UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ RICARDO DA SILVA ALMEIDA PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: uma análise frente às divergências doutrinárias e jurisprudenciais Biguaçu 2012 RICARDO DA SILVA ALMEIDA PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: uma análise frente às divergências doutrinárias e jurisprudenciais Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos. Biguaçu 2012 RICARDO DA SILVA ALMEIDA PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: uma análise frente às divergências doutrinárias e jurisprudenciais Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: Direito Público Biguaçu, 05/11/2012. Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus Biguaçu Orientador Prof. MSc. Fabiano Pires Castagna UNIVALI – Campus Biguaçu Membro Dedico este trabalho, primeiramente, a todos os pesquisadores do Direito e, sobretudo, aos apaixonados pelo direito penal. Especialmente, à minha mãe, Nerci da Silva Almeida, e aos meus irmãos, pelo amor que me tiveram e sempre pude contar. À minha esposa, Ana Paula C. Machado Almeida, pela ternura e afeto incondicional que me demonstra, pelos quais a amo e respeito. Ao meu estimado pai, Walter Santiago de Almeida (in memoriam) – saudade eterna. AGRADECIMENTOS Muitas pessoas são responsáveis direta e indiretamente pelo resultado desta pesquisa, algumas de forma muito especial. Agradeço a todos os docentes da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – Biguaçu/Kobrasol, catedráticos incansáveis na luta diária pelo aprendizado acadêmico, sem os quais, obviamente, não seria possível a concretização deste trabalho. Ao meu orientador, professor Msc. Rodrigo Mioto dos Santos, que conheceu todas as minhas dificuldades e, mesmo assim, me orientou e me incentivou durante toda a longa trajetória de elaboração deste Trabalho Monográfico, desde antes mesmo de eu me decidir pelo tema em todas as suas minúcias. Por fim, mas não menos importante, aos amigos e colegas do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – Biguaçu/Kobrasol, por travarem, lado a lado, as batalhas diárias em busca do aprendizado e do desenvolvimento intelectual por um amanhã melhor e mais justo. “O não matarás integra o pacote de uma lição que só os deuses tiveram forças de ensinar, mas nem sempre são ouvidos, pois a arma, criada e justificada como instrumento de defesa, destinado à preservação da vida, por força da liberdade, pode ser utilizada exatamente para a destruição da vida, tanto do próprio usuário quanto de outrem.” Jacy de Souza Mendonça. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, 05 de novembro de 2012. Ricardo da Silva Almeida RESUMO O presente trabalho monográfico trata da divergência de posicionamento encontrada na doutrina e também na jurisprudência pátrias, mais especificamente nas Turmas Julgadoras do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal quanto à tipicidade, ou não, da conduta de portar ilegalmente arma de fogo desmuniciada. O Estatuto do Desarmamento, Lei n. 10.826/2003, proíbe o porte de arma de fogo sem as devidas autorizações de porte, mas não esclarece sobre a tipicidade ou atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição no território nacional. Além do mais, as Turmas das Instâncias Superiores do Sistema Judiciário Brasileiro divergiram por muitos anos nas decisões acerca do tema e, mesmo nos dias atuais, ainda restam pensamentos destacados na jurisprudência que vão de encontro ao posicionamento dominante. O objetivo do trabalho é observar, com base na doutrina brasileira e em algumas das mais recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, qual será o posicionamento mais adequado a responder a este dúvida deixada no ar pelo Estatuto do Desarmamento. Para isso, o trabalho foi dividido em três capítulos, utilizando-se do Método Dedutivo para seu desenvolvimento. O primeiro capítulo abordará as principais características da legislação desarmamentista no Brasil, trazendo, inclusive, um sucinto histórico sobre a conduta de portar arma de fogo nas normas que conduziram a matéria através dos tempos, no entanto, sem a pretensão de esgotar a matéria. Já no segundo capítulo, para que, posteriormente, se pudesse ter maiores conhecimentos sobre a matéria foco da presente pesquisa, tratou-se de realizar uma abordagem conceitual dos basilares princípios que regem a disciplina penal no Direito moderno, assim como de algumas classificações doutrinárias acerca dos tipos penais, para uma melhor interpretação dos delitos contidos na Lei n. 10.826/2003. Assim sendo, no terceiro e último capítulo, foi dado enfoco total à exposição da divergência propriamente dita, no campo doutrinário e também jurisprudencial, mas designadamente na jurisprudência compreendida pelas Turmas julgadoras do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, acerca do porte ilegal de arma de fogo desmuniciada. Palavra-chave: Porte ilegal. Arma de fogo desmuniciada. Estatuto do Desarmamento. Tipicidade. Atipicidade. Superior Tribunal de Justiça. Supremo Tribunal Federal. ABSTRACT This monograph deals with the positioning of divergence found in doctrine and jurisprudence also homelands, specifically Judging Classes in the Superior Court of Justice and the Supreme Court as to typicality or not the conduct of illegally possessing a firearm unloading. The Disarmament Statute, Law n. 10.826/2003 prohibits possession of a firearm without proper authorizations to carry, but not clear about the typicality or atypicality of conduct carrying a firearm without ammunition in the country. Moreover, the classes of instances of the Superior Judiciary Brazilian diverged for many years in the decisions on the subject and, even today, remain prominent in jurisprudence thoughts that go against the dominant position. The objective is to observe, based on the Brazilian doctrine and in some of the more recent decisions of the Superior Court and the Supreme Court, which will be the most appropriate position to answer this question in the air left the Disarmament Statute. For this, the work was divided into three chapters, using the Deductive Method for its development. The first chapter will discuss the main features of the legislation disarmament in Brazil, bringing, including a brief history about the conduct of possessing a firearm in the rules that led to the field through time, however, without pretending to exhaust the subject. In the second chapter, so that later, if I could have more knowledge on the subject focus of this research, it was to perform a conceptual approach of the basic principles governing the penal discipline in modern law, as well as some ratings on doctrinal types of offenses, for better interpretation of the offenses contained in Law no. 10.826/2003. Thus, the third and final chapter, I focus was given full exposure of the divergence itself, in the field and also jurisprudential doctrine, but particularly in jurisprudence Classes understood by judging the Superior Court and the Supreme Court, about the illegal possession Firearm unloading. Keyword: Illegal possession. Firearm unloading. Status of Disarmament. Typicality. Atypicality. Superior Court of Justice. The Supreme Court. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12 1 CARACTERÍSTICAS DA LEGISLAÇÃO DESARMAMENTISTA NO BRASIL .... 14 1.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO BRASIL ... 14 1.2 OBJETO JURÍDICO TUTELADO PELO ESTATUTO DO DESARMAMENTO ... 21 1.3 O PORTE DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO ......... 24 1.3.1 As distinções entre posse irregular e porte ilegal de arma de fogo, acessório e munição .............................................................................................. 27 1.3.2 O porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito .......................................................................................... 34 1.4 APRESENTAÇÃO DA DIVERGÊNCIA QUANTO A (A)TIPICIDADE DA CONDUTA DE PORTAR ILEGALMENTE ARMA DE FOGO SEM MUNIÇÃO ......... 35 2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS REFERENTES À MATÉRIA E DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ...................................................................... 40 2.1 PRINCÍPIOS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO ESTATAL. ...................... 41 2.1.1 Princípio da legalidade e da reserva legal ................................................... 43 2.1.2 Princípio da intervenção penal mínima ....................................................... 46 2.1.3 Princípio da fragmentariedade ..................................................................... 47 2.1.4 Princípio da insignificância .......................................................................... 49 2.1.5 Princípio da proporcionalidade .................................................................... 50 2.1.6 Princípio da lesividade ou da ofensividade ................................................ 52 2.2 SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ...................................................... 56 2.2.1 Crimes Materiais. .......................................................................................... 57 2.2.2 Crimes Formais. ............................................................................................ 58 2.2.3 Crimes de Mera Conduta. ............................................................................. 59 2.2.4 Crimes de Dano ou de lesão ........................................................................ 59 2.2.5 Crimes de Perigo. .......................................................................................... 60 2.2.5.1 Crimes de Perigo Concreto .......................................................................... 61 2.2.5.2 Crimes de Perigo Abstrato ........................................................................... 62 3 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: UMA ANÁLISE FRENTE ÀS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS .............. 65 3.1 OS CRIMES DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. ................................................................................................. 65 3.2 A TIPICIDADE VERSUS A ATIPICIDADE DA CONDUTA DE PORTAR ARMA DE FOGO DESMUNICIADA FRENTE À DOUTRINA. ............................................. 70 3.3 ANÁLISE DA MATERIA FRENTE ÀS DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS . 76 3.3.1 O dissenso sobre a (a)tipicidade do porte de arma de fogo desmuniciada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça .......................................................... 76 3.3.2 A divergência no âmbito do Supremo Tribunal Federal ............................. 84 3.4 ANÁLISE E CRÍTICA DO OBJETO DO TRABALHO .......................................... 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 98 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 100 ANEXO A – LEI N. 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003 ............................... 107 ANEXO B – DECRETO N. 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004 .............................. 120 12 INTRODUÇÃO Os delitos de porte ilegal de arma de fogo, trazidos nos artigos 14 e 16, ambos do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003) não mencionam, em nenhum momento, como elemento indispensável à consumação de tais crimes, a ocorrência da efetiva exposição de outrem a perigo, sendo classificados, portanto, como crimes de mera conduta e de perigo abstrato, o que faz presumir que as consumações dos delitos de porte ilegal de arma de fogo se dão com o simples cometimento das condutas descritas no Estatuto do Desarmamento. Em contrapartida, para o Princípio da Lesividade, também conhecido como Princípio da Ofensividade Penal, uma conduta somente pode ser tipificada se for capaz de produzir um resultado jurídico, ou seja, uma lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, sendo, portanto, pela interpretação de tal Princípio, atípicas todas as condutas que não provocarem ameaça concreta de lesão ao bem protegido, renegando todos os crimes de perigo abstrato existentes. A presente pesquisa monográfica tem sua razão de ser ao investigar nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial o crime de porte ilegal de arma de fogo, nos casos em que o agente é surpreendido sem que haja, à sua disposição, munição capaz de tornar o objeto propício para a produção de disparos, finalidade para a qual é produzido, uma vez que a Lei n. 10.826/2003 foi silente no sentido de tipificar tal comportamento, o que fez gerar uma divergência ampla de posicionamentos que, ora afirmam prevalecer a mens legislatoris, ao promulgar dispositivos de perigo abstrato e de mera conduta, ora defendem a atipicidade da conduta por não gerar a arma desmuniciada efetivo risco de dano à incolumidade pública, objeto tutelado pelo Estatuto do Desarmamento. Trata-se, portanto, de um estudo baseado em observações jurisprudenciais e em pesquisas bibliográficas e documentais, em que o método utilizado será o método dedutivo, uma vez que se partirá do histórico e dos princípios gerais do Direito Penal e Constitucional brasileiros para o conflito de posicionamentos contidos nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, acerca da (a)tipicidade da conduta de portar arma de fogo desmuniciada em território nacional. 13 Este trabalho encontra-se estruturado em três capítulos, imediatamente seguidos de conclusão, acerca do tema central da pesquisa. O primeiro capítulo abordará as características da legislação desarmamentista no Brasil, trazendo à baila, primeiramente, um breve histórico sobre o porte ilegal de arma de fogo nas leis que regeram a matéria através dos tempos sem, no entanto, a pretensão de esgotar a matéria. Para tanto, tratar-se-á de destacar, já na atual legislação (Lei n. 10.826/2003), questões que a caracterizam como uma legislação desarmamentista, como o objeto jurídico que tutela, as particularidades dos crimes de porte ilegal de arma de fogo e suas distinções do delito de posse irregular de arma de fogo, bem como se fará uma breve e sumária apresentação da divergência em relação a tipificação, ou não, da conduta de portar armamento de fogo sem munição, em âmbito doutrinário e jurisprudencial. Já no segundo capítulo, para que se possa analisar com mais propriedade o objeto da presente pesquisa, tratou-se de resgatar os principais princípios que regem a matéria penal no Direito moderno, assim como necessário se fez abordar, com o mesmo propósito, algumas classificações doutrinárias acerca dos tipos penais, para uma melhor interpretação dos crimes contidos no Estatuto do Desarmamento. No terceiro e derradeiro capítulo, focou-se a exposição da divergência propriamente dita, em âmbito doutrinário e também jurisprudencial, mais especificamente na jurisprudência abarcada pelas Turmas julgadoras do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, acerca do tema objeto desta pesquisa, ou seja, sobre a divergência de posicionamentos em relação à tipicidade ou atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição em território brasileiro, trazendo, ao final, uma abordagem crítica com foco no rumo a ser tomado pela Jurisprudência da Suprema Corte. Na conclusão, far-se-á um breve apanhado do conteúdo explanado ao longo deste trabalho monográfico, com foco na doutrina e nas jurisprudências relacionadas ao porte ilegal de arma de fogo sem munição, para, ao final, se analisar qual caminho irá se destacar após os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. 14 1 CARACTERÍSTICAS DA LEGISLAÇÃO DESARMAMENTISTA NO BRASIL Este trabalho monográfico tem sua razão de ser nas divergências de posicionamento encontradas na doutrina brasileira, assim como também na jurisprudência nacional, no que concerne à tipicidade, ou à atipicidade, da conduta de portar ilegalmente arma de fogo sem munição. Não obstante, primeiramente, faz-se necessário tecer alguns comentários para uma melhor compreensão dos institutos contidos por detrás das condutas que levaram o legislador pátrio a criminalizar o porte ilegal de arma de fogo, condutas estas que são reguladas, atualmente, pela Lei n. 10.826/2003 1, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento. Por se tratar de uma legislação recente no país, mas que possui um forte apelo social e político no tocante ao seu conteúdo, ou seja, cadastro, controle e repressão à utilização das armas de fogo, acessórios e munições em território brasileiro, tanto é que há vários anos vem crescendo em importância no cenário nacional, será pertinente, por primeiro, um conciso resgate histórico do porte ilegal de arma de fogo no Brasil. 1.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO BRASIL Preliminarmente, faz-se necessário conceituar arma de fogo, para que se possa dar um preciso sentido ao que estabelecem os tipos penais do Estatuto Desarmamento. Arma de fogo, como regra geral, nada mais é do que um “instrumento natural com o qual são disparados projéteis propelidos pela combustão da pólvora 1 A Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, também conhecida como Estatuto do Desarmamento: Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 15 ou de outros explosivos”2. Ou ainda, em outras palavras, é um “dispositivo que impele um ou vários projéteis através de um cano pela pressão de gases em expansão produzidos por uma carga propelente em combustão” 3. De uma forma mais completa, podemos melhor entender esse conceito ao se observar o artigo 3º, inciso XIII, do Decreto n. 3.665, de 20 de novembro de 2000, que regulamenta a fiscalização para produtos controlados: Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições: [...] XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;4 Muitas são as razões para o ser humano utilizar armas e, contudo, desenvolver armas de fogo, no entanto, é preciso se regular este uso para que a ordem em sociedade não fuja ao controle do poder organizado estatal. Atualmente, no Brasil, as condutas de portar ilegalmente arma de fogo de uso permitido ou de portar arma de fogo de uso restrito são regidas pelos artigos 14 e 16, respectivamente, da Lei n. 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, mas nem sempre tais condutas tiveram tal enfoque perante o pensamento das pessoas em sociedade e, consequentemente, sobre a legislação. 5 Desde os primórdios, quando a raça humana despontou para o mundo, o homem, devido à sua inteligência, faz o uso de coisas, desviando-as de suas finalidades naturais, utilizando-as a serviço de seus próprios fins. 6 A árvore deixa de buscar seus fins, para servir como casa ou inúmeras modalidades de instrumentos; o algodão deixa de ser flor 2 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 02. 3 POLÍCIA FEDERAL. Cartilha de armamento e tiro da Polícia Federal. Disponível em: <http://www.dpf.gov.br/servicos/armas/>. Acesso em 01 ago. 2012. 4 BRASIL. Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. Acesso em: 03 nov. 2012. (Legislação Brasileira). 5 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 03. 6 MENDONÇA, Jacy de Souza. O Direito Natural à Vida. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 15. 16 para se transformar em tecido e roupas, etc., etc. Uma das modalidades de aproveitamento da natureza é usá-la como arma, para proteger-se contra agressões e preservar a vida e a integridade física.7 Desta feita, desde tempos remotos, em que o ser humano fazia uso de pedras como meio de ataque e defesa, os ensejos pelos quais se utilizava armas sempre foram os mesmos, certo é que o homem necessitava de proteção contra as intempéries da natureza, carecia caçar para se alimentar e se proteger de outros agrupamentos humanos, para preservar a propriedade e também como forma de dominação política e econômica perante os demais membros do grupo. 8 Foi justificado nesta necessidade de sobrevivência da raça humana que o uso das armas de fogo se disseminou na sociedade, e, em especial, na sociedade contemporânea, compreendida como o atual estágio da vida em coletividade, tendo ascenso à uma proporção tão exacerbada em números e em poder de destruição, que passou a ameaçar a própria sobrevivência da civilização como a conhecemos, talvez, pela insaciedade da indústria armamentista. 9 As primeiras armas de fogo de que se têm notícias foram desenvolvidas no século XIV, elas eram grandes e não podiam ser portadas. O primeiro grande aperfeiçoamento veio a ocorrer a partir de 1425, quando o disparo destas armas foi melhorado com a invenção da trava de mecha, ou seja, um pavio, normalmente um cordão, que queimava muito lentamente, que era introduzido de forma a ficar em contato com uma caçarola de escorva10, que disparava a carga principal quando todo o pavio se queimava, tendo contato com a pólvora. 11 Por volta de 1500, uma invenção atribuída à Leonardo da Vinci veio a ser o que após se tornou um grande avanço na corrida armamentista, ou seja, um projeto 7 MENDONÇA, Jacy de Souza. O Direito Natural à Vida. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 15-16. 8 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 38. 9 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 38-39. 10 Escorva: “Orifício onde se punha a pólvora para dar fogo com as antigas armas.” DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/>. Verbete “escorva”. 11 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 02. 17 de arma tipo “wheel-lock”, que usava um sistema de rodete12 ao invés do sistema de trava de mecha, onde um tipo de pedra, a pirita, era envolta em um tecido ou pedaço de couro, presa em uma espécie de pinça de duas garras, fixadas através de um parafuso de aperto. 13 A partir disso, as armas de fogo sofreram um avanço tecnológico cada vez mais apurado e técnico que lhes permitiu maior transportabilidade e capacidade de lesividade. Em 1515 a carabina surgiu substituindo os antigos mosquetes utilizados pelos soldados de infantaria; no século XVI nasceu o sistema de estriamento dos canos de armas pequenas, oferecendo às munições um movimento rotatório quando do disparo; o sistema de ignição-percussão foi inventado no século XIX, com cartuchos com carga explosiva fixa; e, finalmente, chegou-se ao século XX, quando, com o advento da segunda guerra mundial, passou-se à utilização de submetralhadoras e rifles semi-automáticos.14 No entanto, mesmo que possa ser utilizada como meio de defesa e garantia da sobrevivência individual, ou mesmo de outrem, uma arma de fogo sempre é propositalmente projetada para ofender a integridade física de alguém e, consequentemente, isto coloca em perigo a incolumidade pública. 15 Diante desse amplo desenvolvimento do poder de devastação, cada dia maior, que as armas de fogo passaram a ser desenvolvidas, a sociedade organizada começou a incompatibilizar-se, cada vez mais, com o uso descontrolado de armas 12 O sistema de rodete, também conhecido por “wheel-lock“, veio a substituir o sistema de mecha, pois era mais moderno e rápido, uma vez que com o sistema de mecha era preciso ajustar constantemente o comprimento do pavio (cordão) que era ligado ao orifício contendo a pólvora para poder disparar o projétil pela queima do explosivo, o que poderia causar sérios problemas em um confronto direto com o inimigo, sendo que o rodete, ou seja, um sistema que se assemelhava com os usados atualmente em isqueiros à gás, que usava uma chave similar a utilizada para dar corda em um relógio antigo, que girava a roda numa volta completa até ser travada pelo gatilho da arma, era muito mais seguro e rápido ao seu portador. O que tinha que se fazer era carregar a arma como de costume, colocando em seguida um pouco de pólvora em um orifício específico. O sistema continha uma pequena pedra chamada de pirita que era posicionada sobre uma roda de ferro serrilhada nas extremidades. Quando se puxava o gatilho, a roda era liberada e girava rapidamente pela ação de uma mola. A pirita, pressionada sobre a lateral serrilhada da roda, causava faíscas que detonavam a pólvora, liberando o projétil pelo efeito do explosivo. NETO, Carlos. Sistemas de ignição de armas de fogo. Disponível em: <http://armasonline.org/armas-on-line/sistemas-deignicao-em-armas-de-fogo/>. 05 out. 2009. Acesso em: 01 ago. 2012. 13 NETO, Carlos. Sistemas de ignição de armas de fogo. Disponível em: <http://armasonline.org/armas-on-line/sistemas-de-ignicao-em-armas-de-fogo/>. 05 out. 2009. Acesso em: 01 ago. 2012. 14 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 02-03. 15 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78. 18 de fogo pela população e começou a exigir uma forma mais ativa do Estado que, como estrutura racional designada a disciplinar e manter a boa convivência entre as pessoas na coletividade, garantindo assim, à sociedade, a sobrevivência de seus membros, a segurança individual e coletiva, a saúde, etc., enceta a impor normas jurídicas para restringir o uso e a facilidade com que o cidadão adquire armas de fogo.16 Para Guilherme de Souza Nucci, como já aludido, uma arma de fogo pode ser utilizada tanto para salvar e proteger vidas, como para tirá-las e, portanto, cabe ao Estado, como legítimo detentor da incumbência de zelar pela proteção do direito individual fundamental à segurança pública, regular e restringir o uso e a comercialização das armas de fogo pela população.17 Nessa seara, e no que se refere ao Brasil, Liliana Buff e Silva e Luiz Felipe Buff e Silva afirmam que No Brasil, desde o Código Criminal do Império, de 183018, já se punia o uso ‘de armas offensivas, que forem proibidas’, com pena mínima de 15 dias de prisão simples e multa correspondente à metade do tempo, pena média de um mês e pena máxima de 60 dias, além da perda das armas (art. 297). Competia à Câmara Municipal declarar quais as armas proibidas (art. 299 e Lei de 1.10.1828, art. 71), não incorrendo nas penas cominadas para esta infração penal ‘os officiaes de justiça, andando em diligencia; os militares de primeira e segunda linha e ordenanças, andando em diligencia ou em exercício (...)’ e os que obtivessem licença dos juízes de paz (art. 298).19 (sem grifos no original). Nesse diapasão, buscava-se punir, como crime, o uso e o porte das armas que fossem consideradas proibidas. Assim sendo, adotando uma postura de proteção da pessoa humana, o legislador também estabeleceu, na lei datada de 16 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 40. 17 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78. 18 BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 13 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 19 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41. 19 26/10/183120, punições de prisão com trabalho que variavam de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou o dobro, em casos de reincidência, também às condutas de portar sem as devidas permissões e licenças outras espécies de armas, como pistolas, bacamarte21, ou até mesmo facas com pontas, canivetes ou punhais, ou seja, instrumentos perfurantes.22 Posteriormente, o Código Penal de 1890, discorrendo sobre a proibição do uso de armas sem licença da autoridade policial, estabeleceu tal conduta como contravenção penal que trazia pena de prisão celular que variava de 15 (quinze) até 60 (sessenta) dias.23 Apesar da tentativa do legislador de diminuir a criminalidade e restringir o uso de armas de fogo pela sociedade, estas brandas sanções não eram eficazes para cumprir com o intuito da legislação e, até o cidadão cumpridor das normas jurídicas sentia-se influenciado a manter, mesmo que ilegalmente, uma arma de fogo em sua residência, como forma de garantir, através do emprego da força, sua segurança e de sua família. 24 A partir deste marco histórico, inúmeras legislações foram criadas em complementação ao Código Penal de 1890 e, posteriormente, entrou em vigor a Lei das Contravenções Penais de 1941 (Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 194125), todas elas tratando as condutas do porte e do uso de armas de fogo como meras contravenções.26 20 BRASIL. Lei de 26 de outubro de 1831. Prescreve o modo de processar os crimes publicos e particulares e dá outras providencias quanto aos policiaes. Disponível em: <http://ciespi.org.br/media/lei_26_out_1831.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 21 Bacamarte: “Arma de fogo de cano curto e largo, reforçada na coronha.” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Editora Positivo, 2008. p. 160. Verbete “bacamarte”. 22 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41. 23 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41-42. 24 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78. 25 BRASIL. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 26 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 43. 20 Foi apenas em 1997 que o Governo Federal, pressionado pelos anseios da população brasileira, na tentativa de reduzir a criminalidade e, com ela, os delitos mais impactantes para a sociedade, produzidos, na maioria das vezes, mediante o uso de armas de fogo, sancionou a Lei n. 9.437/1997 27, atualmente revogada, tratando o porte ilegal de arma de fogo como crime e não como simplesmente uma contravenção penal, assim como as legislações predecessoras que vinham regulando a matéria.28 Vale destacar, assim como bem anotam Liliana Buff e Luiz Felipe Buff, que tal legislação manteve em vigor o dispositivo do Decreto-Lei n. 3.688/1941, conhecida como Lei das Contravenções Penais, que discorria sobre as armas brancas, porém, tratando como crime e, consequentemente, punindo mais severamente, a posse, o porte e o comércio de armas de fogo e munições. 29 No entanto, Damásio de Jesus explica que A Lei n. 9.437/97, a chamada „Lei das Armas de Fogo‟ continha inúmeros erros. Por isso, o legislador editou a Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), já em vigor, outra vez dispondo sobre o registro, porte e comercialização de armas de fogo, definindo delitos e disciplinando o Sistema Nacional de Armas de Fogo (SISNARM).30 Também porque, com o advento da Lei n. 10.259/2001 31, que estabeleceu, no âmbito da Justiça Federal, como crime de menor potencial ofensivo os delitos com pena máxima in abstrato não superior a 02 (dois) anos, trazendo, consequentemente, tal definição também para os crimes de alçada da Justiça 27 BRASIL. Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Institui o Sistema Nacional de Armas SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9437.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 28 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 03. 29 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 41. 30 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 03. 31 BRASIL. Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10259.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 21 Estadual (Lei n. 9.099/199532), restou totalmente prejudicada a intenção do legislador da Lei n. 9.437/97 de proteger a pessoa humana e restringir a criminalidade armada, uma vez que o porte e o uso imprudente de armas de fogo acarretam perigo à pessoa e, a partir deste momento, passou a ser considerado delito de menor potencial ofensivo.33 Desse modo, assim como assinalam Liliana Buff e Luiz Felipe Buff, constatase [...] que, basicamente a mesma inquietação que moveu o atual legislador ao elaborar e aprovar o Estatuto do Desarmamento, influenciou o legislador de mais de meio século atrás. Buscava-se diminuir a violência não só a punindo, mas punindo igualmente, como forma de prevenção, as condutas que pudessem possibilitar a sua ocorrência.34 Destarte, percebe-se que a conduta de portar arma de fogo já se encontra regulada pelo ordenamento jurídico brasileiro há muito tempo, passando por períodos de menor e de maior repressão popular e legislativa e, atualmente, é sobrepujada pela Lei 10.826/2003. Assim, para que se possa adentrar mais aprofundadamente à análise das características do Estatuto do Desarmamento é necessário, antecipadamente, conhecer os fundamentos jurídicos em que se apoiou o legislador pátrio para reprimir a conduta de portar arma de fogo em todo o território nacional. 1.2 OBJETO JURÍDICO TUTELADO PELO ESTATUTO DO DESARMAMENTO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz logo em seu artigo 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana, nos seguintes 32 BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 33 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 42 e 44-45. 34 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 45. 22 termos: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana” 35. Nesse sentido, a Lei Maior trouxe em seu artigo 5º, caput, uma série de garantias fundamentais, sem as quais não se poderia sequer pensar em dignidade humana, in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]36. (Sem grifos no original). Desta feita, evidente está que a própria Carta Magna de 1988 destaca alguns direitos fundamentais, inerentes e primordiais à sobrevivência e à boa convivência em sociedade, como forma de garantir a todos o convívio em coletividade perante um primado de ideal democrático, consubstanciado no princípio da dignidade da pessoa humana.37 Isso porque, a ordem jurídica tem como finalidade proteger bens juridicamente relevantes, os quais necessitam ser tutelados pelo Estado, motivo pelo qual, se deve não somente punir agressões efetivas a tais direitos, mas também preveni-las.38 Bens são, de uma forma muito ampla, tudo aquilo que nos é apresentado como valioso, digno e necessário para nossa interação e convivência em sociedade, ou seja, coisas materiais ou elementos imateriais que fazem parte, ou são inerentes ao homem como ser vivente e que, de certa forma, por serem ambicionados, almejados e disputados cotidianamente, necessitam ser protegidos, tutelados por uma força maior, pois são suscetíveis à ataques e lesões. 39 35 BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 36 BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 37 Nesse sentido: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10. 38 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 45. 39 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 15. 23 No entanto, não são todos os bens que merecem a tutela do Direito Penal. 