III Congreso Latinoamericano de Historia Económica y XXIII Jornadas de Historia Económica
Simposio 20: Cambio de la Inserción Internacional bajo los Nuevos Gobiernos de
Suramérica despús del Neoliberalismo
A persistência da vulnerabilidade externa no atual modelo de inserção
internacional brasileiro.
Fábio de Vasconcellos Aquino - [email protected]
Ana Paula Fregnani Colombi - [email protected]
Mestrado em Desenvolvimento Econômico – Instituto de Economia/UNICAMP/Brasil
RESUMO
Se nos anos 80 a economia brasileira sofria graves problemas colocados pela Crise da Dívida,
diante dos quais somente eram cabíveis políticas curtoprazistas; nos anos 90 o neoliberalismo
aportou nas economias latino-americanas como o modelo a ser seguido para a possibilidade
de recuperação do crescimento e desenvolvimento, diante de um contexto de restrições
internacionais. Ao fim da década, era evidente que a promessa neoliberal não se cumprira. A
partir de 2003, no entanto, o Brasil voltou a exibir maiores taxas de crescimento. Para alguns,
esse novo rumo de nossaeconomia não só era resultado de novas estratégias governamentais,
mas era também virtuosoe supostamente representaria uma ruptura com o modelo neoliberal e
uma redução na vulnerabilidade externa.
O objetivo principal do artigo é, partindo da análise histórica do balanço de pagamento nos
últimos 30 anos, nos contrapor à ideia de que houve uma mudança significativa na inserção
internacional brasileira na última década. A reprimarização da pauta comercial e a crescente
dependência de fluxos internacionais de capitais (IED e Investimento em Carteira), que se
mantiveram nos últimos 10 anos, nos permite concluir por uma manutenção de características
típicas do processo de subdesenvolvimento, nomeadamente a vulnerabilidade e fragilidade da
inserção internacional brasileira. Para tal objetivo, na primeira seção, analisaremos o
comportamento do Balanço de Pagamentos brasileiro, que não nos permite prever o futuro,
mas vislumbrar tendências; e na segunda demonstrar como a vulnerabilidade externa esteve
presente nas discussões originárias da CEPAL sobre desenvolvimento/subdesenvolvimento e
como ela persiste no modelo de inserção internacional brasileiro. Como fonte primária, nos
utilizamos, majoritariamente, de séries históricas do balanço de pagamentos e, em menor
parte, de outros agregados das Contas Nacionais. Para o debate sobre o papel da
vulnerabilidade externa na discussão sobre o desenvolvimento/subdesenvolvimento, nos
valemos da literatura cepalina e de autores críticos ao modelo neoliberal.
PALAVRAS-CHAVE: Vulnerabilidade Externa, Balanço de pagamentos,
Desenvolvimento/Subdesenvolvimento brasileiro.
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INTRODUÇÃO
Além de ter representado o início de um período nefasto de autoritarismo, o golpe de 1964
representou a vitória de um modelo de desenvolvimento extremamente dependente dos
capitais internacionais e desigual nas suas distribuições internas da renda. Apesar de terem
logrado altas taxas de crescimento e a complementação do setor industrial brasileiro, os
gabinetes militares levaram a cabo uma política econômica e de relacionamento com os
capitais estrangeiros que, cedo ou tarde, demonstrariam os efeitos perversos da
vulnerabilidade externa que se desenhava no período, mormente representado pelos perigos e
fragilidades do processo de endividamento público e privado.
O fim da década de 1970 desferiria o golpe sobre esse edifício assentado em alicerce
movediço e instável de abertura exagerada e sem direcionamento ao capital financeiro
internacional. O choque dos juros de 1979 colocava dois constrangimentos que desvendariam
a brutal face da vulnerabilidade a que esteve exposta a economia brasileira e nos jogaria para
a “década perdida”: por um lado, com o aumento brutal dos juros nossa dívida foi catapultada
às alturas; por outro, escassearam novos capitais para financiar nosso crescente déficit em
transações correntes. Assim, com o Estado combalido e dragado pela “crise da dívida”, que se
alastrou por diversos países latino-americanos, apenas políticas econômicas curtoprazistas
(voltadas à tentativa de “salvar” o Estado e estabilização da inflação) e submissas ao
establishment internacional (principalmente FMI) eram possíveis.
A partir da década de 1990, o neoliberalismo, representado pelas aberturas comercial e
financeira e pelos pacotes de austeridade e condicionalidades do FMI, aportou em muitas das
combalidas economias latino-americanas como a única possibilidade de recuperação e futuro
desenvolvimento econômico e social. Após uma década de baixíssimo crescimento
econômico, pontuada por crises e ataques especulativos às diversas moedas, incluindo o Real
Brasileiro e o Peso Argentino, estava evidenciada a falência do modelo neoliberal. O plano da
disputa política também acabou por desvelar a insatisfação com tal modelo: um a um, com
poucas exceções, os países latino-americanos elegeram governos de matizes mais
progressistas, identificados com históricos movimentos de caráter mais “à esquerda” e sempre
críticos à inserção no neoliberalismo.
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A história se confirmou no Brasil. Em 2002, um ex-operário e sindicalista, historicamente
ligado à causa do trabalhador, foi eleito presidente com grande número de votos, após quatro
tentativas frustradas que justamente elegeram aqueles presidentes brasileiros que até então
eram os mais identificados com os arautos do neoliberalismo.
Já a partir de 2003, percebeu-se uma retomada das taxas de crescimento do PIB brasileiro,
com progressiva redução das desigualdades sociais. Além disso, nos últimos anos o número
de famílias abaixo da linha de pobreza decresceu, e milhões de pessoas ingressaram na
economia formal e no mercado de consumo de massa. As diretrizes da recuperação
econômica pela qual o Brasil vem passando são a expansão do crédito internamente e o
crescimento das exportações. Tais diretrizes causaram a recuperação do consumo e do
investimento, por um lado, e a aparente redução da vulnerabilidade externa do país, por outro.
