,
sem a autorização da autoridade competente, estará incorrendo nas sanções do
artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, no caso de arma de fogo, acessório ou munição de
uso permitido, ou nas sanções do artigo 16 do referido diploma legal, em caso de
arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito.78
Essa distinção, inclusive, já restou explicitada no julgamento do Habeas
Corpus n. 87482/SP, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando o
Relator, Ministro Felix Fischer, com maestria afirmou que
[...] Não se pode confundir posse irregular de arma de fogo com o
porte ilegal de arma de fogo. Com o advento do Estatuto do
Desarmamento, tais condutas restaram bem delineadas. A posse
consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta)
ou no local de trabalho a arma de fogo. O porte, por sua vez,
pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de
trabalho.79
Expostas tais distinções, resta analisar os artigos 14 e 16, ambos da Lei n.
10.826/2003, que tratam, respectivamente, do porte ilegal de arma de fogo de uso
permitido e do porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.
77
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p.15.
78
PEREIRA, Marcelo Matias. Dos crimes de arma de fogo em espécie. Jus Navigandi, Teresina,
ano 9, n. 319, 22 maio 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5155>. Acesso em: 29
ago. 2012.
79
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus n. 87482, da Quinta Câmara da Seção
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, Quinta Turma. Relator:
Ministro Felix Fischer. Julgado em: 11/12/2007. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200701717709&dt_publicacao=10/03/2008>
. Acesso em: 03 ago. 2012.
34
1.3.2 O porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e o porte ilegal de arma
de fogo de uso restrito
No artigo 14 do Estatuto do Desarmamento acima transcrito, o legislador
tratou de prever as mesmas condutas trazidas no artigo 10 da Lei n. 9.437/1997, a já
revogada Lei das Armas de Fogo, com a exceção da posse, que passou a ser objeto
específico do art. 12 da nova Lei, e da fabricação, aluguel e exposição à venda de
armas de fogo, que integrou o art. 17, da Lei n. 10.826/2003. 80 Trata-se, portanto, de
crime de ação múltipla, uma vez que o artigo contém em seu núcleo vários verbos
tipificando as condutas. 81
Além disso, o novo dispositivo tratou de empregar dois novos objetos
materiais ao crime de porte ilegal, quais sejam, os acessórios de arma de fogo e as
munições de arma de fogo, ambos de uso permitido, aumentando, inclusive, a pena
in abstrato, que passou a ser de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão, e multa. 82
Com isso, verifica-se que os limites mínimos e máximos das penas impedem
o oferecimento dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do
processo, dispostos nos artigos 76 e 89, ambos da Lei n. 9.099/1995, porém, no
entanto, nada impede a aplicação de pena restritiva de direitos ao agente infrator.83
Já no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, existe uma equiparação das
condutas descritas nos artigos 12 e 14, do referido diploma legal, inclusive, com
sanções de maiores gravidades, quando tais condutas envolverem armas de fogo,
acessório ou munição de uso restrito. 84
80
CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3.
ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 88-89.
81
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 449.
82
CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3.
ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 89.
83
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 448.
84
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 469.
35
Por sua vez, arma de fogo de uso restrito teve sua especificação trazida pelo
artigo 11 do Decreto n. 5.123/2004, que regulamentou o Estatuto do Desarmamento,
que assim apregoa
Art. 11. Arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das
Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas
físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo
Comando do Exército, de acordo com legislação específica.85
Portanto, verifica-se que igualmente como procedeu com o crime do artigo
14 da Lei n. 10.826/2003, o legislador manteve as mesmas condutas do antigo artigo
10 da Lei n. 9.437/1997, com exceção da fabricação, aluguel e exposição à venda
da arma de fogo realizada no exercício da atividade comercial ou industrial, que se
trata do novo artigo 17 do Estatuto do Desarmamento, além de ter inserido o novo
objeto material, ou seja, munição de uso restrito e, aumentado a pena in abstrato
para 03 (três) a 6 (seis) anos de reclusão.86
1.4 APRESENTAÇÃO DA DIVERGÊNCIA QUANTO A (A)TIPICIDADE DA
CONDUTA DE PORTAR ILEGALMENTE ARMA DE FOGO SEM MUNIÇÃO
Os artigos 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento contêm tipos penais que
geraram, desde sua promulgação, grande discussão, tanto na doutrina como na
jurisprudência. Uma dessas divergências, objeto desta pesquisa, gira em torno de
saber se o agente, abordado portando arma de fogo, que em princípio se amoldaria
aos tipos penais acima citados, o faz de modo a não possuir munição ao alcance
para municiar tal objeto vulnerante, estaria ele perfectibilizando ou não o crime de
porte ilegal de arma de fogo. 87
Essa divergência se expande pela doutrina e também pela jurisprudência,
uma vez que ainda não se têm uma visão consolidada se na hipótese do agente,
85
BRASIL. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e
munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em: 09 ago.
2012. (Legislação Brasileira).
86
CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3.
ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 114-115.
87
DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB
de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 200.
36
abordado portando arma de fogo desmuniciada, estaria configurado o crime de porte
ilegal de arma de fogo, por se tratar de normas de mera conduta e perigo abstrato,
se nunca configuraria tais delitos, pela falta da potencialidade ofensiva, ou mesmo
por falta do objeto material da norma, ou ainda, numa terceira posição, só estaria
configurado tal delito caso o agente não tenha registro ou porte de arma de fogo
expedido pelas autoridades competentes.88
Na doutrina, se destacam posicionamentos como o de Nucci, Delmanto e
Capez, por exemplo, defensores da tipicidade da conduta de portar ilegalmente arma
de fogo desmuniciada, por entenderem tais doutrinadores que o Estatuto do
Desarmamento tratou de delitos de mera conduta e de perigo abstrato. 89
Também porque, por tentar regular normas que protegem a incolumidade
pública, o legislador teria previsto formas de se burlar a lei e, por este motivo, editou
regra de mera conduta, pois, por exemplo, o agente poderia muito bem portar arma
de fogo sem munição sem que, com isto, estivesse reduzido o risco para a
sociedade, uma vez que, em determinado ponto de sua trajetória, onde se
encontrasse uma vítima em potencial, poderia ele conseguir a munição das mãos de
um comparsa e praticar crimes com o emprego de tal arma. 90
No entanto, esse posicionamento não é unânime, mesmo dentre os
doutrinadores que entendem pela tipicidade da conduta do porte de arma sem
munição, como no caso de Capez, pois mesmo ao aplicar sanções a fatos puníveis
penalmente e tidos como típicos, na essência, deve haver no espírito do julgador,
um
bom
senso,
ao
empregar
princípios
como
o
da
razoabilidade,
da
proporcionalidade das penas e da intervenção penal mínima, nos casos em que se
torna impossível vislumbrar perigo na conduta do agente, como por exemplo, o
indivíduo que leva uma arma, desmuniciada, de uma propriedade para a outra,
dentro de um baú, cadeado, no porta malas do veículo, pois na hipótese, há em grau
88
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 452-453.
89
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009; CAPEZ, Fernando. Curso de direito
penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012; DELMANTO, Roberto;
DELMANTO JUNIOR, Roberto; ALMEIDA DELMANTO, Fabio Machado de. Leis penais especiais
comentadas. Editora Renovar, 2006.
90
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 87.
37
muito maior a possibilidade de estarmos frente a um caso in concreto de crime
impossível (art. 17 do CP), do que de um fato punível.91
Em contrapartida, há os que defendem a atipicidade do porte, mesmo que
ilegal, de arma de fogo sem munição, por não haver na conduta de quem porta arma
desmuniciada sem a possibilidade de pronto carregamento e, consequentemente,
utilização da arma para o fim a que se destina (produzir disparo), a afetação ao bem
jurídico tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, ou seja, não se verifica lesão
efetiva ou potencial perigo de lesão na ação daquele que porta arma sem munição,
por tratar-se de objeto (arma de fogo) que, desmuniciado, produz menos perigo do
que, por exemplo, uma faca.92
Em uma terceira corrente doutrinária, verifica-se, por exemplo, os
ensinamentos de Junqueira e Fuller, para os quais a conduta de portar arma de fogo
sem munição apenas se torna tipicamente punível quando contraria os expressos
objetivos da Lei n. 10.826/2003, ou seja, quando viola o controle estatal sobre a
circulação de armas no território brasileiro, ou quando afronta a mens legislatoris de
impedir que pessoa sem capacidade físico-psíquica porte arma de fogo para pronto
uso.93
Nesse diapasão, a conduta seria típica somente nos casos de porte de arma
de fogo desmuniciada e sem registro, pois se o agente portar arma de fogo
desmuniciada, no entanto, devidamente registrada, não há que se falar em tipicidade
da conduta e, consequentemente, seu enquadramento nos artigos 14 ou 16 do
Estatuto do Desarmamento, visto que, com o registro, não se afronta o controle do
Estado sobre a circulação das armas no território nacional e, estando a arma sem
munição e o agente não possuindo meios imediatos de municiá-la, não há risco
concreto nem perigo de afetação à incolumidade pública, pois o indivíduo fica
91
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 377-379.
92
Cf. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal
da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007; DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada.
Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov.
2009.
93
Cf. JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal
especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008.
38
impedido de acessar o poder vulnerante do objeto bélico, para a produção de
disparo, finalidade esta para a qual foi fabricada. 94
Divergência também há no posicionamento dos Tribunais brasileiros, em
especial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e no do Supremo Tribunal
Federal, que mais adiante receberão apreciação em tópicos específicos sobre a
matéria. Tal dissonância jurisprudencial pode ser claramente verificada, por
exemplo, nos julgados que seguem (de Tribunais de Justiça), ora tratando da
atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição, ora condenando tal
ação:
PENAL E PROCESSUAL PENAL - ARTIGO 14 DA LEI Nº 10.826⁄03
- ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DE ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA
- IMPOSSIBILIDADE - ERROR IN PROCEDENDO CONFIGURADO
- ARMA DESMUNICIADA QUANDO DA OCORRÊNCIA DA
APREENSÃO - ATIPICIDADE DO FATO - INEXISTÊNCIA DE
DANO - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - ARTIGO 386, INCISO III,
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RECURSO CONHECIDO E
IMPROVIDO.
1. A conduta inserta no artigo 14 da Lei nº 10.826⁄03 não foi
abrangida pelo período de vacatio legis previsto na referida lei
federal. 2. Apenas os delitos elencados nos artigos 12 e 16 do
mesmo diploma legal ficaram condicionados à edição de uma nova
regulamentação, somente tendo eficácia após o dia 23 de outubro de
2005, considerando-se os atos praticados neste período de vacatio
legis como atípicos, gerando assim uma espécie de abolitio criminis
temporária, resultando configurado, pois, in casu, o error in
procedendo do magistrado sentenciante, sob o prisma por ele
abordado. 3. Não se tem como configurado o delito tipificado no
artigo 14 da Lei nº 10.826⁄03, quando ausentes as provas de
ofensa à incolumidade pública, face informes dando conta de
que a arma de fogo apreendida encontrava-se desmuniciada,
não causando perigo efetivo à segurança das pessoas, haja
vista a inviabilidade do uso imediato da arma e a sua capacidade
de ocasionar danos. 4. Absolvição que se impõe. 5. Recurso
conhecido e improvido. 95 (Sem grifos no original).
APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE
USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003). APREENSÃO
DE UMA ESPINGARDA CALIBRE 36, QUE O ACUSADO
PORTAVA SEM AUTORIZAÇÃO E EM DESACORDO COM
DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. RECURSO
94
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p.456.
95
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Apelação Criminal n. 014.05.011267-2,
de Colatina. Relator: José Luiz Barreto Vivas. Julgado em: 15/08/2006. Disponível em:
<http://www.tjes.jus.br/consulta/cfmx/portal/Novo/det_jurisp.cfm?edProcesso=014050112672&CFID=
889551&CFTOKEN=372c40ea389ab49e-4ACA9017-D2AD-9795-D4B2FD169BBAE4A2>. Acesso
em: 13 out. 2012.
39
DEFENSIVO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. INACOLHIMENTO.
MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS.
IRRELEVÂNCIA DE A ARMA ESTAR DESMUNICIADA. CRIME DE
MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. SENTENÇA
IRRETOCÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO
PROVIDO.96 (Grifei).
Tais dissensões não são as únicas existentes, e, por isso, em momento mais
oportuno retornar-se-á a se abordar sobre o assunto, pois para que se possa
analisar com mais propriedade estes posicionamentos desarmônicos entre si,
preliminarmente,
se
faz
necessário
a
observação
de
alguns
princípios
constitucionalmente relevantes na esfera penal, que devem fazer parte da análise de
cada caso in concreto quando o assunto envolver as condutas descritas na Lei n.
10.826/2003.
96
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2009.060612-2,
de Chapecó. Relator: Desembargador Substituto Tulio Pinheiro. Julgado em: 23/03/2010. Disponível
em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000F2KL0000&nuSeqProcesso
Mv=null&tipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=2257777&pdf=true>. Acesso em:
13 out. 2012.
40
2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS REFERENTES À
MATÉRIA E DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES
Assim como os demais ramos do ordenamento jurídico brasileiro, o Direito
Penal está abalizado em princípios jurídicos, que derivaram, com o passar do tempo,
de valores éticos, morais e culturais da coletividade, que se destacaram e passaram
a reger a vida em sociedade. 97
Quando se fala, etimologicamente, em princípio, têm-se vários significados,
dentre os quais, início, momento da origem de determinada coisa, ou causa primária,
e, juridicamente falando, não se pode fugir destes entendimentos, tendo-se como
conceito de princípio a indicação de “uma ordenação que, se irradia e imanta os
sistemas de normas, servindo de base para a interpretação, integração,
conhecimento e aplicação do direito positivo”.98
Prado, ao comentar sobre a importância e atuação dos princípios nos
diversos ramos do direito brasileiro e, em especial, no direito penal, delimita que
A Constituição, como marco fundante de todo o ordenamento
jurídico, irradia sua força normativa para todos os setores do Direito.
Todavia, tem ela particular e definitiva influência na seara penal.
Isso porque cabe ao Direito Penal a proteção de bens e valores
essenciais à livre convivência e ao desenvolvimento do indivíduo e
da sociedade, insculpidos na Lei Fundamental, em determinada
época e espaço territorial. A relação entre a Constituição e o
subsistema penal é tão estreita que o bem jurídico-penal tem naquela
suas raízes materiais.99
Sendo assim, como a Lei n. 10.826/2003 regula condutas típicas por força
de valores morais e éticos insculpidos pelo desenvolvimento do caráter humano na
Constituição Federal de 1988, protegendo a incolumidade pública brasileira, faz-se
pertinente destacar alguns dos basilares princípios constitucionais penais que regem
a matéria, sem nenhum descrédito para os demais princípios aqui não abordados.
97
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 130.
98
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 43.
99
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 56.
41
2.1 PRINCÍPIOS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO ESTATAL
O poder que o Estado possui de aplicar punições àqueles que contrariam
suas normas penais foi sofrendo mudanças em suas finalidades com o passar dos
tempos, passando por momentos em que seu escopo era a providência divina, ora a
retribuição punitiva, ou o castigo, a prevenção geral e específica e, modernamente,
com o surgimento do Estado Democrático de Direito, a garantista, teoria esta de
Luigi Ferrajoli, pela qual se busca o emprego da punibilidade estatal sob o ponto de
vista social e não apenas formal, influenciando, desta forma, o direito penal a buscar
a proteção da sociedade, mas também resguardando os direitos individuais do
agente infrator. 100
No Brasil, com a criação do Estado democrático de direito, foi modelado um
sistema jurídico que apregoa a igualdade entre todos; no entanto, esta igualdade é
meramente formal, ou seja, ela existe perante a lei, mas não no mundo real, campo
de atuação da teoria garantista, segundo a qual o Estado deve punir no intuito de
manter a ordem pública e aplicar penas para ressocializar o agente infrator, uma vez
que é de suma importância a criação de normas que regulamentem um bom
convívio social, mas não sendo admissível o extremo e ilimitado direito de punir do
Estado.101
Nesse sentido, reconhece-se que toda pessoa, como sujeito singular, capaz
de se decidir por si mesmo, pode ser responsabilizada pelos seus próprios atos, mas
também se reconhece que o Estado não poderá intervir no âmbito da vida privada
dos seus cidadãos, sem que haja uma expressa autorização para tanto.102
Em outras palavras, a criação do Estado Democrático de Direito influenciou
a ascensão de alguns princípios que valorizaram sobremaneira o individuo e
limitaram o poder punitivo estatal, ganhando força no âmbito penal a partir da
constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana, que serviu de
100
NERY, Kedma Carvalho Varão. Características intrínsecas do poder punitivo estatal.
Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6099>. Acesso em: 05 set.
2012.
101
CONCEIÇÃO, Denise Carmen Ribeiro. Garantismo Penal: noções e relevância social na
aplicação na justiça. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 19 dez. 2008. Disponível em:
<www.investidura.com.br/ufsc/35-direitopenal/2242>. Acesso em: 05 set. 2012.
102
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 47-48.
42
parâmetro para o surgimento destes princípios, direcionados principalmente para os
legisladores pátrios e os aplicadores do Direito, que ao elaborar e aplicar as leis
devem analisar os anseios e a valorização social das penas impostas. 103
Bitencourt, ao comentar sobre estes princípios reguladores do controle
penal, também conhecidos como princípios fundamentais de garantia do cidadão,
salienta que
Todos estes princípios são garantias do cidadão perante o poder
punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de
1988. Eles estão localizados já no preâmbulo da nossa Carta Magna,
onde encontramos a proclamação de princípios como a liberdade,
igualdade e justiça, que inspiram todo o nosso sistema normativo,
como fonte interpretativa e de integração das normas constitucionais,
orientador das diretrizes políticas, filosóficas e, inclusive, ideológicas
da Constituição, que, como consequência, também são orientativas
para a interpretação das normas infraconstitucionais em matéria
penal.104
Resta salientar que nenhum dos princípios que limitam a atuação punitiva do
poder estatal pode ser aplicado de forma absoluta, pois se fossem admitidos como
regras de valores absolutos, a operacionalidade do poder punitivo do Estado sofreria
uma radical redução, por isso a elaboração destes princípios é transitória e
perfectível, sendo seus enunciados marcos fundantes a partir dos quais se faz
necessário avançar em sua realização e, consequentemente, na contenção do poder
punitivo, uma vez que não se pode admitir que tais princípios sejam considerados
apenas como meramente orientadores dos operadores do Direito, nem, muito
menos, aceitar que o poder punitivo viole a Constituição Federal ou os Direitos
Internacionais, devendo, portanto, serem incorporados no sistema jurídico. 105
Visto isso, passamos a abordar os mais relevantes, para este trabalho.
Princípios Fundamentais de Direito Penal em um Estado Social e Democrático de
Direito.
103
NERY, Kedma Carvalho Varão. Características intrínsecas do poder punitivo estatal.
Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6099>. Acesso em: 05 set.
2012.
104
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 47.
105
ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro – I. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora
Revan, 2006. p. 200-201.
43
2.1.1 Princípio da legalidade e da reserva legal
O poder punitivo do Estado na repressão dos delitos tem o condão de atingir
direitos tão intrínsecos e, por isso mesmo, fundamentais das pessoas, que deve ter
o caráter de ser o último recurso estatal de punição, por tal motivo, impõe-se a
necessidade de se buscar um princípio que limite este domínio punitivo estatal e que
aprisione sua aplicação em limites que afastem toda arbitrariedade e exagero que
possa existir no ato punitivo do Estado.106
Ao explanar sobre o marco fundante e os principais aspectos que
impulsionaram o princípio da legalidade através da história, Fernando Capez ensina
que
Tal princípio foi traduzido na conhecida fórmula em latim nullum
crimen, nulla poena sine praevia lege por Paul Johann Anselm Von
Feuerbach (1775-1833), considerado o pai do direito penal moderno.
Originalmente, surgiu pela primeira vez na Magna Charta Libertatum,
documento de cunho liberatório imposto pelos barões ingleses ao Rei
João Sem Terra, no ano de 1212. Seu art. 39 previa que nenhum
homem livre poderia ser submetido a pena não prevista em lei local.
Constou também da Constituição Carolina germânica de 1532.
Entretanto, foi só no final do século XVIII, já sobre influência do
Iluminismo, que o princípio ganhou força e efetividade, passando a
ser aplicado com o objetivo de garantir segurança jurídica e conter o
arbítrio. Em 1762, com a Teoria do Contrato Social, de Rosseau, o
princípio da legalidade teve um grande impulso: o cidadão só
aceitaria sair de seu estado natural e celebrar um pacto para viver
em sociedade, se tivesse garantias mínimas contra o arbítrio, dentre
as quais a de não sofrer punição, salvo nas hipóteses previamente
elencadas em regras gerais, objetivas e impessoais. [...] Com a
Revolução Francesa, acabou consagrado na Declaração de Direitos
do Homem, de 26 de agosto de 1789, em seu art. 8º, vindo também
a constar da Constituição daquele país. A Teoria da Separação dos
Poderes, preconizada por Montesquieu, contribuiu decisivamente
para impedir que o juiz, ursupando função própria do Legislativo,
considerasse condutas assim não contempladas pelo legislador. 107
A partir da ideia de liberdades públicas, o princípio da legalidade veio a se
espalhar pelos mais importantes diplomas legais proclamadores dos direitos
humanos, como no Bill of Rights, das colônias inglesas na América do Norte, na
106
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 48.
107
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 39.
44
Declaração Universal dos Direitos dos Homens, durante a Revolução Francesa, etc,
se difundindo para vários países.108
No Brasil, todas as Constituições abrigaram o princípio da legalidade, desde
a Constituição Imperial de 1924 até a atual Carta Magna, que o prescreveu em seu
art. 5º, inciso XXXIX.109
Tal princípio constitucional fundamenta-se politicamente na função de
garantia da liberdade subjetiva do cidadão frente à intervenção arbitrária do Poder
Estatal, como limitador deste poder punitivo.110
Nossa Constituição vigente trouxe em seu texto, praticamente, uma
reprodução do que já descrevia o artigo 1º do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de
dezembro de 1940, o Código Penal brasileiro, estabelecendo-se em norma básica
do Direito Penal moderno. 111
Por ser um princípio que não admite exceções, somente negado por regimes
totalitários, o princípio da legalidade representa em nosso ordenamento jurídico uma
conquista da consciência jurídica sobre a tirania de outrora, podendo-se dizer que
por tal princípio é garantido aos cidadãos brasileiros que ninguém será punido por
pena criminal e nem poderá existir crime, sem que, previamente, exista uma lei
definindo essa conduta como tal e, consequentemente, cominando-lhe uma
sanção.112
Portanto, sob o aspecto jurídico do princípio da legalidade, somente estarse-á diante de uma conduta criminosa e, portanto, punível penalmente, quando
determinada ação humana se enquadrar perfeitamente na descrição anteriormente
definida por lei.113
Tal fundamento se tornou ainda mais evidente com a chamada teoria de
Binding, que apregoa que normas penais incriminadoras são descritivas e não
proibitivas, pois quando uma conduta previamente descrita como crime é praticada,
108
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 21-22.
109
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 40.
110
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 145-147.
111
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a
120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 117.
112
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 49.
113
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 40.
45
não é assim realizada contra a lei, mas sim segundo ela, pois os tipos penais são
pormenorizadamente definidos pelo legislador em modelos legais, cabendo a ele
deixar claro na legislação que tal conduta é criminosa, definindo os crimes e não os
proibindo.114
Ao comentar sobre as leis vagas, indeterminadas ou imprecisas e a tentativa
de se minimizar tais ocorrências, mediante a aplicação do princípio da legalidade e
sua imposição ao legislador, como garantia material à segurança jurídica do sistema
penal, Bitencourt afirma que
O princípio da legalidade exige que a norma contenha a descrição
hipotética do comportamento proibido e a determinação da
correspondente sanção penal, com alguma precisão, como forma de
impedir a imposição a alguém de uma punição arbitrária sem uma
correspondente infração penal.115
No entanto, o legislador não pode utilizar-se de outras formas de normas
para cominar penas e sanções, tipificando condutas em matéria penal, senão por
intermédio de lei formal, sendo vedada, portanto, a criação de condutas penais
típicas por medida provisória, decretos, ou mediante qualquer outra forma
legislativa.116
É o chamado princípio da reserva legal, que define que determinada matéria
somente poderá ser regulada por intermédio de lei formal, na forma estabelecida
pela Constituição Federal, que, previu em seu art. 22, inciso I, que somente a União
pode legislar sobre matéria de direito penal em território nacional. 117
Esta exclusividade que possui a União como único detentor do poder
normativo em sede de direito penal decorre da sua representatividade popular,
consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Magna de 1988, o que
representa para o cidadão uma tutela necessária em face da seriedade da sanção
penal frente ao direito individual de liberdade.118
114
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 40.
115
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51.
116
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 31.
117
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 49.
118
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 134-135.