40 Conforme explica Francisco de Assis Toledo: “dentre o imenso número de bens existentes, seleciona o direito aqueles que reputa „dignos de proteção‟ e os erige em „bens jurídicos‟”41. Maximiliano Roberto Ernesto Führer, discorrendo sobre a subsidiariedade do Direito na proteção de bens jurídicos relevantes ensina que No Estado Democrático a violência do Direito Penal somente pode ser empregada subsidiariamente, em último caso, após esgotadas as outras possibilidades (princípio da subsidiariedade), e no grau mínimo necessário para alcançar seu fim, assim entendida a proteção dos bens jurídicos indispensáveis para a manutenção da vida em sociedade.42 Dentre tais direitos fundamentais, está o direito fundamental à segurança pública, abarcado no artigo 5º, caput, acima transcrito, e regrado pelo artigo 144, caput, ambos da Constituição Federal de 1988, que diz: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” 43. (grifou-se) Assim, garantir o direito à segurança é dever do Estado e, ao contrário da maioria dos demais direitos sociais, pertencentes ao homem como sujeito singular no seio da coletividade, este tem à própria coletividade como titular, consubstanciado na segurança e na paz pública dos indivíduos que convivem em sociedade e a compõem.44 Com este entendimento e ciente de que as questões envolvendo armas de fogo estão diretamente ligadas à questão da segurança social, Damásio Evangelista de Jesus alerta que “nos delitos de porte de arma e figuras similares, a objetividade 40 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 417. 41 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 16. 42 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. História do direito penal. (Crime natural e crime de plástico). São Paulo: Editora Malheiros, 2005. p. 98. 43 BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 jan. 2012. (Legislação Brasileira). 44 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 96. 24 jurídica principal pertence à coletividade (incolumidade pública, segurança coletiva), sendo esse o seu traço marcante. 45 Portanto, como o legislador do Estatuto do Desarmamento procurou elevar ao máximo a proteção da vida humana, o bem jurídico considerado mais importante, tanto quanto pela antecipação da proteção, como pela generalização da mesma, dizse que o Estatuto do Desarmamento contém normas que visam à proteção da incolumidade pública, ou seja, de bens jurídicos coletivos. 46 Não obstante, apesar de a maioria dos crimes descritos no Estatuto do Desarmamento apresentarem a incolumidade pública, ou seja, a segurança pública, tutelada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, como objeto jurídico principal, imediato, nada impede que nos crimes de porte de arma de fogo e correlatos possa haver uma objetividade jurídica secundária, uma vez que a Lei n 10.826/2003, protegendo interesses coletivos, acaba também resguardando, secundariamente, interesses singulares, como a vida, a integridade corporal, a saúde, etc47. A seguir far-se-á uma melhor abordagem dos institutos contidos na Lei n. 10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, que tratam do porte ilegal de arma de fogo em território nacional, bem como as distinções entre os tipos legais de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e de uso restrito e posse irregular de arma de fogo de uso permitido e restrito. 1.3 O PORTE DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO Nos últimos quinze anos modifificou-se substancialmente a realidade fática no Brasil em relação às armas de fogo, pelas mudanças ocorridas nas tipificações das condutas, que deixaram de ser tratadas como meras contravenções penais e 45 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 07. 46 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418. 47 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 07. 25 passaram a ser encaradas pelas legislações como crimes e, principalmente, com o advento da Lei n. 10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, que dispôs sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, passando a ocorrer, desde então, um maior controle e repressão à circulação dessas armas no território nacional.48 Inclusive, quando da promulgação do Estatuto do Desarmamento, o legislador pátrio, assim como bem leciona Nucci, buscou [...] proibir, por completo, o comércio de armas de fogo no Brasil, invocando-se um referendo popular para aprovar ou desaprovar o art. 35, caput, da Lei 10.826/2003. Em outubro de 2005, concretizouse o mencionado referendo e houve a rejeição da proibição do comércio de armas e munições. É natural que toda medida de caráter absoluto, mormente envolvendo direitos há décadas consolidados, seja vista com desconfiança pela população, motivo pelo qual não se admitiu a aprovação do art. 35.49 Uma vez desaprovado pela população brasileira o referido artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, restou regrar-se novas formas de consecução do porte de armas de fogo, que, de acordo com a nova sistemática legislativa, ficou estabelecido a partir da promulgação do Decreto n. 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamentou a Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que o porte de arma de fogo no Brasil será expedido pela Polícia Federal, com prévia autorização do SINARM, habilitando, desta forma, a pessoa a trazer consigo a arma de fogo, para pronto uso, caso haja necessidade. 50 Da mesma forma, o legislador deixou o controle de outras espécies de armas, as chamadas de uso restrito, dentre outras, a cargo do SIGMA, o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. 51 Com a previsão do SINARM e também do SIGMA no Estatuto do Desarmamento, a intenção do legislador foi controlar com mais rigor e eficiência através destes Sistemas implantados desde a promulgação da Lei n. 9.437/1997, 48 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78. 49 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78. 50 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 432. 51 ZULTAUSKAS, Alexandre Muller. SINARM e SIGMA: Os procedimentos de aquisição, controle de armas e suas consequências. Conteúdo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.37141&seo=1>. Acesso em: 29 ago. 2012. 26 porém, agora podendo contar com a interligação destes Órgãos - os registros dos dados das armas de fogo que circulam no país, pois havia uma facilidade muito grande de pessoas não autorizadas e capacitadas obterem armas de fogo, acessórios e munições em decorrência das limitações dos sistemas de fiscalização até então existentes, que ficava a cargo de cada Estado-Membro.52 O SINARM (Sistema Nacional de Armas), instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, é a estrutura destinada a exercer o controle, bem como a fiscalizar os dados existentes das armas de fogo que circulam no território brasileiro e, do mesmo modo que na Lei antecessora do Estatuto do Desarmamento, Lei n. 9.437/97, foi trazido logo em seu artigo 1º, demonstrando sua importância no combate ao uso indiscriminado de armas de fogo pela população, objeto este merecedor de especial controle pelo Estado.53 Já quanto ao SIGMA – Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – trazido no artigo 2º do Decreto regulamentador n. 5.123/2004, instituído no Ministério da Defesa, no âmbito do Comando do Exército, a mens legislatoris foi criar uma estrutura similar ao SINARM, para exercer o controle sobre tipos especiais de armamentos54, ou seja, que mantivesse O registro de todas as armas de fogo institucionais (Forças Armadas, Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares, ABIN e Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República); dos integrantes das instituições já denominadas; as importadas ou adquiridas no país para fins de testes e avaliação técnica e as obsoletas [...].55 Portanto, afora raras exceções legais, em momento mais oportuno devidamente apontadas, o indivíduo abordado portando arma de fogo, acessório ou munição sem o devido documento autorizador, expedido pela respectiva autoridade competente, estará comendo um ilícito penal. Mas, cabe ainda distinguir, antes de tudo, as condutas típicas de porte ilegal de arma de fogo e posse irregular de arma 52 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 61. 53 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 429. 54 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 61-62. 55 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 62. 27 de fogo, para então, posteriormente, partir-se para a exposição das particularidades do Estatuto do Desamamento. 1.3.1 As distinções entre posse irregular e porte ilegal de arma de fogo, acessório e munição Diferentemente da legislação anterior que regulava a matéria (Lei n. 9.437/1997), o Estatuto do Desarmamento trouxe em seu artigo 12 a proibição de se possuir ou guardar arma de fogo, acessório ou munição, sendo este último, inclusive, um dos grandes requerimentos da doutrina, separando tais condutas de outras que anteriormente eram trazidas em um mesmo dispositivo normativo. 56 Comparando os diplomas legais da Lei n. 9.437/1997 e a nova sistemática trazida pela Lei n. 10.826/2003, Capez aponta que A Lei n. 9.437/97 previa em seu artigo 10, caput, várias condutas típicas, tais como possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda e ocultar arma de fogo. A todas essas condutas cominava a mesma sanção penal. Assim, o legislador punia a posse, o porte e o comércio de arma de fogo com a mesma pena.57 Assim o fazendo, o legislador pátrio ao aplicar penas idênticas a situações tão dessemelhantes, prevendo todas aquelas condutas em um mesmo dispositivo normativo, optou por uma técnica legislativa um tanto quanto questionável, abrindo mão do princípio da proporcionalidade das penas.58 Mas nem tudo pode ser criticável, pois com o advento da Lei n. 9.437/1997 e, principalmente, com sua posterior revogação pelo Estatuto do Desarmamento, Lei n. 10.826/2003, percebeu-se uma sensível melhora para a segurança pública, uma vez que à época em que portar uma arma de fogo sem nenhuma autorização legal 56 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 436. 57 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 384. 58 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 384. 28 era tida como mera contravenção penal, vivia-se uma situação caótica onde a cada dia mais armas ilegais circulavam pelas ruas gerando assombrosos índices de criminalidade armada.59 Realmente, naquele ano de 1997 o Governo Federal fez viger a Lei n. 9.437, chamada de Lei das Armas de Fogo, no sentido de atualizar e modernizar nossa legislação penal, com o intuito de reduzir a denominada criminalidade de massa, como estava sendo chamada a crescente delinqüência urbana armada. 60 Como bem leciona Nucci, “a falsa aparência de segurança, de quem portava arma, várias vezes, terminava em tragédia pelo uso indevido do instrumento vulnerante em brigas de bar e em casas noturnas” 61, por exemplo. A nova sistemática trazida pelo Estatuto do Desarmamento torna tão burocrática e trabalhosa a obtenção do registro das armas de fogo que o cidadão comum, ou seja, as pessoas que não vivem do crime para sobreviver, certamente, irão, aos poucos, perdendo o interesse por adquirir tais armamentos bélicos, o que, certamente, era a intenção do legislador da Lei n. 10.826/2003. 62 Quanto ao novo dispositivo legal da posse irregular de arma de fogo de uso permitido, dispõe o artigo 12 do Estatuto do Desarmamento, ipsis litteris: Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.63 Percebe-se, com isso, que o Estatuto do Desarmamento inovou quando trouxe no seu artigo 12 apenas as condutas típicas de possuir ou manter sob sua guarda, sendo que as outras figuras nucleares contidas no artigo 10 e parágrafos da 59 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78. 60 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 03. 61 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 78. 62 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 03. 63 BRASIL. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. Acesso em: 09 ago. 2012. (Legislação Brasileira). 29 Lei n. 9.437/1997 passaram a ser objeto de normatização específica, com algumas alterações, e outras foram abolidas. Além disso, o Estatuto do Desarmamento incluiu em seu artigo 12 a figura típica consubstanciada na arma de fogo encontrada no interior da residência do agente ou em seu local de trabalho, quando titular ou responsável pelo estabelecimento, inseriu dois novos objetos materiais, ou seja, acessório ou munição e aumentou a pena prevista in abstrato para 1 (um) a 3 (três) anos de detenção e multa.64 Necessário observar que com esta majoração da pena in abstrato, o Estatuto do Desarmamento deslocou também a competência para julgamento do crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, uma vez que retirou da esfera de competência dos Juizados Especiais Criminais tal incumbência – assim como, anteriormente, quando regido pela Lei 9.437/1997, após o advento da Lei 10.259/2002 - e passou a ser do Juízo Comum Estadual, certo é que o artigo 61 da Lei n. 9.099/1995 considera crime de menor potencial ofensivo e, portanto, sendo competente o Juizado Especial Criminal para o julgamento das contravenções penais e dos crimes cuja pena máxima in abstrato não seja superior a dois anos. 65 Portanto, como dito, a competência para o julgamento dos crimes de posse irregular de arma de fogo, com a promulgação da Lei 10.826/2003, continuou a ser da Justiça Comum Estadual, visto que o objeto jurídico tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, ou seja, a incolumidade pública, não diz respeito a nenhum daqueles elementos contidos no artigo 109 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que trata da competência dos Juízes Federais para o processamento e julgamento de determinadas matérias, com exceção do artigo 18 da Lei n. 10.826/2003, quando trata do tráfico internacional de arma de fogo.66 Isso porque, o simples fato de existir um controle dos registros e portes de armas de fogo, em âmbito nacional, realizado pelo SINARM, órgão este submetido ao comando do Ministério da Justiça, não obsta em nada esta competência estadual, mesmo porque, é de responsabilidade do Estado-membro da Federação, 64 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 384-385. 65 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff e. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. IN: DAOUN, Alexandre Jean et al. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões – Lei 10.826/2003. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004. p. 43. 66 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 79. 30 por intermediação de suas polícias civil e militares, a manutenção da ordem pública.67 Com o escopo de classificar, de forma detalhada, o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, trazido no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003, Nucci ensina que É crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); mera conduta [sic] (não depende da ocorrência de nenhum efetivo prejuízo para a sociedade ou para qualquer pessoa); de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (os verbos indicam ações); permanente (a consumação se arrasta no tempo); de perigo abstrato (a probabilidade de dano, com o mau uso da arma, é presumida pelo tipo penal); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (cometido por mais de um ato); admite tentativa, embora de rara configuração.68 Também se trata de norma penal em branco, uma vez que as noções de arma de fogo, acessório, munição e arma de fogo de uso permitido, assim como as determinações e autorizações legais e regulamentares, ínsitas no tipo penal incriminador, estão dispostas em outras normas. 69 Os conceitos de acessório de arma, arma de fogo e munição estão dispostos no art. 3º, incisos II, XIII e LXIV, respectivamente, do Decreto n. 3.665/2000, que assim estabelece Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições: [...] II - acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma; [...] XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil; [...] LXIV - munição: artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição, 67 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 79. 68 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 82. 69 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 436. 31 iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais;70 Já quanto ao conceito de arma de fogo de uso permitido, este foi restabelecido com o advento do Decreto n. 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamentou a Lei n. 10.826/2003, vindo a substituir o inciso XVII do artigo 3º do Decreto n. 3.665/200071, quando trouxe em seu artigo 10 que Art. 10. Arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei nº 10.826, de 2003.72 Importante salientar que o tipo penal trazido no artigo 12 trata da pena privativa de liberdade mais branda trazida pelo Estatuto do Desarmamento, uma vez que outras condutas bem aproximadas, como por exemplo, a do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, possui pena mínima in abstrato em dobro.73 O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido está contido no artigo 14 da Lei 10.826/2003, que dispõe, ipsis litteris: Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.74 70 BRASIL. Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. Acesso em: 21 ago. 2012. (Legislação Brasileira). 71 Tal artigo definia que “arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. Acesso em: 21 ago. 2012. 72 BRASIL. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em: 09 ago. 2012. (Legislação Brasileira). 73 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 436. 74 BRASIL. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. (Legislação Brasileira). 32 Já quanto aos delitos de posse e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, que sofreram maior rigor repressivo da legislação, estão descritos no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento: Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.75 Não obstante, nos incisos I a VI do parágrafo único do artigo 16 da Lei n. 10.826/2003, se encontram as chamadas figuras equiparadas, ou seja, que prevêem condutas de alteração ou supressão de algum sinal identificador das armas de fogo, ou de modificação das características das armas de fogo, acessórios ou munições para torná-las equiparadas com aquelas listadas no rol de armas de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito.76 Tais dispositivos dispõem, ipsis litteris: Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e 75 BRASIL. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. (Legislação Brasileira). 76 RIGHETTO, Luiz Eduardo Cleto. Leis penais especiais comentadas. Florianópolis: Editora Conceito Editorial, 2010. p. 80. 33 VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. 77 Portanto, denota-se que a principal distinção entre a posse irregular e o porte ilegal de arma de fogo, acessório e munição, trazidos no Estatuto do Desarmamento está, substancialmente, na ação daquele que possui arma de fogo, acessório ou munição no interior de sua residência, ou em seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa, sem que esta esteja registrada, o qual deve responder pelo artigo 12, ou 16, em caso da arma estar com numeração raspada ou com sinal identificador suprimido, ou ainda, tratando-se de arma, acessório ou munição de uso restrito. Isso porque, aquele que, embora possuindo a arma registrada, a retira de sua residência para levá-la consigo, sem a autorização da autoridade competente, estará incorrendo nas sanções do artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, no caso de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, ou nas sanções do artigo 16 do referido diploma legal, em caso de arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito.78 Essa distinção, inclusive, já restou explicitada no julgamento do Habeas Corpus n. 87482/SP, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando o Relator, Ministro Felix Fischer, com maestria afirmou que [...] Não se pode confundir posse irregular de arma de fogo com o porte ilegal de arma de fogo. Com o advento do Estatuto do Desarmamento, tais condutas restaram bem delineadas. A posse consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo. O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho.79 Expostas tais distinções, resta analisar os artigos 14 e 16, ambos da Lei n. 10.826/2003, que tratam, respectivamente, do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e do porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. 77 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p.15. 78 PEREIRA, Marcelo Matias. Dos crimes de arma de fogo em espécie. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 319, 22 maio 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5155>. Acesso em: 29 ago. 2012. 79 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus n. 87482, da Quinta Câmara da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, Quinta Turma. Relator: Ministro Felix Fischer. Julgado em: 11/12/2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200701717709&dt_publicacao=10/03/2008> . Acesso em: 03 ago. 2012. 34 1.3.2 O porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito No artigo 14 do Estatuto do Desarmamento acima transcrito, o legislador tratou de prever as mesmas condutas trazidas no artigo 10 da Lei n. 9.437/1997, a já revogada Lei das Armas de Fogo, com a exceção da posse, que passou a ser objeto específico do art. 12 da nova Lei, e da fabricação, aluguel e exposição à venda de armas de fogo, que integrou o art. 17, da Lei n. 10.826/2003. 80 Trata-se, portanto, de crime de ação múltipla, uma vez que o artigo contém em seu núcleo vários verbos tipificando as condutas. 81 Além disso, o novo dispositivo tratou de empregar dois novos objetos materiais ao crime de porte ilegal, quais sejam, os acessórios de arma de fogo e as munições de arma de fogo, ambos de uso permitido, aumentando, inclusive, a pena in abstrato, que passou a ser de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão, e multa. 82 Com isso, verifica-se que os limites mínimos e máximos das penas impedem o oferecimento dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo, dispostos nos artigos 76 e 89, ambos da Lei n. 9.099/1995, porém, no entanto, nada impede a aplicação de pena restritiva de direitos ao agente infrator.83 Já no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, existe uma equiparação das condutas descritas nos artigos 12 e 14, do referido diploma legal, inclusive, com sanções de maiores gravidades, quando tais condutas envolverem armas de fogo, acessório ou munição de uso restrito. 84 80 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 88-89. 81 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 449. 82 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 89. 83 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 448. 84 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 469. 35 Por sua vez, arma de fogo de uso restrito teve sua especificação trazida pelo artigo 11 do Decreto n. 5.123/2004, que regulamentou o Estatuto do Desarmamento, que assim apregoa Art. 11. Arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com legislação específica.85 Portanto, verifica-se que igualmente como procedeu com o crime do artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, o legislador manteve as mesmas condutas do antigo artigo 10 da Lei n. 9.437/1997, com exceção da fabricação, aluguel e exposição à venda da arma de fogo realizada no exercício da atividade comercial ou industrial, que se trata do novo artigo 17 do Estatuto do Desarmamento, além de ter inserido o novo objeto material, ou seja, munição de uso restrito e, aumentado a pena in abstrato para 03 (três) a 6 (seis) anos de reclusão.86 1.4 APRESENTAÇÃO DA DIVERGÊNCIA QUANTO A (A)TIPICIDADE DA CONDUTA DE PORTAR ILEGALMENTE ARMA DE FOGO SEM MUNIÇÃO Os artigos 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento contêm tipos penais que geraram, desde sua promulgação, grande discussão, tanto na doutrina como na jurisprudência. Uma dessas divergências, objeto desta pesquisa, gira em torno de saber se o agente, abordado portando arma de fogo, que em princípio se amoldaria aos tipos penais acima citados, o faz de modo a não possuir munição ao alcance para municiar tal objeto vulnerante, estaria ele perfectibilizando ou não o crime de porte ilegal de arma de fogo. 87 Essa divergência se expande pela doutrina e também pela jurisprudência, uma vez que ainda não se têm uma visão consolidada se na hipótese do agente, 85 BRASIL. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em: 09 ago. 2012. (Legislação Brasileira). 86 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 114-115. 87 DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 200. 36 abordado portando arma de fogo desmuniciada, estaria configurado o crime de porte ilegal de arma de fogo, por se tratar de normas de mera conduta e perigo abstrato, se nunca configuraria tais delitos, pela falta da potencialidade ofensiva, ou mesmo por falta do objeto material da norma, ou ainda, numa terceira posição, só estaria configurado tal delito caso o agente não tenha registro ou porte de arma de fogo expedido pelas autoridades competentes.88 Na doutrina, se destacam posicionamentos como o de Nucci, Delmanto e Capez, por exemplo, defensores da tipicidade da conduta de portar ilegalmente arma de fogo desmuniciada, por entenderem tais doutrinadores que o Estatuto do Desarmamento tratou de delitos de mera conduta e de perigo abstrato. 89 Também porque, por tentar regular normas que protegem a incolumidade pública, o legislador teria previsto formas de se burlar a lei e, por este motivo, editou regra de mera conduta, pois, por exemplo, o agente poderia muito bem portar arma de fogo sem munição sem que, com isto, estivesse reduzido o risco para a sociedade, uma vez que, em determinado ponto de sua trajetória, onde se encontrasse uma vítima em potencial, poderia ele conseguir a munição das mãos de um comparsa e praticar crimes com o emprego de tal arma. 90 No entanto, esse posicionamento não é unânime, mesmo dentre os doutrinadores que entendem pela tipicidade da conduta do porte de arma sem munição, como no caso de Capez, pois mesmo ao aplicar sanções a fatos puníveis penalmente e tidos como típicos, na essência, deve haver no espírito do julgador, um bom senso, ao empregar princípios como o da razoabilidade, da proporcionalidade das penas e da intervenção penal mínima, nos casos em que se torna impossível vislumbrar perigo na conduta do agente, como por exemplo, o indivíduo que leva uma arma, desmuniciada, de uma propriedade para a outra, dentro de um baú, cadeado, no porta malas do veículo, pois na hipótese, há em grau 88 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 452-453. 89 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009; CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto; ALMEIDA DELMANTO, Fabio Machado de. Leis penais especiais comentadas. Editora Renovar, 2006. 90 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 87. 37 muito maior a possibilidade de estarmos frente a um caso in concreto de crime impossível (art. 17 do CP), do que de um fato punível.91 Em contrapartida, há os que defendem a atipicidade do porte, mesmo que ilegal, de arma de fogo sem munição, por não haver na conduta de quem porta arma desmuniciada sem a possibilidade de pronto carregamento e, consequentemente, utilização da arma para o fim a que se destina (produzir disparo), a afetação ao bem jurídico tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, ou seja, não se verifica lesão efetiva ou potencial perigo de lesão na ação daquele que porta arma sem munição, por tratar-se de objeto (arma de fogo) que, desmuniciado, produz menos perigo do que, por exemplo, uma faca.92 Em uma terceira corrente doutrinária, verifica-se, por exemplo, os ensinamentos de Junqueira e Fuller, para os quais a conduta de portar arma de fogo sem munição apenas se torna tipicamente punível quando contraria os expressos objetivos da Lei n. 10.826/2003, ou seja, quando viola o controle estatal sobre a circulação de armas no território brasileiro, ou quando afronta a mens legislatoris de impedir que pessoa sem capacidade físico-psíquica porte arma de fogo para pronto uso.93 Nesse diapasão, a conduta seria típica somente nos casos de porte de arma de fogo desmuniciada e sem registro, pois se o agente portar arma de fogo desmuniciada, no entanto, devidamente registrada, não há que se falar em tipicidade da conduta e, consequentemente, seu enquadramento nos artigos 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, visto que, com o registro, não se afronta o controle do Estado sobre a circulação das armas no território nacional e, estando a arma sem munição e o agente não possuindo meios imediatos de municiá-la, não há risco concreto nem perigo de afetação à incolumidade pública, pois o indivíduo fica 91 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 377-379. 92 Cf. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007; DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. 93 Cf. JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. 38 impedido de acessar o poder vulnerante do objeto bélico, para a produção de disparo, finalidade esta para a qual foi fabricada. 94 Divergência também há no posicionamento dos Tribunais brasileiros, em especial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e no do Supremo Tribunal Federal, que mais adiante receberão apreciação em tópicos específicos sobre a matéria. Tal dissonância jurisprudencial pode ser claramente verificada, por exemplo, nos julgados que seguem (de Tribunais de Justiça), ora tratando da atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição, ora condenando tal ação: PENAL E PROCESSUAL PENAL - ARTIGO 14 DA LEI Nº 10.826⁄03 - ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DE ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - ERROR IN PROCEDENDO CONFIGURADO - ARMA DESMUNICIADA QUANDO DA OCORRÊNCIA DA APREENSÃO - ATIPICIDADE DO FATO - INEXISTÊNCIA DE DANO - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A conduta inserta no artigo 14 da Lei nº 10.826⁄03 não foi abrangida pelo período de vacatio legis previsto na referida lei federal. 2. Apenas os delitos elencados nos artigos 12 e 16 do mesmo diploma legal ficaram condicionados à edição de uma nova regulamentação, somente tendo eficácia após o dia 23 de outubro de 2005, considerando-se os atos praticados neste período de vacatio legis como atípicos, gerando assim uma espécie de abolitio criminis temporária, resultando configurado, pois, in casu, o error in procedendo do magistrado sentenciante, sob o prisma por ele abordado. 3. Não se tem como configurado o delito tipificado no artigo 14 da Lei nº 10.826⁄03, quando ausentes as provas de ofensa à incolumidade pública, face informes dando conta de que a arma de fogo apreendida encontrava-se desmuniciada, não causando perigo efetivo à segurança das pessoas, haja vista a inviabilidade do uso imediato da arma e a sua capacidade de ocasionar danos. 4. Absolvição que se impõe. 5. Recurso conhecido e improvido. 95 (Sem grifos no original). APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003). APREENSÃO DE UMA ESPINGARDA CALIBRE 36, QUE O ACUSADO PORTAVA SEM AUTORIZAÇÃO E EM DESACORDO COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. RECURSO 94 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p.456. 95 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Apelação Criminal n. 014.05.011267-2, de Colatina. Relator: José Luiz Barreto Vivas. Julgado em: 15/08/2006. Disponível em: <http://www.tjes.jus.br/consulta/cfmx/portal/Novo/det_jurisp.cfm?edProcesso=014050112672&CFID= 889551&CFTOKEN=372c40ea389ab49e-4ACA9017-D2AD-9795-D4B2FD169BBAE4A2>. Acesso em: 13 out. 2012. 39 DEFENSIVO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. INACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. IRRELEVÂNCIA DE A ARMA ESTAR DESMUNICIADA. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. SENTENÇA IRRETOCÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.96 (Grifei). Tais dissensões não são as únicas existentes, e, por isso, em momento mais oportuno retornar-se-á a se abordar sobre o assunto, pois para que se possa analisar com mais propriedade estes posicionamentos desarmônicos entre si, preliminarmente, se faz necessário a observação de alguns princípios constitucionalmente relevantes na esfera penal, que devem fazer parte da análise de cada caso in concreto quando o assunto envolver as condutas descritas na Lei n. 10.826/2003. 96 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2009.060612-2, de Chapecó. Relator: Desembargador Substituto Tulio Pinheiro. Julgado em: 23/03/2010. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000F2KL0000&nuSeqProcesso Mv=null&tipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=2257777&pdf=true>. Acesso em: 13 out. 2012. 40 2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS REFERENTES À MATÉRIA E DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES Assim como os demais ramos do ordenamento jurídico brasileiro, o Direito Penal está abalizado em princípios jurídicos, que derivaram, com o passar do tempo, de valores éticos, morais e culturais da coletividade, que se destacaram e passaram a reger a vida em sociedade. 97 Quando se fala, etimologicamente, em princípio, têm-se vários significados, dentre os quais, início, momento da origem de determinada coisa, ou causa primária, e, juridicamente falando, não se pode fugir destes entendimentos, tendo-se como conceito de princípio a indicação de “uma ordenação que, se irradia e imanta os sistemas de normas, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo”.98 Prado, ao comentar sobre a importância e atuação dos princípios nos diversos ramos do direito brasileiro e, em especial, no direito penal, delimita que A Constituição, como marco fundante de todo o ordenamento jurídico, irradia sua força normativa para todos os setores do Direito. Todavia, tem ela particular e definitiva influência na seara penal. Isso porque cabe ao Direito Penal a proteção de bens e valores essenciais à livre convivência e ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, insculpidos na Lei Fundamental, em determinada época e espaço territorial. A relação entre a Constituição e o subsistema penal é tão estreita que o bem jurídico-penal tem naquela suas raízes materiais.99 Sendo assim, como a Lei n. 10.826/2003 regula condutas típicas por força de valores morais e éticos insculpidos pelo desenvolvimento do caráter humano na Constituição Federal de 1988, protegendo a incolumidade pública brasileira, faz-se pertinente destacar alguns dos basilares princípios constitucionais penais que regem a matéria, sem nenhum descrédito para os demais princípios aqui não abordados. 97 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 130. 98 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 43. 