A despeito dos indicadores mostrarem uma retomada da economia, com melhora na qualidade
de vida dos brasileiros, almeja-se, neste artigo, colocar em xeque a qualidade do
recrudescimento econômico brasileiro, uma vez que o desempenho da economia brasileira e
seus mecanismos de recuperação – muito devido a sua forma de relacionamento com o capital
financeiro internacional –ainda revelam uma grande dependência e vulnerabilidade externas,
com potencial danoso, que também representam aquelas contradições inerentes às economias
subdesenvolvidas, já apontadas nos iniciais trabalhos cepalinos.
Reconhecemos os méritos de diminuição da pobreza, de assistencialismo aos menos
privilegiados e inclusive de aumento do investimento e consequente crescimento econômico.
No entanto, argumentamos que não houve uma ruptura decisiva com os cânones do
neoliberalismo e que muito do alto desempenho não se deveu necessariamente a um suposto
novo modelo de desenvolvimento e inserção, mas a um favorável momento de crescimento
mundial puxado pela alta demanda chinesa e escalada de preço das commodities.
Após essa breve introdução passamos para uma seção onde nos debruçamos sobre o processo
de inserção brasileira no neoliberalismo, sendo tomados em conta, principalmente, seus
aspectos de abertura comercial e financeira. Em seguida, apresentamos uma análise dos
determinantes da retomada do crescimento após a chegada do presidente Lula ao poder, a
partir de 2003. Pretendemos enriquecer esse percurso com a observação da trajetória das
principais contas de nosso balanço de pagamentos e do passivo externo brasileiro. A mirada
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sobre o histórico do balanço de pagamentos no período de 30 anos (entre 1980 e 2010) e suas
tendências nos permite algumas conclusões que apontam, como já aludido, para a manutenção
de um modelo dependente e exposto a vulnerabilidades que podem questionar a
sustentabilidade dos ciclos de crescimento e desenvolvimento.
Junto à tendência de aumento da dependência de fluxos financeiros internacionais, dados
também demonstram uma preocupante tendência de reprimarização da pauta exportadora
brasileira que aprofundam ainda mais o caráter vulnerável de nossa inserção. Por enquanto o
modelo parece estar funcionando sem muitos percalços, os fluxos têm buscado o Brasil, em
parte pelo risco de se investir, por exemplo, nas praças europeias, mas em grande medida
pelos altos juros brasileiros que premiam o capital financeiro. No entanto, a vulnerabilidade,
em um país com tendência constante de aumento dos déficits em Transações Correntes, pode
mostrar sua face amarga frente uma reversão abrupta dos fluxos financeiros para países “em
desenvolvimento”.
Aproximando-nos do fim do artigo, resgatamos o velho pensamento cepalino para demonstrar
como essa problemática da vulnerabilidade externa foi uma característica marcante dos
processos de subdesenvolvimento e como, nos dias atuais, sob o bafejo de alguns anos de
maior crescimento e na pia certeza de fim do neoliberalismo, suas persistências são
minimizadas ou mesmo ignoradas.
INSERÇÃO NO NEOLIBERALISMO
Olhando para a evolução do saldo comercial brasileiro durante os primeiros anos da década de
90, a pretensa abertura comercial de Collor1, com quebras de barreiras e incentivos às
importações, não pode ser visto claramente. O governo FHC, apesar de não levar a cabo
grandes transformações nas legislações propriamente comerciais, paradoxalmente, pela
manutenção da taxa de câmbio valorizada – como lembra a professora Leda Paulani, “único
pedaço do pacote neoliberal não comprado do Consenso de Washington foi o câmbio
flutuante” (Paulani, 2011) – de vez escancarou a economia brasileira para as importações 2,
revertendo a tendência de superávits que vinha desde início da década de 80. Ao fim dos anos
1 Lembrem-se dos célebres discursos de Collor em que advogava por maior abertura comercial no sentido de
permitir a modernização do Brasil por meio do aumento da concorrência internacional, se referindo aos carros
brasileiros como carroças e urgindo pela necessidade de importação de produtos mais modernos.
2 De 1994 para 1995, as exportações cresceram apenas 6% (de US$43,5bi para US$46,5bi), ao passo que as
importações saltaram 51% (de US$33bi para quase US$50bi).
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90, após as crises asiática e russa, o governo finalmente liberalizou o câmbio, causando uma
forte desvalorização, a queima de US$40 bilhões de reservas e, por fim, em 2001, a
recuperação dos saldos comerciais.
Agora, se por um lado, na balança comercial não se desenhou uma tendência de longo prazo,
podendo se observar um momento de acentuação de déficits (de 1994 a 1999) e um posterior
de superávits (a partir de 2001), na balança de serviços e rendas (a outra parte substancial da
formação de nossos saldos em transação corrente, juntamente com a balança comercial), a
partir de 1994 podemos perceber uma forte tendência de aumento das transferências líquidas
do Brasil para o exterior. Seja na conta de serviços (que engloba gastos com transportes,
viagens internacionais, seguros, serviços financeiros, serviços de computação e informação,
Royalties e licenças, aluguel de equipamentos, serviços governamentais, comunicações,
construção, serviços relativos ao comércio, serviços empresariais, profissionais e técnicos,
serviços pessoais, culturais e de recreação3), seja na conta de Rendas, até 1994 onerada
principalmente pela “crise da dívida”, mas que começa a sofrer em demasia com a remessa de
lucros, tanto de rendimentos de IED (Investimento Estrangeiro Direto), quanto de
rendimentos de investimento em carteira ou de portfólio (IC), que descolam totalmente de
uma tendência historicamente moderada anterior.
No entanto, apesar dessa manifestação pelo lado das transações correntes do Balanço de
Pagamentos (BP), o aprofundamento do déficit em serviços e rendas (e até o período de
déficit comercial de 1995 a 2000), gerador de nosso saldo negativo em transações correntes,
só pode ser entendido quando visto em relação com o “anverso da moeda” de nosso BP: a
Conta Capital e Financeira e sua liberalização.