46
O princípio da legalidade, portanto, é um importe limitador do poder punitivo
do Estado, no entanto, respeitando-se o princípio da reserva legal, o Estado não fica
por ele impedido de criar normas injustas ou que sancione punições atrozes e
degradantes, sendo preciso outro princípio para limitar tais hipóteses, o princípio da
intervenção mínima.119
2.1.2 Princípio da intervenção penal mínima
O Estado ao punir o agente também causa um prejuízo social, e é por este
motivo que a intervenção penal deve ser admitida apenas quando a conduta, a
reprovabilidade da atitude do agente, ou o mal causado por elas, se consubstanciar
num prejuízo ainda maior à coletividade, se o Estado não interviesse na vida
particular deste agente, pela necessidade de elevar a proteção à coletividade.120
O princípio da intervenção mínima, também chamado de princípio da
subsidiariedade, pressupõe que o Estado apenas poderá punir condutas que vierem
a colocar em risco ou lesionarem bens jurídicos imprescindíveis à paz social dos
homens, consubstanciando na última razão da lei, bens tais que não podem ser
suficientemente protegidos por outras formas, menos gravosas, de proteção estatal,
uma vez que a sanção penal reveste-se de especial gravidade, impondo grandes
restrições aos direitos fundamentais das pessoas.121
Tal princípio surgiu com a Declaração dos Direitos do Homem do Cidadão,
em 1789, quando aquele documento culminante da Revolução Francesa trouxe em
seu art. 8º que a lei deveria somente prever penas que fossem estritamente
necessárias.122
119
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51.
120
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a
120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 108.
121
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 145-147.
122
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 17.
47
Apesar disso, Bitencourt alerta que vivenciamos, desde a segunda década
do século XIX, um crescente aumento na incidência de normas penais
incriminadoras, o que vem alarmando penalistas do mundo inteiro e, nos dias atuais
Os legisladores contemporâneos, nas mais diversas partes do
mundo, têm abusado da criminalização e da penalização, em franca
contradição com o princípio em exame, levando ao descrédito não
apenas o Direito Penal, mas a sanção criminal, que acaba perdendo
sua força intimidativa diante da „inflação legislativa‟ reinante nos
ordenamentos positivos.123
Também por isso, o princípio da intervenção penal mínima possui dois
destinatários principais, o primeiro sendo o legislador, que deve possuir demasiada
cautela na criação de condutas típicas que venham a produzir maior infortúnio social
do que as ações contra os bens que a norma tenta proteger e, o segundo, o
operador do Direito, que deve evitar proceder ao enquadramento típico quando
perceber que as demais barreiras protetoras do bem jurídico, atuantes em outros
ramos menos agressivos do ordenamento legal, já foram suficientes para resolver a
contenda.124
Em suma, quando se admite a proteção subsidiária do Direito Penal aos
bens jurídicos, limitando-se, portanto, o ius puniendi estatal, se avança rumo à uma
maior restrição no âmbito da incidência do poder punitivo, uma vez que este caráter
subsidiário da proteção penal implica em somente admitir a penalidade coerciva para
prevenir situações mais graves de agressões aos bens jurídicos relevantes,
naqueles casos em que outras medidas extrapenais se mostram ineficazes a esta
finalidade.125
2.1.3 Princípio da fragmentariedade
Consequência necessária dos princípios da legalidade e da intervenção
penal mínima, o princípio da fragmentariedade do Direito Penal estabelece que a
123
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 53.
124
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 19.
125
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 53.
48
essência da lei penal em um Estado Democrático de Direito é, justamente, tratar de
regular apenas uma pequena fração de ilícitos, tidos como de alta perniciosidade à
sociedade, deixando os menos graves para outros ramos do Direito, como, por
exemplo, o administrativo, o civil, o tributário, etc, que, devem reger condutas menos
graves, causando, consequentemente, um mal menor ao seu autor. 126
Significa dizer que, pelo primado do princípio da fragmentariedade, também
conhecido como princípio da essencialidade, a proteção dos bens jurídicos pelo
Direito Penal não deve e nem pode ser absoluta, pois apenas os bens jurídicos
essenciais ao escopo da paz social, àqueles considerados como os mais
importantes, devem ser tutelados na esfera penal, visto a existência de todo um
ordenamento jurídico para se ocupar dos demais.127
Bitencourt, ao lembrar-se dos ensinamentos de Muñoz Conde sobre o
caráter fragmentário do Direito Penal, afirma que este se apresenta sob três
aspectos a serem destacados:
[...] em primeiro lugar, defendendo o bem jurídico somente contra
ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e
tendências, excluindo a tipicidade da prática imprudente de alguns
casos; em segundo lugar, tipificando somente parte das condutas
que outros ramos do Direito consideram antijurídicas e, finalmente,
deixando, em princípio, sem punir ações que possam ser
consideradas como imorais, como a homossexualidade, a
infidelidade no matrimônio ou a mentira. 128
Destarte, nem toda conduta lesiva à bem jurídico deve merecer sanção pelo
Direito Penal, apenas aquelas com o condão de gravemente expor a risco a paz
social, tidas como mais graves e perigosas, praticadas contra os bens jurídicos mais
importantes.129
126
DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários,
jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 106.
127
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 143.
128
CONDE, Muñoz apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17.
ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 54.
129
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 54.
49
2.1.4 Princípio da insignificância
Originário do ramo civilista do Direito Romano, o princípio da insignificância,
também conhecido como princípio de bagatela, se funda no brocardo jurídico de
minimis non curat praetor, ou seja, o pretor (juiz) não se preocupa com coisas
insignificantes, e foi introduzido no Direito Penal por Claus Roxin, no ano de 1964,
como meio de cumprir com os escopos da moderna política criminal, para o
cumprimento dos objetivos sociais.130
Segundo o princípio da insignificância, cuja acepção se desvenda
inteiramente por sua própria denominação, pelo caráter fragmentário que possui o
Direito Penal, este não pode ir além do que estritamente necessário para a devida
proteção do bem jurídico tutelado, não devendo se ocupar de insignificâncias. 131
Tal princípio está intimamente fundamentado nos princípios constitucionais
da intervenção mínima do Direito Penal e da proporcionalidade das penas em
matéria penal, no que se refere à gravidade da conduta criminosa praticada, por ser
instrumento de interpretação restritiva do poder punitivo do Estado, através do qual
se alcança os fins de uma política criminal de descriminalização de condutas que,
embora legitimamente enquadradas em tipos penais previamente definidos pela
legislação, não merecem ser sancionadas por não atingirem de forma relevante o
bem jurídico tutelado. 132
Destarte, isso significa dizer que, mesmo o indivíduo agindo de acordo com
uma conduta validamente típica, a prática de tal ilícito causa uma lesão ao bem
jurídico que, ao se mostrar tão ínfima, acaba por não justificar a sanção penal
descrita para o tipo penal infringido, devendo o magistrado julgar, no caso in
concreto, apoiado no princípio da insignificância, de forma a excluir a tipicidade da
conduta praticada pelo agente. 133
130
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 11.
131
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 133.
132
DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários,
jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 114.
133
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 154.
50
Não se pode confundir a irrelevância ou a insignificância capaz de excluir a
tipicidade da conduta típica praticada pelo autor com aqueles crimes cujo legislador
julgou possuir um menor potencial ofensivo, cuja valoração já foi estabelecida de
acordo com as necessidades sociais e morais historicamente reproduzidas em
sociedade, não querendo dizer que a simples prática de tais delitos já configure, por
si só, o princípio da insignificância, não sendo as consequências decorrentes deste
princípio determinadas, tão somente, pela relação de importância que o bem jurídico
tutelado possui perante o legislador, mas principalmente, em relação ao grau da
intensidade da ação delitiva e a extensão da lesão que ela produzir em sociedade. 134
2.1.5 Princípio da proporcionalidade
Assim como vários dos princípio em matéria de Direito Penal, o princípio da
proporcionalidade teve seu primórdio na Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, quando já se exigia expressamente que o legislador,
no momento da criação de um tipo delituoso, observasse a proporcionalidade da
pena a ser imposta com a gravidade da ação delitiva, sendo, no entanto, uma
consagração do constutucionalismo moderno, recepcionado pela Constituição
Federal brasileira de 1988 e presente em vários dispositivos como, por exemplo, no
da individualização da pena, na proibição de certas espécies de sanções penais, na
aplicação de penas mais graves a certos tipos de infrações tidas como mais
maléficas à sociedade, etc.135
Eugênio Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar ao
tratarem dos princípios que limitam e excluem violações ou disfuncionalidades
grosseiras com os direitos humanos, dentre eles, o da proporcionalidade, afirmam
que
A criminalização alcança um limite de irracionalidade intolerável
quando o conflito sobre cuja base opera é de lesividade ínfima ou
quando, não o sendo, a afetação de direitos nele envolvida é
134
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 58-59.
135
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 54.
51
grosseiramente desproporcional à magnitude da lesividade do
conflito.136
Quando da criação de um delito pelo legislador, a sociedade tem um ônus
imposto pelo Estado, consubstanciado na possibilidade de punição criado pela
norma penal sancionadora, que passa a valer para todos os cidadãos, no entanto,
todos os indivíduos também são compensados pela vantagem de proteção do bem
tutelado pela nova norma penal. Para o princípio da proporcionalidade, quando este
ônus representar maior limitação social do que vantagens - de desfrutar livremente
do bem tutelado pela norma -, significa dizer que tal dispositivo de lei não merece ser
agasalhado por um Estado Democrático de Direito.137
Nesse diapasão, uma medida sancionadora só é proporcional quando não
limita em demasia a liberdade das pessoas, e não causa maior prejuízo aos direitos
fundamentais do acusado, dentre as medidas possíveis, do que as condutas típicas
que pretende sancionar, devendo haver entre a gravidade do fato antijurídico
praticado e a punição estatal um justo equilíbrio, ou seja, a pena abstratamente
elaborada pelo legislador e a pena concretamente aplicada pelo magistrado no
julgamento do caso in concreto deve estar proporcionada, ou devidamente
adequada, aos efeitos deletérios ocasionados pela ação típica do agente ao bem
jurídico tutelado pela norma penal.138
Portanto, para se ter maior precisão da justiça a ser feita no caso in concreto
o operador do direito deve analisar estes princípios penais constitucionais na
aplicação da medida jurídica, que deve ser proporcional, pois existem casos de
extrema injustiça, inclusive, no Estatuto do Desarmamento, como é o caso, por
exemplo, da equiparação de armas de fogo, munição e acessórios, que possui
mesma pena para todas as condutas de porte, o que por si só estaria ceifando o
princípio da proporcionalidade penal. 139
136
ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro – I. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora
Revan, 2006. p. 230.
137
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 20.
138
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 145-147.
139
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 20.
52
2.1.6 Princípio da lesividade ou da ofensividade
Dentre os princípios limitadores do poder punitivo estatal pertinentes ao
estudo do objeto desta monografia, o mais relevante é o princípio da lesividade ou
da ofensividade, razão pela qual dedicar-se-á maior atenção a ele.
O sistema penal vigente é formado por um conjunto de normas que,
substancialmente, permitem, proíbem ou determinam algo àqueles que, por óbvio,
sejam capazes de praticar a ação proibida, ou de omitir-se àquelas determinadas,
quando tinham o dever de realizar algo ou de se abster do ato, ou seja, o fato-crime
irá sempre consistir em uma atividade humana, positiva ou negativa fruto de uma
vontade capaz de guiar-se pela orientação de dever-ser da norma jurídica.140
Segundo se extrai dos ensinamentos de Ricardo Antonio Andreucci, um fato
é considerado como típico quando reúne alguns elementos básicos, ou seja,
decorrem de uma conduta humana, seja ela dolosa ou culposa, provocando um
resultado juridicamente reprovável, se enquadrando, consequentemente, em
elementos anteriormente contidos em determinada norma penal incriminadora. 141
Neste sentido, para que se tipifique algum crime em sentido material é
imprescindível que o bem jurídico penalmente tutelado sofra algum perigo real de
dano, um perigo concreto, caso contrário não estaria justificado uma intervenção
estatal em termos de repressão penal.142
Para Luiz Flávio Gomes, quando trata da dimensão constitucional do Direito
Penal ao tutelar os bens jurídicos relevantes para a sociedade, afirma que a conduta
tipificada penalmente
[...] não pode ser unicamente uma ação ou omissão dolosa ou
imprudente e ilícita. Segundo a perspectiva do Direito penal da
ofensividade, a ação ou omissão penalmente relevante é tão-só a
que causa uma ofensa (lesão ou perigo) ao bem jurídico. O delito
não se fundamenta, por conseguinte, exclusivamente na ação, senão
sobretudo no resultado (em sentido jurídico, não naturalístico). E se a
ação lesiva (concretamente ofensiva) é a base do delito, não há
dúvida que não pode constituí-lo jamais a simples manifestação de
uma vontade contrária a uma obrigação jurídica, que se esgota na
140
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 90-91.
141
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal. Parte Geral. v.1. 3. ed. atual e aum. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 43.
142
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 59.
53
ação. Para a existência do delito, para além da presença de uma
ação ou omissão (uma conduta), também se faz necessário um
resultado jurídico, que consiste numa perturbação (intolerável) do
bem tutelado, isto é, de uma liberdade alheia.143
Desse modo, se uma conduta não lesar ou expuser a perigo concreto um
bem jurídico penalmente tutelado, não se tem como falar em crime, pois não haverá
a chamada lesividade, ou ofensividade a tal bem jurídico. 144
O que leva ao entendimento de que não basta que a conduta simplesmente
esteja descrita em um tipo penal incriminador, sendo sua prática punível através de
uma sanção penal previamente tipificada em lei, pois é necessário que tal conduta,
antes de qualquer coisa, lesione ou ameace lesionar concretamente um bem jurídico
que a norma buscou proteger. 145
Destarte, percebe-se que o princípio da lesividade/ofensividade busca
estender seus efeitos político-jurídicos em dois planos temporais distintos: o primeiro
seria no plano legislativo, para orientar o legislador a criar normas que contenham
comandos expressos no sentido de exigir da conduta típica uma ofensividade
concreta, real e efetiva ao bem jurídico protegido pela norma; já no segundo plano,
serviria de critério interpretativo ao julgador, lhe coibindo de acolher, no caso
concreto, conduta que não represente lesividade real ao bem tutelado, julgando
atípicas tais condutas com fundamento no princípio da lesividade penal. 146
Nestes termos, percebe-se que em um Estado Democrático de Direito o
princípio da lesividade/ofensividade exerce dupla função no Direito Penal:
a) função político-criminal – esta função tem caráter preventivoinformativo, na medida em que se manifesta nos momentos em que
antecedem a elaboração dos diplomas legislativo-criminais; b) função
interpretativa ou dogmática – esta finalidade manifesta-se a
posteriori, isto é, quando surge a oportunidade de operacionalizar-se
o Direito Penal, no momento em que se deve aplicar, in concreto, a
norma penal elaborada. [...] Em outras palavras, a primeira função do
princípio da ofensividade é limitadora do ius puniendi estatal,
dirigindo-se especificamente ao legislador, antes mesmo de realizar
143
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal: não há crime sem lesão ou
perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria), funções político-criminal e
dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade como limite do ius puniendi, o princípio da
ofensividade como limite do ius poenale. Série as ciências criminais no século XXI. v. 6. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 86.
144
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 80.
145
DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB
de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 201.
146
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 59-60.
54
sua atividade-fim, qual seja, elaborar leis; a segunda configura uma
limitação ao próprio Direito Penal, destinando-se ao aplicador da lei,
isto é, ao juiz, que é, em última instância, o seu intérprete final. 147
De qualquer forma, cumpre salientar que não são duas funções estagnadas
ou incomunicáveis e, ao contrário, uma é complementar à outra, sendo que na
hipótese de o legislador não vir a cumprir seu papel de apenas criminalizar uma
conduta se ela tiver o condão de lesar, ou ameaçar concretamente de lesar
determinado bem jurídico relevante para o Direito Penal, improtelavelmente estará
esta função transferida ao julgador, no caso in concreto.148
Assim sendo, percebe-se, claramente, que a atividade parlamentar típica do
Poder Legislativo não é absoluta e muito menos esgota o direito de estabelecer o
limite do ius puniendi do Estado, uma vez que, em sua função de criar leis, o
legislador pode ser insuficientemente claro, preciso, pode demonstrar-se vago,
exageradamente vasto, ou ainda, arbitrário ou inadequado aos parâmetros legais de
um Estado Democrático de Direito, cabendo ao intérprete do Direito, ou seja, ao
magistrado, na sua função jurisdicional, corrigir tais imperfeições legislativas, casos
estes em que poderá se valer, em sua fundamentação, de princípios como o da
proporcionalidade e da ofensividade/lesividade. 149
Com o entendimento de que o princípio da lesividade/ofensividade é o meio
eficaz ao limite do ius puniendi, Luiz Flávio Gomes completa que
[...] o ius puniendi (o que está expresso no texto legal) nem sempre
constitui o Direito penal definitivo. O ius puniendi é um projeto de
uma obra que no final pode ter ajustes (constitucionais). A lei, em
suma, é um projeto de Direito. E o Direito (reconhecido pelos juízes)
é um projeto do Direito Justo. A lei pode no final até ser o próprio
Direito, desde que afinada com todos os princípios constitucionais e
penais. Quem vê a lei como projeto do Direito e não, desde logo,
como a expressão (máxima) dele, é jurista do terceiro milênio. Quem
lhe dá mais valor do que ela tem, não abrindo nenhum espaço para a
própria atividade conformadora e constitucionalizada do intérprete e
147
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 60.
148
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal: não há crime sem lesão ou
perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria), funções político-criminal e
dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade como limite do ius puniendi, o princípio da
ofensividade como limite do ius poenale. Série as ciências criminais no século XXI. v. 6. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 28.
149
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 60.
55
do juiz, é jurista do século passado. Cientificamente já morreu,
embora ainda não tenha sido sepultado.150
Não obstante, ao tratar do tema lesividade da conduta típica e da
possibilidade da sua existência de forma a permanecer intrínseca à determinadas
condutas, Capez leciona que
Nada impede, no entanto, que tal lesividade esteja ínsita em
determinados comportamentos. Com efeito, aquele que se dispõe a
circular pelas vias públicas de uma cidade ilegalmente armado ou
dispara arma de fogo a ermo está reduzindo o nível de segurança da
coletividade, mesmo que não exista uma única pessoa por perto. A
lei pretende tutelar a vida, a integridade corporal e a segurança das
pessoas contra agressões em seu estágio embrionário. [...]
Entretanto, isso não significa dizer que houve crime sem resultado
jurídico, pois a conduta, mesmo sem a comprovação de perigo
concreto a alguém determinado, foi idônea, ou seja, apta a reduzir o
nível de segurança da coletividade.151
Destarte, quando a conduta for manifestadamente incapaz de lesionar, ou
ameaçar concretamente de lesão o bem jurídico tutelado pela norma penal
incriminadora, estará ela eivada de atipicidade, com fulcro no princípio da lesividade,
também conhecido como princípio da ofensividade penal, pois por tal princípio o
legislador brasileiro estaria impedido de criar normas penais incriminadoras sem que
haja, na conduta típica prevista, efetiva, real e concreta lesão a um bem jurídico
determinado pela lei, no entanto, tal princípio não obriga o investigador do direito à
concretizada comprovação do perigo, mas tão somente, a interpretar condutas
inofensivas ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, conforme
dispõe o artigo 17 do Código Penal152 brasileiro.153
Pelo exposto, e para que se possa apreciar com mais propriedade as
divergências encontradas na doutrina e na jurisprudência pátrias sobre a tipicidade
150
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal: não há crime sem lesão ou
perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria), funções político-criminal e
dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade como limite do ius puniendi, o princípio da
ofensividade como limite do ius poenale. Série as ciências criminais no século XXI. v. 6. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 29.
151
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 371.
152
Artigo que trata do crime impossível, segundo o qual: “Não se pune a tentativa quando, por
ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o
crime.” BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012.
(Legislação Brasileira).
153
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 371-372.
56
ou atipicidade dos crimes de porte ilegal de arma de fogo desmuniciada,
passaremos, em seguida, a uma sucinta verificação das classificações dos crimes.
2.2 SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES
Quando um crime reúne todos os elementos descritos em sua definição legal
pode ser considerado como consumado, estando, desta forma, o julgador autorizado
a aplicar por completo a pena in abstrato prevista no tipo penal incriminador, o que
não pode ocorrer quando o delito resta apenas praticado na forma tentada, ou seja,
quando a conduta do agente não preenche completamente os elementos contidos
na norma penal, devendo a sanção, nestes casos, sofrer uma redução de 1/3 a 2/3,
de acordo com o previsto no artigo 14, parágrafo único, do Código Penal
brasileiro.154
De outra banda, o potencial lesivo de uma infração, ou seja, a capacidade
abstrata que uma determinada conduta tipificada no ordenamento jurídico possui de
ofender a sociedade em seus valores penalmente tutelados, dependendo da
interpretação do julgador, pode acarretar na tipicidade ou não desta prática
legalmente insculpida como criminosa, uma vez que, nenhuma conduta pode ser
considerada criminosa em um Estado Democrático de Direito se de nenhum modo
colocar em perigo valores considerados como valiosos para a sociedade como um
todo.155
Há, no estudo do Direito, inúmeras formas de classificação dos crimes, ora
levando-se em conta sua forma de execução, ora porque se atenta à gravidade do
fato praticado, etc.156
Neste momento será realizado um sucinto estudo das classificações dos
crimes quanto ao resultado, enquanto condicionante para suas consumações
(crimes materiais, formais e de mera conduta) e, quanto à capacidade de lesão aos
154
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 66.
155
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 20.
156
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a
120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 117.
57
bens juridicamente protegidos pela norma penal (crimes de dano e de perigo), pois
de suma importância para a análise do tema proposto.
2.2.1 Crimes Materiais
A norma jurídico-penal possui uma natureza de proposição imperativa, a
qual é endereçada a todos, indistintamente, através de imposições (imperativo
positivo), ou de impedimentos (imperativo negativo), previamente estabelecidos, ou
seja, a violação de uma norma jurídico-penal infringe uma proibição, nos casos dos
crimes de ação, ou uma ordem ou comando de agir, nos crimes de omissão.157
Por isso, o estudo da prática de uma conduta descrita em um tipo penal
incriminador classificou os crimes levando-se em conta vários aspectos. Crimes
materiais são aqueles em que há a consumação do tipo penal incriminador somente
pela produção do resultado naturalístico, ou seja, para que haja o crime tem que ter
havido o resultado negativo que a Lei pretendia proteger com a descrição da
conduta a ser praticada. 158 Assim, para Mirabete e Fabbrini, nos crimes materiais
[...] há necessidade de um resultado externo à ação, descrito na lei, e
que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. Este resultado
deve ser considerado de acordo com o sentido naturalístico da
palavra, e não com relação a seu conteúdo jurídico, pois todos os
crimes provocam lesão ou perigo para o bem jurídico. Exemplos são
o homicídio (morte), furto e roubo (subtração), dano (destruição,
inutilização) etc.
Portanto, todo crime material é, consequentemente, um crime de resultado
imperativo, cuja conduta está diretamente relacionada com o resultado previsto no
tipo penal descrito na norma, sendo que não havendo a ação prevista e a
conseqüência específica decorrente, não há como se falar em consumação do
delito.159
157
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 176.
158
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 263.
159
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 143.
58
2.2.2 Crimes Formais
Nos crimes formais não há a imprescindibilidade da ocorrência do resultado
naturalístico, embora possa existir, não há a necessidade da realização daquilo que
pretendia o agente quando da prática da conduta tipificada, ou seja, a própria norma
antecipa o resultado na descrição do tipo penal, também por este motivo, podem ser
chamados de delitos de consumação antecipada.160
Além disto, pode haver uma incongruência entre a intenção do agente e o
resultado que o tipo estabelece, motivo pelo qual também podem ser identificados
como crimes de incongruência.161
Fernando Capez, ao tratar desta inconsistência entre a verdadeira intenção
do autor de determinado delito e, consequentemente, a sua irrelevância para a
consumação do delito formal tipificado, exemplifica, brilhantemente, com os crimes
de ameaça e de extorsão mediante seqüestro, nos quais
[...] pode haver uma incongruência entre o fim visado pelo agente respectivamente, a intimidação do ameaçado e o recebimento do
resgate – e o resultado que o tipo exige. A lei exige menos do que a
intenção do sujeito ativo (v. g., ele quer receber o resgate, mas o tipo
se contenta com menos para a consumação da extorsão mediante
seqüestro).162
Portanto, embora a lei descreva uma ação e um consequente resultado, nos
crimes classificados como formais, a própria redação do dispositivo deixa evidente
que o delito irá se consumar no exato momento em que o autor praticar a ação
descrita, sendo o resultado irrelevante para o fim da consumação, nada mais sendo
do que mero exaurimento do crime. 163
160
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a
120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 123.
161
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 369.
162
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 263-264.
163
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 20.
59
2.2.3 Crimes de Mera Conduta
Quanto aos crimes classificados como de mera conduta não há a mínima
exigência legal da existência do resultado naturalístico na exteriorização da
pretensão do transgressor, em verdade a existência de tal resultado não é apenas
irrelevante como também impossível, igualmente por isso são chamados de delitos
de simples atividade.164
Crimes de mera conduta, como o próprio nome pressupõe, são aqueles em
que a lei descreve tão-somente uma conduta típica e, por tal motivo, tais delitos se
consumam no exato momento em que tal conduta é praticada pelo agente, não
havendo previsão de resultado específico pela norma.165 Por tal motivo, nos crimes
considerados como de mera atividade ou conduta, como a simples prática da
conduta descrita na norma consuma o delito, não há no que se falar em resultado
como elemento do tipo in abstrato, muito menos de nexo de causalidade. 166
2.2.4 Crimes de Dano ou de Lesão
Crimes de dano ou de lesão, assim como os próprios nomes ensejam, são
aqueles em que a própria norma penal incriminadora pressupõe um efetivo prejuízo
ao objeto tutelado pela legislação. 167 Desse modo, segundo Luiz Regis Prado, os
crimes de dano ou de lesão tratam de uma espécie de especificação dos delitos
materiais, uma vez que a conduta do autor dos fatos acaba por provocar um dano
concreto ou material ao bem da vida, tutelado penalmente por ser fundamental a
estruturação de um Estado Democrático de Direito.168
164
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a
120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 124.