99 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 56. 41 2.1 PRINCÍPIOS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO ESTATAL O poder que o Estado possui de aplicar punições àqueles que contrariam suas normas penais foi sofrendo mudanças em suas finalidades com o passar dos tempos, passando por momentos em que seu escopo era a providência divina, ora a retribuição punitiva, ou o castigo, a prevenção geral e específica e, modernamente, com o surgimento do Estado Democrático de Direito, a garantista, teoria esta de Luigi Ferrajoli, pela qual se busca o emprego da punibilidade estatal sob o ponto de vista social e não apenas formal, influenciando, desta forma, o direito penal a buscar a proteção da sociedade, mas também resguardando os direitos individuais do agente infrator. 100 No Brasil, com a criação do Estado democrático de direito, foi modelado um sistema jurídico que apregoa a igualdade entre todos; no entanto, esta igualdade é meramente formal, ou seja, ela existe perante a lei, mas não no mundo real, campo de atuação da teoria garantista, segundo a qual o Estado deve punir no intuito de manter a ordem pública e aplicar penas para ressocializar o agente infrator, uma vez que é de suma importância a criação de normas que regulamentem um bom convívio social, mas não sendo admissível o extremo e ilimitado direito de punir do Estado.101 Nesse sentido, reconhece-se que toda pessoa, como sujeito singular, capaz de se decidir por si mesmo, pode ser responsabilizada pelos seus próprios atos, mas também se reconhece que o Estado não poderá intervir no âmbito da vida privada dos seus cidadãos, sem que haja uma expressa autorização para tanto.102 Em outras palavras, a criação do Estado Democrático de Direito influenciou a ascensão de alguns princípios que valorizaram sobremaneira o individuo e limitaram o poder punitivo estatal, ganhando força no âmbito penal a partir da constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana, que serviu de 100 NERY, Kedma Carvalho Varão. Características intrínsecas do poder punitivo estatal. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6099>. Acesso em: 05 set. 2012. 101 CONCEIÇÃO, Denise Carmen Ribeiro. Garantismo Penal: noções e relevância social na aplicação na justiça. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 19 dez. 2008. Disponível em: <www.investidura.com.br/ufsc/35-direitopenal/2242>. Acesso em: 05 set. 2012. 102 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 47-48. 42 parâmetro para o surgimento destes princípios, direcionados principalmente para os legisladores pátrios e os aplicadores do Direito, que ao elaborar e aplicar as leis devem analisar os anseios e a valorização social das penas impostas. 103 Bitencourt, ao comentar sobre estes princípios reguladores do controle penal, também conhecidos como princípios fundamentais de garantia do cidadão, salienta que Todos estes princípios são garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988. Eles estão localizados já no preâmbulo da nossa Carta Magna, onde encontramos a proclamação de princípios como a liberdade, igualdade e justiça, que inspiram todo o nosso sistema normativo, como fonte interpretativa e de integração das normas constitucionais, orientador das diretrizes políticas, filosóficas e, inclusive, ideológicas da Constituição, que, como consequência, também são orientativas para a interpretação das normas infraconstitucionais em matéria penal.104 Resta salientar que nenhum dos princípios que limitam a atuação punitiva do poder estatal pode ser aplicado de forma absoluta, pois se fossem admitidos como regras de valores absolutos, a operacionalidade do poder punitivo do Estado sofreria uma radical redução, por isso a elaboração destes princípios é transitória e perfectível, sendo seus enunciados marcos fundantes a partir dos quais se faz necessário avançar em sua realização e, consequentemente, na contenção do poder punitivo, uma vez que não se pode admitir que tais princípios sejam considerados apenas como meramente orientadores dos operadores do Direito, nem, muito menos, aceitar que o poder punitivo viole a Constituição Federal ou os Direitos Internacionais, devendo, portanto, serem incorporados no sistema jurídico. 105 Visto isso, passamos a abordar os mais relevantes, para este trabalho. Princípios Fundamentais de Direito Penal em um Estado Social e Democrático de Direito. 103 NERY, Kedma Carvalho Varão. Características intrínsecas do poder punitivo estatal. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6099>. Acesso em: 05 set. 2012. 104 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 47. 105 ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro – I. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2006. p. 200-201. 43 2.1.1 Princípio da legalidade e da reserva legal O poder punitivo do Estado na repressão dos delitos tem o condão de atingir direitos tão intrínsecos e, por isso mesmo, fundamentais das pessoas, que deve ter o caráter de ser o último recurso estatal de punição, por tal motivo, impõe-se a necessidade de se buscar um princípio que limite este domínio punitivo estatal e que aprisione sua aplicação em limites que afastem toda arbitrariedade e exagero que possa existir no ato punitivo do Estado.106 Ao explanar sobre o marco fundante e os principais aspectos que impulsionaram o princípio da legalidade através da história, Fernando Capez ensina que Tal princípio foi traduzido na conhecida fórmula em latim nullum crimen, nulla poena sine praevia lege por Paul Johann Anselm Von Feuerbach (1775-1833), considerado o pai do direito penal moderno. Originalmente, surgiu pela primeira vez na Magna Charta Libertatum, documento de cunho liberatório imposto pelos barões ingleses ao Rei João Sem Terra, no ano de 1212. Seu art. 39 previa que nenhum homem livre poderia ser submetido a pena não prevista em lei local. Constou também da Constituição Carolina germânica de 1532. Entretanto, foi só no final do século XVIII, já sobre influência do Iluminismo, que o princípio ganhou força e efetividade, passando a ser aplicado com o objetivo de garantir segurança jurídica e conter o arbítrio. Em 1762, com a Teoria do Contrato Social, de Rosseau, o princípio da legalidade teve um grande impulso: o cidadão só aceitaria sair de seu estado natural e celebrar um pacto para viver em sociedade, se tivesse garantias mínimas contra o arbítrio, dentre as quais a de não sofrer punição, salvo nas hipóteses previamente elencadas em regras gerais, objetivas e impessoais. [...] Com a Revolução Francesa, acabou consagrado na Declaração de Direitos do Homem, de 26 de agosto de 1789, em seu art. 8º, vindo também a constar da Constituição daquele país. A Teoria da Separação dos Poderes, preconizada por Montesquieu, contribuiu decisivamente para impedir que o juiz, ursupando função própria do Legislativo, considerasse condutas assim não contempladas pelo legislador. 107 A partir da ideia de liberdades públicas, o princípio da legalidade veio a se espalhar pelos mais importantes diplomas legais proclamadores dos direitos humanos, como no Bill of Rights, das colônias inglesas na América do Norte, na 106 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 48. 107 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 39. 44 Declaração Universal dos Direitos dos Homens, durante a Revolução Francesa, etc, se difundindo para vários países.108 No Brasil, todas as Constituições abrigaram o princípio da legalidade, desde a Constituição Imperial de 1924 até a atual Carta Magna, que o prescreveu em seu art. 5º, inciso XXXIX.109 Tal princípio constitucional fundamenta-se politicamente na função de garantia da liberdade subjetiva do cidadão frente à intervenção arbitrária do Poder Estatal, como limitador deste poder punitivo.110 Nossa Constituição vigente trouxe em seu texto, praticamente, uma reprodução do que já descrevia o artigo 1º do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal brasileiro, estabelecendo-se em norma básica do Direito Penal moderno. 111 Por ser um princípio que não admite exceções, somente negado por regimes totalitários, o princípio da legalidade representa em nosso ordenamento jurídico uma conquista da consciência jurídica sobre a tirania de outrora, podendo-se dizer que por tal princípio é garantido aos cidadãos brasileiros que ninguém será punido por pena criminal e nem poderá existir crime, sem que, previamente, exista uma lei definindo essa conduta como tal e, consequentemente, cominando-lhe uma sanção.112 Portanto, sob o aspecto jurídico do princípio da legalidade, somente estarse-á diante de uma conduta criminosa e, portanto, punível penalmente, quando determinada ação humana se enquadrar perfeitamente na descrição anteriormente definida por lei.113 Tal fundamento se tornou ainda mais evidente com a chamada teoria de Binding, que apregoa que normas penais incriminadoras são descritivas e não proibitivas, pois quando uma conduta previamente descrita como crime é praticada, 108 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 21-22. 109 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 40. 110 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 145-147. 111 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 117. 112 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 49. 113 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 40. 45 não é assim realizada contra a lei, mas sim segundo ela, pois os tipos penais são pormenorizadamente definidos pelo legislador em modelos legais, cabendo a ele deixar claro na legislação que tal conduta é criminosa, definindo os crimes e não os proibindo.114 Ao comentar sobre as leis vagas, indeterminadas ou imprecisas e a tentativa de se minimizar tais ocorrências, mediante a aplicação do princípio da legalidade e sua imposição ao legislador, como garantia material à segurança jurídica do sistema penal, Bitencourt afirma que O princípio da legalidade exige que a norma contenha a descrição hipotética do comportamento proibido e a determinação da correspondente sanção penal, com alguma precisão, como forma de impedir a imposição a alguém de uma punição arbitrária sem uma correspondente infração penal.115 No entanto, o legislador não pode utilizar-se de outras formas de normas para cominar penas e sanções, tipificando condutas em matéria penal, senão por intermédio de lei formal, sendo vedada, portanto, a criação de condutas penais típicas por medida provisória, decretos, ou mediante qualquer outra forma legislativa.116 É o chamado princípio da reserva legal, que define que determinada matéria somente poderá ser regulada por intermédio de lei formal, na forma estabelecida pela Constituição Federal, que, previu em seu art. 22, inciso I, que somente a União pode legislar sobre matéria de direito penal em território nacional. 117 Esta exclusividade que possui a União como único detentor do poder normativo em sede de direito penal decorre da sua representatividade popular, consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Magna de 1988, o que representa para o cidadão uma tutela necessária em face da seriedade da sanção penal frente ao direito individual de liberdade.118 114 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 40. 115 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51. 116 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 31. 117 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 49. 118 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 134-135. 46 O princípio da legalidade, portanto, é um importe limitador do poder punitivo do Estado, no entanto, respeitando-se o princípio da reserva legal, o Estado não fica por ele impedido de criar normas injustas ou que sancione punições atrozes e degradantes, sendo preciso outro princípio para limitar tais hipóteses, o princípio da intervenção mínima.119 2.1.2 Princípio da intervenção penal mínima O Estado ao punir o agente também causa um prejuízo social, e é por este motivo que a intervenção penal deve ser admitida apenas quando a conduta, a reprovabilidade da atitude do agente, ou o mal causado por elas, se consubstanciar num prejuízo ainda maior à coletividade, se o Estado não interviesse na vida particular deste agente, pela necessidade de elevar a proteção à coletividade.120 O princípio da intervenção mínima, também chamado de princípio da subsidiariedade, pressupõe que o Estado apenas poderá punir condutas que vierem a colocar em risco ou lesionarem bens jurídicos imprescindíveis à paz social dos homens, consubstanciando na última razão da lei, bens tais que não podem ser suficientemente protegidos por outras formas, menos gravosas, de proteção estatal, uma vez que a sanção penal reveste-se de especial gravidade, impondo grandes restrições aos direitos fundamentais das pessoas.121 Tal princípio surgiu com a Declaração dos Direitos do Homem do Cidadão, em 1789, quando aquele documento culminante da Revolução Francesa trouxe em seu art. 8º que a lei deveria somente prever penas que fossem estritamente necessárias.122 119 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51. 120 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 108. 121 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 145-147. 122 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 17. 47 Apesar disso, Bitencourt alerta que vivenciamos, desde a segunda década do século XIX, um crescente aumento na incidência de normas penais incriminadoras, o que vem alarmando penalistas do mundo inteiro e, nos dias atuais Os legisladores contemporâneos, nas mais diversas partes do mundo, têm abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição com o princípio em exame, levando ao descrédito não apenas o Direito Penal, mas a sanção criminal, que acaba perdendo sua força intimidativa diante da „inflação legislativa‟ reinante nos ordenamentos positivos.123 Também por isso, o princípio da intervenção penal mínima possui dois destinatários principais, o primeiro sendo o legislador, que deve possuir demasiada cautela na criação de condutas típicas que venham a produzir maior infortúnio social do que as ações contra os bens que a norma tenta proteger e, o segundo, o operador do Direito, que deve evitar proceder ao enquadramento típico quando perceber que as demais barreiras protetoras do bem jurídico, atuantes em outros ramos menos agressivos do ordenamento legal, já foram suficientes para resolver a contenda.124 Em suma, quando se admite a proteção subsidiária do Direito Penal aos bens jurídicos, limitando-se, portanto, o ius puniendi estatal, se avança rumo à uma maior restrição no âmbito da incidência do poder punitivo, uma vez que este caráter subsidiário da proteção penal implica em somente admitir a penalidade coerciva para prevenir situações mais graves de agressões aos bens jurídicos relevantes, naqueles casos em que outras medidas extrapenais se mostram ineficazes a esta finalidade.125 2.1.3 Princípio da fragmentariedade Consequência necessária dos princípios da legalidade e da intervenção penal mínima, o princípio da fragmentariedade do Direito Penal estabelece que a 123 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 53. 124 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 19. 125 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 53. 48 essência da lei penal em um Estado Democrático de Direito é, justamente, tratar de regular apenas uma pequena fração de ilícitos, tidos como de alta perniciosidade à sociedade, deixando os menos graves para outros ramos do Direito, como, por exemplo, o administrativo, o civil, o tributário, etc, que, devem reger condutas menos graves, causando, consequentemente, um mal menor ao seu autor. 126 Significa dizer que, pelo primado do princípio da fragmentariedade, também conhecido como princípio da essencialidade, a proteção dos bens jurídicos pelo Direito Penal não deve e nem pode ser absoluta, pois apenas os bens jurídicos essenciais ao escopo da paz social, àqueles considerados como os mais importantes, devem ser tutelados na esfera penal, visto a existência de todo um ordenamento jurídico para se ocupar dos demais.127 Bitencourt, ao lembrar-se dos ensinamentos de Muñoz Conde sobre o caráter fragmentário do Direito Penal, afirma que este se apresenta sob três aspectos a serem destacados: [...] em primeiro lugar, defendendo o bem jurídico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a tipicidade da prática imprudente de alguns casos; em segundo lugar, tipificando somente parte das condutas que outros ramos do Direito consideram antijurídicas e, finalmente, deixando, em princípio, sem punir ações que possam ser consideradas como imorais, como a homossexualidade, a infidelidade no matrimônio ou a mentira. 128 Destarte, nem toda conduta lesiva à bem jurídico deve merecer sanção pelo Direito Penal, apenas aquelas com o condão de gravemente expor a risco a paz social, tidas como mais graves e perigosas, praticadas contra os bens jurídicos mais importantes.129 126 DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 106. 127 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 143. 128 CONDE, Muñoz apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 54. 129 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 54. 49 2.1.4 Princípio da insignificância Originário do ramo civilista do Direito Romano, o princípio da insignificância, também conhecido como princípio de bagatela, se funda no brocardo jurídico de minimis non curat praetor, ou seja, o pretor (juiz) não se preocupa com coisas insignificantes, e foi introduzido no Direito Penal por Claus Roxin, no ano de 1964, como meio de cumprir com os escopos da moderna política criminal, para o cumprimento dos objetivos sociais.130 Segundo o princípio da insignificância, cuja acepção se desvenda inteiramente por sua própria denominação, pelo caráter fragmentário que possui o Direito Penal, este não pode ir além do que estritamente necessário para a devida proteção do bem jurídico tutelado, não devendo se ocupar de insignificâncias. 131 Tal princípio está intimamente fundamentado nos princípios constitucionais da intervenção mínima do Direito Penal e da proporcionalidade das penas em matéria penal, no que se refere à gravidade da conduta criminosa praticada, por ser instrumento de interpretação restritiva do poder punitivo do Estado, através do qual se alcança os fins de uma política criminal de descriminalização de condutas que, embora legitimamente enquadradas em tipos penais previamente definidos pela legislação, não merecem ser sancionadas por não atingirem de forma relevante o bem jurídico tutelado. 132 Destarte, isso significa dizer que, mesmo o indivíduo agindo de acordo com uma conduta validamente típica, a prática de tal ilícito causa uma lesão ao bem jurídico que, ao se mostrar tão ínfima, acaba por não justificar a sanção penal descrita para o tipo penal infringido, devendo o magistrado julgar, no caso in concreto, apoiado no princípio da insignificância, de forma a excluir a tipicidade da conduta praticada pelo agente. 133 130 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 11. 131 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 133. 132 DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 114. 133 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 154. 50 Não se pode confundir a irrelevância ou a insignificância capaz de excluir a tipicidade da conduta típica praticada pelo autor com aqueles crimes cujo legislador julgou possuir um menor potencial ofensivo, cuja valoração já foi estabelecida de acordo com as necessidades sociais e morais historicamente reproduzidas em sociedade, não querendo dizer que a simples prática de tais delitos já configure, por si só, o princípio da insignificância, não sendo as consequências decorrentes deste princípio determinadas, tão somente, pela relação de importância que o bem jurídico tutelado possui perante o legislador, mas principalmente, em relação ao grau da intensidade da ação delitiva e a extensão da lesão que ela produzir em sociedade. 134 2.1.5 Princípio da proporcionalidade Assim como vários dos princípio em matéria de Direito Penal, o princípio da proporcionalidade teve seu primórdio na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, quando já se exigia expressamente que o legislador, no momento da criação de um tipo delituoso, observasse a proporcionalidade da pena a ser imposta com a gravidade da ação delitiva, sendo, no entanto, uma consagração do constutucionalismo moderno, recepcionado pela Constituição Federal brasileira de 1988 e presente em vários dispositivos como, por exemplo, no da individualização da pena, na proibição de certas espécies de sanções penais, na aplicação de penas mais graves a certos tipos de infrações tidas como mais maléficas à sociedade, etc.135 Eugênio Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar ao tratarem dos princípios que limitam e excluem violações ou disfuncionalidades grosseiras com os direitos humanos, dentre eles, o da proporcionalidade, afirmam que A criminalização alcança um limite de irracionalidade intolerável quando o conflito sobre cuja base opera é de lesividade ínfima ou quando, não o sendo, a afetação de direitos nele envolvida é 134 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 58-59. 135 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 54. 51 grosseiramente desproporcional à magnitude da lesividade do conflito.136 Quando da criação de um delito pelo legislador, a sociedade tem um ônus imposto pelo Estado, consubstanciado na possibilidade de punição criado pela norma penal sancionadora, que passa a valer para todos os cidadãos, no entanto, todos os indivíduos também são compensados pela vantagem de proteção do bem tutelado pela nova norma penal. Para o princípio da proporcionalidade, quando este ônus representar maior limitação social do que vantagens - de desfrutar livremente do bem tutelado pela norma -, significa dizer que tal dispositivo de lei não merece ser agasalhado por um Estado Democrático de Direito.137 Nesse diapasão, uma medida sancionadora só é proporcional quando não limita em demasia a liberdade das pessoas, e não causa maior prejuízo aos direitos fundamentais do acusado, dentre as medidas possíveis, do que as condutas típicas que pretende sancionar, devendo haver entre a gravidade do fato antijurídico praticado e a punição estatal um justo equilíbrio, ou seja, a pena abstratamente elaborada pelo legislador e a pena concretamente aplicada pelo magistrado no julgamento do caso in concreto deve estar proporcionada, ou devidamente adequada, aos efeitos deletérios ocasionados pela ação típica do agente ao bem jurídico tutelado pela norma penal.138 Portanto, para se ter maior precisão da justiça a ser feita no caso in concreto o operador do direito deve analisar estes princípios penais constitucionais na aplicação da medida jurídica, que deve ser proporcional, pois existem casos de extrema injustiça, inclusive, no Estatuto do Desarmamento, como é o caso, por exemplo, da equiparação de armas de fogo, munição e acessórios, que possui mesma pena para todas as condutas de porte, o que por si só estaria ceifando o princípio da proporcionalidade penal. 139 136 ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito penal brasileiro – I. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2006. p. 230. 137 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 20. 138 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 145-147. 139 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 20. 52 2.1.6 Princípio da lesividade ou da ofensividade Dentre os princípios limitadores do poder punitivo estatal pertinentes ao estudo do objeto desta monografia, o mais relevante é o princípio da lesividade ou da ofensividade, razão pela qual dedicar-se-á maior atenção a ele. O sistema penal vigente é formado por um conjunto de normas que, substancialmente, permitem, proíbem ou determinam algo àqueles que, por óbvio, sejam capazes de praticar a ação proibida, ou de omitir-se àquelas determinadas, quando tinham o dever de realizar algo ou de se abster do ato, ou seja, o fato-crime irá sempre consistir em uma atividade humana, positiva ou negativa fruto de uma vontade capaz de guiar-se pela orientação de dever-ser da norma jurídica.140 Segundo se extrai dos ensinamentos de Ricardo Antonio Andreucci, um fato é considerado como típico quando reúne alguns elementos básicos, ou seja, decorrem de uma conduta humana, seja ela dolosa ou culposa, provocando um resultado juridicamente reprovável, se enquadrando, consequentemente, em elementos anteriormente contidos em determinada norma penal incriminadora. 141 Neste sentido, para que se tipifique algum crime em sentido material é imprescindível que o bem jurídico penalmente tutelado sofra algum perigo real de dano, um perigo concreto, caso contrário não estaria justificado uma intervenção estatal em termos de repressão penal.142 Para Luiz Flávio Gomes, quando trata da dimensão constitucional do Direito Penal ao tutelar os bens jurídicos relevantes para a sociedade, afirma que a conduta tipificada penalmente [...] não pode ser unicamente uma ação ou omissão dolosa ou imprudente e ilícita. Segundo a perspectiva do Direito penal da ofensividade, a ação ou omissão penalmente relevante é tão-só a que causa uma ofensa (lesão ou perigo) ao bem jurídico. O delito não se fundamenta, por conseguinte, exclusivamente na ação, senão sobretudo no resultado (em sentido jurídico, não naturalístico). E se a ação lesiva (concretamente ofensiva) é a base do delito, não há dúvida que não pode constituí-lo jamais a simples manifestação de uma vontade contrária a uma obrigação jurídica, que se esgota na 140 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90-91. 141 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal. Parte Geral. v.1. 3. ed. atual e aum. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 43. 142 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 59. 53 ação. Para a existência do delito, para além da presença de uma ação ou omissão (uma conduta), também se faz necessário um resultado jurídico, que consiste numa perturbação (intolerável) do bem tutelado, isto é, de uma liberdade alheia.143 Desse modo, se uma conduta não lesar ou expuser a perigo concreto um bem jurídico penalmente tutelado, não se tem como falar em crime, pois não haverá a chamada lesividade, ou ofensividade a tal bem jurídico. 144 O que leva ao entendimento de que não basta que a conduta simplesmente esteja descrita em um tipo penal incriminador, sendo sua prática punível através de uma sanção penal previamente tipificada em lei, pois é necessário que tal conduta, antes de qualquer coisa, lesione ou ameace lesionar concretamente um bem jurídico que a norma buscou proteger. 145 Destarte, percebe-se que o princípio da lesividade/ofensividade busca estender seus efeitos político-jurídicos em dois planos temporais distintos: o primeiro seria no plano legislativo, para orientar o legislador a criar normas que contenham comandos expressos no sentido de exigir da conduta típica uma ofensividade concreta, real e efetiva ao bem jurídico protegido pela norma; já no segundo plano, serviria de critério interpretativo ao julgador, lhe coibindo de acolher, no caso concreto, conduta que não represente lesividade real ao bem tutelado, julgando atípicas tais condutas com fundamento no princípio da lesividade penal. 146 Nestes termos, percebe-se que em um Estado Democrático de Direito o princípio da lesividade/ofensividade exerce dupla função no Direito Penal: a) função político-criminal – esta função tem caráter preventivoinformativo, na medida em que se manifesta nos momentos em que antecedem a elaboração dos diplomas legislativo-criminais; b) função interpretativa ou dogmática – esta finalidade manifesta-se a posteriori, isto é, quando surge a oportunidade de operacionalizar-se o Direito Penal, no momento em que se deve aplicar, in concreto, a norma penal elaborada. [...] Em outras palavras, a primeira função do princípio da ofensividade é limitadora do ius puniendi estatal, dirigindo-se especificamente ao legislador, antes mesmo de realizar 143 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal: não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria), funções político-criminal e dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade como limite do ius puniendi, o princípio da ofensividade como limite do ius poenale. Série as ciências criminais no século XXI. v. 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 86. 144 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 80. 145 DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 201. 146 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 59-60. 54 sua atividade-fim, qual seja, elaborar leis; a segunda configura uma limitação ao próprio Direito Penal, destinando-se ao aplicador da lei, isto é, ao juiz, que é, em última instância, o seu intérprete final. 147 De qualquer forma, cumpre salientar que não são duas funções estagnadas ou incomunicáveis e, ao contrário, uma é complementar à outra, sendo que na hipótese de o legislador não vir a cumprir seu papel de apenas criminalizar uma conduta se ela tiver o condão de lesar, ou ameaçar concretamente de lesar determinado bem jurídico relevante para o Direito Penal, improtelavelmente estará esta função transferida ao julgador, no caso in concreto.148 Assim sendo, percebe-se, claramente, que a atividade parlamentar típica do Poder Legislativo não é absoluta e muito menos esgota o direito de estabelecer o limite do ius puniendi do Estado, uma vez que, em sua função de criar leis, o legislador pode ser insuficientemente claro, preciso, pode demonstrar-se vago, exageradamente vasto, ou ainda, arbitrário ou inadequado aos parâmetros legais de um Estado Democrático de Direito, cabendo ao intérprete do Direito, ou seja, ao magistrado, na sua função jurisdicional, corrigir tais imperfeições legislativas, casos estes em que poderá se valer, em sua fundamentação, de princípios como o da proporcionalidade e da ofensividade/lesividade. 149 Com o entendimento de que o princípio da lesividade/ofensividade é o meio eficaz ao limite do ius puniendi, Luiz Flávio Gomes completa que [...] o ius puniendi (o que está expresso no texto legal) nem sempre constitui o Direito penal definitivo. O ius puniendi é um projeto de uma obra que no final pode ter ajustes (constitucionais). A lei, em suma, é um projeto de Direito. E o Direito (reconhecido pelos juízes) é um projeto do Direito Justo. A lei pode no final até ser o próprio Direito, desde que afinada com todos os princípios constitucionais e penais. Quem vê a lei como projeto do Direito e não, desde logo, como a expressão (máxima) dele, é jurista do terceiro milênio. Quem lhe dá mais valor do que ela tem, não abrindo nenhum espaço para a própria atividade conformadora e constitucionalizada do intérprete e 147 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 60. 148 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal: não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria), funções político-criminal e dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade como limite do ius puniendi, o princípio da ofensividade como limite do ius poenale. Série as ciências criminais no século XXI. v. 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 28. 149 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 60. 55 do juiz, é jurista do século passado. Cientificamente já morreu, embora ainda não tenha sido sepultado.150 Não obstante, ao tratar do tema lesividade da conduta típica e da possibilidade da sua existência de forma a permanecer intrínseca à determinadas condutas, Capez leciona que Nada impede, no entanto, que tal lesividade esteja ínsita em determinados comportamentos. Com efeito, aquele que se dispõe a circular pelas vias públicas de uma cidade ilegalmente armado ou dispara arma de fogo a ermo está reduzindo o nível de segurança da coletividade, mesmo que não exista uma única pessoa por perto. A lei pretende tutelar a vida, a integridade corporal e a segurança das pessoas contra agressões em seu estágio embrionário. [...] Entretanto, isso não significa dizer que houve crime sem resultado jurídico, pois a conduta, mesmo sem a comprovação de perigo concreto a alguém determinado, foi idônea, ou seja, apta a reduzir o nível de segurança da coletividade.151 Destarte, quando a conduta for manifestadamente incapaz de lesionar, ou ameaçar concretamente de lesão o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, estará ela eivada de atipicidade, com fulcro no princípio da lesividade, também conhecido como princípio da ofensividade penal, pois por tal princípio o legislador brasileiro estaria impedido de criar normas penais incriminadoras sem que haja, na conduta típica prevista, efetiva, real e concreta lesão a um bem jurídico determinado pela lei, no entanto, tal princípio não obriga o investigador do direito à concretizada comprovação do perigo, mas tão somente, a interpretar condutas inofensivas ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, conforme dispõe o artigo 17 do Código Penal152 brasileiro.153 Pelo exposto, e para que se possa apreciar com mais propriedade as divergências encontradas na doutrina e na jurisprudência pátrias sobre a tipicidade 150 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal: não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria), funções político-criminal e dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade como limite do ius puniendi, o princípio da ofensividade como limite do ius poenale. Série as ciências criminais no século XXI. v. 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 29. 151 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 371. 152 Artigo que trata do crime impossível, segundo o qual: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.” BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012. (Legislação Brasileira). 153 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 371-372. 56 ou atipicidade dos crimes de porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, passaremos, em seguida, a uma sucinta verificação das classificações dos crimes. 