A chamada Conta Capital, que registra as transferências unilaterais de capital e o bens
financeiros não produzidos, apesar de seu nome, não é a grande influenciadora da entrada
(nem da saída) de capitais, e pelo seu volume marginal (menos de 1% do total da Conta
Capital e Financeira) não será aqui analisada. A questão central no movimento de adequação
da inserção brasileira ao modelo neoliberal e que pressiona constantemente nossas transações
correntes está na Conta Financeira (CF). Tal conta registra os saldos de Investimento Direto
(I. brasileiro D. X IED), de Investimentos de Carteira (também I.C. brasileiro X I.C.
3 Fonte: BACEN: Balanço de Pagamentos do Brasil.
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estrangeiro), os Derivativos (menos de 0,1% no total da conta, também aqui deixado de lado)
e os Outros Investimentos (que registra os créditos comerciais de fornecedores de Curto (CP)
e Longo prazo (LP), os empréstimos e financiamentos de CP e LP – aqui se incluem os
empréstimos da autoridade monetária via FMI e outros organismos). Sem desagregação dos
seus componentes, a CF mais do que triplicou, saltando de US$8 bilhões em 1994 para
US$29 bi em 19954.
Daniela Prates e Maria Cristina Penido de Freitas resumem bem como foi e o que significou a
abertura financeira em FHC:
“A abertura financeira na década de 1990 teve dois eixos centrais: a flexibilização da entrada de
investidores estrangeiros no mercado financeiro brasileiro e a adequação do marco regulatório doméstico
ao modelo contemporâneo de financiamento internacional, ancorado na emissão de securities (títulos de
renda fixa e ações). Essas medidas resultaram na liberalização significativa dos investimentos
estrangeiros de portfólio no mercado doméstico e no mercado internacional de capitais, respectivamente.”
(Freitas e Prates, 2001, p. 85)
Um dos principais objetivos e alegações para a abertura desregrada da Conta Financeira do
Balanço de Pagamentos brasileiro era de que fomentaria e fortaleceria “mecanismos privados
domésticos de financiamento de longo prazo” (Freitas e Prates, 2001, p. 105). O artigo das
professoras Freitas e Prates mostra, através da análise dos impactos da abertura financeira
sobre os mercados de ações e de créditos bancários, que, além de não cumprirem esses
objetivos5, aumentou sobremaneira o passivo externo bruto da economia brasileira. Esse dado
impõe dois graus de aumento de vulnerabilidade externa6:
1. Um relativo à própria natureza volátil desses fluxos financeiros: a partir da constatação
de que os investidores
“podem reduzir ou eliminar suas posições rapidamente, diante de sinais de deterioração nesses mercados,
oportunidades de investimento mais atrativas nos mercados financeiros dos países centrais ou do aumento
4
Vale notar que em 2007, 2009 e 2010 o Saldo da CF foi mais de 10 vezes maior do que aquele de 1994.
“A liberalização dos investimentos estrangeiros de portfólio no mercado doméstico não resultou na
dinamização do mercado primário de ações, que permanece uma fonte marginal de financiamento para as
empresas domésticas. E os recursos captados pelos bancos mediante emissão de títulos no exterior nãoalteraram
de forma significativa o funding do sistema bancário; pelo contrário, foram canalizados, sobretudo, para
operações de arbitragem com títulos públicos” (Freitas e Prates, 2001, p. 105)
6
Aqui, apenas acompanharemos as conclusões de Freitas e Prates para os anos do governo FHC. O objetivo que
subjaz a esse trabalho é justamente o de verificar se essas conclusões ainda podem ser válidas atualmente e tal
intento será concretizado na última parte do trabalho.
5
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da aversão ao risco. Esses ajustes de portfólio resultam em abruptas contrações/expansões do acesso dos
“mercados emergentes” ao mercado financeiro internacional, sem relação com os respectivos
fundamentos.” (Freitas e Prates, 2001, p.83).
2. Outro problema agravado pelo aumento do passivo externo é a própria condição de
nossas transações correntes: o volume de serviços e rendas (juros e lucros) transferidos
ao exterior é diretamente proporcional à nossa taxa de juros e, justamente, ao estoque
de passivo externo.
A tabela a seguir (Freitas e Prates, 2001, p. 106) reflete principalmente o segundo ponto:
A INSERÇÃO A PARTIR DE LULA
Em termos comerciais, o Brasil passou a incorrer em seguidos superávits comerciais a partir
de 2001, dois anos após a desvalorização do Real. Todavia, é somente a partir de 2003 que os
superávits comerciais crescentes são acompanhados por uma tendência quase ininterrupta de
queda da taxa de câmbio real, ou seja, de apreciação da moeda doméstica – isso se deve muito
ao contexto de liquidez internacional que ganha mais força em 2003. Além do contexto
internacional favorável à entrada de capitais, o chamativo diferencial entre as taxas de juros
praticadas no exterior e no Brasil foi responsável pela atração de capitais. De modo geral, a
balança comercial foi beneficiada pelo aumento dos preços das commodities, fortemente
demandadas por EUA e China (o que Wilson Cano chama de “Efeito China”) – no triênio
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2003-2005, o efeito do aumento da quantidade exportada (quantum) foi superior ao efeito do
aumento dos preços. Cabe ainda destacar que as commodities tem papel destacado na balança
comercial – segundo Coutinho et. al (2003), ¾ de nossa pauta de exportação era composta por
commodities primárias.
A recuperação econômica pela qual o Brasil vem passando desde o ano 2002 contou com o
cenário internacional favorável. Os países centrais voltaram a crescer e a liquidez
internacional direcionou boa parte de sua voracidade aos países periféricos, inclusive ao
Brasil. Outro fator que contribuiu para um melhor aproveitamento do novo ciclo foi que, com
o Real desvalorizado já desde 1999, o crescimento industrial começa a surtir maiores efeitos a
partir de 2003, resultando inclusive em crescimento das exportações e na consecução de
superávits na balança comercial – o que permitiu resultados positivos, como há muito não se
via, nas transações correntes e no balanço de pagamentos.