165
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 20.
166
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 246.
167
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 20.
168
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 249.
60
Notória dos Romanos, cujo brocardo nullum crimem sine iniuria consagrouse através dos tempos, a teoria do dano está intrinsecamente ligado à doutrina
protecionista do bem jurídico, e vem, com o passar dos tempos, sofrendo sérias
restrições e abrandamentos em sua característica limitadora do poder punitivo do
Estado, uma vez que, na atualidade, punem-se condutas reprováveis em matéria
penal, mesmo que tais comportamentos não tenham provocado no mundo real um
concreto resultado de lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal
incriminadora, como por exemplo, nos casos de tentativas puníveis criminalmente,
ou nos casos em que se punem condutas que, quando muito, seriam apenas
consideradas como meros atos preparatórios à prática da verdadeira intenção
criminosa do agente, o que, certamente, causa enorme risco às liberdades
individuais por elevar demasiadamente uma maximização do Direito Penal como
minimizador dos riscos sociais. 169
Destarte, nos crimes de dano, ou de lesão, não há possibilidade de uma
conduta típica ser considerada consumada se não existir à prática delitiva uma
superveniência de um resultado material característico da norma penal infringida,
consistente em uma concreta lesão do bem jurídico tutelado pelo Direito Penal. 170
2.2.5 Crimes de Perigo
Diferentemente do que acontece nos crimes classificados como de lesão, ou
de dano, ou seja, quando a mera situação de risco a que fica exposto o objeto
material do crime é suficiente para a consumação do delito praticado pelo agente,
diz-se que o crime é classificado como de perigo. 171
Nesta espécie de delito a intenção do criminoso é criar um risco potencial,
não almejando, necessariamente, que o bem jurídico protegido pela norma penal
sofra um dano efetivo, bastando para a consumação do crime a superveniência de
169
DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários,
jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 84-85.
170
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 274.
171
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 20.
61
um resultado material, consistente na diminuição da proteção do bem jurídico, ou
seja, basta simplesmente que o agente, com sua ação ou omissão, crie um perigo
real para o objeto material do delito, sem fundamentalmente lhe produzir um dano
concreto.172
Assim sendo, para sua consumação, basta simplesmente a possibilidade, a
plausibilidade de que venha a ocorrer o dano ao bem jurídico tutelado, como bem
exemplifica Capez com o crime de periclitação da vida ou saúde de outrem,
capitulado no art. 132 do Código Penal, em que a mera probabilidade de ocorrer
dano a vida ou a saúde de outras pessoas é apta para a configuração do delito. 173
Portanto, nos crimes classificados como de perigo, para que haja a
consumação do tipo delituoso, basta tão-só a possibilidade, a probabilidade da
existência de uma situação de perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma
penal, ou seja, uma lesão potencial, eventual a ensejar uma diminuição do nível de
garantia eleito pelo legislador à harmonia social. 174
Tais delitos se dividem em duas categorias distintas, uma vez que nestas
espécies de crimes, o perigo a que fica exposto o bem jurídico tutelado pela ação ou
omissão do criminoso pode ser um perigo concreto, ou um perigo abstrato. 175
2.2.5.1 Crimes de Perigo Concreto
Delitos de perigo concreto, como o próprio nome afirma, são aqueles cuja
existência exige a real comprovação de que determinada pessoa, ou pessoas,
ficaram sujeitas a um sério risco de lesão, modificando o mundo exterior, ou seja,
sendo perceptível naturalisticamente uma mudança das condições de intangibilidade
do bem tutelado, existentes antes da prática da conduta. Em outras palavras, antes
172
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 274.
173
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 263.
174
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 250.
175
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 60.
62
da conduta humana criminosa não havia risco de lesão, sendo que após esta
conduta verificou-se a possibilidade de existência de lesão. 176
Assim sendo, para que seja impunível esta espécie de delito, a acusação
precisa necessariamente comprovar que no caso in concreto houve o real perigo de
lesão a pessoa ou grupo de pessoas certas e determinadas, em face da conduta
tipificada na norma penal violada pelo sujeito ativo.177
Isso porque, nos crimes de perigo concreto o perigo, necessariamente, deve
compor o tipo penal violado como elemento normativo, podendo-se dizer que o crime
restou consumado somente nos casos em que se verificou a real ocorrência do
perigo a que o bem jurídico protegido pela norma penal foi exposto pela conduta
delitiva do sujeito, ou seja, o perigo precisa ser efetivamente evidenciado,
consubstanciando-se, portanto, em uma espécie de crime de resultado. 178
2.2.5.2 Crimes de Perigo Abstrato
Contrapondo-se ao conceito de crime de perigo concreto, os delitos de
perigo abstrato são aqueles em que não há a necessidade da efetiva demonstração
de que o ofendido foi concretamente exposto a uma situação de risco. Em outras
palavras, a norma penal incriminadora não prevê para a configuração do delito uma
necessidade de efetiva comprovação do risco ao qual a vítima foi exposta. 179
Nesta espécie de crime, o perigo constitui a razão da lei, o motivo maior que
o legislador teve como inspiração no momento da criação da norma incriminadora,
não sendo necessária a efetiva comprovação de um perigo concreto de lesão ao
bem jurídico tutelado. 180
176
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 369.
177
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 21.
178
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 250.
179
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 368-369.
180
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 250.
63
Por tal motivo, os crimes de perigo abstrato, também chamados de crime de
perigo presumido, são aqueles em que a situação de perigo está intrinsecamente
conjeturada no próprio tipo penal, exemplificando Capez, brilhantemente, com o
delito de quadrilha ou bando, em que os agentes são punidos antes mesmo de
praticarem o crime fim, o qual era visado pelos membros da quadrilha quando da
reunião de esforços para a prática de ilícitos.181
Em alguns dos principais crimes contidos no Estatuto do Desarmamento, o
perigo seria contra o bem jurídico considerado o mais importe, ou seja, a vida
humana, o que de certa forma, para Junqueira, legitimaria os crimes de perigo
abstrato que tal legislação abarca, uma vez que na doutrina esta classificação não é
uníssona de aceitação. 182
Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de
Almeida Delmanto, ao lecionarem sobre a ausência de antijuridicidade material e os
crimes de perigo abstrato, comentam que
Quanto aos crimes de perigo abstrato, equiparáveis à mera
desobediência de uma norma penal, entendemos que em um Estado
de Direito Democrático eles não se justificam e tampouco se
sustentam, em face dos postulados constitucionais da intervenção
mínima, da ofensividade e da proporcionalidade ou razoabilidade
entre conduta e resposta penal (ínsitos ao conceito de substantive
due processo of law). Verifica-se, assim, que a mera subsunção do
fato ao tipo penal não basta à caracterização do injusto penal,
devendo-se sempre indagar acerca da antijuridicidade material, a
qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem
juridicamente protegido, requisitos estes que constituem verdadeiro
183
pressuposto para a caracterização do injusto penal.
(Grifos no
original).
Assim, os crimes contidos nos artigos 12 a 18 do Estatuto do Desarmamento
não trazem, como elemento material dos crimes que descrevem, a necessidade de
comprovação efetiva da ameaça de dano concreto a qual o bem da vida ficou
exposto com a conduta típica do agente, restando tais delitos consumados com a
181
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 263.
182
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418.
183
DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários,
jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 113.
64
simples prática da conduta e dispensável, portanto, a análise sobre a ocorrência do
efetivo risco a qual a coletividade ficou exposta. 184
Ante todo o exposto, pertinente, neste momento, se passar à análise do
objeto de estudo deste trabalho, ou seja, da divergência, ainda existente na doutrina
e na jurisprudência pátrias, sobre a tipicidade ou atipicidade da conduta de portar
arma de fogo desmuniciada.
184
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 369.
65
3 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: UMA
ANÁLISE
FRENTE
ÀS
DIVERGÊNCIAS
DOUTRINÁRIAS
E
JURISPRUDENCIAIS
Preliminarmente, porém, antes que se possa analisar com mais propriedade
a divergência existente sobre a tipicidade ou atipicidade da conduta de portar
ilegalmente arma de fogo sem munição apta a tornar o objeto eficazmente propício à
produção de disparo, faz-se necessário verificar algumas peculiaridades existentes
nos crimes de porte ilegal de arma de fogo, descritos nos artigos 14 e 16, ambos do
Estatuto do Desarmamento.
3.1 OS CRIMES DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO
DESARMAMENTO
Enquanto o registro de arma de fogo é o documento apto a conter todos os
caracteres da arma a ser registrada, bem como todas as informações acerca de seu
proprietário a serem, inclusive, devidamente cadastradas nos bancos de dados do
Sinarm ou do Sigma, em se tratando, respectivamente, de arma de uso permitido ou
de uso restrito, o porte á autorização expedida para que o proprietário possa
conduzir a arma de fogo, levando-a consigo para pronto uso.185
Ao contrário do que muitos pensam, apesar de o Estatuto do Desarmamento
ter marcado indelevelmente o modo como a população brasileira costumava
transportar arma de fogo no território nacional, tal legislação não proibiu por
completo o porte de arma de fogo em via pública, para pronto uso quando
necessário, uma vez que tal proibição não alcança os casos legitimamente previstos
em Lei186
185
RIGHETTO, Luiz Eduardo Cleto. Leis penais especiais comentadas. Florianópolis: Editora
Conceito Editorial, 2010. p. 75.
186
SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis penais especiais
anotadas. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Millennium Editora, 2007. p. 98.
66
[...] onde estão incluídos os cidadãos que necessitam da arma de
fogo por um motivo justificado, bem como os integrantes das Forças
Armadas; dos organismos de segurança pública da União, dos
Estados e do Distrito Federal, referidos no art. 144, CF; os
integrantes das Guardas Municipais das capitais dos Estados e dos
municípios com mais de 500.000 habitantes; os integrantes das
Guardas Municipais dos municípios com mais de 50.000 e menos de
500.000 habitantes, quando em serviço; os agentes da Agência
Brasileira de Inteligência (ABIN) e do Departamento de Segurança do
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; os
órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
referidos nos arts. 51, IV e 52, XIII, CF; os integrantes do quadro
efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas
de presos e as guardas portuárias e as empresas de segurança
privada e de transporte de valores (art. 6º). 187
Não obstante, nos casos não abrangidos em Lei, o porte de arma de fogo
ficou imensamente restrito, sendo que o decreto regulamentador do Estatuto do
Desarmamento, Decreto n. 5.123/2004, quando dita o procedimento para se adquirir
o porte de arma de fogo em território brasileiro, descreve em seu artigo 23 que:
Art. 23. O Porte de Arma de Fogo é documento obrigatório para a
condução da arma e deverá conter os seguintes dados:
I - abrangência territorial;
II - eficácia temporal;
III - características da arma;
IV - número do cadastro da arma no SINARM; (Redação dada pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
V - identificação do proprietário da arma; e
VI - assinatura, cargo e função da autoridade concedente.188
Importante salientar, inclusive, o disposto no artigo 24 do diploma legal em
apreço, quando assevera que o porte de arma de fogo, no território nacional, além
de ser estritamente pessoal, não podendo o agente transferir o documento de porte
para terceira pessoa, este poderá ser revogado a qualquer tempo pela autoridade
competente e somente terá eficácia, no caso de o portador da arma de fogo ser
abordado por agentes policiais, se apresentado conjuntamente com um documento
de identidade válido.189
187
SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis penais especiais
anotadas. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Millennium Editora, 2007. p. 98.
188
BRASIL. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e
munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em 01 out.
2012. (Legislação Brasileira).
189
RIGHETTO, Luiz Eduardo Cleto. Leis penais especiais comentadas. Florianópolis: Editora
Conceito Editorial, 2010. p. 77.
67
Isso porque, sendo um documento capaz de autorizar 190 o sujeito a conduzir
consigo arma de fogo para pronto uso, pela importância que representa para o
controle da violência e para a segurança individual e coletiva das pessoas em
sociedade, não poderia deixar de ser precário, devendo a administração de tempos
em tempos realizar novos exames para aferir a dilação da capacidade do sujeito a
ensejar uma renovação do documento de porte de arma de fogo que, por ser
pessoal e intransferível, exigi-se concomitantemente, para sua validade e eficácia, a
apresentação de um documento de identidade. 191
Destarte, denota-se que um sujeito flagrado por agentes policiais portando
uma arma de fogo registrada em seu nome, com a devida autorização expedida pela
autoridade competente, trazendo também um documento de identidade que o possa
comprovar como legítimo proprietário do objeto vulnerante, e em local e horário
autorizados pela regulamentação, não estará cometendo nenhum dos crimes
elencados no Estatuto do Desarmamento. Diferente dos casos em que o agente
esteja portando o artefato de forma ostensiva, circunstância que mesmo nos casos
envolvendo agentes policiais, naquelas situações que não ensejam nenhuma
situação de visível perigo à comunidade que possa justificar ações de ostensividade
do material bélico por àqueles, têm o condão de diminuir o nível de proteção da
incolumidade pública a que o Estatuto do Desarmamento buscou tutelar, uma vez
que, por exemplo, alguém que não o reconhecendo como policial pode reagir ou,
então, causar tumulto e pânico entre os presentes. 192
Ocorre que, não somente o comportamento de portar arma de fogo de forma
contrária à regulamentação legal será apto a ensejar os delitos de porte ilegal
contidos no Estatuto do Desarmamento, merecendo o legislador uma crítica, nesta
esteira de entendimento, quando nomeou os crimes de porte ilegal de arma de fogo,
190
O direito de portar arma de fogo se dá por meio de autorização expedida exclusivamente pela
Polícia Federal, ou seja, de um ato jurídico discricionário (a Administração Pública defere se
entender conveniente) e precário (pode ser revogada a qualquer tempo pela Administração Pública
sem gerar direito à indenização) praticado através do exercício da atividade administrativa e no
interesse exclusivo do beneficiário. LIMA, Leo Vinicius Pires de. Direito Administrativo. In:
GONZAGA, Alvaro de Azevedo (Coord.); TAVARES, Julia Meyer Fernandes (Coord.). Vade Mecum
para concursos públicos: de nível médio e superior sem formação em Direito. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010. p. 589.
191
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 432-433.
192
BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual
Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25.
68
contidos nos artigos 14 e 16, ambos da Lei n. 10.826/2003, pois andou mal ao
prever inúmeras condutas delitivas não se restringindo exclusivamente ao porte da
arma de fogo em si, tratando, portanto, de tipos legais mistos alternativos, onde a
prática de mais de uma conduta, descrita na norma, por um único agente caracteriza
a prática de um único delito.193
Neste norte, verificam-se no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento treze
verbos que descrevem as condutas proibidas pelo diploma legal em comento,
consubstanciando-se em elementos objetivos do tipo penal do porte ilegal de arma
de fogo de uso permitido. 194
Já no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, que trata dos crimes de
posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido ou restrito, foram trazidos em
seu caput quatorze verbos nucleares típicos, sendo os mesmos treze verbos
encontrados no artigo 14, acrescido do verbo possuir, que é trazido no artigo 12,
quando trata do crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. 195
A diferença aqui é que no verbo possuir indica-se que o agente deve manter
dentro de sua propriedade a arma de fogo de uso proibido ou restrito, sendo que nas
outras treze condutas típicas a diferença entre os mesmos comportamentos trazidos
no artigo 14 reside na qualidade do artefato criminoso, uma vez que, enquanto o
crime do artigo 14 trata de proibição acerca de arma de fogo, acessório ou munição
de uso permitido, no artigo 16 da lei n. 10.826/2003 trata-se de coibir as armas de
fogo, acessório ou munição de uso restrito.196
É verdade que não existe uma autorização legal ou regulamentar para se
manter uma arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito dentro
de casa, merecendo a conduta possuir, contida no artigo 16 do Estatuto do
Desarmamento, uma especial repressão do Estado, mas em verdade, este artigo
padece de grande desproporcionalidade em relação a esta conduta, uma vez que a
tipifica com o mesmo rigor do porte ilegal de idêntico objeto vulnerante, sendo que a
ação de quem guarda em casa uma metralhadora e de quem a transporta na via
193
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 403.
194
BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual
Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 24.
195
CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3.
ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 116.
196
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 87.
69
pública não deveria receber a mesma punição normativa, por serem condutas bem
distintas
em
coletividade.
relação
à
gravidade/ofensividade
pela
qual
fica
exposta
a
197
Não obstante, o legislador pátrio com a intenção de estender ainda mais a
proteção ao bem jurídico tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, tentando impedir
que nenhuma conduta pudesse passar por despercebido e atingir o escopo da
norma, trouxe no artigo 16 da Lei n. 10.826/2003, em seu parágrafo único, diversos
tipos penais assemelhados à posse ou ao porte ilegal de arma de fogo, acessório ou
munição de uso proibido ou restrito. 198
Neste sentido, irá se punir igualmente ao agente que portar arma de fogo,
acessório ou munição de uso restrito, todos àqueles que efetuarem a supressão, ou
a alteração de marca, numeração ou sinal que identifique arma de fogo ou artefato;
que modifiquem as características de uma arma de fogo de uso restrito, fazendo
parecer arma de fogo de uso permitido, com o intuito de induzir a erro quem deva
identificá-la como tal; que seja proprietário, conserva em seu poder, produza ou
utiliza artefato explosivo ou incendiário, sem autorização legal ou regulamentar; que
porte, possua, adquira, transporte ou forneça arma de fogo com numeral, marca ou
outro sinal identificador adulterado, suprimido ou raspado; que venda, entregue ou
forneça, mesmo que sem ônus financeiro, arma de fogo, acessório, munição ou
explosivo à criança ou adolescente; ou ainda, àqueles que, sem autorização,
produza, recarregue ou recicle munição ou explosivo, ou de qualquer modo adultere
as características de tais artefatos. 199
Neste aspecto também há grande desproporcionalidade das penas previstas
em relação às condutas tipificadas, uma vez que, por exemplo, a conduta de
transportar uma arma de fogo de uso restrito municiada na via pública deveria
receber uma sanção penal muito mais abrangente do que a conduta de portar na
rua, em um chaveiro pendurado na presilha da calça, uma bala de arma de uso
197
CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3.
ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 119.
198
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 108.
199
SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de
dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 88-90.
70
proibido ou restrito, o que não ocorre, pois em ambos os exemplos a punição será a
mesma.200
Convém frisar que, apesar de tais condutas constarem contidas no âmbito
do artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, tal fato não quer dizer que o objeto
material de tais comportamentos se restrinja às armas, acessórios e munições de
uso proibido ou restrito, pois, por exemplo, o artigo 16, parágrafo único, inciso I, da
Lei n. 10.826/2003 pode tratar de arma de fogo de uso permitido, uma vez que, na
hipótese de o agente suprimir ou alterar sinais identificadores da arma de fogo, não
será importante para a configuração do delito saber se o objeto material é de uso
permitido ou restrito, pois estaremos sempre diante de um crime assemelhado à
posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, recebendo a mesma sanção
penal.201
Contudo, umas das mais sérias dúvidas que paira sobre a doutrina e a
jurisprudência desde a edição do Estatuto do Desarmamento diz respeito ao agente
flagrado na via pública com arma de fogo desmuniciada, pois muitos de nossos
escritores forenses e, inclusive, muitos dos julgados divergem sobre a tipicidade ou
não deste comportamento, divergências das quais passaremos a observar a seguir.
3.2 A TIPICIDADE VERSUS A ATIPICIDADE DA CONDUTA DE PORTAR ARMA
DE FOGO DESMUNICIADA FRENTE À DOUTRINA
Para doutrinadores como Nucci, por exemplo, apesar do fato de o agente ser
flagrado com arma de fogo desmuniciada, cometendo alguma das ações nucleares
contidas nos artigos 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, tal circunstância não
altera em nada a consumação dos delitos descritos naquele diploma legal, uma vez
que tratou o legislador de editar normas de mera conduta e perigo abstrato, que se
200
VALLES, Jacqueline do Prado. Resumo jurídico de leis penais especiais. 5. v. 2. ed. São Paulo:
Editora Quartier Latin, 2004. p. 148.
201
CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3.
ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 128.
71
consumam mesmo sem o efetivo e concreto perigo de lesão ao bem jurídico, com a
simples prática das ações delitivas descritas nos tipos penais incriminadores. 202
Também porque, a mera previsão legal da incriminação das condutas de
portar acessório de arma de fogo e munição, contida nos artigos 14 e 16 da Lei n.
10.826/2003, por si só estaria solucionando tal embate, uma vez que, com a simples
incriminação da conduta de portar, sem as devidas autorizações de porte, acessório
ou munição, sem fazer o porte concomitante da respectiva arma de fogo, por óbvio,
faz-se suscitar que o contrário também deve ser considerado uma ação punível
penalmente, ou seja, o porte de arma de fogo, sem autorização legal, mesmo que
sem munição.203
Ao discorrer sobre o significado e abrangência dos acessórios de arma de
fogo e munições, Capez leciona que
De acordo com a definição contida no art. 3º, II, do Decreto n. 3.665,
de 20 de novembro de 2000, „acessório de arma: artefato que,
acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do
atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a
modificação do aspecto visual da arma‟. Munição, de acordo com o
inciso LXIV do referido Decreto, „é o artefato completo, pronto para
carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser:
destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre
pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais‟. Podem o
acessório ou munição ser de uso restrito ou permitido.
Como acessórios de uso permitido, arrolam-se: dispositivos ópticos
de pontaria, com aumento menor que 6 vezes e diâmetro da objetiva
menor que 36mm; equipamentos de proteção contra arma de fogo de
uso permitido (capacetes, coletes, escudos etc.) e cartuchos vazios,
semicarregados ou carregados de chumbos granulados, conhecidos
como „cartuchos de caça‟, desde que de calibres permitidos.
Como acessórios de uso restrito, o Decreto n. 3.665/2000 prevê,
ainda:

aqueles que dificultem a localização de arma de fogo
(silenciadores, quebra-chamas etc.);

dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de
marcar o alvo (mira-laser, p. ex.);

dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior
que 6 vezes e diâmetro da objetiva igual ou maior que 36mm;
202
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 86-87.
203
BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual
Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25.
72

equipamentos de visão noturna (óculos, lunetas etc.);

equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de
uso restrito (escudos, capacetes, coletes etc.).204
Capez também assevera que os crimes de porte ilegal de arma de fogo
serão considerados consumados mesmo nas hipóteses de o agente estiver
praticando a conduta de forma a ser-lhe impossível carregar o artefato pela falta de
munição ao seu alcance, pelo simples fato da impossibilidade de uso imediato da
arma em si, não a descaracterizar como arma de fogo, sendo igualmente esta, assim
como os acessórios e as munições, objeto material dos crimes em comento, uma
vez que o porte, isoladamente, de tais objetos também configuram crimes. 205
No entanto, o doutrinador alerta que, assim como a Lei não previu a efetiva
necessidade da demonstração de dano ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico
incolumidade pública, também não conjecturou a presunção deste perigo nos casos
em que ele simplesmente não poderia existir, devendo o intérprete do Direito ficar
atento aos casos em que possa ser aplicado o artigo 17 do Código Penal brasileiro
em face da impropriedade absoluta do objeto material utilizado na ação ou da total
ineficácia do meio empregado na mesma, casos estes que estaríamos frente a um
crime impossível.206
Apesar da crítica da injustiça quanto à periculosidade do agente, pois
mesmo tendo a intenção da prática do crime não poderá ser responsabilizado, nem
mesmo na forma tentada do delito, o crime impossível é justamente aquele que a
conduta do indivíduo de forma alguma poderá consumar o crime por impropriedade
absoluta do objeto material utilizado no ato delitivo, ou seja, quando o objeto material
protegido pela norma é diverso daquele utilizado pelo indivíduo em sua ação, ou
sequer existe, ou ainda, por total ineficácia do meio empregado na ação pelo agente,
ou seja, que de forma alguma levará à consumação da conduta tipificada, como por
exemplo, no uso de arma de brinquedo para matar uma pessoa. 207
204
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 379-380.
205
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 377.
206
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 374.
207
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 83.