2.2 SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES Quando um crime reúne todos os elementos descritos em sua definição legal pode ser considerado como consumado, estando, desta forma, o julgador autorizado a aplicar por completo a pena in abstrato prevista no tipo penal incriminador, o que não pode ocorrer quando o delito resta apenas praticado na forma tentada, ou seja, quando a conduta do agente não preenche completamente os elementos contidos na norma penal, devendo a sanção, nestes casos, sofrer uma redução de 1/3 a 2/3, de acordo com o previsto no artigo 14, parágrafo único, do Código Penal brasileiro.154 De outra banda, o potencial lesivo de uma infração, ou seja, a capacidade abstrata que uma determinada conduta tipificada no ordenamento jurídico possui de ofender a sociedade em seus valores penalmente tutelados, dependendo da interpretação do julgador, pode acarretar na tipicidade ou não desta prática legalmente insculpida como criminosa, uma vez que, nenhuma conduta pode ser considerada criminosa em um Estado Democrático de Direito se de nenhum modo colocar em perigo valores considerados como valiosos para a sociedade como um todo.155 Há, no estudo do Direito, inúmeras formas de classificação dos crimes, ora levando-se em conta sua forma de execução, ora porque se atenta à gravidade do fato praticado, etc.156 Neste momento será realizado um sucinto estudo das classificações dos crimes quanto ao resultado, enquanto condicionante para suas consumações (crimes materiais, formais e de mera conduta) e, quanto à capacidade de lesão aos 154 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 66. 155 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 20. 156 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 117. 57 bens juridicamente protegidos pela norma penal (crimes de dano e de perigo), pois de suma importância para a análise do tema proposto. 2.2.1 Crimes Materiais A norma jurídico-penal possui uma natureza de proposição imperativa, a qual é endereçada a todos, indistintamente, através de imposições (imperativo positivo), ou de impedimentos (imperativo negativo), previamente estabelecidos, ou seja, a violação de uma norma jurídico-penal infringe uma proibição, nos casos dos crimes de ação, ou uma ordem ou comando de agir, nos crimes de omissão.157 Por isso, o estudo da prática de uma conduta descrita em um tipo penal incriminador classificou os crimes levando-se em conta vários aspectos. Crimes materiais são aqueles em que há a consumação do tipo penal incriminador somente pela produção do resultado naturalístico, ou seja, para que haja o crime tem que ter havido o resultado negativo que a Lei pretendia proteger com a descrição da conduta a ser praticada. 158 Assim, para Mirabete e Fabbrini, nos crimes materiais [...] há necessidade de um resultado externo à ação, descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. Este resultado deve ser considerado de acordo com o sentido naturalístico da palavra, e não com relação a seu conteúdo jurídico, pois todos os crimes provocam lesão ou perigo para o bem jurídico. Exemplos são o homicídio (morte), furto e roubo (subtração), dano (destruição, inutilização) etc. Portanto, todo crime material é, consequentemente, um crime de resultado imperativo, cuja conduta está diretamente relacionada com o resultado previsto no tipo penal descrito na norma, sendo que não havendo a ação prevista e a conseqüência específica decorrente, não há como se falar em consumação do delito.159 157 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 176. 158 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 263. 159 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 143. 58 2.2.2 Crimes Formais Nos crimes formais não há a imprescindibilidade da ocorrência do resultado naturalístico, embora possa existir, não há a necessidade da realização daquilo que pretendia o agente quando da prática da conduta tipificada, ou seja, a própria norma antecipa o resultado na descrição do tipo penal, também por este motivo, podem ser chamados de delitos de consumação antecipada.160 Além disto, pode haver uma incongruência entre a intenção do agente e o resultado que o tipo estabelece, motivo pelo qual também podem ser identificados como crimes de incongruência.161 Fernando Capez, ao tratar desta inconsistência entre a verdadeira intenção do autor de determinado delito e, consequentemente, a sua irrelevância para a consumação do delito formal tipificado, exemplifica, brilhantemente, com os crimes de ameaça e de extorsão mediante seqüestro, nos quais [...] pode haver uma incongruência entre o fim visado pelo agente respectivamente, a intimidação do ameaçado e o recebimento do resgate – e o resultado que o tipo exige. A lei exige menos do que a intenção do sujeito ativo (v. g., ele quer receber o resgate, mas o tipo se contenta com menos para a consumação da extorsão mediante seqüestro).162 Portanto, embora a lei descreva uma ação e um consequente resultado, nos crimes classificados como formais, a própria redação do dispositivo deixa evidente que o delito irá se consumar no exato momento em que o autor praticar a ação descrita, sendo o resultado irrelevante para o fim da consumação, nada mais sendo do que mero exaurimento do crime. 163 160 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 123. 161 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 369. 162 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 263-264. 163 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 20. 59 2.2.3 Crimes de Mera Conduta Quanto aos crimes classificados como de mera conduta não há a mínima exigência legal da existência do resultado naturalístico na exteriorização da pretensão do transgressor, em verdade a existência de tal resultado não é apenas irrelevante como também impossível, igualmente por isso são chamados de delitos de simples atividade.164 Crimes de mera conduta, como o próprio nome pressupõe, são aqueles em que a lei descreve tão-somente uma conduta típica e, por tal motivo, tais delitos se consumam no exato momento em que tal conduta é praticada pelo agente, não havendo previsão de resultado específico pela norma.165 Por tal motivo, nos crimes considerados como de mera atividade ou conduta, como a simples prática da conduta descrita na norma consuma o delito, não há no que se falar em resultado como elemento do tipo in abstrato, muito menos de nexo de causalidade. 166 2.2.4 Crimes de Dano ou de Lesão Crimes de dano ou de lesão, assim como os próprios nomes ensejam, são aqueles em que a própria norma penal incriminadora pressupõe um efetivo prejuízo ao objeto tutelado pela legislação. 167 Desse modo, segundo Luiz Regis Prado, os crimes de dano ou de lesão tratam de uma espécie de especificação dos delitos materiais, uma vez que a conduta do autor dos fatos acaba por provocar um dano concreto ou material ao bem da vida, tutelado penalmente por ser fundamental a estruturação de um Estado Democrático de Direito.168 164 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Manual de Direito Penal. Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. v. 1. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 124. 165 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 20. 166 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 246. 167 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 20. 168 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 249. 60 Notória dos Romanos, cujo brocardo nullum crimem sine iniuria consagrouse através dos tempos, a teoria do dano está intrinsecamente ligado à doutrina protecionista do bem jurídico, e vem, com o passar dos tempos, sofrendo sérias restrições e abrandamentos em sua característica limitadora do poder punitivo do Estado, uma vez que, na atualidade, punem-se condutas reprováveis em matéria penal, mesmo que tais comportamentos não tenham provocado no mundo real um concreto resultado de lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora, como por exemplo, nos casos de tentativas puníveis criminalmente, ou nos casos em que se punem condutas que, quando muito, seriam apenas consideradas como meros atos preparatórios à prática da verdadeira intenção criminosa do agente, o que, certamente, causa enorme risco às liberdades individuais por elevar demasiadamente uma maximização do Direito Penal como minimizador dos riscos sociais. 169 Destarte, nos crimes de dano, ou de lesão, não há possibilidade de uma conduta típica ser considerada consumada se não existir à prática delitiva uma superveniência de um resultado material característico da norma penal infringida, consistente em uma concreta lesão do bem jurídico tutelado pelo Direito Penal. 170 2.2.5 Crimes de Perigo Diferentemente do que acontece nos crimes classificados como de lesão, ou de dano, ou seja, quando a mera situação de risco a que fica exposto o objeto material do crime é suficiente para a consumação do delito praticado pelo agente, diz-se que o crime é classificado como de perigo. 171 Nesta espécie de delito a intenção do criminoso é criar um risco potencial, não almejando, necessariamente, que o bem jurídico protegido pela norma penal sofra um dano efetivo, bastando para a consumação do crime a superveniência de 169 DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 84-85. 170 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 274. 171 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 20. 61 um resultado material, consistente na diminuição da proteção do bem jurídico, ou seja, basta simplesmente que o agente, com sua ação ou omissão, crie um perigo real para o objeto material do delito, sem fundamentalmente lhe produzir um dano concreto.172 Assim sendo, para sua consumação, basta simplesmente a possibilidade, a plausibilidade de que venha a ocorrer o dano ao bem jurídico tutelado, como bem exemplifica Capez com o crime de periclitação da vida ou saúde de outrem, capitulado no art. 132 do Código Penal, em que a mera probabilidade de ocorrer dano a vida ou a saúde de outras pessoas é apta para a configuração do delito. 173 Portanto, nos crimes classificados como de perigo, para que haja a consumação do tipo delituoso, basta tão-só a possibilidade, a probabilidade da existência de uma situação de perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, ou seja, uma lesão potencial, eventual a ensejar uma diminuição do nível de garantia eleito pelo legislador à harmonia social. 174 Tais delitos se dividem em duas categorias distintas, uma vez que nestas espécies de crimes, o perigo a que fica exposto o bem jurídico tutelado pela ação ou omissão do criminoso pode ser um perigo concreto, ou um perigo abstrato. 175 2.2.5.1 Crimes de Perigo Concreto Delitos de perigo concreto, como o próprio nome afirma, são aqueles cuja existência exige a real comprovação de que determinada pessoa, ou pessoas, ficaram sujeitas a um sério risco de lesão, modificando o mundo exterior, ou seja, sendo perceptível naturalisticamente uma mudança das condições de intangibilidade do bem tutelado, existentes antes da prática da conduta. Em outras palavras, antes 172 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 274. 173 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 263. 174 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 250. 175 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 60. 62 da conduta humana criminosa não havia risco de lesão, sendo que após esta conduta verificou-se a possibilidade de existência de lesão. 176 Assim sendo, para que seja impunível esta espécie de delito, a acusação precisa necessariamente comprovar que no caso in concreto houve o real perigo de lesão a pessoa ou grupo de pessoas certas e determinadas, em face da conduta tipificada na norma penal violada pelo sujeito ativo.177 Isso porque, nos crimes de perigo concreto o perigo, necessariamente, deve compor o tipo penal violado como elemento normativo, podendo-se dizer que o crime restou consumado somente nos casos em que se verificou a real ocorrência do perigo a que o bem jurídico protegido pela norma penal foi exposto pela conduta delitiva do sujeito, ou seja, o perigo precisa ser efetivamente evidenciado, consubstanciando-se, portanto, em uma espécie de crime de resultado. 178 2.2.5.2 Crimes de Perigo Abstrato Contrapondo-se ao conceito de crime de perigo concreto, os delitos de perigo abstrato são aqueles em que não há a necessidade da efetiva demonstração de que o ofendido foi concretamente exposto a uma situação de risco. Em outras palavras, a norma penal incriminadora não prevê para a configuração do delito uma necessidade de efetiva comprovação do risco ao qual a vítima foi exposta. 179 Nesta espécie de crime, o perigo constitui a razão da lei, o motivo maior que o legislador teve como inspiração no momento da criação da norma incriminadora, não sendo necessária a efetiva comprovação de um perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado. 180 176 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 369. 177 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21. 178 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 250. 179 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 368-369. 180 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral – arts. 1º a 120. 1. v. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 250. 63 Por tal motivo, os crimes de perigo abstrato, também chamados de crime de perigo presumido, são aqueles em que a situação de perigo está intrinsecamente conjeturada no próprio tipo penal, exemplificando Capez, brilhantemente, com o delito de quadrilha ou bando, em que os agentes são punidos antes mesmo de praticarem o crime fim, o qual era visado pelos membros da quadrilha quando da reunião de esforços para a prática de ilícitos.181 Em alguns dos principais crimes contidos no Estatuto do Desarmamento, o perigo seria contra o bem jurídico considerado o mais importe, ou seja, a vida humana, o que de certa forma, para Junqueira, legitimaria os crimes de perigo abstrato que tal legislação abarca, uma vez que na doutrina esta classificação não é uníssona de aceitação. 182 Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida Delmanto, ao lecionarem sobre a ausência de antijuridicidade material e os crimes de perigo abstrato, comentam que Quanto aos crimes de perigo abstrato, equiparáveis à mera desobediência de uma norma penal, entendemos que em um Estado de Direito Democrático eles não se justificam e tampouco se sustentam, em face dos postulados constitucionais da intervenção mínima, da ofensividade e da proporcionalidade ou razoabilidade entre conduta e resposta penal (ínsitos ao conceito de substantive due processo of law). Verifica-se, assim, que a mera subsunção do fato ao tipo penal não basta à caracterização do injusto penal, devendo-se sempre indagar acerca da antijuridicidade material, a qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem juridicamente protegido, requisitos estes que constituem verdadeiro 183 pressuposto para a caracterização do injusto penal. (Grifos no original). Assim, os crimes contidos nos artigos 12 a 18 do Estatuto do Desarmamento não trazem, como elemento material dos crimes que descrevem, a necessidade de comprovação efetiva da ameaça de dano concreto a qual o bem da vida ficou exposto com a conduta típica do agente, restando tais delitos consumados com a 181 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. v. 1. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 263. 182 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418. 183 DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 113. 64 simples prática da conduta e dispensável, portanto, a análise sobre a ocorrência do efetivo risco a qual a coletividade ficou exposta. 184 Ante todo o exposto, pertinente, neste momento, se passar à análise do objeto de estudo deste trabalho, ou seja, da divergência, ainda existente na doutrina e na jurisprudência pátrias, sobre a tipicidade ou atipicidade da conduta de portar arma de fogo desmuniciada. 184 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 369. 65 3 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: UMA ANÁLISE FRENTE ÀS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS Preliminarmente, porém, antes que se possa analisar com mais propriedade a divergência existente sobre a tipicidade ou atipicidade da conduta de portar ilegalmente arma de fogo sem munição apta a tornar o objeto eficazmente propício à produção de disparo, faz-se necessário verificar algumas peculiaridades existentes nos crimes de porte ilegal de arma de fogo, descritos nos artigos 14 e 16, ambos do Estatuto do Desarmamento. 3.1 OS CRIMES DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO Enquanto o registro de arma de fogo é o documento apto a conter todos os caracteres da arma a ser registrada, bem como todas as informações acerca de seu proprietário a serem, inclusive, devidamente cadastradas nos bancos de dados do Sinarm ou do Sigma, em se tratando, respectivamente, de arma de uso permitido ou de uso restrito, o porte á autorização expedida para que o proprietário possa conduzir a arma de fogo, levando-a consigo para pronto uso.185 Ao contrário do que muitos pensam, apesar de o Estatuto do Desarmamento ter marcado indelevelmente o modo como a população brasileira costumava transportar arma de fogo no território nacional, tal legislação não proibiu por completo o porte de arma de fogo em via pública, para pronto uso quando necessário, uma vez que tal proibição não alcança os casos legitimamente previstos em Lei186 185 RIGHETTO, Luiz Eduardo Cleto. Leis penais especiais comentadas. Florianópolis: Editora Conceito Editorial, 2010. p. 75. 186 SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis penais especiais anotadas. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Millennium Editora, 2007. p. 98. 66 [...] onde estão incluídos os cidadãos que necessitam da arma de fogo por um motivo justificado, bem como os integrantes das Forças Armadas; dos organismos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal, referidos no art. 144, CF; os integrantes das Guardas Municipais das capitais dos Estados e dos municípios com mais de 500.000 habitantes; os integrantes das Guardas Municipais dos municípios com mais de 50.000 e menos de 500.000 habitantes, quando em serviço; os agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; os órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, referidos nos arts. 51, IV e 52, XIII, CF; os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias e as empresas de segurança privada e de transporte de valores (art. 6º). 187 Não obstante, nos casos não abrangidos em Lei, o porte de arma de fogo ficou imensamente restrito, sendo que o decreto regulamentador do Estatuto do Desarmamento, Decreto n. 5.123/2004, quando dita o procedimento para se adquirir o porte de arma de fogo em território brasileiro, descreve em seu artigo 23 que: Art. 23. O Porte de Arma de Fogo é documento obrigatório para a condução da arma e deverá conter os seguintes dados: I - abrangência territorial; II - eficácia temporal; III - características da arma; IV - número do cadastro da arma no SINARM; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). V - identificação do proprietário da arma; e VI - assinatura, cargo e função da autoridade concedente.188 Importante salientar, inclusive, o disposto no artigo 24 do diploma legal em apreço, quando assevera que o porte de arma de fogo, no território nacional, além de ser estritamente pessoal, não podendo o agente transferir o documento de porte para terceira pessoa, este poderá ser revogado a qualquer tempo pela autoridade competente e somente terá eficácia, no caso de o portador da arma de fogo ser abordado por agentes policiais, se apresentado conjuntamente com um documento de identidade válido.189 187 SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis penais especiais anotadas. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Millennium Editora, 2007. p. 98. 188 BRASIL. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em 01 out. 2012. (Legislação Brasileira). 189 RIGHETTO, Luiz Eduardo Cleto. Leis penais especiais comentadas. Florianópolis: Editora Conceito Editorial, 2010. p. 77. 67 Isso porque, sendo um documento capaz de autorizar 190 o sujeito a conduzir consigo arma de fogo para pronto uso, pela importância que representa para o controle da violência e para a segurança individual e coletiva das pessoas em sociedade, não poderia deixar de ser precário, devendo a administração de tempos em tempos realizar novos exames para aferir a dilação da capacidade do sujeito a ensejar uma renovação do documento de porte de arma de fogo que, por ser pessoal e intransferível, exigi-se concomitantemente, para sua validade e eficácia, a apresentação de um documento de identidade. 191 Destarte, denota-se que um sujeito flagrado por agentes policiais portando uma arma de fogo registrada em seu nome, com a devida autorização expedida pela autoridade competente, trazendo também um documento de identidade que o possa comprovar como legítimo proprietário do objeto vulnerante, e em local e horário autorizados pela regulamentação, não estará cometendo nenhum dos crimes elencados no Estatuto do Desarmamento. Diferente dos casos em que o agente esteja portando o artefato de forma ostensiva, circunstância que mesmo nos casos envolvendo agentes policiais, naquelas situações que não ensejam nenhuma situação de visível perigo à comunidade que possa justificar ações de ostensividade do material bélico por àqueles, têm o condão de diminuir o nível de proteção da incolumidade pública a que o Estatuto do Desarmamento buscou tutelar, uma vez que, por exemplo, alguém que não o reconhecendo como policial pode reagir ou, então, causar tumulto e pânico entre os presentes. 192 Ocorre que, não somente o comportamento de portar arma de fogo de forma contrária à regulamentação legal será apto a ensejar os delitos de porte ilegal contidos no Estatuto do Desarmamento, merecendo o legislador uma crítica, nesta esteira de entendimento, quando nomeou os crimes de porte ilegal de arma de fogo, 190 O direito de portar arma de fogo se dá por meio de autorização expedida exclusivamente pela Polícia Federal, ou seja, de um ato jurídico discricionário (a Administração Pública defere se entender conveniente) e precário (pode ser revogada a qualquer tempo pela Administração Pública sem gerar direito à indenização) praticado através do exercício da atividade administrativa e no interesse exclusivo do beneficiário. LIMA, Leo Vinicius Pires de. Direito Administrativo. In: GONZAGA, Alvaro de Azevedo (Coord.); TAVARES, Julia Meyer Fernandes (Coord.). Vade Mecum para concursos públicos: de nível médio e superior sem formação em Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 589. 191 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 432-433. 192 BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25. 68 contidos nos artigos 14 e 16, ambos da Lei n. 10.826/2003, pois andou mal ao prever inúmeras condutas delitivas não se restringindo exclusivamente ao porte da arma de fogo em si, tratando, portanto, de tipos legais mistos alternativos, onde a prática de mais de uma conduta, descrita na norma, por um único agente caracteriza a prática de um único delito.193 Neste norte, verificam-se no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento treze verbos que descrevem as condutas proibidas pelo diploma legal em comento, consubstanciando-se em elementos objetivos do tipo penal do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. 194 Já no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, que trata dos crimes de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido ou restrito, foram trazidos em seu caput quatorze verbos nucleares típicos, sendo os mesmos treze verbos encontrados no artigo 14, acrescido do verbo possuir, que é trazido no artigo 12, quando trata do crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. 195 A diferença aqui é que no verbo possuir indica-se que o agente deve manter dentro de sua propriedade a arma de fogo de uso proibido ou restrito, sendo que nas outras treze condutas típicas a diferença entre os mesmos comportamentos trazidos no artigo 14 reside na qualidade do artefato criminoso, uma vez que, enquanto o crime do artigo 14 trata de proibição acerca de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, no artigo 16 da lei n. 10.826/2003 trata-se de coibir as armas de fogo, acessório ou munição de uso restrito.196 É verdade que não existe uma autorização legal ou regulamentar para se manter uma arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito dentro de casa, merecendo a conduta possuir, contida no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, uma especial repressão do Estado, mas em verdade, este artigo padece de grande desproporcionalidade em relação a esta conduta, uma vez que a tipifica com o mesmo rigor do porte ilegal de idêntico objeto vulnerante, sendo que a ação de quem guarda em casa uma metralhadora e de quem a transporta na via 193 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 403. 194 BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 24. 195 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 116. 196 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 87. 69 pública não deveria receber a mesma punição normativa, por serem condutas bem distintas em coletividade. relação à gravidade/ofensividade pela qual fica exposta a 197 Não obstante, o legislador pátrio com a intenção de estender ainda mais a proteção ao bem jurídico tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, tentando impedir que nenhuma conduta pudesse passar por despercebido e atingir o escopo da norma, trouxe no artigo 16 da Lei n. 10.826/2003, em seu parágrafo único, diversos tipos penais assemelhados à posse ou ao porte ilegal de arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito. 198 Neste sentido, irá se punir igualmente ao agente que portar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, todos àqueles que efetuarem a supressão, ou a alteração de marca, numeração ou sinal que identifique arma de fogo ou artefato; que modifiquem as características de uma arma de fogo de uso restrito, fazendo parecer arma de fogo de uso permitido, com o intuito de induzir a erro quem deva identificá-la como tal; que seja proprietário, conserva em seu poder, produza ou utiliza artefato explosivo ou incendiário, sem autorização legal ou regulamentar; que porte, possua, adquira, transporte ou forneça arma de fogo com numeral, marca ou outro sinal identificador adulterado, suprimido ou raspado; que venda, entregue ou forneça, mesmo que sem ônus financeiro, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo à criança ou adolescente; ou ainda, àqueles que, sem autorização, produza, recarregue ou recicle munição ou explosivo, ou de qualquer modo adultere as características de tais artefatos. 199 Neste aspecto também há grande desproporcionalidade das penas previstas em relação às condutas tipificadas, uma vez que, por exemplo, a conduta de transportar uma arma de fogo de uso restrito municiada na via pública deveria receber uma sanção penal muito mais abrangente do que a conduta de portar na rua, em um chaveiro pendurado na presilha da calça, uma bala de arma de uso 197 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 119. 198 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 108. 199 SILVA, José Geraldo da. A nova lei das armas de fogo. Comentários à Lei n. 10.826, de 23 de dezembro de 2003. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 88-90. 70 proibido ou restrito, o que não ocorre, pois em ambos os exemplos a punição será a mesma.200 Convém frisar que, apesar de tais condutas constarem contidas no âmbito do artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, tal fato não quer dizer que o objeto material de tais comportamentos se restrinja às armas, acessórios e munições de uso proibido ou restrito, pois, por exemplo, o artigo 16, parágrafo único, inciso I, da Lei n. 10.826/2003 pode tratar de arma de fogo de uso permitido, uma vez que, na hipótese de o agente suprimir ou alterar sinais identificadores da arma de fogo, não será importante para a configuração do delito saber se o objeto material é de uso permitido ou restrito, pois estaremos sempre diante de um crime assemelhado à posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, recebendo a mesma sanção penal.201 Contudo, umas das mais sérias dúvidas que paira sobre a doutrina e a jurisprudência desde a edição do Estatuto do Desarmamento diz respeito ao agente flagrado na via pública com arma de fogo desmuniciada, pois muitos de nossos escritores forenses e, inclusive, muitos dos julgados divergem sobre a tipicidade ou não deste comportamento, divergências das quais passaremos a observar a seguir. 3.2 A TIPICIDADE VERSUS A ATIPICIDADE DA CONDUTA DE PORTAR ARMA DE FOGO DESMUNICIADA FRENTE À DOUTRINA Para doutrinadores como Nucci, por exemplo, apesar do fato de o agente ser flagrado com arma de fogo desmuniciada, cometendo alguma das ações nucleares contidas nos artigos 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, tal circunstância não altera em nada a consumação dos delitos descritos naquele diploma legal, uma vez que tratou o legislador de editar normas de mera conduta e perigo abstrato, que se 200 VALLES, Jacqueline do Prado. Resumo jurídico de leis penais especiais. 5. v. 2. ed. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2004. p. 148. 201 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 128. 71 consumam mesmo sem o efetivo e concreto perigo de lesão ao bem jurídico, com a simples prática das ações delitivas descritas nos tipos penais incriminadores. 202 Também porque, a mera previsão legal da incriminação das condutas de portar acessório de arma de fogo e munição, contida nos artigos 14 e 16 da Lei n. 10.826/2003, por si só estaria solucionando tal embate, uma vez que, com a simples incriminação da conduta de portar, sem as devidas autorizações de porte, acessório ou munição, sem fazer o porte concomitante da respectiva arma de fogo, por óbvio, faz-se suscitar que o contrário também deve ser considerado uma ação punível penalmente, ou seja, o porte de arma de fogo, sem autorização legal, mesmo que sem munição.203 Ao discorrer sobre o significado e abrangência dos acessórios de arma de fogo e munições, Capez leciona que De acordo com a definição contida no art. 3º, II, do Decreto n. 3.665, de 20 de novembro de 2000, „acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma‟. Munição, de acordo com o inciso LXIV do referido Decreto, „é o artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais‟. Podem o acessório ou munição ser de uso restrito ou permitido. Como acessórios de uso permitido, arrolam-se: dispositivos ópticos de pontaria, com aumento menor que 6 vezes e diâmetro da objetiva menor que 36mm; equipamentos de proteção contra arma de fogo de uso permitido (capacetes, coletes, escudos etc.) e cartuchos vazios, semicarregados ou carregados de chumbos granulados, conhecidos como „cartuchos de caça‟, desde que de calibres permitidos. Como acessórios de uso restrito, o Decreto n. 3.665/2000 prevê, ainda: aqueles que dificultem a localização de arma de fogo (silenciadores, quebra-chamas etc.); dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de marcar o alvo (mira-laser, p. ex.); dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que 6 vezes e diâmetro da objetiva igual ou maior que 36mm; 202 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4, ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 86-87. 203 BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25. 72 equipamentos de visão noturna (óculos, lunetas etc.); equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de uso restrito (escudos, capacetes, coletes etc.).204 Capez também assevera que os crimes de porte ilegal de arma de fogo serão considerados consumados mesmo nas hipóteses de o agente estiver praticando a conduta de forma a ser-lhe impossível carregar o artefato pela falta de munição ao seu alcance, pelo simples fato da impossibilidade de uso imediato da arma em si, não a descaracterizar como arma de fogo, sendo igualmente esta, assim como os acessórios e as munições, objeto material dos crimes em comento, uma vez que o porte, isoladamente, de tais objetos também configuram crimes. 205 No entanto, o doutrinador alerta que, assim como a Lei não previu a efetiva necessidade da demonstração de dano ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico incolumidade pública, também não conjecturou a presunção deste perigo nos casos em que ele simplesmente não poderia existir, devendo o intérprete do Direito ficar atento aos casos em que possa ser aplicado o artigo 17 do Código Penal brasileiro em face da impropriedade absoluta do objeto material utilizado na ação ou da total ineficácia do meio empregado na mesma, casos estes que estaríamos frente a um crime impossível.206 Apesar da crítica da injustiça quanto à periculosidade do agente, pois mesmo tendo a intenção da prática do crime não poderá ser responsabilizado, nem mesmo na forma tentada do delito, o crime impossível é justamente aquele que a conduta do indivíduo de forma alguma poderá consumar o crime por impropriedade absoluta do objeto material utilizado no ato delitivo, ou seja, quando o objeto material protegido pela norma é diverso daquele utilizado pelo indivíduo em sua ação, ou sequer existe, ou ainda, por total ineficácia do meio empregado na ação pelo agente, ou seja, que de forma alguma levará à consumação da conduta tipificada, como por exemplo, no uso de arma de brinquedo para matar uma pessoa. 207 204 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 379-380. 205 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 377. 206 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 374. 207 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 83. 73 Pelo exposto, para Capez, mesmo entendendo pela tipicidade da conduta de portar arma de fogo desmuniciada, o aplicador do Direito Penal não deverá se entregar à extrema radicalidade, devendo-se [...] buscar o equilíbrio em cada caso concreto, sendo necessário empregar a razoabilidade, ou seja, o bom senso, de acordo com as máximas de experiência e a racionalidade, a fim de evitar excessos de um lado e de outro. Nem é correto inviabilizar a aplicação da lei, exigindo-se a demonstração do perigo concreto para pessoa determinada, quando o legislador não o fez, e, com isso, levando o princípio da ofensividade até as suas últimas consequências; tampouco seria acertado admitir que, em pleno Estado Democrático de Direito, o fato típico decorresse de mera subsunção formal, considerando-se crime a prática de condutas que jamais seriam capazes de colocar em risco o bem jurídico.208 De outro ponto de vista, totalmente avesso ao de Capez, é o pensamento de Roger Spode Brutti, o qual sustenta que o Estatuto do Desarmamento trouxe normas de perigo abstrato e de mera conduta ao descrever os crimes de porte ilegal de arma de fogo e, o simples fato de o agente praticar as condutas descritas nos verbos nucleares contidos nos artigos 14 e 16 da Lei n. 10.826/2003, por si só, estaria demonstrando a consumação de tais delitos, não podendo o Poder Judiciário dar outra interpretação no caso concreto senão aquela da qual se valeu o legislador no ato de criação da norma, ou seja, que tais condutas devem ser criminalizadas e punidas com os rigores da Lei Penal. 