As exportações brasileiras apresentaram crescimento devido ao aumento da demanda chinesa
aliado à valorização dos preços das commodities, e devido ao aumento dos excedentes
gerados no mercado financeiro. No que tange aos efeitos do mercado financeiro, ocorreu uma
colossal expansão dos fluxos de capital internacional enviados ao país, dado o diferencial
entre as taxas de juros praticadas no exterior e no Brasil. Esses fluxos aliados ao crescimento
das exportações e à adoção de algumas políticas progressistas – como a retomada do crédito
ao setor privado, o alargamento do consumo via endividamento das famílias, a política de
valorização do salário mínimo e a implementação do programa Bolsa Família – explicam a
retomada do crescimento econômico no Brasil a partir de 2003, com uma taxa média de
crescimento do PIB em torno de 4% a.a. Daqui deduz-se a tese da redução da vulnerabilidade
externa do país e o relativo otimismo em relação à retomada da atividade econômica.
Todavia, segundo Carneiro (2008), o atual padrão de crescimento brasileiro está muito aquém
do padrão que foi desenrolado no período que se seguiu ao fim de Bretton Woods até o final
dos anos 1970. Para o autor o atual crescimento tem baixo dinamismo, cujo perfil é
tipicamente puxado pela demanda – consumo e exportações líquidas – com o investimento
ocupando papel subordinado. Sem o caráter de gasto autônomo estas inversões não têm
capacidade de auto alimentação.
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A inserção financeira é condicionada por três fatores: o novo ciclo de liquidez internacional
para os países periféricos; o regime de câmbio flutuante e a gestão da política cambial no
período; e o aprofundamento da abertura financeira.
Desde o governo Sarney vem sendo aprofundada, especialmente nos governos FHC e Lula,
um tipo de inserção financeira chamada de inward transactions – entrada de não residentes no
mercado doméstico e captação de recursos externos pelos residentes. Mais que isso, em 2005
foi liberada a saída de capitais pelos residentes e o endividamento de não residentes no
mercado financeiro doméstico – outward transactions – pela chamada CC5 (Conta de não
residentes). Assim, foram eliminados os limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam
reais em dólares e os remetam ao exterior.
Mais especificamente, a partir de 2004, são retomados os fluxos de IDE ao Brasil,
acompanhando um movimento de retomada dos fluxos de IDE aos países periféricos. Já a
partir de 2005, retornam alguns capitais de maior volatilidade, como os “Investimentos
Estrangeiros em Carteira” e “Outros Investimentos Estrangeiros”. Entretanto, a retomada dos
fluxos de capital voluntário permitiu outro fato inédito: a regularização com o FMI-Fundo
Monetário Internacional – não que, em si, haja consequências extraordinárias por não se dever
mais ao FMI, mas isso carrega um valor simbólico forte. Enfim, esses capitais foram atraídos
não apenas pela liquidez internacional mais favorável como também pelas taxas de juros
praticadas no Brasil – notadamente as taxas de juros reais mais elevadas do mundo. Todavia,
vale adiantar, essa mesma taxa de juros favorece os fluxos financeiros que, eventualmente,
permitem a redução da dívida externa, mas conduzem a um acréscimo do passivo externo,
como se verá mais adiante.
Os fluxos financeiros – notoriamente os investimentos de estrangeiros em portfólio – foram
atraídos pelas perspectivas de lucro com as ações negociadas no mercado acionário doméstico
e pela apreciação da taxa de câmbio do real. A introdução de novos investidores/aplicadores e
uma maior mobilidade dos papeis brasileiros faz aumentar grandemente a interligação entre o
mercado financeiro nacional com o internacional – ou seja, a volatilidade e a instabilidade
foram catapultadas, facilitando a saída de capitais.
Por outro lado, a rentabilidade das “emissões de títulos de renda fixa no exterior” caiu em
2004. Isso porque, além de seu caráter volátil, o “cupom cambial”, que protegia sua
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rentabilidade, foi reduzido. Com uma menor rentabilidade, os bancos passaram a quitar seus
passivos externos (securitizados) de curto prazo, contribuindo inclusive para a queda da
dívida privada externa em 2004 e 2005. Já pelo lado da dívida externa pública, o Banco
Central e o Tesouro Nacional conseguiram melhorar a composição e o tamanho da dívida
externa pública por meio da recompra da dívida externa e pelo pagamento dos empréstimos
ao FMI. Todavia, o passivo externo, de modo geral, cresceu. Como razões para o crescimento
do passivo externo, podem ser elencadas o ingresso líquido de investimentos externos diretos
e de investimentos em carteira e a apreciação do Real a partir de 2003.
Já as aplicações em títulos de renda fixa negociados no país mantiveram fluxos líquidos
praticamente nulos até janeiro de 2006. Todavia, com a edição da MP281 em meados de
fevereiro, que concedeu incentivos tributários aos investidores estrangeiros, essa modalidade
de investimento de portfólio apresentou uma recuperação significativa e praticamente
instantânea, tendo chegado à US$21 bilhões em 2007, recuado para uma média de US$8
bilhões nos anos mais fortes da crise internacional e já retornado a US$30 bilhões. Essa
medida estimula, portanto, a demanda de títulos públicos internos por investidores
estrangeiros. Ou seja, o governo passou a usar forte e perigosamente o capital especulativo
externo como meio de fechar o balanço de pagamentos e como meio para conter o risco
cambial, que se manifestaria por meio de uma desvalorização cambial e, no limite,
tragicomicamente, impossibilidade de pagar o passivo.
TRAJETÓRIA DO BALANÇO DE PAGAMENTOS E OUTRAS CONTAS7
No gráfico 1 vemos que o BP brasileiro, durante a década de 80, esteve em equilíbrio com
resultados não muito expressivos. A partir de 1994, com o aprofundamento da abertura
comercial e a manutenção do câmbio valorizado a conta de transações correntes (TC) foi
pressionada negativamente pela reversão dos históricos superávits comerciais. A TC também
foi fortemente puxada para baixo pelo aumento sobremaneira do déficit na balança de
serviços e rendas, que, como referido guarda relação de proporcionalidade direta com o
aumento do estoque do passivo externo (majoritariamente formado pelo IDE e ICE). Entre
2003 e 2007, o “Efeito China” pode ser visto no gráfico com algum superávit em TC, que,
diga-se de passagem, tem magnitude bem menor do que os fortes déficits influenciados pelo
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Dados do BACEN e Gráficos e Tabelas de elaboração própria.