73
Pelo exposto, para Capez, mesmo entendendo pela tipicidade da conduta de
portar arma de fogo desmuniciada, o aplicador do Direito Penal não deverá se
entregar à extrema radicalidade, devendo-se
[...] buscar o equilíbrio em cada caso concreto, sendo necessário
empregar a razoabilidade, ou seja, o bom senso, de acordo com as
máximas de experiência e a racionalidade, a fim de evitar excessos
de um lado e de outro. Nem é correto inviabilizar a aplicação da lei,
exigindo-se a demonstração do perigo concreto para pessoa
determinada, quando o legislador não o fez, e, com isso, levando o
princípio da ofensividade até as suas últimas consequências;
tampouco seria acertado admitir que, em pleno Estado Democrático
de Direito, o fato típico decorresse de mera subsunção formal,
considerando-se crime a prática de condutas que jamais seriam
capazes de colocar em risco o bem jurídico.208
De outro ponto de vista, totalmente avesso ao de Capez, é o pensamento de
Roger Spode Brutti, o qual sustenta que o Estatuto do Desarmamento trouxe normas
de perigo abstrato e de mera conduta ao descrever os crimes de porte ilegal de arma
de fogo e, o simples fato de o agente praticar as condutas descritas nos verbos
nucleares contidos nos artigos 14 e 16 da Lei n. 10.826/2003, por si só, estaria
demonstrando a consumação de tais delitos, não podendo o Poder Judiciário dar
outra interpretação no caso concreto senão aquela da qual se valeu o legislador no
ato de criação da norma, ou seja, que tais condutas devem ser criminalizadas e
punidas com os rigores da Lei Penal. 209
O autor, ao defender a idéia de que o Poder Judiciário não deve desvirtuar a
letra da lei emanada pelo legislador, ao interpretar a norma no caso concreto,
enfatiza que
De modo indubitável, a letra da lei é clara e não abre margem a
qualquer suscitação de dúvida.
Se é incompreensível, dentro de uma sociedade democrática e de
direito, uma idéia de civilização sem juízes independentes, que
possam conter o uso da força contra o oprimido ou o abuso do poder
contra os mais fracos, também incompreensível é que o Estado-juiz
desconsidere a faculdade constitucional do legislador, invadindo a
sua seara de atribuições, considerando as letras que desejar e
desconsiderando aquelas que vão contra a sua noção de
„conveniência e oportunidade‟.210
208
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 374.
209
BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual
Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25.
210
BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual
Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25.
74
Nesta esteira de entendimento, teria o legislador optado por reprimir, de
forma clara e objetiva, a manutenção pelo cidadão comum da arma de fogo em
desarmonia com o regido pela lei ou pela determinação regulamentar, mesmo
estando ela desmuniciada ou não, inteira ou desmontada, podendo-se chegar ao
absurdo de, em caso de o judiciário negar a aplicação desta vontade legislativa,
alegar-se que o carregamento oculto de milhares de armas de fogo sem munição
alguma que pudesse vir a tornar os artefatos prontos para produzir disparos poderia
ser
considerada
mera
infração
administrativa,
em
face
da
ausência
da
potencialidade lesiva das armas por estarem tais descarregadas. 211
De outra banda, Damásio leciona que nos crimes de porte ilegal de arma de
fogo trazidos pelo Estatuto do Desarmamento, por se tratar de crimes contra a
incolumidade pública, ou seja, que têm como objetivo imediato proteger a segurança
da coletividade, uma vez surpreendido o agente com arma de fogo desmuniciada, de
forma que o indivíduo não possua nenhuma chance de imediatamente municiar o
artefato pela ausência de munição a seu alcance, restará automaticamente
desconfigurado qualquer dos delitos contidos na Lei n. 10.826/2003, por tratar de
situação a ensejar crime impossível pelo meio inidôneo a ameaçar de lesão o bem
tutelado pela norma. 212
Da mesma forma, o arrazoado por Paulo Dariva, que acolhe a ideia de que o
simples fato da arma de fogo ser encontrada sendo portada ou transportada pelo
agente em via pública totalmente descarregada, sem a presença de nenhuma
munição que o possibilite municiar o objeto e, portanto, tornando-a incapaz de
produzir disparo, uma vez inexistir bala a ser disparada em seu sistema projetado
para este fim, torna o fato atípico, pois não há na conduta do agente a
disponibilidade da arma de fogo apta a infligir lesão ou sequer ameaçar de lesão o
bem tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, ou seja, a incolumidade pública.213
De fato o autor ao defender a atipicidade da conduta de portar ilegalmente
arma de fogo sem munição em via pública, com justificativa no Princípio da
Ofensividade no Direito Penal, afirma que
211
BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual
Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 30-31.
212
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 54.
213
DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB
de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 202.
75
[...] uma conduta, para que possa ser considerada efetivamente um
crime, não basta que esteja simplesmente prevista em lei como tal.
Deve
ser,
pelo
contrário,
tanto
formalmente,
quanto
substancialmente, criminosa. Um fato que, a despeito de previsto em
lei como crime, não traga uma ameaça concreta ao em jurídico
penalmente tutelado, não pode ser considerado um delito, sob pena
de violação ao princípio da lesividade, direito fundamental
constitucionalmente consagrado.
Nesta senda, o porte de arma de fogo desmuniciada, sem que haja
qualquer munição adequada ao alcance do agente, não configura os
delitos previstos nos arts. 14 e 16 da Lei nº 10.826/2003, eis que não
traz consigo qualquer ameaça, mesmo que abstrata, ao bem jurídico
tutelado pela norma penal, qual seja, a incolumidade pública.
De fato, sendo a incolumidade pública a garantia e preservação do
estado de segurança, integridade corporal, vida, saúde e patrimônio
indefinidamente considerados contra possíveis atos que os
exponham a perigo, conforme acima referido, tem-se que o fato de
estar a arma desmuniciada, sem que haja possibilidade de pronto
municiamento, exclui a disponibilidade de tal artefato, acarretando a
atipicidade da conduta do agente, eis que não colocado em risco o
bem jurídico tutelado.214
Também não destoam desta perspectiva os doutrinadores Gustavo
Octaviano Diniz Junqueira e Paulo Henrique Aranda Fuller. No entanto, tais autores
sustentam que o crime de porte ilegal de arma de fogo não estará configurado nos
casos do agente ser abordado fazendo o porte do objeto sem munição, apenas se o
mesmo tiver a arma registrada em seu nome, caso contrário, haverá a ameaça de
lesão ao bem jurídico protegido pela norma, ou seja, uma vez que está afetando o
controle Estatal sobre a circulação de armas de fogo em território brasileiro. 215
Ante todo o exposto, pode-se perceber que o assunto é controvertido na
doutrina pátria e, dependendo do foco em que se observa o problema podem surgir
vários posicionamentos que divergem uns dos outros, ora tendendo a admitir que o
porte ilegal de arma de fogo desmuniciada é figura típica e punível, ora alegando
que tal conduta não merece nenhuma sanção penal por não ameaçar, nem de forma
abstrata, o bem jurídico tutelado pela Lei n. 10.826/2003. Assim sendo, não seria
diferente na jurisprudência, como passaremos a observar a seguir.
214
DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB
de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 207.
215
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal
especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 456.
76
3.3 ANÁLISE DA MATERIA FRENTE ÀS DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS
Tais divergências também coexistiram no âmbito jurisprudencial pátrio,
especialmente entre os julgados da Quinta e Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça e entre a Primeira e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que
travaram durante anos, concomitantemente, um intenso embate de manifestações
em prol e contra a tipificação da conduta de portar arma de fogo desmuniciada, ora
entendendo que o fato não configura crime se o agente não possuir ao seu alcance
a munição para tornar efetivamente o artefato ofensivo, ora afirmando que a norma
tratou de crime de perigo abstrato e, portanto, dispensável a ocorrência de perigo
concreto ao bem jurídico, sendo a falta de munição apta a municiar a arma de fogo
irrelevante para a consumação do delito.216
3.3.1 O dissenso sobre a (a)tipicidade do porte de arma de fogo desmuniciada
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça vem decidindo pela
tipicidade dos delitos de porte ilegal de arma de fogo descritos no Estatuto do
Desarmamento, mesmo naquelas hipóteses em que o agente não carrega consigo
munição capaz de tornar o artefato propício à produção de disparos, como é o caso,
por exemplo, encontrado no julgamento do Habeas Corpus n. 177.232 – MG,
quando os Srs. Ministros da Turma votaram, na data de 19 de abril de 2012, nos
termos do parecer do Sr. Ministro Relator Gilson Dipp, para negar a ordem ao
paciente Cláudio Fonseca Carneiro, condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais em sede de Apelação217, e afirmar que
216
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 54.
217
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 177.232 - MG, Brasília, DF, 19 de abril
de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001161083&dt_publicacao=24/04/2012>
. Acesso em: 06 out. 2012.
77
[...] Consoante entendimento da Quinta Turma desta Corte, o porte
ilegal de arma de fogo é crime de perigo abstrato, de modo que, para
caracterização da tipicidade da conduta elencada no art. 16 da Lei
10.826/03, basta, tão somente, o porte de arma de uso proibido ou
restrito sem a devida autorização da autoridade competente e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, sendo
despiciendo o fato de a arma se encontrar desmuniciada.218
Outra sorte não teve o paciente Joceli Chaves da Silveira no julgamento do
Habeas Corpus n. 175.446 – RS, em 17 de maio de 2012, onde ao votarem
unanimemente os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça
Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp, Laurita
Vaz e Jorge Mussi, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator Marco Aurélio
Bellizze, concederam parcialmente a ordem, no que dizia respeito ao regime inicial
de cumprimento de pena, mas mantendo a condenação do paciente por infração ao
tipo penal descrito no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento 219, uma vez que
[...] o crime de porte ilegal de arma é de mera conduta e de perigo
abstrato, porque se consuma no simples fato de carregar consigo,
sem autorização legal, o objeto apreendido, e a potencialidade lesiva
é presumida, independe da comprovação, por perícia, do efetivo
prejuízo ou lesão ao bem jurídico tutelado - proteção à sociedade.220
Nesta digressão histórica de posicionamentos confrontantes, quando do
julgamento, em março de 2011, do Agravo Regimental n. 1.087.205 – GO, interposto
pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática que havia dado
provimento ao Agravo de Instrumento interposto por Abílio Alves de Morais, a Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou-lhe provimento, no
que os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do
TJ/SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) votaram nos
termos do voto da Sra. Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura 221, que ao
218
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 177.232 - MG, Brasília, DF, 19 de abril
de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001161083&dt_publicacao=24/04/2012>
. Acesso em: 06 out. 2012.
219
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 175.446 - RS, Brasília, DF, 17 de maio
de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001035594&dt_publicacao=15/06/2012>
. Acesso em: 06 out. 2012.
220
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 175.446 - RS, Brasília, DF, 17 de maio
de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001035594&dt_publicacao=15/06/2012>
. Acesso em: 06 out. 2012.
221
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.
1.087.205 – GO, Brasília, DF, 15 de março de 2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801894740&dt_publicacao=25/03/2011>
. Acesso em: 06 out. 2012.
78
expor seu voto pela atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição,
cravou o entendimento de que
A hipótese trazida a exame envolve conduta que, no meu sentir, não
pôs em xeque a integridade física sequer de uma pessoa, que dirá
da sociedade como um todo. In casu, o paciente foi flagrado com
uma arma desmuniciada. Trata-se, portanto, de hipótese de
aplicação do princípio da ofensividade, pois não houve concreta
afetação do bem jurídico, revelando-se claramente a conduta
descrita na sentença como materialmente atípica. 222
Sem destoar deste posicionamento, dois dias após o julgamento acima
transcrito, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, também por unanimidade,
negou provimento ao Agravo Regimental interposto pelo Ministério Público Federal
contra decisão que concedeu o Habeas Corpus n. 194.742 – MS, para absolver o
paciente da imputação de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, descrita no
artigo 14 da Lei n. 10.826/03, pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, onde
os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do
TJ/SP) e a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro
Relator Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE)223, no sentido de
que
[...] não comete o crime de porte ilegal de arma de fogo, aquele que,
sem a presença da munição, carrega arma, já que o princípio da
ofensividade em direito penal exige um mínimo de perigo concreto ao
bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação
de perigo abstrato.224
No entanto, esse entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça começou a ser desarmonizado com o advento do julgamento do Habeas
Corpus n. 124.907 – MG, em 06 de setembro de 2011, quando o Sr. Ministro Vasco
Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) pediu vista após o voto do Sr.
Ministro Relator Og Fernandes pela atipicidade da conduta da paciente em face da
ausência da munição à tornar ofensiva a ação de portar arma de fogo, proferindo
222
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.
1.087.205 – GO, Brasília, DF, 15 de março de 2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801894740&dt_publicacao=25/03/2011>
. Acesso em: 06 out. 2012.
223
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 194.742 – MS,
Brasília, DF, 17 de março de 2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201100094966&dt_publicacao=11/04/2011>
. Acesso em: 06 out. 2012.
224
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 194.742 – MS,
Brasília, DF, 17 de março de 2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201100094966&dt_publicacao=11/04/2011>
. Acesso em: 06 out. 2012.
79
voto-vista
divergente,
ao
denegar
a
ordem
de
Habeas
Corpus,
vindo,
posteriormente, a ser vencido nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, que foi
seguido pelo Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior, uma vez que ausente,
justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, quando, desta feita,
foi concedida a ordem de Habeas Corpus, por maioria.225
Afirmou o Sr. Ministro Relator Og Fernandes, ao proferir voto favorável ao
pleito absolutório da paciente que
[...] a acusada Adriana Rodrigues foi presa em flagrante quando
trazia consigo uma arma de fogo calibre 22, marca Taurus,
desmuniciada (e-STJ, fl. 68). A arma foi periciada, sendo
comprovado que se encontrava apta a realizar disparos. Na linha da
orientação prevalente na Sexta Turma desta Corte, o fato de a arma
de fogo estar desmuniciada afasta a tipicidade do delito. 226
Como já exposto, não obstante à sua esteira de entendimento, divergiu o Sr.
Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), valendo aqui
destacar suas palavras quando, em um trecho de seu voto denegatório da ordem ao
Habeas Corpus citado, proferiu que
Sem maiores digressões, tenho por evidente, [...] que a conduta
daquele que porta, detém, adquire, fornece, recebe, tem em
depósito, transporta, cede, ainda que gratuitamente, empresta,
remete, emprega, mantém sob guarda ou oculta arma de fogo, de
uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação
legal, revela-se típica, sendo verdadeiro irrelevante jurídico o fato de
estar ou não municiada a arma ou ter ou não o agente, a seu
alcance, munição.
Tal conclusão resulta do fato de ter o legislador alargado o tipo penal
para além do porte da arma de fogo propriamente dita, fazendo recair
sobre o agente portador de „acessório ou munições‟ a mesma
reprovação.
Parece-me inconteste que, consoante expressa disposição legal,
aquele que porta, por exemplo, sem autorização e em desacordo
com determinação legal, somente uma caixa com projéteis de calibre
.380, incorre no delito em questão, sujeitando-se, assim, aos rigores
da lei.
Assim o sendo, revela-se verdadeira incongruência entender que a
norma em debate tolera o porte de arma de fogo desmuniciada ao
mesmo tempo em que reprime o porte exclusivo de acessórios ou
munição.
225
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 124.907 – MG, DF, 06 de setembro de
2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802850743&dt_publicacao=19/10/2011>
. Acesso em: 08 out. 2012.
226
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 124.907 – MG, DF, 06 de setembro de
2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802850743&dt_publicacao=19/10/2011>
. Acesso em: 08 out. 2012.
80
O texto legal, de per si, evidencia o equívoco daqueles que
entendem que o objeto jurídico tutelado pela norma é simplesmente
a vida ou a incolumidade física e deixam de lado bens jurídicos
outros, tais quais a segurança pública e a paz social.
Ademais, revela-se pensamento demasiadamente simplista acreditar
que uma norma legal tenha objeto jurídico tutelado único, como se
não fosse possível ao legislador proteger bens diversos a partir de
uma mesma norma. Por isso que afigura-me inócuo perscrutar qual
"o bem jurídico" tutelado pelo art. 14 da Lei n.º 10.826/2003 no afã
de justificar o injustificável, de tentar, em
esforço exegético
descabido, transformar em atípica, ação a que o legislador,
evidententemente [sic], optou por disciplinar como crime de mera
conduta ou de perigo abstrato.227
Não muito tempo depois, mais precisamente no dia 15 de dezembro de
2011, os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça novamente se
reuniriam para, desta vez - após o voto do Sr. Ministro Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ/RS), que acompanhou o entendimento do Sr.
Ministro Relator Sebastião Reis Júnior e o voto-desempate do Sr. Ministro Adilson
Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) - por maioria, dar provimento
ao Recurso Especial n. 1.193.805 – SP, interposto pelo Ministério Público Federal
contra Ricardo da Silva Marques, sendo vencidos os votos da Sra. Ministra Maria
Thereza de Assis Moura e do Sr. Ministro Og Fernandes, que lhe negavam
provimento.228
Nesta senda, merece destaque o arrazoado pelo Sr. Ministro Adilson Vieira
Macabu, que ao seguir o entendimento esposado pelo Sr. Ministro Relator Sebastião
Reis Júnior deu provimento ao apelo Ministerial para restabelecer a sentença
condenatória de primeiro grau, nos seguintes termos:
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face do v. acórdão do eg.
Tribunal de Justiça daquele estado que reformou a r. sentença
condenatória, por considerar que a arma de fogo desmuniciada não
possui lesividade objetiva capaz de fazer subsumir a conduta ao
tipo penal do art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n.º 10.826/03.
Submetido a julgamento nesta c. Sexta Turma, o eminente Ministro
Relator, ressalvando conhecer o entendimento divergente da Turma,
227
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 124.907 – MG, DF, 06 de setembro de
2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802850743&dt_publicacao=19/10/2011>
. Acesso em: 08 out. 2012.
228
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.193.805, da Sexta Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça de São Paulo, Brasília, DF, 15 de novembro de 2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000859864&dt_publicacao=11/04/2012>
. Acesso em: 13 out. 2012.
81
houve por bem dar provimento ao recurso, ao fundamento de que o
tipo penal em questão trata de crime de perigo abstrato, sendo
despiciendo o fato de a arma com numeração raspada estar
municiada ou não, no que foi acompanhado pelo eminente Ministro
Vasco Della Giustina.
Inaugurando a divergência, a eminente Ministra Maria Thereza de
Assis Moura considerou os precedentes desta c. Turma, reafirmando
a tese de que o crime em comento é de perigo objetivo, sendo
necessária a demonstração da lesividade do objeto material, no que
foi acompanhada pelo eminente Ministro Og Fernandes.
Neste quadro, configurado o empate, fui convocado para apresentarme a este c. Órgão Julgador, com a honrosa missão de contribuir
para a realização deste julgado.
Considerando a condição de desenvolvimento do pensamento do
Direito Penal sob os aspectos da Intervenção Mínima e da
necessidade de políticas públicas que determinem uma aplicação
mais eficaz do sistema punitivo, compreendo e louvo as razões
adotadas pela mui digna divergência, mormente pela experiência
trazida por anos de atuação na Defensoria Pública de meu Estado,
onde sempre batalhamos pela aplicação sistematizada e utilitária do
Direito Penal, buscando evitar a imposição de sua severidade de
forma desnecessária e sem qualquer proveito ao crescimento da
sociedade.
Assim, por convicções pessoais e razões de Direito, estaria inclinado
a acompanhar a ilustre divergência, nos termos do voto da eminente
Ministra Presidente.
Todavia, tendo composto a c. Quinta Turma em processos que
trataram da mesma matéria, acompanhei o voto do eminente Ministro
Gilson Dipp, aquiescendo com a tese de que a adulteração das
características da arma de fogo, por si só, já configura o tipo penal
análogo ao porte de artefato de uso proibido, independentemente de
estar ou não municiada.
[...]
Nestes termos, por razões de lógica e segurança jurídica, peço vênia
à louvável divergência, para acompanhar o entendimento esposado
pelo eminente Ministro Sebastião Reis Júnior, dando provimento ao
apelo nobre.229
E posteriormente, na data de 16 de fevereiro de 2012, a Sexta Turma do
Superior Tribunal de Justiça iria novamente proferir um julgamento curioso a respeito
das infrações contidas no Estatuto do Desarmamento, quando do enfrentamento do
229
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.193.805, da Sexta Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça de São Paulo, Brasília, DF, 15 de novembro de 2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000859864&dt_publicacao=11/04/2012>
. Acesso em: 13 out. 2012.
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Habeas Corpus n. 118.773 - RS, que após prosseguir o julgamento com o voto-vista
do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior, que preferiu denegar a ordem de Habeas
Corpus votando diversamente do Sr. Ministro Relator Og Fernandes, no que foi
seguido pelo Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do
TJ/RS), verificou-se o empate na votação com o voto concedendo a ordem da Sr.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, tendo prevalecido tal situação por ser a mais
favorável ao paciente, que teve o pedido de Habeas Corpus deferido, livrando-se
das sanções contidas na Lei n. 10.826/2003. 230
Tratava-se de Habeas Corpus impetrado em favor de Paulo Cesar Teixeira
por ter sido flagrado em via pública, trafegando em uma motocicleta, e portando uma
pistola Taurus, calibre nominal .380, com numeração raspada, e um cartucho com
nove munições, calibre 9 mm, de uso restrito, o qual havia sido absolvido pelo Juiz
singular dos crimes de porte ilegal de arma de fogo e porte ilegal de munição, ambos
de uso restrito, tendo em vista a falta da potencialidade lesiva do instrumento
constatada por meio de perícia, na qual restou comprovada a ineficiência da arma
em produzir disparos e pela inexistência da potencialidade lesiva na conduta de
carregar munição sem arma de calibre idêntico, situação esta que não permitiria ao
agente municiar um instrumento que pudesse, efetivamente, por em risco a
sociedade. Posteriormente, em consequência da insurreição do Ministério Público
Estadual, o paciente restou condenado a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de
reclusão, a iniciar-se em regime inicial fechado, além de 20 (vinte) dias-multa, pelo
Tribunal Sul-rio-grandense pela infração dos dois delitos, por entender aquele
colegiado serem tais crimes considerados como de perigo abstrato. 231
Apesar de não se tratar de um crime de porte ilegal de arma de fogo em que
o agente foi abordado sem munição, vale aqui destacar o voto do Sr. Ministro
Relator Og Fernandes, que ao expor os fundamentos de sua decisão fez lembrar o
posicionamento divergente da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça em
vários julgados anteriores acerca da matéria:
230
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 118.773 - RS, DF, 16 de fevereiro de
2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802306097&dt_publicacao=18/06/2012>
. Acesso em: 09 out. 2012.
231
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 118.773 - RS, DF, 16 de fevereiro de
2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802306097&dt_publicacao=18/06/2012>
. Acesso em: 09 out. 2012.
83
Contudo, o entendimento firmado no âmbito desta Sexta Turma, a
partir do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº
998.993/RS (Relatora para o acórdão a Ministra Maria Thereza, DJ
de 8.6.2009), é o de que, „tratando-se de crime de porte de arma de
fogo, faz-se necessária a comprovação da potencialidade do
instrumento, já que o princípio da ofensividade em direito penal exige
um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma,
não bastando a simples indicação de perigo abstrato.‟
[...] No que diz respeito ao porte de munição de uso restrito, isto é, 9
(nove) projéteis, calibre 9 mm, com acerto decidiu o Juiz
sentenciante ao absolver o paciente.
Apesar de tais munições terem sido aprovadas no teste de eficiência,
não ofereceram perigo concreto de lesão, já que a arma de fogo
apreendida, além de ineficiente, era de calibre distinto.
Ora, se este órgão fracionário tem proclamado que a conduta de
quem porta arma de fogo desmuniciada é atípica, quanto mais a de
quem leva consigo munição sem arma adequada ao alcance.
Aliás, não se mostraria sequer razoável absolver o paciente do crime
de porte ilegal de arma de fogo, ao fundamento de que o instrumento
é ineficiente para disparos, e condená-lo, de outro lado, pelo porte da
munição.232
Contudo, verifica-se que tal divergência vem diminuindo no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a Sexta Turma passou a adotar o
entendimento já consolidado da Quinta Turma daquele Eg. Tribunal Superior, no
sentido de que os crimes de porte ilegal de arma de fogo, agasalhados pelo Estatuto
do Desarmamento, são considerados como crimes de perigo abstrato, sendo,
portanto, dispensável a aferição de perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado
para a consumação de tais infrações. 233
Muito embora venha a Sexta Turma do Tribunal Superior de Justiça, nos
mais recentes julgados, decidindo pela tipicidade da conduta de portar arma de fogo,
mesmo quando tais armas são portadas sem nenhuma munição, ainda persiste
dentro daquele órgão fracionário certa aversão quanto a este posicionamento, tendo
a relatora do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.059.644 – MG, a Exma.
Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, mesmo votando pelo provimento do
Agravo Especial e, em consequência, pela tipicidade da conduta de portar arma de
232
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 118.773 - RS, DF, 16 de fevereiro de
2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802306097&dt_publicacao=18/06/2012>
. Acesso em: 09 out. 2012.
233
Cf. Habeas Corpus n. 211.823 – SP, julgado em: 22 de março de 2012 e Agravo Regimental no
Agravo em Recurso Especial n. 155.202 – MS, julgado em: 15 de maio de 2012.
84
fogo desmuniciada, fez questão de asseverar seu pensamento acerca da matéria 234,
afirmando que
Com efeito, esta Sexta Turma, no julgamento do Recurso Especial nº
1.193.805⁄SP, de relatoria do eminente Ministro Sebastião Reis
Júnior, modificou seu entendimento, por meio do voto de desempate
do Ministro Adilson Vieira Macabu, que compõe a 5ª Turma, para
assentar que é irrelevante estar a arma desmuniciada ou aferir sua
eficácia para configuração do tipo penal. [...]
