Bom dia, solicito orientação acerca do seguinte problema: Processo de
competência do Tribunal do Júri, onde a Defensoria Pública, no prazo do artigo 422, CPP, se
declarou impedida, tendo em vista que atua na defesa da vítima em outros processos que
tramitam na Comarca.
Em virtude disso, foi nomeado defensor dativo, o qual como primeiro ato no
processo, requereu a anulação dos atos processuais, pois a Defensoria estaria impedida de
atuar no feito. Declara ainda que houve evidente cerceamento de defesa do acusado, em
virtude que referiu em seu interrogatório duas testemunhas que presenciaram o fato,
requerendo a Defensoria a oitiva das mesmas, porém nao logrando êxito em fornecer o
endereço destas, desisitindo da oitiva, fincado assim o réu prejudicado em sua defesa.
Entende o Promotor que nao seria caso de nulidade absoluta pois nao pode a
Defensoria se declarar impedida, tornando assim toda a instituição impedida de atura no feito.
Seria caso de impedimento se fosse em relação a um Defensor específico, que mantivesse
relação de amizade íntima com a vítima, por exemplo. O que nao é o caso.
Ainda, nao seria caso de nulidade relativa, pois esta deve ser declarada no
primeiro momento em que a defesa fala aos autos. Neste caso, este momento já estaria
precluso, pois o fato de um novo defensor passar a atuar no processo nao garantitia novo prazo
para alegar nulidade. Este raciocínio está correto?
De fato, não se trata de impedimento, pois não preenchida nenhuma
das hipóteses legais previstas tanto o Código de Processo Penal, quanto nas Leis
Complementares específicas da Defensoria Pública.
Veja-se que na Lei Complementar nº 80/1994 - que organiza a
Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve
normas gerais para sua organização nos Estados - as causas gerais de
impedimento do Defensor Público são:
Art. 131. É defeso ao membro da Defensoria Pública do
Estado exercer suas funções em processo ou procedimento:
I - em que seja parte ou, de qualquer forma, interessado;
II - em que haja atuado como representante da parte,
perito, Juiz, membro do Ministério Público, Autoridade
Policial, Escrivão de Polícia, Auxiliar de Justiça ou prestado
depoimento como testemunha;
III - em que for interessado cônjuge ou companheiro,
parente consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral, até
o terceiro grau;
IV - no qual haja postulado como advogado de
qualquer das pessoas mencionadas no inciso
anterior;
V - em que qualquer das pessoas mencionadas no inciso III
funcione ou haja funcionado como Magistrado, membro do
Ministério Público, Autoridade Policial, Escrivão de Polícia ou
Auxiliar de Justiça;
VI - em que houver dado à parte contrária parecer
verbal ou escrito sobre o objeto da demanda;
VII - em outras hipóteses previstas em lei.
Art. 132. Os membros da Defensoria Pública do Estado não
podem participar de comissão, banca de concurso, ou de
qualquer decisão, quando o julgamento ou votação disser
respeito a seu cônjuge ou companheiro, ou parente
consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral, até o
terceiro grau.
Em
acréscimo
a
tais
disposições,
a
Lei
Complementar
nº
11.795/2002, estabelece que:
Art. 97 - Aos Defensores Públicos do Estado é defeso
exercer suas funções em processo ou procedimento em que
ocorrerem as hipóteses previstas nos artigos 131 e 132 da
Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei
Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994), bem como
nos demais casos previstos na legislação processual.
§ 1º - É defeso aos membros da Defensoria Pública do
Estado deixar de patrocinar ação, sob invocação de
impedimento
não
previsto
em
lei.
§ 2º - Na hipótese em que, por razões de fôro íntimo, o
Defensor Público do Estado pretenda deixar de atuar em
processo a seu encargo, deverá dirigir requerimento ao
Defensor Público-Geral do Estado, que, ouvido o CorregedorGeral, decidirá sobre seu deferimento.
Por sua vez, o Código de Processo Penal, no título referente ao Juiz,
ao Ministério Público, ao acusado, ao defensor, assistentes e auxiliares da justiça,
estabelece que:
Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo
em que:
I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo
ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau,
inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério
Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas
funções ou servido como testemunha;
III - tiver funcionado como juiz de outra instância,
pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente,
consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até
o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente
interessado no feito.
Art. 253. Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo
processo os juízes que forem entre si parentes,
consangüíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o
terceiro grau, inclusive.
Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer,
poderá ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver
respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter
criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim,
até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou
responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer
das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer
das partes;
Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade
interessada no processo.
Art. 267. Nos termos do art. 252, não funcionarão como
defensores os parentes do juiz.
Pois bem, com os dispositivos em tela e grifados os que mais
poderiam se aproximar do caso em questão, podemos notar impedido ele estaria
caso atuasse como advogado da vítima naquele mesmo processo, como assistente
de acusação, por exemplo, ou, como assinalado na pesquisa, amigo íntimo da
parte, ou ainda diretamente interessado no processo.
Além do mais, é preciso saber a partir de quando ele começou a
defender a vítima nos outros processos, pois certamente deve ser posterior a este,
ou do contrário já deveria ter sinalizado o “impedimento” apontado. E outra, o
impedimento se daria em relação ao segundo processo, caso ele existisse.