209 O autor, ao defender a idéia de que o Poder Judiciário não deve desvirtuar a letra da lei emanada pelo legislador, ao interpretar a norma no caso concreto, enfatiza que De modo indubitável, a letra da lei é clara e não abre margem a qualquer suscitação de dúvida. Se é incompreensível, dentro de uma sociedade democrática e de direito, uma idéia de civilização sem juízes independentes, que possam conter o uso da força contra o oprimido ou o abuso do poder contra os mais fracos, também incompreensível é que o Estado-juiz desconsidere a faculdade constitucional do legislador, invadindo a sua seara de atribuições, considerando as letras que desejar e desconsiderando aquelas que vão contra a sua noção de „conveniência e oportunidade‟.210 208 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 374. 209 BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25. 210 BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 25. 74 Nesta esteira de entendimento, teria o legislador optado por reprimir, de forma clara e objetiva, a manutenção pelo cidadão comum da arma de fogo em desarmonia com o regido pela lei ou pela determinação regulamentar, mesmo estando ela desmuniciada ou não, inteira ou desmontada, podendo-se chegar ao absurdo de, em caso de o judiciário negar a aplicação desta vontade legislativa, alegar-se que o carregamento oculto de milhares de armas de fogo sem munição alguma que pudesse vir a tornar os artefatos prontos para produzir disparos poderia ser considerada mera infração administrativa, em face da ausência da potencialidade lesiva das armas por estarem tais descarregadas. 211 De outra banda, Damásio leciona que nos crimes de porte ilegal de arma de fogo trazidos pelo Estatuto do Desarmamento, por se tratar de crimes contra a incolumidade pública, ou seja, que têm como objetivo imediato proteger a segurança da coletividade, uma vez surpreendido o agente com arma de fogo desmuniciada, de forma que o indivíduo não possua nenhuma chance de imediatamente municiar o artefato pela ausência de munição a seu alcance, restará automaticamente desconfigurado qualquer dos delitos contidos na Lei n. 10.826/2003, por tratar de situação a ensejar crime impossível pelo meio inidôneo a ameaçar de lesão o bem tutelado pela norma. 212 Da mesma forma, o arrazoado por Paulo Dariva, que acolhe a ideia de que o simples fato da arma de fogo ser encontrada sendo portada ou transportada pelo agente em via pública totalmente descarregada, sem a presença de nenhuma munição que o possibilite municiar o objeto e, portanto, tornando-a incapaz de produzir disparo, uma vez inexistir bala a ser disparada em seu sistema projetado para este fim, torna o fato atípico, pois não há na conduta do agente a disponibilidade da arma de fogo apta a infligir lesão ou sequer ameaçar de lesão o bem tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, ou seja, a incolumidade pública.213 De fato o autor ao defender a atipicidade da conduta de portar ilegalmente arma de fogo sem munição em via pública, com justificativa no Princípio da Ofensividade no Direito Penal, afirma que 211 BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 30-31. 212 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 54. 213 DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 202. 75 [...] uma conduta, para que possa ser considerada efetivamente um crime, não basta que esteja simplesmente prevista em lei como tal. Deve ser, pelo contrário, tanto formalmente, quanto substancialmente, criminosa. Um fato que, a despeito de previsto em lei como crime, não traga uma ameaça concreta ao em jurídico penalmente tutelado, não pode ser considerado um delito, sob pena de violação ao princípio da lesividade, direito fundamental constitucionalmente consagrado. Nesta senda, o porte de arma de fogo desmuniciada, sem que haja qualquer munição adequada ao alcance do agente, não configura os delitos previstos nos arts. 14 e 16 da Lei nº 10.826/2003, eis que não traz consigo qualquer ameaça, mesmo que abstrata, ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a incolumidade pública. De fato, sendo a incolumidade pública a garantia e preservação do estado de segurança, integridade corporal, vida, saúde e patrimônio indefinidamente considerados contra possíveis atos que os exponham a perigo, conforme acima referido, tem-se que o fato de estar a arma desmuniciada, sem que haja possibilidade de pronto municiamento, exclui a disponibilidade de tal artefato, acarretando a atipicidade da conduta do agente, eis que não colocado em risco o bem jurídico tutelado.214 Também não destoam desta perspectiva os doutrinadores Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e Paulo Henrique Aranda Fuller. No entanto, tais autores sustentam que o crime de porte ilegal de arma de fogo não estará configurado nos casos do agente ser abordado fazendo o porte do objeto sem munição, apenas se o mesmo tiver a arma registrada em seu nome, caso contrário, haverá a ameaça de lesão ao bem jurídico protegido pela norma, ou seja, uma vez que está afetando o controle Estatal sobre a circulação de armas de fogo em território brasileiro. 215 Ante todo o exposto, pode-se perceber que o assunto é controvertido na doutrina pátria e, dependendo do foco em que se observa o problema podem surgir vários posicionamentos que divergem uns dos outros, ora tendendo a admitir que o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada é figura típica e punível, ora alegando que tal conduta não merece nenhuma sanção penal por não ameaçar, nem de forma abstrata, o bem jurídico tutelado pela Lei n. 10.826/2003. Assim sendo, não seria diferente na jurisprudência, como passaremos a observar a seguir. 214 DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009. p. 207. 215 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 456. 76 3.3 ANÁLISE DA MATERIA FRENTE ÀS DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS Tais divergências também coexistiram no âmbito jurisprudencial pátrio, especialmente entre os julgados da Quinta e Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça e entre a Primeira e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que travaram durante anos, concomitantemente, um intenso embate de manifestações em prol e contra a tipificação da conduta de portar arma de fogo desmuniciada, ora entendendo que o fato não configura crime se o agente não possuir ao seu alcance a munição para tornar efetivamente o artefato ofensivo, ora afirmando que a norma tratou de crime de perigo abstrato e, portanto, dispensável a ocorrência de perigo concreto ao bem jurídico, sendo a falta de munição apta a municiar a arma de fogo irrelevante para a consumação do delito.216 3.3.1 O dissenso sobre a (a)tipicidade do porte de arma de fogo desmuniciada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça vem decidindo pela tipicidade dos delitos de porte ilegal de arma de fogo descritos no Estatuto do Desarmamento, mesmo naquelas hipóteses em que o agente não carrega consigo munição capaz de tornar o artefato propício à produção de disparos, como é o caso, por exemplo, encontrado no julgamento do Habeas Corpus n. 177.232 – MG, quando os Srs. Ministros da Turma votaram, na data de 19 de abril de 2012, nos termos do parecer do Sr. Ministro Relator Gilson Dipp, para negar a ordem ao paciente Cláudio Fonseca Carneiro, condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em sede de Apelação217, e afirmar que 216 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 54. 217 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 177.232 - MG, Brasília, DF, 19 de abril de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001161083&dt_publicacao=24/04/2012> . Acesso em: 06 out. 2012. 77 [...] Consoante entendimento da Quinta Turma desta Corte, o porte ilegal de arma de fogo é crime de perigo abstrato, de modo que, para caracterização da tipicidade da conduta elencada no art. 16 da Lei 10.826/03, basta, tão somente, o porte de arma de uso proibido ou restrito sem a devida autorização da autoridade competente e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, sendo despiciendo o fato de a arma se encontrar desmuniciada.218 Outra sorte não teve o paciente Joceli Chaves da Silveira no julgamento do Habeas Corpus n. 175.446 – RS, em 17 de maio de 2012, onde ao votarem unanimemente os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp, Laurita Vaz e Jorge Mussi, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, concederam parcialmente a ordem, no que dizia respeito ao regime inicial de cumprimento de pena, mas mantendo a condenação do paciente por infração ao tipo penal descrito no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento 219, uma vez que [...] o crime de porte ilegal de arma é de mera conduta e de perigo abstrato, porque se consuma no simples fato de carregar consigo, sem autorização legal, o objeto apreendido, e a potencialidade lesiva é presumida, independe da comprovação, por perícia, do efetivo prejuízo ou lesão ao bem jurídico tutelado - proteção à sociedade.220 Nesta digressão histórica de posicionamentos confrontantes, quando do julgamento, em março de 2011, do Agravo Regimental n. 1.087.205 – GO, interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática que havia dado provimento ao Agravo de Instrumento interposto por Abílio Alves de Morais, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou-lhe provimento, no que os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) votaram nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura 221, que ao 218 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 177.232 - MG, Brasília, DF, 19 de abril de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001161083&dt_publicacao=24/04/2012> . Acesso em: 06 out. 2012. 219 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 175.446 - RS, Brasília, DF, 17 de maio de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001035594&dt_publicacao=15/06/2012> . Acesso em: 06 out. 2012. 220 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 175.446 - RS, Brasília, DF, 17 de maio de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001035594&dt_publicacao=15/06/2012> . Acesso em: 06 out. 2012. 221 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1.087.205 – GO, Brasília, DF, 15 de março de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801894740&dt_publicacao=25/03/2011> . Acesso em: 06 out. 2012. 78 expor seu voto pela atipicidade da conduta de portar arma de fogo sem munição, cravou o entendimento de que A hipótese trazida a exame envolve conduta que, no meu sentir, não pôs em xeque a integridade física sequer de uma pessoa, que dirá da sociedade como um todo. In casu, o paciente foi flagrado com uma arma desmuniciada. Trata-se, portanto, de hipótese de aplicação do princípio da ofensividade, pois não houve concreta afetação do bem jurídico, revelando-se claramente a conduta descrita na sentença como materialmente atípica. 222 Sem destoar deste posicionamento, dois dias após o julgamento acima transcrito, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, também por unanimidade, negou provimento ao Agravo Regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que concedeu o Habeas Corpus n. 194.742 – MS, para absolver o paciente da imputação de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, descrita no artigo 14 da Lei n. 10.826/03, pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, onde os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE)223, no sentido de que [...] não comete o crime de porte ilegal de arma de fogo, aquele que, sem a presença da munição, carrega arma, já que o princípio da ofensividade em direito penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação de perigo abstrato.224 No entanto, esse entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a ser desarmonizado com o advento do julgamento do Habeas Corpus n. 124.907 – MG, em 06 de setembro de 2011, quando o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) pediu vista após o voto do Sr. Ministro Relator Og Fernandes pela atipicidade da conduta da paciente em face da ausência da munição à tornar ofensiva a ação de portar arma de fogo, proferindo 222 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1.087.205 – GO, Brasília, DF, 15 de março de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801894740&dt_publicacao=25/03/2011> . Acesso em: 06 out. 2012. 223 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 194.742 – MS, Brasília, DF, 17 de março de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201100094966&dt_publicacao=11/04/2011> . Acesso em: 06 out. 2012. 224 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 194.742 – MS, Brasília, DF, 17 de março de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201100094966&dt_publicacao=11/04/2011> . Acesso em: 06 out. 2012. 79 voto-vista divergente, ao denegar a ordem de Habeas Corpus, vindo, posteriormente, a ser vencido nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, que foi seguido pelo Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior, uma vez que ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, quando, desta feita, foi concedida a ordem de Habeas Corpus, por maioria.225 Afirmou o Sr. Ministro Relator Og Fernandes, ao proferir voto favorável ao pleito absolutório da paciente que [...] a acusada Adriana Rodrigues foi presa em flagrante quando trazia consigo uma arma de fogo calibre 22, marca Taurus, desmuniciada (e-STJ, fl. 68). A arma foi periciada, sendo comprovado que se encontrava apta a realizar disparos. Na linha da orientação prevalente na Sexta Turma desta Corte, o fato de a arma de fogo estar desmuniciada afasta a tipicidade do delito. 226 Como já exposto, não obstante à sua esteira de entendimento, divergiu o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), valendo aqui destacar suas palavras quando, em um trecho de seu voto denegatório da ordem ao Habeas Corpus citado, proferiu que Sem maiores digressões, tenho por evidente, [...] que a conduta daquele que porta, detém, adquire, fornece, recebe, tem em depósito, transporta, cede, ainda que gratuitamente, empresta, remete, emprega, mantém sob guarda ou oculta arma de fogo, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal, revela-se típica, sendo verdadeiro irrelevante jurídico o fato de estar ou não municiada a arma ou ter ou não o agente, a seu alcance, munição. Tal conclusão resulta do fato de ter o legislador alargado o tipo penal para além do porte da arma de fogo propriamente dita, fazendo recair sobre o agente portador de „acessório ou munições‟ a mesma reprovação. Parece-me inconteste que, consoante expressa disposição legal, aquele que porta, por exemplo, sem autorização e em desacordo com determinação legal, somente uma caixa com projéteis de calibre .380, incorre no delito em questão, sujeitando-se, assim, aos rigores da lei. Assim o sendo, revela-se verdadeira incongruência entender que a norma em debate tolera o porte de arma de fogo desmuniciada ao mesmo tempo em que reprime o porte exclusivo de acessórios ou munição. 225 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 124.907 – MG, DF, 06 de setembro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802850743&dt_publicacao=19/10/2011> . Acesso em: 08 out. 2012. 226 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 124.907 – MG, DF, 06 de setembro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802850743&dt_publicacao=19/10/2011> . Acesso em: 08 out. 2012. 80 O texto legal, de per si, evidencia o equívoco daqueles que entendem que o objeto jurídico tutelado pela norma é simplesmente a vida ou a incolumidade física e deixam de lado bens jurídicos outros, tais quais a segurança pública e a paz social. Ademais, revela-se pensamento demasiadamente simplista acreditar que uma norma legal tenha objeto jurídico tutelado único, como se não fosse possível ao legislador proteger bens diversos a partir de uma mesma norma. Por isso que afigura-me inócuo perscrutar qual "o bem jurídico" tutelado pelo art. 14 da Lei n.º 10.826/2003 no afã de justificar o injustificável, de tentar, em esforço exegético descabido, transformar em atípica, ação a que o legislador, evidententemente [sic], optou por disciplinar como crime de mera conduta ou de perigo abstrato.227 Não muito tempo depois, mais precisamente no dia 15 de dezembro de 2011, os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça novamente se reuniriam para, desta vez - após o voto do Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), que acompanhou o entendimento do Sr. Ministro Relator Sebastião Reis Júnior e o voto-desempate do Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) - por maioria, dar provimento ao Recurso Especial n. 1.193.805 – SP, interposto pelo Ministério Público Federal contra Ricardo da Silva Marques, sendo vencidos os votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e do Sr. Ministro Og Fernandes, que lhe negavam provimento.228 Nesta senda, merece destaque o arrazoado pelo Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu, que ao seguir o entendimento esposado pelo Sr. Ministro Relator Sebastião Reis Júnior deu provimento ao apelo Ministerial para restabelecer a sentença condenatória de primeiro grau, nos seguintes termos: Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face do v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça daquele estado que reformou a r. sentença condenatória, por considerar que a arma de fogo desmuniciada não possui lesividade objetiva capaz de fazer subsumir a conduta ao tipo penal do art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n.º 10.826/03. Submetido a julgamento nesta c. Sexta Turma, o eminente Ministro Relator, ressalvando conhecer o entendimento divergente da Turma, 227 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 124.907 – MG, DF, 06 de setembro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802850743&dt_publicacao=19/10/2011> . Acesso em: 08 out. 2012. 228 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.193.805, da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Brasília, DF, 15 de novembro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000859864&dt_publicacao=11/04/2012> . Acesso em: 13 out. 2012. 81 houve por bem dar provimento ao recurso, ao fundamento de que o tipo penal em questão trata de crime de perigo abstrato, sendo despiciendo o fato de a arma com numeração raspada estar municiada ou não, no que foi acompanhado pelo eminente Ministro Vasco Della Giustina. Inaugurando a divergência, a eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura considerou os precedentes desta c. Turma, reafirmando a tese de que o crime em comento é de perigo objetivo, sendo necessária a demonstração da lesividade do objeto material, no que foi acompanhada pelo eminente Ministro Og Fernandes. Neste quadro, configurado o empate, fui convocado para apresentarme a este c. Órgão Julgador, com a honrosa missão de contribuir para a realização deste julgado. Considerando a condição de desenvolvimento do pensamento do Direito Penal sob os aspectos da Intervenção Mínima e da necessidade de políticas públicas que determinem uma aplicação mais eficaz do sistema punitivo, compreendo e louvo as razões adotadas pela mui digna divergência, mormente pela experiência trazida por anos de atuação na Defensoria Pública de meu Estado, onde sempre batalhamos pela aplicação sistematizada e utilitária do Direito Penal, buscando evitar a imposição de sua severidade de forma desnecessária e sem qualquer proveito ao crescimento da sociedade. Assim, por convicções pessoais e razões de Direito, estaria inclinado a acompanhar a ilustre divergência, nos termos do voto da eminente Ministra Presidente. Todavia, tendo composto a c. Quinta Turma em processos que trataram da mesma matéria, acompanhei o voto do eminente Ministro Gilson Dipp, aquiescendo com a tese de que a adulteração das características da arma de fogo, por si só, já configura o tipo penal análogo ao porte de artefato de uso proibido, independentemente de estar ou não municiada. [...] Nestes termos, por razões de lógica e segurança jurídica, peço vênia à louvável divergência, para acompanhar o entendimento esposado pelo eminente Ministro Sebastião Reis Júnior, dando provimento ao apelo nobre.229 E posteriormente, na data de 16 de fevereiro de 2012, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça iria novamente proferir um julgamento curioso a respeito das infrações contidas no Estatuto do Desarmamento, quando do enfrentamento do 229 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.193.805, da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Brasília, DF, 15 de novembro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000859864&dt_publicacao=11/04/2012> . Acesso em: 13 out. 2012. 82 Habeas Corpus n. 118.773 - RS, que após prosseguir o julgamento com o voto-vista do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior, que preferiu denegar a ordem de Habeas Corpus votando diversamente do Sr. Ministro Relator Og Fernandes, no que foi seguido pelo Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), verificou-se o empate na votação com o voto concedendo a ordem da Sr. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, tendo prevalecido tal situação por ser a mais favorável ao paciente, que teve o pedido de Habeas Corpus deferido, livrando-se das sanções contidas na Lei n. 10.826/2003. 230 Tratava-se de Habeas Corpus impetrado em favor de Paulo Cesar Teixeira por ter sido flagrado em via pública, trafegando em uma motocicleta, e portando uma pistola Taurus, calibre nominal .380, com numeração raspada, e um cartucho com nove munições, calibre 9 mm, de uso restrito, o qual havia sido absolvido pelo Juiz singular dos crimes de porte ilegal de arma de fogo e porte ilegal de munição, ambos de uso restrito, tendo em vista a falta da potencialidade lesiva do instrumento constatada por meio de perícia, na qual restou comprovada a ineficiência da arma em produzir disparos e pela inexistência da potencialidade lesiva na conduta de carregar munição sem arma de calibre idêntico, situação esta que não permitiria ao agente municiar um instrumento que pudesse, efetivamente, por em risco a sociedade. Posteriormente, em consequência da insurreição do Ministério Público Estadual, o paciente restou condenado a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a iniciar-se em regime inicial fechado, além de 20 (vinte) dias-multa, pelo Tribunal Sul-rio-grandense pela infração dos dois delitos, por entender aquele colegiado serem tais crimes considerados como de perigo abstrato. 231 Apesar de não se tratar de um crime de porte ilegal de arma de fogo em que o agente foi abordado sem munição, vale aqui destacar o voto do Sr. Ministro Relator Og Fernandes, que ao expor os fundamentos de sua decisão fez lembrar o posicionamento divergente da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça em vários julgados anteriores acerca da matéria: 230 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 118.773 - RS, DF, 16 de fevereiro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802306097&dt_publicacao=18/06/2012> . Acesso em: 09 out. 2012. 231 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 118.773 - RS, DF, 16 de fevereiro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802306097&dt_publicacao=18/06/2012> . Acesso em: 09 out. 2012. 83 Contudo, o entendimento firmado no âmbito desta Sexta Turma, a partir do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 998.993/RS (Relatora para o acórdão a Ministra Maria Thereza, DJ de 8.6.2009), é o de que, „tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária a comprovação da potencialidade do instrumento, já que o princípio da ofensividade em direito penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação de perigo abstrato.‟ [...] No que diz respeito ao porte de munição de uso restrito, isto é, 9 (nove) projéteis, calibre 9 mm, com acerto decidiu o Juiz sentenciante ao absolver o paciente. Apesar de tais munições terem sido aprovadas no teste de eficiência, não ofereceram perigo concreto de lesão, já que a arma de fogo apreendida, além de ineficiente, era de calibre distinto. Ora, se este órgão fracionário tem proclamado que a conduta de quem porta arma de fogo desmuniciada é atípica, quanto mais a de quem leva consigo munição sem arma adequada ao alcance. Aliás, não se mostraria sequer razoável absolver o paciente do crime de porte ilegal de arma de fogo, ao fundamento de que o instrumento é ineficiente para disparos, e condená-lo, de outro lado, pelo porte da munição.232 Contudo, verifica-se que tal divergência vem diminuindo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a Sexta Turma passou a adotar o entendimento já consolidado da Quinta Turma daquele Eg. Tribunal Superior, no sentido de que os crimes de porte ilegal de arma de fogo, agasalhados pelo Estatuto do Desarmamento, são considerados como crimes de perigo abstrato, sendo, portanto, dispensável a aferição de perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado para a consumação de tais infrações. 233 Muito embora venha a Sexta Turma do Tribunal Superior de Justiça, nos mais recentes julgados, decidindo pela tipicidade da conduta de portar arma de fogo, mesmo quando tais armas são portadas sem nenhuma munição, ainda persiste dentro daquele órgão fracionário certa aversão quanto a este posicionamento, tendo a relatora do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.059.644 – MG, a Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, mesmo votando pelo provimento do Agravo Especial e, em consequência, pela tipicidade da conduta de portar arma de 232 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 118.773 - RS, DF, 16 de fevereiro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802306097&dt_publicacao=18/06/2012> . Acesso em: 09 out. 2012. 233 Cf. Habeas Corpus n. 211.823 – SP, julgado em: 22 de março de 2012 e Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 155.202 – MS, julgado em: 15 de maio de 2012. 84 fogo desmuniciada, fez questão de asseverar seu pensamento acerca da matéria 234, afirmando que Com efeito, esta Sexta Turma, no julgamento do Recurso Especial nº 1.193.805⁄SP, de relatoria do eminente Ministro Sebastião Reis Júnior, modificou seu entendimento, por meio do voto de desempate do Ministro Adilson Vieira Macabu, que compõe a 5ª Turma, para assentar que é irrelevante estar a arma desmuniciada ou aferir sua eficácia para configuração do tipo penal. [...] Dessarte, ressalvo meu ponto de vista, no sentido de que a questão da exigência do municiamento ou mesmo da perícia para a comprovação dos tipos relativos ao porte de arma de fogo, quer seja autônomo, quer seja considerado como majorante, se afigura mais consentânea com um Direito Penal sintonizado com o princípio da exclusiva tutela de bens jurídicos [...].235 Sem grifos no original. Tais posicionamentos conflitantes, seguida, posteriormente, de uma mudança de entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, mesmo que ainda resistida por alguns Ministros daquela Superior Instância, têm muito significado ao se analisar o modo como o qual vinha se posicionando o Supremo Tribunal Federal acerca da matéria236, o que se exporá com mais detalhes a partir deste momento. 3.2.2 A divergência no âmbito do Supremo Tribunal Federal A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal vem firmando entendimento de que o porte ilegal de arma de fogo é crime de mera conduta e de perigo abstrato há vários anos, não importando para a configuração de tal delito, saber se a arma estava ou não municiada, ou se o agente tinha acesso imediato à munição. 237 234 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.059.644 – MG, Brasília, DF, 27 de março de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801126930&dt_publicacao=11/04/2012> . Acesso em: 13 out. 2012. 235 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.059.644 – MG, Brasília, DF, 27 de março de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801126930&dt_publicacao=11/04/2012> . Acesso em: 13 out. 2012. 236 Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 376-379. 237 Cf., por exemplo, Habeas Corpus 107.447 – ES; Habeas Corpus 101.994 – SP; Habeas Corpus 88.757 – DF; Habeas Corpus 103.539 – RS. 85 Entretanto, pouco depois da promulgação da Lei n. 10.826/2003, mas ainda julgando fato ocorrido sob a égide da Lei n. 9.437/1997, atualmente revogada, mas que tratava sobre a mesma matéria, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal veio a se manifestar, pela maioria dos votos, para dar provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 81.057-8 – SP, absolvendo o recorrente, Lourival Dantas Roteas, do crime de porte ilegal de arma de fogo que lhe era imputado por ter sido flagrado, em via pública, transportando na cintura, um revólver, marca Taurus, calibre nominal .32, sem possuir licença e, como se não bastasse, estando foragido da Justiça diante de anterior condenação por crime de roubo. 238 Após o voto de improvimento da Srª. Ministra Relatora Ellen Gracie, alegando que “uma arma de fogo, transportada pelo agente na cintura, ainda que desmuniciada, é propícia, por exemplo, à prática do crime de roubo, diante do seu poder de ameaça e de intimidação da vítima”, no qual foi seguida pelo Sr. Ministro Ilmar Galvão, o Sr. Ministro Sepúlveda Pertence pediu vista dos autos para, posteriormente, proferir voto de vista, como relator para o acórdão, deferindo o Habeas Corpus pelo fato de a arma transportada pelo agente estar desmuniciada, o que pelo princípio da disponibilidade torna a arma inidônea à produção de disparo e, portanto, aquela não serve como objeto material do tipo descrito na legislação capaz de tipificar a conduta do porte ilegal de arma de fogo, voto este que restou seguido pelo Sr. Ministro Joaquim Barbosa e, após novo pedido de vista, pelo Sr. Ministro Cezar Peluso, declarando-se, pelo exposto, atípica a conduta do recorrente. 239 O que se viu após, com o advento de julgamentos em face do Estatuto do Desarmamento, foi uma brusca mudança de entendimento dentro daquela Primeira Turma, que tem, desde então, decidido pela tipicidade da conduta, como se vê, por exemplo, no recente julgado do Habeas Corpus n. 107.447 – ES, onde a Turma, por unanimidade, denegou a ordem da paciente Alcione dos Santos de Oliveira, 238 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 81.057-8 – SP, Brasília, DF, 05 de maio de 2004. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=102762>. Acesso em: 16 out. 2012. 239 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 81.057-8 – SP, Brasília, DF, 05 de maio de 2004. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=102762>. Acesso em: 16 out. 2012. 86 condenada no Juízo de Aracruz – ES, pela prática da conduta descrita no art. 14 da lei n. 10.826/2003. 240 Merece destaque o arrazoado pela Srª. Ministra Presidente e Relatora Cármen Lúcia que em seu voto lembrou da digressão histórica do julgado acima referido, no sentido de que O entendimento do Superior Tribunal de Justiça harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal. Deve ser destacado que no julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 81.057, relator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, a Primeira Turma do Supremo Tribunal posicionou-se pela atipicidade da conduta de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido quando desmuniciada e sem que o agente tivesse a pronta disponibilidade da munição. No julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 90.197, a Primeira Turma, por maioria, vencido o Ministro Sepúlveda Pertence, reconsiderou seu posicionamento e passou a considerar típica a mesma conduta [...]. Nesse contexto, para se evitar o mal maior, consubstanciado no dano, antecipa-se a punição para o ato de portar arma de fogo, sendo irrelevante a constatação de estar ela municiada ou não. Não se quer maximizar o direito penal, tornando-o hipertrofiado, preventivo e mais punitivo. Busca-se apenas minimizar o risco de comportamentos que vem produzindo efeitos deletérios à sociedade, garantindo aos cidadãos efetivo exercício do direito à segurança e à própria vida.241 Melhor sorte não teve Aparecido Barbosa, condenado pelos crimes de tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido pelo Juízo de primeira instância do Estado de São Paulo, tendo sido, posteriormente, negado provimento em seu pleito absolvitório em sede de apelação pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça e, após a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, teve denegada a ordem em sede de Habeas Corpus impetrado pela 240 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 107.447 – ES, Brasília, DF, 10 de maio de 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1214756>. Acesso em: 16 out. 2012. 241 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 107.447 – ES, Brasília, DF, 10 de maio de 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1214756>. Acesso em: 16 out. 2012. 87 Defensoria Pública do Estado de São Paulo perante aquela Suprema Corte, pelo entendimento de que sua conduta era típica e punível.242 Naquele julgado os Srs. Ministros da Primeira Turma votaram unanimemente, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Dias Toffoli, que asseverou Não desconheço que a Segunda Turma tem posicionamento contrário ao ora adotado. Contudo, filio-me ao entendimento de que „o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de mera conduta e de perigo abstrato, ou seja, consuma-se independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade, e a probabilidade de vir a ocorrer algum dano é presumida pelo tipo penal. Além disso, o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante o fato de estar a arma de fogo municiada ou não‟ (HC nº 104.206/RS, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 21/5/10).243 (grifos no original). Analogamente, o arrazoado no Habeas Corpus n. 88.757 – DF, de Presidência da Sr. Ministra Cármen Lúcia e Relatoria do Sr. Ministro Luiz Fux, onde negou-se a ordem ao paciente Marcilio Wagner Nunes de Oliveira, condenado em primeira instância pelo crime descrito no artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, o qual havia tido reafirmada a condenação pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Ordinário Constitucional, tendo os Srs. Ministros da Suprema Corte, de forma unânime, consagrado o voto do Relator no sentido de que, em tratando-se de crime de porte ilegal de arma de fogo, por ser delito de mera conduta e de perigo abstrato, basta tão somente, a conduta de portar o objeto vulnerante sem a autorização legal e em desacordo com a determinação da lei ou do regulamento, não importando saber se arma estava ou não municiada. 