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aumento da conta de rendas e serviços. A partir, fundamentalmente, de 2003, o resultado final
do balanço, determinando o acúmulo de reservas (que fomenta a manutenção da valorização
cambial) ou a liquidação das mesmas, vem sendo fortemente balizada pelo movimento da
conta de capitais.
Gráfico 1 - Balanço de Pagamentos – Contas principais – US$ milhões
Gráfico 2 - Transações Correntes – exceto transferências unilaterais – US$ Milhões
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Por meio do Gráfico 2 vemos que as transações correntes brasileiras se mantinham
equilibradas durante a década de 80, a despeito do pagamento da dívida externa. A conta de
serviços e rendas (sempre negativa) esteve estável e as pequenas oscilações no saldo da TC
eram influenciados pela balança comercial.A partir de 1994, a conta de serviços e rendas
passou a ter tendência constantemente decrescente – lembrando que responde ao aumento do
passivo externo, aos altos juros e ao câmbio valorizado – e a ter maior influência sobre o
saldo da TC.
Gráfico 3 – Transações Correntes – Rendas – US$ Milhões
É pelo dado apresentado no gráfico 3 - relativo somente à renda - que podemos perceber as
mudanças colocadas por nossa inserção financeira: a conta Renda de outros investimentos,
que representa o pagamento de juros da dívida, era o que determinava a posição
constantemente negativa da balança de serviços e rendas da TC durante a “crise da dívida”.
Alguma remessa de lucro sobre o IED sempre existiu, mas, a partir de 1994, tanto o seu
volume como o histórico volume “zerado” dos Investimentos em Carteira passou a acentuar
sua pressão para altos déficits.
O gráfico 4 revela o movimento da Conta Financeira. Pela Conta financeira, o movimento de
liberalização dos fluxos internacionais de capitais é facilmente percebido. Nota-se também a
importância dos Investimentos em carteira para determinar a dinâmica do resultado totalizado
da CF. O componente Outros investimentos é o lócus das saídas de capitais para amortização
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de dívidas. O acentuado vale de 1994 diz respeito a amortizações de empréstimos diretos de
curto e longo prazo; em 1999 responde pela amortização de créditos comerciais; o vale de
2000 está relacionado com amortizações e operações de regularização junto ao FMI e outras
agências; já o pico negativo de 2005 representa a amortização de US$23 bilhões com o FMI,
que “zerou” nossos débitos com o fundo.
Gráfico 4 – Conta Financeira (Conta Capital e Financeira sem a conta capital) – US$ Milhões
Passemos agora para os determinantes de cada um dos componentes da conta financeira. Os
dois gráficos abaixo, sobre os Investimentos Diretos e sobre os Investimentos em Carteira,
mais uma vez atestam a liberalização e a inserção neoliberal a partir do governo de FHC, e
continuando através das quase duas décadas seguintes. A partir de 1994, o IED sobe, em
poucos anos, de um patamar muito baixo (no máximo cerca de US$2 bilhões) para a casa dos
US$30 bilhões. A partir da crise de 2001 (NASDAQ e .com) e sob a influência do processo
eleitoral vindouro, o IDE diminui, voltando a crescer após 2003, somente diminuindo
novamente em 2008 com a forte crise mundial. Fato interessante de se notar é que a partir de
2004/2005 a internacionalização de empresas brasileiras causou um aumento (no gráfico com
sinal negativo) do Investimento Direto brasileiro.
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Em termos de Investimento em carteira, percebemos que o Investimento em Carteira
brasileiro é praticamente inexistente com o valor total da conta determinado pelo ICE. Este
fluxo se inicia no início da década de 1990 e, além da sua existência e volatilidade, não é
possível desenhar uma tendência. Porém, é fato que a apreciada taxa de câmbio e a taxa de
juros campeã mundial mantém a atratividade do mercado financeiro brasileiro.
Gráfico 5 – Conta Financeira – Investimento Direto – US$ Milhões
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Gráfico 6 – Conta Financeira – Investimento em Carteira – US$ Milhões
Quando o Investimento em Carteira é desagregado (gráfico 7), nota-se que os títulos de renda
fixa, apesar de terem perdido importância no início dos anos 2000, retornaram em 2007 (2008
é a exceção dada pela crise). As ações de companhias brasileiras passaram, nos anos 2000, a
ser o componente mais importante dos ICE.
Gráfico 7 – Composição do ICE – US$ Milhões
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A PROBLEMATIZAÇÃO DA INSERÇÃO ATUAL
Uma hipótese cara a esse trabalho era de que a inserção internacional brasileira, baseada na
abertura comercial e financeira, além de não cumprir todos seus propósitos modernizantes,
constantemente aumenta a vulnerabilidade financeira da economia brasileira; determina uma
dinâmica que pode não ser sustentável em longo prazo; coloca a possibilidade do eterno “voo
de galinha”; e, devido também a seus determinantes de taxa de juros e câmbio, promove
desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora brasileira.
Aqui, nos ateremos à análise, principalmente, da vulnerabilidade externa a partir tanto da
natureza desses fluxos, quanto da relação com o aumento do passivo externo e a consequente
pressão de déficits nas transações correntes pelo agravamento das remessas de lucros, juros e
dividendos (balança de rendas e serviços). Outras questões, abordadas tangencialmente, serão
a desindustrialização e a reprimarização da pauta exportadora, que colocam um panorama
diferente daquele róseo pintado pelos que acreditam que a crise já passou e nosso país foi
pouco afetado.