Mutatis mutandis, em caso análogo o Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul já decidiu que o fato do defensor público representar
testemunha em outro processo não gera impedimento, repare-se:
Ementa: HABEAS CORPUS. PEDIDO DE IMPEDIMENTO
DE DEFENSOR PÚBLICO PARA ATUAR NO PROCESSO.
ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE POR TER REPRESENTADO
TESTEMUNHA EM OUTRO FEITO. ORDEM DENEGADA.
(Habeas Corpus Nº 70046479788, Primeira Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão,
Julgado em 18/01/2012)
De qualquer sorte, ainda que possa restar configurada, em tese, uma
hipótese de suspeição por foro íntimo, com consequente nulidade, mesmo assim
poderíamos afastar o alegado prejuízo. Primeiro porque não houve cerceamento no
direito de defesa, apenas não foram ouvidas em razão da não localização. Segundo
porque, havendo interesse, tais testemunhas podem ser arroladas para serem
ouvidas em plenário, afastando, de vez, o prejuízo à defesa.
Vale lembrar, em se tratando de nulidades, vigora o princípio, pas de
nullité sans grief, seja ela absoluta ou relativa, e nesse sentido, alinhado ao
entendimento do Pretório Excelso, vem se manifestando o Superior Tribunal de
Justiça;
HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE.
TESE DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARA PROPOR AÇÃO CRIMINAL SUSTENTADA EM
PROCEDIMENTO
POR
ELE
CONDUZIDO.
CONSTRANGIMENTO
ILEGAL.
INOCORRÊNCIA.
CERCEAMENTO
DE
DEFESA.
AUSÊNCIA
DE
OPORTUNIDADE PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA
PRÉVIA.
CONSTRANGIMENTO
ILEGAL.
INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
ALEGAÇÃO
DE
ATIPICIDADE
DA
CONDUTA.
INEXISTÊNCIA. 1. "De acordo com entendimento
consolidado na Quinta Turma deste Superior Tribunal
de Justiça, amparado na jurisprudência do Pretório
Excelso, o órgão ministerial possui legitimidade para
proceder, diretamente, à colheita de elementos de
convicção para subsidiar a propositura de ação penal,
só lhe sendo vedada a presidência do inquérito, que
compete exclusivamente à autoridade policial, de tal
sorte que a realização de tais atos não afasta a
legitimidade do Ministério Público para a propositura da
ação penal, entendimento este contido no enunciado
234 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, que
afirma que 'A participação do membro do Ministério
Público na fase investigatória criminal não acarreta o
seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da
denúncia' (HC 125.580/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. JORGE
MUSSI, DJe de 14/02/2011). 2. É consectário lógico da
própria função do órgão ministerial - titular exclusivo
da ação penal pública - proceder à realização de
diligências investigatórias pertinentes ao respectivo
âmbito de atuação, a fim de elucidar a materialidade
do crime e os indícios de autoria, mormente quando
houver indício de infração penal atribuída a membro do
Parquet, hipótese em que a apuração competirá ao
Ministério Público Federal, por seus órgãos
especialmente designados nos termos do art. 18,
parágrafo único, da Lei Complementar n.º 75/93, e do
art. 41, parágrafo único, da Lei n.º 8.625/93.
Precedente. 3. No que concerne à alegação de que não
foi permitido ao Paciente - regulamente intimado, em
10/05/2006, para ser ouvido, por carta de ordem, pelo
Juízo da Comarca de São Roque de Minas/PR e
interrogado na presença de seu advogado em
12/06/2006 - apresentar defesa prévia, de acordo com
os autos, aberto prazo para a parte, com a realização
do interrogatório, o advogado responsável pela defesa
do Paciente nada requereu. 4. "Conforme orientação
há muito firmada nesta Corte Superior, somente haverá
nulidade absoluta, no caso de crimes de
responsabilidade cometidos por prefeitos, não
ocorrendo a notificação do acusado para apresentação
de defesa prévia, nos termos do art. 2º, I, do Decretolei 201/67 [...]" (HC 92.209/RN, 5.ª Turma, Rel. Min.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 25/05/2009).
5. A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563
do Código de Processo Penal, é essencial à
alegação de nulidade, seja ela relativa ou
absoluta, eis que, conforme já decidiu a Corte
Suprema, "o âmbito normativo do dogma
fundamental da disciplina das nulidades - pas de
nullité sans grief - compreende as nulidades
absolutas" (HC 81.510, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 1.ª Turma, unânime, DJ de 12.4.2002).
6. A denúncia encontra-se em total conformidade com
o disposto no art. 41, do Código de Processo Penal,
pois demonstra, de forma clara e objetiva, a
materialidade, em tese, do crime previsto no art. 38,
da Lei n.º 9.605/98, com todas as suas circunstâncias,
bem como o envolvimento, em tese, do Recorrente no
referido delito, de forma suficiente para a deflagração
da ação penal, bem como para o pleno exercício de sua
defesa. 7. Ordem denegada. (HC 104.062/MG, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
11/10/2011, DJe 19/10/2011)
Qualquer dúvida, estaremos à disposição.
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De fato, não se trata de impedimento, pois não preenchida