Dessarte, ressalvo meu ponto de vista, no sentido de que a
questão da exigência do municiamento ou mesmo da perícia
para a comprovação dos tipos relativos ao porte de arma de
fogo, quer seja autônomo, quer seja considerado como
majorante, se afigura mais consentânea com um Direito Penal
sintonizado com o princípio da exclusiva tutela de bens
jurídicos [...].235 Sem grifos no original.
Tais posicionamentos conflitantes, seguida, posteriormente, de uma
mudança de entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, mesmo que
ainda resistida por alguns Ministros daquela Superior Instância, têm muito significado
ao se analisar o modo como o qual vinha se posicionando o Supremo Tribunal
Federal acerca da matéria236, o que se exporá com mais detalhes a partir deste
momento.
3.2.2 A divergência no âmbito do Supremo Tribunal Federal
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal vem firmando entendimento
de que o porte ilegal de arma de fogo é crime de mera conduta e de perigo abstrato
há vários anos, não importando para a configuração de tal delito, saber se a arma
estava ou não municiada, ou se o agente tinha acesso imediato à munição. 237
234
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.059.644 –
MG, Brasília, DF, 27 de março de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801126930&dt_publicacao=11/04/2012>
. Acesso em: 13 out. 2012.
235
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.059.644 –
MG, Brasília, DF, 27 de março de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801126930&dt_publicacao=11/04/2012>
. Acesso em: 13 out. 2012.
236
Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 376-379.
237
Cf., por exemplo, Habeas Corpus 107.447 – ES; Habeas Corpus 101.994 – SP; Habeas Corpus
88.757 – DF; Habeas Corpus 103.539 – RS.
85
Entretanto, pouco depois da promulgação da Lei n. 10.826/2003, mas ainda
julgando fato ocorrido sob a égide da Lei n. 9.437/1997, atualmente revogada, mas
que tratava sobre a mesma matéria, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
veio a se manifestar, pela maioria dos votos, para dar provimento ao Recurso
Ordinário em Habeas Corpus n. 81.057-8 – SP, absolvendo o recorrente, Lourival
Dantas Roteas, do crime de porte ilegal de arma de fogo que lhe era imputado por
ter sido flagrado, em via pública, transportando na cintura, um revólver, marca
Taurus, calibre nominal .32, sem possuir licença e, como se não bastasse, estando
foragido da Justiça diante de anterior condenação por crime de roubo. 238
Após o voto de improvimento da Srª. Ministra Relatora Ellen Gracie,
alegando que “uma arma de fogo, transportada pelo agente na cintura, ainda que
desmuniciada, é propícia, por exemplo, à prática do crime de roubo, diante do seu
poder de ameaça e de intimidação da vítima”, no qual foi seguida pelo Sr. Ministro
Ilmar Galvão, o Sr. Ministro Sepúlveda Pertence pediu vista dos autos para,
posteriormente, proferir voto de vista, como relator para o acórdão, deferindo o
Habeas Corpus pelo fato de a arma transportada pelo agente estar desmuniciada, o
que pelo princípio da disponibilidade torna a arma inidônea à produção de disparo e,
portanto, aquela não serve como objeto material do tipo descrito na legislação capaz
de tipificar a conduta do porte ilegal de arma de fogo, voto este que restou seguido
pelo Sr. Ministro Joaquim Barbosa e, após novo pedido de vista, pelo Sr. Ministro
Cezar Peluso, declarando-se, pelo exposto, atípica a conduta do recorrente. 239
O que se viu após, com o advento de julgamentos em face do Estatuto do
Desarmamento, foi uma brusca mudança de entendimento dentro daquela Primeira
Turma, que tem, desde então, decidido pela tipicidade da conduta, como se vê, por
exemplo, no recente julgado do Habeas Corpus n. 107.447 – ES, onde a Turma, por
unanimidade, denegou a ordem da paciente Alcione dos Santos de Oliveira,
238
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 81.057-8 – SP,
Brasília, DF, 05 de maio de 2004. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=102762>. Acesso em: 16 out.
2012.
239
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 81.057-8 – SP,
Brasília, DF, 05 de maio de 2004. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=102762>. Acesso em: 16 out.
2012.
86
condenada no Juízo de Aracruz – ES, pela prática da conduta descrita no art. 14 da
lei n. 10.826/2003. 240
Merece destaque o arrazoado pela Srª. Ministra Presidente e Relatora
Cármen Lúcia que em seu voto lembrou da digressão histórica do julgado acima
referido, no sentido de que
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça harmoniza-se com a
jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Deve ser destacado que no julgamento do Recurso em Habeas
Corpus nº 81.057, relator para o acórdão o Ministro Sepúlveda
Pertence, a Primeira Turma do Supremo Tribunal posicionou-se pela
atipicidade da conduta de porte ilegal de arma de fogo de uso
permitido quando desmuniciada e sem que o agente tivesse a pronta
disponibilidade da munição.
No julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 90.197, a Primeira
Turma, por maioria, vencido o Ministro Sepúlveda Pertence,
reconsiderou seu posicionamento e passou a considerar típica a
mesma conduta [...].
Nesse contexto, para se evitar o mal maior, consubstanciado no
dano, antecipa-se a punição para o ato de portar arma de fogo,
sendo irrelevante a constatação de estar ela municiada ou não.
Não se quer maximizar o direito penal, tornando-o hipertrofiado,
preventivo e mais punitivo. Busca-se apenas minimizar o risco de
comportamentos que vem produzindo efeitos deletérios à sociedade,
garantindo aos cidadãos efetivo exercício do direito à segurança e à
própria vida.241
Melhor sorte não teve Aparecido Barbosa, condenado pelos crimes de tráfico
de drogas e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido pelo Juízo de primeira
instância do Estado de São Paulo, tendo sido, posteriormente, negado provimento
em seu pleito absolvitório em sede de apelação pela Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça e, após a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, teve denegada a ordem em sede de Habeas Corpus impetrado pela
240
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 107.447 – ES, Brasília, DF, 10 de maio de
2011. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1214756>. Acesso em: 16 out.
2012.
241
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 107.447 – ES, Brasília, DF, 10 de maio de
2011. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1214756>. Acesso em: 16 out.
2012.
87
Defensoria Pública do Estado de São Paulo perante aquela Suprema Corte, pelo
entendimento de que sua conduta era típica e punível.242
Naquele
julgado
os
Srs.
Ministros
da
Primeira
Turma
votaram
unanimemente, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Dias Toffoli, que
asseverou
Não desconheço que a Segunda Turma tem posicionamento
contrário ao ora adotado. Contudo, filio-me ao entendimento de que
„o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de mera
conduta e de perigo abstrato, ou seja, consuma-se
independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo para a
sociedade, e a probabilidade de vir a ocorrer algum dano é
presumida pelo tipo penal. Além disso, o objeto jurídico tutelado não
é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social,
sendo irrelevante o fato de estar a arma de fogo municiada ou não‟
(HC nº 104.206/RS, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen
Lúcia, DJe de 21/5/10).243 (grifos no original).
Analogamente, o arrazoado no Habeas Corpus n. 88.757 – DF, de
Presidência da Sr. Ministra Cármen Lúcia e Relatoria do Sr. Ministro Luiz Fux, onde
negou-se a ordem ao paciente Marcilio Wagner Nunes de Oliveira, condenado em
primeira instância pelo crime descrito no artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, o qual
havia tido reafirmada a condenação pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de
Recurso Ordinário Constitucional, tendo os Srs. Ministros da Suprema Corte, de
forma unânime, consagrado o voto do Relator no sentido de que, em tratando-se de
crime de porte ilegal de arma de fogo, por ser delito de mera conduta e de perigo
abstrato, basta tão somente, a conduta de portar o objeto vulnerante sem a
autorização legal e em desacordo com a determinação da lei ou do regulamento,
não importando saber se arma estava ou não municiada. 244
Mais recentemente, em 17 de abril de 2012, a Turma novamente negou a
ordem pleiteada no Habeas Corpus n. 103.539 – RS, onde de mais uma vez de
242
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 101.994 – SP, Brasília, DF, 06 de junho
de 2011. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626603>. Acesso em: 17 out.
2012.
243
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 101.994 – SP, Brasília, DF, 06 de junho
de 2011. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626603>. Acesso em: 17 out.
2012.
244
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 88.757 – DF, Brasília, DF, 06 de setembro
de 2011. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627642>. Acesso em: 17 out.
2012.
88
forma unânime, votaram os Srs. Ministros nos termos do voto da Sr. Ministra
Relatora Rosa Weber, reafirmando o entendimento de que o Estatuto do
Desarmamento quando cuidou dos crimes de porte ilegal de arma de fogo, tratou de
crimes de mera conduta e de perigo abstrato, sendo irrelevante para a consumação
de tais delitos o fato de a arma se encontrar desmuniciada no momento da
abordagem do agente em via pública. 245
Merece realce o arrazoado pelo Sr. Ministro Marco Aurélio, que ao seguir o
voto da Srª. Ministra Relatora Rosa Weber, asseverou ao Sr. Ministro Presidente
Dias Toffoli que “já ressaltei que seria uma incongruência admitir-se o tipo pelo porte
de munição, sem a arma, e não se admitir pelo porte de arma, sem a munição.” 246
Destoante, até então, deste entendimento, a Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal, vinha proferindo decisões no sentido de que o porte ilegal de arma
de fogo desmuniciada resultava na atipicidade da conduta do agente, como
podemos visualizar no arrazoado Habeas Corpus n. 97.811 – SP, onde por maioria
dos votos foi deferido a ordem para absolver o paciente Cláudio Nogueira Azevedo
da imputação que lhe era imposta, por infração ao artigo 14 do Estatuto do
Desarmamento, por ter sido flagrado, em via pública, portando e transportando uma
espingarda calibre .36, sem munição. 247
Neste julgado, após o voto da Srª. Ministra Presidente e Relatora Originária
Ellen Gracie denegando a ordem ao paciente, uma vez que o fato de estar
desmuniciada a arma não a descaracterizaria como arma de fogo, pois a
ofensividade do objeto bélico não reside apenas na sua capacidade de disparar
projéteis, mas, muitas vezes, no poder de intimidação das vítimas, inaugurou a
divergência o Sr. Ministro Cezar Peluso, por entender que não havendo munição a
disposição do agente atípica deveria ser sua conduta, o que não foi seguido pelo Sr.
Ministro Celso de Mello, que acompanhou a Srª. Ministra Relatora Originária, pois
245
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 103.539 – RS, Brasília, DF, 17 de abril de
2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2009372>. Acesso em: 17 out.
2012.
246
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 103.539 – RS, Brasília, DF, 17 de abril de
2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2009372>. Acesso em: 17 out.
2012.
247
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 97.811 – SP, Brasília, DF, 09 de junho de
2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601200>. Acesso em: 17 out.
2012.
89
entendeu que a arma foi periciada, constatando-se a potencialidade lesiva, o que,
mesmo sem munição a disposição do agente demonstra a ameaça de risco à
segurança pública, no que veio, posteriormente, a discordar o Sr. Ministro Eros Grau
e, portanto, deixando empatada a votação. 248
Ocorre que após debate entre os Srs. Ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie,
ficou demonstrado que o agente não possuía munição ao alcance e que a arma não
havia sido submetida à exame pericial, no que o Sr. Ministro Celso de Mello retificou
seu voto para conceder a ordem de Habeas Corpus ao paciente, sendo vencida a
tese da tipicidade, mesmo depois do voto denegando a ordem do Sr. Ministro
Joaquim Barbosa, que juntamente com a Srª. Ministra Ellen Gracie, ficou vencido no
acórdão.249
A mesma sorte teve o paciente Pedro Alves Martins no julgamento do
Habeas Corpus n. 99.449 – MG, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal,
quando logo após a denegação da ordem pela Srª. Ministra Presidente e Relatora
Ellen Gracie, ao passo que o agente flagrado em via pública trazendo consigo arma
de fogo sem autorização da autoridade competente e em desacordo com a
determinação legal e regulamentar, mesmo que desmuniciada, tem conduta
amoldada nos termos do artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, foi absolvido da acusação
que lhe era imputada pela concessão da ordem dada pelos Srs. Ministros Cezar
Peluso (Relator para o Acórdão) e Celso de Mello.250
A Srª. Ministra Ellen Gracie veio novamente a se manifestar, como Relatora
Originária, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ, pela denegação
do pleito absolvitório da Recorrente A. C. da C. G., menor que havia sido condenada
ao cumprimento de medida sócio-educativa de semi-liberdade e tratamento
antidrogas, por ato infracional análogo ao crime previsto no artigo 14 do Estatuto do
Desarmamento, por ter sido abordada fazendo porte de arma de fogo de uso
248
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 97.811 – SP, Brasília, DF, 09 de junho de
2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601200>. Acesso em: 17 out.
2012.
249
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 97.811 – SP, Brasília, DF, 09 de junho de
2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601200>. Acesso em: 17 out.
2012.
250
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 99.449 – MG, Brasília, DF, 25 de agosto
de 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607685>. Acesso em: 17 out.
2012.
90
permitido sem munição e enferrujada. Salientou a eminente Ministra que “a
circunstância do revólver encontrar-se desmuniciado ou enferrujado, não afasta a
sua condição de arma capaz de intimidar vítimas.”251
Após o pedido de vista dos autos do Sr. Ministro Eros Grau (Relator para o
Acórdão) e de seu voto de divergência, que foi seguido pelos demais Ministros
participantes do julgamento, a Segunda Turma da Suprema Corte, por maioria,
concedeu provimento ao Recurso Ordinário para declarar atípica a conduta da
Recorrente de portar arma de fogo desmuniciada e enferrujada. 252
Aqui, o voto de divergência girou em torno da necessidade de comprovação
da capacidade lesiva da arma de fogo enferrujada e desmuniciada, em analogia ao
que se asseverou no julgamento do Habeas Corpus n. 95.142 (DJ de 4.12.08) em
relação à imprescindibilidade de exame pericial comprovando a capacidade para
produzir disparo da arma para aferição da causa de aumento de pena no crime de
roubo253, que segundo o Sr. Ministro Relator para o Acórdão Eros Grau:
Mutatis mutandis, esses fundamentos servem, igualmente, para
descaracterizar como crime o porte ilegal de arma desmuniciada não
submetida a exame pericial para atestar, ou não, sua potencialidade
lesiva.254
Porém, desde meados do ano de 2009 a Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal não havia mais julgado nenhum processo acerca da matéria, o que
veio a ocorrer somente no dia 28 de fevereiro de 2012, quando aquele Colegiado
novamente se reuniu para decidir sobre a tipicidade ou não da conduta de portar
arma de fogo sem munição, tendo concluído no julgamento conjunto de três Habeas
Corpus (Habeas Corpus ns. 102.087, 102.826, e 103.826), por maioria dos votos,
que o fato de arma de fogo estar desmuniciada não descaracteriza o crime previsto
251
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ,
Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out.
2012.
252
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ,
Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ,
Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ,
Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out.
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91
no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, mudando seu ponto de vista sobre o
assunto e adotando, portanto, a posição que já vinha sendo abraçada pela primeira
Turma daquela Suprema Corte, de que a Lei n. 10.826/2003 criminaliza o porte de
arma de fogo independentemente de seu real funcionamento e, mesmo estando
desmuniciada a arma e o agente não tenha acesso imediato à projéteis. 255
O Sr. Ministro Relator dos três Habeas Corpus acima citados, Ministro Celso
de Mello, concedeu as ordens entendendo que inexistia a justa causa para a
instauração da persecução penal, uma vez que desmuniciadas as armas de fogo ali
discutidas e diante da impossibilidade de imediato acesso de seus portadores às
munições, por total inexistência destas quando da abordagem dos agentes, não
configurava crime a conduta de porte ilegal de arma de fogo. 256
Após o pedido de vista dos autos do Sr. Ministro Gilmar Mendes, que
retomou o julgamento com voto-vista divergente, no sentido de que a intenção do
legislador ao editar o Estatuto do Desarmamento foi de dar uma resposta à altura do
clamor público a um quadro específico de violência, não cabendo ao Judiciário,
ventilar se a arma realmente funcionaria ou se está municiada ou não, entendimento
que restou seguido pelos demais integrantes da Turma, denegando-se, por maioria,
as ordens e mantendo-se as respectivas condenações. 257
Tal mudança no entendimento da Segunda Turma da Suprema Corte veio a
ser reafirmada pouco tempo depois, no julgamento do Habeas Corpus n. 104.410 –
RS, quando os Srs. Ministros Ayres Britto, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski
votaram unanimemente, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Gilmar Mendes,
para denegar a ordem ao paciente Aldori Lima, incurso no crime de porte ilegal de
arma de fogo, o qual havia sido abordado na via pública portando e transportando
255
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma reafirma entendimento sobre porte de arma sem
munição. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=201191>. Acesso em: 17 out.
2012.
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma reafirma entendimento sobre porte de arma sem
munição. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=201191>. Acesso em: 17 out.
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257
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma reafirma entendimento sobre porte de arma sem
munição. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=201191>. Acesso em: 17 out.
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arma de fogo sem possuir ao seu alcance munição apta a tornar o objeto propício a
disparar projéteis.258
Merece especial destaque parte do voto do Sr. Ministro Relator Gilmar
Mendes, pelo brilhantismo em abordar suas razões para denegar a ordem ao
referido mandamus, demonstrando, por conseguinte, a danosidade a que é
intrínseca ao próprio objeto arma de fogo, mesmo que desmuniciada:
É inquestionável que o resultado morte ou lesão – ou mesmo a
ameaça – pode ser obtido pelos mais objetos e formas que a mente
humana é capaz de se utilizar, mas, no caso da arma de fogo, pela
sua própria natureza, o legislador resolveu distingui-la e erigi-la como
tipo autônomo. O legislador, na verdade, antecipou-se aos possíveis
e prováveis – isso me parece que deve ficar claro, pois é o ordinário
– resultados lesivos. No caso, essa antecipação encontra
sustentação no próprio objeto incriminado, pois ninguém se utiliza de
arma com outra finalidade senão aquela para a qual foi concebida.
E mesmo aqueles que dela se apossam para se defender,
comprovam as estatísticas, têm cumprido finalidade diversa, ora
sendo objeto de acidentes domésticos, ora servindo para alimentar o
comércio clandestino.
Inabalável, igualmente, a lesividade à paz social. E o argumento de
que ela é ínsita a todo e qualquer delito, não desautoriza seu relevo
como bem a tutelar, ao revés, confirma-o e ratifica sua distinção
como fato apto a merecer a proteção do Direito Penal. Diversa seria
a situação se o objeto, de per si, não causasse qualquer abalo à paz
social, como, por exemplo, o caco de vidro, a faca (aceitos
socialmente, mormente pela utilidade ordinária diversa).
Da mesma sorte e sem deslustro aos que divergem na linha de
raciocínio, penso que seu poder de intimidação sobre as pessoas
representa potencial lesão à paz social e à segurança pública. 259
O decano do Supremo Tribunal Federal, ao finalizar sua linha de raciocínio
sobre o tema, destaca o que deve ser, daqui para frente, adotado como forma de
posicionamento acerca da abordagem da conduta de portar arma de fogo, fora da
residência ou local de trabalho (para titular ou responsável pelo estabelecimento ou
empresa), sem a presença de munição apta à, efetivamente, carregar o artefato
bélico, no sentido de que
258
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março
de 2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out.
2012.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março
de 2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out.
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Podemos, sim, poetizar sobre a arma de fogo, mas é inexorável que
sua natureza é letal e, com efeito, no plano teórico, respalda uma
preocupação legítima do legislador de coibir seu uso, seu porte e sua
posse.
Não descuro da realidade, inclusive daquela formada por situações
possíveis de ocorrer nos mais diversos rincões deste país e que, em
tese, ainda que submetidas à tipicidade formal, são desprovidas de
qualquer significação social.
A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta
ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não
em linha diretiva de ilegitimidade normativa.
Devemos cindir a questão em dois momentos: da elaboração da
norma incriminadora e da aplicação do direito ao caso concreto.
Aliás, como sói ocorrer em todas as situações abarcadas pelo direito.
Assim, a questão, ao meu sentir, não reside na tipificação da
conduta, mas na aplicação do direito aos diversos fatos que se
verificam no cotidiano. Na avaliação concreta realizada pelo juiz, ao
pretensamente realizar um juízo de subsunção do fato à norma.260
Com esta forma de pensar e indeferindo a ordem do citado mandamus, o Sr.
Ministro Relator Gilmar Mendes aderiu ao posicionamento adotado pela Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, de que o porte de arma de fogo sem munição é
conduta formalmente típica, embora também admita que o Judiciário não deve e não
pode engessar, no caso concreto, a interpretação da norma de forma a condenar o
agente pela prévia previsão legal e, com isso, deixa claro que, dependendo das
circunstâncias de cada caso, poderão ocorrer condutas que por não oferecerem
nenhuma ameaça aos postulados morais e de proteção social a que se reportou o
legislador na promulgação do Estatuto do Desarmamento, nenhuma outra saída terá
o julgador, senão a absolvição. 261
260
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março
de 2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out.
2012.
261
Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de
março de 2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out.
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3.4 ANÁLISE E CRÍTICA DO OBJETO DO TRABALHO
Frente a tudo que foi anteriormente exposto, verifica-se que quando se trata
das normas contidas no Estatuto do Desarmamento existe uma grande dissensão na
doutrina e também na jurisprudência acerca de certos dispositivos, que vão desde o
próprio desarmamento em si, até questões mais pontuais, como por exemplo, a
questão da (a)tipicidade da conduta de portar ilegalmente arma de fogo sem
munição.
Nas palavras de Damásio, quando trata da questão mas crucial do Estatuto
do Desarmamento, quanto a possibilidade de efetividade da norma ao desarmar a
população brasileira
Não nos devemos iludir com o milagre da lei solitária. Ela é o
instrumento de que se vale o Estado para impor suas determinações.
Isolada, porém, não produz a eficácia desejada. Nesse campo, não
adianta ter boas idéias, nem boas leis. É preciso concretizá-las,
executá-las com seriedade, eficácia e responsabilidade, em conjunto
com o auxílio de outros meios, como investimento em educação,
saúde, oportunidade de trabalho etc. E mais: o desarmamento
popular só pode ser imposto quando se tem uma polícia apta a
garantir a segurança social. Ao lado do „Estatuto do Desarmamento‟
deveria existir o „Estatuto da Polícia‟, concedendo-lhe instrumentos
reais e capazes de concretizar a sua missão de prevenir a
criminalidade.262
Com isso, é de se destacar que a Lei em si, sozinha, desacompanhada de
políticas sérias de conscientização e educação da população não resolve nenhum
problema social, o que não seria diferente com o Estatuto do Desarmamento, que
desde sua promulgação provocou um estardalhaço na doutrina e na jurisprudência
acerca de sua melhor interpretação, para que seus dispositivos não ficassem a
mercê de abusos sociais, nem fossem desrespeitados pela falta de aplicação.
E isso porque, não teria sentido nenhum desarmar o pai de família, as
pessoas que seguem as leis e se comportam dignamente em sociedade, se o
Estado, consubstanciado nas instituições policiais de controle e repressão da
criminalidade, não possui meios eficazes de desarmar os criminosos, que por livre e
262
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 05.
95
espontânea vontade, não irão entregar suas armas por força de uma legislação
desarmamentista.263
De outra senda, tem-se a discussão sobre a utilização dos chamados crimes
de perigo abstrato ou presumido pelo legislador como forma de proteção dos bens
jurídicos. Alguns doutrinadores264 defendem a ideia, mesmo que desacompanhada
pela jurisprudência dominante, de que os crimes de perigo abstrato deveriam ser
considerados inconstitucionais, uma vez que perfazem no próprio tipo penal a
presunção da ameaça de lesão do bem jurídico, mesmo que da descrição da
conduta tipificada não se observe qualquer ameaça concreta ao bem tutelado,
punindo-se o comportamento do agente por, simplesmente, praticar o que foi
descrito no tipo penal.
Há, portanto, nos crimes de perigo abstrato, a previsão de uma punição que
vai além dos limites da punibilidade, uma vez que se está imputando ao sujeito uma
prática de lesão que não cometeu e, sim, que se presume que cometeu pela própria
letra da lei, onde ao tutelar bens jurídicos apresentados como importantes, o
legislador
antecipa
a
intervenção
penal
causando,
consequentemente,
o
desencadeamento de uma série de violações de princípios já consagrados como
base
de
um
Direito
Penal
democrático,
como
o
da
subsidiariedade,
fragmentariedade, intervenção penal mínima, ofensividade e proporcionalidade, por
exemplo.265
Nesse contexto, razão assiste a Gustavo Octaviano Diniz Junqueira quando
afirma que por causar mais violência do que a conduta tipificada na norma penal,
esta antecipação da intervenção punitiva, característica dos crimes de perigo
abstrato, deveria ser abolida completamente, por ser medida mais consentânea com
um Direito Penal democrático, em defesa dos direitos individuais e das limitações do
poder punitivo estatal, no entanto, descriminalizar todas as condutas descritas como
263
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 05.
264
Cf. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 20-21; DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo
desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58,
out./nov. 2009; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In:
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal
especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418-420.
265
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418.
