PROCURADORIA GERAL DO ESTADO CONSELHO COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS Processo CPGE GDOC nº 18575-499657/2015 Interessado: ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO - APESP Assunto: Direitos e Prerrogativas do Procurador do Estado Dr. Leonardo Gonçalves Ruffo Sr. Presidente, Srs. Conselheiros, Trata-se de requerimento formulado pela Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo – APESP para que sejam adotadas medidas de proteção aos direitos e prerrogativas do D. Procurador do Estado Leonardo Gonçalves Ruffo, os quais teriam sido violados pelo advogado Dr. Josevanildo Ferreira de Araújo (OAB/SP n.º 285.696). Em breve síntese, narra a representação que o mencionado Procurador do Estado encontra-se classificado na Procuradoria Judicial – PJ 11, prestando serviços no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina do Estado de São Paulo, e recebeu citação para responder pessoalmente a uma ação de indenização por danos morais movida pelo supracitado causídico, a qual tramita perante o Juizado Especial Cível Central da Comarca da Capital. Prossegue afirmando que o advogado demandante alega ter sido vítima de dano moral em razão de preliminar de litispendência sustentada com termos ofensivos em contestação elaborada pelo Procurador do Estado nos autos da Reclamação Trabalhista n.º 0000170-48.2015.5.02.0039, em curso perante a 39ª Vara do Trabalho da Capital, pleiteando a reparação civil no montante de R$ 31.520,00. Por entender que o caso configura hipótese de violação dos direitos e prerrogativas do Procurador do Estado, requereu a entidade de classe: a) a constituição da Comissão de Direitos e Prerrogativas prevista no artigo 10-A do Regimento Interno deste E. Conselho; b) o desagravo do Procurador do Estado representado, nos termos do artigo 2º, XVI, c.c. artigo 10-A, parágrafo 1º, “3”, do Regimento Interno deste E. Conselho; e, por fim, c) representação ao Tribunal de Ética da OAB, nos termos dos artigos 51 e seguintes do Código de Ética, para que seja apurada a conduta do advogado Dr. Josevanildo Ferreira de Araújo (OAB/SP n.º 285.696). A representação veio instruída com os documentos de fls. 09/106. 1 PROCURADORIA GERAL DO ESTADO CONSELHO COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS Nos termos regimentos foi instaurada a presente Comissão de Direitos e Prerrogativas. É o relato do essencial. A análise dos autos revela que o Procurador do Estado Dr. Leonardo Gonçalves Ruffo está sendo demandado por suposta responsabilidade civil decorrente de ato processual praticado no exercício de suas funções. O fundamento da demanda reparatória é a alegação de que a preliminar processual de litispendência lançada pelo Procurador do Estado na peça defensiva foi deduzida de “forma extremamente ofensiva, indecorosa e humilhante” (fls. 11). Vale transcrever de forma literal o trecho tido como injurioso pelo nobre causídico: “(...) Cumpre destacar que casos como o presente tem se tornado cada dia mais comum no âmbito do reclamado, demonstrando a irresponsabilidade dos reclamantes ao outorgarem procurações sem quaisquer critérios, levando a um desperdício de dinheiro público incalculável ao movimentar sem responsabilidade a pesada máquina do Poder Judiciário e da Administração Pública. E o pior, Exa., buscando burlar a coisa julgada” (fls. 64). Importante, outrossim, destacar circunstância peculiar acerca da preliminar processual alegada, conforme narrada na representação: “Cumpre ainda salientar que a preliminar de litispendência não foi desarrazoada. A reclamação trabalhista inicialmente recebeu o número de autos 0002743-05.2014.5.02.0036, o HCFMUSP foi citado e apresentou contestação. O Juízo da 36ª VT/SP declinou de sua competência, sem intimação do HCFMUSP, a ação foi redistribuída à 39ª VT/SP e recebeu outro número, qual seja, 000017048.2015.5.02.0039. O HCFMUSP foi novamente citado, por engano, e por essa razão apresentou nova contestação. Esses dois números de autos judiciais geraram dois diferentes números no sistema pge.net – 2014.01.403489 e 2015.01.081824, com duas pendências distintas para elaboração de contestação” (fls. 5). 2 PROCURADORIA GERAL DO ESTADO CONSELHO COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS E a documentação juntada às fls. 23/76 comprova o asseverado na representação inaugural. Extrai-se de fls. 58 que houve determinação judicial de redistribuição dos autos do Processo n.º 0002743-05.2014.5.02.0036 tendo em vista a inexistência de identidade de partes a justificar a distribuição por dependência. Ao promover a distribuição eletrônica, o MM. Juízo Distribuidor imprimiu ao processo nova numeração (Processo n.º 000017048.2015.5.02.0039 – fls. 59) e a autarquia foi novamente citada (fls. 60/62), embora houvesse contestação apresentada anteriormente pelo ente público (fls. 45/54). Importante, nesse ponto, destacar o teor do artigo 5º da Resolução n.º 65/2008 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta a numeração única de processos no âmbito do Poder Judiciário: Seção IV DA FORMA DE IMPLANTAÇÃO REDISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS – Art. 5º Na hipótese de redistribuição do processo para órgão jurisdicional pertencente a outro tribunal, este deve atribuir novo número ao processo, observado o artigo 1º desta Resolução. § 1º Na hipótese do caput deste artigo, o novo órgão de tramitação deve possibilitar a consulta ao processo também pelo número original. § 2º Não será atribuído novo número quando o processo for redistribuído para órgão jurisdicional pertencente ao mesmo tribunal, ainda que identificado por outra unidade de origem (OOOO), mas a redistribuição deve ser registrada no movimento/andamento do processo. (g.n.) Vale dizer: redistribuídos os autos do processo para órgão jurisdicional pertencente ao mesmo Tribunal, a numeração não poderia ser alterada por imperativo normativo editado pelo Conselho Nacional de Justiça. Dessa forma, inegável que o procedimento entabulado pelo MM. Juízo Distribuidor do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região induziu o Procurador do Estado a erro plenamente escusável quando da elaboração da defesa da autarquia. 