244 Mais recentemente, em 17 de abril de 2012, a Turma novamente negou a ordem pleiteada no Habeas Corpus n. 103.539 – RS, onde de mais uma vez de 242 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 101.994 – SP, Brasília, DF, 06 de junho de 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626603>. Acesso em: 17 out. 2012. 243 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 101.994 – SP, Brasília, DF, 06 de junho de 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626603>. Acesso em: 17 out. 2012. 244 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 88.757 – DF, Brasília, DF, 06 de setembro de 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627642>. Acesso em: 17 out. 2012. 88 forma unânime, votaram os Srs. Ministros nos termos do voto da Sr. Ministra Relatora Rosa Weber, reafirmando o entendimento de que o Estatuto do Desarmamento quando cuidou dos crimes de porte ilegal de arma de fogo, tratou de crimes de mera conduta e de perigo abstrato, sendo irrelevante para a consumação de tais delitos o fato de a arma se encontrar desmuniciada no momento da abordagem do agente em via pública. 245 Merece realce o arrazoado pelo Sr. Ministro Marco Aurélio, que ao seguir o voto da Srª. Ministra Relatora Rosa Weber, asseverou ao Sr. Ministro Presidente Dias Toffoli que “já ressaltei que seria uma incongruência admitir-se o tipo pelo porte de munição, sem a arma, e não se admitir pelo porte de arma, sem a munição.” 246 Destoante, até então, deste entendimento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, vinha proferindo decisões no sentido de que o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada resultava na atipicidade da conduta do agente, como podemos visualizar no arrazoado Habeas Corpus n. 97.811 – SP, onde por maioria dos votos foi deferido a ordem para absolver o paciente Cláudio Nogueira Azevedo da imputação que lhe era imposta, por infração ao artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, por ter sido flagrado, em via pública, portando e transportando uma espingarda calibre .36, sem munição. 247 Neste julgado, após o voto da Srª. Ministra Presidente e Relatora Originária Ellen Gracie denegando a ordem ao paciente, uma vez que o fato de estar desmuniciada a arma não a descaracterizaria como arma de fogo, pois a ofensividade do objeto bélico não reside apenas na sua capacidade de disparar projéteis, mas, muitas vezes, no poder de intimidação das vítimas, inaugurou a divergência o Sr. Ministro Cezar Peluso, por entender que não havendo munição a disposição do agente atípica deveria ser sua conduta, o que não foi seguido pelo Sr. Ministro Celso de Mello, que acompanhou a Srª. Ministra Relatora Originária, pois 245 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 103.539 – RS, Brasília, DF, 17 de abril de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2009372>. Acesso em: 17 out. 2012. 246 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 103.539 – RS, Brasília, DF, 17 de abril de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2009372>. Acesso em: 17 out. 2012. 247 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 97.811 – SP, Brasília, DF, 09 de junho de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601200>. Acesso em: 17 out. 2012. 89 entendeu que a arma foi periciada, constatando-se a potencialidade lesiva, o que, mesmo sem munição a disposição do agente demonstra a ameaça de risco à segurança pública, no que veio, posteriormente, a discordar o Sr. Ministro Eros Grau e, portanto, deixando empatada a votação. 248 Ocorre que após debate entre os Srs. Ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie, ficou demonstrado que o agente não possuía munição ao alcance e que a arma não havia sido submetida à exame pericial, no que o Sr. Ministro Celso de Mello retificou seu voto para conceder a ordem de Habeas Corpus ao paciente, sendo vencida a tese da tipicidade, mesmo depois do voto denegando a ordem do Sr. Ministro Joaquim Barbosa, que juntamente com a Srª. Ministra Ellen Gracie, ficou vencido no acórdão.249 A mesma sorte teve o paciente Pedro Alves Martins no julgamento do Habeas Corpus n. 99.449 – MG, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, quando logo após a denegação da ordem pela Srª. Ministra Presidente e Relatora Ellen Gracie, ao passo que o agente flagrado em via pública trazendo consigo arma de fogo sem autorização da autoridade competente e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, mesmo que desmuniciada, tem conduta amoldada nos termos do artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, foi absolvido da acusação que lhe era imputada pela concessão da ordem dada pelos Srs. Ministros Cezar Peluso (Relator para o Acórdão) e Celso de Mello.250 A Srª. Ministra Ellen Gracie veio novamente a se manifestar, como Relatora Originária, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ, pela denegação do pleito absolvitório da Recorrente A. C. da C. G., menor que havia sido condenada ao cumprimento de medida sócio-educativa de semi-liberdade e tratamento antidrogas, por ato infracional análogo ao crime previsto no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, por ter sido abordada fazendo porte de arma de fogo de uso 248 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 97.811 – SP, Brasília, DF, 09 de junho de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601200>. Acesso em: 17 out. 2012. 249 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 97.811 – SP, Brasília, DF, 09 de junho de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601200>. Acesso em: 17 out. 2012. 250 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 99.449 – MG, Brasília, DF, 25 de agosto de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607685>. Acesso em: 17 out. 2012. 90 permitido sem munição e enferrujada. Salientou a eminente Ministra que “a circunstância do revólver encontrar-se desmuniciado ou enferrujado, não afasta a sua condição de arma capaz de intimidar vítimas.”251 Após o pedido de vista dos autos do Sr. Ministro Eros Grau (Relator para o Acórdão) e de seu voto de divergência, que foi seguido pelos demais Ministros participantes do julgamento, a Segunda Turma da Suprema Corte, por maioria, concedeu provimento ao Recurso Ordinário para declarar atípica a conduta da Recorrente de portar arma de fogo desmuniciada e enferrujada. 252 Aqui, o voto de divergência girou em torno da necessidade de comprovação da capacidade lesiva da arma de fogo enferrujada e desmuniciada, em analogia ao que se asseverou no julgamento do Habeas Corpus n. 95.142 (DJ de 4.12.08) em relação à imprescindibilidade de exame pericial comprovando a capacidade para produzir disparo da arma para aferição da causa de aumento de pena no crime de roubo253, que segundo o Sr. Ministro Relator para o Acórdão Eros Grau: Mutatis mutandis, esses fundamentos servem, igualmente, para descaracterizar como crime o porte ilegal de arma desmuniciada não submetida a exame pericial para atestar, ou não, sua potencialidade lesiva.254 Porém, desde meados do ano de 2009 a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal não havia mais julgado nenhum processo acerca da matéria, o que veio a ocorrer somente no dia 28 de fevereiro de 2012, quando aquele Colegiado novamente se reuniu para decidir sobre a tipicidade ou não da conduta de portar arma de fogo sem munição, tendo concluído no julgamento conjunto de três Habeas Corpus (Habeas Corpus ns. 102.087, 102.826, e 103.826), por maioria dos votos, que o fato de arma de fogo estar desmuniciada não descaracteriza o crime previsto 251 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ, Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out. 2012. 252 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ, Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out. 2012. 253 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ, Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out. 2012. 254 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 97.477 – RJ, Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605059>. Acesso em: 17 out. 2012. 91 no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, mudando seu ponto de vista sobre o assunto e adotando, portanto, a posição que já vinha sendo abraçada pela primeira Turma daquela Suprema Corte, de que a Lei n. 10.826/2003 criminaliza o porte de arma de fogo independentemente de seu real funcionamento e, mesmo estando desmuniciada a arma e o agente não tenha acesso imediato à projéteis. 255 O Sr. Ministro Relator dos três Habeas Corpus acima citados, Ministro Celso de Mello, concedeu as ordens entendendo que inexistia a justa causa para a instauração da persecução penal, uma vez que desmuniciadas as armas de fogo ali discutidas e diante da impossibilidade de imediato acesso de seus portadores às munições, por total inexistência destas quando da abordagem dos agentes, não configurava crime a conduta de porte ilegal de arma de fogo. 256 Após o pedido de vista dos autos do Sr. Ministro Gilmar Mendes, que retomou o julgamento com voto-vista divergente, no sentido de que a intenção do legislador ao editar o Estatuto do Desarmamento foi de dar uma resposta à altura do clamor público a um quadro específico de violência, não cabendo ao Judiciário, ventilar se a arma realmente funcionaria ou se está municiada ou não, entendimento que restou seguido pelos demais integrantes da Turma, denegando-se, por maioria, as ordens e mantendo-se as respectivas condenações. 257 Tal mudança no entendimento da Segunda Turma da Suprema Corte veio a ser reafirmada pouco tempo depois, no julgamento do Habeas Corpus n. 104.410 – RS, quando os Srs. Ministros Ayres Britto, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski votaram unanimemente, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Gilmar Mendes, para denegar a ordem ao paciente Aldori Lima, incurso no crime de porte ilegal de arma de fogo, o qual havia sido abordado na via pública portando e transportando 255 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma reafirma entendimento sobre porte de arma sem munição. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=201191>. Acesso em: 17 out. 2012. 256 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma reafirma entendimento sobre porte de arma sem munição. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=201191>. Acesso em: 17 out. 2012. 257 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma reafirma entendimento sobre porte de arma sem munição. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=201191>. Acesso em: 17 out. 2012. 92 arma de fogo sem possuir ao seu alcance munição apta a tornar o objeto propício a disparar projéteis.258 Merece especial destaque parte do voto do Sr. Ministro Relator Gilmar Mendes, pelo brilhantismo em abordar suas razões para denegar a ordem ao referido mandamus, demonstrando, por conseguinte, a danosidade a que é intrínseca ao próprio objeto arma de fogo, mesmo que desmuniciada: É inquestionável que o resultado morte ou lesão – ou mesmo a ameaça – pode ser obtido pelos mais objetos e formas que a mente humana é capaz de se utilizar, mas, no caso da arma de fogo, pela sua própria natureza, o legislador resolveu distingui-la e erigi-la como tipo autônomo. O legislador, na verdade, antecipou-se aos possíveis e prováveis – isso me parece que deve ficar claro, pois é o ordinário – resultados lesivos. No caso, essa antecipação encontra sustentação no próprio objeto incriminado, pois ninguém se utiliza de arma com outra finalidade senão aquela para a qual foi concebida. E mesmo aqueles que dela se apossam para se defender, comprovam as estatísticas, têm cumprido finalidade diversa, ora sendo objeto de acidentes domésticos, ora servindo para alimentar o comércio clandestino. Inabalável, igualmente, a lesividade à paz social. E o argumento de que ela é ínsita a todo e qualquer delito, não desautoriza seu relevo como bem a tutelar, ao revés, confirma-o e ratifica sua distinção como fato apto a merecer a proteção do Direito Penal. Diversa seria a situação se o objeto, de per si, não causasse qualquer abalo à paz social, como, por exemplo, o caco de vidro, a faca (aceitos socialmente, mormente pela utilidade ordinária diversa). Da mesma sorte e sem deslustro aos que divergem na linha de raciocínio, penso que seu poder de intimidação sobre as pessoas representa potencial lesão à paz social e à segurança pública. 259 O decano do Supremo Tribunal Federal, ao finalizar sua linha de raciocínio sobre o tema, destaca o que deve ser, daqui para frente, adotado como forma de posicionamento acerca da abordagem da conduta de portar arma de fogo, fora da residência ou local de trabalho (para titular ou responsável pelo estabelecimento ou empresa), sem a presença de munição apta à, efetivamente, carregar o artefato bélico, no sentido de que 258 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out. 2012. 259 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out. 2012. 93 Podemos, sim, poetizar sobre a arma de fogo, mas é inexorável que sua natureza é letal e, com efeito, no plano teórico, respalda uma preocupação legítima do legislador de coibir seu uso, seu porte e sua posse. Não descuro da realidade, inclusive daquela formada por situações possíveis de ocorrer nos mais diversos rincões deste país e que, em tese, ainda que submetidas à tipicidade formal, são desprovidas de qualquer significação social. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa. Devemos cindir a questão em dois momentos: da elaboração da norma incriminadora e da aplicação do direito ao caso concreto. Aliás, como sói ocorrer em todas as situações abarcadas pelo direito. Assim, a questão, ao meu sentir, não reside na tipificação da conduta, mas na aplicação do direito aos diversos fatos que se verificam no cotidiano. Na avaliação concreta realizada pelo juiz, ao pretensamente realizar um juízo de subsunção do fato à norma.260 Com esta forma de pensar e indeferindo a ordem do citado mandamus, o Sr. Ministro Relator Gilmar Mendes aderiu ao posicionamento adotado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, de que o porte de arma de fogo sem munição é conduta formalmente típica, embora também admita que o Judiciário não deve e não pode engessar, no caso concreto, a interpretação da norma de forma a condenar o agente pela prévia previsão legal e, com isso, deixa claro que, dependendo das circunstâncias de cada caso, poderão ocorrer condutas que por não oferecerem nenhuma ameaça aos postulados morais e de proteção social a que se reportou o legislador na promulgação do Estatuto do Desarmamento, nenhuma outra saída terá o julgador, senão a absolvição. 261 260 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out. 2012. 261 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out. 2012. 94 3.4 ANÁLISE E CRÍTICA DO OBJETO DO TRABALHO Frente a tudo que foi anteriormente exposto, verifica-se que quando se trata das normas contidas no Estatuto do Desarmamento existe uma grande dissensão na doutrina e também na jurisprudência acerca de certos dispositivos, que vão desde o próprio desarmamento em si, até questões mais pontuais, como por exemplo, a questão da (a)tipicidade da conduta de portar ilegalmente arma de fogo sem munição. Nas palavras de Damásio, quando trata da questão mas crucial do Estatuto do Desarmamento, quanto a possibilidade de efetividade da norma ao desarmar a população brasileira Não nos devemos iludir com o milagre da lei solitária. Ela é o instrumento de que se vale o Estado para impor suas determinações. Isolada, porém, não produz a eficácia desejada. Nesse campo, não adianta ter boas idéias, nem boas leis. É preciso concretizá-las, executá-las com seriedade, eficácia e responsabilidade, em conjunto com o auxílio de outros meios, como investimento em educação, saúde, oportunidade de trabalho etc. E mais: o desarmamento popular só pode ser imposto quando se tem uma polícia apta a garantir a segurança social. Ao lado do „Estatuto do Desarmamento‟ deveria existir o „Estatuto da Polícia‟, concedendo-lhe instrumentos reais e capazes de concretizar a sua missão de prevenir a criminalidade.262 Com isso, é de se destacar que a Lei em si, sozinha, desacompanhada de políticas sérias de conscientização e educação da população não resolve nenhum problema social, o que não seria diferente com o Estatuto do Desarmamento, que desde sua promulgação provocou um estardalhaço na doutrina e na jurisprudência acerca de sua melhor interpretação, para que seus dispositivos não ficassem a mercê de abusos sociais, nem fossem desrespeitados pela falta de aplicação. E isso porque, não teria sentido nenhum desarmar o pai de família, as pessoas que seguem as leis e se comportam dignamente em sociedade, se o Estado, consubstanciado nas instituições policiais de controle e repressão da criminalidade, não possui meios eficazes de desarmar os criminosos, que por livre e 262 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 05. 95 espontânea vontade, não irão entregar suas armas por força de uma legislação desarmamentista.263 De outra senda, tem-se a discussão sobre a utilização dos chamados crimes de perigo abstrato ou presumido pelo legislador como forma de proteção dos bens jurídicos. Alguns doutrinadores264 defendem a ideia, mesmo que desacompanhada pela jurisprudência dominante, de que os crimes de perigo abstrato deveriam ser considerados inconstitucionais, uma vez que perfazem no próprio tipo penal a presunção da ameaça de lesão do bem jurídico, mesmo que da descrição da conduta tipificada não se observe qualquer ameaça concreta ao bem tutelado, punindo-se o comportamento do agente por, simplesmente, praticar o que foi descrito no tipo penal. Há, portanto, nos crimes de perigo abstrato, a previsão de uma punição que vai além dos limites da punibilidade, uma vez que se está imputando ao sujeito uma prática de lesão que não cometeu e, sim, que se presume que cometeu pela própria letra da lei, onde ao tutelar bens jurídicos apresentados como importantes, o legislador antecipa a intervenção penal causando, consequentemente, o desencadeamento de uma série de violações de princípios já consagrados como base de um Direito Penal democrático, como o da subsidiariedade, fragmentariedade, intervenção penal mínima, ofensividade e proporcionalidade, por exemplo.265 Nesse contexto, razão assiste a Gustavo Octaviano Diniz Junqueira quando afirma que por causar mais violência do que a conduta tipificada na norma penal, esta antecipação da intervenção punitiva, característica dos crimes de perigo abstrato, deveria ser abolida completamente, por ser medida mais consentânea com um Direito Penal democrático, em defesa dos direitos individuais e das limitações do poder punitivo estatal, no entanto, descriminalizar todas as condutas descritas como 263 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do desarmamento. Anotações à parte criminal da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do desarmamento). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 05. 264 Cf. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. vol. 7. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 20-21; DARIVA, Paulo. Da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Síntese, v. 10, n. 58, out./nov. 2009; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418-420. 265 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 418. 96 de perigo abstrato seria, no mínimo, inviável, um tiro no próprio pé da sociedade, uma vez que todos os crimes assim classificados tutelam os bens tidos como os mais importantes à paz social, como no caso dos crimes de porte ilegal de arma de fogo, em que se protege a incolumidade pública, além de tantos outros em que se tutela, por exemplo, a vida, a integridade física das pessoas, etc. 266 Quanto aos crimes de porte ilegal de arma de fogo, certo é que são de mera conduta e de perigo abstrato, pois assim desejou o legislador, mas também correta é a defesa dos princípios que garantem à população direitos constitucionais, sobre os quais, inclusive, paira o próprio Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, os princípios da Lesividade/Ofensividade Penal e da Intervenção Penal Mínima. Por tais motivos, é correto afirmar que os crimes de perigo abstrato são um mal necessário na esfera penal, justamente por esta necessidade de prevenção dos bens jurídicos mais importantes à coexistência da paz social. No entanto, não se deve aceitar que por si só possam quebrar o conceito sistemático do bem jurídico e da ideia imperativa de aplicação mínima do Direito Penal, em decorrência da observância do Princípio da Proporcionalidade. Como bem assevera Capez, não significa negar o princípio da ofensividade, pois nos crimes de porte ilegal de arma de fogo tal ofensividade, ou seja, o perigo de lesão, mesmo que abstrato, permanece ínsito no comportamento de quem traz consigo, ilegalmente, arma de fogo pelas vias públicas, não podendo o agente criminoso alegar que o fato de não haver nenhum sujeito determinado naquele local que pudesse ter sido colocado em situação real de risco, deva o isentar de punição penal, pela diminuição do nível de segurança pública que a própria conduta descrita nos artigos 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento tentou evitar. 267 Por todo o exposto, observa-se que ideia de aplicar a Legislação vigente mesmo nos casos em que não se verifica a existência de munição é mais acertada, ao ponto que o legislador também listou o porte dos acessórios e das munições no rol das condutas dos crimes de porte ilegal de arma de fogo, ou seja, o porte isoladamente de tais objetos também configura os delitos, o que não faria sentido algum se aplicassem a norma penal para os casos em que o agente porta somente 266 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Estatuto do Desarmamento. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. v. 1. 5. ed. São Paulo: Editora Premier Máxima, 2008. p. 421. 267 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 371. 97 uma munição e deixarem de aplicá-la quando porta arma de fogo sem munição, uma vez que uma bala de arma de fogo, sem a respectiva arma também não causa perigo de ameaça imediata. Como bem assevera Capez, não devemos nos deixar levar pela falácia de que o Poder Judiciário não pode invadir a esfera do Poder Legislativo ao interpretar a norma penal de forma mais propícia e menos gravosa ao acusado no caso concreto, como sustenta Roger Spode Brutti, uma vez que as normas precisam ser levadas a efeito de forma a não ignorar a possibilidade de certa conduta ser atípica, mesmo estando descrita em Lei anterior que a defina como crime, pois não se pode deixar de aplicar o disposto no artigo 17 do Código Penal àquelas condutas que de forma alguma poderiam se concretizar pela falta absoluta do objeto utilizado para a prática da ação ou pela total ineficácia do meio empregado, devendo ser consideradas pelo Judiciário, portanto, condutas totalmente atípicas. 268 De toda sorte, o caso é muito mais de interpretação do caso concreto frente à norma penal posta do que de ilegitimidade normativa, como já asseverou o Supremo Tribunal Federal em recente julgado no qual se denegou ordem de Habeas Corpus, por entender o Colegiado da Segunda Turma daquela Suprema Corte que no caso em análise a conduta de portar arma de fogo desmuniciada trazia perigo de lesão à coletividade e à paz social, pelo próprio risco de dano ínsito no objeto material tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, no qual o comportamento do agente não desabonava, em nada, o conteúdo da sansão penal, que naquele caso, deveria ser aplicada.269 268 Cf. BRUTTI, Roger Spode. Arma de fogo desmuniciada. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Editora Síntese, v. 8, n. 46, out./nov. 2007. p. 22-32; CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Legislação penal especial. v. 4. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 375-383. 269 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410 – RS, Brasília, DF, 06 de março de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040>. Acesso em: 18 out. 2012. 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa teve como objetivo destacar uma das mais importantes controvérsias contidas em torno da Lei n. 10.826/2003, conhecido com Estatuto do Desarmamento, ou seja, a divergência sobre a tipicidade ou não da conduta de portar armamento de fogo, em território nacional, sem que o agente traga concomitantemente, ou possua à sua imediata disposição, munição adequada ao pronto municiamento do objeto vulnerante, ou seja, sem que se possa torná-lo efetivamente propício para o fim ao qual foi produzido, ou, ainda, em outras palavras, para que possa produzir disparos. Vale lembrar que o Estatuto do Desarmamento calou a respeito do tema, ou seja, da leitura dos artigos 14 e 16, ambos da Lei n. 10.826/2003, não se pode afirmar, com absoluta certeza, que a conduta de portar arma de fogo desmuniciada seja crime, uma vez que a norma abrange tão somente o porte de arma de fogo, sendo silente quanto à obrigatoriedade ou não da munição apta ao carregamento de tal objeto para a aferição da tipicidade. Destarte, verificou-se que, a respeito da conduta de portar arma de fogo sem munição, foi construído um grande tabu no âmbito da doutrina e jurisprudência pátria, consistente na dúvida da aplicação, ou não, de todas as peculiaridades punitivas da Lei n. 10.826/2003, uma vez que, para certos autores forenses e aplicadores do Direito a conduta é típica, pelo fato de o Estatuto do Desarmamento conter normas de perigo abstrato e de mera conduta, e para outros não, uma vez que a falta de lesividade da arma de fogo pela inexistência de munição a torna um objeto que, por si só, não causa perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma, leia-se incolumidade pública. Através destes pensamentos, e analisando a matéria de estudo da presente pesquisa, observa-se que a doutrina persiste separada por opiniões díspares, mas na jurisprudência, com a mudança de posicionamento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que passou a adotar o entendimento da Primeira Turma daquela Suprema Corte e, consequentemente, com a adequação do entendimento consolidado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça pela Sexta Turma daquele Colegiado, tende-se a pacificar a matéria, no sentido de proclamar de forma 99 indelével que o porte ilegal de arma de fogo, mesmo sem qualquer munição ao alcance do agente, é conduta típica e deve ser punido nos rigores da Lei n. 10.826/2003. Também é correto afirmar que, apesar da grande desproporcionalidade encontrada em toda conduta praticada sob a égide de tipos penais classificados como de perigo abstrato e o mal acarretado pela sanção penal antecipadamente imposta pelo tipo incriminador, tais delitos não podem ser totalmente desconsiderados pelo Poder Judiciário, pois a extirpação de tais crimes traria muitos prejuízos à paz social e, consequentemente, ao Direito posto. Por tais motivos, o julgador deverá sempre ponderar que a aplicação dos crimes de perigo abstrato rebaixa os níveis de proteção das garantias constitucionais do indivíduo perante o Poder Punitivo do Estado e, portanto, deverá redobrar a atenção para os casos em que a diminuição dos riscos abstratos, ou seja, presumidos pela lei, faça por merecer a inaplicabilidade da sanção descrita, por julgamento mais consentâneo com o Princípio da Proporcionalidade. Assim sendo, para que não se cometam injustiças em matéria penal, ramo este que tem o condão de afetar tão gravemente à esfera de proteção dos direitos fundamentais das pessoas, é preciso que o Poder Judiciário ao analisar cada caso em concreto, assim o faça com muito cuidado e sempre pautado em princípios constitucionais que garantam ao infrator da norma contida no Estatuto do Desarmamento a análise de suas particularidades e das circunstâncias nas quais se deram seu modus operandi, para que não reste sumariamente descartado, pela simples prática da conduta descrita na norma de mera conduta e de perigo abstrato, o chamado crime impossível, descrito no artigo 17 do Código Penal brasileiro de 1940, ou seja, aquelas condutas que de forma alguma afetaria, nem de forma abstrata, o bem jurídico incolumidade pública protegido pela Lei n. 10.826/2003. 100 REFERÊNCIAS ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal. Parte Geral. v.1. 3. ed. atual e aum. São Paulo: Saraiva, 2004. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/Del3688.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/decreto/d5123.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Lei de 26 de outubro de 1831. Prescreve o modo de processar os crimes publicos e particulares e dá outras providencias quanto aos policiaes. Disponível em: <http://ciespi.org.br/media/lei_26_out_1831.pdf>. (Legislação Brasileira). 101 ______. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Institui o Sistema Nacional de Armas - SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9437.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012. (Legislação Brasileira). ______. Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10259.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm>. (Legislação Brasileira). ______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1.087.205 – GO, Brasília, DF, 15 de março de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801894740&dt_publicaca o=25/03/2011>. ______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 194.742 – MS, Brasília, DF, 17 de março de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201100094966&dt_publicaca o=11/04/2011>. ______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.059.644 – MG, Brasília, DF, 27 de março de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801126930&dt_publicaca o=11/04/2012>. ______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 87.482 - SP, Brasília, DF, Quinta Turma. Relator: Ministro Felix Fischer. Julgado em: 11/12/2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200701717709&dt_publicaca o=10/03/2008>. 102 ______. 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Habeas Corpus n. 88.757 – DF, Brasília, DF, 06 de setembro de 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627642>. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 97.811 – SP, Brasília, DF, 09 de junho de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=601200>. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 99.449 – MG, Brasília, DF, 25 de agosto de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607685>. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 101.994 – SP, Brasília, DF, 06 de junho de 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626603>. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 103.539 – RS, Brasília, DF, 17 de abril de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2009372>. 103 ______. Supremo Tribunal Federal. 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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DO SISTEMA NACIONAL DE ARMAS Art. 1o O Sistema Nacional de Armas – Sinarm, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo o território nacional. Art. 2o Ao Sinarm compete: I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro; II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País; III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal; IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores; V – identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de arma de fogo; VI – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes; VII – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais; VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade; IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições; 108 X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante; XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta. Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos seus registros próprios. CAPÍTULO II DO REGISTRO Art. 3o É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente. Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei. Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei. § 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização. § 2o A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) § 3o A empresa que comercializar arma de fogo em território nacional é obrigada a comunicar a venda à autoridade competente, como também a manter banco de dados com todas as características da arma e cópia dos documentos previstos neste artigo. § 4o A empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições responde legalmente por essas mercadorias, ficando registradas como de sua propriedade enquanto não forem vendidas. 109 § 5o A comercialização de armas de fogo, acessórios e munições entre pessoas físicas somente será efetivada mediante autorização do Sinarm. § 6o A expedição da autorização a que se refere o § 1o será concedida, ou recusada com a devida fundamentação, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, a contar da data do requerimento do interessado. § 7o O registro precário a que se refere o § 4o prescinde do cumprimento dos requisitos dos incisos I, II e III deste artigo. § 8o Estará dispensado das exigências constantes do inciso III do caput deste artigo, na forma do regulamento, o interessado em adquirir arma de fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas características daquela a ser adquirida. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 5o O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (Redação dada pela Lei nº 10.884, de 2004) § 1o O certificado de registro de arma de fogo será expedido pela Polícia Federal e será precedido de autorização do Sinarm. § 2o Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4o deverão ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo. § 3o O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão estadual ou do Distrito Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no art. 32 desta Lei deverá renová-lo mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4odesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (Prorrogação de prazo) § 4o Para fins do cumprimento do disposto no § 3o deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na rede mundial de computadores internet, na forma do regulamento e obedecidos os procedimentos a seguir: (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) I - emissão de certificado de registro provisório pela internet, com validade inicial de 90 (noventa) dias; e (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) II - revalidação pela unidade do Departamento de Polícia Federal do certificado de registro provisório pelo prazo que estimar como necessário para a emissão definitiva do certificado de registro de propriedade. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) 110 CAPÍTULO III DO PORTE Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: I – os integrantes das Forças Armadas; II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal; III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei; IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004) V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal; VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias; VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei; IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental. X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário. (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007) XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público CNMP. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012) § 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) 111 § 1o-A (Revogado pela Lei nº 11.706, de 2008) § 2o A autorização para o porte de arma de fogo aos integrantes das instituições descritas nos incisos V, VI, VII e X do caput deste artigo está condicionada à comprovação do requisito a que se refere o inciso III do caput do art. 4o desta Lei nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) § 3o A autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais está condicionada à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei, observada a supervisão do Comando do Exército. (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004) § 4o Os integrantes das Forças Armadas, das polícias federais e estaduais e do Distrito Federal, bem como os militares dos Estados e do Distrito Federal, ao exercerem o direito descrito no art. 4o, ficam dispensados do cumprimento do disposto nos incisos I, II e III do mesmo artigo, na forma do regulamento desta Lei. § 5o Aos residentes em áreas rurais, maiores de 25 (vinte e cinco) anos que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar será concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na categoria caçador para subsistência, de uma arma de uso permitido, de tiro simples, com 1 (um) ou 2 (dois) canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16 (dezesseis), desde que o interessado comprove a efetiva necessidade em requerimento ao qual deverão ser anexados os seguintes documentos: (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) I - documento de identificação pessoal; (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) II - comprovante de residência em área rural; e (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) III - atestado de bons antecedentes. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) § 6o O caçador para subsistência que der outro uso à sua arma de fogo, independentemente de outras tipificações penais, responderá, conforme o caso, por porte ilegal ou por disparo de arma de fogo de uso permitido. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) § 7o Aos integrantes das guardas municipais dos Municípios que integram regiões metropolitanas será autorizado porte de arma de fogo, quando em serviço. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 7o As armas de fogo utilizadas pelos empregados das empresas de segurança privada e de transporte de valores, constituídas na forma da lei, serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas empresas, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo essas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da empresa. 112 § 1o O proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança privada e de transporte de valores responderá pelo crime previsto no parágrafo único do art. 13 desta Lei, sem prejuízo das demais sanções administrativas e civis, se deixar de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato. § 2o A empresa de segurança e de transporte de valores deverá apresentar documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei quanto aos empregados que portarão arma de fogo. § 3o A listagem dos empregados das empresas referidas neste artigo deverá ser atualizada semestralmente junto ao Sinarm. Art. 7o-A. As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições descritas no inciso XI do art. 6o serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012) § 1o A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo independe do pagamento de taxa. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012) § 2o O presidente do tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os servidores de seus quadros pessoais no exercício de funções de segurança que poderão portar arma de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do número de servidores que exerçam funções de segurança. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012) § 3o O porte de arma pelos servidores das instituições de que trata este artigo fica condicionado à apresentação de documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012) § 4o A listagem dos servidores das instituições de que trata este artigo deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012) § 5o As instituições de que trata este artigo são obrigadas a registrar ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal eventual perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012) Art. 8o As armas de fogo utilizadas em entidades desportivas legalmente constituídas devem obedecer às condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, respondendo o possuidor ou o autorizado a portar a arma pela sua guarda na forma do regulamento desta Lei. 113 Art. 9o Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional. Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm. § 1o A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente: I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física; II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei; III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente. § 2o A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas. Art. 11. Fica instituída a cobrança de taxas, nos valores constantes do Anexo desta Lei, pela prestação de serviços relativos: I – ao registro de arma de fogo; II – à renovação de registro de arma de fogo; III – à expedição de segunda via de registro de arma de fogo; IV – à expedição de porte federal de arma de fogo; V – à renovação de porte de arma de fogo; VI – à expedição de segunda via de porte federal de arma de fogo. § 1o Os valores arrecadados destinam-se ao custeio e à manutenção das atividades do Sinarm, da Polícia Federal e do Comando do Exército, no âmbito de suas respectivas responsabilidades. § 2o São isentas do pagamento das taxas previstas neste artigo as pessoas e as instituições a que se referem os incisos I a VII e X e o § 5 o do art. 6o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 11-A. O Ministério da Justiça disciplinará a forma e as condições do credenciamento de profissionais pela Polícia Federal para comprovação da aptidão psicológica e da capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) 114 § 1o Na comprovação da aptidão psicológica, o valor cobrado pelo psicólogo não poderá exceder ao valor médio dos honorários profissionais para realização de avaliação psicológica constante do item 1.16 da tabela do Conselho Federal de Psicologia. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) § 2o Na comprovação da capacidade técnica, o valor cobrado pelo instrutor de armamento e tiro não poderá exceder R$ 80,00 (oitenta reais), acrescido do custo da munição. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) § 3o A cobrança de valores superiores aos previstos nos §§ 1o e 2o deste artigo implicará o descredenciamento do profissional pela Polícia Federal. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) CAPÍTULO IV DOS CRIMES E DAS PENAS Posse irregular de arma de fogo de uso permitido Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Omissão de cautela Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade: Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1) Disparo de arma de fogo 115 Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. (Vide Adin 3.112-1) Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. Comércio ilegal de arma de fogo Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência. Tráfico internacional de arma de fogo 116 Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito. Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6o, 7o e 8o desta Lei. Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória. (Vide Adin 3.112-1) CAPÍTULO V DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 22. O Ministério da Justiça poderá celebrar convênios com os Estados e o Distrito Federal para o cumprimento do disposto nesta Lei. Art. 23. A classificação legal, técnica e geral bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor histórico serão disciplinadas em ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) § 1o Todas as munições comercializadas no País deverão estar acondicionadas em embalagens com sistema de código de barras, gravado na caixa, visando possibilitar a identificação do fabricante e do adquirente, entre outras informações definidas pelo regulamento desta Lei. § 2o Para os órgãos referidos no art. 6o, somente serão expedidas autorizações de compra de munição com identificação do lote e do adquirente no culote dos projéteis, na forma do regulamento desta Lei. § 3o As armas de fogo fabricadas a partir de 1 (um) ano da data de publicação desta Lei conterão dispositivo intrínseco de segurança e de identificação, gravado no corpo da arma, definido pelo regulamento desta Lei, exclusive para os órgãos previstos no art. 6o. § 4o As instituições de ensino policial e as guardas municipais referidas nos incisos III e IV do caput do art. 6o desta Lei e no seu § 7o poderão adquirir insumos e máquinas de recarga de munição para o fim exclusivo de suprimento de suas atividades, mediante autorização concedida nos termos definidos em regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei, compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores. 117 Art. 25. As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) § 1o As armas de fogo encaminhadas ao Comando do Exército que receberem parecer favorável à doação, obedecidos o padrão e a dotação de cada Força Armada ou órgão de segurança pública, atendidos os critérios de prioridade estabelecidos pelo Ministério da Justiça e ouvido o Comando do Exército, serão arroladas em relatório reservado trimestral a ser encaminhado àquelas instituições, abrindo-se-lhes prazo para manifestação de interesse. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) § 2o O Comando do Exército encaminhará a relação das armas a serem doadas ao juiz competente, que determinará o seu perdimento em favor da instituição beneficiada. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) § 3o O transporte das armas de fogo doadas será de responsabilidade da instituição beneficiada, que procederá ao seu cadastramento no Sinarm ou no Sigma. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) § 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) § 5o O Poder Judiciário instituirá instrumentos para o encaminhamento ao Sinarm ou ao Sigma, conforme se trate de arma de uso permitido ou de uso restrito, semestralmente, da relação de armas acauteladas em juízo, mencionando suas características e o local onde se encontram. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir. Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército. Art. 27. Caberá ao Comando do Exército autorizar, excepcionalmente, a aquisição de armas de fogo de uso restrito. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às aquisições dos Comandos Militares. Art. 28. É vedado ao menor de 25 (vinte e cinco) anos adquirir arma de fogo, ressalvados os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6odesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 29. As autorizações de porte de armas de fogo já concedidas expirarse-ão 90 (noventa) dias após a publicação desta Lei. (Vide Lei nº 10.884, de 2004) Parágrafo único. O detentor de autorização com prazo de validade superior a 90 (noventa) dias poderá renová-la, perante a Polícia Federal, nas condições dos 118 arts. 4o, 6o e 10 desta Lei, no prazo de 90 (noventa) dias após sua publicação, sem ônus para o requerente. Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (Prorrogação de prazo) Parágrafo único. Para fins do cumprimento do disposto no caput deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na forma do § 4o do art. 5o desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 31. Os possuidores e proprietários de armas de fogo adquiridas regularmente poderão, a qualquer tempo, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e indenização, nos termos do regulamento desta Lei. Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregála, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 11.706, de 2008) Art. 33. Será aplicada multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), conforme especificar o regulamento desta Lei: I – à empresa de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, marítimo, fluvial ou lacustre que deliberadamente, por qualquer meio, faça, promova, facilite ou permita o transporte de arma ou munição sem a devida autorização ou com inobservância das normas de segurança; II – à empresa de produção ou comércio de armamentos que realize publicidade para venda, estimulando o uso indiscriminado de armas de fogo, exceto nas publicações especializadas. Art. 34. Os promotores de eventos em locais fechados, com aglomeração superior a 1000 (um mil) pessoas, adotarão, sob pena de responsabilidade, as providências necessárias para evitar o ingresso de pessoas armadas, ressalvados os eventos garantidos pelo inciso VI do art. 5o da Constituição Federal. Parágrafo único. As empresas responsáveis pela prestação dos serviços de transporte internacional e interestadual de passageiros adotarão as providências necessárias para evitar o embarque de passageiros armados. CAPÍTULO VI 119 DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei. § 1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005. § 2o Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Art. 36. É revogada a Lei no 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Art. 37. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 22 de dezembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos José Viegas Filho Marina Silva Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 23.12.2003 120 ANEXO B – DECRETO N. 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004. Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos DECRETO Nº 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei n o 10.826, de 22 de dezembro de 2003, DECRETA: CAPÍTULO I DOS SISTEMAS DE CONTROLE DE ARMAS DE FOGO Art. 1o O Sistema Nacional de Armas - SINARM, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território nacional e competência estabelecida pelo caput e incisos do art. 2o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, tem por finalidade manter cadastro geral, integrado e permanente das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no país, de competência do SINARM, e o controle dos registros dessas armas. § 1o Serão cadastradas no SINARM: I - as armas de fogo institucionais, constantes de registros próprios: a) da Polícia Federal; b) da Polícia Rodoviária Federal; c) das Polícias Civis; d) dos órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, referidos nos arts. 51, inciso IV, e 52, inciso XIII da Constituição; e) dos integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, dos integrantes das escoltas de presos e das Guardas Portuárias; f) das Guardas Municipais; e 121 g) dos órgãos públicos não mencionados nas alíneas anteriores, cujos servidores tenham autorização legal para portar arma de fogo em serviço, em razão das atividades que desempenhem, nos termos do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003. II - as armas de fogo apreendidas, que não constem dos cadastros do SINARM ou Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - SIGMA, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais, mediante comunicação das autoridades competentes à Polícia Federal; III - as armas de fogo de uso restrito dos integrantes dos órgãos, instituições e corporações mencionados no inciso II do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003; e IV - as armas de fogo de uso restrito, salvo aquelas mencionadas no inciso II, do §1o, do art. 2o deste Decreto. § 2o Serão registradas na Polícia Federal e cadastradas no SINARM: I - as armas de fogo adquiridas pelo cidadão com atendimento aos requisitos do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003; II - as armas de fogo das empresas de segurança privada e de transporte de valores; e III - as armas de fogo de uso permitido dos integrantes dos órgãos, instituições e corporações mencionados no inciso II do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003. § 3o A apreensão das armas de fogo a que se refere o inciso II do §1o deste artigo deverá ser imediatamente comunicada à Policia Federal, pela autoridade competente, podendo ser recolhidas aos depósitos do Comando do Exército, para guarda, a critério da mesma autoridade. § 4o O cadastramento das armas de fogo de que trata o inciso I do § 1o observará as especificações e os procedimentos estabelecidos pelo Departamento de Polícia Federal. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 2o O SIGMA, instituído no Ministério da Defesa, no âmbito do Comando do Exército, com circunscrição em todo o território nacional, tem por finalidade manter cadastro geral, permanente e integrado das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no país, de competência do SIGMA, e das armas de fogo que constem dos registros próprios. § 1o Serão cadastradas no SIGMA: I - as armas de fogo institucionais, de porte e portáteis, constantes de registros próprios: a) das Forças Armadas; b) das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares; c) da Agência Brasileira de Inteligência; e d) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; 122 II - as armas de fogo dos integrantes das Forças Armadas, da Agência Brasileira de Inteligência e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, constantes de registros próprios; III - as informações relativas às exportações de armas de fogo, munições e demais produtos controlados, devendo o Comando do Exército manter sua atualização; IV - as armas de fogo importadas ou adquiridas no país para fins de testes e avaliação técnica; e V - as armas de fogo obsoletas. § 2o Serão registradas no Comando do Exército e cadastradas no SIGMA: I - as armas de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores; e II - as armas de fogo das representações diplomáticas. Art. 3o Entende-se por registros próprios, para os fins deste Decreto, os feitos pelas instituições, órgãos e corporações em documentos oficiais de caráter permanente. Art. 4o A aquisição de armas de fogo, diretamente da fábrica, será precedida de autorização do Comando do Exército. Art. 5o Os dados necessários ao cadastro mediante registro, a que se refere o inciso IX do art. 2o da Lei no 10.826, de 2003, serão fornecidos ao SINARM pelo Comando do Exército. Art. 6o Os dados necessários ao cadastro da identificação do cano da arma, das características das impressões de raiamento e microestriamento de projetil disparado, a marca do percutor e extrator no estojo do cartucho deflagrado pela arma de que trata o inciso X do art. 2o da Lei no 10.826, de 2003, serão disciplinados em norma específica da Polícia Federal, ouvido o Comando do Exército, cabendo às fábricas de armas de fogo o envio das informações necessárias ao órgão responsável da Polícia Federal. Parágrafo único. A norma específica de que trata este artigo será expedida no prazo de cento e oitenta dias. Art. 7o As fábricas de armas de fogo fornecerão à Polícia Federal, para fins de cadastro, quando da saída do estoque, relação das armas produzidas, que devam constar do SINARM, na conformidade do art. 2o da Lei no 10.826, de 2003, com suas características e os dados dos adquirentes. Art. 8o As empresas autorizadas a comercializar armas de fogo encaminharão à Polícia Federal, quarenta e oito horas após a efetivação da venda, os dados que identifiquem a arma e o comprador. Art. 9o Os dados do SINARM e do SIGMA serão interligados compartilhados no prazo máximo de um ano. e 123 Parágrafo único. Os Ministros da Justiça e da Defesa estabelecerão no prazo máximo de um ano os níveis de acesso aos cadastros mencionados no caput. CAPÍTULO II DA ARMA DE FOGO Seção I Das Definições Art. 10. Arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei no 10.826, de 2003. Art. 11. Arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com legislação específica. Seção II Da Aquisição e do Registro da Arma de Fogo de Uso Permitido Art. 12. Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá: I - declarar efetiva necessidade; II - ter, no mínimo, vinte e cinco anos; III - apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). IV - comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo, idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). V - apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; VI - comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). VII - comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado. § 1o A declaração de que trata o inciso I do caput deverá explicitar os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). 124 § 2o O indeferimento do pedido deverá ser fundamentado e comunicado ao interessado em documento próprio. § 3o O comprovante de capacitação técnica, de que trata o inciso VI do caput, deverá ser expedido por instrutor de armamento e tiro credenciado pela Polícia Federal e deverá atestar, necessariamente: (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). I - conhecimento da conceituação e normas de segurança pertinentes à arma de fogo; II - conhecimento básico dos componentes e partes da arma de fogo; e III - habilidade do uso da arma de fogo demonstrada, pelo interessado, em estande de tiro credenciado pelo Comando do Exército. § 4o Após a apresentação dos documentos referidos nos incisos III a VII do caput, havendo manifestação favorável do órgão competente mencionada no §1 o, será expedida, pelo SINARM, no prazo máximo de trinta dias, em nome do interessado, a autorização para a aquisição da arma de fogo indicada. § 5o É intransferível a autorização para a aquisição da arma de fogo, de que trata o §4o deste artigo. § 6o Está dispensado da comprovação dos requisitos a que se referem os incisos VI e VII do caput o interessado em adquirir arma de fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma da mesma espécie daquela a ser adquirida, desde que o porte de arma de fogo esteja válido e o interessado tenha se submetido a avaliações em período não superior a um ano, contado do pedido de aquisição. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 13. A transferência de propriedade da arma de fogo, por qualquer das formas em direito admitidas, entre particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas, estará sujeita à prévia autorização da Polícia Federal, aplicando-se ao interessado na aquisição as disposições do art. 12 deste Decreto. Parágrafo único. A transferência de arma de fogo registrada no Comando do Exército será autorizada pela instituição e cadastrada no SIGMA. Art. 14. É obrigatório o registro da arma de fogo, no SINARM ou no SIGMA, excetuadas as obsoletas. Art. 15. O registro da arma de fogo de uso permitido deverá conter, no mínimo, os seguintes dados: I - do interessado: a) nome, filiação, data e local de nascimento; b) endereço residencial; c) endereço da empresa ou órgão em que trabalhe; d) profissão; 125 e) número da cédula de identidade, data da expedição, órgão expedidor e Unidade da Federação; e f) número do Cadastro de Pessoa Física - CPF ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ; II - da arma: a) número do cadastro no SINARM; b) identificação do fabricante e do vendedor; c) número e data da nota Fiscal de venda; d) espécie, marca, modelo e número de série; e) calibre e capacidade de cartuchos; f) tipo de funcionamento; g) quantidade de canos e comprimento; h) tipo de alma (lisa ou raiada); i) quantidade de raias e sentido; e j) número de série gravado no cano da arma. Art. 16. O Certificado de Registro de Arma de Fogo expedido pela Polícia Federal, precedido de cadastro no SINARM, tem validade em todo o território nacional e autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 1o Para os efeitos do disposto no caput deste artigo considerar-se-á titular do estabelecimento ou empresa todo aquele assim definido em contrato social, e responsável legal o designado em contrato individual de trabalho, com poderes de gerência. § 2o Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII do art. 12 deste Decreto deverão ser comprovados, periodicamente, a cada três anos, junto à Polícia Federal, para fins de renovação do Certificado de Registro. § 4o O disposto no § 2o não se aplica, para a aquisição e renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo, aos integrantes dos órgãos, instituições e corporações, mencionados nos incisos I e II do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 17. O proprietário de arma de fogo é obrigado a comunicar, imediatamente, à unidade policial local, o extravio, furto ou roubo de arma de fogo ou do Certificado de Registro de Arma de Fogo, bem como a sua recuperação. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). 126 § 1o A unidade policial deverá, em quarenta e oito horas, remeter as informações coletadas à Polícia Federal, para fins de cadastro no SINARM. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 2o No caso de arma de fogo de uso restrito, a Polícia Federal repassará as informações ao Comando do Exército, para fins de cadastro no SIGMA. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 3o Nos casos previstos no caput, o proprietário deverá, também, comunicar o ocorrido à Polícia Federal ou ao Comando do Exército, encaminhando, se for o caso, cópia do Boletim de Ocorrência. Seção III Da Aquisição e Registro da Arma de Fogo de Uso Restrito Art. 18. Compete ao Comando do Exército autorizar a aquisição e registrar as armas de fogo de uso restrito. § 1o As armas de que trata o caput serão cadastradas no SIGMA e no SINARM, conforme o caso. § 2o O registro de arma de fogo de uso restrito, de que trata o caput deste artigo, deverá conter as seguintes informações: I - do interessado: a) nome, filiação, data e local de nascimento; b) endereço residencial; c) endereço da empresa ou órgão em que trabalhe; d) profissão; e) número da cédula de identidade, data da expedição, órgão expedidor e Unidade da Federação; e f) número do Cadastro de Pessoa Física - CPF ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ; II - da arma: a) número do cadastro no SINARM; b) identificação do fabricante e do vendedor; c) número e data da nota Fiscal de venda; d) espécie, marca, modelo e número de série; e) calibre e capacidade de cartuchos; f) tipo de funcionamento; g) quantidade de canos e comprimento; 127 h) tipo de alma (lisa ou raiada); i) quantidade de raias e sentido; e j) número de série gravado no cano da arma. § 3o Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII do art. 12 deste Decreto deverão ser comprovados periodicamente, a cada três anos, junto ao Comando do Exército, para fins de renovação do Certificado de Registro. § 4o Não se aplica aos integrantes dos órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos I e II do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, o disposto no § 3o deste artigo. Seção IV Do Comércio Especializado de Armas de Fogo e Munições Art. 19. É proibida a venda de armas de fogo, munições e demais produtos controlados, de uso restrito, no comércio. Art. 20. O estabelecimento que comercializar arma de fogo de uso permitido em território nacional é obrigado a comunicar à Polícia Federal, mensalmente, as vendas que efetuar e a quantidade de armas em estoque, respondendo legalmente por essas mercadorias, que ficarão registradas como de sua propriedade, de forma precária, enquanto não forem vendidas, sujeitos seus responsáveis às penas previstas em lei. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 21. A comercialização de acessórios de armas de fogo e de munições, incluídos estojos, espoletas, pólvora e projéteis, só poderá ser efetuada em estabelecimento credenciado pela Polícia Federal e pelo comando do Exército que manterão um cadastro dos comerciantes. § 1o Quando se tratar de munição industrializada, a venda ficará condicionada à apresentação pelo adquirente, do Certificado de Registro de Arma de Fogo válido, e ficará restrita ao calibre correspondente à arma registrada. § 2o Os acessórios e a quantidade de munição que cada proprietário de arma de fogo poderá adquirir serão fixados em Portaria do Ministério da Defesa, ouvido o Ministério da Justiça. § 3o O estabelecimento mencionado no caput deste artigo deverá manter à disposição da Polícia Federal e do Comando do Exército os estoques e a relação das vendas efetuadas mensalmente, pelo prazo de cinco anos. CAPÍTULO III DO PORTE E DO TRÂNSITO DA ARMA DE FOGO Seção I Do Porte 128 Art. 22. O Porte de Arma de Fogo de uso permitido, vinculado ao prévio registro da arma e ao cadastro no SINARM, será expedido pela Polícia Federal, em todo o território nacional, em caráter excepcional, desde que atendidos os requisitos previstos nos incisos I, II e III do § 1o do art. 10 da Lei no 10.826, de 2003. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Parágrafo único. A taxa estipulada para o Porte de Arma de Fogo somente será recolhida após a análise e a aprovação dos documentos apresentados. Art. 23. O Porte de Arma de Fogo é documento obrigatório para a condução da arma e deverá conter os seguintes dados: I - abrangência territorial; II - eficácia temporal; III - características da arma; IV - número do cadastro da arma no SINARM; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). V - identificação do proprietário da arma; e VI - assinatura, cargo e função da autoridade concedente. Art. 24. O Porte de Arma de Fogo é pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo, sendo válido apenas com relação à arma nele especificada e com a apresentação do documento de identificação do portador. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 24-A. Para portar a arma de fogo adquirida nos termos do § 6o do art. 12, o proprietário deverá solicitar a expedição do respectivo documento de porte, que observará o disposto no art. 23 e terá a mesma validade do documento referente à primeira arma. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 25. O titular do Porte de Arma de Fogo deverá comunicar imediatamente: I - a mudança de domicílio, ao órgão expedidor do Porte de Arma de Fogo; e II - o extravio, furto ou roubo da arma de fogo, à Unidade Policial mais próxima e, posteriormente, à Polícia Federal. Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo implicará na suspensão do Porte de Arma de Fogo, por prazo a ser estipulado pela autoridade concedente. Art. 26. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos termos do art. 10 da Lei no 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em virtude de eventos de qualquer natureza. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). 129 § 1o A inobservância do disposto neste artigo implicará na cassação do Porte de Arma de Fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente, que adotará as medidas legais pertinentes. § 2o Aplica-se o disposto no §1o deste artigo, quando o titular do Porte de Arma de Fogo esteja portando o armamento em estado de embriaguez ou sob o efeito de drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor. Art. 27. Será concedido pela Polícia Federal, nos termos do § 5o do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, o Porte de Arma de Fogo, na categoria "caçador de subsistência", de uma arma portátil, de uso permitido, de tiro simples, com um ou dois canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16, desde que o interessado comprove a efetiva necessidade em requerimento ao qual deverão ser anexados os seguintes documentos: I - documento comprobatório de residência em área rural ou certidão equivalente expedida por órgão municipal; (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). II - original e cópia, ou cópia autenticada, do documento de identificação pessoal; e (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). III - atestado de bons antecedentes. Parágrafo único. Aplicam-se ao portador do Porte de Arma de Fogo mencionado neste artigo as demais obrigações estabelecidas neste Decreto. Art. 28. O proprietário de arma de fogo de uso permitido registrada, em caso de mudança de domicílio ou outra situação que implique o transporte da arma, deverá solicitar guia de trânsito à Polícia Federal para as armas de fogo cadastradas no SINARM, na forma estabelecida pelo Departamento de Polícia Federal. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 29. Observado o princípio da reciprocidade previsto em convenções internacionais, poderá ser autorizado o Porte de Arma de Fogo pela Polícia Federal, a diplomatas de missões diplomáticas e consulares acreditadas junto ao Governo Brasileiro, e a agentes de segurança de dignitários estrangeiros durante a permanência no país, independentemente dos requisitos estabelecidos neste Decreto. Art. 29-A. Caberá ao Departamento de Polícia Federal estabelecer os procedimentos relativos à concessão e renovação do Porte de Arma de Fogo. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Seção II Dos Atiradores, Caçadores e Colecionadores Subseção I Da Prática de Tiro Desportivo 130 Art. 30. As agremiações esportivas e as empresas de instrução de tiro, os colecionadores, atiradores e caçadores serão registrados no Comando do Exército, ao qual caberá estabelecer normas e verificar o cumprimento das condições de segurança dos depósitos das armas de fogo, munições e equipamentos de recarga. § 1o As armas pertencentes às entidades mencionadas no caput e seus integrantes terão autorização para porte de trânsito (guia de tráfego) a ser expedida pelo Comando do Exército. § 2o A prática de tiro desportivo por menores de dezoito anos deverá ser autorizada judicialmente e deve restringir-se aos locais autorizados pelo Comando do Exército, utilizando arma da agremiação ou do responsável quando por este acompanhado. § 3o A prática de tiro desportivo por maiores de dezoito anos e menores de vinte e cinco anos pode ser feita utilizando arma de sua propriedade, registrada com amparo na Lei no 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, de agremiação ou arma registrada e cedida por outro desportista. Art. 31. A entrada de arma de fogo e munição no país, como bagagem de atletas, para competições internacionais será autorizada pelo Comando do Exército. § 1o O Porte de Trânsito das armas a serem utilizadas por delegações estrangeiras em competição oficial de tiro no país será expedido pelo Comando do Exército. § 2o Os responsáveis e os integrantes pelas delegações estrangeiras e brasileiras em competição oficial de tiro no país transportarão suas armas desmuniciadas. Subseção II Dos Colecionadores e Caçadores Art. 32. O Porte de Trânsito das armas de fogo de colecionadores e caçadores será expedido pelo Comando do Exército. Parágrafo único. Os colecionadores e caçadores transportarão suas armas desmuniciadas. Subseção III Dos Integrantes e das Instituições Mencionadas no Art. 6o da Lei no 10.826, de 2003 Art. 33. O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções institucionais. § 1o O Porte de Arma de Fogo das praças das Forças Armadas e dos Policiais e Corpos de Bombeiros Militares é regulado em norma específica, por atos dos Comandantes das Forças Singulares e dos Comandantes-Gerais das Corporações. 131 § 2o Os integrantes das polícias civis estaduais e das Forças Auxiliares, quando no exercício de suas funções institucionais ou em trânsito, poderão portar arma de fogo fora da respectiva unidade federativa, desde que expressamente autorizados pela instituição a que pertençam, por prazo determinado, conforme estabelecido em normas próprias. Art. 33-A. A autorização para o porte de arma de fogo previsto em legislação própria, na forma do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, está condicionada ao atendimento dos requisitos previstos no inciso III do caput do art. 4o da mencionada Lei. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 34. Os órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em normativos internos, os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007 § 1o As instituições mencionadas no inciso IV do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, estabelecerão em normas próprias os procedimentos relativos às condições para a utilização, em serviço, das armas de fogo de sua propriedade. § 2o As instituições, órgãos e corporações nos procedimentos descritos no caput, disciplinarão as normas gerais de uso de arma de fogo de sua propriedade, fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, públicos e privados. § 3o Os órgãos e instituições que tenham os portes de arma de seus agentes públicos ou políticos estabelecidos em lei própria, na forma do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, deverão encaminhar à Polícia Federal a relação dos autorizados a portar arma de fogo, observando-se, no que couber, o disposto no art. 26. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 4o Não será concedida a autorização para o porte de arma de fogo de que trata o art. 22 a integrantes de órgãos, instituições e corporações não autorizados a portar arma de fogo fora de serviço, exceto se comprovarem o risco à sua integridade física, observando-se o disposto no art. 11 da Lei no 10.826, de 2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 5o O porte de que tratam os incisos V, VI e X do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, e aquele previsto em lei própria, na forma do caput do mencionado artigo, serão concedidos, exclusivamente, para defesa pessoal, sendo vedado aos seus respectivos titulares o porte ostensivo da arma de fogo. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 6o A vedação prevista no parágrafo 5o não se aplica aos servidores designados para execução da atividade fiscalizatória do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes. (Incluído pelo Decreto nº 6.817, de 2009) 132 Art. 35. Poderá ser autorizado, em casos excepcionais, pelo órgão competente, o uso, em serviço, de arma de fogo, de propriedade particular do integrante dos órgãos, instituições ou corporações mencionadas no inciso II do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003. § 1o A autorização mencionada no caput será regulamentada em ato próprio do órgão competente. § 2o A arma de fogo de que trata este artigo deverá ser conduzida com o seu respectivo Certificado de Registro. Art. 35-A. As armas de fogo particulares de que trata o art. 35, e as institucionais não brasonadas, deverão ser conduzidas com o seu respectivo Certificado de Registro ou termo de cautela decorrente de autorização judicial para uso, sob pena de aplicação das sanções penais cabíveis. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 36. A capacidade técnica e a aptidão psicológica para o manuseio de armas de fogo, para os integrantes das instituições descritas nos incisos III, IV, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, serão atestadas pela própria instituição, depois de cumpridos os requisitos técnicos e psicológicos estabelecidos pela Polícia Federal.(Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007 Parágrafo único. Caberá a Polícia Federal avaliar a capacidade técnica e a aptidão psicológica, bem como expedir o Porte de Arma de Fogo para os guardas portuários. Art. 37. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada três anos, aos testes de avaliação da aptidão psicológica a que faz menção o inciso III do caput art. 4º da Lei nº 10.826, de 2003. (Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007 § 1o O cumprimento destes requisitos será atestado pelas instituições, órgãos e corporações de vinculação. § 2o Não se aplicam aos integrantes da reserva não remunerada das Forças Armadas e Auxiliares, as prerrogativas mencionadas no caput. Subseção IV Das Empresas de Segurança Privada e de Transporte de Valores Art. 38. A autorização para o uso de arma de fogo expedida pela Polícia Federal, em nome das empresas de segurança privada e de transporte de valores, será precedida, necessariamente, da comprovação do preenchimento de todos os requisitos constantes do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003, pelos empregados autorizados a portar arma de fogo. § 1o A autorização de que trata o caput é válida apenas para a utilização da arma de fogo em serviço. 133 § 2o As empresas de que trata o caput encaminharão, trimestralmente, à Polícia Federal, para cadastro no SINARM, a relação nominal dos empregados autorizados a portar arma de fogo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 3o A transferência de armas de fogo, por qualquer motivo, entre estabelecimentos da mesma empresa ou para empresa diversa, deverão ser previamente autorizados pela Polícia Federal. § 4o Durante o trâmite do processo de transferência de armas de fogo de que trata o § 3o, a Polícia Federal poderá, em caráter excepcional, autorizar a empresa adquirente a utilizar as armas em fase de aquisição, em seus postos de serviço, antes da expedição do novo Certificado de Registro. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 39. É de responsabilidade das empresas de segurança privada e de transportes de valores a guarda e armazenagem das armas, munições e acessórios de sua propriedade, nos termos da legislação específica. Parágrafo único. A perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório e munições que estejam sob a guarda das empresas de segurança privada e de transporte de valores deverá ser comunicada à Polícia Federal, no prazo máximo de vinte e quatro horas, após a ocorrência do fato, sob pena de responsabilização do proprietário ou diretor responsável. Subseção V Das guardas Municipais Art. 40. Cabe ao Ministério da Justiça, por intermédio da Polícia Federal, diretamente ou mediante convênio com os órgãos de segurança pública dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, nos termos do § 3 o do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003: (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). I - conceder autorização para o funcionamento dos cursos de formação de guardas municipais; II - fixar o currículo dos cursos de formação; III - conceder Porte de Arma de Fogo; IV - fiscalizar os cursos mencionados no inciso II; e V - fiscalizar e controlar o armamento e a munição utilizados. Parágrafo único. As competências previstas nos incisos I e II deste artigo não serão objeto de convênio. Art. 41. Compete ao Comando do Exército autorizar a aquisição de armas de fogo e de munições para as Guardas Municipais. Art. 42. O Porte de Arma de Fogo aos profissionais citados nos incisos III e IV, do art. 6o, da Lei no 10.826, de 2003, será concedido desde que comprovada a realização de treinamento técnico de, no mínimo, sessenta horas para armas de repetição e cem horas para arma semi-automática. 134 § 1o O treinamento de que trata o caput desse artigo deverá ter, no mínimo, sessenta e cinco por cento de conteúdo prático. § 2o O curso de formação dos profissionais das Guardas Municipais deverá conter técnicas de tiro defensivo e defesa pessoal. § 3o Os profissionais da Guarda Municipal deverão ser submetidos a estágio de qualificação profissional por, no mínimo, oitenta horas ao ano. § 4o Não será concedido aos profissionais das Guardas Municipais Porte de Arma de Fogo de calibre restrito, privativos das forças policiais e forças armadas. Art. 43. O profissional da Guarda Municipal com Porte de Arma de Fogo deverá ser submetido, a cada dois anos, a teste de capacidade psicológica e, sempre que estiver envolvido em evento de disparo de arma de fogo em via pública, com ou sem vítimas, deverá apresentar relatório circunstanciado, ao Comando da Guarda Civil e ao Órgão Corregedor para justificar o motivo da utilização da arma. Art. 44. A Polícia Federal poderá conceder Porte de Arma de Fogo, nos termos no §3o do art. 6o, da Lei no 10.826, de 2003, às Guardas Municipais dos municípios que tenham criado corregedoria própria e autônoma, para a apuração de infrações disciplinares atribuídas aos servidores integrantes do Quadro da Guarda Municipal. Parágrafo único. A concessão a que se refere o caput dependerá, também, da existência de Ouvidoria, como órgão permanente, autônomo e independente, com competência para fiscalizar, investigar, auditorar e propor políticas de qualificação das atividades desenvolvidas pelos integrantes das Guardas Municipais. CAPÍTULO IV DAS DISPOSIÇÕES GERAIS, FINAIS E TRANSITÓRIAS Seção I Das Disposições Gerais Art. 46. O Ministro da Justiça designará as autoridades policiais competentes, no âmbito da Polícia Federal, para autorizar a aquisição e conceder o Porte de Arma de Fogo, que terá validade máxima de cinco anos. Art. 47. O Ministério da Justiça, por intermédio da Polícia Federal, poderá celebrar convênios com os órgãos de segurança pública dos Estados e do Distrito Federal para possibilitar a integração, ao SINARM, dos acervos policiais de armas de fogo já existentes, em cumprimento ao disposto no inciso VI do art. 2o da Lei no 10.826, de 2003. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 48. Compete ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Justiça: I - estabelecer as normas de segurança a serem observadas pelos prestadores de serviços de transporte aéreo de passageiros, para controlar o embarque de passageiros armados e fiscalizar o seu cumprimento; 135 II - regulamentar as situações excepcionais do interesse da ordem pública, que exijam de policiais federais, civis e militares, integrantes das Forças Armadas e agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o Porte de Arma de Fogo a bordo de aeronaves; e III - estabelecer, nas ações preventivas com vistas à segurança da aviação civil, os procedimentos de restrição e condução de armas por pessoas com a prerrogativa de Porte de Arma de Fogo em áreas restritas aeroportuárias, ressalvada a competência da Polícia Federal, prevista no inciso III do §1o do art. 144 da Constituição. Parágrafo único. As áreas restritas aeroportuárias são aquelas destinadas à operação de um aeroporto, cujos acessos são controlados, para os fins de segurança e proteção da aviação civil. Art. 49. A classificação legal, técnica e geral e a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de uso restrito ou permitido são as constantes do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados e sua legislação complementar. Parágrafo único. Compete ao Comando do Exército promover a alteração do Regulamento mencionado no caput, com o fim de adequá-lo aos termos deste Decreto. Art. 50. Compete, ainda, ao Comando do Exército: I - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de armas, munições e demais produtos controlados, em todo o território nacional; II - estabelecer as dotações em armamento e munição das corporações e órgãos previstos nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003; e III - estabelecer normas, ouvido o Ministério da Justiça, em cento e oitenta dias: a) para que todas as munições estejam acondicionadas em embalagens com sistema de código de barras, gravado na caixa, visando possibilitar a identificação do fabricante e do adquirente; b) para que as munições comercializadas para os órgãos referidos no art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, contenham gravação na base dos estojos que permita identificar o fabricante, o lote de venda e o adquirente; c) para definir os dispositivos de segurança e identificação previstos no §3o do art. 23 da Lei no 10.826, de 2003; e IV - expedir regulamentação específica para o controle da fabricação, importação, comércio, trânsito e utilização de simulacros de armas de fogo, conforme o art. 26 da Lei no 10.826, de 2003. Art. 51. A importação de armas de fogo, munições e acessórios de uso restrito está sujeita ao regime de licenciamento não-automático prévio ao embarque da mercadoria no exterior e dependerá da anuência do Comando do Exército. 136 § 1o A autorização é concedida por meio do Certificado Internacional de Importação. § 2o A importação desses produtos somente será autorizada para os órgãos de segurança pública e para colecionadores, atiradores e caçadores nas condições estabelecidas em normas específicas. Art. 52. Os interessados pela importação de armas de fogo, munições e acessórios, de uso restrito, ao preencherem a Licença de Importação no Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, deverão informar as características específicas dos produtos importados, ficando o desembaraço aduaneiro sujeito à satisfação desse requisito. Art. 53. As importações realizadas pelas Forças Armadas dependem de autorização prévia do Ministério da Defesa e serão por este controladas. Art. 54. A importação de armas de fogo, munições e acessórios de uso permitido e demais produtos controlados está sujeita, no que couber, às condições estabelecidas nos arts. 51 e 52 deste Decreto. Art. 55. A Secretaria da Receita Federal e o Comando do Exército fornecerão à Polícia Federal, as informações relativas às importações de que trata o art. 54 e que devam constar do cadastro de armas do SINARM. Art. 56. O Comando do Exército poderá autorizar a entrada temporária no país, por prazo definido, de armas de fogo, munições e acessórios para fins de demonstração, exposição, conserto, mostruário ou testes, mediante requerimento do interessado ou de seus representantes legais ou, ainda, das representações diplomáticas do país de origem. § 1o A importação sob o regime de admissão temporária deverá ser autorizada por meio do Certificado Internacional de Importação. § 2o Terminado o evento que motivou a importação, o material deverá retornar ao seu país de origem, não podendo ser doado ou vendido no território nacional, exceto a doação para os museus das Forças Armadas e das instituições policiais. § 3o A Receita Federal fiscalizará a entrada e saída desses produtos. § 4o O desembaraço alfandegário das armas e munições trazidas por agentes de segurança de dignitários estrangeiros, em visita ao país, será feito pela Receita Federal, com posterior comunicação ao Comando do Exército. Art. 57. Fica vedada a importação de armas de fogo, seus acessórios e peças, de munições e seus componentes, por meio do serviço postal e similares. Parágrafo único. Fica autorizada, em caráter excepcional, a importação de peças de armas de fogo, com exceção de armações, canos e ferrolho, por meio do serviço postal e similares. Art. 58. O Comando do Exército autorizará a exportação de armas, munições e demais produtos controlados. 137 § 1o A autorização das exportações enquadradas nas diretrizes de exportação de produtos de defesa rege-se por legislação específica, a cargo do Ministério da Defesa. § 2o Considera-se autorizada a exportação quando efetivado o respectivo Registro de Exportação, no Sistema de Comércio Exterior - SISCOMEX. Art. 59. O exportador de armas de fogo, munições ou demais produtos controlados deverá apresentar como prova da venda ou transferência do produto, um dos seguintes documentos: I - Licença de Importação (LI), expedida por autoridade competente do país de destino; ou II - Certificado de Usuário Final (End User), expedido por autoridade competente do país de destino, quando for o caso. Art. 60. As exportações de armas de fogo, munições ou demais produtos controlados considerados de valor histórico somente serão autorizadas pelo Comando do Exército após consulta aos órgãos competentes. Parágrafo único. O Comando do Exército estabelecerá, em normas específicas, os critérios para definição do termo "valor histórico". Art. 61. O Comando do Exército cadastrará no SIGMA os dados relativos às exportações de armas, munições e demais produtos controlados, mantendo-os devidamente atualizados. Art. 62. Fica vedada a exportação de armas de fogo, de seus acessórios e peças, de munição e seus componentes, por meio do serviço postal e similares. Art. 63. O desembaraço alfandegário de armas e munições, peças e demais produtos controlados será autorizado pelo Comando do Exército. Parágrafo único. O desembaraço alfandegário de que trata este artigo abrange: I - operações de importação e exportação, sob qualquer regime; II - internação de mercadoria em entrepostos aduaneiros; III - nacionalização de mercadoria entrepostadas; IV - ingresso e saída de armamento e munição de atletas brasileiros e estrangeiros inscritos em competições nacionais ou internacionais; V - ingresso e saída de armamento e munição; VI - ingresso e saída de armamento e munição de órgãos de segurança estrangeiros, para participação em operações, exercícios e instruções de natureza oficial; e VII - as armas de fogo, munições, suas partes e peças, trazidos como bagagem acompanhada ou desacompanhada. 138 Art. 64. O desembaraço alfandegário de armas de fogo e munição somente será autorizado após o cumprimento de normas específicas sobre marcação, a cargo do Comando do Exército. Art. 65. As armas de fogo, acessórios ou munições mencionados no art. 25 da Lei n 10.826, de 2003, serão encaminhados, no prazo máximo de quarenta e oito horas, ao Comando do Exército, para destruição, após a elaboração do laudo pericial e desde que não mais interessem ao processo judicial. o § 1o É vedada a doação, acautelamento ou qualquer outra forma de cessão para órgão, corporação ou instituição, exceto as doações de arma de fogo de valor histórico ou obsoletas para museus das Forças Armadas ou das instituições policiais. § 2o As armas brasonadas ou quaisquer outras de uso restrito poderão ser recolhidas ao Comando do Exército pela autoridade competente, para sua guarda até ordem judicial para destruição. § 3o As armas apreendidas poderão ser devolvidas pela autoridade competente aos seus legítimos proprietários se presentes os requisitos do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003. § 4o O Comando do Exército designará as Organizações Militares que ficarão incumbidas de destruir as armas que lhe forem encaminhadas para esse fim, bem como incluir este dado no respectivo Sistema no qual foi cadastrada a arma. Art. 66. A solicitação de informações sobre a origem de armas de fogo, munições e explosivos deverá ser encaminhada diretamente ao órgão controlador da Polícia Federal ou do Comando do Exército. Art. 67. No caso de falecimento ou interdição do proprietário de arma de fogo, o administrador da herança ou curador, conforme o caso, deverá providenciar a transferência da propriedade da arma mediante alvará judicial ou autorização firmada por todos os herdeiros, desde que maiores e capazes, aplicando-se ao herdeiro ou interessado na aquisição as disposições do art. 12. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 1o O administrador da herança ou o curador comunicará à Polícia Federal ou ao Comando do Exército, conforme o caso, a morte ou interdição do proprietário da arma de fogo.(Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 2o Nos casos previstos no caput deste artigo, a arma deverá permanecer sob a guarda e responsabilidade do administrador da herança ou curador, depositada em local seguro, até a expedição do Certificado de Registro e entrega ao novo proprietário. § 3o A inobservância do disposto no § 2o implicará a apreensão da arma pela autoridade competente, aplicando-se ao administrador da herança ou ao curador as sanções penais cabíveis. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 67-A. Serão cassadas as autorizações de posse e de porte de arma de fogo do titular a quem seja imputada a prática de crime doloso. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). 139 § 1o Nos casos previstos no caput, o proprietário deverá entregar a arma de fogo à Polícia Federal, mediante indenização na forma do art. 68, ou providenciar sua transferência no prazo máximo de sessenta dias, aplicando-se, ao interessado na aquisição, as disposições do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 2o A cassação da autorização de posse ou de porte de arma de fogo será determinada a partir do indiciamento do investigado no inquérito policial ou do recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 3o Aplica-se o disposto neste artigo a todas as armas de fogo de propriedade do indiciado ou acusado. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 67-B. No caso do não-atendimento dos requisitos previstos no art. 12, para a renovação do Certificado de Registro da arma de fogo, o proprietário deverá entregar a arma à Polícia Federal, mediante indenização na forma do art. 68, ou providenciar sua transferência para terceiro, no prazo máximo de sessenta dias, aplicando-se, ao interessado na aquisição, as disposições do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Parágrafo único. A inobservância do disposto no caput implicará a apreensão da arma de fogo pela Polícia Federal ou órgão público por esta credenciado, aplicando-se ao proprietário as sanções penais cabíveis. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Seção II Das Disposições Finais e Transitórias Art. 68. O valor da indenização de que tratam os arts. 31 e 32 da Lei n 10.826, de 2003, bem como o procedimento para pagamento, será fixado pelo Ministério da Justiça. o Parágrafo único. Os recursos financeiros necessários para o cumprimento do disposto nos arts. 31 e 32 da Lei nº 10.826, de 2003, serão custeados por dotação específica constante do orçamento do Ministério da Justiça. (Redação dada pelo Decreto nº 7.473, de 2011) Art. 69. Presumir-se-á a boa-fé dos possuidores e proprietários de armas de fogo que espontaneamente entregá-las na Polícia Federal ou nos postos de recolhimento credenciados, nos termos do art. 32 da Lei no 10.826, de 2003. (Redação dada pelo Decreto nº 7.473, de 2011) Art. 70. A entrega da arma de fogo, acessório ou munição, de que tratam os arts. 31 e 32 da Lei nº 10.826, de 2003, deverá ser feita na Polícia Federal ou nos órgãos e entidades credenciados pelo Ministério da Justiça. (Redação dada pelo Decreto nº 7.473, de 2011) 140 § 1o Para o transporte da arma de fogo até o local de entrega, será exigida guia de trânsito, expedida pela Polícia Federal, ou órgão por ela credenciado, contendo as especificações mínimas estabelecidas pelo Ministério da Justiça. (Redação dada pelo Decreto nº 7.473, de 2011) § 2o A guia de trânsito poderá ser expedida pela rede mundial de computadores - Internet, na forma disciplinada pelo Departamento de Polícia Federal. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 3o A guia de trânsito não autoriza o porte da arma, mas apenas o seu transporte, desmuniciada e acondicionada de maneira que não possa ser feito o seu pronto uso e, somente, no percurso nela autorizado.(Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 4o O transporte da arma de fogo sem a guia de trânsito ou o transporte com a guia, mas sem a observância do que nela estiver estipulado, poderá sujeitar o infrator às sanções penais cabíveis. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 70-A. Para o registro da arma de fogo de uso permitido ainda não registrada de que trata o art. 30 da Lei no 10.826, de 2003, deverão ser apresentados pelo requerente os documentos previstos no art. 70-C e original e cópia, ou cópia autenticada, da nota fiscal de compra ou de comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 70-B. Para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo de que trata o § 3o do art. 5o da Lei no 10.826, de 2003, deverão ser apresentados pelo requerente os documentos previstos no art. 70-C e cópia do referido Certificado ou, se for o caso, do boletim de ocorrência comprovando o seu extravio. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 70-C. Para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo ou para o registro da arma de fogo de que tratam, respectivamente, o § 3 o do art. 5o e o art. 30 da Lei no10.826, de 2003, o requerente deverá: (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). I - ter, no mínimo, vinte e cinco anos de idade; (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). II - apresentar originais e cópias, ou cópias autenticadas, do documento de identificação pessoal e do comprovante de residência fixa; (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). III - apresentar o formulário SINARM devidamente preenchido; e (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). 141 IV - apresentar o certificado de registro provisório e comprovar os dados pessoais informados, caso o procedimento tenha sido iniciado pela rede mundial de computadores - Internet.(Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 1o O procedimento de registro da arma de fogo, ou sua renovação, poderá ser iniciado por meio do preenchimento do formulário SINARM na rede mundial de computadores - Internet, cujo comprovante de preenchimento impresso valerá como certificado de registro provisório, pelo prazo de noventa dias. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 2o No ato do preenchimento do formulário pela rede mundial de computadores - Internet, o requerente deverá escolher a unidade da Polícia Federal, ou órgão por ela credenciado, na qual entregará pessoalmente a documentação exigida para o registro ou renovação. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 3o Caso o requerente deixe de apresentar a documentação exigida para o registro ou renovação na unidade da Polícia Federal, ou órgão por ela credenciado, escolhida dentro do prazo de noventa dias, o certificado de registro provisório, que será expedido pela rede mundial de computadores - Internet uma única vez, perderá a validade, tornando irregular a posse da arma. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 4o No caso da perda de validade do certificado de registro provisório, o interessado deverá se dirigir imediatamente à unidade da Polícia Federal, ou órgão por ela credenciado, para a regularização de sua situação. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 5o Aplica-se o disposto no art. 70-B à renovação dos registros de arma de fogo cujo certificado tenha sido expedido pela Polícia Federal, inclusive aqueles com vencimento até o prazo previsto no § 3o do art. 5o da Lei no 10.826, de 2003, ficando o proprietário isento do pagamento de taxa nas condições e prazos da Tabela constante do Anexo à referida Lei. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 6o Nos requerimentos de registro ou de renovação de Certificado de Registro de Arma de Fogo em que se constate a existência de cadastro anterior em nome de terceiro, será feita no SINARM a transferência da arma para o novo proprietário. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 7o Nos requerimentos de registro ou de renovação de Certificado de Registro de Arma de Fogo em que se constate a existência de cadastro anterior em nome de terceiro e a ocorrência de furto, roubo, apreensão ou extravio, será feita no SINARM a transferência da arma para o novo proprietário e a respectiva arma de fogo deverá ser entregue à Polícia Federal para posterior encaminhamento à autoridade policial ou judicial competente. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 8o No caso do requerimento de renovação do Certificado de Registro de que trata o § 6o, além dos documentos previstos no art. 70-B, deverá ser 142 comprovada a origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou, ainda, apresentada declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). § 9o Nos casos previstos neste artigo, além dos dados de identificação do proprietário, o Certificado de Registro provisório e o definitivo deverão conter, no mínimo, o número de série da arma de fogo, a marca, a espécie e o calibre. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 70-D. Não se aplicam as disposições do § 6o do art. 70-C às armas de fogo cujos Certificados de Registros tenham sido expedidos pela Polícia Federal a partir da vigência deste Decreto e cujas transferências de propriedade dependam de prévia autorização. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 70-E. As armas de fogo entregues na campanha do desarmamento não serão submetidas a perícia, salvo se estiverem com o número de série ilegível ou houver dúvidas quanto à sua caracterização como arma de fogo, podendo, nesse último caso, serem submetidas a simples exame de constatação. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Parágrafo único. As armas de fogo de que trata o caput serão, obrigatoriamente, destruídas. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 70-F. Não poderão ser registradas ou terem seu registro renovado as armas de fogo adulteradas ou com o número de série suprimido. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Parágrafo único. Nos prazos previstos nos arts. 5o, § 3o, e 30 da Lei n 10.826, de 2003, as armas de que trata o caput serão recolhidas, mediante indenização, e encaminhadas para destruição. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). o Art. 70-G. Compete ao Ministério da Justiça estabelecer os procedimentos necessários à execução da campanha do desarmamento e ao Departamento de Polícia Federal a regularização de armas de fogo. (Redação dada pelo Decreto nº 7.473, de 2011) Art. 70-H. As disposições sobre entrega de armas de que tratam os arts. 31 e 32 da Lei no 10.826, de 2003, não se aplicam às empresas de segurança privada e transporte de valores.(Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 71. Será aplicada pelo órgão competente pela fiscalização multa no valor de: I - R$ 100.000,00 (cem mil reais): 143 a) à empresa de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, marítimo, fluvial ou lacustre que permita o transporte de arma de fogo, munição ou acessórios, sem a devida autorização, ou com inobservância das normas de segurança; e b) à empresa de produção ou comércio de armamentos que realize publicidade estimulando a venda e o uso indiscriminado de armas de fogo, acessórios e munição, exceto nas publicações especializadas; II - R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), sem prejuízo das sanções penais cabíveis: a) à empresa de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, marítimo, fluvial ou lacustre que deliberadamente, por qualquer meio, faça, promova ou facilite o transporte de arma ou munição sem a devida autorização ou com inobservância das normas de segurança; e b) à empresa de produção ou comércio de armamentos, na reincidência da hipótese mencionada no inciso I, alínea "b"; e III - R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), sem prejuízo das sanções penais cabíveis, na hipótese de reincidência da conduta prevista na alínea "a", do inciso I, e nas alíneas "a" e "b", do inciso II. Art. 72. A empresa de segurança e de transporte de valores ficará sujeita às penalidades de que trata o art. 23 da Lei no 7.102, de 20 de junho de 1983, quando deixar de apresentar, nos termos do art. 7o, §§ 2o e 3o, da Lei no 10.826, de 2003: I - a documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003, quanto aos empregados que portarão arma de fogo; ou II - semestralmente, ao SINARM, a listagem atualizada de seus empregados. Art. 74. Os recursos arrecadados em razão das taxas e das sanções pecuniárias de caráter administrativo previstas neste Decreto serão aplicados na forma prevista no § 1o do art. 11 da Lei no 10.826, de 2003. Parágrafo único. As receitas destinadas ao SINARM serão recolhidas ao Banco do Brasil S.A., na conta “Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal”, e serão alocadas para o reaparelhamento, manutenção e custeio das atividades de controle e fiscalização da circulação de armas de fogo e de repressão a seu tráfico ilícito, a cargo da Polícia Federal. (Redação dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008). Art. 75. Serão concluídos em sessenta dias, a partir da publicação deste Decreto, os processos de doação, em andamento no Comando do Exército, das armas de fogo apreendidas e recolhidas na vigência da Lei no 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Art. 76. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 77. Ficam revogados os Decretos nos 2.222, de 8 de maio de 1997, 2.532, de 30 de março de 1998, e 3.305, de 23 de dezembro de 1999. Brasília, 1º de julho de 2004; 183º da Independência e 116º da República. 144 LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos José Viegas Filho Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 2.7.2004