Quando observamos os gráficos relativos aos principais determinantes da Conta Financeira (o
IDE e o ICE), sua volatilidade nos salta aos olhos. Se por um lado a balança de Rendas e
Serviços da TC apresenta uma tendência clara, de aprofundamento dessas transferências ao
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exterior que comprometem historicamente nossa TC, por outro, a conta financeira (que é a
que virá a “fechar o buraco” da TC) é extremamente errática. O IDE varia de acordo com os
ciclos de crescimento e liquidez mundial, mas sua variação não é muito brusca se pensarmos
que a retirada dos mesmo significa desmobilização de capitais fixos e sucateamento de
riqueza velha. No entanto, quando miramos para o ICE, que cada vez mais vem sendo o
veículo por excelência da inserção financeira, percebemos sua “esquizofrenia”. De um
patamar irrisório, salta para mais de US$50 bilhões devido a títulos de renda fixa negociados
no exterior, majoritariamente Bônus de Longo Prazo. Sob o medo das crises asiática e russa e
da crise cambial brasileira, os fluxos refluem no fim da década de 90. Em 2001, 2002, 2003 e
2004 continuam baixos devido ao estouro da bolsa eletrônica e a busca por segurança em
títulos de países centrais (principalmente os títulos de dívida americana). O novo ciclo de
investimentos proporciona a volta dos fluxos, mas de uma patamar de quase US$50bi em
2007, caem para quase negativo com a crise de 2008. A crise severa nos países centrais e
nosso diferencial magnânimo da taxa de juros passam a ser fatores de nova atração de fluxos
para o Brasil, com tendência a elevação do montante investido em carteira.
Freitas e Prates resumem bem a natureza volátil desses fluxos:
“Como o benchmark utilizado para avaliar a performance dos administradores de portfólio dos
investidores crossover não inclui os ativos dos “mercados emergentes” (em contraposição aos
investidores dedicados, que são avaliados de acordo com os benchmarks desses mercados), estes podem
reduzir ou eliminar suas posições rapidamente, diante de sinais de deterioração nesses mercados,
oportunidades de investimento mais atrativas nos mercados financeiros dos países centrais ou do aumento
da aversão ao risco. Esses ajustes de portfólio resultam em abruptas contrações/expansões do acesso dos
“mercados emergentes” ao mercado financeiro internacional, sem relação com os respectivos
fundamentos” (Freitas e Prates, 2001, p.84)
E Cano corrobora:
“Considerando-se que o capital externo em 31/8/2009 possuía US$ 212 bilhões em ações e títulos de
renda fixa, e que estes, diante de certas circunstâncias, podem ser liquidados em 24 horas, não vejo razão
para muito otimismo, diante do colossal aumento do passivo externo.” (Cano, 2010, p. 22).
As professoras Cristina Freitas e Daniela Prates, ao fim do artigo que analisam a inserção
financeira no governo de FHC, propõem algumas métricas interessantes para analisar a
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vulnerabilidade brasileira (tabela na página 6 desse artigo) e que tem relação com o passivo
externo da economia brasileira. Buscamos aqui fazer a atualização de alguns desses dados.
Tabela 1 – Passivo Externo Bruto sobre PIB
Passivo Externo Bruto/PIB
Passivo Externo Bruto/PIB
2001
2002
2003
2004
2005
67%
68%
73%
67%
55%
2006
2007
2008
2009
2010
56%
67%
42%
68%
62%
Tabela 2– Passivo Externo Bruto sobre PIB
Passivo Externo
Líquido/Exportações
Passivo Externo
Líquido/Exportações
2001
2002
2003
2004
2005
-455%
-382%
-373%
-308%
-268%
2006
2007
2008
2009
2010
-268%
-336%
-143%
-393%
-339%
Tabela 3– Passivo Externo Bruto sobre PIB
Estoque de IED + Estoque de
ICE/PIB
Estoque de IED + Estoque de
ICE/PIB
2001
2002
2003
2004
2005
49%
47%
54%
52%
47%
2006
2007
2008
2009
2010
48%
60%
35%
60%
54%
Os dados de passivo bruto e líquido falam por si só: em 10 anos o passivo externo bruto
brasileiro praticamente quadruplicou, com o aumento da participação do IDE e do ICE sobre
os outros investimentos (lembrando que aqui se inclui a dívida externa pública). Apenas
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olhando para o dado do passivo externo, já temos um valor alarmante: em 2010 o passivo
externo líquido era de US$750 bilhões.
O passivo externo bruto sobre o PIB continua em níveis de cerca de 60%. Mesmo se
considerarmos que a década teve taxas de crescimento acima daquelas dos anos 1980 e 1990,
tais taxas não foram suficientes para determinar a diminuição percentual do passivo sobre o
PIB. O passivo externo líquido sobre as exportações (o único componente superavitário da
TC) que, se esteve em queda durante o ciclo expansivo 2003-2007, a partir da crise de 2008,
retornou a patamares temerários, atestando o fato de que a crise não impeliu mudanças
significativas no modelo de inserção brasileiro.
Dez anos após, podemos seguir com parte da conclusão de Freitas e Prates:
“Se, por um lado, a gestão macroeconômica doméstica tem algum raio de manobra para reduzir o déficit
comercial mediante a contenção do crescimento interno, por outro lado sua capacidade de influenciar o
déficit em serviços fatores é nula, já que esse não depende do nível de atividades interno. As remessas de
juros, lucros e dividendos dependerão do comportamento do passivo externo líquido do país – que
correspondem ao passivo externo menos as reservas internacionais e os haveres externos dos bancos
residentes.” (Freitas e Prates, 2001, p. 107)
Com o crescimento constante do passivo externo líquido e que não mostra nenhum sinal de
regressão, a tendência mais forte que se pode desenhar é a continuidade do aprofundamento
do déficit em Serviços e Rendas e consequente aprofundamento do saldo em TC. Chegamos a
um ciclo vicioso e cumulativo, no qual esse saldo sempre baixista (de fato negativista) nas TC
imporá um aumento da entrada de capitais forâneos, que, por sua vez, acentuará ainda mais o
déficit em transações correntes.
Se por um lado, o que objetivávamos desvelar era esse componente de vulnerabilidade
referente aos fluxos de capitais internacionais, por outro, uma breve observação sobre o perfil
da balança comercial brasileira, acentuando uma perda de dinamismo das exportações da
indústria de transformação e um aumento do déficit em transações comerciais nos segmentos
de mais alta tecnologia- com tendência de aumento do déficit conforme aumenta a
complexidade tecnológica dos bens comercializados. A tabela 4 e o Gráfico 8 abaixo
demonstram mais esse componente estrutural de fragilidade e vulnerabilidade da inserção
brasileira (Tabela e Gráfico do IEDI).