96
de perigo abstrato seria, no mínimo, inviável, um tiro no próprio pé da sociedade,
uma vez que todos os crimes assim classificados tutelam os bens tidos como os
mais importantes à paz social, como no caso dos crimes de porte ilegal de arma de
fogo, em que se protege a incolumidade pública, além de tantos outros em que se
tutela, por exemplo, a vida, a integridade física das pessoas, etc. 266
Quanto aos crimes de porte ilegal de arma de fogo, certo é que são de mera
conduta e de perigo abstrato, pois assim desejou o legislador, mas também correta é
a defesa dos princípios que garantem à população direitos constitucionais, sobre os
quais, inclusive, paira o próprio Estado Democrático de Direito, como, por exemplo,
os princípios da Lesividade/Ofensividade Penal e da Intervenção Penal Mínima.
Por tais motivos, é correto afirmar que os crimes de perigo abstrato são um
mal necessário na esfera penal, justamente por esta necessidade de prevenção dos
bens jurídicos mais importantes à coexistência da paz social. No entanto, não se
deve aceitar que por si só possam quebrar o conceito sistemático do bem jurídico e
da ideia imperativa de aplicação mínima do Direito Penal, em decorrência da
observância do Princípio da Proporcionalidade.
Como bem assevera Capez, não significa negar o princípio da ofensividade,
pois nos crimes de porte ilegal de arma de fogo tal ofensividade, ou seja, o perigo de
lesão, mesmo que abstrato, permanece ínsito no comportamento de quem traz
consigo, ilegalmente, arma de fogo pelas vias públicas, não podendo o agente
criminoso alegar que o fato de não haver nenhum sujeito determinado naquele local
que pudesse ter sido colocado em situação real de risco, deva o isentar de punição
penal, pela diminuição do nível de segurança pública que a própria conduta descrita
nos artigos 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento tentou evitar. 267
Por todo o exposto, observa-se que ideia de aplicar a Legislação vigente
mesmo nos casos em que não se verifica a existência de munição é mais acertada,
ao ponto que o legislador também listou o porte dos acessórios e das munições no
rol das condutas dos crimes de porte ilegal de arma de fogo, ou seja, o porte
isoladamente de tais objetos também configura os delitos, o que não faria sentido
algum se aplicassem a norma penal para os casos em que o agente porta somente
266
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo
Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 421.
267
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 371.
97
uma munição e deixarem de aplicá-la quando porta arma de fogo sem munição, uma
vez que uma bala de arma de fogo, sem a respectiva arma também não causa
perigo de ameaça imediata.
Como bem assevera Capez, não devemos nos deixar levar pela falácia de
que o Poder Judiciário não pode invadir a esfera do Poder Legislativo ao interpretar
a norma penal de forma mais propícia e menos gravosa ao acusado no caso
concreto, como sustenta Roger Spode Brutti, uma vez que as normas precisam ser
levadas a efeito de forma a não ignorar a possibilidade de certa conduta ser atípica,
mesmo estando descrita em Lei anterior que a defina como crime, pois não se pode
deixar de aplicar o disposto no artigo 17 do Código Penal àquelas condutas que de
forma alguma poderiam se concretizar pela falta absoluta do objeto utilizado para a
prática da ação ou pela total ineficácia do meio empregado, devendo ser
consideradas pelo Judiciário, portanto, condutas totalmente atípicas. 268
De toda sorte, o caso é muito mais de interpretação do caso concreto frente
à norma penal posta do que de ilegitimidade normativa, como já asseverou o
Supremo Tribunal Federal em recente julgado no qual se denegou ordem de Habeas
Corpus, por entender o Colegiado da Segunda Turma daquela Suprema Corte que
no caso em análise a conduta de portar arma de fogo desmuniciada trazia perigo de
lesão à coletividade e à paz social, pelo próprio risco de dano ínsito no objeto
material tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, no qual o comportamento do
agente não desabonava, em nada, o conteúdo da sansão penal, que naquele caso,
deveria ser aplicada.269
268
Cf. BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e
Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 22-32; CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 375-383.
269
Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de
março de 2012. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out.
2012.
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como objetivo destacar uma das mais importantes
controvérsias contidas em torno da Lei n. 10.826/2003, conhecido com Estatuto do
Desarmamento, ou seja, a divergência sobre a tipicidade ou não da conduta de
portar armamento de fogo, em território nacional, sem que o agente traga
concomitantemente, ou possua à sua imediata disposição, munição adequada ao
pronto municiamento do objeto vulnerante, ou seja, sem que se possa torná-lo
efetivamente propício para o fim ao qual foi produzido, ou, ainda, em outras
palavras, para que possa produzir disparos.
Vale lembrar que o Estatuto do Desarmamento calou a respeito do tema, ou
seja, da leitura dos artigos 14 e 16, ambos da Lei n. 10.826/2003, não se pode
afirmar, com absoluta certeza, que a conduta de portar arma de fogo desmuniciada
seja crime, uma vez que a norma abrange tão somente o porte de arma de fogo,
sendo silente quanto à obrigatoriedade ou não da munição apta ao carregamento de
tal objeto para a aferição da tipicidade.
Destarte, verificou-se que, a respeito da conduta de portar arma de fogo sem
munição, foi construído um grande tabu no âmbito da doutrina e jurisprudência
pátria, consistente na dúvida da aplicação, ou não, de todas as peculiaridades
punitivas da Lei n. 10.826/2003, uma vez que, para certos autores forenses e
aplicadores do Direito a conduta é típica, pelo fato de o Estatuto do Desarmamento
conter normas de perigo abstrato e de mera conduta, e para outros não, uma vez
que a falta de lesividade da arma de fogo pela inexistência de munição a torna um
objeto que, por si só, não causa perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela
norma, leia-se incolumidade pública.
Através destes pensamentos, e analisando a matéria de estudo da presente
pesquisa, observa-se que a doutrina persiste separada por opiniões díspares, mas
na jurisprudência, com a mudança de posicionamento da Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal, que passou a adotar o entendimento da Primeira Turma
daquela Suprema Corte e, consequentemente, com a adequação do entendimento
consolidado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça pela Sexta Turma
daquele Colegiado, tende-se a pacificar a matéria, no sentido de proclamar de forma
99
indelével que o porte ilegal de arma de fogo, mesmo sem qualquer munição ao
alcance do agente, é conduta típica e deve ser punido nos rigores da Lei n.
10.826/2003.
Também é correto afirmar que, apesar da grande desproporcionalidade
encontrada em toda conduta praticada sob a égide de tipos penais classificados
como de perigo abstrato e o mal acarretado pela sanção penal antecipadamente
imposta
pelo
tipo
incriminador,
tais
delitos
não
podem
ser
totalmente
desconsiderados pelo Poder Judiciário, pois a extirpação de tais crimes traria muitos
prejuízos à paz social e, consequentemente, ao Direito posto.
Por tais motivos, o julgador deverá sempre ponderar que a aplicação dos
crimes de perigo abstrato rebaixa os níveis de proteção das garantias constitucionais
do indivíduo perante o Poder Punitivo do Estado e, portanto, deverá redobrar a
atenção para os casos em que a diminuição dos riscos abstratos, ou seja,
presumidos pela lei, faça por merecer a inaplicabilidade da sanção descrita, por
julgamento mais consentâneo com o Princípio da Proporcionalidade.
Assim sendo, para que não se cometam injustiças em matéria penal, ramo
este que tem o condão de afetar tão gravemente à esfera de proteção dos direitos
fundamentais das pessoas, é preciso que o Poder Judiciário ao analisar cada caso
em concreto, assim o faça com muito cuidado e sempre pautado em princípios
constitucionais que garantam ao infrator da norma contida no Estatuto do
Desarmamento a análise de suas particularidades e das circunstâncias nas quais se
deram seu modus operandi, para que não reste sumariamente descartado, pela
simples prática da conduta descrita na norma de mera conduta e de perigo abstrato,
o chamado crime impossível, descrito no artigo 17 do Código Penal brasileiro de
1940, ou seja, aquelas condutas que de forma alguma afetaria, nem de forma
abstrata, o bem jurídico incolumidade pública protegido pela Lei n. 10.826/2003.
100
REFERÊNCIAS
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal. Parte Geral. v.1. 3. ed.
atual e aum. São Paulo: Saraiva, 2004.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev.
amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
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______. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível
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Penais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/Del3688.htm>. (Legislação Brasileira).
______. Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao
Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. (Legislação Brasileira).
______. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826,
de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de
armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define
crimes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/decreto/d5123.htm>. (Legislação Brasileira).
______. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>.
(Legislação Brasileira).
______. Lei de 26 de outubro de 1831. Prescreve o modo de processar os crimes
publicos e particulares e dá outras providencias quanto aos policiaes. Disponível em:
<http://ciespi.org.br/media/lei_26_out_1831.pdf>. (Legislação Brasileira).
101
______. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. (Legislação Brasileira).
______. Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Institui o Sistema Nacional de
Armas - SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de
fogo, define crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9437.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012.
(Legislação Brasileira).
______. Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10259.htm>. (Legislação
Brasileira).
______. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas –
Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. (Legislação Brasileira).
______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento n. 1.087.205 – GO, Brasília, DF, 15 de março de 2011. Disponível em:
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107
ANEXO A – LEI N. 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003.
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI No 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003.
Dispõe
sobre
registro,
posse
e
comercialização de armas de fogo e
munição, sobre o Sistema Nacional de
Armas – Sinarm, define crimes e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DO SISTEMA NACIONAL DE ARMAS
Art. 1o O Sistema Nacional de Armas – Sinarm, instituído no Ministério da
Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo o território nacional.
Art. 2o Ao Sinarm compete:
I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante
cadastro;
II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;
III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações
expedidas pela Polícia Federal;
IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e
outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as
decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de
valores;
V – identificar as modificações que alterem as características ou o
funcionamento de arma de fogo;
VI – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;
VII – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a
procedimentos policiais e judiciais;
VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder
licença para exercer a atividade;
IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas,
exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições;
108
X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das
impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme
marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante;
XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito
Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos
territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta.
Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas de
fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos seus
registros próprios.
CAPÍTULO II
DO REGISTRO
Art. 3o É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente.
Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no
Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei.
Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá,
além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas
de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e
Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que
poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de
2008)
II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de
residência certa;
III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o
manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.
§ 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após
atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para
a arma indicada, sendo intransferível esta autorização.
§ 2o A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre
correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento
desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 3o A empresa que comercializar arma de fogo em território nacional é
obrigada a comunicar a venda à autoridade competente, como também a manter
banco de dados com todas as características da arma e cópia dos documentos
previstos neste artigo.
§ 4o A empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições
responde legalmente por essas mercadorias, ficando registradas como de sua
propriedade enquanto não forem vendidas.
109
§ 5o A comercialização de armas de fogo, acessórios e munições entre
pessoas físicas somente será efetivada mediante autorização do Sinarm.
§ 6o A expedição da autorização a que se refere o § 1o será concedida, ou
recusada com a devida fundamentação, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, a contar
da data do requerimento do interessado.
§ 7o O registro precário a que se refere o § 4o prescinde do cumprimento
dos requisitos dos incisos I, II e III deste artigo.
§ 8o Estará dispensado das exigências constantes do inciso III
do caput deste artigo, na forma do regulamento, o interessado em adquirir arma de
fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas
características daquela a ser adquirida. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 5o O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o
território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo
exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses,
ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável
legal pelo estabelecimento ou empresa. (Redação dada pela Lei nº 10.884, de 2004)
§ 1o O certificado de registro de arma de fogo será expedido pela Polícia
Federal e será precedido de autorização do Sinarm.
§ 2o Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4o deverão ser
comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na
conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do
Certificado de Registro de Arma de Fogo.
§ 3o O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de
propriedade expedido por órgão estadual ou do Distrito Federal até a data da
publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no art. 32
desta Lei deverá renová-lo mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de
dezembro de 2008, ante a apresentação de documento de identificação pessoal e
comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do
cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art.
4odesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (Prorrogação de prazo)
§ 4o Para fins do cumprimento do disposto no § 3o deste artigo, o
proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal,
certificado de registro provisório, expedido na rede mundial de computadores internet, na forma do regulamento e obedecidos os procedimentos a
seguir: (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
I - emissão de certificado de registro provisório pela internet, com validade
inicial de 90 (noventa) dias; e (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
II - revalidação pela unidade do Departamento de Polícia Federal do
certificado de registro provisório pelo prazo que estimar como necessário para a
emissão definitiva do certificado de registro de propriedade. (Incluído pela Lei nº
11.706, de 2008)
110
CAPÍTULO III
DO PORTE
Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo
para os casos previstos em legislação própria e para:
I – os integrantes das Forças Armadas;
II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da
Constituição Federal;
III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos
Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições
estabelecidas no regulamento desta Lei;
IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de
50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em
serviço; (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004)
V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os
agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República;
VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52,
XIII, da Constituição Federal;
VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os
integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;
VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores
constituídas, nos termos desta Lei;
IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas,
cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do
regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.
X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de
Auditoria-Fiscal
do
Trabalho,
cargos
de
Auditor-Fiscal
e
Analista
Tributário. (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)
XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição
Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de
servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de
funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho
Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público CNMP. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)
§ 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo
terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela
respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do
regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes
dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
111
§ 1o-A (Revogado pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 2o A autorização para o porte de arma de fogo aos integrantes das
instituições descritas nos incisos V, VI, VII e X do caput deste artigo está
condicionada à comprovação do requisito a que se refere o inciso III do caput do art.
4o desta Lei nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. (Redação dada
pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 3o A autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais
está condicionada à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de
ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de
controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei, observada
a supervisão do Comando do Exército. (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004)
§ 4o Os integrantes das Forças Armadas, das polícias federais e estaduais e
do Distrito Federal, bem como os militares dos Estados e do Distrito Federal, ao
exercerem o direito descrito no art. 4o, ficam dispensados do cumprimento do
disposto nos incisos I, II e III do mesmo artigo, na forma do regulamento desta Lei.
§ 5o Aos residentes em áreas rurais, maiores de 25 (vinte e cinco) anos que
comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência
alimentar familiar será concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na
categoria caçador para subsistência, de uma arma de uso permitido, de tiro simples,
com 1 (um) ou 2 (dois) canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16
(dezesseis), desde que o interessado comprove a efetiva necessidade em
requerimento ao qual deverão ser anexados os seguintes documentos: (Redação
dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
I - documento de identificação pessoal; (Incluído pela Lei nº 11.706, de
2008)
II - comprovante de residência em área rural; e (Incluído pela Lei nº 11.706,
de 2008)
III - atestado de bons antecedentes. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 6o O caçador para subsistência que der outro uso à sua arma de fogo,
independentemente de outras tipificações penais, responderá, conforme o caso, por
porte ilegal ou por disparo de arma de fogo de uso permitido. (Redação dada pela
Lei nº 11.706, de 2008)
§ 7o Aos integrantes das guardas municipais dos Municípios que integram
regiões metropolitanas será autorizado porte de arma de fogo, quando em
serviço. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 7o As armas de fogo utilizadas pelos empregados das empresas de
segurança privada e de transporte de valores, constituídas na forma da lei, serão de
propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas empresas, somente
podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo essas observar as condições de
uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de
registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da
empresa.
112
§ 1o O proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança privada
e de transporte de valores responderá pelo crime previsto no parágrafo único do art.
13 desta Lei, sem prejuízo das demais sanções administrativas e civis, se deixar de
registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou
outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob
sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.
§ 2o A empresa de segurança e de transporte de valores deverá apresentar
documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art.
4o desta Lei quanto aos empregados que portarão arma de fogo.
§ 3o A listagem dos empregados das empresas referidas neste artigo deverá
ser atualizada semestralmente junto ao Sinarm.
Art. 7o-A. As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições
descritas no inciso XI do art. 6o serão de propriedade, responsabilidade e guarda das
respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço,
devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo
órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte
expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição. (Incluído pela Lei nº 12.694,
de 2012)
§ 1o A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo
independe do pagamento de taxa. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)
§ 2o O presidente do tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os
servidores de seus quadros pessoais no exercício de funções de segurança que
poderão portar arma de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por
cento) do número de servidores que exerçam funções de segurança. (Incluído pela
Lei nº 12.694, de 2012)
§ 3o O porte de arma pelos servidores das instituições de que trata este
artigo fica condicionado à apresentação de documentação comprobatória do
preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação
funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de
mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no
regulamento desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)
§ 4o A listagem dos servidores das instituições de que trata este artigo
deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm. (Incluído pela Lei nº 12.694, de
2012)
§ 5o As instituições de que trata este artigo são obrigadas a registrar
ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal eventual perda, furto, roubo ou
outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob
sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o
fato. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)
Art. 8o As armas de fogo utilizadas em entidades desportivas legalmente
constituídas devem obedecer às condições de uso e de armazenagem estabelecidas
pelo órgão competente, respondendo o possuidor ou o autorizado a portar a arma
pela sua guarda na forma do regulamento desta Lei.
113
Art. 9o Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma
para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou
sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta
Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para
colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em
competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional.
Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em
todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será
concedida após autorização do Sinarm.
§ 1o A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia
temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de
o requerente:
I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade
profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;
II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei;
III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o
seu devido registro no órgão competente.
§ 2o A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá
automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em
estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.
Art. 11. Fica instituída a cobrança de taxas, nos valores constantes do Anexo
desta Lei, pela prestação de serviços relativos:
I – ao registro de arma de fogo;
II – à renovação de registro de arma de fogo;
III – à expedição de segunda via de registro de arma de fogo;
IV – à expedição de porte federal de arma de fogo;
V – à renovação de porte de arma de fogo;
VI – à expedição de segunda via de porte federal de arma de fogo.
§ 1o Os valores arrecadados destinam-se ao custeio e à manutenção das
atividades do Sinarm, da Polícia Federal e do Comando do Exército, no âmbito de
suas respectivas responsabilidades.
§ 2o São isentas do pagamento das taxas previstas neste artigo as pessoas
e as instituições a que se referem os incisos I a VII e X e o § 5 o do art. 6o desta
Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 11-A. O Ministério da Justiça disciplinará a forma e as condições do
credenciamento de profissionais pela Polícia Federal para comprovação da aptidão
psicológica e da capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo. (Incluído
pela Lei nº 11.706, de 2008)
114
§ 1o Na comprovação da aptidão psicológica, o valor cobrado pelo psicólogo
não poderá exceder ao valor médio dos honorários profissionais para realização de
avaliação psicológica constante do item 1.16 da tabela do Conselho Federal de
Psicologia. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 2o Na comprovação da capacidade técnica, o valor cobrado pelo instrutor
de armamento e tiro não poderá exceder R$ 80,00 (oitenta reais), acrescido do custo
da munição. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 3o A cobrança de valores superiores aos previstos nos §§ 1o e 2o deste
artigo implicará o descredenciamento do profissional pela Polícia Federal. (Incluído
pela Lei nº 11.706, de 2008)
CAPÍTULO IV
DOS CRIMES E DAS PENAS
Posse irregular de arma de fogo de uso permitido
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar,
no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de
trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou
empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Omissão de cautela
Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor
de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma
de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor
responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de
registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou
outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob
sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda
ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a
arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)
Disparo de arma de fogo
115
Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em
suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não
tenha como finalidade a prática de outro crime:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. (Vide Adin
3.112-1)
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter
sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou
restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação
de arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la
equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de
qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com
numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou
adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo,
acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de
qualquer forma, munição ou explosivo.
Comércio ilegal de arma de fogo
Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em
depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de
qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade
comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito
deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio
irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.
Tráfico internacional de arma de fogo
116
Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território
nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização
da autoridade competente:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da
metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.
Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é
aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas
referidas nos arts. 6o, 7o e 8o desta Lei.
Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de
liberdade provisória. (Vide Adin 3.112-1)
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 22. O Ministério da Justiça poderá celebrar convênios com os Estados
e o Distrito Federal para o cumprimento do disposto nesta Lei.
Art. 23. A classificação legal, técnica e geral bem como a definição das
armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos,
permitidos ou obsoletos e de valor histórico serão disciplinadas em ato do chefe do
Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército. (Redação
dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 1o Todas as munições comercializadas no País deverão estar
acondicionadas em embalagens com sistema de código de barras, gravado na
caixa, visando possibilitar a identificação do fabricante e do adquirente, entre outras
informações definidas pelo regulamento desta Lei.
§ 2o Para os órgãos referidos no art. 6o, somente serão expedidas
autorizações de compra de munição com identificação do lote e do adquirente no
culote dos projéteis, na forma do regulamento desta Lei.
§ 3o As armas de fogo fabricadas a partir de 1 (um) ano da data de
publicação desta Lei conterão dispositivo intrínseco de segurança e de identificação,
gravado no corpo da arma, definido pelo regulamento desta Lei, exclusive para os
órgãos previstos no art. 6o.
§ 4o As instituições de ensino policial e as guardas municipais referidas
nos incisos III e IV do caput do art. 6o desta Lei e no seu § 7o poderão adquirir
insumos e máquinas de recarga de munição para o fim exclusivo de suprimento de
suas atividades, mediante autorização concedida nos termos definidos em
regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei,
compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação,
importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais
produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de
colecionadores, atiradores e caçadores.
117
Art. 25. As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo
pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal
serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo
máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de
segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta
Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 1o As armas de fogo encaminhadas ao Comando do Exército que
receberem parecer favorável à doação, obedecidos o padrão e a dotação de cada
Força Armada ou órgão de segurança pública, atendidos os critérios de prioridade
estabelecidos pelo Ministério da Justiça e ouvido o Comando do Exército, serão
arroladas em relatório reservado trimestral a ser encaminhado àquelas instituições,
abrindo-se-lhes prazo para manifestação de interesse. (Incluído pela Lei nº 11.706,
de 2008)
§ 2o O Comando do Exército encaminhará a relação das armas a serem
doadas ao juiz competente, que determinará o seu perdimento em favor da
instituição beneficiada. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 3o O transporte das armas de fogo doadas será de responsabilidade da
instituição beneficiada, que procederá ao seu cadastramento no Sinarm ou no
Sigma. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 5o O Poder Judiciário instituirá instrumentos para o encaminhamento ao
Sinarm ou ao Sigma, conforme se trate de arma de uso permitido ou de uso restrito,
semestralmente, da relação de armas acauteladas em juízo, mencionando suas
características e o local onde se encontram. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a
importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas
se possam confundir.
Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros
destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas
condições fixadas pelo Comando do Exército.
Art. 27. Caberá ao Comando do Exército autorizar, excepcionalmente, a
aquisição de armas de fogo de uso restrito.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às aquisições dos
Comandos Militares.
Art. 28. É vedado ao menor de 25 (vinte e cinco) anos adquirir arma de
fogo, ressalvados os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V, VI,
VII e X do caput do art. 6odesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 29. As autorizações de porte de armas de fogo já concedidas expirarse-ão 90 (noventa) dias após a publicação desta Lei. (Vide Lei nº 10.884, de 2004)
Parágrafo único. O detentor de autorização com prazo de validade superior
a 90 (noventa) dias poderá renová-la, perante a Polícia Federal, nas condições dos
118
arts. 4o, 6o e 10 desta Lei, no prazo de 90 (noventa) dias após sua publicação, sem
ônus para o requerente.
Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido
ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de
2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante
de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da
origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração
firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário,
ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais
exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4o desta Lei. (Redação dada
pela Lei nº 11.706, de 2008) (Prorrogação de prazo)
Parágrafo único. Para fins do cumprimento do disposto no caput deste
artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia
Federal, certificado de registro provisório, expedido na forma do § 4o do art. 5o desta
Lei. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 31. Os possuidores e proprietários de armas de fogo adquiridas
regularmente poderão, a qualquer tempo, entregá-las à Polícia Federal, mediante
recibo e indenização, nos termos do regulamento desta Lei.
Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregála, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão
indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual
posse irregular da referida arma. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 11.706, de 2008)
Art. 33. Será aplicada multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$
300.000,00 (trezentos mil reais), conforme especificar o regulamento desta Lei:
I – à empresa de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, marítimo, fluvial
ou lacustre que deliberadamente, por qualquer meio, faça, promova, facilite ou
permita o transporte de arma ou munição sem a devida autorização ou com
inobservância das normas de segurança;
II – à empresa de produção ou comércio de armamentos que realize
publicidade para venda, estimulando o uso indiscriminado de armas de fogo, exceto
nas publicações especializadas.
Art. 34. Os promotores de eventos em locais fechados, com aglomeração
superior a 1000 (um mil) pessoas, adotarão, sob pena de responsabilidade, as
providências necessárias para evitar o ingresso de pessoas armadas, ressalvados
os eventos garantidos pelo inciso VI do art. 5o da Constituição Federal.
Parágrafo único. As empresas responsáveis pela prestação dos serviços
de transporte internacional e interestadual de passageiros adotarão as providências
necessárias para evitar o embarque de passageiros armados.
CAPÍTULO VI
119
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o
território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei.
§ 1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação
mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.
§ 2o Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo
entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior
Eleitoral.
Art. 36. É revogada a Lei no 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.
Art. 37. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de dezembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos
José Viegas Filho
Marina Silva
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 23.12.2003
120
ANEXO B – DECRETO N. 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004.
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004.
Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, que dispõe sobre registro,
posse e comercialização de armas de fogo e
munição, sobre o Sistema Nacional de Armas
- SINARM e define crimes.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei n o 10.826, de 22 de
dezembro de 2003,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DOS SISTEMAS DE CONTROLE DE ARMAS DE FOGO
Art. 1o O Sistema Nacional de Armas - SINARM, instituído no Ministério da
Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território nacional
e competência estabelecida pelo caput e incisos do art. 2o da Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, tem por finalidade manter cadastro geral, integrado e
permanente das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no país, de
competência do SINARM, e o controle dos registros dessas armas.
§ 1o Serão cadastradas no SINARM:
I - as armas de fogo institucionais, constantes de registros próprios:
a) da Polícia Federal;
b) da Polícia Rodoviária Federal;
c) das Polícias Civis;
d) dos órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
referidos nos arts. 51, inciso IV, e 52, inciso XIII da Constituição;
e) dos integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, dos
integrantes das escoltas de presos e das Guardas Portuárias;
f) das Guardas Municipais; e
121
g) dos órgãos públicos não mencionados nas alíneas anteriores, cujos
servidores tenham autorização legal para portar arma de fogo em serviço, em razão
das atividades que desempenhem, nos termos do caput do art. 6o da Lei no 10.826,
de 2003.
II - as armas de fogo apreendidas, que não constem dos cadastros do
SINARM ou Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA, inclusive as
vinculadas a procedimentos policiais e judiciais, mediante comunicação das
autoridades competentes à Polícia Federal;
III - as armas de fogo de uso restrito dos integrantes dos órgãos, instituições
e corporações mencionados no inciso II do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003; e
IV - as armas de fogo de uso restrito, salvo aquelas mencionadas no inciso
II, do §1o, do art. 2o deste Decreto.
§ 2o Serão registradas na Polícia Federal e cadastradas no SINARM:
I - as armas de fogo adquiridas pelo cidadão com atendimento aos requisitos
do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003;
II - as armas de fogo das empresas de segurança privada e de transporte de
valores; e
III - as armas de fogo de uso permitido dos integrantes dos órgãos,
instituições e corporações mencionados no inciso II do art. 6o da Lei no 10.826, de
2003.
§ 3o A apreensão das armas de fogo a que se refere o inciso II do §1o deste
artigo deverá ser imediatamente comunicada à Policia Federal, pela autoridade
competente, podendo ser recolhidas aos depósitos do Comando do Exército, para
guarda, a critério da mesma autoridade.
§ 4o O cadastramento das armas de fogo de que trata o inciso I do §
1o observará as especificações e os procedimentos estabelecidos pelo
Departamento de Polícia Federal. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 2o O SIGMA, instituído no Ministério da Defesa, no âmbito do Comando
do Exército, com circunscrição em todo o território nacional, tem por finalidade
manter cadastro geral, permanente e integrado das armas de fogo importadas,
produzidas e vendidas no país, de competência do SIGMA, e das armas de fogo que
constem dos registros próprios.
§ 1o Serão cadastradas no SIGMA:
I - as armas de fogo institucionais, de porte e portáteis, constantes de
registros próprios:
a) das Forças Armadas;
b) das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares;
c) da Agência Brasileira de Inteligência; e
d) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
122
II - as armas de fogo dos integrantes das Forças Armadas, da Agência
Brasileira de Inteligência e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência
da República, constantes de registros próprios;
III - as informações relativas às exportações de armas de fogo, munições e
demais produtos controlados, devendo o Comando do Exército manter sua
atualização;
IV - as armas de fogo importadas ou adquiridas no país para fins de testes e
avaliação técnica; e
V - as armas de fogo obsoletas.
§ 2o Serão registradas no Comando do Exército e cadastradas no SIGMA:
I - as armas de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores; e
II - as armas de fogo das representações diplomáticas.
Art. 3o Entende-se por registros próprios, para os fins deste Decreto, os
feitos pelas instituições, órgãos e corporações em documentos oficiais de caráter
permanente.
Art. 4o A aquisição de armas de fogo, diretamente da fábrica, será precedida
de autorização do Comando do Exército.
Art. 5o Os dados necessários ao cadastro mediante registro, a que se refere
o inciso IX do art. 2o da Lei no 10.826, de 2003, serão fornecidos ao SINARM pelo
Comando do Exército.
Art. 6o Os dados necessários ao cadastro da identificação do cano da arma,
das características das impressões de raiamento e microestriamento de projetil
disparado, a marca do percutor e extrator no estojo do cartucho deflagrado pela
arma de que trata o inciso X do art. 2o da Lei no 10.826, de 2003, serão disciplinados
em norma específica da Polícia Federal, ouvido o Comando do Exército, cabendo às
fábricas de armas de fogo o envio das informações necessárias ao órgão
responsável da Polícia Federal.
Parágrafo único. A norma específica de que trata este artigo será expedida
no prazo de cento e oitenta dias.
Art. 7o As fábricas de armas de fogo fornecerão à Polícia Federal, para fins
de cadastro, quando da saída do estoque, relação das armas produzidas, que
devam constar do SINARM, na conformidade do art. 2o da Lei no 10.826, de 2003,
com suas características e os dados dos adquirentes.
Art. 8o As empresas autorizadas a comercializar armas de fogo
encaminharão à Polícia Federal, quarenta e oito horas após a efetivação da venda,
os dados que identifiquem a arma e o comprador.
Art. 9o Os dados do SINARM e do SIGMA serão interligados
compartilhados no prazo máximo de um ano.
e
123
Parágrafo único. Os Ministros da Justiça e da Defesa estabelecerão no
prazo máximo de um ano os níveis de acesso aos cadastros mencionados no caput.
CAPÍTULO II
DA ARMA DE FOGO
Seção I
Das Definições
Art. 10. Arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada
a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do
Comando do Exército e nas condições previstas na Lei no 10.826, de 2003.
Art. 11. Arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças
Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas
habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com
legislação específica.
Seção II
Da Aquisição e do Registro da Arma de Fogo de Uso Permitido
Art. 12. Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá:
I - declarar efetiva necessidade;
II - ter, no mínimo, vinte e cinco anos;
III - apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de
identificação pessoal; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
IV - comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação do
Certificado de Registro de Arma de Fogo, idoneidade e inexistência de inquérito
policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da
Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio
eletrônico; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
V - apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência
certa;
VI - comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação do
Certificado de Registro de Arma de Fogo, a capacidade técnica para o manuseio de
arma de fogo; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
VII - comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo,
atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal
ou por esta credenciado.
§ 1o A declaração de que trata o inciso I do caput deverá explicitar os fatos
e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal
segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça. (Redação
dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
124
§ 2o O indeferimento do pedido deverá ser fundamentado e comunicado ao
interessado em documento próprio.
§ 3o O comprovante de capacitação técnica, de que trata o inciso VI
do caput, deverá ser expedido por instrutor de armamento e tiro credenciado pela
Polícia Federal e deverá atestar, necessariamente: (Redação dada pelo Decreto nº
6.715, de 2008).
I - conhecimento da conceituação e normas de segurança pertinentes à
arma de fogo;
II - conhecimento básico dos componentes e partes da arma de fogo; e
III - habilidade do uso da arma de fogo demonstrada, pelo interessado, em
estande de tiro credenciado pelo Comando do Exército.
§ 4o Após a apresentação dos documentos referidos nos incisos III a VII do
caput, havendo manifestação favorável do órgão competente mencionada no §1 o,
será expedida, pelo SINARM, no prazo máximo de trinta dias, em nome do
interessado, a autorização para a aquisição da arma de fogo indicada.
§ 5o É intransferível a autorização para a aquisição da arma de fogo, de que
trata o §4o deste artigo.
§ 6o Está dispensado da comprovação dos requisitos a que se referem os
incisos VI e VII do caput o interessado em adquirir arma de fogo de uso permitido
que comprove estar autorizado a portar arma da mesma espécie daquela a ser
adquirida, desde que o porte de arma de fogo esteja válido e o interessado tenha se
submetido a avaliações em período não superior a um ano, contado do pedido de
aquisição. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 13. A transferência de propriedade da arma de fogo, por qualquer das
formas em direito admitidas, entre particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas,
estará sujeita à prévia autorização da Polícia Federal, aplicando-se ao interessado
na aquisição as disposições do art. 12 deste Decreto.
Parágrafo único. A transferência de arma de fogo registrada no Comando
do Exército será autorizada pela instituição e cadastrada no SIGMA.
Art. 14. É obrigatório o registro da arma de fogo, no SINARM ou no SIGMA,
excetuadas as obsoletas.
Art. 15. O registro da arma de fogo de uso permitido deverá conter, no
mínimo, os seguintes dados:
I - do interessado:
a) nome, filiação, data e local de nascimento;
b) endereço residencial;
c) endereço da empresa ou órgão em que trabalhe;
d) profissão;
125
e) número da cédula de identidade, data da expedição, órgão expedidor e
Unidade da Federação; e
f) número do Cadastro de Pessoa Física - CPF ou Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica - CNPJ;
II - da arma:
a) número do cadastro no SINARM;
b) identificação do fabricante e do vendedor;
c) número e data da nota Fiscal de venda;
d) espécie, marca, modelo e número de série;
e) calibre e capacidade de cartuchos;
f) tipo de funcionamento;
g) quantidade de canos e comprimento;
h) tipo de alma (lisa ou raiada);
i) quantidade de raias e sentido; e
j) número de série gravado no cano da arma.
Art. 16. O Certificado de Registro de Arma de Fogo expedido pela Polícia
Federal, precedido de cadastro no SINARM, tem validade em todo o território
nacional e autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no
interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho,
desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou
empresa. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput deste artigo considerar-se-á titular
do estabelecimento ou empresa todo aquele assim definido em contrato social, e
responsável legal o designado em contrato individual de trabalho, com poderes de
gerência.
§ 2o Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII do art. 12 deste
Decreto deverão ser comprovados, periodicamente, a cada três anos, junto à Polícia
Federal, para fins de renovação do Certificado de Registro.
§ 4o O disposto no § 2o não se aplica, para a aquisição e renovação do
Certificado de Registro de Arma de Fogo, aos integrantes dos órgãos, instituições e
corporações, mencionados nos incisos I e II do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de
2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 17. O proprietário de arma de fogo é obrigado a comunicar,
imediatamente, à unidade policial local, o extravio, furto ou roubo de arma de fogo
ou do Certificado de Registro de Arma de Fogo, bem como a sua
recuperação. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
126
§ 1o A unidade policial deverá, em quarenta e oito horas, remeter as
informações coletadas à Polícia Federal, para fins de cadastro no
SINARM. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 2o No caso de arma de fogo de uso restrito, a Polícia Federal repassará
as informações ao Comando do Exército, para fins de cadastro no SIGMA. (Redação
dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 3o Nos casos previstos no caput, o proprietário deverá, também,
comunicar o ocorrido à Polícia Federal ou ao Comando do Exército, encaminhando,
se for o caso, cópia do Boletim de Ocorrência.
Seção III
Da Aquisição e Registro da Arma de Fogo de Uso Restrito
Art. 18. Compete ao Comando do Exército autorizar a aquisição e registrar
as armas de fogo de uso restrito.
§ 1o As armas de que trata o caput serão cadastradas no SIGMA e no
SINARM, conforme o caso.
§ 2o O registro de arma de fogo de uso restrito, de que trata o caput deste
artigo, deverá conter as seguintes informações:
I - do interessado:
a) nome, filiação, data e local de nascimento;
b) endereço residencial;
c) endereço da empresa ou órgão em que trabalhe;
d) profissão;
e) número da cédula de identidade, data da expedição, órgão expedidor e
Unidade da Federação; e
f) número do Cadastro de Pessoa Física - CPF ou Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica - CNPJ;
II - da arma:
a) número do cadastro no SINARM;
b) identificação do fabricante e do vendedor;
c) número e data da nota Fiscal de venda;
d) espécie, marca, modelo e número de série;
e) calibre e capacidade de cartuchos;
f) tipo de funcionamento;
g) quantidade de canos e comprimento;
127
h) tipo de alma (lisa ou raiada);
i) quantidade de raias e sentido; e
j) número de série gravado no cano da arma.
§ 3o Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII do art. 12 deste
Decreto deverão ser comprovados periodicamente, a cada três anos, junto ao
Comando do Exército, para fins de renovação do Certificado de Registro.
§ 4o Não se aplica aos integrantes dos órgãos, instituições e corporações
mencionados nos incisos I e II do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, o disposto no §
3o deste artigo.
Seção IV
Do Comércio Especializado de Armas de Fogo e Munições
Art. 19. É proibida a venda de armas de fogo, munições e demais produtos
controlados, de uso restrito, no comércio.
Art. 20. O estabelecimento que comercializar arma de fogo de uso
permitido em território nacional é obrigado a comunicar à Polícia Federal,
mensalmente, as vendas que efetuar e a quantidade de armas em estoque,
respondendo legalmente por essas mercadorias, que ficarão registradas como de
sua propriedade, de forma precária, enquanto não forem vendidas, sujeitos seus
responsáveis às penas previstas em lei. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de
2008).
Art. 21. A comercialização de acessórios de armas de fogo e de munições,
incluídos estojos, espoletas, pólvora e projéteis, só poderá ser efetuada em
estabelecimento credenciado pela Polícia Federal e pelo comando do Exército que
manterão um cadastro dos comerciantes.
§ 1o Quando se tratar de munição industrializada, a venda ficará
condicionada à apresentação pelo adquirente, do Certificado de Registro de Arma
de Fogo válido, e ficará restrita ao calibre correspondente à arma registrada.
§ 2o Os acessórios e a quantidade de munição que cada proprietário de
arma de fogo poderá adquirir serão fixados em Portaria do Ministério da Defesa,
ouvido o Ministério da Justiça.
§ 3o O estabelecimento mencionado no caput deste artigo deverá manter à
disposição da Polícia Federal e do Comando do Exército os estoques e a relação
das vendas efetuadas mensalmente, pelo prazo de cinco anos.
CAPÍTULO III
DO PORTE E DO TRÂNSITO DA ARMA DE FOGO
Seção I
Do Porte
128
Art. 22. O Porte de Arma de Fogo de uso permitido, vinculado ao prévio
registro da arma e ao cadastro no SINARM, será expedido pela Polícia Federal, em
todo o território nacional, em caráter excepcional, desde que atendidos os requisitos
previstos nos incisos I, II e III do § 1o do art. 10 da Lei no 10.826, de 2003. (Redação
dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Parágrafo único. A taxa estipulada para o Porte de Arma de Fogo somente
será recolhida após a análise e a aprovação dos documentos apresentados.
Art. 23. O Porte de Arma de Fogo é documento obrigatório para a
condução da arma e deverá conter os seguintes dados:
I - abrangência territorial;
II - eficácia temporal;
III - características da arma;
IV - número do cadastro da arma no SINARM; (Redação dada pelo Decreto
nº 6.715, de 2008).
V - identificação do proprietário da arma; e
VI - assinatura, cargo e função da autoridade concedente.
Art. 24. O Porte de Arma de Fogo é pessoal, intransferível e revogável a
qualquer tempo, sendo válido apenas com relação à arma nele especificada e com a
apresentação do documento de identificação do portador. (Redação dada pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 24-A. Para portar a arma de fogo adquirida nos termos do § 6o do art.
12, o proprietário deverá solicitar a expedição do respectivo documento de porte,
que observará o disposto no art. 23 e terá a mesma validade do documento
referente à primeira arma. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 25. O titular do Porte de Arma de Fogo deverá comunicar
imediatamente:
I - a mudança de domicílio, ao órgão expedidor do Porte de Arma de Fogo;
e
II - o extravio, furto ou roubo da arma de fogo, à Unidade Policial mais
próxima e, posteriormente, à Polícia Federal.
Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo implicará na
suspensão do Porte de Arma de Fogo, por prazo a ser estipulado pela autoridade
concedente.
Art. 26. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido
nos termos do art. 10 da Lei no 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la
ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como
igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais
onde haja aglomeração de pessoas em virtude de eventos de qualquer
natureza. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
129
§ 1o A inobservância do disposto neste artigo implicará na cassação do
Porte de Arma de Fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente, que
adotará as medidas legais pertinentes.
§ 2o Aplica-se o disposto no §1o deste artigo, quando o titular do Porte de
Arma de Fogo esteja portando o armamento em estado de embriaguez ou sob o
efeito de drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho
intelectual ou motor.
Art. 27. Será concedido pela Polícia Federal, nos termos do § 5o do art.
6o da Lei no 10.826, de 2003, o Porte de Arma de Fogo, na categoria "caçador de
subsistência", de uma arma portátil, de uso permitido, de tiro simples, com um ou
dois canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16, desde que o interessado
comprove a efetiva necessidade em requerimento ao qual deverão ser anexados os
seguintes documentos:
I - documento comprobatório de residência em área rural ou certidão
equivalente expedida por órgão municipal; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de
2008).
II - original e cópia, ou cópia autenticada, do documento de identificação
pessoal; e (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
III - atestado de bons antecedentes.
Parágrafo único. Aplicam-se ao portador do Porte de Arma de Fogo
mencionado neste artigo as demais obrigações estabelecidas neste Decreto.
Art. 28. O proprietário de arma de fogo de uso permitido registrada, em
caso de mudança de domicílio ou outra situação que implique o transporte da arma,
deverá solicitar guia de trânsito à Polícia Federal para as armas de fogo cadastradas
no SINARM, na forma estabelecida pelo Departamento de Polícia Federal. (Redação
dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 29. Observado o princípio da reciprocidade previsto em convenções
internacionais, poderá ser autorizado o Porte de Arma de Fogo pela Polícia Federal,
a diplomatas de missões diplomáticas e consulares acreditadas junto ao Governo
Brasileiro, e a agentes de segurança de dignitários estrangeiros durante a
permanência no país, independentemente dos requisitos estabelecidos neste
Decreto.
Art. 29-A. Caberá ao Departamento de Polícia Federal estabelecer os
procedimentos relativos à concessão e renovação do Porte de Arma de
Fogo. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Seção II
Dos Atiradores, Caçadores e Colecionadores
Subseção I
Da Prática de Tiro Desportivo
130
Art. 30. As agremiações esportivas e as empresas de instrução de tiro, os
colecionadores, atiradores e caçadores serão registrados no Comando do Exército,
ao qual caberá estabelecer normas e verificar o cumprimento das condições de
segurança dos depósitos das armas de fogo, munições e equipamentos de recarga.
§ 1o As armas pertencentes às entidades mencionadas no caput e seus
integrantes terão autorização para porte de trânsito (guia de tráfego) a ser expedida
pelo Comando do Exército.
§ 2o A prática de tiro desportivo por menores de dezoito anos deverá ser
autorizada judicialmente e deve restringir-se aos locais autorizados pelo Comando
do Exército, utilizando arma da agremiação ou do responsável quando por este
acompanhado.
§ 3o A prática de tiro desportivo por maiores de dezoito anos e menores de
vinte e cinco anos pode ser feita utilizando arma de sua propriedade, registrada com
amparo na Lei no 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, de agremiação ou arma
registrada e cedida por outro desportista.
Art. 31. A entrada de arma de fogo e munição no país, como bagagem de
atletas, para competições internacionais será autorizada pelo Comando do Exército.
§ 1o O Porte de Trânsito das armas a serem utilizadas por delegações
estrangeiras em competição oficial de tiro no país será expedido pelo Comando do
Exército.
§ 2o Os responsáveis e os integrantes pelas delegações estrangeiras e
brasileiras em competição oficial de tiro no país transportarão suas armas
desmuniciadas.
Subseção II
Dos Colecionadores e Caçadores
Art. 32. O Porte de Trânsito das armas de fogo de colecionadores e
caçadores será expedido pelo Comando do Exército.
Parágrafo único. Os colecionadores e caçadores transportarão suas armas
desmuniciadas.
Subseção III
Dos Integrantes e das Instituições Mencionadas no Art. 6o da Lei no 10.826, de 2003
Art. 33. O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças
Armadas, aos policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares,
aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções
institucionais.
§ 1o O Porte de Arma de Fogo das praças das Forças Armadas e dos
Policiais e Corpos de Bombeiros Militares é regulado em norma específica, por atos
dos Comandantes das Forças Singulares e dos Comandantes-Gerais das
Corporações.
131
§ 2o Os integrantes das polícias civis estaduais e das Forças Auxiliares,
quando no exercício de suas funções institucionais ou em trânsito, poderão portar
arma de fogo fora da respectiva unidade federativa, desde que expressamente
autorizados pela instituição a que pertençam, por prazo determinado, conforme
estabelecido em normas próprias.
Art. 33-A. A autorização para o porte de arma de fogo previsto em
legislação própria, na forma do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, está
condicionada ao atendimento dos requisitos previstos no inciso III do caput do art.
4o da mencionada Lei. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 34. Os órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos I, II,
III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em
normativos internos, os procedimentos relativos às condições para a utilização das
armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora do serviço. (Redação dada pelo
Decreto nº 6.146, de 2007
§ 1o As instituições mencionadas no inciso IV do art. 6o da Lei no 10.826, de
2003, estabelecerão em normas próprias os procedimentos relativos às condições
para a utilização, em serviço, das armas de fogo de sua propriedade.
§ 2o As instituições, órgãos e corporações nos procedimentos descritos no
caput, disciplinarão as normas gerais de uso de arma de fogo de sua propriedade,
fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em
virtude de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas,
estádios desportivos, clubes, públicos e privados.
§ 3o Os órgãos e instituições que tenham os portes de arma de seus
agentes públicos ou políticos estabelecidos em lei própria, na forma do caput do art.
6o da Lei no 10.826, de 2003, deverão encaminhar à Polícia Federal a relação dos
autorizados a portar arma de fogo, observando-se, no que couber, o disposto no art.
26. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 4o Não será concedida a autorização para o porte de arma de fogo de
que trata o art. 22 a integrantes de órgãos, instituições e corporações não
autorizados a portar arma de fogo fora de serviço, exceto se comprovarem o risco à
sua integridade física, observando-se o disposto no art. 11 da Lei no 10.826, de
2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 5o O porte de que tratam os incisos V, VI e X do caput do art. 6o da Lei
no 10.826, de 2003, e aquele previsto em lei própria, na forma do caput do
mencionado artigo, serão concedidos, exclusivamente, para defesa pessoal, sendo
vedado aos seus respectivos titulares o porte ostensivo da arma de fogo. (Incluído
pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 6o A vedação prevista no parágrafo 5o não se aplica aos servidores
designados para execução da atividade fiscalizatória do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e do Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes. (Incluído pelo Decreto
nº 6.817, de 2009)
132
Art. 35. Poderá ser autorizado, em casos excepcionais, pelo órgão
competente, o uso, em serviço, de arma de fogo, de propriedade particular do
integrante dos órgãos, instituições ou corporações mencionadas no inciso II do art.
6o da Lei no 10.826, de 2003.
§ 1o A autorização mencionada no caput será regulamentada em ato
próprio do órgão competente.
§ 2o A arma de fogo de que trata este artigo deverá ser conduzida com o
seu respectivo Certificado de Registro.
Art. 35-A. As armas de fogo particulares de que trata o art. 35, e as
institucionais não brasonadas, deverão ser conduzidas com o seu respectivo
Certificado de Registro ou termo de cautela decorrente de autorização judicial para
uso, sob pena de aplicação das sanções penais cabíveis. (Incluído pelo Decreto nº
6.715, de 2008).
Art. 36. A capacidade técnica e a aptidão psicológica para o manuseio de
armas de fogo, para os integrantes das instituições descritas nos incisos III, IV, V, VI,
VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, serão atestadas pela própria
instituição, depois de cumpridos os requisitos técnicos e psicológicos estabelecidos
pela Polícia Federal.(Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007
Parágrafo único. Caberá a Polícia Federal avaliar a capacidade técnica e a
aptidão psicológica, bem como expedir o Porte de Arma de Fogo para os guardas
portuários.
Art. 37. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos,
instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do art.
6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou
aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua
propriedade deverão submeter-se, a cada três anos, aos testes de avaliação da
aptidão psicológica a que faz menção o inciso III do caput art. 4º da Lei nº 10.826, de
2003. (Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007
§ 1o O cumprimento destes requisitos será atestado pelas instituições,
órgãos e corporações de vinculação.
§ 2o Não se aplicam aos integrantes da reserva não remunerada das
Forças Armadas e Auxiliares, as prerrogativas mencionadas no caput.
Subseção IV
Das Empresas de Segurança Privada e de Transporte de Valores
Art. 38. A autorização para o uso de arma de fogo expedida pela Polícia
Federal, em nome das empresas de segurança privada e de transporte de valores,
será precedida, necessariamente, da comprovação do preenchimento de todos os
requisitos constantes do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003, pelos empregados
autorizados a portar arma de fogo.
§ 1o A autorização de que trata o caput é válida apenas para a utilização da
arma de fogo em serviço.
133
§ 2o As empresas de que trata o caput encaminharão, trimestralmente, à
Polícia Federal, para cadastro no SINARM, a relação nominal dos empregados
autorizados a portar arma de fogo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 3o A transferência de armas de fogo, por qualquer motivo, entre
estabelecimentos da mesma empresa ou para empresa diversa, deverão ser
previamente autorizados pela Polícia Federal.
§ 4o Durante o trâmite do processo de transferência de armas de fogo de
que trata o § 3o, a Polícia Federal poderá, em caráter excepcional, autorizar a
empresa adquirente a utilizar as armas em fase de aquisição, em seus postos de
serviço, antes da expedição do novo Certificado de Registro. (Incluído pelo Decreto
nº 6.715, de 2008).