3 PROCURADORIA GERAL DO ESTADO CONSELHO COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS A par da discussão procedimental, o caso recomenda a detida análise do teor da manifestação do representante judicial da autarquia, eis que a ação indenizatória contra ele ajuizada nela se fundamenta. O perfunctório exame das alegações deduzidas em juízo evidencia inexistir qualquer menção desonrosa, ofensiva ou de qualquer outra forma danosa à moral da parte na ação trabalhista ou de seu representante judicial. É de se destacar que sequer há menção, ainda que reflexa, ao causídico da reclamante. As expressões “irresponsabilidade”, “sem responsabilidade” e “burlar a coisa julgada” foram associadas claramente à parte reclamante, que obviamente não se confunde com seu advogado. Tais afirmações, ademais, não se revelam exacerbadas ou desarrazoadas e, em momento algum, representam violação ao Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. Ao contrário, o Procurador do Estado procurou defender com afinco a preliminar processual, nos estritos limites de seu dever profissional. Por oportuno, convém destacar a previsão contida no artigo 133 da Constituição Federal: Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Regulamentando o preceito estabelece o Estatuto da Advocacia (Lei Federal n.º 8.906/1994): constitucional, Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça. § 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. § 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público. § 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei. (g.n.) 4 PROCURADORIA GERAL DO ESTADO CONSELHO COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS (...) Art. 7º São direitos do advogado: (...) § 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. (Vide ADIN 1.127-8) (g.n.) Nota-se, portanto, que a atuação do Procurador do Estado em nada transbordou os limites ético-legais insculpidos na Constituição Federal e no Estatuto da Advocacia, revelando-se a ação indenizatória contra ele ajuizada verdadeira ofensa a seus direitos e prerrogativas legalmente consagrados. Ainda mais por se evidenciar que nenhum dos termos supostamente ofensivos foram proferidos em relação ao patrono da reclamante no processual judicial em que protocolizada a petição contestada. E, mesmo que o fossem, estariam acobertados pela imunidade profissional do advogado, posto que não infringem qualquer dispositivo do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil. Corriqueiro na lide forense o uso de termos enfáticos e até exasperados para defender a tese jurídica estampada na peça judicial, sendo inadmissível que tais termos sejam considerados como ofensivos à moral do patrono da parte litigante contrária. Didática, no ponto, a lição do Eminente Ministro Maurício Corrêa, em voto proferido no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do HC n.º 81.389-5/SP: “Penso não poder os advogados (sic) – e aqui o conceito tanto se aplica ao paciente quanto à vítima – não devem comportar-se como se estivessem num convento de freiras, de modo que aquilo que escrevem e falam deve obedecer a certos cânones, que se desobedecidos podem levá-los ao inferno” A conduta do advogado Dr. Josevanildo Ferreira de Araújo (OAB/SP n.º 285.696) de processar civil e pessoalmente o Procurador do Estado Dr. Leonardo Gonçalves Ruffo em razão de ato profissional claramente lícito atenta contra literal dispositivo da Lei Federal n.º 8.906/1994, o que indica, ao 5 PROCURADORIA GERAL DO ESTADO CONSELHO COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS menos em tese, afronta ao disposto no artigo 34, inciso VI, da mesma lei, que assim dispõe: Art. 34. Constitui infração disciplinar: (...) VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior; A ocorrência, em tese, de infração disciplinar, portanto, recomenda o envio de representação ao C. Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil para instauração do procedimento disciplinar previsto no artigo 51 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. Ademais, tendo em vista o flagrante desrespeito e afronta ao Procurador do Estado no exercício regular de suas funções, irrefutável a necessidade de se promover seu desagravo, nos termos do artigo 2º, inciso XVI, do Regimento Interno deste Colegiado. Dessa forma, ante os elementos dos autos, a Comissão de Direitos e Prerrogativas, por seus membros abaixo-assinados, propõe ao Plenário desse Colendo Conselho Superior que seja deferido integralmente o pedido inicial, promovendo-se o desagravo do Procurador do Estado Dr. Leonardo Gonçalves Ruffo, nos termos do Regimento Interno desse E. Conselho, e a representação ao C. Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos do artigo 51 e seguintes do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. CPGE, 7 de julho de 2015. DANILO GAIOTTO CONSELHEIRO RELATOR FERNANDO FRANCO SUBPROCURADOR GERAL DO CONTENCIOSO GERAL JOSÉ LUIZ BORGES DE QUEIROZ CORREGEDOR GERAL KELLY PAULINO VENÂNCIO CONSELHEIRA 6