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Tabela 4
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Gráfico 8
A VULNERABILIDADE E O PROCESSO DE SUBDESENVOLVIMENTO
Os estudos realizados pela CEPAL fundamentam um corpo analítico específico voltado ao
entendimento do subdesenvolvimento na América Latina. Trata-se, segundo Bielschowsky
(2007), de uma teoria de restrições ao crescimento, determinada pelas condições específicas
da América Latina como periferia do mundo desenvolvido. Oferecendo uma interpretação sui
generis do subdesenvolvimento, com grande impacto intelectual e ideológico no Brasil, a
contribuição cepalina marca uma clara tendência progressista, principalmente nos anos 1950,
relacionada diretamente à implantação do processo de industrialização nos países periféricos.
O papel de protagonista que se atribui ao Estado, conforme Rodriguez (1981), juntamente
com a industrialização, passa a ser considerado o pilar básico da política de desenvolvimento
de cunho evidentemente nacionalista. Conjunturalmente, os estudos olhavam para as
transformações econômicas e sociais que ocorriam durante as primeiras etapas de mudança do
padrão de acumulação na região, do modelo primário-exportador ao urbano industrial.
O contexto dos anos 1960, conforme Bielschowsky (2000) demonstrava que a
industrialização havia seguido um curso que não conseguia incorporar à maioria da população
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os frutos da modernidade e do progresso técnico, bem como que a industrialização não havia
eliminado a vulnerabilidade externa e a dependência, ambos obstruindo o desenvolvimento.
Importante notar que o espectro da inserção internacional da América Latina frente ao padrão
de acumulação capitalista vigente e enquanto fornecedora de bens de menor complexidade
tecnológica, dada a peculiaridade do processo industrializante periférico, sempre compuseram
a análise cepalina, para além dos problemas inerentes à industrialização substitutiva de
importações. A vulnerabilidade externa tornava-se, portanto, segundo a interpretação da
CEPAL, uma das chaves do problema do subdesenvolvimento. Segundo Furtado:
“a diferenciação estrutural obtida pela industrialização substitutiva de importações é causa necessária mas
não suficiente para alcançar um desenvolvimento estável. Reencontramos assim o problema fundamental
já referido: o comportamento das economias subdesenvolvidas não pode ser explicado sem que se tenham
conta as normas que regem sua inserção no sistema econômico internacional. Em conclusão, uma teoria
do subdesenvolvimento pressupõe algumas hipóteses explicativas do fenômeno da dependência externa.”
(Furtado, 2000, p. 254).
As problemáticas da dependência e da tendência à deterioração do balanço de pagamentos,
com implicações sobre a concentração da renda e a manutenção do subemprego,
principalmente no caso brasileiro, ganham relevância nas obras de Furtado.
A compreensão do fenômeno do subdesenvolvimento latino-americano permite a percepção
de que a dimensão relativa à inserção internacional e às formas de superação da
vulnerabilidade externa permeia toda a análise cepalina. Segundo Bielschowsky (2000), “no
plano da „inserção internacional‟, a industrialização era vista nos anos 1950 como solução em
longo prazo para o problema da „vulnerabilidade externa‟, a qual, no entanto, seria uma das
características intrínsecas ao processo de industrialização periférico.” (Bielschowsky, 2000, p.
48). Nos anos 1960, a reorientação exportadora foi vista como o instrumento capaz de reduzir
as restrições externas pelas quais passava a América Latina. E, por fim, nos anos 1970, a crise
e o endividamento recolocariam a questão da vulnerabilidade externa no debate. Questão esta
que expressa uma das dimensões do subdesenvolvimento latino-americano.
A conjuntura restritiva que assolou a América Latina e a adoção de políticas de cunho
neoliberal, a partir da década de 1980, reformulam os termos do debate acerca do
desenvolvimentismo latino-americano, cujo foco passa a concentrar-se nos problemas
relativos à crise do balanço de pagamentos e ao recrudescimento inflacionário.
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Resgatando a contribuição cepalina acerca do processo de subdesenvolvimento latinoamericano e ressaltando a dimensão relativa à problemática da vulnerabilidade externa, o que
se deseja enfatizar é a permanência dos traços do subdesenvolvimento brasileiro atualmente,
mesmo em tempos em que a natureza do processo de acumulação respeita a financeirização
do capital em detrimento da esfera industrial. Segundo Bielschowsky, Prebisch já chamava a
atenção para o perigo de expandir os passivos externos dos países e submete-los
exageradamente ao peso de seus serviços, pelo que seria mais prudente ampliar o
financiamento de agências oficiais.
Apesar dos bafejos de crescimento muitas vezes levarem economistas e pesquisadores a
concluir por uma diminuição da vulnerabilidade externa, Bielschowsky, na conclusão do
artigo “Cinquenta anos de pensamento da CEPAL – Uma resenha” (2000), atesta que a
mesma está tão presente como sempre em sua ameaça desestabilizadora da macroeconomia.
BREVES CONCLUSÕES E APONTAMENTOS
A possível, mas infelizmente improvável, ruptura com o modelo neoliberal de inserção
internacional se encontra em duas possibilidades, que, infelizmente encontram limitações
internas e/ou externas. A primeira e mais radical, mas que se defronta com obstáculos fora da
órbita econômica, é a definitiva ruptura com o modelo neoliberal de inserção internacional.
Como aponta Cano, o problema dessa via são os constrangimentos políticos, tanto internos
quanto externos, que inviabilizam um novo pacto social para a retomada do desenvolvimento
em novas bases. Será que é necessária uma crise mais severa e uma fuga de capitais
incomensurável para que se repense a estratégia de inserção? Essa é uma questão que somente
o futuro responderá.
A outra via para tentar amenizar os problemas colocados pela vulnerabilidade e volatilidade
do modelo de inserção, seria a retomada da capacidade do Estado de direção desses fluxos
para investimentos que reforcem o mercado interno e que geram atividades exportadoras de
bens cada vez mais complexos e industriais, atingindo assim uma balança comercial mais
favorável e sustentada e que possa contra arrestar a tendência de manutenção de déficits em
Transações Correntes. Essa estratégia também esbarra em constrangimentos internos e
externos: o próprio modelo e sua manutenção sobre os fundamentos de juros altos e câmbio
altamente valorizado problematizam essa estratégia. Tais fundamentos vêm causando
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constante reprimarização da pauta exportadora e alguma desindustrialização quando olhamos
para os dados de produção industrial dentro do PIB e da diminuição da participação desses
setores na balança comercial (inclusive estando o país em profundo déficit comercial quanto
mais subimos na escala tecnológica).