Art. 39. É de responsabilidade das empresas de segurança privada e de
transportes de valores a guarda e armazenagem das armas, munições e acessórios
de sua propriedade, nos termos da legislação específica.
Parágrafo único. A perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma
de fogo, acessório e munições que estejam sob a guarda das empresas de
segurança privada e de transporte de valores deverá ser comunicada à Polícia
Federal, no prazo máximo de vinte e quatro horas, após a ocorrência do fato, sob
pena de responsabilização do proprietário ou diretor responsável.
Subseção V
Das guardas Municipais
Art. 40. Cabe ao Ministério da Justiça, por intermédio da Polícia Federal,
diretamente ou mediante convênio com os órgãos de segurança pública dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, nos termos do § 3 o do art. 6o da Lei
no 10.826, de 2003: (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
I - conceder autorização para o funcionamento dos cursos de formação de
guardas municipais;
II - fixar o currículo dos cursos de formação;
III - conceder Porte de Arma de Fogo;
IV - fiscalizar os cursos mencionados no inciso II; e
V - fiscalizar e controlar o armamento e a munição utilizados.
Parágrafo único. As competências previstas nos incisos I e II deste artigo
não serão objeto de convênio.
Art. 41. Compete ao Comando do Exército autorizar a aquisição de armas
de fogo e de munições para as Guardas Municipais.
Art. 42. O Porte de Arma de Fogo aos profissionais citados nos incisos III e
IV, do art. 6o, da Lei no 10.826, de 2003, será concedido desde que comprovada a
realização de treinamento técnico de, no mínimo, sessenta horas para armas de
repetição e cem horas para arma semi-automática.
134
§ 1o O treinamento de que trata o caput desse artigo deverá ter, no
mínimo, sessenta e cinco por cento de conteúdo prático.
§ 2o O curso de formação dos profissionais das Guardas Municipais
deverá conter técnicas de tiro defensivo e defesa pessoal.
§ 3o Os profissionais da Guarda Municipal deverão ser submetidos a
estágio de qualificação profissional por, no mínimo, oitenta horas ao ano.
§ 4o Não será concedido aos profissionais das Guardas Municipais Porte
de Arma de Fogo de calibre restrito, privativos das forças policiais e forças armadas.
Art. 43. O profissional da Guarda Municipal com Porte de Arma de Fogo
deverá ser submetido, a cada dois anos, a teste de capacidade psicológica e,
sempre que estiver envolvido em evento de disparo de arma de fogo em via pública,
com ou sem vítimas, deverá apresentar relatório circunstanciado, ao Comando da
Guarda Civil e ao Órgão Corregedor para justificar o motivo da utilização da arma.
Art. 44. A Polícia Federal poderá conceder Porte de Arma de Fogo, nos
termos no §3o do art. 6o, da Lei no 10.826, de 2003, às Guardas Municipais dos
municípios que tenham criado corregedoria própria e autônoma, para a apuração de
infrações disciplinares atribuídas aos servidores integrantes do Quadro da Guarda
Municipal.
Parágrafo único. A concessão a que se refere o caput dependerá, também,
da existência de Ouvidoria, como órgão permanente, autônomo e independente,
com competência para fiscalizar, investigar, auditorar e propor políticas de
qualificação das atividades desenvolvidas pelos integrantes das Guardas Municipais.
CAPÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS, FINAIS E TRANSITÓRIAS
Seção I
Das Disposições Gerais
Art. 46. O Ministro da Justiça designará as autoridades policiais
competentes, no âmbito da Polícia Federal, para autorizar a aquisição e conceder o
Porte de Arma de Fogo, que terá validade máxima de cinco anos.
Art. 47. O Ministério da Justiça, por intermédio da Polícia Federal, poderá
celebrar convênios com os órgãos de segurança pública dos Estados e do Distrito
Federal para possibilitar a integração, ao SINARM, dos acervos policiais de armas
de fogo já existentes, em cumprimento ao disposto no inciso VI do art. 2o da Lei
no 10.826, de 2003. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 48. Compete ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Justiça:
I - estabelecer as normas de segurança a serem observadas pelos
prestadores de serviços de transporte aéreo de passageiros, para controlar o
embarque de passageiros armados e fiscalizar o seu cumprimento;
135
II - regulamentar as situações excepcionais do interesse da ordem pública,
que exijam de policiais federais, civis e militares, integrantes das Forças Armadas e
agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, o Porte de Arma de Fogo a bordo de aeronaves; e
III - estabelecer, nas ações preventivas com vistas à segurança da aviação
civil, os procedimentos de restrição e condução de armas por pessoas com a
prerrogativa de Porte de Arma de Fogo em áreas restritas aeroportuárias,
ressalvada a competência da Polícia Federal, prevista no inciso III do §1o do art. 144
da Constituição.
Parágrafo único. As áreas restritas aeroportuárias são aquelas destinadas
à operação de um aeroporto, cujos acessos são controlados, para os fins de
segurança e proteção da aviação civil.
Art. 49. A classificação legal, técnica e geral e a definição das armas de
fogo e demais produtos controlados, de uso restrito ou permitido são as constantes
do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados e sua legislação
complementar.
Parágrafo único. Compete ao Comando do Exército promover a alteração
do Regulamento mencionado no caput, com o fim de adequá-lo aos termos deste
Decreto.
Art. 50. Compete, ainda, ao Comando do Exército:
I - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de armas, munições e
demais produtos controlados, em todo o território nacional;
II - estabelecer as dotações em armamento e munição das corporações e
órgãos previstos nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003;
e
III - estabelecer normas, ouvido o Ministério da Justiça, em cento e oitenta
dias:
a) para que todas as munições estejam acondicionadas em embalagens
com sistema de código de barras, gravado na caixa, visando possibilitar a
identificação do fabricante e do adquirente;
b) para que as munições comercializadas para os órgãos referidos no art.
6o da Lei no 10.826, de 2003, contenham gravação na base dos estojos que permita
identificar o fabricante, o lote de venda e o adquirente;
c) para definir os dispositivos de segurança e identificação previstos
no §3o do art. 23 da Lei no 10.826, de 2003; e
IV - expedir regulamentação específica para o controle da fabricação,
importação, comércio, trânsito e utilização de simulacros de armas de fogo,
conforme o art. 26 da Lei no 10.826, de 2003.
Art. 51. A importação de armas de fogo, munições e acessórios de uso
restrito está sujeita ao regime de licenciamento não-automático prévio ao embarque
da mercadoria no exterior e dependerá da anuência do Comando do Exército.
136
§ 1o A autorização é concedida por meio do Certificado Internacional de
Importação.
§ 2o A importação desses produtos somente será autorizada para os
órgãos de segurança pública e para colecionadores, atiradores e caçadores nas
condições estabelecidas em normas específicas.
Art. 52. Os interessados pela importação de armas de fogo, munições e
acessórios, de uso restrito, ao preencherem a Licença de Importação no Sistema
Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, deverão informar as características
específicas dos produtos importados, ficando o desembaraço aduaneiro sujeito à
satisfação desse requisito.
Art. 53. As importações realizadas pelas Forças Armadas dependem de
autorização prévia do Ministério da Defesa e serão por este controladas.
Art. 54. A importação de armas de fogo, munições e acessórios de uso
permitido e demais produtos controlados está sujeita, no que couber, às condições
estabelecidas nos arts. 51 e 52 deste Decreto.
Art. 55. A Secretaria da Receita Federal e o Comando do Exército
fornecerão à Polícia Federal, as informações relativas às importações de que trata o
art. 54 e que devam constar do cadastro de armas do SINARM.
Art. 56. O Comando do Exército poderá autorizar a entrada temporária no
país, por prazo definido, de armas de fogo, munições e acessórios para fins de
demonstração, exposição, conserto, mostruário ou testes, mediante requerimento do
interessado ou de seus representantes legais ou, ainda, das representações
diplomáticas do país de origem.
§ 1o A importação sob o regime de admissão temporária deverá ser
autorizada por meio do Certificado Internacional de Importação.
§ 2o Terminado o evento que motivou a importação, o material deverá
retornar ao seu país de origem, não podendo ser doado ou vendido no território
nacional, exceto a doação para os museus das Forças Armadas e das instituições
policiais.
§ 3o A Receita Federal fiscalizará a entrada e saída desses produtos.
§ 4o O desembaraço alfandegário das armas e munições trazidas por
agentes de segurança de dignitários estrangeiros, em visita ao país, será feito pela
Receita Federal, com posterior comunicação ao Comando do Exército.
Art. 57. Fica vedada a importação de armas de fogo, seus acessórios e
peças, de munições e seus componentes, por meio do serviço postal e similares.
Parágrafo único. Fica autorizada, em caráter excepcional, a importação de
peças de armas de fogo, com exceção de armações, canos e ferrolho, por meio do
serviço postal e similares.
Art. 58. O Comando do Exército autorizará a exportação de armas,
munições e demais produtos controlados.
137
§ 1o A autorização das exportações enquadradas nas diretrizes de
exportação de produtos de defesa rege-se por legislação específica, a cargo do
Ministério da Defesa.
§ 2o Considera-se autorizada a exportação quando efetivado o respectivo
Registro de Exportação, no Sistema de Comércio Exterior - SISCOMEX.
Art. 59. O exportador de armas de fogo, munições ou demais produtos
controlados deverá apresentar como prova da venda ou transferência do produto,
um dos seguintes documentos:
I - Licença de Importação (LI), expedida por autoridade competente do país
de destino; ou
II - Certificado de Usuário Final (End User), expedido por autoridade
competente do país de destino, quando for o caso.
Art. 60. As exportações de armas de fogo, munições ou demais produtos
controlados considerados de valor histórico somente serão autorizadas pelo
Comando do Exército após consulta aos órgãos competentes.
Parágrafo único. O Comando do Exército estabelecerá, em normas
específicas, os critérios para definição do termo "valor histórico".
Art. 61. O Comando do Exército cadastrará no SIGMA os dados relativos
às exportações de armas, munições e demais produtos controlados, mantendo-os
devidamente atualizados.
Art. 62. Fica vedada a exportação de armas de fogo, de seus acessórios e
peças, de munição e seus componentes, por meio do serviço postal e similares.
Art. 63. O desembaraço alfandegário de armas e munições, peças e
demais produtos controlados será autorizado pelo Comando do Exército.
Parágrafo único. O desembaraço alfandegário de que trata este artigo
abrange:
I - operações de importação e exportação, sob qualquer regime;
II - internação de mercadoria em entrepostos aduaneiros;
III - nacionalização de mercadoria entrepostadas;
IV - ingresso e saída de armamento e munição de atletas brasileiros e
estrangeiros inscritos em competições nacionais ou internacionais;
V - ingresso e saída de armamento e munição;
VI - ingresso e saída de armamento e munição de órgãos de segurança
estrangeiros, para participação em operações, exercícios e instruções de natureza
oficial; e
VII - as armas de fogo, munições, suas partes e peças, trazidos como
bagagem acompanhada ou desacompanhada.
138
Art. 64. O desembaraço alfandegário de armas de fogo e munição
somente será autorizado após o cumprimento de normas específicas sobre
marcação, a cargo do Comando do Exército.
Art. 65. As armas de fogo, acessórios ou munições mencionados no art. 25
da Lei n 10.826, de 2003, serão encaminhados, no prazo máximo de quarenta e
oito horas, ao Comando do Exército, para destruição, após a elaboração do laudo
pericial e desde que não mais interessem ao processo judicial.
o
§ 1o É vedada a doação, acautelamento ou qualquer outra forma de
cessão para órgão, corporação ou instituição, exceto as doações de arma de fogo
de valor histórico ou obsoletas para museus das Forças Armadas ou das instituições
policiais.
§ 2o As armas brasonadas ou quaisquer outras de uso restrito poderão ser
recolhidas ao Comando do Exército pela autoridade competente, para sua guarda
até ordem judicial para destruição.
§ 3o As armas apreendidas poderão ser devolvidas pela autoridade
competente aos seus legítimos proprietários se presentes os requisitos do art. 4o da
Lei no 10.826, de 2003.
§ 4o O Comando do Exército designará as Organizações Militares que
ficarão incumbidas de destruir as armas que lhe forem encaminhadas para esse fim,
bem como incluir este dado no respectivo Sistema no qual foi cadastrada a arma.
Art. 66. A solicitação de informações sobre a origem de armas de fogo,
munições e explosivos deverá ser encaminhada diretamente ao órgão controlador
da Polícia Federal ou do Comando do Exército.
Art. 67. No caso de falecimento ou interdição do proprietário de arma de fogo,
o administrador da herança ou curador, conforme o caso, deverá providenciar a
transferência da propriedade da arma mediante alvará judicial ou autorização firmada
por todos os herdeiros, desde que maiores e capazes, aplicando-se ao herdeiro ou
interessado na aquisição as disposições do art. 12. (Redação dada pelo Decreto nº
6.715, de 2008).
§ 1o O administrador da herança ou o curador comunicará à Polícia
Federal ou ao Comando do Exército, conforme o caso, a morte ou interdição do
proprietário da arma de fogo.(Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 2o Nos casos previstos no caput deste artigo, a arma deverá permanecer
sob a guarda e responsabilidade do administrador da herança ou curador,
depositada em local seguro, até a expedição do Certificado de Registro e entrega ao
novo proprietário.
§ 3o A inobservância do disposto no § 2o implicará a apreensão da arma
pela autoridade competente, aplicando-se ao administrador da herança ou ao
curador as sanções penais cabíveis. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de
2008).
Art. 67-A. Serão cassadas as autorizações de posse e de porte de arma de
fogo do titular a quem seja imputada a prática de crime doloso. (Incluído pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
139
§ 1o Nos casos previstos no caput, o proprietário deverá entregar a arma
de fogo à Polícia Federal, mediante indenização na forma do art. 68, ou providenciar
sua transferência no prazo máximo de sessenta dias, aplicando-se, ao interessado
na aquisição, as disposições do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003. (Incluído pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 2o A cassação da autorização de posse ou de porte de arma de fogo
será determinada a partir do indiciamento do investigado no inquérito policial ou do
recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de
2008).
§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo a todas as armas de fogo de
propriedade do indiciado ou acusado. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 67-B. No caso do não-atendimento dos requisitos previstos no art. 12,
para a renovação do Certificado de Registro da arma de fogo, o proprietário deverá
entregar a arma à Polícia Federal, mediante indenização na forma do art. 68, ou
providenciar sua transferência para terceiro, no prazo máximo de sessenta dias,
aplicando-se, ao interessado na aquisição, as disposições do art. 4o da Lei
no 10.826, de 2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Parágrafo único. A inobservância do disposto no caput implicará a
apreensão da arma de fogo pela Polícia Federal ou órgão público por esta
credenciado, aplicando-se ao proprietário as sanções penais cabíveis. (Incluído pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
Seção II
Das Disposições Finais e Transitórias
Art. 68. O valor da indenização de que tratam os arts. 31 e 32 da Lei
n 10.826, de 2003, bem como o procedimento para pagamento, será fixado pelo
Ministério da Justiça.
o
Parágrafo único. Os recursos financeiros necessários para o cumprimento
do disposto nos arts. 31 e 32 da Lei nº 10.826, de 2003, serão custeados por
dotação específica constante do orçamento do Ministério da Justiça. (Redação dada
pelo Decreto nº 7.473, de 2011)
Art. 69. Presumir-se-á a boa-fé dos possuidores e proprietários de armas de
fogo que espontaneamente entregá-las na Polícia Federal ou nos postos de
recolhimento credenciados, nos termos do art. 32 da Lei no 10.826, de
2003. (Redação dada pelo Decreto nº 7.473, de 2011)
Art. 70. A entrega da arma de fogo, acessório ou munição, de que tratam
os arts. 31 e 32 da Lei nº 10.826, de 2003, deverá ser feita na Polícia Federal ou nos
órgãos e entidades credenciados pelo Ministério da Justiça. (Redação dada pelo
Decreto nº 7.473, de 2011)
140
§ 1o Para o transporte da arma de fogo até o local de entrega, será exigida
guia de trânsito, expedida pela Polícia Federal, ou órgão por ela credenciado,
contendo as especificações mínimas estabelecidas pelo Ministério da
Justiça. (Redação dada pelo Decreto nº 7.473, de 2011)
§ 2o A guia de trânsito poderá ser expedida pela rede mundial de
computadores - Internet, na forma disciplinada pelo Departamento de Polícia
Federal. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 3o A guia de trânsito não autoriza o porte da arma, mas apenas o seu
transporte, desmuniciada e acondicionada de maneira que não possa ser feito o seu
pronto uso e, somente, no percurso nela autorizado.(Incluído pelo Decreto nº 6.715,
de 2008).
§ 4o O transporte da arma de fogo sem a guia de trânsito ou o transporte
com a guia, mas sem a observância do que nela estiver estipulado, poderá sujeitar o
infrator às sanções penais cabíveis. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 70-A. Para o registro da arma de fogo de uso permitido ainda não
registrada de que trata o art. 30 da Lei no 10.826, de 2003, deverão ser
apresentados pelo requerente os documentos previstos no art. 70-C e original e
cópia, ou cópia autenticada, da nota fiscal de compra ou de comprovação da origem
lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na
qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário. (Incluído
pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 70-B. Para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo de
que trata o § 3o do art. 5o da Lei no 10.826, de 2003, deverão ser apresentados pelo
requerente os documentos previstos no art. 70-C e cópia do referido Certificado ou,
se for o caso, do boletim de ocorrência comprovando o seu extravio. (Incluído pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 70-C. Para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo ou
para o registro da arma de fogo de que tratam, respectivamente, o § 3 o do art. 5o e o
art. 30 da Lei no10.826, de 2003, o requerente deverá: (Incluído pelo Decreto nº
6.715, de 2008).
I - ter, no mínimo, vinte e cinco anos de idade; (Incluído pelo Decreto nº
6.715, de 2008).
II - apresentar originais e cópias, ou cópias autenticadas, do documento de
identificação pessoal e do comprovante de residência fixa; (Incluído pelo Decreto nº
6.715, de 2008).
III - apresentar o formulário SINARM devidamente preenchido; e (Incluído
pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
141
IV - apresentar o certificado de registro provisório e comprovar os dados
pessoais informados, caso o procedimento tenha sido iniciado pela rede mundial de
computadores - Internet.(Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 1o O procedimento de registro da arma de fogo, ou sua renovação, poderá
ser iniciado por meio do preenchimento do formulário SINARM na rede mundial de
computadores - Internet, cujo comprovante de preenchimento impresso valerá como
certificado de registro provisório, pelo prazo de noventa dias. (Incluído pelo Decreto
nº 6.715, de 2008).
§ 2o No ato do preenchimento do formulário pela rede mundial de
computadores - Internet, o requerente deverá escolher a unidade da Polícia Federal,
ou órgão por ela credenciado, na qual entregará pessoalmente a documentação
exigida para o registro ou renovação. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 3o Caso o requerente deixe de apresentar a documentação exigida para o
registro ou renovação na unidade da Polícia Federal, ou órgão por ela credenciado,
escolhida dentro do prazo de noventa dias, o certificado de registro provisório, que
será expedido pela rede mundial de computadores - Internet uma única vez, perderá
a validade, tornando irregular a posse da arma. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de
2008).
§ 4o No caso da perda de validade do certificado de registro provisório, o
interessado deverá se dirigir imediatamente à unidade da Polícia Federal, ou órgão
por ela credenciado, para a regularização de sua situação. (Incluído pelo Decreto nº
6.715, de 2008).
§ 5o Aplica-se o disposto no art. 70-B à renovação dos registros de arma de
fogo cujo certificado tenha sido expedido pela Polícia Federal, inclusive aqueles com
vencimento até o prazo previsto no § 3o do art. 5o da Lei no 10.826, de 2003, ficando
o proprietário isento do pagamento de taxa nas condições e prazos da Tabela
constante do Anexo à referida Lei. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 6o Nos requerimentos de registro ou de renovação de Certificado de
Registro de Arma de Fogo em que se constate a existência de cadastro anterior em
nome de terceiro, será feita no SINARM a transferência da arma para o novo
proprietário. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 7o Nos requerimentos de registro ou de renovação de Certificado de
Registro de Arma de Fogo em que se constate a existência de cadastro anterior em
nome de terceiro e a ocorrência de furto, roubo, apreensão ou extravio, será feita no
SINARM a transferência da arma para o novo proprietário e a respectiva arma de
fogo deverá ser entregue à Polícia Federal para posterior encaminhamento à
autoridade policial ou judicial competente. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 8o No caso do requerimento de renovação do Certificado de Registro de
que trata o § 6o, além dos documentos previstos no art. 70-B, deverá ser
142
comprovada a origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou,
ainda, apresentada declaração firmada na qual constem as características da arma e
a sua condição de proprietário. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 9o Nos casos previstos neste artigo, além dos dados de identificação do
proprietário, o Certificado de Registro provisório e o definitivo deverão conter, no
mínimo, o número de série da arma de fogo, a marca, a espécie e o calibre. (Incluído
pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 70-D. Não se aplicam as disposições do § 6o do art. 70-C às armas de
fogo cujos Certificados de Registros tenham sido expedidos pela Polícia Federal a
partir da vigência deste Decreto e cujas transferências de propriedade dependam de
prévia autorização. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 70-E. As armas de fogo entregues na campanha do desarmamento não
serão submetidas a perícia, salvo se estiverem com o número de série ilegível ou
houver dúvidas quanto à sua caracterização como arma de fogo, podendo, nesse
último caso, serem submetidas a simples exame de constatação. (Incluído pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
Parágrafo único. As armas de fogo de que trata o caput serão,
obrigatoriamente, destruídas. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 70-F. Não poderão ser registradas ou terem seu registro renovado as
armas de fogo adulteradas ou com o número de série suprimido. (Incluído pelo
Decreto nº 6.715, de 2008).
Parágrafo único. Nos prazos previstos nos arts. 5o, § 3o, e 30 da Lei
n 10.826, de 2003, as armas de que trata o caput serão recolhidas, mediante
indenização, e encaminhadas para destruição. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de
2008).
o
Art. 70-G. Compete ao Ministério da Justiça estabelecer os procedimentos
necessários à execução da campanha do desarmamento e ao Departamento de
Polícia Federal a regularização de armas de fogo. (Redação dada pelo Decreto nº
7.473, de 2011)
Art. 70-H. As disposições sobre entrega de armas de que tratam os arts. 31
e 32 da Lei no 10.826, de 2003, não se aplicam às empresas de segurança privada e
transporte de valores.(Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 71. Será aplicada pelo órgão competente pela fiscalização multa no
valor de:
I - R$ 100.000,00 (cem mil reais):
143
a) à empresa de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, marítimo, fluvial ou
lacustre que permita o transporte de arma de fogo, munição ou acessórios, sem a
devida autorização, ou com inobservância das normas de segurança; e
b) à empresa de produção ou comércio de armamentos que realize
publicidade estimulando a venda e o uso indiscriminado de armas de fogo,
acessórios e munição, exceto nas publicações especializadas;
II - R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), sem prejuízo das sanções penais
cabíveis:
a) à empresa de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, marítimo, fluvial ou
lacustre que deliberadamente, por qualquer meio, faça, promova ou facilite o
transporte de arma ou munição sem a devida autorização ou com inobservância das
normas de segurança; e
b) à empresa de produção ou comércio de armamentos, na reincidência da
hipótese mencionada no inciso I, alínea "b"; e
III - R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), sem prejuízo das sanções penais
cabíveis, na hipótese de reincidência da conduta prevista na alínea "a", do inciso I, e
nas alíneas "a" e "b", do inciso II.
Art. 72. A empresa de segurança e de transporte de valores ficará sujeita às
penalidades de que trata o art. 23 da Lei no 7.102, de 20 de junho de 1983, quando
deixar de apresentar, nos termos do art. 7o, §§ 2o e 3o, da Lei no 10.826, de 2003:
I - a documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos
constantes do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003, quanto aos empregados que
portarão arma de fogo; ou
II - semestralmente, ao SINARM, a listagem atualizada de seus empregados.
Art. 74. Os recursos arrecadados em razão das taxas e das sanções
pecuniárias de caráter administrativo previstas neste Decreto serão aplicados na
forma prevista no § 1o do art. 11 da Lei no 10.826, de 2003.
Parágrafo único. As receitas destinadas ao SINARM serão recolhidas ao
Banco do Brasil S.A., na conta “Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das
Atividades-Fim da Polícia Federal”, e serão alocadas para o reaparelhamento,
manutenção e custeio das atividades de controle e fiscalização da circulação de
armas de fogo e de repressão a seu tráfico ilícito, a cargo da Polícia
Federal. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Art. 75. Serão concluídos em sessenta dias, a partir da publicação deste
Decreto, os processos de doação, em andamento no Comando do Exército, das
armas de fogo apreendidas e recolhidas na vigência da Lei no 9.437, de 20 de
fevereiro de 1997.
Art. 76. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 77. Ficam revogados os Decretos nos 2.222, de 8 de maio de
1997, 2.532, de 30 de março de 1998, e 3.305, de 23 de dezembro de 1999.
Brasília, 1º de julho de 2004; 183º da Independência e 116º da República.
144
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos
José Viegas Filho
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 2.7.2004
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ RICARDO DA SILVA