Enfim, o modo de integração ao sistema capitalista atual parece ser fundamentalmente
calcado em uma dependência financeira, que é a forma que dá menor impulso a qualquer
possibilidade de catching-up com os países avançados. Para piorar essa integração, a política
econômica tem se mostrado equivocada – isso se o interesse de seus formuladores for
desenvolver o país como uma nação soberana –, especialmente em razão da política cambial –
na qual está interligada a política de juros. Ademais, a política cambial associada à ausência
de política industrial favoreceu não apenas a não incorporação de setores dinâmicos como a
uma internacionalização forçada da grande empresa brasileira. De certo modo, essa
configuração reforça ainda mais a necessidade de fechar as contas nacionais por meio da
elevação do passivo externo – o que, por sua vez, é permitindo não apenas pela liquidez
internacional favorável como também pela integração financeira à qual se optou, pautada na
atração de capitais voláteis.
O alcance da atual política econômica é limitado, pois não toca nos pontos chave: introdução
de setores dinâmicos, estrutura industrial pouco diversificada e câmbio valorizado (Carneiro,
2008). Como diz Cano (2000), não há soberania da e na política econômica praticada no
Brasil e na América Latina como um todo. Somos todos reféns da entrada de capitais de curto
prazo e que procuram ganhos financeiros elevados e que podem ser liquidados rapidamente,
jogando o país em um novo ciclo de restrição externa pelo balanço de pagamentos.
A inserção nesse modelo se iniciou na gestão FHC (talvez tivesse se iniciado antes, já com
Collor, mas os percalços políticos abortaram rapidamente o governo do “Caçador de
Marajás”). Olhando os gráficos de desempenho da Conta Financeira, percebemos que todos
os fluxos tiveram uma queda nos anos de 2001 e 2002. Isto se deve não só a deterioração da
situação internacional com a crise de 2001, mas também do “medo” da vitória do ex-operário
e ex-sindicalista Lula, que por muitos anos vaticinou contra a globalização e a abertura dos
mercados. “Para acalmar o mercado, Lula teve de assinar aquela “Carta aos brasileiros”, que
no fundo era uma espécie de termo de compromisso de que não iria mudar a política
econômica – e de fato não mudou” (Paulani, 2011). O segundo mandato de Lula e o recente
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de Dilma Roussef mudaram um pouco: algum retorno ao pensamento desenvolvimentista e de
planejamento com o IPEA; a intervenção maior do Estado nos rumos do Investimento
(aumento da importância do BNDES) e para debelar crises financeiras conjunturais; a
diminuição de impostos e a concessão de subsídios, que alavancaram o consumo.
O objetivo desse artigo não foi verificar se existem alternativas em prática ao modelo de
inserção em curso, porém, pensamos que o modelo de inserção financeira altamente
dependente dos fluxos internacionais, no entanto, não foi modificado e coloca diversos
questionamentos diante das incertezas atuais.
No plano internacional pendem incertezas sobre a reforma financeira dos EUA (medidas que
não atingem nem corrigem, com a necessária profundidade, a liberdade comandada pelo
capital financeiro); sobre os encaminhamentos da crise na Europa (abalam o Euro e
questionam o futuro da UE, além de poder precipitar um aumento das taxas de juros europeias
que seria extremamente danoso para os necessários fluxos financeiros que aportam nos
subdesenvolvidos); sobre o papel da China em uma nova geopolítica econômica (terá
capacidade de ser “locomotiva”? Se comportará como o império britânico do século XIX?);
sobre nossa inserção comercial baseada em commodities e com uma pauta que
constantemente se reprimariza; e, sobre as possibilidades de maior integração na América do
Sul (que, caso se configure na proposta neo-cepalina de regionalismo aberto, redundará em
poucos benefícios em termos de desenvolvimento e pode inclusive aprofundar desequilíbrios
estruturais).
Diversos questionamentos e reflexões também nos são impostos no plano nacional: a
regressão de nossas estruturas industriais impõe a necessidade de reestruturação do
investimento, acelerando a incorporação de progresso técnico e alterando sua composição
estrutural; a “recuperação distorcida e não sustentada desvia as preocupações com o longo
prazo e diminui as oportunidades para alterações estruturais da política econômica atual”; e,
fundamentalmente as questões em torno de nossa inserção nos fluxos financeiros
internacionais, sua volatilidade e nossa consequente vulnerabilidade frente uma possível
regressão do mesmo. Segundo os mais otimistas, a entrada de capital (tanto por investimento
em carteira – extremamente e por natureza volátil –, quanto por IED) e de divisas (dados os
elevados saldos comerciais que obtínhamos) são suficientes para afastar qualquer temor de
desequilíbrio nas contas externas. Tal otimismo é falacioso, e injustificável, quando
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defrontado com os dados que mostram uma queda acentuada dos saldos comerciais (seja pela
recessão mundial, seja pela excessiva valorização cambial), um brutal aumento dos gastos
com serviços e rendas (juros, dividendos e remessas de lucro) que determina crônicos déficits
em transações correntes. Esses rombos são cobertos por fluxos de IED e IC, que, se por um
lado, contribuíram para a formação de reservas e diminuição da dívida externa pública, por
outro acentuaram o problema da dívida externa privada (a dívida total em 2005 era de
US$188bi e em 2009 já estava em US$270bi(Cano, 2010)). Vale lembrar que tais fluxos
ainda têm o Brasil como destino face à “débil situação internacional e magnanimidade dos
juros e câmbios nacionais”; e, podem ser liquidados rapidamente, novamente desequilibrando
nossas contas nacionais, deixando o Estado sem possibilidade de atitude a tomar para
reorganizar e reorientar o crédito interno público e privado de longo prazo e forçando mais
uma vez a aterrissagem do “voo de galinha”.
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